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diagnostico pre-natal.p65
Diagnóstico pré-natal da pentalogia de Cantrell por US bidimensional e tridimensional / Araujo Jr E et al.
Relato de Caso
Diagnóstico pré-natal da pentalogia
de Cantrell pelo ultra-som bidimensional
e tridimensional: relato de caso
Edward Araujo Júnior1, Hélio Antonio Guimarães Filho2, Cláudio Rodrigues Pires3,
Sebastião Marques Zanforlin Filho 3
Resumo
A pentalogia de Cantrell é uma anomalia congênita rara caracterizada por defeito de fechamento
da parede abdominal supra-umbilical, defeito na porção inferior do esterno, defeito na porção anterior do diafragma, defeito no pericárdio diafragmático e defeitos intracardíacos. Pode estar associada a outras anomalias, determinando variantes desta síndrome. O diagnóstico ultra-sonográfico pré-natal é de extrema importância para a detecção das malformações estruturais e para o
Descritores:
Pentalogia de Cantrell; Ectopia cordis;
Onfalocele; Ultra-som tridimensional.
planejamento cirúrgico pós-natal. Apresentamos um caso de pentalogia de Cantrell diagnosticado
na 14ª semana de gestação, destacando os achados à ultra-sonografia bidimensional e a importância da ultra-sonografia tridimensional na avaliação das malformações e na melhor compreensão da doença pelos genitores.
)
pentalogia de Cantrell é uma anomalia congênita rara caracterizada pela presença de defeito na porção baixa esternal, defeito na porção anterior do diafragma,
defeito da parede abdominal supra-umbilical, defeito no pericárdio diafragmático e
defeitos intracardíacos congênitos[1].
O diagnóstico ultra-sonográfico pré-natal, em geral, é realizado no segundo trimestre ao evidenciar a ectopia cordis associado a defeito aberto da parede abdominal. Entretanto, há relatos de seu diagnóstico no primeiro trimestre[2]. Há apenas
dois relatos na literatura do uso da ultra-sonografia tridimensional no diagnóstico
dessa doença no primeiro trimestre[2,3].
Descrevemos um caso de pentalogia de Cantrell diagnosticado na 14ª semana de
gestação, enfocando os principais achados à ultra-sonografia bidimensional, e destacando a importância da ultra-sonografia tridimensional na avaliação das malformações estruturais.
RELATO DO CASO
Recebido para publicação em 25/7/2005. Aceito,
após revisão, em 30/8/2005.
Trabalho realizado no Cetrus (Centro de Treinamento
em Ultra-sonografia de São Paulo), São Paulo, SP.
1
Médico Assistente do Cetrus.
2
Professor do Cetrus.
3
Professores e Diretores do Cetrus.
Correspondência: Dr. Edward Araujo Júnior. Rua Antonio Borba, 192, ap. 43, Alto de Pinheiros. São Paulo,
SP, 05451-070. E-mail: [email protected]
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Mulher de 22 anos de idade, primigesta, raça branca, natural e procedente de
São Paulo, compareceu ao serviço para realização de primeiro exame de ultra-som
obstétrico na gestação, apresentando idade gestacional menstrual compatível com
14 semanas.
A ultra-sonografia obstétrica por via transabdominal revelou presença de feto
único e vivo, com medida do comprimento cabeça-nádega compatível com a idade
gestacional menstrual. Os achados ultra-sonográficos foram os seguintes: aumento
evidente na medida da translucência nucal (TN = 6,8 mm), presença de ectopia
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Araujo Jr E et al. / Diagnóstico pré-natal da pentalogia de Cantrell por US bidimensional e tridimensional
Fig. 1 – Corte sagital do feto, observando-se aumento evidente na
medida da translucência nucal (TN = 6,8 mm).
Fig. 2 – Corte sagital do feto, observando-se o extenso defeito de
fechamento da parede abdominal, sendo que ao Doppler colorido
evidencia-se a ectopia cordis.
cordis evidenciada pelo Doppler colorido e presença de
extenso defeito de fechamento da parede abdominal (Figs.
1 e 2). A ultra-sonografia tridimensional, no modo de
superfície, mostrou claramente o defeito de fechamento
da parede tóraco-abdominal (ectopia cordis e onfalocele) (Fig. 3). Os achados ultra-sonográficos foram compatíveis com o diagnóstico sindrômico de pentalogia de Cantrell, sendo a paciente encaminhada para acompanhamento. A realização do cariótipo fetal por biópsia de vilo
corial foi compatível com trissomia do cromossomo 18.
A paciente, quatro semanas após a realização do exame ultra-sonográfico, evoluiu com quadro de abortamento espontâneo. O exame anatomopatológico confirmou
a presença de defeito aberto da parede abdominal, esternal baixo, diafragma e pericárdio diafragmático.
DISCUSSÃO
Fig. 3 – Ultra-som tridimensional, modo de superfície, observando-se o defeito da parede tóraco-abdominal (onfalocele e ectopia
cordis).
A pentalogia de Cantrell foi descrita pela primeira
vez por Cantrell e cols., em 1958, sendo constituída por
defeito na porção inferior do esterno, defeito de fechamento da parede abdominal média supra-umbilical, deficiência do diafragma anterior, defeito do pericárdio diafragmático e defeitos intracardíacos[1].
Trata-se de uma anomalia congênita muito rara, com
menos de um caso para cada 100.000 nascidos vivos, afetando na proporção de 2:1 para os sexos masculino e
feminino, respectivamente. Os afetados do sexo feminino
em geral têm sintomas mais graves[4].
A origem embriológica dos defeitos da parede abdominal e esterno se relaciona ao defeito na migração destas estruturas primordiais mesodérmicas. Em relação aos
defeitos no pericárdio e diafragma, há falência parcial
ou total do desenvolvimento do epimiocárdio, estrutura
formadora da parede cardíaca composta pelo miocárdio
e pericárdio visceral[5].
A etiologia dessa anomalia não está totalmente esclarecida, sendo provavelmente multifatorial. Há casos descritos de associação a cromossomopatias[6], abuso materno
de beta-aminopropionitrile[7] e inalação de cloro[8].
O diagnóstico diferencial é principalmente realizado
com alterações que cursem com ectopia cordis, mas que,
no entanto, não configurem pentalogia de Cantrell, tais
como: ectopia torácica simples, síndrome da banda amniótica e alguns casos da síndrome de Body-Stalk.
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Diagnóstico pré-natal da pentalogia de Cantrell por US bidimensional e tridimensional / Araujo Jr E et al.
A ultra-sonografia tem papel importante na detecção das malformações da pentalogia de Cantrell e no planejamento do melhor tratamento e correção cirúrgica.
Há apenas dois relatos na literatura do uso da ultrasonografia tridimensional no diagnóstico da pentalogia
de Cantrell. Liang e cols.[2] reportaram um caso de ectopia cordis e onfalocele diagnosticado na 10ª semana de
gestação pelos modos bi e tridimensional, sendo os achados patológicos compatíveis com variante da pentalogia
de Cantrell. Bonilla-Musoles e cols.[3] avaliaram 12 fetos
com defeitos de fechamento da parede abdominal, sendo
um caso de pentalogia de Cantrell, pelos modos bi e tridimensional, e observaram que todos os defeitos de fechamento foram diagnosticados pelo modo bidimensional; entretanto, informações adicionais pelo ultra-som
tridimensional foram fornecidas em todos os casos.
Em nosso caso específico, realizamos o diagnóstico
na 14ª semana de gestação ao evidenciar a ectopia cordis
e o defeito de fechamento da parede abdominal. Observamos também o evidente aumento da translucência nucal, ratificando a associação da pentalogia de Cantrell com
cromossomopatias e a importância da análise cariotípica
nesses casos. A ultra-sonografia tridimensional, no modo
de superfície, evidenciou claramente o defeito de fechamento da parede tóraco-abdominal, além de facilitar a
compreensão da gravidade da doença pelos genitores.
A pentalogia de Cantrell é uma malformação extremamente grave, com altos índices de morbidade e mortalidade perinatais. O diagnóstico pré-natal precoce possibilita acompanhamento em serviço terciário com equipe multidisciplinar. O surgimento da ultra-sonografia
tridimensional abre perspectivas de se avaliar de forma
mais adequada as malformações estruturais e se planejar de forma mais adequada a terapêutica pós-natal nos
casos possíveis.
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REFERÊNCIAS
1. Cantrell JR, Haller JA, Ravitch MM. A syndrome of congenital
defects involving the abdominal wall, sternum, diaphragm, pericardium and heart. Surg Gynecol Obstet 1958;107:602–14.
2. Liang RI, Huang SE, Chang FM. Prenatal diagnosis of ectopia
cordis at 10 weeks of gestation using two-dimensional and threedimensional ultrasonography. Ultrasound Obstet Gynecol
1997;10:137–9.
3. Bonilla-Musoles F, Machado LE, Bailão LA, Osborne NG, Raga
F. Adbominal wall defects: two- versus three-dimensional ultrasonographic diagnosis. J Ultrasound Med 2001;20:379–89.
4. Emanuel PG, Garcia GI, Angtuaco TL. Prenatal detection of
anterior abdominal wall defects with US. RadioGraphics 1995;
15:517–30.
5. Siles C, Boyd PA, Manning N, Tsang T, Chamberlain P. Omphalocele and pericardial effusion: possible sonographic markers
for the pentalogy of Cantrell or its variants. Obstet Gynecol
1996;87:840–2.
6. Fox JE, Gloster ES, Mirchandani R. Trisomy 18 with Cantrell
pentalogy in stillborn infant. Am J Med Genet 1998;31:391–4.
7. Barrow MV, Willis LS. Ectopia cordis (ectocardia) and gastroschisis induced in rats by maternal administration of lathyrogen,
beta-aminopropionitrile (BAPN). Am Heart J 1972;83:518–26.
8. Sosa, MO. Pentalogia de Cantrell con malformaciones multiples
y asociada a inhalación de cloro. Ultrason Med 1994;10:27–33.
Abstract. Prenatal diagnosis of pentalogy of Cantrell using two-dimensional and three-dimensional ultrasound: a case report.
Pentalogy of Cantrell is a rare congenital anomaly consisting of a
supra-umbilical abdominal wall defect, defect of the anterior portion of the diaphragm, inferior pericardial defect and cardiac anomalies. Variants of the syndrome may be associated with other congenital anomalies. Ultrasound is important in the correct diagnosis of the various structural anomalies and planning of post-natal
surgical management. We present a case of pentalogy of Cantrell
diagnosed in the 14th week of pregnancy emphasizing the twodimensional findings and the role of three-dimensional ultrasound
in the evaluation of the defects and in helping the parents visualize the anomaly.
Key words: Pentalogy of Cantrell; Ectopia cordis; Omphalocele; Threedimensional ultrasound.
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