Jornal MSIa vol XX, nº19

Transcrição

Jornal MSIa vol XX, nº19
“À guerra, cavaleiros
esforçados! Pois os
anjos sagrados em
socorro estão em terra.
À guerra!”
(Gil Vicente)
2ª quinzena de março de 2014
Vol.XX, nº19
EDITORIAL
Uma ordem
pós-Crimeia
A reincorporação da Crimeia à Federação Russa parece ser não apenas um fato consumado, mas, igualmente, um divisor de águas para a ordem mundial
pós-Guerra Fria, após duas décadas marcadas pela hegemonia incontestável dos EUA e sua visão militarizada das relações internacionais.
EDITORIAL, P.2
Síria:
piromaníacos
retomam
ofensiva
Enquanto as atenções
do mundo estão voltadas
para a Ucrânia, a guerra
civil na Síria atinge um
momento de grande
volatilidade e risco.
P. 4
A crise na
Ucrânia e
a ideologia
de gênero
A inclusão de uma
parlamentar russa contrária
à ideologia de gênero na
lista de sanções demonstra
a amplitude da investida
ocidental contra o país.
P. 8
Racionamento
de energia:
adiamento
pode ampliar
problemas
Em Sebastopol, milhares de crimeanos comemoram a vitória do “sim”
à secessão da Ucrânia, no referendo de 16 de março (AFP)
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O governo federal ainda
está subestimando os
problemas do sistema
elétrico do País.
P. 12
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Solidariedade Ibero-americana
EDITORIAL
Uma ordem pós-Crimeia
A despeito da barragem de propaganda
negativa e ameaças políticas desfechada pelas potências da Organização do
Tratado do Atlântico Norte (OTAN), a
reincorporação da Região Autônoma da
Crimeia à Federação Russa parece ser
não apenas um fato consumado, mas,
igualmente, um divisor de águas para a
ordem mundial, colocando um potencial
ponto final no cenário pós-Guerra Fria,
marcado pela hegemonia incontestável
dos EUA e sua visão militarizada das
relações internacionais. Efetivamente,
alguns comentaristas, como o mexicano
Alfredo Jalife-Rahme, já falam em uma
“ordem pós-Crimeia”, para qualificar o
impacto da decidida atitude do presidente Vladimir Putin, diante do que se
configurava como o lance final da expansão da OTAN rumo ao Leste, em um
ostensivo cerco à Federação Russa, iniciado logo após a implosão da União
Soviética, em 1991, contrariamente aos
acordos estabelecidos entre o líder soviético Mikhail Gorbachov, o presidente
estadunidense George H.W. Bush e o
chanceler alemão Helmut Kohl.
Tal percepção é compartilhada por
um considerável número de nações fora
do eixo América do Norte-Europa, como
se mostrou na votação em que a Assembleia Geral das Nações Unidas considerou ilegal o referendo em que a população da Crimeia decidiu a sua secessão
da Ucrânia. Apesar de 100 países terem
votado a favor, 11 se opuseram e outros
58 se abstiveram, em uma votação na
qual se sabe que estadunidenses e europeus colocaram todo o peso da sua diplomacia para influenciar os votos de
países menores. Entre os que se abstiveram, alinharam-se os parceiros da
Rússia no grupo BRICS – Brasil, Índia,
China e África do Sul.
Com 68 países se recusando a aderir à
agenda e à retórica agressivas dos membros da OTAN, fica difícil admitir que a
Rússia esteja “isolada” pela comunidade
internacional – mantra oriundo das
chancelarias daqueles países e repetido
ad nauseam pela grande mídia ocidental
–, já que apenas os BRICS representam
cerca de 40% da população mundial.
A propósito, na Cúpula de Segurança
Nuclear, realizada em Haia, em 24 de
março, os chanceleres do Brasil, Índia,
China e África do Sul divulgaram uma
nota oficial com um claro apoio à Rússia
– fato virtualmente ignorado pela mídia
brasileira, que tem preferido se concentrar em cobrar do governo brasileiro
uma posição contrária a Moscou. A nota
fez uma crítica direta às sanções e às
ameaças contra a Rússia: “A escalada de
linguagem hostil, sanções e contra-sanções e força não contribui para uma solução sustentável e pacífica, de acordo
com o direito internacional, incluindo
EDIÇÃO EM PORTUGUÊS
Diretora: Silvia Palacios
Publicado pelo
MSIA – Movimento
de Solidariedade
Ibero-americana
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Conselho editorial: Angel Palacios Zea,
Geraldo Luís Lino, Lorenzo Carrasco e
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os princípios e propósitos da Carta das
Nações Unidas. (...) Os países do BRICS
concordam em que os desafios existentes
dentro das suas regiões devem ser encaminhados no âmbito das Nações Unidas,
de uma maneira calma e racional.”
Da mesma forma, a nota enviou um
recado ao governo da Austrália, que sediará a próxima cúpula do G-20, em Brisbane, em novembro, sobre a ameaça de
não convidar oficialmente o presidente
Vladimir Putin para o evento, vocalizada
pela chanceler Julie Bishop, deixando
claro que tal atitude seria inaceitável.
A pouca disposição de tantos países
para criticar a Rússia pela recuperação
do seu território, cedido à Ucrânia há 60
anos pelo regime soviético, deixa transparecer um “cansaço” com as políticas
hegemônicas prevalecentes nas últimas
décadas. Uma agenda baseada na convergência de interesses entre os promotores da hiperfinanceirização da economia mundial com os abusos do emprego
da força militar dos EUA e seus aliados
da OTAN, mobilizados para promover
uma sequência de mudanças de regime
em certos países-alvo, em nome da “democracia” e outras causas supostamente
meritórias. Não por acaso, Putin é hoje
um dos chefes de governo com maior
aprovação popular entre os seus governados, além de contar com a simpatia
expressa ou velada de um número crescente de cidadãos de todo o mundo, que
veem nele um estadista com disposição
para se opor ao supremacismo ocidental.
Assim, é irônico que a chanceler alemã Angela Merkel tenha se referido a ele
como alguém que estaria “em outro
mundo”, em uma conversa com o presidente Barack Obama. Em realidade, o
líder do Kremlin está mesmo vislumbrando um “outro mundo”, que não
seja baseado no “excepcionalismo” de
uma única nação – como ressaltou em
seu célebre artigo no New York Times de
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11 de setembro último – e no qual todos
os países, grandes e pequenos, tenham
assegurado o seu pleno direito ao desenvolvimento. Para tanto, está empenhado
em colocar o seu país à frente de um
vasto impulso mundial para o estabelecimento de uma nova ordem internacional, na qual a confrontação política e
militar entre países ou blocos de países
possa dar lugar, de vez, a um marco de
cooperação para o pleno desenvolvimento de toda a humanidade.
Um elemento central para isto é a sua
visão de uma alternativa pacífica de desenvolvimento de infraestutura, econômico
e cultural de toda a região eurasiática,
envolvendo tanto a Europa como os
EUA e outros países, em um vasto esforço com potencial para atuar como um
elemento-chave da reconstrução econômica mundial. Por isso, enquanto, nas
capitais da OTAN, se sucediam reuniões
para implementar a agenda anti-russa,
em Moscou, em 11 de março, a Academia Russa de Ciências reunia personalidades russas e de outros países, para
discutir o Corredor de Desenvolvimento
Eurasiático (ver o artigo de Mario Lettieri e Paolo Raimondi, nesta edição).
Nesse contexto, a posição dos BRICS
poderá ser de grande relevância, principalmente, se o grupo se dispuser a
acelerar a implementação das propostas
conjuntas discutidas em suas últimas
cúpulas. Entre elas, a consolidação da
cooperação para o estabelecimento de
uma nova infraestrutura financeira internacional, para o que a criação de um
banco de fomento conjunto, o chamado
“Banco dos BRICS”, seria um passo de
grande importância. Da mesma forma, o
aprofundamento da crise financeira global dá ao bloco a possibilidade de ampliação dos esquemas de trocas comerciais em
suas próprias moedas, já iniciados em
escala modesta, como alternativa ao uso
do dólar estadunidense.
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Solidariedade Ibero-americana
Síria: piromaníacos
retomam ofensiva
Lorenzo Carrasco
Enquanto as atenções do mundo estão
voltadas para a crise na Ucrânia, a guerra civil na Síria atinge um momento de
grande volatilidade e risco, em que o governo do presidente Bashar al-Assad tem
logrado importantes avanços contra os
rebeldes, ao mesmo tempo em que as potências estrangeiras que os apóiam atuam
de uma forma consistente com uma intenção de expandir o conflito.
De fato, a situação síria está estreitamente relacionada à ofensiva contra a
Federação Russa de Vladimir Putin, cuja
ação diplomática tem conseguido, até agora, evitar que o conflito no país se espalhe
pelo Grande Oriente Médio. Ao fustigar a
Rússia, nas duas frentes, os poderes hegemônicos que dominam Washington e
o processo decisório na Organização do
Tratado do Atlântico Norte (OTAN) explicitam a sua insanidade e insensibilidade, com uma intenção cada vez menos
disfarçada de provocar um conflito de
grandes proporções, que, supostamente,
lhes permita a preservação do seu sistema de hegemonia global.
Em 18 de março, o governo dos EUA
determinou o fechamento da embaixada
síria em Washington e ordenou que os
seus diplomatas e funcionários que não
fossem cidadãos estadunidenses deixassem o país. A justificativa oficial foi a
recusa de Assad, responsabilizado pelo
conflito, de deixar o poder.
No dia seguinte, aviões israelenses
atacaram postos militares sírios próximos às Colinas de Golan, matando um
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soldado e ferindo vários outros, em um
dos mais sérios incidentes entre os dois
países, nas últimas décadas. Segundo Tel
Aviv, o ataque foi uma retaliação pela
explosão de uma bomba em uma estrada
do lado israelense da fronteira, que deixou quatro militares feridos. Embora os
autores do atentado não tenham sido
identificados, o governo israelense considera Assad como responsável por quaisquer ataques vindos da Síria e já anunciou que os retaliará - embora seja bem
mais provável que eles devam se originar
dos opositores de Assad.
Por sua vez, a Turquia ampliou a sua
interferência no conflito sírio a níveis
inusitados, apoiando de forma decidida
os rebeldes sírios que operam a partir
do seu território, inclusive, com ações
militares, e ameaçando até mesmo criar
incidentes para justificar uma invasão do
território sírio.
Em 23 de março, um caça da Força
Aérea Síria foi abatido por caças turcos,
dentro do território sírio, enquanto tentava atacar um comboio rebelde de cerca
de 4 mil homens, integrado por milícias
da Frente Revolucionária Síria, Frente Islâmica e Frente al-Nusra, esta última, vinculada à rede terrorista Al-Qaida. A ofensiva rebelde visa à captura de áreas na
costa noroeste da Síria, onde se situam
as terras do clã de Assad. Com o apoio
turco, os insurgentes conseguiram estabelecer um corredor na região, capturando as cidades de Kazab, Khirbet e Samra
e sitiando a cidade costeira de Latakia,
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onde provocaram uma fuga em massa da
população majoritariamente cristã (DebkaFile, 29/03/2014 e RT, 1/04/2014).
As intenções turcas foram explicitadas com o vazamento, no Youtube, no
dia 28, de um vídeo com a gravação de
uma conversa entre o chanceler turco
Ahmet Davutoglu, o chefe do serviço de
inteligência (MTI), Hakan Fidan, e um
oficial-general não identificado, discutindo sobre uma forma de criar um falso
ataque de mísseis sírios contra o território turco, como um pretexto para justificar uma operação militar em grande escala contra a Síria. A resposta do governo
do premier Recep Erdogan foi ordenar
um bloqueio do sítio, como já havia feito,
dias antes, com o Twitter. De uma forma
emblemática do tratamento diferenciado
concedido pela mídia ocidental a assuntos que não se enquadram perfeitamente na sua agenda política, o episódio
recebeu escassa divulgação nos grandes
meios de comunicação da Europa e da
América do Norte.
Em uma análise publicada em seu
sítio, em 22 de março, o veterano jornalista estadunidense Eric Margolis, que já
cobriu numerosos conflitos na Ásia, fez
uma oportuna apreciação do cenário sírio, cujos trechos mais relevantes reproduzimos a seguir:
“Hoje, a Síria está em ruínas. Ela se
junta ao Afeganistão e ao Iraque, que
também desafiaram a vontade dos EUA
e pagaram um preço. Com três anos de
guerra, o governo de Assad parece estar
vencendo lentamente o conflito, apoiado
pelo Irã, Rússia e, em grau mais modesto, o Hisbolá.
“Enquanto Damasco ganha momento
militar, as facções rebeldes apoiadas pelo
Ocidente estão envolvidas em confusões
e rivalidades. Elas se mostram incapazes
de criar uma liderança representativa.
Enquanto isto, islamistas crescentemente
radicais – talvez, 100 mil deles – assumi-
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ram grande parte da luta. Estes selvagens
são metralhadoras giratórias que assustam os seus patrocinadores ocidentais,
até mais do que a Damasco. Ninguém é
capaz de controlá-los e organizá-los.
“Ironicamente, esses jihadistas deveriam ser inimigos do Ocidente, enquanto o regime secular de Assad deveria ser um aliado. O ódio ao Irã provoca fatos curiosos.
“Os EUA demonstraram a sua frustração com a guerra que começaram,
mas não podem vencer, rompendo relações diplomáticas com a Síria, uma ação
de baixo QI, totalmente contraproducente e que, frequentemente, indica que
uma guerra é iminente.
“Ainda mais preocupante é o fato de
que Israel lançou outro ataque contra a
Síria, na semana passada, depois que uma
de suas patrulhas, provavelmente, foi atingida por uma mina antiga. Israel e seus
apoiadores estadunidenses estão determinados a esmagar o regime de Assad,
como o primeiro passo para golpear o Irã.
“Devido ao fracasso dos jihadistas de
aluguel anti-Assad, Israel pode intervir,
prontamente, para destruir a Força Aérea e as formações blindadas de Assad.
Israel está se preparando para um ataque
maciço ao Hisbolá, no Líbano, em outra
tentativa de erradicar o movimento de
resistência xiita.
“Os EUA quase entraram abertamente na guerra na Síria, no outono passado, até que a diplomacia russa puxou
o tapete sob os pés de Washington. Mas
poderosas facções nos EUA ainda estão
promovendo a ideia de ataques aeronavais contra a Síria.
“A Ucrânia e a Crimeia distraíram,
temporariamente, os EUA. O cauteloso
governo de Obama procura evitar um
conflito, mas os neocons pró-Israel e os
falcões republicanos estão trabalhando
duro por uma guerra – e as eleições de metade do mandato serão neste outono.”
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Solidariedade Ibero-americana
Europa não pode
dispensar energia russa
Geraldo Luís Lino
Nestes dias em que a Federação Russa de
Vladimir Putin tem sido recolocada na posição de adversário número um do “Ocidente”,
entendendo-se como tal o bloco de países reunidos na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), tem se afirmado à exaustão que os EUA terão condições de substituir
parcialmente as exportações russas de gás
natural para a Europa, que depende delas
para suprir cerca de 40% de suas necessidades energéticas. O motivo seria o trombeteado sucesso da exploração do gás de folhelhos
(shale gas) com a tecnologia do fraturamento
hidráulico, conhecida como fracking. Como
um mantra, a ideia tem sido repetida por autoridades governamentais e comentaristas
acadêmicos e midiáticos, para reforçar a
agenda do suposto “isolamento” de Moscou,
por conta da sua atitude assertiva na crise da
Ucrânia, em especial, após a reincorporação
territorial pós-soviética da Crimeia à Federação Russa, aprovada por 96% do eleitorado
local, no referendo de 16 de março último.
Entretanto, tal cenário passa por cima de
dois detalhes que vêm sendo destacados por
um número crescente de especialistas: 1) as
duvidosas perspectivas de expansão do gás
de folhelhos; e 2) a inviabilidade física de os
EUA aumentarem as suas exportações energéticas para a Europa a curto e médio prazos,
exceto de carvão.
Em um artigo publicado no sítio New
Eastern Outlook, em 19 de março, o analista
estadunidense F. William Engdahl, especialista em geopolítica energética, volta a
bater na tecla de que a assim chamada “revolução dos folhelhos” não passa de um balão
de ar quente insuflado por Wall Street.
Depois de mencionar os acordos feitos
com o governo ucraniano, ainda na gestão
do deposto presidente Viktor Yanukovich,
com as empresas petrolíferas Shell, Chevron
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e ExxonMobil, para a exploração de áreas
no Leste do país (“exatamente onde existe o
mais forte sentimento pró-Rússia”), Engdahl
é categórico:
“Há apenas uma coisa errada com a perspectiva ucraniana de uma revolução energética baseada no gás de folhelhos. A revolução do gás de folhelhos nos EUA já acabou,
apenas alguns anos depois de ter começado.
A Shell acaba de anunciar uma vasta redução
em sua exposição ao desenvolvimento do gás
de folhelhos estadunidense. A empresa está
vendendo as suas concessões em cerca de 700
mil acres [cerca de 2.800 km2] de terras, nas
grandes áreas de folhelhos do Texas, Pensilvânia, Colorado e Kansas, e diz que pode ter
que se livrar de ainda mais, para interromper
os seus prejuízos com o gás de folhelhos. (...)
“O problema com o gás não convencional
é que ele não se comporta como as demais
reservas convencionais de gás. Ele se esgota
de uma forma dramaticamente rápida, após
um rápido aumento de produção inicial, em
vez de se esgotar lentamente, ao longo dos
anos. O truque é sair fora antes que a bolha
estoure. Mas gigantes como a Shell e a BP
foram apanhadas e, agora, estão, claramente, tentando levar os incautos ucranianos à
armadilha dos folhelhos. Podemos apenas
suspeitar de que o longo braço do Departamento de Estado de Victoria Nuland esteja
incitando o diabo, a Chevron e as outras
grandes petrolíferas a alimentar as ilusões
ucranianas de independência energética da
Rússia, via exploração do gás de folhelhos.”
Citando dados fornecidos pelo renomado
analista do mercado petrolífero, David Hughes, Engdahl observa que, se o gás de folhelhos já responde por quase 40% da produção
de gás natural dos EUA, por outro lado:
• a produção não aumenta desde dezembro
de 2011;
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• oitenta por cento da produção vem de
cinco grandes áreas, algumas das quais se
encontram em declínio;
• as altas taxas de declínio dos campos exigirão injeções contínuas de capital, estimadas em 42 bilhões de dólares anuais,
apenas para manter a produção atual;
em comparação o valor do gás produzido em 2012 não passou de 32,5 bilhões
de dólares.
Sua conclusão: “Como o gás se esgota
tão rapidamente, a empresa é forçada a investir em mais e mais poços, apenas para
manter a produção estável, como um tigre
perseguindo a sua própria cauda ao redor de
uma árvore. Em suma, o gás de folhelhos é
uma miragem que está desaparecendo.”
Outro especialista, o russo Nikolai Bobkin, diz que a crise ucraniana está sendo
encarada por setores do Establishment estadunidense como uma oportunidade para
manobrar a geopolítica energética contra a
Rússia. Escrevendo no sítio da Strategic Culture Foundation (31/03/2014), ele menciona
uma audiência do Comitê de Assuntos Exteriores da Câmara dos Deputados dos EUA,
em 26 de março, dedicada a discussões sobre
“O potencial geopolítico do boom energético
dos EUA”. Na ocasião, o presidente do comitê, deputado Ed Royce (republicano da
Califórnia), afirmou que a dependência europeia das exportações energéticas russas constituem um óbice para a influência estadunidense e a sua influência política sobre a
Ucrânia. Para ele, a forma de retificar tal situação seria enfraquecer a Rússia, reduzindo
os preços e afastando-a dos mercados tradicionais – o que Bobkin considera uma intenção de declarar uma “guerra energética”
contra a Federação Russa.
Não obstante, Bobkin comenta com pragmatismo os fatos referentes à dependência europeia do gás natural: “(...) Desde 2011, a
Rússia tem sido o principal fornecedor de
energia para a Europa, deixando para trás a
Noruega, Argélia e outros países. A Lituânia,
Letônia, Estônia, República Checa, Eslováquia e Bulgária dependem 100% dos fornecimentos de gás da Rússia. Apesar de a Alemanha vir tentando durante anos reduzir a
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dependência, ela ainda importa da Rússia
28% do seu gás, como no ano passado. Não
há como reduzir abruptamente as importações. Existem poucas alternativas, que se resumem, basicamente, aos EUA, Catar e Irã.”
Sobre estes países, ele observa:
• EUA: Embora o gás de folhelhos tenha
permitido ao país reduzir a sua demanda
de carvão e exportá-lo para a Europa, a
insuficiência da infraestrutura europeia
para o recebimento de gás liquefeito de
petróleo (GLP) impede qualquer aumento significativo das exportações estadunidenses, antes de 5-6 anos. Ademais, qualquer aumento das exportações implicará
em aumentos dos preços internos, o que
prejudicará a própria economia estadunidense. Sua conclusão: “Os EUA não têm
chance contra a Gazprom.”
• Irã: Para aumentar as suas exportações,
seria preciso construir gasodutos ligando
o país à Europa, perspectiva prejudicada
pelos sucessivos embargos impostos pelos
EUA e a União Europeia (UE). Além disto,
mesmo com a suspensão dos mesmos, a
construção de infraestrutura nova levaria
alguns anos e, dificilmente, Teerã deixaria
de coordenar as suas políticas de preços
com Moscou, um de seus principais aliados estratégicos.
• Catar: O país responde por um quarto do
gás natural importado pela Europa, mas
a prioridade do continente na sua agenda
política tem decrescido. Ainda este ano,
Doha deverá reduzir os fornecimentos à
Europa, em favor da Ásia e América Latina.
Para aumentar as exportações, seria preciso construir um gasoduto atravessando
a Síria e o Iraque, países cujas situações
internas não oferecem qualquer perspectiva positiva, em um prazo previsível.
Em síntese, o caminho da confrontação
com Moscou não parece ser o mais adequado
para os europeus. Melhor fariam se esfriassem
a cabeça e estudassem com a devida atenção
as propostas russas para uma agenda de desenvolvimento eurasiático, que tem um vasto
potencial para converter o continente no motor da reconstrução econômica mundial.
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Solidariedade Ibero-americana
A crise na Ucrânia e
a ideologia de gênero
Silvia Palacios
Na aguda crise internacional deflagrada
pelos acontecimentos na Ucrânia, ainda
mais tensionada pelo resultado do referendo favorável à independência da Crimeia, a aliança EUA-Canadá-União Europeia começou a impor sanções à Rússia.
Até agora, estas se limitaram a uma insólita lista de personalidades russas e ucranianas, que não poderão viajar a nenhum
país da aliança e terão congelados os seus
bens eventualmente existentes naquelas
nações, já que foram acusadas de “ter responsabilidade na deterioração da situação da Ucrânia”.
Este tipo de punição é legitimado pelo
Direito Internacional vigente. Porém, não
deixa de chamar a atenção o fato de que,
entre os proscritos, encontra-se a deputada Elena Mizulina, uma das personalidades russas mais polêmicas e incômodas
para os promotores da cultura laicista radical no Ocidente. Longe de ter algo a ver
com a crise na Ucrânia, a sua inclusão na
lista negra se deve muito mais à sua aguerrida oposição à chamada ideologia do gênero, mostrando-se afinada com os valores cristãos da família e desempenhando
uma intensa atividade em sua posição de
presidente da Comissão para a Família, a
Mulher e a Infância do Parlamento russo.
Ao que tudo indica, a guerra cultural
travada pelas lideranças russas dentro do
seu território não é bem vista pelo poder
anglo-americano, cuja cúpula, nos últimos tempos, converteu a aceitação da ideologia do gênero em uma régua para a
medição da democracia, da tolerância e
do pluralismo. Com a crise ucraniana,
parece haver a intenção de elevá-la à
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condição de critério para a definição das
normas da convivência pacífica entre
nações. De outra maneira, não se explica
por que Elena Mizulina se converteu
em persona non grata para os EUA e o
Canadá, que incluíram o seu nome nas
respectivas listas de pessoas visadas.
De fato, desde 2013, ela estava na lista
de espera das retaliações de Washington,
por ter proposto a proibição de adoção de
crianças russas por cidadãos estadunidenses, em retaliação à chamada Lei
Magnitsky. A lei, aprovada pelo Congresso e pelo presidente Barack Obama, em
2012, submete 60 funcionários e autoridades judiciais russos a uma eventual
proibição de viajar aos EUA, como punição pela sua alegada responsabilidade na
morte do advogado Sergei Magnitsky,
falecido em uma prisão russa, em 2009.
Na Duma (Câmara Baixa do Parlamento), Mizulina propôs um projeto de lei
que proíbe a propaganda pró-aborto na
Rússia. Em suas palavras, “na Rússia, fazer um aborto é algo tão fácil como comprar uma garrafa de vodca”. Em novembro
de 2013, a lei foi sancionada pelo presidente Vladimir Putin. Ela também esteve por
trás das iniciativas legislativas que proíbem
o casamento homossexual e a adoção de
órfãos russos por cidadãos de países onde
tal modalidade matrimonial é legalizada.
Igualmente, Mizulina participou da
elaboração de uma série de emendas ao
Código da Família, destinadas a restabelecer os vínculos das famílias com as
tradições religiosas, estimular os jovens a
se casarem, em vez de apenas viver juntos,
e proteger a juventude contra os danos
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causados por informações divulgadas na
internet. Esta última lhe valeu uma acirrada oposição de gigantes da rede, que orquestraram uma campanha para acusá-la
de conspirar para coibir a liberdade de
expressão na Rússia.
Em suas emendas, Mizulina tem enfatizado que o atual Código da Família russo
carecia de uma definição da família tradicional. Ela também tem afirmado que a
família tradicional russa possui características próprias, a mais significativa sendo a
influência sofrida das tradições religiosas,
que consideram uma família com filhos
como uma bênção – noção compartilhada
pelas religiões mais populares na Federação Russa: o cristianismo ortodoxo, o islamismo e o judaísmo (RT, 4/03/2014).
“Não se deve esquecer de que todos
descendemos de 70 anos de ateísmo. Todo
mundo entende o que é uma família soviética. Mas uma família tradicional é uma
homenagem à etapa anterior da história
da Rússia, que tinha a cultura religiosa
como base da sociedade”, disse Mizulina.
O trabalho da comissão parlamentar
está em sintonia com o projeto de longo
prazo de Putin e da elite governante russa,
preocupados em ressaltar a importância
dos preceitos cristãos para a vida cotidiana das famílias russas. Por isso, o presidente e seu grupo apóiam resolutamente
as restrições feitas às modalidades da
ideologia do gênero.
Em particular, a imposição de obstáculos ao aborto tem a finalidade de aumentar a natalidade, em um país afetado por
uma alarmante implosão demográfica,
com a população diminuindo anualmente
em cerca de 500 mil pessoas, devido ao
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Elena Mizulina
excesso de mortes sobre o de nascimentos. Em 1920, o recém-implantado regime
comunista fez da Rússia Soviética o primeiro país do mundo a legalizar o aborto.
Na Europa, cuja maior parte também se vê
ameaçada pelo “inverno demográfico”,
não obstante, a resposta tem sido bem diferente, continuando-se a enfatizar as crenças anticristãs desfiguradoras da família.
Por isso, em Moscou, tem sido realizada uma série de eventos destinados a reforçar as convicções das vantagens das
famílias “normais”. Em 2011, por exemplo, realizou-se uma grande conferência
internacional sobre “A família e o futuro
da humanidade”, promovida pelo movimento pró-vida russo, com o apoio ostensivo do Kremlin, da Igreja Ortodoxa
Russa e do Parlamento.
Em um comentário feito na ocasião, o
então presidente Dmitri Medvedev, admitiu que “a forte diminuição da população, que acarreta em uma densidade
[demográfica] três vezes inferior à média
mundial, produz uma debilitação da influência política, econômica e militar da
Rússia no mundo”.
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Solidariedade Ibero-americana
Projeto de desenvolvimento
eurasiático apresentado em Moscou
Mario Lettieri e Paolo Raimondi, de Roma
Enquanto sopram mais fortes os ventos
de uma nova “Guerra Fria” e os riscos
de conflitos reais em torno da crise da
Ucrânia, importantes personalidades do
mundo econômico e científico da Federação Russa se aprestam a oferecer uma
alternativa pacífica de desenvolvimento
de infraestrutura , econômica e cultural
de todo o continente eurasiático.
Em 11 de março, em Moscou, o presidente da megaempresa estatal Ferrovias Russas, Vladimir Yakunin (incluído
na recente lista de sanções adotadas pelos EUA contra personalidades russas),
com o apoio da prestigiosa Academia
Russa de Ciências, apresentou um plano
de grandes investimentos em infraestrutura, batizado como Corredor de
Desenvolvimento Eurasiático, sintetizado pela palavra russa Razvitie, que
significa desenvolvimento.
Os autores estavam entre os poucos
estrangeiros convidados para o evento.
Após a sua sanção científica pela Academia Russa de Ciências, o projeto está
agora pronto para ser apresentado e discutido nas diversas instituições da administração do Estado. Trata-se de um megaprojeto, que exigiria investimentos da
ordem de centenas de bilhões de euros,
baseado na construção de corredores de
infraestrutura moderna para ligar a costa russa do Pacífico à Europa atlântica.
Os corredores incluem ligações ferroviárias e rodoviárias, além de gasodutos, oleodutos, aquedutos e redes de transmissão
de eletricidade e de comunicações. Estão
previstas futuras ligações com a China,
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que, aliás, já está empenhada ativamente na construção de uma “Nova Rota da
Seda”, uma rede de ferrovias modernas
no eixo eurasiático, e até mesmo com a
América do Norte, com uma ligação ferroviária via Estreito de Bering, para conectar a Sibéria com o Alasca.
Evidentemente, a visão estratégica do
projeto vai muito além da criação de
corredores de transportes e inclui o desenvolvimento em profundidade de faixas de 200-300 km ao longo dos eixos
viários, contemplando novos assentamentos urbanos e centros de produção.
De acordo com Yakunin, tal projeto poderia criar pelo menos 10-15 novos tipos
de indústrias baseadas em tecnologias
completamente novas.
Tais propostas podem parecer uma
ideia de visionários. Mas, desde há algum tempo, a Rússia vem tentando definir uma estratégia não apenas econômica, mas também capaz de mobilizar e
unir as forças sociais, culturais e espirituais de toda a população em torno de
um grande projeto. Desta forma, os
mentores da proposta acreditam poder
confrontar a questão demográfica crucial, em um país que, nas últimas duas
décadas, tem experimentado reduções
assustadoras no tamanho da população
e nas taxas de fertilidade. Uma das ideias
é colocar em marcha uma urbanização
progressiva dos territórios da Sibéria e
do Extremo Oriente russo, ainda vastamente desabitados.
Na verdade, no passado, a Rússia sempre se mobilizou em torno de grandes
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projetos que, inicialmente, pareciam impossíveis. A construção da Ferrovia Transiberiana, com 9.300 km de extensão, há
mais de um século, o plano de eletrificação da União Soviética, nas décadas de
1920-1930, e os programas espaciais
são os exemplos mais conhecidos.
Yakunin afirmou que, recentemente,
já foram decididos importantes investimentos de longo prazo, como a modernização das ferrovias Transiberiana e
Baikal-Amur.
A superação da crise global que impacta este início do século XXI poderia
ser um importante estímulo para um
acordo entre a Rússia, a União Europeia
e os EUA, o qual possibilite uma resposta
positiva ao impulso de desindustrialização que atinge as três economias.
A utopia da sociedade pós-industrial
fracassou e, portanto, necessita ser superada com um novo e moderno impulso de
industrialização. Em um mundo marcado
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pelo intercâmbio de bens e tecnologias,
o desenvolvimento do corredor eurasiático pode, portanto, conciliar os interesses das três grandes economias, criando
ao mesmo tempo uma garantia de segurança geopolítica para todos.
É óbvio que um projeto de tais
proporções só pode ser implementado
com a participação de todos os países
envolvidos e interessados, começando
pela União Europeia, cuja contribuição tecnológica é insubstituível e para
a qual abriria amplas perspectivas de
modernização tecnológica, novos empregos e novos negócios para as empresas do continente.
Neste momento delicado, em que a
Rússia é excluída do G-8, pode parecer
extravagante se falar sobre projetos semelhantes, mas é preciso pensar a sério em
novas fases de desenvolvimento global e
em uma nova orientação geopolítica mundial pacífica e altamente integrada.
A ligação ferroviária entre a Sibéria e o Alasca, incluindo um túnel submarino sob o Estreito de Bering, é um dos
grandes projetos de infraestrutura contemplados na agenda da integração eurasiática promovida por Moscou
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Solidariedade Ibero-americana
Racionamento de
energia: adiamento
pode aumentar
problemas em 2015
Leandro Batista Pereira
Segundo especialistas que têm acompanhado os desdobramentos dos problemas no
setor elétrico, com a persistência do baixo
nível dos reservatórios das usinas hidrelétricas e o fim da temporada de chuvas no
Sudeste e no Centro-Oeste, o racionamento
de energia se torna cada vez mais necessário e, se o governo não adotar medidas de
redução obrigatória do consumo este ano,
o impacto em 2015 será ainda maior.
Analistas do banco BTG Pactual, Antonio Junqueira e João Pimentel afirmam
que quanto mais riscos o governo aceitar,
ao evitar um programa de racionamento,
mais se ampliam as possibilidades de um
apagão. Já a equipe da consultora Citi
Research acrescentou: “A falha em implementar imediatamente o racionamento
torna claro que as decisões até agora foram políticas, e não técnicas” (Valor Econômico, 3/04/2014).
Os analistas Francisco Navarrete, Tatiane Shibata e Arthur Pereira, do banco
Brasil Plural, publicaram um relatório
no mês passado, onde afirmam que a
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probabilidade de racionamento no País é
de 100%. Para eles, a redução forçada do
consumo será inevitável, pois não há como
as usinas termelétricas funcionarem em
plena capacidade por todo o tempo e a utilização de biomassa pode ser prejudicada
pela má safra deste ano. Além disso, os especialistas apontam o extremo otimismo
dos números utilizados para calcular a
probabilidade de contenção da oferta.
Segundo analistas do Citi, “por critérios técnicos, o Brasil já deveria ter posto em ação um regime de racionamento
moderado em março, de 5% nas regiões
Sudeste e Centro Oeste”. Já o BTG Pactual
aconselha um racionamento da mesma
proporção, por cerca de seis meses. A opinião geral, contudo, é de que o governo irá
segurar qualquer medida nesse sentido até
o fim das eleições de outubro deste ano,
por temer um efeito negativo de um racionamento nos resultados do pleito. Neste
sentido, o BTG lembra que o programa de
racionamento de 2001 teve impacto nas
eleições de 2002.
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Lilyana Yang, do UBS, afirma
que adiar a economia de energia
amplia as chances de que o quadro
se agrave no futuro: “Os números divulgados pelo governo
federal divergem dos apresentados por Mario Veiga,
da firma de consultoria PSR.
O governo continua rejeitando
os riscos de racionamento”.
O BTG também critica a postura do
governo, em especial o seu otimismo exagerado: “As autoridades estão abertamente otimistas demais. Nos últimos meses, as declarações foram de ‘mesmo que
não haja uma gota de chuva, não haverá
racionamento’ à apresentações avançadas
que mostram baixo risco».
O Citi aponta que, se o governo insistir
em não se mexer, é grande a chance de um
racionamento de cerca de 20% em 2015
– cujos impactos potenciais para a a economia e a sociedade brasileira seriam bastante grandes.
Térmicas já custam R$ 10 bilhões a mais
O emprego intensivo das usinas térmicas
durante do o mês de março resultou em
uma conta adicional de cerca de R$ 4 bilhões às distribuidoras de energia, segundo cálculo de uma fonte consultada
pelo Valor. O custo ficou próximo ao verificado em fevereiro, por conta da ativação
de todo o parque térmico e do preço recorde cobrado por tais usinas para a venda de
energia a curto prazo – uma das “maravilhas” do atual modelo do setor elétrico,
que resultou no preço astronômico de R$
822,83 por megawatt-hora, segundo a
Câmara de Comercialização de Energia
Elétrica (CCEE).
No mês de janeiro, quando o valor da
energia no mercado livre ainda não havia
atingido o patamar máximo, o rombo foi
de R$ 1,8 bilhão. Somando-se o custo dos
três primeiros meses do ano, chega-se à
salgada conta de R$ 10 bilhões em custos
extras. Para fins de comparação, o custo
da energia no mercado de curto prazo, nos
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meses de fevereiro e março de 2013, foi de
R$ 50,73 e R$ 127,27, respectivamente.
Segundo o diretor de regulação e gestão
em energia da Thymos Energia Consultoria, Ricardo Savoia, se todos os aportes já
feitos pelo governo fossem integralmente
repassados para as tarifas, haveria um reajuste de 28% a 30% na conta de luz. Ele
observou ainda que a “própria Cemig, por
exemplo, já pediu um reajuste de 29,74%
em sua tarifa”.
Mariana Amim, assessora jurídica da
Anace (entidade que representa consumidores livres da indústria e do comércio de grande porte), o momento é de grande preocupação: “É com muita tristeza que vemos tudo
o que está acontecendo no setor, um planejamento que não deu certo. As decisões levaram a uma redução do custo de energia, mas
isso era falso. A conta está chegando.”
A respeito do alto custo da energia, o
Instituto de Desenvolvimento Estratégico
do Setor Elétrico-Ilumina destaca que a
solução passa por uma reforma tributária
e a revisão das margens de lucro de distribuidoras e dos encargos. E coloca a pergunta central: “Há vontade política para
ir tão fundo?”.
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Solidariedade Ibero-americana
Madeira: reservatórios
de insensatez
Os efeitos da cheia histórica na bacia do
rio Madeira, que elevou o nível do rio a
mais de 25 metros acima da média normal, provocando prejuízos estimados em
R$ 400 milhões e afetando dezenas de
milhares de pessoas, no entorno de Porto
Velho (RO), constituem uma demonstração cabal de que o País não pode mais se
dar ao luxo de desprezar o bom senso,
no planejamento da ocupação física do
seu território.
Embora alguns incorrigíveis adeptos
do ambientalismo radical tenham tentado atribuir o problema às usinas hidrelétricas de Jirau e Santo Antonio, construídas no rio Madeira, a montante de
Porto Velho, os especialistas sérios têm
reiterado que a cheia recordista foi causada pelas precipitações excepcionais
que caíram sobre as nascentes dos principais rios da bacia, nos Andes bolivianos. Tampouco, as usinas, que não têm
reservatórios grandes e funcionam no
regime de “fio d’água”, podem ser responsabilizadas por certos efeitos localizados da cheia. Ao contrário, se tivessem
reservatórios maiores, como as das hidrelétricas construídas antes que o radicalismo ambientalista fosse institucionalizado nas políticas públicas nacionais,
poderiam ter contribuído para regularizar a vazão do rio e reduzir consideravelmente os impactos da cheia.
Não obstante, a influência do fundamentalismo “verde” ainda se fez sentir
na esdrúxula decisão da Justiça Federal
de Rondônia, que determinou que as empresas concessionárias das usinas e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis (Ibama)
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refizessem os estudos de impacto ambiental das usinas, sob pena de retirar-lhes as
licenças de operação. No afã de atender
à ação civil pública movida quatro dias
antes, pelo Ministério Público Federal e
Estadual, as Defensorias Públicas da
União e a seccional de Rondônia da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o
juiz Herculano Martins Nacif pode não
ter tido tempo de ouvir profissionais
qualificados, que poderiam ter isentado
as usinas de qualquer responsabilidade
pelas agruras da população local. Talvez, no futuro, os brasileiros
consigam aprender e colocar em prática
certos preceitos de mero bom senso, já
adotados e consagrados em países onde
o planejamento de longo prazo e uma
certa harmonização de interesses entre a
iniciativa privada e as necessidades da
sociedade em geral estão integrados nas
políticas públicas. Em tais países, a otimização dos recursos hídricos considera
as bacias hidrográficas em seu conjunto
e constitui uma peça fundamental do
planejamento da ocupação física do território e a utilização dos seus recursos
naturais. Neles, sempre que possível,
as barragens são construídas visando a
finalidades múltiplas – geração de eletricidade, controle de cheias, navegação,
recreação e outras. Em algum deles,
dificilmente, seriam construídas usinas
como Jirau e Santo Antonio, na forma
como foram projetadas, desperdiçando
grande parte dos benefícios potenciais
de um precioso recurso natural, como é
o rio Madeira – sem reservatórios adequados, sem eclusas e sem uma definição
clara de suas cotas de operação pelas
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autoridades competentes, permitindo
uma disputa surreal entre as operadoras
de ambas, para assegurar geração e receita adicionais.
Tivessem sido projetadas e construídas de acordo com os critérios consagrados pela engenharia, a hidrologia e o
elementar bom senso, como mostram as
melhores experiências internacionais,
as usinas poderiam não apenas: gerar
mais energia; viabilizar a extensão da
hidrovia do rio Madeira (que, com a
construção da contemplada usina binacional de Ribeirão, com a Bolívia, poderia levá-la até Vila Bela da Santíssima
Trindade-MT, no rio Guaporé, separada por apenas 270 km de via rodoviária
de Cáceres-MT, ponto inicial da hidrovia Paraguai-Paraná); e, com o efeito
regularizador das vazões fluviais, reduzir os problemas e prejuízos causados
pelas cheias.
Outra área em que o bom senso necessita ser reintroduzido é o das pesadas
compensações socioambientais exigidas
dos empreendimentos de infraestrutura,
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crescentemente penalizados por requisitos que deveriam ser atribuições dos
poderes públicos, como redes de saneamento, escolas, hospitais e outros. Tais
itens deveriam limitar-se às compensações direcionadas às populações diretamente afetadas pelos empreendimentos,
como as deslocadas de suas propriedades, e não aos centros urbanos maiores e
apenas indiretamente atingidos por eles,
onde, definitivamente, não deveria caber
às concessionárias a execução de tarefas
negligenciadas pelas lideranças políticas.
Infelizmente, como também se observam nos problemas específicos do setor
elétrico, às voltas com a quase certa necessidade de um novo racionamento de
energia, a miopia estratégica, o imediatismo, a inércia e a submissão a agendas
alheias aos interesses nacionais, como a
do ambientalismo-indigenismo, talvez,
sejam necessárias outras cheias, apagões
e outras mazelas, para que o Brasil se decida a entrar de vez na vida adulta, como
um Estado soberano e comprometido
com o bem comum.
As usinas hidrelétricas de Jirau (foto) e Santo Antonio foram obrigadas a abrir as comportas para não
agravar a inundação no rio Madeira
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F A Ç A
O
S E U
P E D I D O
(acrescentar R$ 6,00 para remessa postal)
Nome
End.
Cidade
Tel.:
UF
E-mail
CEP
exemplar(es) do livro Quem manipula os povos indígenas contra o
desenvolvimento do Brasil: um olhar nos porões do Conselho Mundial
de Igrejas – R$ 35,00
exemplar(es) do livro Ideologia de gênero – R$ 34,00
assinatura anual do jornal Solidariedade Ibero-americana – R$ 145,00
Opção de pagamento:
[ ] Cheque nominal à Capax Dei Editora Ltda. no valor de R$
[ ] Depósito bancário no Banco do Brasil, ag. 0392-1, c.c. 20.735-7
em nome da Capax Dei Editora Ltda. no valor de R$
Envie seu pedido e cheque ou comprovante de pagamento à Capax Dei Editora Ltda.
telefax +(21) 2510.3656
REMETENTE | R. México, 31 s. 202 CEP 20031-144 – Rio de Janeiro – RJ
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