CENÁRIOS AMBIENTAIS E O PLANEJAMENTO PARA O ATERRO
Transcrição
CENÁRIOS AMBIENTAIS E O PLANEJAMENTO PARA O ATERRO
Revista Geográfica de América Central Número Especial EGAL, 2011- Costa Rica II Semestre 2011 pp. 1-13 CENÁRIOS AMBIENTAIS E O PLANEJAMENTO PARA O ATERRO DO FLAMENGO, RIO DE JANEIRO Letícia Jácomo 1 Resumo Os problemas ambientais, os quais vêm sendo discutidos em âmbito global, têm tido cada vez mais ênfase nas discussões locais, principalmente nas grandes metrópoles. Esse trabalho tem como objetivo mostrar uma nova forma de pensar o planejamento e a gestão das cidades a partir da utilização de novas propostas e técnicas para a inclusão da questão ambiental, assim como a elaboração de cenários ambientais pode ser uma alternativa viável para o planejamento, pois estes tem como pressuposto alcançar todos os níveis socioeconômicos e ambientais da sociedade e suas inter-relações. Nesse sentido, é adotado como o recorte espacial o Parque Brigadeiro Eduardo Gomes (Aterro do Flamengo), no município do Rio de Janeiro, cuja implantação na década 70 provocou uma alteração da perspectiva e da dinâmica urbana da cidade e atualmente apresenta diversos problemas em função de sua degradação. A partir da elaboração de cenários, são projetadas as possibilidades, para antecipação dos problemas ou soluções que podem aparecer em médio ou longo prazo. Palavras-chave: planejamento ambiental, cenários, espaço urbano, gestão territorial. 1 Graduação em Geografia. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. E-mail: [email protected] Presentado en el XIII Encuentro de Geógrafos de América Latina, 25 al 29 de Julio del 2011 Universidad de Costa Rica - Universidad Nacional, Costa Rica Cenários Ambientais e o Planejamento para o Aterro do Flamengo, Rio de Janeiro Letícia Jácomo -------------------Introdução Os problemas ambientais vêm sendo discutidos em âmbito global e têm tido cada vez mais impacto nas discussões locais, principalmente nas grandes metrópoles devido à piora da qualidade ambiental nesses espaços. Entendemos a crise ambiental como uma crise dos tempos atuais, pois esta questiona o conhecimento do mundo e se apresenta com um limite que busca uma reorientação no curso da história do homem, revelando os limites do crescimento populacional, econômico e dos desequilíbrios ecológicos, assim como a pobreza e as desigualdades sociais. (LEFF, 2001 apud BOEIRA, 2002, p.03) As discussões em relação aos problemas ambientais cada vez mais presentes colocaram em cheque o modelo de desenvolvimento, que tem como base a exploração ilimitada dos bens naturais e do modelo sociedade em que vivemos. Isso contribuiu para o desenvolvimento de estudos de matéria ambiental, a partir da ideia de sustentabilidades, que abrange tanto a dimensão ecológica quanto a socioespacial. Como explicita Rua et al (2007): a sustentabilidade tende a ser entendida como um processo que as sociedades administram as condições materiais de sua reprodução, redefinindo os princípios éticos e sociopolíticos que orientam a distribuição de seus recursos ambientais (...) (p.27) A intensa busca pelo desenvolvimento tem se desdobrado em diferentes etapas em nosso processo histórico, principalmente no processo de intervenção no espaço que, com o aprimoramento das técnicas ao longo dos anos, se tornaram cada vez mais intenso e presentes. O ser humano sempre se sentiu como se fosse algo a parte do ambiente, criando assim uma relação de desequilíbrio entre homem-natureza. Mas, ao longo dos anos, começamos a perceber a nossa integração no ambiente, ou seja, que também fazemos parte dele e que nossas ações se refletem tanto no meio físico e biótico como também no meio econômico e social. As metrópoles, por serem espaços socialmente produzidos, geram grandes alterações no seu espaço natural que têm conseqüências positivas e negativas para a sociedade. A cidade do Rio de Janeiro teve seu processo de desenvolvimento e expansão da malha urbana caracterizado por mudanças impactantes em sua paisagem, principalmente pela demolição de morros e a realização de aterros. 2 Revista Geográfica de América Central, Número Especial EGAL, Año 2011 ISSN-2115-2563 Cenários Ambientais e o Planejamento para o Aterro do Flamengo, Rio de Janeiro Letícia Jácomo -------------------Posto isso, o atual trabalho tem por objetivo mostrar como uma paisagem criada a partir do planejamento urbano pode ser importante na gestão do território, no sentido de integrar e promover a qualidade ambiental para a cidade, mas também mostrar as conseqüências negativas que são geradas a partir da criação dessas paisagens, no sentido de degradação ambiental e conflitos socioespaciais para o domínio do território, tendo como recorte o Parque Brigadeiro Eduardo Gomes (Aterro do Flamengo), localizado ao longo de parte da Baía de Guanabara e que se estende desde o centro da cidade, na altura do Aeroporto Santos Dumont, até o inicio da chamada “Praia de Botafogo”, na Zona Sul do município do Rio de Janeiro. (Figuras 01 e 02). Figura 01: Aterro do Flamengo Fonte: http://www.rcvb.com.br Figura 02: Extensão e localização do Aterro do Flamengo Fonte: Google Earth Cenários Ambientais e Planejamento Ambiental 3 Revista Geográfica de América Central, Número Especial EGAL, Año 2011 ISSN-2115-2563 Cenários Ambientais e o Planejamento para o Aterro do Flamengo, Rio de Janeiro Letícia Jácomo -------------------O modelo de planejamento anterior junto com o processo de uso e ocupação do solo e o descaso com a conservação ambiental que tem ocorrido no Rio de Janeiro nos últimos anos é refletido no Aterro do Flamengo. Esse descaso com essas áreas afetam diretamente a sociedade e nos leva a pensar outra maneira de planejar o espaço. O planejamento ambiental aparece como alternativa para o problema porque segundo Franco, (2001 apud PERES et al, 2004) o planejamento ambiental é composto pelas ações antrópicas no território, levando em conta a capacidade de suporte dos ecossistemas em nível local e regional, sem perder de vista as questões de equilíbrio das escalas maiores, visando a melhoria da qualidade de vida dentro de uma ética ecológica, como base nas interações que a mantém. Uma estratégia para maximizar o planejamento ambiental é a elaboração de cenários, pois permitem uma avaliação constante do nível de sustentabilidade do processo sócioeconômico e pode subsidiar a implantação de políticas públicas associadas às melhorias dos padrões avaliados. (PERES & MEDIONDO, 2004) Cenários ambientais são imagens alternativas de futuro ricas em indicadores para contribuir na tomada de decisões e devem ser imagens possíveis do futuro, podendo demonstrar impactos que podem ocorrer a partir de um dado planejamento territorial. Este instrumento aponta várias projeções de situações para uma área de intervenção tendo em vista a solução de um problema ou a melhoria de uma condição presente impactante. Ainda segundo Döll (2003 apud PERES et al, 2004), os cenários ambientais aparecem também como importantes ferramentas para o planejamento regional, combinando quantidade de conhecimento quantitativo e qualitativo que transmite resultados de uma análise integral de forma transparente e compreensível. Por fim, observamos a importância do planejamento ambiental utilizando a metodologia de elaboração de cenários ambientais, pois estes tem como pressuposto alcançar todos os níveis socioeconômicos e ambientais da sociedade e suas interrelações. Aterro do Flamengo como uma Paisagem Urbana de Qualidade O Aterro do Flamengo é uma paisagem urbana de qualidade ambiental totalmente criada, resultado do planejamento urbano no processo de ocupação territorial 4 Revista Geográfica de América Central, Número Especial EGAL, Año 2011 ISSN-2115-2563 Cenários Ambientais e o Planejamento para o Aterro do Flamengo, Rio de Janeiro Letícia Jácomo -------------------da cidade do Rio de Janeiro. Ele possui potenciais sociais devido à valorização que a população dá a essa paisagem e econômicos que são explorados através da infraestrutura ali disponíveis, como o seu acervo botânico, suas áreas livres e equipamentos de lazer esportivos, culturais e educacionais. Para o entendimento do funcionamento dessa paisagem, nos utilizaremos do conceito de ecologia de paisagem que tem, como um dos seus objetivos, estudar “a influencia do homem sobre a paisagem e a gestão do território” (METZGER, 2001, p.01). Já para Troll (1963), a ecologia de paisagem é: o estudo do complexo de elementos interactuantes entre a associação de seres vivos e suas condições ambientais, nas quais atuam em uma parte especifica da paisagem. As mudanças no estado geomorfológico, de ação lenta ou imprevista, como também as intervenções artificiais pela atividade econômica humana, dão lugar às transformações da paisagem local que resumimos com o conceito de sucessão paisagística. (p. 101 102) Devem ser concebidas duas linhas de estudo da ecologia de paisagem, a ecológica e a geográfica. A ecológica está preocupada com as consequências do padrão espacial nos processos ecológicos e, para tanto, a heterogeneidade da paisagem será considerada por um conjunto de habitats que apresentam condições positivas ou negativas para a espécie estudada. Já a abordagem geográfica está centrada na interação do homem com o seu ambiente, e o seu mosaico é analisado através do olhar do homem e de suas necessidades (METZGER, 2001). Assim sendo, entendemos por unidades de paisagem, na abordagem geográfica, as unidades de uso, ocupação e cobertura do território, e habitats na abordagem ecológica. A ecologia de paisagem quer mostrar que o funcionamento da paisagem é condicionado exatamente pela disposição espacial em que se encontram essas unidades (METZGER, 2001). Nesse sentido, a abordagem geográfica da ecologia de paisagem passa a se caracterizar em três pontos que possuem total implicação para o estudo no Aterro do Flamengo. O primeiro ponto é a preocupação com o planejamento da ocupação territorial, através do conhecimento dos limites e das potencialidades de uso econômico de cada “unidade da paisagem”. O Aterro do Flamengo foi construído exatamente em função da crescente ocupação territorial na cidade e foi aproveitado também para servir de lazer 5 Revista Geográfica de América Central, Número Especial EGAL, Año 2011 ISSN-2115-2563 Cenários Ambientais e o Planejamento para o Aterro do Flamengo, Rio de Janeiro Letícia Jácomo -------------------para a população das zonas centro e sul da cidade, com a construção de diversos equipamentos e monumentos, como o Museu de Arte Moderna (MAM) e a Marina da Glória. O segundo ponto é a preocupação com o estudo de paisagens fundamentalmente modificadas pelo homem. Como já citado anteriormente, o Aterro do Flamengo é uma paisagem totalmente criada e que modificou a paisagem anterior da cidade. A preocupação que temos que ter aqui é a de entender como essa nova paisagem influenciou (e vem influenciando) na dinâmica da gestão da cidade em relação ao que ocorria antes. O terceiro é a análise de amplas áreas espaciais, enfocando questões em macroescalas espaciais e escalas temporais. Levando em consideração a área que abrange o Aterro do Flamengo e a heterogeneidade do seu entorno, já enfocamos essas questões. Atualmente, mais da metade da população brasileira vive nas cidades (IBGE, 2000) e essa ocupação humana no espaço vem se dando de forma descontrolada, aumentando gradativamente a poluição ambiental (visual, sonora, do ar, as águas, etc.). O Aterro do Flamengo, por sua condição de parque, aparece como componente amenizador dessa condição de degradação, já que as áreas livres de edificações junto às árvores atuam sobre o conforto humano no ambiente proporcionando sombra, redução da amplitude térmica, melhoria na qualidade do ar e também harmonia estética, que amenizam a diferença entre a escala dos grandes edifícios e a escala humana. (SILVA FILHO, 2003) Segundo Souza (2009), os parques urbanos aparecem como espaços que estruturam parte da vida pública no espaço urbano, sendo neles o lugar em que a cidade se encontra em sua diversidade, tornando visíveis os componentes do tecido urbano e suas contradições. Nesse sentido, o Aterro do Flamengo é um ícone para a sociedade do Rio de Janeiro e, segundo Hazan (2004 apud BESSA et al, 2010) os ícones na contemporaneidade se destacam por terem sido projetados por arquitetos internacionalmente conhecidos e por sua monumentalidade se tornando fabulosos antes mesmo de estarem prontos. Tendo sido tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) em 1965 e constituído como Unidade de Conservação Ambiental através do Plano Diretor da cidade, o aterro teve a sua composição inicial preservada, já que no projeto de tombamento há diversas restrições que impedem que 6 Revista Geográfica de América Central, Número Especial EGAL, Año 2011 ISSN-2115-2563 Cenários Ambientais e o Planejamento para o Aterro do Flamengo, Rio de Janeiro Letícia Jácomo -------------------sejam alteradas sua estrutura e função de parque público natural, botânico, de recreação e de uso comum do povo (RABELO, Sônia, 2006 apud MASCARENHAS et al, 2010, p.07). Uma das restrições que consta no projeto de tombamento é que apenas o que está previsto de construção no projeto original pode ser executado, pois toda a sua extensão é de área não edificável (MASCARENHAS et al, 2010). Mesmo sendo uma paisagem com certa preservação ambiental, devido à degradação e ao distúrbio do seu entorno, ele vem sendo afetado progressivamente além de ser alvo da iniciativa para a exploração de seu solo. É assim que surgem as discussões sobre as políticas públicas para as medidas de preservação e sustentabilidade cultural e ambiental. Nesse sentido, entende-se por sustentabilidade cultural “o respeito à identidade local e a manutenção da paisagem, da personalidade local e da cultura material e imaterial” (...) e sustentabilidade ambiental como “a preservação da biodiversidade e a utilização e conservação racional dos recursos naturais dentro de uma perspectiva de longo prazo” (SANTOS & CAMPOS, 2003 apud BESSA et al, 2010, p. 06 e 07). Originalmente, o Aterro do Flamengo é administrado pelo poder público, mas em 1995 foi assinado pela prefeitura com a empresa de Empresa Brasileira de Terraplanagem e Engenharia (EBTE) um contrato de autorização do uso das instalações, da exploração dos serviços para fins comerciais e da gestão administrativa de parte de seu complexo, especificadamente da Marina da Glória (MASCARENHAS & BORGES, 2008). A privatização da Marina da Glória, criada em 1976 como um bem de uso coletivo, trouxe diversas discussões sobre o processo de privatização do espaço público que vem ocorrendo no país desde o final do século XX, quando as intervenções urbanísticas implementadas no parque não respeitam o seu diferencial cultural, paisagístico, cultural, recreativo e ambiental. Mascarenhas (2005 apud MASCARENHAS et al, 2010) mostra assim o espaço público como o lugar preferencial para o duelo entre os setores hegemônicos, empresas e poder público, e os outros segmentos menos expressivos em relação aos processos decisórios na gestão da cidade, como a população, pois a primeira formata e normatiza os espaços públicos de acordo com o seu interesse, já a segunda se organiza por uma territorialidade paralela ao projeto dominante. O Aterro do Flamengo também é um lugar de potencial turístico da cidade do Rio de Janeiro, que, segundo a Organização Mundial do Turismo (OMT) (2001 apud 7 Revista Geográfica de América Central, Número Especial EGAL, Año 2011 ISSN-2115-2563 Cenários Ambientais e o Planejamento para o Aterro do Flamengo, Rio de Janeiro Letícia Jácomo -------------------BESSA et al, 2010) são geralmente lugares escolhidos em função de suas paisagens (...) sendo desenvolvidas a partir de uma intensa utilização do território - bem disponível e de livre acesso (p.08). Por isso a necessidade de se reorganizar, restaurar e revitalizar essa paisagem para torná-la ainda mais atrativa. O parque vem sendo palco de vários eventos esportivos e culturais, que agregam valor simbólico e econômico para a paisagem, mas que nem sempre tem conseqüências positivas, sendo as regras sobre o seu uso e conservação pouco claras. Esses eventos causam distúrbios nessa paisagem, que afetam seu solo e também a população que usufrui desse espaço. Um dos eventos mais importantes que lá ocorreram foram os Jogos PanAmericanos de 2007, em que o uso da Marina da Glória como parte do evento esportivo, foi alvo de grandes polêmicas devido ao projeto intitulado de “Revitalização da Marina da Glória” da iniciativa privada com o apoio da Prefeitura do Rio de Janeiro (OLIVEIRA, 2006). Desde a sua privatização, a Marina da Gloria vêm passando por diversas tentativas de obras de revitalização, onde há uma modificação do seu limite original e de diversas edificações não previstas no plano original ocupando 10% da área pública do Parque (OLIVEIRA, 2006). Segundo Oliveira & Barroso (2006), o projeto para a Marina pretendia: (...) a transformação de área pública em área de negócios, com centro de convenções, centro de exposições, instalações de um clube privado, terminal turístico (...), um Shopping Center, grandes estacionamentos e garagem. (p.01) Além disso, também constava no plano o cercamento de toda área da marina e a construção de chapas sobre a murada que a contorna, tendo-se como argumento a segurança dos barcos que ficam na enseada. Tais medidas iam em contra ao impedimento de cercamento e diminuição da paisagem do parque, devido ao seu valor paisagístico junto com as restrições impostas no momento seu tombamento (MASCARENHAS et al, 2010). A partir da mobilização das ONG em conjunto com as associações de moradores dos bairros que permeiam o parque, houve o embargo da obra junto ao Ministério Público e ao IPHAN, mostrando a importância para a população carioca de se conservar o parque com suas características originais (NEVES, 2006). 8 Revista Geográfica de América Central, Número Especial EGAL, Año 2011 ISSN-2115-2563 Cenários Ambientais e o Planejamento para o Aterro do Flamengo, Rio de Janeiro Letícia Jácomo -------------------Para Bessa et al (2010), este processo de intervenção pública sobre a paisagem serve para aumentar o poder competitivo local, o que contribui para alterar a imagem da cidade que tem atrativos culturais expressivos e importantes, acabando por influenciar a relação homem-espaço. Lembramos que um dos motivos principais da criação do parque no Aterro do Flamengo foi o de contribuir para a contenção da especulação imobiliária, sempre em ascensão, não permitindo que fossem construídos nada além do que fora projetado na sua planta original. Apesar de toda a discussão sobre a privatização do seu espaço, a maior parte dos cuidados do parque ainda está nas mãos da prefeitura do Rio de Janeiro que, além de ter apoiado o projeto de “Revitalização da Marina da Glória” não estipula regras claras sobre o uso e a conservação do aterro. Bessa et al (2010) explicita sobre a necessidade de regulamentos para a manutenção da paisagem: os marcos regulatórios constituem-se num conjunto de legislações, normas e procedimentos que interferem na gestão pública e privada dos espaços públicos, seja na fase de concepção, planejamento, implementação ou controle e contribuem para garantir ou modificar a paisagem de uma localidade. (p.13). O descuido do parque é dado também por outros eventos esportivos e culturais, fora da área da Marina, e que ocorrem a cada semana, e também eventos naturais, como as chuvas e as ressacas, que causam enchentes em áreas que não são mais drenáveis, como nos campos de futebol onde, pela acumulação de água constante tem seu uso prejudicado. A poda e a adubagem das árvores também não tem tido os cuidados necessários, ameaçando o parque que perdeu 44,2% das suas árvores originais (Parque do Flamengo, 2009). Para Lima & Martinelli (2008), grande parte dos problemas ambientais atuais tem sua origem social devido ao desenvolvimento econômico e tecnológico e a necessidade de recursos ambientais, sendo que a intervenção humana no ambiente provoca sérias mudanças nos elementos da paisagem, alterando a sua dinâmica. Como cita Meinig (1976 apud ESTEVES, 2009): a paisagem é um espelho importante que pode nos dizer muito sobre os valores que nós temos e, ao mesmo tempo, afetar a qualidade das vidas que levamos, existe sempre a necessidade de amplos debates sobre as 9 Revista Geográfica de América Central, Número Especial EGAL, Año 2011 ISSN-2115-2563 Cenários Ambientais e o Planejamento para o Aterro do Flamengo, Rio de Janeiro Letícia Jácomo -------------------idéias, impressões e preocupações com as paisagens que nós compartilhamos. (p. 01) Esse descaso com essas áreas afetam diretamente a sociedade e nos leva a pensar outra maneira de planejar o espaço pregando a lógica de uma gestão ambiental que tenha uma visão mais integradora entre o poder público e a sociedade. Mas para compatibilizarmos o uso das terras e sustentabilidade ambiental, social e econômica, é necessário planejar a ocupação e a conservação dessa paisagem como um todo (METZGER, 2001). Para este autor: a ecologia de paisagens adota uma perspectiva correta para propor soluções aos problemas ambientais ao lidar com a paisagem como um todo, considerando as interações espaciais entre unidades culturais e naturais, incluindo assim o homem no seu sistema de análise (p. 07). Com o crescimento da cidade e da população e dos eventos que estão por acontecer na cidade, como os Jogos Olímpicos de 2016, novas soluções devem ser encontradas para o enfrentamento dos problemas vigentes. Não se pode ficar remendando ideias antigas e ultrapassadas em relação às soluções para problemas que se podem enfrentar em uma paisagem em constante transformação. As discussões sobre a aplicação de políticas públicas que tenham o objetivo de conscientizar e introduzir, para a população, cultura de sustentabilidade e ecologia urbana devem ser fundamentais para garantir uma melhor condição de vida para todos e dar a oportunidade para que a população carioca aprenda que a utilização de meios sustentáveis pode ser muito mais do que meramente “agir ecologicamente de forma correta”. Partindo-se da concepção de paisagem aqui defendida, nos utilizarmos do enfoque da ecologia de paisagens para pensarmos na preservação do Aterro do Flamengo, a partir dos seus potenciais como parque público do cotidiano carioca. A grande questão que norteia a discussão sobre a conservação e o uso dessa paisagem é a do seu caráter público-privado. De um lado temos um parque público, que agrega milhares de valores por ter essa característica, mas onde o próprio poder público, que administra o local, não se responsabiliza pela sua conservação e apóia projetos da iniciativa privada, e do outro lado há um parque, um dos símbolos da cidade do Rio de Janeiro “moderna”, sendo este apropriado indevidamente pela iniciativa privada, o que o faz perder seu caráter de parque “público”, mas que a partir da sua utilização dá uso e cuidados para essa paisagem. 10 Revista Geográfica de América Central, Número Especial EGAL, Año 2011 ISSN-2115-2563 Cenários Ambientais e o Planejamento para o Aterro do Flamengo, Rio de Janeiro Letícia Jácomo -------------------Considerações Finais Ao longo do que foi discutido no decorrer deste trabalho podemos entender sobre como Aterro do Flamengo se materializa e se transforma em símbolo tão importante para dinâmica da cidade do Rio de Janeiro Assim, abordamos a importância ambiental que o Aterro possui e toda problemática que o envolve devido a sua degradação por eventos naturais, como as chuvas e o distúrbio do entorno, mas também pelos eventos esportivos e a falta de clareza sobre as políticas públicas para o seu uso e conservação. A questão sobre a sua gestão deve ter especial atenção, pois tem sido a grande discussão que norteia a problemática sobre a falta de clareza sobre de quem é responsabilidade pelo mantimento dessa paisagem. A “venda” gradativa desse espaço pelo poder público e o descaso do poder privado em relação à bagagem cultural característica que possui o Aterro do Flamengo geram conflitos de interesse não só entre esses dois órgãos, mas também com a população. Com todo potencial social, econômico e ambiental, o Aterro do Flamengo (uma área de valor de Patrimônio Cultural e Artístico e Unidade de Conservação Ambiental) deveria ser tratado com mais importância, pois poucos são os lugares do mundo em que há uma diversidade tão grande, tanto paisagística e cultural. Devemos buscar uma maneira para alcançar a sustentabilidade dessa paisagem, pensando exatamente, como já dito anteriormente, na diversidade que essa paisagem apresenta, criando um modelo para todos os outros espaços seja em nossa ou em outras cidades com características semelhantes para, assim, alcançarmos um “ideal” para a gestão e conservação. É com o reconhecimento dessa paisagem como parte integrante da cidade que poderemos pensar em formas para que seu uso seja mais consciente e assim conservá-la, aumentando as chances de sucesso dos próximos eventos que estão por vir. Referências Cenários Ambientais 2020- Governo do Estado de São Paulo e Secretaria de Meio Ambiente, 2009. 11 Revista Geográfica de América Central, Número Especial EGAL, Año 2011 ISSN-2115-2563 Cenários Ambientais e o Planejamento para o Aterro do Flamengo, Rio de Janeiro Letícia Jácomo -------------------CLAVAL, Paul. A paisagem dos Geógrafos. In: CORRÊA, Roberto Lobato; ROSENDAHL, Zeny (orgs.). Paisagens, Texto e Identidades. Rio de Janeiro: EDUERJ p.13-74, 2004 COSGROVE, Denis. A Geografia está em Toda Prte: Cultura e Simbolismo nas Paisagens Humanas. In: CORRÊA, Roberto Lobato; ROSENDAHL, Zeny (orgs.). Paisagem, Tempo e Cultura. Rio de Janeiro, EDUERJ p.92-123, 1998 ESTEVES, Ana Paula. O Parque do Flamengo: uma paisagem com qualidade. In: http://edifick.com/ Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censo Demográfico 2000. Disponível em: www.ibge.gov.br IPHAN Disponível em: www.iphan.gov.br LEFF, Enrique. Saber ambiental. Ed. Vozes. Petrópolis, 2001. 343 p. MASCARENHAS, Gilmar; BORGES, Fátima C. da S.; Entre o empreendedorismo urbano e a gestão democrática da cidade: dilemas e impactos do Pan-2007 na Marina da Glória. In: Revista Digital Esporte e Sociedade. Ano 4 - n°10 Nov.2008/Fev.2009 Niterói, RJ. MASCARENHAS, Gilmar; BORGES, Fátima C. da S.; MARQUES, Carla N.; Como ficam os movimentos sociais em tempos de empreendedorismo urbano? Conflitos e articulações por ocasião do Pan-2007. In: Conferencia Internacional – Mega Eventos e a Cidade. Niterói, novembro, 2010. METZGER, Jean Paul. O que é Ecologia de Paisagens? Nov/2001, São Paulo, SP. OLIVEIRA, Ana Rosa de. Parque do Flamengo: instrumento de planificação de Resistência. In: Jornal da Paisagem. Novembro, 2006. Retirado de: http://www.vitruvius.com.br 12 Revista Geográfica de América Central, Número Especial EGAL, Año 2011 ISSN-2115-2563 Cenários Ambientais e o Planejamento para o Aterro do Flamengo, Rio de Janeiro Letícia Jácomo -------------------OLIVEIRA, Ana Rosa de; BARROSO, Cláudia Maria Girão. SOS Parque do Flamengo. In: http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/. Ano 06, maio/2006, Rio de Janeiro PERES, R. B.; MEDIONDO, E. M.. Desenvolvimento de Cenários de Recuperação como Instrumento ao Planejamento Ambiental e Urbano- Bases Conceituais e Experiências Práticas In. SEMINÁRIO NEUR/CEAM, 2004, Brasília, DF. A questão Ambiental de Urbana: Experiência e Perspectivas, Brasília, UnB, 2004. RUA, João. Paisagem, espaço e sustentabilidades: uma perspectiva multidimensional da geografia. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio, 2007. p.27. SANTOS, Ricardo Pinto. Uma breve história social do Esporte no Rio de Janeiro. In: X Congresso de Historia del Deporte. Novembro/2005, Sevilla – Espanha, 2005 SILVA FILHO, Demóstenes Ferreira da. Silvicultura Urbana - O Desenho Florestal da Cidade. Piracicaba, SP, 2003. In: http://www.ipef.br/silvicultura/urbana.asp SMU- Secretaria Municipal de Urbanismo. Disponível em: http://www.rio.rj.gov.br/web/smu SOUZA, Felipe Silveira de. Os parques urbanos em Porto Alegre: o espaço público e suas complexidades. In: Artigo apresentado no XII Encontro de Geógrafos da America Latina. Abril/2009, Montevidéu – Uruguay, 2009. TROLL, C. Ecología del paisaje. In: Investigación ambiental. Ciencia y política pública. Vol. 01, n°2, 2010, México. 13 Revista Geográfica de América Central, Número Especial EGAL, Año 2011 ISSN-2115-2563