Livro carvalho neto - Loja Maçônica Cotinguiba

Transcrição

Livro carvalho neto - Loja Maçônica Cotinguiba
Carvalho Neto
VULTOS DA MAÇONARIA
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Todos os direitos desta edição reservados ao autor
Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, com
finalidade de comercialização, ou aproveitamento de lucros ou vantagens, com
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artigo 184 do Código penal.
Capa e projeto gráfico:
Adilma Menezes
Ficha catalográfica Elaborada por
Márcia Rosário Teixeira de Souza - CRB-5/890
Nascimento, José Anderson, 1944
N244c
Carvalho Neto / José Anderson Nascimento. -Aracaju (SE): Loja Maçônica Cotinguiba; Criação,
2013.
1 9 4 p . ; ( Vu l to s d a m a ç o n a r i a ) . Esta obra faz parte das comemorações dos
141 anos de fundação da Loja Maçônica Cotinguiba do Oriente de Aracaju, e, inaugura também, a
coleção intitulada como Vultos da Maçonaria.
1. Maçonaria - Aracaju. 2. Maçonaria - Brasil.
3. Maçonaria - Loja. I. Carvalho Neto, Antônio Manuel de, 1889-1954. II. Título.
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José Anderson Nascimento
Carvalho Neto
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LOJA MAÇÔNICA COTINGUIBA
ARACAJU, 2013
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Sumário
Introdução..................................................................................................7
Biografia....................................................................................................15
Antologia..................................................................................................29
I. POLÍTICA....................................................................................................30
II. RELIGIÃO..................................................................................................62
III. FILOSOFIA..............................................................................................76
IV. LITERATURA..........................................................................................97
V. SOCIOLOGIA E DIREITO................................................................... 139
Bibliografia........................................................................................... 193
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CARVALhO NeTO
Introdução
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VULTOS DA MAÇONARIA
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Esta monografia inaugura a coleção intitulada como
Vultos da Maçonaria, como parte das comemorações dos 141
anos de fundação da Loja Maçônica Cotinguiba do Oriente
de Aracaju, numa iniciativa do Venerável Mestre, Jilvan Pinto
Monteiro, um incentivador da cultura maçônica, em Sergipe.
O objeto do trabalho é avaliar a vida e a obra do advogado, magistrado, professor, político, acadêmico, romancista,
jurista, ensaísta e maçon Antônio Manuel de Carvalho Neto,
ou, Carvalho Neto, como era mais conhecido.
A pesquisa que levamos ao público leitor está dividida em
duas partes. Na primeira está o perfil biográfico de Carvalho
Neto. Na segunda parte, uma antologia da sua obra, dividida
nos seguintes capítulos: I Política; II Religião; III Filosofia; IV
Literatura e V Direito e Sociologia.
Seguindo uma linha científica da obra, estabelecemos
como periodização o lapso temporal entre 1918 a 1950,
quando o biografado apresentou-se como uma das personalidades mais cultas e atuantes da sociedade sergipana, não só
no desempenho de importantes cargos públicos no executivo
e na representação do povo na Assembleia Legislativa e no
Parlamento Nacional, como por sua proficiente participação
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na Maçonaria, no exercício de inúmeras funções honoríficas
do Grande Oriente do Brasil e do veneralato, na Loja Maçônica
Cotinguiba, onde, em uma das suas gestões administrativas,
construiu e inaugurou o prédio da secular instituição, localizado na Rua Santo Amaro, número 171, em Aracaju, um dos
exemplares da arquitetura civil do segundo quartel do século
XX, com décor eclético no seu frontispício e algumas soluções
dos estilos barroco e neoclássico.
As fontes usadas nesta monografia incluem apreciações
de Maria Thetis Nunes, Manoel Cabral Machado, João Evangelista Cajueiro, Antônio Carvalho Neto, Revistas da Academia
Sergipana de Letras, Revistas da Faculdade de Direito de Sergipe, Revista Sergipe Judiciário, Revista Sergipe Forense, leis
estaduais e federais relativas à instrução pública, ao Direito
do Trabalho e ao Direito Penitenciário, entre outros.
Para a construção deste trabalho, adotamos a metodologia da pesquisa bibliográfica, avaliando a escrita de Carvalho
Neto, desde os seus ensaios sobre os problemas educacionais
de Sergipe, em especial com a sua Cartilha de um Pedagogo,1
onde defendia a função social da educação. Na sua gestão à
frente da Diretoria Geral de Instrução Pública de Sergipe, cargo
que acumulou de 1919 a 1920, com o de Diretor da Escola
Normal, ele pode realizar as suas experiências no tocante à
modernização das práticas pedagógicas, difundindo o método
de ensino intuitivo, introduzindo na sala de aula equipamentos didáticos para promover uma melhor aprendizagem, tipo
planisférios, relógio, jogos e os Mapas de Parker para o ensino
da Aritmética.
9
CARVALHO NETO. A. M. “A Cartilha de um Pedagogo I”. Correio de Aracaju. Aracaju, 5 jun., 1919.
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A contribuição de Carvalho Neto para o desenvolvimento
educacional de Sergipe e do Brasil ampliou-se a partir da sua
atuação como deputado federal, quando integrou, em 1921, a
Comissão de Instrução Pública, ao apresentar o projeto Educação
dos Anormais, publicado em plaqueta e inserido no ensaio No
Parlamento: discursos e projetos.2 Este projeto aparece no cenário
nacional como o ponto de partida da legislação que protege as pessoas diferentes e portadoras de necessidades especiais, no Brasil.
No círculo fechado da Maçonaria, tanto na Cátedra da
Lei3, como no exercício do Trono do Venerável, ou Cadeira de
Salomão, Carvalho Neto sempre se pronunciou com temas de
Filosofia e de Política, valendo destacar excertos de alguns
discursos proferidos em torno dos princípios da dignidade
humana, defendidos e consagrados pela Ordem Maçônica,
tais como o princípio da Liberdade, o princípio da Igualdade
e o princípio da Fraternidade, cujas achegas compõem parte
do livro O pensamento vivo de Carvalho Neto, editado em
1988, em homenagem ao seu centenário e organizado pelo
seu filho Antonio de Carvalho Neto, com alguns textos desse
livro reproduzidos no campo da Antologia, desta pesquisa.
Em meio a essas atividades, Carvalho Neto participa da
fundação da Academia Sergipana de Letras, em 1º de junho de
1929, assumindo a Cadeira nº 25, do Sodalício sergipano, que
tem como patrono o médico e pensador Antônio Dias de Barros.
No ensaio Legislação do Trabalho4, publicado em 1926,
Carvalho Neto inicia com a discussão sobre o Direito do Tra CARVALHO NETO, A.M. No Parlamento: Discursos e projetos. Rio de Janeiro: Typ da Casa Vallelle. 1921.
3
Cadeira do Orador (Nota do autor).
4
CARVALHO NETO, A.M. Legislação do Trabalho: polêmica e doutrina.
Rio de Janeiro: Anuário do Brasil. 1926
2
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balho e se notabiliza como um dos percussores da legislação
laboral, pelo que conquista a simpatia dos seus pares da Câmara dos Deputados, diante dos seus conceitos jurídicos e das
citações doutrinarias de grandes mestres dessa vertente do
direito. Edita, em 1928, a revista Sergipe Judiciário: doutrina,
jurisprudência, legislação, que foi um veículo de divulgação
dos estudos da Ciência Jurídica em Sergipe, com artigos e
ensaios sobre o Direito Constitucional, o Direito Administrativo e crônicas sobre a advocacia e sobre o banditismo no
Nordeste, além de pareceres, recursos e acórdãos do Tribunal
de Apelação do Estado de Sergipe.
Como se vê, a produção bibliográfica de Carvalho Neto
é sólida e sempre voltada para a defesa dos direitos sociais.
Nesse diapasão, dedicou-se, profundamente, ao Tribunal
do Júri, à defesa dos menos afortunados e colecionou inúmeras
vitórias, absolvendo os seus constituintes, sempre com uma
linguagem escorreita, elegância, ética e respeito na condução
do seu trabalho. Nesse tempo pode avaliar as condições dos
presídios e da legislação penal, levando-o a aprofundar-se
no estudo da incipiente Criminologia, abraçando a teoria
do cientista e jurista italiano Enrico Ferri, que estudou as
tendências dos criminosos, levando em consideração fatores
econômicos e sociais, cujos conceitos estão encartados no livro
Sociologia Criminal. Carvalho Neto, então, direcionou os seus
estudos e também, a sua literatura, para o campo do Direito
Penitenciário, que estava nos seus passos iniciais.
Nessa época, participa, no Rio de Janeiro de conferências
sobre o Direito Penitenciário Brasileiro e apresenta as teses
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Patronato dos liberados e egressos definitivos da prisão5,
durante a 2ª Conferência e Direito Penitenciário6, na 6ª Conferência Penitenciária Brasileira, as quais foram aprovadas e
publicadas pela Imprensa Oficial do Estado de Sergipe.
Publica o livro Advogados: como aprendemos, como
sofremos, como vivemos.7 Um verdadeiro guia para os operadores do Direito, com as minúcias e os caminhos que devem
trilhar os advogados na condução das suas causas, no trato
com os seus constituintes e nas relações éticas com os seus
contendores.
No rol das obras de Carvalho Neto insere-se o romance
Vidas perdidas8 e a coletânea de várias crônicas, com o título
de Cinzas da Província9, em que o foco é o sistema penitenciário de Aracaju. Ambas analisam o crime e o criminoso.
Carvalho Neto não deixou de preocupar-se com a educação, pois, durante a sua trajetória na Câmara dos Deputados,
pronunciou-se pela formulação de uma política nacional de
educação, para propiciar a formação do cidadão brasileiro e
capacitá-lo para os desafios dos tempos modernos.
Por outro lado, não se descuidou da cátedra acadêmica,
pois figura como um dos fundadores e primeiro diretor da Fa CARVALHO NETO, A.M. Patronato dos liberados e egressos definitivos da prisão. Aracaju: Imprensa Oficial, 1944.
6
CARVALHO NETO, A.M. Direito Penitenciário. Aracaju: Imprensa Oficial, 1944.
7
CARVALHO NETO, A.M. Advogados. São Paulo: Saraiva. 1946.
8
CARVALHO NETO, A.M. Vidas perdidas. Salvador: Livraria Progresso.
1948.
9
CARVALHO NETO, A.M. Cinzas da Província. Aracaju: Curso de Tipografia e
Encadernação da Escola Industrial de Aracaju. 1951.
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culdade de Direito de Sergipe, inaugurada em 28 de fevereiro
de 1950 e primeiro professor de Direito Administrativo. Essa
unidade de ensino superior está incorporada à Universidade
Federal de Sergipe, onde mantém curso de graduação e de
pós-graduação stricto sensu, com relevantes serviços prestados à sociedade.
O estudo sobre a obra polimorfa de Carvalho Neto leva-nos à convicção de que ele se dedicou, em todas as fases da
sua vida, a temas de real importância para a sociedade, com
destaques à efetiva garantia dos princípios educacionais
republicanos, capazes de inserir as pessoas como partícipes
do desenvolvimento nacional, não se descuidando de propor
melhorias para o trabalhador, com uma legislação laboral
democrática e de preocupar-se com leis de amparo ao contingente de portadores de necessidades especiais, numa antevisão do quadro evolutivo do constitucionalismo brasileiro
fundamentado numa sociedade participativa e plural que
pugna pela dignidade da pessoa humana.
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Aracaju, 10 de novembro de 2013.
José Anderson Nascimento
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Biografia
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Antônio Manuel de Carvalho Neto nasceu em Simão Dias,
Sergipe, a 14 de fevereiro de 1889, primeiro filho do casal Dr.
Joviniano Joaquim de Carvalho e de D. Josefina Freire de Carvalho, ambos descendentes de Manoel de Carvalho Carrigosa
e de Antônio Matos Freire, portugueses, emigrados para o
Brasil, no século XVIII, quando se instalaram nos municípios
de Lagarto, Simão Dias, em Sergipe; e em Paripiranga, no
Estado da Bahia.
O pai de Antônio Manuel era médico e político da região.
Elegeu-se deputado estadual à 1ª Assembleia Constituinte do
Estado de Sergipe, após agitada a eleição de 10 de março de
1891, em que se debateram republicanos e antigos monarquistas, convulsionados por interesses políticos. Depois, foi
eleito deputado federal por cinco legislaturas. O Dr. Joviniano
Joaquim de Carvalho era aliado do Padre Olímpio Campos e
do senador Coelho e Campos, destacando-se no Parlamento
Nacional, diante dos debates, com Fausto Cardoso, pelas
questões da política sergipana.
Carvalho Neto realizou os seus estudos iniciais na terra
natal, transferindo-se depois para Aracaju, onde estudou
o curso ginasial no Colégio Alfredo Montes, sendo aluno e
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amigo do Professor Abdias Bezerra e do Professor Alfredo
Montes Júnior, projetando-se logo, como orador nas célebres
sessões demostênicas e pelo gosto do estudo das letras e das
línguas clássicas, especialmente o Latim e também a Língua
Francesa. Concluído o ginásio, muda-se para o Rio de Janeiro,
onde residia o seu pai.
No Rio de Janeiro, em 1906, ingressa da Faculdade Livre
de Direito, distinguindo-se em pouco tempo, como um brilhante
aluno, havendo, inclusive, naquela época, pleiteado que o busto
de Tobias Barreto fosse entronizado no salão nobre da Escola.
Na inauguração dessa herma honorífica, proferiu um notável
discurso, quando enalteceu as qualidades morais e intelectuais
do pensador sergipano homenageado, um dos responsáveis
pela introdução dos estudos jurídicos alemães no Brasil, e incentivador dos estudos da Filosofia do Direito no Brasil.
Iniciou-se, ainda acadêmico de Direito, na atividade forense no escritório do professor, advogado, político, jornalista
e escritor brasileiro Inglês de Souza, introdutor do naturalismo na literatura brasileira através do seu romance O Coronel
Sangrado, publicado em Santos, em 1877, e um dos membros
fundadores da Academia Brasileira de Letras, que fora, inclusive Presidente do Estado de Sergipe no período de 1881 a 1882.
Ao bacharelar-se em Direito, Carvalho Neto retornou,
em 1911, a Sergipe, atendendo ao chamamento do seu pai.
Logo elegeu-se deputado estadual para a legislatura de 1912
a 1913, em cujo período foi líder do governo do Marechal
Antônio José Siqueira de Menezes (1911-1914). Depois, foi
nomeado Juiz de Direito de Itabaiana e, seguidamente, removido para a Comarca de Japaratuba. Deixou a magistratura,
para exercer o cargo de Diretor Geral de Instrução, nomeado
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que fora pelo Presidente (Governador) José Joaquim Pereira
Lobo (1918-1922). Nessa Diretoria, que corresponde aos dias
atuais à Secretaria de Estado da Educação, Carvalho Neto
promoveu inúmeras reformas pedagógicas, modernizando o
ensino, em Sergipe.
O seu ingresso na Maçonaria aconteceu em 26 de julho de
1919, iniciando a sua trajetória nos mistérios da Loja Maçônica
Cotinguiba, da qual exerceu quase todos os cargos: orador nos
anos 1920-1921, 1928 e 1932. De 1921 a 1924 foi o representante da Loja na Soberana Assembleia Geral, venerável nos
anos 1929, 1930, 1933/34, 1939/40 e 1942/1943 e Delegado
Especial do Grão Mestrado no Estado de Sergipe, a partir de
1943. No seu veneralato, Carvalho Neto lutou incessantemente
pelos princípios que norteiam a Maçonaria e colocou a Loja
Cotinguiba em posição de destaque no cenário nacional. Na
sua gestão de 1929 a 1930, inaugurou solenemente o prédio
da sede da Loja Cotinguiba, na Rua Santo Amaro, nº 171, no
centro de Aracaju. Carvalho Neto foi um ardoroso defensor da
liberdade, havendo produzido na Cátedra da Lei, memoráveis
discursos, sempre defendendo os principais lemas da Maçonaria: igualdade e liberdade, que, aliás, no desenvolvimento
do constitucionalismo nacional, passaram a ser direitos de
primeira grandeza, situando-se como clausulas petreas das
Constituições, no campo dos direitos fundamentais da pessoa.
No discurso de Carvalho Neto1, infere-se que ele proclamava a Liberdade como um fator preponderante da própria
existência humana, pois indica a condição de livre, ou o poder
NETO, A.C. O pensamento vivo de Carvalho Neto. São Paulo: Edição do
autor. 1988, p. 28.
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outorgado à pessoa para que possa agir segundo sua própria determinação, respeitadas, entretanto, as regras legais instituídas.
Nesse sentido, a Maçonaria adotou a Liberdade como
lema emancipador e regenerador das classes sociais, razão
pela qual a sociedade fraterna e organizada, somente se estabiliza com a convivência de homens e mulheres livres e de
bons costumes, com igualdade de oportunidades.
Na Maçonaria, além da Liberdade, adotaram-se a Fraternidade e a Igualdade, motes que se associam às três Grandes
Luzes que adornam o Altar de uma Loja regular das obediências anglo-saxônicas: o Compasso, o Esquadro e o Volume da
Ciência Sagrada.
A Fraternidade na Maçonaria, sob a ótica de Carvalho
Neto é a essência do Cristianismo. No círculo privado é a família. Na ordem social é a Nação. No regime político é o Estado.
Na relação internacional é a humanidade. Ela proscreve o
ódio que é destruidor. Proscreve a conquista que é antissocial.
Proscreve a guerra que é desumana.2 A Fraternidade, sob o
aspecto teórico, é um conceito de filosofia profundamente
ligado às ideias de Liberdade e Igualdade.
Com esses três elementos forma-se o tripé que caracteriza
um dos mais importantes conceitos em que se baseia a Maçonaria. A ideia de Fraternidade mostra que o homem, na vida em
sociedade, estabelece, com seus semelhantes, uma relação de
igualdade, pois, em essência, não há nada que hierarquicamente
os diferencie. São como irmãos, ou seja, fraternos.
Esse conceito é a peça-chave para o pleno estabelecimento da cidadania entre os homens, pois, por princípio, todos os
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2 NETO, A.C, ob. Cit. P. 18.
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homens são iguais. Um fato importante a realçar é que Fraternidade, por muitas vezes, é confundida com caridade, embora
elas tenham significados radicalmente diferentes. Enquanto a
Fraternidade expressa a dignidade de todos os homens, considerados iguais e assegura-lhes plenos direitos (sociais, políticos e
individuais), a ideia de caridade nos mostra exatamente o oposto,
a desigualdade entre os homens, na medida em que faz crer que
alguns deles possuem mais direitos e são superiores e portanto
são generosos quando os compartilham com os demais.
Carvalho Neto trata a Igualdade, como um dos fatores que
sustentam a Ordem Maçônica. Na sua concepção, todos são
iguais perante a Lei, como afirmou em Discurso na Maçonaria,
em 1940. Nem nobreza de sangue, nem privilégio de casta, nem
prestígio de dinheiro. Todos temos os mesmos direitos, podemos merecer as mesmas honras, conquistar os mesmos postos.
Do maior ao menor, do mais rico ao mais pobre, não faz a
lei distinção que não seja decorrente do merecimento pessoal,
pelo trabalho, pela cultura, pela virtude, pelo civismo.
Uma vez que relações fraternais pressupõem a inexistência de barreiras discriminatórias, é necessário que exista
Igualdade para que os maçons possam ser denominados
Irmãos. Portanto, sendo a Fraternidade um predicado fundamental da Maçonaria, também o é a Igualdade.
Igualdade significa não diferenciação, inclusive entre
os obreiros da ordem maçônica. Considera-se, pois, que os
maçons podem ser reconhecidos, iguais quando entre eles
inexiste qualquer diferenciação em termos de condições de
tratamento e oportunidades.
A Fraternidade, certamente, não é independente da Liberdade e da Igualdade, pois, para que cada uma delas efetiva-
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mente se manifeste, é preciso que as demais também estejam
presentes. Elas agem como componentes de uma equação, em
que a presença dos três elementos é necessária e obrigatória
para que o resultado esperado seja obtido. Tal resultado nada
mais é do que a humanidade viver e contemplar a virtude de
se ter uma vida em perfeita harmonia e paz.
Ao lado de instruções doutrinárias sobre temas da
Maçonaria, Carvalho Neto não se descuidava de pontuar a
instituição no contexto histórico da humanidade.
Pesquisas nesse sentido levam o estudioso dos assuntos
maçônicos a compreender as grandes diferenças entre a Maçonaria do século XVIII e a dos séculos seguintes, revelando,
principalmente, a Franco-Maçonaria, hoje, majoritária, pelo
que, desde os pronunciamentos filosóficos de Carvalho Neto,
já estavam descartados os grupos mais ou menos «particulares», como o círculo místico-esotérico de Lyon e o grupo
político-ocultista dos iluministas bávaros de Weishaupt com
seus partidários, que algumas escolas historiográficas como
Firenze de Francovich e seus discípulos, tentaram elevar à
categoria de casos gerais, abordagens que contrastam com a
de Forestier, que limitou claramente o objeto de suas pesquisas
à Franco-Maçonaria Templária e Ocultista.
Com seu modo de vida simples, suas visões grandiosas,
sua fidelidade à monarquia e suas vinculações religiosas
na Europa católica e protestante da época, sem falar de sua
composição social específica, mais próxima da nobreza que
da burguesia, a Franco-Maçonaria do século XVIII tem poucos
traços comuns com a nova Maçonaria do século seguinte, como
aponta Carvalho Neto. Para ele, após a Revolução Francesa,
esta nova Maçonaria se coloca, a princípio, a serviço de Napo-
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leão Bonaparte e depois, por ocasião das revoluções no início
do século, aproxima-se do liberalismo republicano com seus
ideais de liberdade dos indivíduos e de independência dos
povos. No decorrer do século XIX, esses ideais vão adquirir
progressivamente, sobretudo dentro da Maçonaria francesa
e sua “zona de influência”, uma coloração cada vez mais laica,
e até mesmo anticlerical. Esta situação não existia no século
XVIII e suscitou muitas tentativas de explicação quase sempre
tendenciosas e pouco convincentes.
Nesse sentido, Ferrer-Benimeli3, anota que além dos
documentos encontrados nos arquivos secretos do Vaticano e
da Inquisição, particularmente nos de Madri, Lisboa e México,
as principais fontes de estudo dessa temática, vêm dos arquivos maçônicos de vários países europeus: Alemanha, Áustria,
Itália, Portugal, Holanda, Bélgica, Suíça, Inglaterra, França.
Os arquivos da Franco-Maçonaria, conservados no Gabinete
dos Manuscritos da Biblioteca Nacional de Paris, dispõem
de documentos preciosos e variados, cuja importância já foi
destacada por historiadores, como Le Bihan, Chevallier, Ligou,
Agulhon, Luquet, Ladret, Amiable, Doré, Bernheim e muitos
outros. Nos últimos anos, essas fontes chamaram a atenção de
pesquisadores como Coutura, Taillefer, Beaurepaire, Halevy,
Saunier, Porset, Lamarque, Mollier.
O discurso de Carvalho Neto no campo dos confrontos da
Igreja com a Maçonaria, coaduna-se, em grande parte, com a
linha do livro Arquivos Secretos do Vaticano e a co-Maçonaria,
que ajuda a esclarecer e a compreender a situação da Franco FERER-BENIMELI, J.A. Arquivos Secretos do Vaticano e a Franco-Maçonaria. São Paulo: Madras, 2007.
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-Maçonaria Européia antes e durante a Revolução Francesa e
os seus reflexos, nos séculos seguintes, nos países americanos,
em especial nos Estados Unidos e depois no Brasil.
Nessa linha de pensamento é bom que se frise a importância e o caráter relativamente novo de uma abordagem da
Franco-Maçonaria, não desde uma perspectiva local, regional
ou nacional, mas e até mesmo “universal”, aqui sinônimo de
ocidental, em uma época em que a Franco-Maçonaria ainda
não havia sido implantada em alguns países. Essa abordagem
permite assim deixar de lado os aspectos mais particulares e
melhor compreender os que são comuns a países como Itália,
Portugal, Áustria, Alemanha Espanha, Holanda, Suíça, etc. Esses traços nos ajudam a entender e situar o que aconteceu na
Maçonaria Francesa ou Inglesa do século XVIII, sem considerar
as lutas de influências internas e as interpretações do século
seguinte. Estas, de fato distanciam muito desse fenômeno de
“sociabilidade” que constituía a Maçonaria das Luzes. Alguns
elementos fundamentais – particularmente a religiosidade e a
crença – quase deveriam desaparecer no século XIX, tornando,
assim, mais difícil a compreensão daquilo que foram e que
fizeram os franco-maçons no século anterior.
Segundo Machado4, Carvalho Neto, com sua voz firme,
limpa e metálica empolgava como orador eloquente, imaginoso e culto, assumindo um lugar maior ao Sol. Candidata-se,
assim, a deputado federal, elegendo-se para 11ª legislatura
(1921-1923), apoiado pelo Presidente Pereira Lobo. No Rio,
distingue-se, logo, no Parlamento, com seus projetos e dis-
23
MACHADO, M.C. Brava Gente Sergipana e outros bravos. Aracaju: Edição do autor. 1999, p. 58.
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cursos, chamavam-no “a patativa do Norte”. Muitos desses
projetos e discursos foram publicados no livro O Parlamento.
Reeleito, na legislatura 1924-1926, já familiarizado no Congresso, e com muitos amigos, inclusive o Presidente Artur
Bernardes, Carvalho Neto torna-se o paladino da manifestação
e federalização da Justiça e do Processo Civil e Criminal e, ainda, um dos maiores precursores do Direito do Trabalho. Seus
projetos, pareceres e discursos são memoráveis, batalhando
pela reforma constitucional para atribuir à União a competência para legislar sobre direito do Trabalho. Tudo isto está
no seu livro Legislação do Trabalho, editado em 1926, e fora
esta a primeira vitória do trabalhismo no Brasil. Elogiado por
muitos, acusado de comunista por outros, Carvalho Neto sai
vitorioso da pugna, mas não se elege na legislatura imediata.
Agora, voltando a Aracaju, Carvalho Neto dedica-se à
advocacia civil e criminal, ao jornalismo e publica uma revista jurídica Sergipe Judiciário. Defendeu os revolucionários
tenentistas de 1924 e 1926, tornando-se amigo do Tenente
Augusto Maynard Gomes, principal líder do Tenentismo em
Sergipe. Nessa mesma época participa de reuniões da Hora
Literária do Santo Antônio e aparece como um dos principais
mentores para a fundação da Academia Sergipana de Letras,
cuja sessão inaugural aconteceu no dia 1º de junho de 1929.
Vitoriosa a Revolução de 1930, Carvalho Neto passa a
figurar como uma das mais importantes personalidades do
Governo do Interventor Federal Augusto Maynard Gomes,
projetando-se como o Consultor Jurídico do Estado. Nas eleições de 1934, Carvalho Neto elege-se Deputado Estadual. Na
fase constituinte e depois na legislatura, ele era considerado
o deputado mais culto, mais brilhante e mais eficiente.
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Com o Golpe de 10 de novembro de 1937, a Assembleia
foi fechada e os deputados perderam os mandatos, experimentando-se uma fase de intranquilidades sociais em Sergipe,
diante do momento político discricionário, devido às ações do
Estado Novo. Carvalho Neto, então, é chamado para defender
perseguidos e oprimidos, contra a prepotência governamental.
Em rumoroso processo, defende comunistas presos. Depois, são
os integralistas e também os correligionários demitidos. Neste
período é rica a sua produção literária. Farta é a publicação de
temas jurídicos, merecendo destaque os ensaios Afirmações
do Direito, A defesa no crime, Verdade de um fideicomisso,
Casos criminais, Um caso de interdição, Ação de Investigação
de Paternidade, Legítima defesa contra o banditismo.
Na política, articula com os seus seguidores a volta
de Augusto Maynard ao Poder. Com os amigos de Maynard,
cuja campanha é coroada de êxito com a nomeação do líder
revolucionário para Interventor Federal, cuja posse se deu a
27 de março de 1942. O Novo Interventor Federal, Augusto
Maynard Gomes tem, outra vez, Carvalho Neto ao seu lado,
como Consultor Jurídico do Estado. Na plenitude intelectual,
Carvalho publica os Pareceres da Consultoria Jurídica.
Em 1945, com a redemocratização do país, Carvalho Neto
candidata-se a deputado federal, não se elegendo, porém, o
que lhe causou grande consternação. Acabrunhado, pensa
em deixar a política. Volta-se, contudo, para a Literatura e a
atividade forense, consagrando-se como um dos pioneiros do
Direito Penitenciário, ao lado de pensadores da estirpe de Lemos de Britto e de Heitor Carilho, participando de congressos
de direito e apresentando teses, depois publicadas: Normas
Gerais de Direito Penitenciário, Direito Penitenciário, Patrona-
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to de Liberados e Egressos definitivos da prisão e Advogados,
obra doutrinária de repercussão nacional. Publicou ainda:
Conferências várias e Orações acadêmicas e muitos discursos,
dentre os quais se sobressaem: Gumercindo Bessa, Alfredo
Montes, Abdias Bezerra e Casa das Laranjeiras. No campo do
romance, escreveu: Vidas Perdidas e Cinzas da Província. Foi
um dos principais mentores para a fundação da Faculdade de
Direito de Sergipe, da qual foi o seu primeiro diretor.
Na opinião de Manoel Cabral Machado5 a obra basilar de
Carvalho Neto é “Advogados – como vivemos, como sofremos,
como vencemos”. Literariamente, é uma espécie de “Carta de
guia de advogados”, a modo de Francisco Manuel de Melo, na
“Carta de Guia dos Casados”. Foi o primeiro livro sergipano, com
realce, ainda hoje, na literatura jurídica nacional, a recomendar os
intelectuais de Sergipe. Dele disse Manoel Ribeiro. “O monumento
que é Advogados cabe na estante de todo homem culto, pois é
a humaníssima história dos lidadores do direito na província”.
Para João Evangelista Cajueiro6, “a língua em que se expressava
Carvalho Neto era a dos escritos que estava em permanente
convívio com os livros dos grandes mestres da linguagem lídima”.
Com o falecimento do deputado Maurício Graccho Cardoso, em 3 de maio de 1950, Carvalho Neto, que era o seu
suplente, assume a Câmara Federal, já estando combalido
pela doença, que lhe perseguia. Mesmo assim, destacou-se
em várias Comissões Parlamentares. Ainda enfrentou a eleição de 3 de outubro de 1950, ao cargo de deputado federal
Machado, Manoel Cabral. Discurso. Revista da Academia Sergipana de
Letras, nº23, p. 25.
6
Cajueiro, João Evangelista. A língua e o estilo de Carvalho Neto. Aracaju: Revista da Academia Sergipana de Letras, nº 17, 1956, p. 2.
5
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pelo Partido Social Democrático (PSD), com o apoio do seu
cunhado, o Desembargador Gervásio Prata, reelegendo-se à
Câmara Federal, com 4.562 votos. Nesse tempo, empolga-se
com os trabalhos legislativos, especialmente com as discussões
em torno do assunto legislativo mais palpitante: o Parlamentarismo. Sobre esta matéria, escreveu o ensaio da literatura
política, Irresponsabilidade dos Presidentes da República e
Ministros de Estado no Regime Parlamentarista. A doença se
acentuava, apesar das sucessivas intervenções cirúrgicas a que
se submeteu seguidas e de melhoras transitórias.
Muito doente, afastou-se da militância jurídica, maçônica
e política. Faleceu em Aracaju a 26 de abril de 1954.
Carvalho Neto caracterizou-se por uma vida toda de permanente luta pelo Direito, na cátedra, na tribuna, na imprensa
ou no foro, pugnando sempre, destemerosamente, pelas
liberdades democráticas e garantias inalienáveis do cidadão.
Homem de pensamento, espírito ágil e cultura polimorfa,
o saudoso professor era, sobretudo, um orador fluente, cuja
voz empolgava as multidões e as elites, unânimes em aplaudi-lo com todo entusiasmo.
Sob todas as facetas, por que se o encare, Carvalho Neto
era personalidade que avultava às nossas vistas como uma
legítima expressão de intelectualidade e simpatia que, a todo
o momento, mais se arraigava.
O professor, o jurista, o maçon, o escritor, o ensaísta, o
parlamentar, o polemista e o advogado encontraram em Carvalho Neto um exemplo, com as qualidades invulgares e os
requisitos que dificilmente se encontrariam numa só pessoa,
pelo que se constituía numa figura impar dos nossos círculos
intelectuais, marcando época, a sua passagem pela vida.
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CARVALhO NeTO
Antologia
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I
POLÍTICA
LIBERDADE
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Por fim, liberdade! O outro vértice do nosso triângulo
simbólico.
Matriz dos povos civilizados, é a suprema aspiração das
consciências honestas.
Onde não houver liberdade é que o homem se degrada
ao automatismo do irracional.
Se não há independência para sentir e admirar o belo,
para querer e conquistar o bem, para castigar o crime e premiar a virtude, para escolher, para distinguir, para eleger, para
repelir, é que o homem desceu ao nível do bruto.
Tem instinto, não tem razão!
Se não tem opinião, se não escolhe a sua crença, se
não proclama a sua fé, se não adora o seu Deus, pobre dele!
Não será mais do que uma sombra perdida no cemitério das
consciências mortas.
Liberdade é flama que crepita e aquece e chama-se
patriotismo. É sangue que borbota e ruboriza e chama-se
honra. É ideal que transfigura o homem numa inspiração da
divindade, para a realização dos seus altos desígnios de amor
e renúncia, de caridade e de fé, de sofrimento e de piedade,
de lutas e de glórias.
E quereis ver como, senhores! É só perguntar: cientista
ou filósofo, que seria de ti não podendo, acaso, proclamar a
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verdade de tuas pesquisas, a descoberta de tuas leis, o desvendar de enigmas na trama dos fenômenos, a explicação das
causas, a relação dos efeitos, em suma, a mecano-teleologia
da vida? Pode o sábio condicionar o seu saber a imperativos
da escola, a conveniências de planos oficiais, a imposição de
ditadores, de qualquer espécie?
E tu, artista, que seria de ti sem a inspiração livre, a vocação alada, a fantasia solta, o sonho a transvoar de páramo
em páramo,andorinha que mergulha nos espaços azuis, borboletas que adejam sobre jardins floridos, abelha que suga o
mel polens dourados?
Haverá inspiração agrilhoada, como um pássaro preso,
não podendo voar em todas as direções, nem se banhar nos
regatos múrmuros de límpidas águas, nem espanejar as asas
aos raios do sol?
Pintor, que tiras da palheta dos íris celestiais as cores dos
teus quadros, que seria de ti, se a cromatização das tuas imagens não fosse a escolha sensível de tua vista, cambiantes de
tons e coloridos, que variam de um para outro, na gama infidas
mais bizarras combinações?
Músico, compositor, maestro, que coordenas os sons e
fazes a harmonia das vozes, que seria de ti, se as tuas melodias os teus acordes, as tuas sinfonias não expressassem a
espontaneidade dos sentimentos — aqui a alegria, ali a dor, ora
um canto elegíaco, ora uma árida magoada, vezes o pranto, às
vezes o riso, a brisa ou a tempestade, o ciciar de uma carícia
leve, em modulações de arminho, ou o trovejar de uma imprecação em fúria, um grito de guerra no clarinar das trombetas,
no troar das cargas, no ribombar das bombardas, ou a oração
de paz, na serenidade augusta dos templos?
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Arquiteto, onde a combinação de tuas linhas no plasma
formas evocativas, expressivas, simbólicas, criando estilos diferentes, ornatos novos e variados, colossos egípcios, templos
gregos, sólidos romanos, catedrais medievais, compositores
da renascença?
Tirai-lhe a liberdade de concepção e aqueles contrastes,
que dão a simetria do conjunto, perderão, como peças desarticuladas, a expressão de harmonia, que é a beleza.
E tu, poeta, mago de fadas encantadas, como cantarás o
amor se te roubarem a lira que tens dentro d’alma, inacessível
à profanação de estranhos? Acaso poderias entoar detirambos à tua deusa, se esta não fora propriamente a criação da
tua fantasia, a imagem de teus sonhos, a inspiração de tuas
paixões? Pode-se a alguém impor o amor? E como ao poeta
poderia acorrentar, escravo que não fosse da própria inspiração. E que seria de ti, médico, no hospital, no laboratório,
no consultório, sem o exercício livre de tuas qualidades, de
tua técnica, de tua perícia, em que tanto entra de individual,
de subjetivo?
Como poderias, ao dobrares o joelho junto ao leito dos
doentes, para lhes dar alívio ao sofrimento, linitivo ao desespero, fugir à tua consciência, ungida de piedade, a conselheira
do diagnóstico, a esperança da cura?
E que seria de ti, cidadão, se não fosses uma partícula de
atividade útil, dotada de vontade nos negócios de teu país, uma
componente da vontade coletiva, na escolha dos governos, na
colaboração das leis?
E tu, juiz, se a tua consciência se calasse de chumbo e
arrastasse cadeias nos pulsos, que te impedisse de movimento
no sentido do justo, do equidoso, do verdadeiro?
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Que seria da sociedade, que te outorgou uma função
próxima da divindade, que será da família, da honra, do patrimônio, se ao proferires os teus julgamentos, no deslinde
dos conflitos humanos, não obedecessem ao fiel as conchas
da tua balança e, antes, se inclinassem às sugestões do medo,
do poder, do arbítrio? E tu, advogado, defensor dos humildes
e dos oprimidos, dos direitos postergados, arcando contra as
injustiças, rebelando-se contra as prepotências, não deixando
nunca que a inocência sucumba sem defesa, o miserável sem
proteção, o desgraçado sem assistência?! Acaso poderias
permitir que a tua palavra inflamada, nas reivindicações da
justiça, mergulhasse em gelo e se petrificasse na frieza da
indiferença? Quem te deu o verbo de Demóstenes, de Cícero,
de Lachaud, de Berryer, de Jules Favre, de Carrara, de Ferri, de
Rui Barbosa, para que o infamasses nas intransigências dos
governos desmandados, ou na corrupção dos juízes venais?
Quem te quer senão escravo da lei, para que não te escravizes
à vontade dos homens? E como poderias dignificar a tua missão, cumprir o teu dever, senão fazendo da própria liberdade
o escudo de todas as liberdades?
Por fim, tu, patriota, a encarnação de todos!
Que seria, se vísseis a tua pátria talada pelo inimigo,
amordaçados os espíritos, profanados os lares, despedaçadas
as afeiçoes mais caras; os teus pais mortos à fome e a coice
d’armas, as tuas filhas poluídas, os teus filhinhos a chorar
sobre os escombros das cidades destruídas, como uma nota
pungente de orfandade sem pão e sem teto; as tuas esposas
dilaceradas por tantas dores inenarráveis, a tua terra tomada
pelos invasores: o chicote do conquistador lanhando, a latigar
crueldade, os ímpetos indômitos de tua rebeldia?
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Que vida poderias tu viver, assim, senão a do ilota despersonalizado, uma vaga sombra da vida, que não é vida?!
Eis porque, contigo, patriota, por todos e acima de todos,
nunca cessará de estar a liberdade de tua pátria, razão suprema da tua existência, se a queres nobre, fecunda, altruística,
numa sucessão que não finda, com o berço no túmulo dos
teus pais, com o túmulo no berço dos teus filhos! (Discurso
na Maçonaria, Aracaju, 1940).
***
IGUALDADE
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Igualdade! Outro lema de nossa Ord. e, por igual, preceito
de nossa Carta política.
Todos são iguais perante a lei — é a norma constitucional — por excelência.
Nem nobreza de sangue, nem privilégio de casta, nem
prestígio de dinheiro. Todos temos os mesmos direitos, podemos merecer as mesmas honras, conquistar os mesmos postos.
Do maior ao menor, do mais rico ao mais pobre, não faz a
lei distinção que não seja decorrente do merecimento pessoal,
pelo trabalho; pela cultura, pela virtude, pelo civismo.
Não há desníveis nesse plano senão pelo crime, pela
traição, pelo impatriotismo.
Conquista de sangrentas revoluções, entre os povos,
também no Brasil para obtê-la, se regou o nosso solo com o
sangue dos heróis. (Discurso na Maçonaria, Aracaju, 1940).
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FRATERNIDADE
Fraternidade! Eis o lema básico de Jesus Cristo, a essência
mesma de nossa religião.
Está nos Evangelhos: “Amarás ao teu próximo como a ti
mesmo”. E um dos mandamentos fundamentais da existência
humana, na fé cristã.
No círculo privado é a família. Na ordem social é a Nação.
No regime político é o Estado. Na relação internacional é a
humanidade. Ela proscreve o ódio que é destruidor. Proscreve conquista que é anti-social. Proscreve a guerra que é
desumana.
E se das tábuas da lei divina, passarmos aos preceitos
das leis humanas, vamos encontrar todas essas proscrições.
Assim, que particularmente tange a nós brasileiros, vemos na
Constituição do país, como precipitado da razão em fórmula
jurídica, todos e esses mandamentos.
Não há, por isso mesmo, entre nós, problemas racistas,
que nos inimizem com outros povos, certo que a mescla de
elementos étnicos de várias origens opera nas populações
brasileiras o caldeamento de uma sub-raça de apreciáveis
qualidades. Também não nos causam espanto os judeus,
colaborando conosco todos os elementos de emigração sem
eiva de imperialismo. (Discurso na Maçonaria, Aracaju, 1940).
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POLÍTICA
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Não é a política uma arte de harmonia e perfeição. E como
ciência ainda lhe falta a exata previsão dos fatos humanos.
Sabe quantos por ela passaram, ou nela vivam, que muitas vezes mais degrada do que alevanta os homens.
Apesar dos princípios de Platão e Aristóteles, na antiguidade grega, foi Maquiavel, na renascença, quem fez escola, com
alguns dos aforismos canalhas que ensinou com exemplos.
Aliás, bem ponderadas as coisas, nada inovou, porque, no
governo dos povos, aquelas práticas ominosas vão encontrar
raízes profundas nos mais remotos tempos.
O conhecido lema — os fins justificam os meios — acusa,
destarte, uma perenidade de séculos.
Desde o homo homini lupus até hoje, variando, apenas,
de processos.
Com Hobbes, com Rousseau, com Sorel...
Com a rudeza atávica do primitivo, ou com a desfaçatez
evolutiva do moderno.
Pela força, pela violência, ou pela astúcia, (O Príncipe) chegando com Fouche e Tayllerand às formas recentes dessa fauna
mimetista dos paços imperiais, ou às antecâmaras democráticas.
Dentre aqueles, em nosso amado Brasil, um homem houve, maior que todos, que sempre viveu na política: Rui Barbosa.
Pregando, evangelizando – missionário da democracia
com a cruz do seu ideal alevantada aos olhos do povo.
Mas incompreendido, desprezado, vencido!
Porque não fora, em verdade, um político no sentido
realístico, oportunístico, sem idéias, sem princípios.
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Em campo aberto, mostrava-se o que era — o gigante
da palavra, a eloqüência, a maravilha do pensamento, encantando, convencendo.
Quando, porém, enfileirado nos quadros partidários,
ei-lo a se deixar vencer, facilmente, por Pinheiro Machado,
organização retardatária de caudilho dos pampas. Era este,
defeito, quem governava, do Senado, os conchavos oligárquicos das situações estaduais.
E nunca lhe chegara, a Rui, por mais que o merecesse,
o leme da nau avariada, que ele tantas vezes vira a pique de
soçobrar entre abrolhos intérminos!...
A História serve de comparações. Clemenceau também
caíra, depois de salvar a sua França atormentada e gloriosa.
E Churchill acaba de ser derrotado, depois de ganhar para a
humanidade a causa da civilização, que ele simbolizara na
sua invicta Inglaterra. Ora, o próprio Rui numa de suas mais
arrojadas e candentes filipicas da República, procurava dar
uma explicação a esses contrastes históricos, com a filosofia
amarga de um desalentado:
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Política e politicalha não se confundem, não se relacionam uma com a outra. Antes se negam, se excluem,
se repulsam mutuamente. A política é a arte de gerir
o Estado, segundo princípios definidos, regras morais,
leis escritas, ou tradições respeitáveis. A politicalha é
a indústria de explorá-lo em benefício de interesses
pessoais. (Ditadura e República).
Com Rui estava a primeira, tirada de Stuart Mill, sciense
is a collection of truths... com os seus adversários, a segunda,
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colhida em Maquiavel, nesse decalque grosseiro em que tem
evolvido o Brasil...
Mas são estes, afinal, que dominam, pelo inescrúpulo
dos processos, pela arrogância das atitudes, pela visceral
indiferença na escolha dos meios.
Como o intelectual, por via de regra, é o homem
para”desempenar determinados papeles y a pertencer a ciertos grupos en los cuales el ‘ignorante’ no participa” (Florian
Znaniecki, Papel Social del Intelectual), deixa-se amarrar a
princípios, a sistemas, a programas, perdendo a flexibilidade
para acomodações pessoais.
Escapam-se-lhe, por isso, as oportunidades, que são
acidentes passageiros e borboleteantes.
Vem a propósito o que, num livro moderno e de sutis
observações, Ortega y Casset escreveu:
“La mission dell llamado ‘intelectual’, en cierto modo,
opuesta a Ia del politico.
La obra intelectual aspira, com frecuencia en vano, a aclarar un poco las cosas, mientras que Ia del politico suele,
por el contrario, consistir en confundiliras más de lá que
lo estaban “. (La Rebelion de Ias Masas).
São, assim, pelos processos e objetivos, entidades contrapostas.
Dar-se-á, porém, que não haja momentos de exceção,
a modo de fugazes intervalos lúcidos, em que o intelectual
sobrepuje o político e o poder do espírito domine o cerco dos
interesses pessoais.
Certo que sim, na ação, mui raramente; no pensamento,
algumas vezes... (Estado de Sergipe de 15-1-49).
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***
O NACIONALISMO BRASILEIRO
Não é agressivo o nosso nacionalismo, nem com ele
armamos o país contra as outras nações. É defensivo, no
justo limite de assegurar a existência da nacionalidade, o seu
território, o seu patriotismo, as suas leis, as suas tradições.
Rico em matérias-primas, comerciamos com todo o
mundo, dando, ou recebendo, em troca, os produtos que nos
sobram ou nos faltam, tudo regulado pela lei férrea da concorrência. Não temos pretensões exclusivistas de autarquias
econômicas e, da interdependência com os outros povos, tiramos, numa linha de compromisso honesto, o proveito lícito, de
que tanto precisamos. (Discurso na Maçonaria, Aracaju, 1940).
***
O PROBLEMA DO BRASIL
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O Brasil é um país de problemas eternos.
As soluções, ou não são dadas, ou são parciais, unilaterais, incompletas.
Vive-se, por isso, a repetir a infinda e cansativa tarefa de
Sísifo, rolando ladeira acima e descambando ladeira abaixo a
mole imensa dos mesmos fatos insolúveis.
O problema da alfabetização; o problema da saúde; o
problema da alimentação; o problema da educação; o problema do trabalho; o problema dos transportes; o problema da
cabotagem; o problema das barras; o problema da imigração;
o problema da moeda; o problema da inflação e da deflação;
o problema do câmbio; o problema dos orçamentos e dos
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déficits; o problema da infância abandonada; o problema da
velhice desamparada...
Os salários ínfimos, a mão-de-obra elevada, o alto custo
da vida, a mendicância nos centros populosos, o abandono
das populações rurais, a superlotação burocrática, a incompetência do funcionalismo, a irresponsabilidade das administrações... tudo é problema.
O combustível nacional, o combustível estrangeiro, o
petróleo, o carvão, a energia hidráulica... outros problemas.
O cangaceirismo, os novos ricos de após guerra, exploradores da farinha de trigo, o pão minguado e caro, o açambarcamento dos gêneros de primeira necessidade, o preço da
carne, o preço do leite, o preço da manteiga, o que se come, o
que se veste, o que se calça... novos problemas.
As endemias, as verminoses, as moléstias tropicais... o
tifo, a malária, o câncer, um sem conto de neuroses e psicoses
dos nossos tempos tumultuosos, de fome, de dor, de sofrimento... tantos males do físico e do espírito na hora apocalíptica
que vive o mundo... problemas também brasileiros.
E por sobrecarga, em aflição tamanha, o problema da lepra
no Brasil! (“A Lepra em Sergipe”, Diário de Sergipe de 9-3-48).
***
EDUCAÇÃO
Ora, um castigo injusto é um fermento de revolta; um
temor infundido é um recalque que terá a sua reação deformadora.
Não se educa um homem pelo medo da palmatória, ou
à custa de reguardas aviltantes.
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E fazendo apelo à razão, despertando os sentimentos
pelo exemplo da bondade, que se grava nas almas a confiança
na justiça.
E essa confiança é o passo da redenção no caminho
do erro, o reflorir da esperança na ilusão perdida. (Alfredo
Montes, Aracaju, 1945).
***
O PROBLEMA DA SAÚDE
Tem-se dito, e com a chancela de autoridade
respeitada,que o Brasil é um vasto hospital. Há, talvez, na
asserção desalentadora algo de pessimismo. O estudioso que
lançou a fórmula aterradora, certo se impressionara com o
quadro nosológico que lhe caíra em observação.
E daí as cores sombrias com que carregara a sorte dos
brasileiros, sitiados, de um exército de endemias.
O que, todavia, não se pode negar é que as nossas populações rurais se ressentem da falta das mais rudimentares
garantias de higiene, vivendo em luta aberta com a natureza,
recebendo, ao desamparo, o embate de terríveis flagelos.
E, conseqüência inevitável, o depauperamento orgânico
dessas populações, uma raça que se diz, exageradamente, de
desfibrados e que vai vivendo quase de sociedade com as moléstias que as afligem. (No Parlamento, Rio de Janeiro, 1921)
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JORNALISMO
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Jornalismo... Ainda hoje o campo é estéril e esmarrido.
Ou chafurdar na lameira das descomposturas sórdidas
̶ de que não podem participar os caracteres de eleição – ou
escrever para ninguém ...
O pensamento, se construtor de belezas e emoções de
arte, tem que se trancar num círculo reduzido de amigos, como
planta de estufa ...
Não há sol fora dessa casa de vidro onde se confinam os
pobres intelectuais da província de Sergipe d’EI Rey... (Abdias
Bezerra p. 30,Aracaju, 1947).
***
INFLUÊNCIA DOS PARTIDOS POLÍTICOS
Grego ou troiano, ninguém deixará de sofrer, em Sergipe,
a influência dos partidos políticos. Direta ou indiretamente
será arrastado por uma das correntes de opinião em voga.
Por mal de muitos, porém, a seleção de valores dá-se às
avessas, com o triunfo dos menos dotados de inteligência, de
cultura, de caráter. E um processo de involução, em que as
qualidades inferiores levam a melhor nas competições. Tudo
está em que o indivíduo se adapte às condições ambientes
sejam estas, embora as que favorecem a mediocridade,espinha
flexíveis às curvaturas mais humilhante. (Abdias Bezerra,
Aracaju, 1947).
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PROFISSÃO DE FÉ
Contra a intolerância, contra a violência, contra o arbítrio, somos pelo império da lei nacional, vinculando todos os
brasileiros na construção da paz.
Mas a paz com honra, com o reconhecimento dos
nossos direitos, com o respeito de nossas tradições, com
a segurança dos nossos destinos! (Discurso na Maçonaria,
Aracaju, 1940).
***
SERGIPE ENJEITADO
Na Federação, senhores, por mais que me possa magoar,
eu confesso, Sergipe tem sido um enjeitado, um desatendido,
nunca retribuído à altura dos seus serviços à comunhão
brasileira, nunca premiado devidamente pela colaboração
efetiva que dá à Pátria em todas as esferas de trabalho. (No
Parlamento, Rio de Janeiro, 1921).
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***
O ESPANTALHO FINANCEIRO
Este tem sido o terrível ceifador de todas as belas iniciativas de amparo à grandiosa causa da Educação Nacional.
Sucumbem diante dele as ideias mais vivedouras, quando
não contrariados diretamente ou espaçadas para melhores
tempos, fórmulas que tem sido um tóxico em vez de ser uma
esperança...
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Hoje, então, é que mais se tem abusado do estribilho
famoso, para matar na nascença qualquer medida de interesse
geral do país.
E é de ver que tal situação corre em maioria das vezes
à conta da horrível parca que atende pelo nome de Finanças
Brasileiras ...
Mas não será tal estado de angústia nas fontes de receita
nacional uma consequência mesmo da nossa ineducação, da
ineficiência do operário brasileiro, da rudeza nos processos
de trabalho, da falta de compreensão por parte do trabalhador
rural dos comezinhos preceitos da economia; enfim, da sombra negra da ignorância que se projeta sobre 80% de patrícios
nossos, esclarecendo-lhes as consciências e alheando-os da
vida política do país?
Não está, de fato, aí, a origem do nosso regime deficitário
permanente, pois que a terra, desde a descoberta é toda ela
“cham e mui formosa ... de muitos bons ares ... ‘em tal maneira
é graciosa, que querendo-a aproveitar, dar-se-ha nella tudo...?”
(Pero Vaz de Caminha).
Não é verdade que as raízes desse mal crônico brotam do
seio das nossas populações, que não conhecem os rudimentos
da instrução profissional, e, não vai longe, aqui o provaram, à
saciedade, os ilustres colegas Tavares Cavalcante, que a poucos
dias enriqueceu as nossas letras com uma bela página sobre a
instrução, e Eurico Valle, em eloqüente discurso, cumprindo-me salientar o brilhante parecer do eminente professor e
nosso acatado colega senhor Azevedo Sodré considerando a
educação profissional “a mais pujante alavanca do progresso
e engrandecimento do Brasil?” (Diário do Congresso de 258-21).
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Carvalho Neto
***
E como sair dessa eterna penúria de recursos, vivendo a
nação de descontinuidade de dois ou três produtos regionais;
emperrados nossos patrícios no anacronismo criminoso das
queimadas, das devastações comburentes, enquanto o Código
das florestas redigido com o saber e o aticismo de Augusto de
Lima vai dormindo no esquecimento dos nossos legisladores?
O Sr. Americano do Brasil - V. Exª está ferindo a matéria
fundamental.
O Sr. Carvalho Neto ̶ Em verdade, como esperar um revigoramento nas rendas nacionais se os nossos patrícios não
sabem valorizar a natureza, se gastam mas não produzem, se
em vez de homens úteis, nobilitando o trabalho, a ignorância
os arrasta na onda do proletariado das cidades, fugindo aos
campos, cuja riqueza não sabem aproveitar, render, multiplicar? (muito bem). Eis como diante do exame imparcial dos
fatos precisa ser visto o espantalho financeiro.
Ele é obra da ineducação brasileira, produto da ignorância dos nossos patrícios, sombra imensa dessa noite
intelectual em que vivem apagadas as nossas populações
rurais. E, consequência lógica, a perdurarmos em fechar as
portas do tesouro aos reclamos da educação nacional, nunca
nos libertaremos do peso, dia a dia, maior de deficits anuais a
que vivemos chumbados, sem remissão. (No Parlamento, Rio
de Janeiro, 1921).
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SÍMBOLOS NACIONAIS
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Um só Brasil, um só hino, uma só bandeira!
Com tal determinação não se atentava contra o sistema
federativo. Antes, era um benefício dele que se legislava,
dando-se às partes — Estados — uma consciência mais nítida
e palpitante do todo — União.
Tanto se estava em Sergipe, como no Amazonas, como no
Rio Grande do Sul, sob o único pálido do estelado auri-verde
pendão nacional. Era, também, um só hino que se ouvia, a
vibração das mesmas notas, patrióticas. Nada de veleidade autonomísticas, quebrando a unidade
de pensamento e sentimento entre brasileiros.
Quando me bati na Câmara dos Deputados, em 1922, pela
unidade de processo — hoje plenamente vitoriosa — e pela
unidade da magistratura — vitória pela metade — abordei,
também, o aspecto dos símbolos nacionais que deviam ser
unificados.
Não compreendia, então, como ainda menos compreendo nos dias correntes, em que o sentimento de pátria reclama
vigilância maior. Essa disparidade de emblemas pelos Estados,
como se cada um deles representasse uma história própria, o
sentido tacanho de reivindicações particularistas.
Admite-se que haja apego de S. Paulo aos lances históricos de Piratininga, ou do Rio Grande do Sul aos idos gloriosos da Farroupilha. Tambem a Confederação do Equador se
esmalta em bravura e idealismo patriótico.
Nada disto, entretanto, se há de sobrepor ao Brasil, ao
esforço sinérgico e secular de sua unidade histórica — pela
raça, pelos costumes, pela língua, pelo Direito, pela religião.
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Carvalho Neto
Bandeiras por decretos, hinos por decretos são bandeiras
e hinos que se acabam por decreto. Se não há consciência histórica, um passado coletivo
vivido na comunhão dos mesmos sentimentos — lutas sofrimentos, vitórias, glórias, esperanças comuns, o mesmo ideal
— essa bandeira, ou esse hino, nada exprime.
A bandeira nacional, que a crítica expõe a graves erros de
técnica, tem de todo o Brasil esse cruzeiro dos céus brasileiros,
que é bem um símbolo de consciência eterna.
Para que pretender, então, em cada Estado substituí-la
pela fantasia de outros desenhos, ou bordados, sem fontes
históricas, sem raízes no passado? E que mais tocantes emoções se hão de encontrar noutros hinos, que não naquele velho hino que tem sido, por todo
o Brasil, e sempre, o toque de reunir para a sua defesa, nas
suas lutas pela liberdade?
A mais sábia, a mais expressiva, a mais patriótica das
soluções, pois, seria a de não ter Sergipe senão uma bandeira, a
bandeira nacional: a de não ter senão um hino, o hino nacional.
(Diário de Sergipe de 27-4-48).
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***
ORGULHO DE SERGIPANO
Não tenho como vedes, motivos que não sejam de orgulho pela nossa terra e pela nossa gente.
Sergipe grande, que a injustiça da História apequenou
territorialmente, é bem a pátria da inteligência, que aí está
por toda a parte, acolhida, festejada, vencedora..!
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Raro será, em verdade, de norte a sul do país, onde não
esteja a cintilar uma inteligência sergipana. E só isso nos vinga
e redime das injustiças e desprezo de que somos vítimas!
Mas, não somente pátria da inteligência, e sim, por igual,
terra do trabalho, onde o homem, como parcela de economia e
eficiência, na obra civilizadora do Brasil, vale por um esforço
comprovado em quase todos os pontos do território nacional.
Na agricultura, nas indústrias, no comércio, nas profissões
liberais, em todos os ramos de atividade honesta e proveitosa,
estamos nós, os sergipanos, por toda a parte, com a parcela
do nosso trabalho, do nosso labor, do nosso gênio ativo e
empreendedor.
Por um determinismo geográfico, temos sido uma perene corrente migratória, que despovoa as nossas terras para
enriquecer outros tratos do solo brasileiro. E onde quer que
nos levem as contingências da vida, acabamos por vencer!
É no Rio de Janeiro, galgando nomeada e posição; em
Ilhéus e Itabuna, formando numerosas colméias de trabalho
e lá enriquecendo, é na opulência de Santos, com uma colônia
que sobreleva; é na árdua conquista da Amazônia, triunfante
no inferno verde!
Por aí além há sempre, no ritmo do progresso brasileiro,
uma centelha da inteligência sergipana, um pouco de calor
do nosso entusiasmo, uns lampejos de nossa fé, de nosso
idealismo, do nosso caráter. Tenho, pois, meus caros consórcios, motivos de orgulho pela nossa terra e pela nossa gente!
(Discurso na Academia Sergipana de Letras).
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Carvalho Neto
POLÍTICOS DE ONTEM E DE HOJE
À medida que passam os tempos, e a História faz a
seleção dos seus ídolos, Jogando por terra falsos deuses e
entronizando na reverência da posteridade os esquecidos e
injustiçados de ontem, mais se acentua o contraste entre os
homens dos primeiros governos da República e os que se lhes
seguiram em sucessivas mutações.
Dir-se-ia que se repete hoje aquela «anomalia algébrica» das quantidades negativas de que fala Euclides da Cunha
quando traçou o perfil do Marechal de Ferro:
“cresceu, prodigiosamente, à medida que prodigiosamente diminuiu a energia nacional.”
E nesse crescer de um e diminuir de outra o que ressalta
aos olhos do observador é um fenômeno de depressão social,
que caracteriza certas épocas de dúvidas e estarrecimento na
vida dos povos.
Àquele momento, refere o sociólogo:
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“era o Brasil quem recuava, abandonando o traçado
superior das suas tradições ...”
Mutatis mutandis, o caso se renova nos dias atuais. Depressão mais profunda do meio ambiente, a cujo nível rasteiro
respondem as figuras anãs de politicóides de enxurrada, queas
ambições do poder levaram até às alturas donde pontificaram
os pro - homens da primeira República. (“Lição Esquecida”,
Diário de Sergipe de 16-3-48).
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ASSISTÊNCIA
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Nos círculos dinheirosos de Sergipe são raríssimos os
casos de solidariedade e assistência para com os enjeitados
da sorte.
Quanto mais a fortuna sorri para certa gente e os cruzeiros se lhe amontoam aos milhões, parece que mais se lhe
inrija o coração, insensível à miséria do próximo.
Cabedais herdados sem nenhum esforço de quem os
recebem por um golpe do destino, e antes sob a garantia de
velhos postulados de economia anti-social, roja-se por aí
acumulados em mãos avaras, entupindo as arcas bancárias
para a multiplicação fascinante dos juros.
Não sobram migalhas para as casas de caridade, para
os asilos dos pobres, para a indigência faminta e andrajosa...
Cabedais rapidamente formados das especulações do
câmbio negro, nesses dias amaríssimos de ódio e extermínio
que se seguiram às grandes guerras, ou nelas tiveram o seu
clímax de desumanidade, pululam em nossos meios aburguesados numa proliferação envenenada de agravos e injustiças
sociais, cada vez mais arrogantes e perigosos.
Se se publicasse uma estatística dos patrimônios milionários de Sergipe e da quota de sacrifício entregue aos
institutos de assistência, até as pedras das ruas haviam de
corar de vergonha...
O ridículo das contribuições desses polpudos apatacados, em benefício de seu próximo desvalido, é um
atestado tristíssimo dos sentimentos de solidariedade em
nossa terra.
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Dá-se, até, uma situação de verdadeiro paradoxo. São
as classes menos aquinhoadas de bens — os funcionários,
os comerciários, as profissões liberais, os homens de ordenados fixos e gastos progressivos — nessas oscilações
vertiginosas do custo da vida, os que proporcionalmente
mais contribuem para as obras de beneficência, para as
instituições pias!
Toda a vez que se organiza um festival de arte, um espetáculo literário-musical, ou se realiza uma simples, visando
qualquer deles um objetivo de caridade, são sempre as classes
menos pingues que dão maior contingente no benefício.
Aqueles milionários – ou porque vivam à tripa forra,
pensando que o mundo deles não acaba... ou porque temam
de aparecer em público, com a consciência a lhes apontar os
crimes do próprio dinheiro – aqueles milionários quase não
são vistos nessas ocasiões. Ficam trancados em casa, à semelhança dos seus cabedais engavetados nos cofres.
Quando, pois, nesse panorama sombrio e trágico, onde
vivem almas apagadas de fé em corpos vazios de sentimento,
reponta uma nesga de luz, como no dilúculo do mais belo colorido, todas as vistas se lhe concentram como por encanto ...
Dir-se-ia uma aurora a surgir, na grandiosa festa de maravilhas
que se dá a natureza. (Diário da Tarde de 4-5-48).
51
***
MENDICÂNCIA
Era um dia de feira e fomos ao Mercado. E foi como ainda
hoje — e talvez mais agora do que dantes – um triste e trágico
espetáculo.
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Por toda aquela multidão imensa perambulavam farrapos humanos, numa variegada exibição de miséria e fome.
Cegos, aleijados, cancerosos, chagados, maltrapilhos
famintos, uma legião de subalimentados, de ossos mortiços e faces escaveiradas, estendendo as mãos à caridade
pública.
Homens e mulheres, velhos trôpegos e crianças de braço,
numa policromia vivaz de pigmentos em mistura, diluindo
numa marca uniforme de sofrimentos tipos étnicos primitivos.
Há em Os Miseráveis, de Victor Hugo, uma página sensacional em que se reúnem os párias do bas fond parisiense,
com todas as marcas do subsolo social, onde fermenta o caldo
de cultura dos piores crimes.
Por mais sensível e impressionista que fosse a palheta
do artista genial, colorindo os quadros dessa camada rasteira
da sociedade não chegou ao vivo da realidade monstruosa a
que tivemos de assistir.
Entre nós o fato supera a ficção, a luz da verdade queima
as tintas da fantasia.
É um imenso inferno de Dante, com as suas dores
infinitas, os seus castigos inenarráveis, as suas desesperanças
sem consolo...
Ali se preparam, nas garras da fome, as eleitas da prostituição... e vemos a interminável farândula dos prostíbulos, caminhando para a degradação do comércio da carne pecadora ...
como aquela visão horrenda de Zamacois n’O Delito de Todos ...
Ali se caldeiam os Capitães de Areia de Jorge Amado, com
toda essa súcia de maloqueiros na ante-câmara do crime ...
Os abandonados de Coppú, germes do crime, que a sociedade recolhe, mais tarde, quando o perfume da inocência já
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se lhes evolou da alma e os miasmas dos vícios mais infrenes
já lhes impregnaram até a medula...
Vidas perdidas, em suma, que vão encher as prisões e os
reformatórios, os manicômios e os asilos, com as manchas de uma
sociedade má, poluída e decadente... (Diário de Sergipe de 6-4-48).
***
A QUESTÃO SOCIAL NO BRASIL
Há verdadeiramente no Brasil uma questão social?
Muitos são os que lhe negam a existência, julgando-nos
no melhor dos mundos, crendo beatificamente nas virtudes
imanentes do Direito, sob o Império da Justiça. Vai assim,
tudo à maravilha, com equidosa repartição dos bens comuns,
riqueza para todos, miséria para ninguém ...
Imenso paraíso terreal, com abunda de frutos e messes
inesgotáveis, só os preguiçosos, se privam dos gozos que a
terra boa lhe proporciona a mancheias...
E deslumbrados com essa fartura enganosa, negam terminantemente que exista entre nós a questão social!
Ainda porque a confundem, a todo instante, com os
velhos conflitos de classe, renhidos e renovados sempre, que
na Europa, vão operando, por golpes de força, transformações
sociais incoercíveis. Ora, está patente antes de mais nada, que estes abastados
negadores (são sempre pessoas bem postas na vida) tomam
efeitos pela causa e vão racionando ao arrepio dos fatos mais
concludentes.
Porque, em verdade, a questão social no Brasil aí está
crescendo e agravando-se, tanto mais quanto se emperram em
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lhes não dar tento os responsáveis pelo governo, os poderes
a quem incumbe velar de mais perto pelas classes trabalhadoras do país.
Digo até mais grave se me afigura a sua atuação no nosso meio, desde que lhe não cuidamos, a tempo, de aspectos
sobremodo sombrios, já atendido nos outros povos.
Então porque se não abre, violentamente, em pelejas
sangrentas, em conflitos armados, como o séquito inevitável de
crimes e misérias é que se duvida da sua existência entre nós?
Ora isto é, apenas, questão de tempo. Se persistirmos
nessa indiferença pela solução dos problemas fundamentais
que nos afligem, lançando mão de expedientes transitórios
e de empréstimos, vai-se ver como ela explodirá, abalando
profundamente os alicerces da própria nacionalidade.
Os otimistas, para não dizer ingênuos, que durmam o
seu calmo e sossegado sono... Talvez os acordem, mais cedo
do que podem supor, os ecos da tempestade, que se vai formando, em camadas profundas, no seio do povo, desse povo
que não queixa e não protesta, e por isso mesmo lhes parece
feliz e conformado.
Atende-se, porém, que é um povo a quem, exatamente pela
carência de convicções religiosas, educação deficiente, civismo
mal formado, tudo o que constitui a alma da resistência contra
os fermentos da indisciplina, que, neste momento, mais insuflam
as lutas de classes, se pode tornar o mais veemente e invencível
na rebeldia contra a ordem de coisas estabelecidas no presente.
Só, então, é que se saberá que não tinham escolas, nem
habitações higiênicas, nem conforto, nem hospitais, nem garantias no trabalho, nem assistência, nem direitos de espécie
nenhuma!...
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Estará, posta, destarte, a questão social, como só a entendem
os nossos patriotas tranqüilos e abastados. A esse tempo, é bem de
ver, porém, que teremos de obedecer, de pronto, às circunstâncias
imprevistas, porque não quisemos, oportunamente, afastar, por
medidas legislativas, governamentais, administrativas, os conflitos
latentes, indicados pela situação de abandono em que está o trabalhador nacional. (Legislação do Trabalho, p. 256/7, Rio, 1926).
***
PROTEÇÃO À INFÂNCIA OPERÁRIA
Não podemos continuar a desquerer, com tamanha
indiferença, a infância operária do Brasil. Afigura-se-nos um
contrassenso, já perpetuado nas normas da nossa administração, incentivarmos, para o país, as correntes imigratórias,
estipendiarmos, a alto preço, o braço estrangeiro, esquecendo-nos, por completo do operário nacional, que abandonamos,
desde a infância, no sacrifício do trabalho desprotegido.
Não sei de outro modo de preparar e garantir o futuro
da Pátria, senão zelando pelos seus filhos, acordando-lhes na
alma as lições de civismo, dando-lhes escola, amparo, proteção.
Nunca seremos uma nação segura dos seus destinos se
a não fizermos forte nos braços dos seus naturais.
Para o amanho dos campos, ou os misteres da indústria,
para a nossa autonomia econômica, para a restauração das
nossas finanças, a base há de ser o operário brasileiro, aquele
que vive e canta e ri e chora com as emoções que nos são caras,
com os nossos triunfos, e as nossas alegrias, tendo a falar a
mesma língua e a venerar uma só bandeira!
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Mas quem diz operário brasileiro diz essa infância abandona da donde ele emerge, diz a flor da raça, a seiva que será
o Brasil de amanhã, o futuro do Brasil!
Não podemos destruir a raça, desamparando-a nos seus
rebentos. Todos os povos lutam por vencer e perpetuar-se.
Ou isto, ou a morte!
Na infância brasileira está o lema intorcível, insofismável,
do nosso destino entre as demais nações.
Ou protegê-la, ou nos resignarmos ao papel de notas
entre os vencedores. Quando não por esta alta compreensão de
defesa orgânica, de raça, de povo, de nação, de Estado, ao menos, senhores Deputados, nos lembremos da infância operária
do Brasil, por espírito de justiça, por inclinação de bondade.
Nunca, como hoje, me pareceram mais a propósito estas
comovidas palavras de Victor Hugo:
“Celui qui a vu la souffrance des hommes n’a rien vu; et
faut voir la souffrance des femmes. Celui qui a vu la souffrance des femmes, n’a rien vu; il faut voir la souffrance
des enfants.”
Pois que nos mova o sofrimento desses pequenos, em
cujos corações hão de vibrar os hinos de amanhã, redimida a
falta que nos diminui, quando tivermos dado ao país a carta
de alforria da infância brasileira! (Legislação do Trabalho, p.
344/5, Rio, 1926).
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A IMPRENSA DE ONTEM
Àquele tempo, os editoriais doutrinavam como uma
cátedra acadêmica, os artigos de fundo eram lições de
sabedoria.
Hoje, a alfabetização dos adultos, leva os que não tiveram
escola, à direção dos órgãos de publicidade. Não há mais iletrados e apedeutas. Todos são doutos e doutores, bastando-lhes
o nome no cabeçalho do jornal.
A imprensa era uma tribuna de civismo e do seu mérito
se avaliava pelas penas que a escreviam.
Mesmo quando o vinagre da politicalha malsã levedava
as discussões entre os partidos, para cobrir de bolhas fétidas
a honra pessoal do adversário desvairando, muitas vezes, pelo
recato das famílias, ainda assim, a linguagem tinha cunho de
vernaculidade, que atenuava as asperezas da luta...
Não era o calão de feira, com o resíduo das sarjetas, de
que se nutrem os escrevinhadores alugados para as de composturas soezas.
Havia, é certo, os malvados que se despejavam na via
pública das colunas pagas, como num ato fisiológico de
desnutrição. Não tanto, porém, como os néscios de hoje, que
babujam os tipos das oficinas gráficas com baboseiras de suas
necedades. É com uma diferença para pior! É que aqueles eram
exceções que ficavam marcados pela profilaxia dos homens
de bem, e agora são multidão, proliferando como mosca no
esterquilíneo das paixões anti-sociais. (Gumercindo Bessa,
Aracaju, 1949).
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INSUFLAMENTO GEOGRÁFICO E INTELECTUAL DE SERGIPE
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A situação geográfica de Sergipe, embora lançada numa
extensa faixa litorânea, não é propícia a amplos intercâmbios.
As importantes cidades que demeram na proximidade
do oceano, ou à margem de rios correntes, estão fora das linhas de navegação de longo curso, ou mesmo da cabotagem
de maior tonelagem.
Passando ao largo os transatlânticos, os navios de alto
bordo, avistando de longe as deprimidas costas de alvos areais,
flabelados de coqueirais virentes...
Está nesta contingência paradoxal — de distância e
proximidade — a nossa bela Aracaju, trancada ao mar por
uma barra impraticável à grande navegação, que demanda os
importantes portos do país, ou do estrangeiro.
Quem quer, pois, que não tenha negócio direto com Sergipe, ou alguma especial missão a cumprir entre nós, navega
além de águas territoriais, na rota de outros destinos.
O baixo São Francisco, amplo e ilhado, dia a dia se entope
à jusante, multiplicando-se lhe os bancos de areia, infirmesa
flor das águas, na sinuosidade volúvel das correntes.
Do Vaza-Barris já ninguém sabe, no delta que muda cada
ano, qual o canal antigo por onde navegaram as embarcações
veleiras que aproavam, à feição dos ventos, para São Cristóvão
e Itaporanga.
Do Rio-Real, com as tradições de uma história em muitos
pontos contestada, nem mais sinal de vida nos périplos marítimos.
E do Piauí, que dera à Estância a alta valia de empório
comercial do sul do Estado, crescem, desmedidamente, as
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margens de mangues, confinando-lhe o leito ao calado de
simples barcaças e canoas.
Resta o estuário do Sergipe - Cotinguiba, com excelente
ancoradouro, mas estrangulado pelas aperturas de um canal
de poucos pés, à saída da barra, variando-lhe o thalweg, de
linhas tortuosas, à mercê da intermitência das marés ...
Fecham-se, assim, praticamente, as portas atlânticas,
sucumbindo, por essas vias de comunicação, em progressão
contínua na história, as nossas relações comerciais e civilizadoras com os outros centros de cultura, de produção, de vida,
do território nacional. E muito mais na República do que no
Império; muito mais hoje do que dantes!
Ora, o que se verifica normalmente no plano de interesses materiais, na troca de valores e efeitos comerciais,
também é visível no câmbio de interesses espirituais. E aqui
com repercussão mais sensível e agravante do que ali.
A permutação das ideias, a circulação do pensamento,
a interpretação de valores intelectuais, já tudo isto se não faz
através do contato permanente das vias marítimas.
Ao contrário, supressos esses caminhos civilizadores,
o que se vai realizando é por hiatos prolongados, muito à
distância, e por casos isolados.
Não se areja a inteligência com o oxigênio de culturas
modernas, em contato direto. Nem lhe bastam os recursos
da aviação — para ricos — nem as ondas invisíveis do rádio,
por meios indiretos.
O que vale, o que marca, o que prende, é a comunicação
pessoal, de homem a homem, de espírito a espírito, de sentimento a sentimento, em ação catalítica. E é esta que falha,
progressivamente.
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Em tais condições, as cadeias do provincianismo prendem as asas aos melhores talentos, que aqui ficam borboleteando, num sonho de luz inatingível...
Vê-se, então, o sergipano neste dilema intorcível: ou se
parte, num desgarre aventuroso, para outras terras e lá se
fixa, tentando uma vitória cheia de sacrifícios, para não mais
regressar, aos pagos; ou se anquilosa na província, nessa
coivara ardente e inglória em que lhe consome o espírito em
loucas fantasias ...
É um destino trágico e irremovível... Sergipe — Estado
do litoral — está fora das linhas de navegação!
Quem sabe, em verdade, dos altos cumes intelectuais, do
país ou do estrangeiro, que haja, alguma vez, assomado aos
horizontes de nossa terra?
Muito pouca gente, tão raras, em nossa história, essas
oportunidades estranhas. D. Pedro II, Cansação de Sinimbú,
Zacarias de Góes, Tomaz Alves, Evaristo da Veiga e Inglês de
Souza, no Império? Barão Homem de Melo, Rocha Pombo,
Parreiras Horta, Saturnino de Brito, Evaristo de Morais, na
República?
E quem se lembra da passagem de Branner, para estudar os calcários paleolíticos de Maroim e recompor o fácies
geológico das camadas cretáceas sergipanas?
Os nossos próprios patrícios, que avultaram fora do Estado, quanto tempo aqui estiveram, quantas vezes regressaram?
Tobias, Sílvio, Fausto, Martinho, Felisbelo, Laudelino,
Heitor de Souza, Gilberto, Hermes Fontes, Jackson?
E o grande João Ribeiro, que mágoas não ocultou do
descaso da terra ingrata? (Diário de Sergipe de 23-4-46).
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***
MINISTÉRIO DE ASSITÊNCIA
Antevemos que o Brasil terá, mais cedo ou mais tarde,o
seu Ministério de Assistência, coordenando os serviços de
outros ministérios nesse ramo de atividades.
Quando menos, um departamento com tais atribuições,
pois o Estado intervencionista, que impõe o seu poder fiscalizador em elastério cada vez mais dilatado, não deixará que o
problema de assistência, mesmo nas instituições particulares,
lhe seja estranho ou indiferente. (Patronato dos Liberados e
Egressos Definitivos da Prisão, Aracaju, 1944).
***
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Fujamos, quanto possível, do regime do papelório inútil,
da exteriorização pedantesca de certos departamentos faustosos, mas de resultado duvidoso. (Patronato dos Liberados
e Egressos Definitivos da Prisão, Aracaju, 1944).
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II
RELIGIÃO
A FÉ RELIGIOSA
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Sou desses que não fazem da religião objeto de exibição,
persignando-me aos olhos da curiosidade como sinal de que
pertenço à comunidade católica.
Se os meus pecados para com Deus se medirem por essa
craveira, não me esquivo de bater aos peitos, mea culpa, mea
culpa, mea maxima culpa...
Continuarei, porém, como sou, como tenho sido: um
crente sincero, volvido para Cristo, porque “o cristianismo e
em Cristo...” (Maurice Zundel, O Poema da Sagrada Liturgia).
Reconhecendo-me um temperamento de fundo místico
por suas práticas mundanas, “brulent du désir d’assassiner
une seconde foi Jesus” — procuro nos padres Lagrange, De
Grandmaison, Lebreton, Pinard de Lahoylaye, Leonel França,
as razoes dessa mística, de que me não afasto.
E como na formação de minha alma, no escrínio de minha fé, só a minha consciência impera, não admito nem aceito
intervenções que me demovam.
Filho de família católica, com dois tios padres, reverencio
nessa fé a cristalina pureza da religião de meus pais.
Nunca se me apagou do coração a lâmpada que lhe acendeu em Cristo a bondade inesgotável de minha mãe.
Estou a vê-la, acariciando ensinar-me o “Padre Nosso.”
E hoje quando, na simplicidade do meu lar, testemunho
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a minha companheira repetir para meus filhos essa mesma
oração, é que posso avaliar o sentido destas palavras de
François Mauriac.
“Se Cristo não o tivesse dito - ‘Padre Nosso...’ nunca em
mim despertaria o sentimento dessa filiação, nunca
essa invocação me teria subido do coração aos lábios”.
(Vida de Jesus).
Ora quem assim tem sido, quem assim continua sendo,
que mal lhe vai a maldade humana, teimando em lhe arrancar
do coração a imagem que seus lábios nunca profanaram?
Quem arrancaria do espírito livre de Guerra Junqueiro,
entre tantas dúvidas que o assaltaram, a crença profunda, de
inspiração divina, que estes versos esculpiram num diadema
de luz para a eternidade?
....................................................................................
Creio que Deus é eterno e que a alma é imortal
....................................................................................
Sim, creio que depois do derradeiro sono
Há de haver uma treva e há de haver uma luz
Para o vicio que morre ovante sobre um trono
Para o santo que expira inerme numa cruz.
Tenho uma crença firme, uma crença robusta
Num Deus que há de guardar por sua própria mão
Numa jaula de ferro a alma de Lucusta,
Num relicário d’ouro a alma de Platão” (Diário de Sergipe
15-3-46).
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PROFISSÃO DE FÉ
A despeito de tão claras e inequívocas manifestações,
por atos e palavras, no traçar uma linha de conduta pública
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entre o poder espiritual e o temporal, não se aquiteu o farisaísmo anônimo da imprensa politiqueira. Vez por outra me
averbava de irreligioso, como num desejo de malquistar-me
com a Igreja... E até nos comícios da campanha partidária ia
desaguar essa verborréia impura, manando dos lábios de sacerdotes transviados dos seus deveres de piedosa catequese.
Sempre tive como ínsito na órbita da vida privada, nos
limites da consciência inviolável, esse problema da fé. Parece-me que deva ficar resguardado da bisbilhotice matreira desses intrometidos nos segredos dos lares alheios. Afiguram-me
quais ladrões noturnos, a busca de tesouros imaginados...
Ora, os que conhecem portas adentro a minha casa e
lhe testemunham os hábitos cristãos, na sua simplicidade, na
carência de ostentação, hão de rir dessas invencionices pecas
da terra mexeriqueira...
Nada sei da intimidade de outros lares, ricos ou pobres,
felizes ou desventurados. Não é de minha conta devassá-los,
para saber se são devotos, ou ateus; se aliados dos demônios,
ou tementes a Deus...
Mesmo nas angústias e no sofrimento, quando um raio da
desgraça lhes toca a existência e se me confessa, na esperança
de lenitivo ― tantas vezes tem isto acontecido! ― manda a
ética de minha profissão que guarde sigilo e nada refira senão
expressamente autorizado.
Tão respeitável para a dignidade dos homens, é a intimidade dos lares seja de um virtuoso ou de um celerado!
E quando digo intimidade quero especialmente referir-me a esses sentimentos delicados do coração, em que se aquece a fé, em que tem o homem o santuário de sua vida subjetiva.
Que, em verdade, sabem de mim, de minha religião, de
minhas crenças, esses profanadores da consciência alheia? .
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Nada e nada! Porque, felizmente, nunca lhes fiz confissão,
ou lhes dei a confiança de repastarem a curiosidade nas graças
cristãs do meu lar.
Estou com este avisado conselho do livro sapiente: “não
abras o teu coração a qualquer pessoa” (Ecles. VII,22).
Por isso mesmo, escolho voluntariamente, o meu padre,
o meu confessor, o meu amigo. E somente este pode saber
como sinto, como penso, como devo ser julgado ante a munificência divina.
Quando, ao arrepio destas verdades intuitivas, vejo a
profanação das consciências cristãs na logorréia mitingueira
de sacristias alugados ao deus ouro, tenho piedade deles, da
sua infinita ignorância e maldade.
E certo que “tudo o que acontece tem algo admirável,
porque traz a vontade de Deus”, segundo Pascal, bendigo a
oportunidade destes fragmentos para fazer uma confissão
pública, pois em particular não a ignoram os meus amigos,
os que privam comigo na intimidade dos meus sentimentos.
Será talvez, uma confissão ingênua, como a de tantos
outros que vazam o coração nos derrames da fé...
Verdade é que, por tradição de família esclarecida no meu
espírito pela compreensão de uma das mais luminosas meu
espírito pela compreensão de uma das mais luminosas representações da cristandade, tenho a devoção de Santo Antonio. É uma
herança afetiva de meus avós, continuada na crença de meus
pais, permanente no culto e nas preces do meu lar e transmitida,
pelo exemplo, as inspirações de minha descendência...
Antonio era o meu avô, na linha materna; por Antonio
me chamo; um dos meus filhos é Antonio; e já um neto vem
à luz como Antonio.
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Esta continuidade batismal tem sido mais que um desejo,
tão comum aos pais, de ligarem ao tronco primitivo os ramos
das novas gerações. Tem obedecido, no desdobramento da
estirpe, a essa doce vocação mística de formar uma família
cristã sob o signo e a proteção de um dos mais sagrados nomes da Igreja.
Em se lhe conhecendo a formosa historia de humildade
na inteligência ̶ em Lisboa, em Pádua, em Roma, na África ̶
as afinidades espirituais e morais com o Pai Seráfico de Assis, seu guia e inspirador; a peregrinação evangélica, com “a
grande inteligência e a grande humildade”, que revestiram a
sua palavra e os seus atos; é natural que se chegue a conclusão
a que chegou Constâncio Alves.
“Ora, façam o esforço de apagar a vida de Santo Antonio
o que mais refulge, a história de seus milagres, que não
consente ver bem o resto, e o que fica é a biografia de
um grande homem de letras, que só não poderá servir
de modelo a seus confrades, por sua perfeição desanimadora.” (Santo Antonio).
De feito, para um homem de estudo, nos caminhos cruzados da civilização, esse lume espiritual é um guia inspirado
em meio as incessantes tribulações terrenas.
E nenhum como ele tão ligado às tradições religiosas do
Brasil. Nos altares e nas armas.
O grande orador que ele foi, tendo maravilhado o mundo
de seu tempo, recebeu da Academia Brasileira de Letras a mais
comovida homenagem, eleito patrono dos intelectuais, como
é Santo Ivo dos Advogados.
Ora, é ele o Santo glorioso que enche de esplendor místico a modéstia de meu lar, festejado na intimidade da família,
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nas trezenas votivas do seu culto. Como toda a casa católica,
tem a minha o seu oratório de imagens, segundo a vocação de
minha esposa, a seu zelo, as suas orações.
E entre quantos símbolos de veneração, de estima, de
admiração, figuram em minha biblioteca —̶ onde dois terços
do meu tempo útil se consomem no estudo da ciência, da
pesquisa da verdade, na contemplação do belo — é ele, Santo
Antonio, na sua efígie de doçura e bondade, que ilumina o meu
espírito e eleva a minha profissão.
Ou seja, nas telas de Murilo, ou de Rafael, que o gravaram para a adoração da cristandade com aquela serenidade de expressão acolhedora, ou nos afrescos de Goya,
representando-o com a mesma fisionomia de suavidade
apascentadora, o certo é que a arte o popularizou como é
geralmente conhecido: — no seu severo hábito franciscano,
tendo um livro na mão, e nos braços, aconchegado ao peito,
a imagem de um menino.
Castro Alves, que foi Antonio, assim o evocou:
“Quando ante Deus vos mostrardes,
Tereis um livro na mão.”
Esse menino é bem um símbolo de proteção; esse livro
um sinal de estudo, de meditação.
Para os que estudam, Santo Antonio é um guia, um amparo, uma inspiração! (Diário de Sergipe de 28-3-46).
67
A IGREJA E O ESTADO
Triunfou com Rui Barbosa, o pontífice magno do constitucionalismo brasileiro, na implantação da República, a
sabia formula de equilíbrio ético-politico-religioso de Cavour
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— a Igreja livre no Estado livre. E a despeito das resistências
opostas, no início, tornou-se definitiva com os decretos da
separação e o texto da Constituição de 1891.
Desde muito havia Renan expresso o ponto nesta
síntese:
“Grâce à Jesus les drois de la conscience soustraits a la
politique sant arrivés à constituer un pouvir spirituel”
(Vie de Jesus).
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Esse poder espiritual, força das consciências, encontrou
nos postulados da separação a sua melhor garantia.
A palavra oracular pronunciada por Montalembert sobre
a Igreja Iivre no Estado livre, no Congresso de Malines, ecoaria
demoradamente pelo órbe católico.
Conceituando a liberdade, sob esse aspecto das relações
da religião com o Estado, eis o que disse:
“Católico, se quereis a liberdade para nós entendei-o
bem, é preciso que a queiras igualmente para todos os
homens e debaixo de todos os céus. Se a pedirdes para
vós unicamente, não a tereis nunca: dai-a em toda a parte
onde fordes escravos.”
Ampliando este conceito, na critica que faz as conclusões
desse congresso, Ramalho Ortigão escreveu:
“A liberdade é uma só, única, indivisível e sagrada, expressa pelo predomínio dos poderes espirituais sobre
os poderes temporais, representada na parte dinâmica
pela ciência, na parte estática pela religião.” (As Farpas).
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E para assegurar esse predomínio dos pobres espirituais,
de modo a se tomarem invioláveis as consciências, foi que nas
democracias se proclamou o princípio separatista vigorante.
Dentro mesmo nesse princípio os dois tipos marcantes:
o da França, reacionária e agnóstica o dos Estados Unidos,
conciliador e cristão.
Ora, é com os Estados Unidos que envolveu, constitucionalmente, o Brasil, inspirando-se em suas livres instituições.
Nisto se rastreia a noção doutrinária exposta por Bryce
(South America - Observations and Impressions: The American
Commonwealth), confirmando os expositores americanos
mais reputados.
Deu ao Brasil a interpretação segura dos fatos, derredor
dos incisos legais, o insigne Rui. Em termos lapidaras, aquela
admirável oração do Colégio Anchieta, em 1903, em reinteração, aliás de muitos outros ensinamentos, que, em fases
diversas, andou definindo em cintilações de gênio.
Tomada para confronto a grande democracia norte-americana, em cujos exemplos se iluminou na elaboração da
Constituição de 1891, pronunciou:
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“Veda a Constituição, de todo, ali, como aqui, aos poderes
federais qualquer aliança entre a Igreja e o Estado; circunvala entre este e aquela a separação mais completa.
Mas os atos mais solenes do Governo invocam o nome
de Deus. Os generais em serviço de guerra imploram,
diante das tropas, a bondade tutelar dessa Providência,
que encaminha indivíduos e nações. À voz do Presidente,
se reúnem todos os anos, em dia certo, a nação inteira, a
render graças ao Eterno. As sessões do Congresso, nas
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suas duas Câmaras, se abrem e encerram diariamente
com as preces de um sacerdote.
O Senado tem o seu capelão: tem o seu a Câmara dos
Representantes, um e outro eleito por essas duas assembleias.
Têm-nos, ainda, nomeados pelo Presidente, as prisões,
os hospícios de alienados, as escolas militares, o exército
e a marinha até vinte e quatro para esta e para aquela
trinta e quatro.
A propriedade eclesiástica não se tributa no distrito da
Colúmbia nem nos Estados. O juramento nas instituições
federais, como nas estaduais, se confere sobre a escritura
sagrada aos que não a rejeitaram.
As leis da União, como as dos Estados, consagram o
descanso dominical.”
E segue, num crescendo de exemplos admiráveis, a palavra evangelizadora do incomparável paladino das instituições
democráticas.
Ora, nas maiores provações por que tem passado a nação
americana ainda mais se acentuou essa concepção, abonada
com a prática de todos os dias.
São de conhecimento recente os fatos da guerra de
1914 — 1918, e de recentíssimo conhecimento a última conflagração mundial, numa e noutra com tão larga e decisiva
participação do povo americano. E através das manifestações
de Wilson, de Roosevelt e Truman, não se descontinuou essa
linha inflexível de conduta entre a Igreja e o Estado.
Porque, ali, o poder espiritual — reserva das consciências — não se comprime a moldes de intolerância política, ou
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religiosa. Impera, ao contrário, aquela concepção de respeito ao
indivíduo, na inviolabilidade dos seus sentimentos religiosos.
Eis porque o Brasil, plasmando a sua lei magna nesses
exemplos edificantes, não pode variar dessa interpretação
liberal e harmonizadora.
É assim que, nada obstante os termos formais da separação entre as duas esferas — a temporal e a espiritual — é
mantida a legação junto a Santa-Sé e têm os nossos políticos,
numa alta compreensão diplomática, influência na conquista
dos nossos cardinalatos e príncipes da Igreja.
Essa, a política que me tem norteado em toda a minha
vida pública. Na Câmara Federal, como na Assembléia Estadual. Quando falo, ou quando escrevo.
E se nem sempre bem compreendido, ou intencionalmente
mal compreendido, culpa não me corre de que me irroguem
pensamentos que não são meus, ou palavras que jamais proferi.
No homem que fala, ou que escreve, é fácil que a inópia
dos tolos rebusques frases soltas, expressões isoladas, para
lhes atribuir sentido falso, equivoco, duvidoso.
A probidade mais rudimentar, porém, está no entrosálas
no discurso, ou no escrito, para se conhecer a inteireza do pensamento, a essência da verdade. A recomendação de Jacques
Maritain se pauta por estes termos:
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“L’oeuvre proprement catholique est de fomenter partout
le vrai.” (Religion et Culture).
Nesse fomentar da verdade, edificando nas consciências,
é que está o sincero exegeta das nossas instituições, no que
tange com esta magna questão.
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Foi o que fez Rui, é o que fazem os fiéis do credo politico-democrático.
Que importa surjam, a sorrelfa, os apedeutas, treslendo-lhe as lições, conspurcando-lhe o pensamento?
Só os tartamudos, que baralham as palavras e truncam
as idéias, é que se podem gabar de não ser Iidos, ou ouvidos.
Na terra deles, a lapidação é uma vitória do pensamento
contra certo ultramontanismo desvairado.
Não é estranhável que ainda hoje só se veja em Rui a
sombra odiada do autor? Tradutor do Papa e o Concílio...
(Diário de Sergipe de 23-3-45).
***
A IGREJA E A QUESTÃO SOCIAL
72
É estranhável que se pretenda negar, ou diminuir, a
eficiente colaboração da Igreja no evolver da Legislação
social. A célebre Encíclica de Leão XIII ̶ Rerum Novarum (de
conditione opificum) — 15 de maio de 1891 — é o mais alto
documento de sabedoria que reúne, sob a bandeira da religião,
os socialistas católicos.
Para os pormenores da questão, entre outros, Max Turma; Le Catholicisme social depuis l’incyclique Rerum Novarum,
1910; Ch. Feuillete, Du Regime du travail d’apres l’encyclique
Rerum Novarum, 1913, etc.
Avulta, ainda pela origem e significação especial que
representa para o mundo católico, a alocução do Santo Padre
ao conde de Mun e aos romeiros que o acompanharam a Roma,
depois da Encíclica. Extratem-se-lhe da inspiração saudosa
alguns trechos lapidares:
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“Nous l’avons dit: il est certain que la question ovrière et
sociale ne trouverá jamais de solution vraie et pratique
dans lois purement civiles, même les meilleures. La solution
est liseé aux précepts de parfaite justice réclamant que le
salaire réponde adequatement ou travial. Elle est done
du ressort de Ia conscience. Or, 1.’1, législation humaine,
visant direetement les actes exterieures de Phomme, ne
saurait comprendre Ia direction des consciences. “
E mais outra passagem:
“Nous constatons avec plaisis que les chefs d’industries
considerables ont étudié déja l’aplication de notre
Encyclique et que les gouvernements n’y sont pas été
insensibles.” (Maurice Block: L ‘Europe politique et
soeiale - p.577/8).
73
E assim a palavra da Igreja foi dominando os horizontes
da questão social, plantando deveres ao lado de direitos, numa
correlação necessária e indesatável.
Tanto que, já a 25 de janeiro de 1885, o conde de Mun, no
Parlamento francês, traçando os lineamentos do cristianismo
social, em face dos problemas operários, conseguiu que a
câmara pusesse em ordem do dia e votasse:
“La Chambre invite le Gouvernement à preparer l’adoption
d’une legislation internationale qui permette à chaque
Etat de protegér l’ouvrier, sa femme et ses enfants, contre
les excés du travail sans danger pour l’industrie nationale.”
(A. Vabre - ob. cit. p. 16).
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Da existência de partidos católicos nos países cultos,
propugnando por esses princípios não é lícito duvidar. Quando
se não queira recorrer, em seu testemunho, à farta documentação histórica, basta recordar o eco das conferências que em
1908 realizou no Brasil o professor Vlieberg, da Universidade
de Louvain, sobre questões católicas e sociais.
Discorrendo sobre “As tendências dos povos latinos e
germânicos na solução das questões sociais”, falou:
74
“Vamos sinceramente ao trabalhador, ao operário, iluminemo-lo, façamo-lo compreender que na moral cristã nada
existe que se oponha às suas justas reivindicações, e, se
não nos for dado ver triunfo final, poderemos ao menos
dizer: ‘Et nune Domine dimitte servum tuum’ — teremos
feito o que nos foi possível e o que deveríamos fazer. “
E quem já esqueceu a ação nobilíssima de Inácio Tosta,
na Câmara dos Deputados, à frente sempre desses límpidos
ideais, exclamando em sessão de 29 de junho de 1905: ̶ “A
Igreja, guarda da religião, tira do Evangelho um conjunto
de doutrinas próprias para o conflito social, ou pelo menos,
arranca-lhe a aspereza?”
No que diz respeito propriamente a obras católicas ligadas à questão social, ao lado simpático e doce da caridade,
fundações, institutos, asilos, colégios, hospitais, maternidades,
recolhimentos etc. (e o próprio Leão XIII dizia que - “la question reclame aussi le concours de la charité que va audelá de la
justice.” - M. Bloock, op. cito p. 577) não há, então, abranger a
vastidão em que se tem alargado a ação católica, bem verdade
que em emulação com outros credos ou seitas religiosas. Por
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felicidade nossa o Brasil já testemunha, neste sentido, um
movimento dignificador, aí patente às nossas vistas, coram
populo. E para o estrangeiro?
Seja bastante, como índice dessa imensa grandeza, o que
na obra de Emile Sergent, L. Ribadeau, Dumas, L. Badonniex
- Medicine Sociale, XXXIII ed. 1925, escreve Pierre Laurar, no
Capítulo IV sobre Obras Católicas - p. 245-255. (Legislação
Social, p. 75-77, Rio, 1926).
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III
FILOSOFIA
EVOLUÇÕES DAS IDEIAS
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O evolver das ideias não é o passo de um dia, o caminhar
de alguns meses, ou mesmo de muitos anos. É o ciclo de várias
gerações, comumente de séculos, de épocas, de civilização.
Há forças que se opõem no trânsito desses ciclos.
Forças de conservações, forças de evolução. Misoneismo
ou filoneismo.
Se a ideia é vivedoura, se traz o germe do futuro, rompe
a resistência dos preconceitos, quebra o casulo do conservantismo e vence a marcha! (Diário de Sergipe de 26-7-46).
***
A VERDADE
... toda a obra de arte, corporifique a força ou revista
o direito, seja expressão do belo ou síntese do justo, não
perdurará se não a iluminar interiormente essa centelha,
que tremeluz no íntimo de todas as grandes aspirações — a
verdade! (Legislação do Trabalho, p. 250, 1926).
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***
OS POVOS E O INTERCÂMBIO DAS IDEIAS
O intercâmbio das ideias é a atmosfera moral em que
vivem as nações. Desse intercâmbio se interpretam as doutrinas políticas, jurídicas, sociais, econômicas, que se disputam o
mando, em ações e reações. E nessa troca incessante — endosmose e exosmose, como nos organismos vitais — defrontam-se povos fortes e povos fracos, povos cultos e povos incultos.
Os primeiros, que se distinguem pela sua solidez estrutural, política, racial, econômica, e reagem e afirmam a sua
individualidade autônoma, na continuidade histórica de suas
tradições. Estratificação de costumes, de moral, de instituições
de sentimentos, de caráter.
Os segundos, que se deixam facilmente absorver por infiltrações desagregadoras estranhas, e lento e lento sucumbem
ao avassalamento de programas alienígenas de conquistas
moral, jurídico, econômica, social. Areia movediça à feição
dos ventos, sem fixação definitiva no solo das convicções enraizadas pelo tempo. (Discurso na Maçonaria, Aracaju. 1940)
77
***
A SUPREMACIA DO MATERIALISMO
NAS PROFISSÕES LIBERAIS
É incontestável que o homem de negócios vai vencendo,
hoje, o homem de letras. Mais agora do que antes. O interesse
mercantil suplanta a cultura do espírito.
Cede, assim, o lado subjetivo da profissão as rudes imposições do objetivo.
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O idealista já se torna um como viajor perdido, sonambulando pelos caminhos irreais do sonho, da fantasia...
Na época dominadoramente realista do vil metal, outra é
a nobreza que os homens procuram. Nem a do sangue, nem a
da inteligência. Doura-se de um novo brilho, com a arrogância
espaventosa de nouveau riche, ostentando o seu domínio no
mercado dos dólares, das esterlinas.
Mesmo os cruzeiros de câmbio vacilante soam ruidosa
mente como pegas de ouro, transbordando nas hurras de
argentários enfartados.
É o reinado material de certa burguesia endinheirada
negociando-se o amor, prostituindo-se a arte, comprando-se
as consciências. E tudo o que se não ajustar, a este denominador comum, na aferição dos valores humanos, é passadismo,
idéia morta, reminiscência de um tempo longínquo...
A idolatria do bezerro de ouro tem ares de nova fé, como
renascente de ilusões perdidas.
A despeito de todas as teorias estatais modernas, na
tentativa de se repartirem as riquezas por medidas mais
equidosas para a sociedade, o que vemos é que elas se
acumulam noutras formas igualmente egoísticas e desniveladoras.
Proclama-se a falência da razão e surgem as místicas,
tomando-lhe o sólio.
E que a “crise do espírito”, de que fala Paul Valéry, continua a “falência da ciência”, anunciada por Brunetiére.
Paralelamente, no governo dos povos, as formas lúcidas
da política são substituídas por um culto ostensivo, tangível:
o herói, o chefe, o führer, o duce, encarnando um só princípio
incontrastável — a força!
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A planificação quer alcançar até os domínios mais altos
do espírito, engaiolando o pensamento como um pássaro
preso.
Dai, nesse crescente evolver das bases da civilização,
irem perdendo as profissões liberais, qual luz que se fosse
apagando lentamente, de um sol distante que já se não vê, a sua
feição clássica de arte e beleza, o seu objetivo superior de culto
à ciência, essa íntima impregnação de princípios filosóficos e
éticos, que as elevavam acima, muito acima, de suas condições
puramente materiais. (Advogados ̶ como aprendemos, como
sofremos, como vivemos, p. 85).
***
O VALOR DA CIÊNCIA
A ciência não se afirma por ser ensinada conforme a
profissão do individuo. Vale sim, pelo saber de quem a professa, pelos estudos de quem a conhece. Não é um privilégio
de uma classe, mas uma conquista de quem lhe penetra a
interpretação.
Médico ou bacharel, cada um vale pelo que sabe, não pelo
que presume. E a medicina-legal tanto é disciplina de curso
médico, como de curso jurídico. (Um caso de interdição, vol.
I, Aracaju, 1936).
Eis ai — a chave da abobada do edifício intelectual é a
memória.
Sem ela tudo mais se vai apagando, inteligência, julgamento, linguagem, consciência.
O psiquismo se reduz, assim, a um aparelho deficitário e
incapaz. (Um caso de interdição, vol. I, Aracaju, 1936).
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***
O NíVEL INTELECTUAL DAS ASSEMBLEIAS
Quem já fez parte do Parlamento, ou pertence a qualquer assembléia, por mais culto que seja, sabe de experiência
própria que o trabalho de conjunto, o trabalho dessas coletividades, é sempre inferior ao que individualmente seria capaz
de produzir qualquer dos seus membros.
A poesia, que dá a intuição das leis cientificas, nos versos
de Lamartine diz:
“Il faut se séparer, pour penser, de La foule.
Et s’y confonder pour agir.
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E Maupassant, em admirável página de psicologia, com
simples pretensões de literatura, bem assinalava que,
“Les qualités d’initiative intellectuelle, de reflexión sage
et même de penetration de toute homme isole disparaissent dés que CET hommes est mèlé à um grand nombre
d’autres hommes. ”
Esta verdade vem também enunciada nos Paradoxos de
Max Nordau, com estas palavras:
“Não precisa ser profundo pensador, nem hábil observador para descobrir que as grandes assembléias são
disparatadamente medíocres no que diz respeito ao nível
intelectual. Reúnam, pois 400 Goethes, Kants, Helmholtz,
Shakespeares, Newtons etc. . . e submetam ao seu julga-
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mento e sufrágio as questões práticas do momento. Os
seus discursos serão talvez diversos dos pronunciados
em uma assembléia qualquer, ainda que destes eu também não deseje ser fiador; enquanto, porém, as suas
decisões estou certo de que não serão de modo algum
diferentes das de que qualquer outra assembléia.”
Quem quer perlustre, em verdade, os trabalhos sobre
psicologia coletiva, sabe que esta afirmativa é incontestável.
Sipio Sighele, Gustave Le Bon, Gabriel Tarcle, Guglieno Ferrero,
Enrico Ferri, Garofalo, para só falar nos mais lidos entre nós,
têm como assente e definitivo que o nível intelectual baixa na
coletividade, enquanto cresce no individuo. E não bastante os
seus pendores filosóficos, ou divergências doutrinárias, num
ponto estão de acordo: que as inteligências numa assembléia
não dão soma, e sim uma média, ou como diz Gabelli ̶ “les
forces dês hommes quand ils sont reúnis se retronchent et
ne s’enjoulent pas.”
Lord Chesterfield, tomando para exemplo o seu parlamento, escreveu — “Sê-lo-á sempre assim. Toda assembléia
é uma multidão. Quaisquer que sejam os indivíduos que a
componham, nunca se lhes pode exigir a linguagem da razão;
uma coletlvidade não tem a faculdade de compreender...”
Ora, esta observação fora feita em 1751!...
Para alguma coisa ha de ter servido tão longa experiência, aproveitada hoje pelos povos cultos, anexando aos seus
parlamentos, as comissões técnicas.” (“Comissões Legislativas”, Jornal de Sergipe de 28-3-31).
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***
A FORMACÃO DAS COMPETÊNCIAS
82
O título científico serve apenas de presunção relativa,
para ingresso à formação das competências.
E estas não se formam por colação, consoante a expressão de Faguet (O Culto da Incompetência, p. 11) mercê da
generosidade dos mestres, ou condescendências acadêmicas.
Consegue-se, porém, no trabalho diuturno, no estudo
continuado, na paciência de acumular subsídios de conhecimentos através da mais perigosa observação dos fatos.
Não hasta ler, quando se leia; o compulsar livros quando
se os tenha.
A operação do espírito é absorver pela assimilação,
transmutando em saber próprio a cultura de outrem.
Bem disse o inimitável Rui:
“Vulgar é o ler, raro o refletir. O saber não está na ciência
alheia que se absorve, mas, principalmente, nas idéias próprias, que se geram dos conhecimentos absorvidos, mediante
a transmutação, por que passam, no espírito que os assimula”
(Oração aos Moços).
Não é, por isso mesmo, trabalho de improvisação, às
vésperas de cada emergência.
É ao contrário, tarefa continuada persistente de todos
as dias, do madrugar ao anoitecer no ofício. (Um caso de
Interdição, vol. I, Aracaju, 1936).
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***
A IMPERFEIÇÃO HUMANA
A perfeição não é um dom humano; é privilégio divino.
Um trabalho perfeito não será criação do homem, mas
reflexo da divindade.
Ascende o gênio às mais altas concepções do pensamento, traça sistemas filosóficos, descobre e define leis, organiza
postulados científicos. De mesclas impuras, entretanto vem
o tempo mostrar que os expungiu.
A condição de precariedade, pois, é inseparável das obras
humanas, e, ainda nas mais belas, ou de maior poder sugestivo,
ou emocional, há laivos destoantes.
Manoel Bernardes escreveu que:
“Todos os filhos de Adão padecemos nossas mutilações
e fealdade, uns na honra, outros na saúde, outros na fazenda,
outros na ciência, outros na limpeza do sangue, outros em
outras coisas...”.
De mutilações e fealdades, sobretudo, na ciência, nas
produções do espírito. (Jornal de Sergipe, 1932).
83
***
IGNORANCIA HUMANA
Grande é a sede de saber; maior, porém, o mundo dos
conhecimentos não revelados.
O céu imenso e profundo que olhamos e nos encanta,
quantos de vós podeis explicá-lo.
E pelo não fazerdes, o perderá, acaso, a sua formosura
inigualável, a grandeza impar dos seus mundos estelados, a
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chuva luminosa de sua via láctea, o infinito de espaço com o
infinito de estrelas, criando no imaginário dos poetas fonte
perene e inesgotável de inspirações?
E o mar grandioso, águas em todos os quadrantes, marulhosas ou plácidas, azuis, verdes, escuras, espelho em que
se miram sóis, transparência de astros nos plenilúnios de
prata, estrada com que se conquista mundos e se descobrem
continentes?
Quantos de vós podeis, narrar-lhe o incessante movimento, as caricias das vagas beijando as praias, o furor das
ondas no embate dos arrecifes? E pelo não fazerdes será que
se estanquem as suas maravilhas, se exauram os seus tesouros, e se despreocupem os homens de cantar-lhe a magia, o
enleio a fascinação?
E o brilhante que ostentais no dedo, gema rara e custosa, ou cintile como um pingo de luz, na curva perfumada de
um colo sedoso, pondo reflexos de iris na carne palpitante e
rosada, quantos de vós podeis dizer-lhe a história tortuosa,
da sua formação milenária, na química geológica, as angústias
e esperanças da cata, do cavoqueiro, da bateia, do lapidário,
enfim?
E pela não contardes deixará, acaso, esse brilhante de ter
brilho e de ser, aos olhos perdidos e enamorados de vaidade
humana, o prego de tantos prazeres transitórios, mesclados
de quantas torturas ignoradas?
Uma árvore ancestral e anosa, veneranda e austera, raízes embebidas na terra, nutriz de sua seiva, na terra, nutriz
de sua seiva, do seu lenho; copa armada e galhos distensos
para os beijos de luz, para a orvalhada matinal, para o cicio
da brisa, para os ninhos da passarada.
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Quanta beleza no seu porte altaneiro, quanto perfume
nas suas flores, quantas lágrimas na resina gotejante do seu
caule mutilado! E se não puderdes explicar essa maravilha da
natureza, será, então, o caso de a não achardes bela, majestosa,
inspiradora da arte, criadora de sonhos?
Por fim palpai vós mesmos o vosso peito: eis o coração!
Ele pulsa, é o ritmo da vida! Sístole, e diástole, o bem e o mal,
a esperança e o desespero, a alegria e a dor, a fé e a dúvida,
o sonho e o desengano, o amor e o ódio, corrente impura ou
linfa cristalina, a mescla de todas as emoções, num segredo
que ninguém nunca descobriu!...
Sois o crente, e ele é a urna da fé; sois o amante, e ele
é o transbordamento do amor; sois a maternidade, e ele é
tudo, sofrimento, alivio, esperança, dedicação, saudade; sois
o patriota, e ele é coragem, heroísmo, esquecimento de nós
mesmos pela lembrança de todos; sois o namorado, e ele é o
mel que se da nos lábios, o quebranto que se tem nos olhos;
sois o criminoso, e ele é o fiel, a salsugem, tisnada de resíduos
da nossa natureza; sois o louco, e ele é a luz apagada em mar
de sem de tempestade, no navio desarvorado na noite sem
fim da consciência perdida!...
Eis o coração!... Como o entender? Como o explicais?
Segredo eteno!
Bem junto a nós, dentro de nós, e a quanta distancia
dele, quanto mistério nos seus desígnios, quanta sombra no
seu mundo invisível (Jornal de Sergipe, 1931).
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***
VALOR DAS COMISSÕES
Sabemos de experiência — e é uma lição correntia da
ciência — que as comissões numerosas são pouco eficientes
conhecida lei de psicologia coletiva que os valores mentais
intelectuais, não se somam numa assembleia. E a média resultante é sempre inferior és individualidades competentes.
Ademais, quanto maior o número de uma assembléia, ou
corporação, mais nela se dilui e enfraquece a responsabilidade
de cada membro, perdendo com isto a autoridade.
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“Não precisa ser profundo pensador nem hábil observador para descobrir que as grandes assembléias são
desparatadamente medíocres no que diz respeito ao
nível intelectual. Reunam, pois, 400 Goethes, Kants, Helmholtz, Shakespeares, Newtons etc.; e submetam a seu
julgamento e sufrágio as questões práticas do momento.
Os seus discursos serão talvez diversos dos pronunciados
em uma assembleia qualquer, ainda que destes também
eu não seja fiador, porém, às suas decisões estou certo
de que não serão de modo algum diferentes das de
qualquer outra assembleia”. (Max Nordau, Paradoxos,
p. 59, Patronatos dos Liberados e Egressos Definitivos
da Prisão, Aracaju, 1944).
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***
AS UNANIMIDADES
E as unanimidades não sagram ninguém, nem valem
como título de escol. Em Les lois d’imitation, exprime Tarde:
“Il faut se mefier beaucaup dês unanimités; rien ne dénote
mieux l’intensité de l’entrainement imitutif”.
É até humilhante confundir em uníssono o aplauso de
toda a gente.
Afrânio Peixoto, dirigindo-se a Oswaldo Cruz, repetiu
noutras palavras o conceito do sociólogo e penalista francês:
“A unanimidade de aplausos é prova certa de uma mediocridade que deixa de contentar a alguns para satisfazer a
todo o mundo.” (“Louvores ao Código”, Jornal de Sergipe
de 19-9-32).
87
***
AS IDÉIAS NOVAS E A RESISTÊNCIA DO MISONEÍSMO
A resistência do misoneísmo é arma em riste, voltada
sempre contra as idéias novas. A tendência à conservação de
conceitos adquiridos, obedece a uma lei de persistência que
acumula no espírito velhos sedimentos difíceis de remover. Em
tais casos, só o lento e lento das transformações da consciência
jurídica, processadas por demoradas etapas no sentimento
coletivo, conduz a modificações apreciáveis através dos
tempos. A não ser que abalos sísmicos revolvam, de súbito, as
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camadas subjacentes e renovam as superfícies estratificadas
em longas sedimentações!... (“Louvores ao Código”, JornaI de
Sergipe de 19-9-32).
***
AMIZADES
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Inesgotável essa fonte de bondade onde banho o espírito, qual rorejar cristalino de palavras amigas, letificando-me
existência...
Por mais áspera que se me apresente a luta, nas incertezas da política, ou nas alternativas da profissão, nesse trato
de certidão social, bravio e ardente, que é o nosso Sergipe,
quando menos espero lá me vem, com prismas de aurora,
um pouco de luz benfazeja, dourando-me o caminho da vida...
Tenho a sensação, nesses raptos de sonho, a noção grosseira e diuturna de arco e flecha, com que o indígena se arma
e combate nas guerrilhas permanentes da terra arestada de
tocaias e misérias...
Converso com outros homens, auscuto-lhes os sentimentos, ouço-lhes as palavras, e só então é que percebo que
o ambiente de aldeia, onde me condeno a viver, ainda não me
suplantou na inteligência as ânsias incoercíveis de aperfeiçoamento, de beleza, de harmonia.
Esqueço-me, por instantes, do lugar onde estou e deixo-me
tomar pelo oxigênio dos ares sadios, que transmontam os horizontes confinados de Sergipe. Enche-me o peito, a largos haustos,
de revigorante otimismo... (Diário de Sergipe de 16-4-46).
Encontramos em sua correspondência, uma carta de José
Peixoto, da firma Peixoto, Gonçalves & Cia., datada de fevereiro
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de 1954, que é bem a prova dessa sua capacidade de criar
sólidas amizades que lhe perfumaram a existência agitada.
Sentindo-me doente e incapaz de continuar com a proficiência de sempre à tutela dos interesses jurídicos desse
cliente, pos-lhe nas mãos o gesto de confiança que recebera
25 anos antes. A resposta desse amigo, em missiva íntima,
destinada apenas ao seu conhecimento pessoal, é cheia de
bondade e lhe deve ter sido um lenitivo para os sofrimentos
que o cruciavam:
“Ora, damos, portanto, uma prova de nosso justo apreço
a sua pessoa em haja o que houver, para nós, o nosso
advogado será sempre o meu Amigo, esteja ou não no
Estado, possa ou não prestar seus valiosos serviços
profissionais e do velho e querido amigo.
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“Se o meu Amigo quiser indicar quem o substitua, nas
tuas ausências, muito bem, e se não quiser, para nós será
o mesmo, não contrataremos outro bacharel, manteremos
o meu Amigo, e, se viermos a necessitar de um advogado,
acertaremos os honorários dele para aquela causa.
“Não somos ingratos e vemos em sua amizade, de cerca
de 25 anos, um verdadeiro patrimônio moral para nós,
acima de qualquer interesse profissional...
***
CLASSIFICAÇÃO
Constituíram sempre o definir e o classificar difíceis
operações mentais. Espíritos do mais amplo horizonte, inte-
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ligências do mais seguro equilíbrio não raro se desnorteiam,
sossobrando nos escolhos das definições.
A sabedoria romana pode cristalizar em uma fórmula
do seu direito imortal um principio que os séculos não desmentiram: “0mnis definitio periculora est... .” (No Parlamento.
Rio de Janeiro, 1921).
***
AMOR
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O amor é a entrega voluntária, o amplexo da carne e do
espírito no desejo recíproco de se pertencerem.
É o material, é ato psicológico, sem este ou outro
consiste, apenas, na posse física, violência ou negócio.
No estrupo não há amor; há bestialidade. (Vidas Perdidas. Bahia, 1948).
***
A PSICANÁLISE
Ainda que a consideremos, por enquanto, de aplicação
difícil e, para muitos tribunais do pais, de êxito duvidoso — tal
a complexidade dos fenômenos dessa especialidade — a psicanálise não deve estar afastada das cogitações do advogado.
Tenhamos por orientação esta sensata advertência de Afrânio Peixoto: “Quaisquer que sejam as nossas críticas e sorrisos, a
tal ou qual dos detalhes da doutrina de Freud, há no freudismo,
muito, muitíssimo, a considerar. E a aproveitar.” (Criminologia).
Nos laudos periciais vão surgindo, de quando em quando,
conclusões psicanalíticas. E é preciso que o advogado esteja
habilitado, pelo menos, a objetá-las.
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E isto levando em conta que a especialidade transcende
a tal ordem de conhecimentos, que ainda não são facilmente
encontradiços os especialistas.
Henrique Roxo, muito conhecedor do assunto, previne:
“É preciso que dentro da especialidade de doenças mentais,
haja médicos que se dediquem única e exclusivamente a
psico-análise”. (Psico-Análise em Arquivos de Medicina Legal).
Daí os disparates que aventuram os que se não formaram
nessa especialidade de cultura transcendente.
Como quer que seja, o fato é que ainda se não trata de
um domínio pacífico, chocando-se as doutrinas em pontos
fundamentais.
Mais uma razão para que o advogado se não descure de
acompanhar a esfera dessas divergências.
Se Maurice Fleury afirma que a psicanálise está, morta,
“morta pelo másculo bom senso e pela sã ironia da nossa
crítica francesa”, outros, antes dele, e outros, após ele, fazem
afirmações contrárias.
Se este ilustre mestre acentua que “depois dos belos
debates da Sociedade de Psiquiatria de Paris, depois da obra
irresistivelmente demonstrativa do professor Ch. Blondel
(de Strasburgo), depois da severa sátira de Marcell Bool, dela
restam apenas “cacos pelo chão”, inúmeros outros mestres o
contraditam formalmente. E com vantagem.
No que tange à responsabilidade penal, que é face de
interesse para o advogado criminal, com Evaristo de Morais:
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“Não haverá ai quem ouse contestar a relação direta de
certas afirmações — a meu ver prematuras — dessas
teorias com a gravíssima questão da responsabilidade
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penal.” (Psicologia da acusação e da Defesa, na vida judiciária e na literatura).
Numa apreciação sintética de suas aplicações à criminologia, J. A. Corréa de Araujo (Os Novos Horizontes da Justiça
Criminal) dá os seguintes ensinamentos: “Destarte Freud,
Jung, Ritterhaus, Otto Lipmann, Stohr, entre outros, têm
procurado estudar a psicogênese do crime, explicar as
reações criminosas como determinadas por um complexo
que se manifesta numa violação da lei penal. Visa, assim,
o método vários objetivos em suas aplicações judiciárias:
orientar com eficácia as pesquisas no sentido do descobrimento dos crimes, mediante exploração da psicologia dos
criminosos, provocando por este meio de análise psíquica
a confissão dos atos delituosos. Ao mesmo tempo que
imprime novo rumo às investigações acerca da etiologia
do crime, explica os atos anti-sociais como o corolário dos
conflitos psíquicos, ou da luta entre o determinismo cego
do inconsciente, composto de tendências impulsivas, e as
idéias conscientes, do homem, produto de sua educação
e de seus sentimentos ético-sociais”.
Discorrendo do assunto, por aventado nos tribunais,
embora num caso especial de insuficiência mental, para que
fosse decretada perda da capacidade civil, traçamos um breve
resumo, tirado do inquérito dirigido por Genil Perrin - Psicanálise e Criminologia ̶ tem tradução de Leonidio Ribeiro.
Desse inquérito se vêm os baluartes de cada lado da
trincheira, mantendo-se o fogo sagrado da discussão. Se para
uns a psicanálise é “meio auxiliar de exploração psicológica”,
e permitindo “aumentar o circulo de investigações durante
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uma pericia médico-legal, merece ser utilizado, e pode ser
necessário, “revelando complexos recalcados e descobrindo
nos atos falhos os pensamentos obsedantes,” etc., etc.; para
outros é “um sistema cujo fagedenismo apavora” e são negativos todos os predicados que lhe pretendam dar, nas suas
várias aplicações médico-legais.
No Brasil vai crescendo a corrente dos favoráveis, havendo, hoje, uma vasta literatura a respeito.
Henrique Roxo escreve: “A psico-analise deve ser assinalada como um dos recursos mais valiosos da psiquiatria
moderna, para esclarecimento, diagnóstico e tratamento dos
doentes mentais.” - (Arquivo cit.).
Murilo de Campos: “As investigações psicanalíticas tem
permitido mais amplo horizonte ao estudo das neuroses e
psicoses”. (Caracterologia psiquica da epilepsia; Arq. cit.).
Mota Filho: “Com efeito, Freud veio, com o seu método,
esclarecer uma série de pontos escuros da Psicologia. Abriu o
consciente fechado, de há muito, a sete chaves”. (Prefacio em
A Expressão Artística nos Alienados).
São de lembrar, entre ouras, as contribuições preciosíssimas de Gastio Pereira da Silva, um Verdadeiro orientador,
entre nos, do acidentado terreno por onde vai caminhando
a doutrina freudiana: Para Compreender Freud; Crime e
Psico-Análise; Lenine e a Psico-Análise; A Psico-Análise em
12 Ligções; Novos Rumos da Psico-Análise, etc.
Outro tanto com relação a Porto Carrero, nas suas inestimáveis lições sobre Introdução à Teoria da Psicanálise; A
Psicanálise de uma Civilização, etc.
Artur Ramos : Pisiquiatria e Psicanálise
Muitos, muitos mais.
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Tudo isto - qualquer que seja o lado que se tome - “mostra a relevância do assunto e a sua dificuldade experimental,
requerendo tenha muita competência e bastante paciência”,
como ensina Roxo (obr. cit.).
Se assim mio for, fatalmente se cairá no domínio do puro
charlatanismo, comprometedor da ciência, a cuja ilharga se
apega, parasitariamente.
E bem a propositada a advertência de Pereira da Silva:
“Havemos de ter sempre em mente, que, ao iniciar-se a nossa
técnica, vamos tocar em ‘feridas anímicas’, digamos, assim,
vamos passar uma ‘cureta’ numa alma machucada”.
Se não temos, portanto, paciência, destreza, coragem
para tanto, devemos deixar de fazê-lo. Porque, não raro muitas
e muitas vezes se tem acusado a psicanálise justamente por a
não praticar com inteligência bastante.
Pense-se no destro cirurgião que traumatiza o traumatismo para obter a cura, ou num “açougueiro”, que aleija o
operado” (A Psico-Análise em 12 Lições).
Eis o problema vasto, complexo, de custosa penetração.
Mas argüido, de vez em quando, nos tribunais. Por isso mesmo na esfera de apreciação do advogado. E para que este não
aceite de olhos vendados as conclusões formuladas perante
a Justiça, toca-lhe o dever de não ignorar a doutrina em que
se fundamentaram. E um direito de defesa pedir explicação
dos fatos controvertidos em juízo.
E, paralelamente, obrigação que lhe corre de saber formular e discutir os quesitos apresentados aos técnicos e as
respostas que lhes correspondem. (Artigo).
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UNIDADE DO PENSAMENTO
Pelas alturas irisadas do pensamento cientifico e filosófico, como numa atmosfera comum de idéias e inspiração,
encontram-se os homens cultos de todos os países, nada obstante a distância histérica e geográfica de tempo e lugares,que
lhe possa estar de permeio. Partindo de latitudes e climas
diferentes, não raro com séculos de separação, filhos de raças diversas e num ambiente de costumes os mais diversos,
unem-se superiormente pelo espírito, em torno de princípios
e doutrinas, que a civilização foi sedimentando num largo patrimônio de toda a humanidade. E nesse plano de comunhão
de idéias acontece, és vezes, que escritores de vários pontos
do globo — franceses, ingleses, alemães, italianos, americanos
ou brasileiros — ainda que não se hajam lido ou comunicado,
podem coincidir teorias de suas preferências, reformulando
as mesmas teses, chegando às mesmas conclusões. (Diário
de Sergipe de 26 2-4).
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IV
LITERATURA
A BELEZA DA EVOCACÃO
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Nada melhor para reconfortar o espírito, em meio as
tribulações da hora presente, tumultuária e incerta, do que,
na breve trégua de um solilóquio, rever velhas páginas do
passado que se viveu.
Para quem a árvore da vida mais profunda nas raízes do
tempo que se foi, do que se enflora na promessa dos frutos
que há de vir, é uma fascinação maravilhosa esse olhar retrospectivo principalmente quando se chega a esta estação
da vida em que as folhas dos dias vividos vão caindo sobre a
terra, murchas, amarelecidas, até a entrega do despojo final,
lembrando a passagem de Dante:
“Come d’autunno si lévan le foglie
L’una apprésso del ’altra, infin che il ramo
Vede alla terra tutte le sue spóglie...”
Compraz-me, por isso, recordar fatos de antanho, a memória recompondo episódios esquecidos imagens apagadas,
tradições fugidias...” (“Frei Fabiano de Cristo”, 1950).
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A BELEZA QUE MORRE
Nada mais triste do que assistir ai morte do que é belo...
Como que da gente a alma também se desprende, sofrendo,
inconsolada.
De alguns anos a esta parte é a uma dessas mortes,
lentas e contínuas, que venho assistindo, no desalento do
irremediável.
A natureza enfeita a vida, dá-lhe poesia, inspiração,
sonhos...
Quando, pois, ela se mutila é a própria vida que golpeia
e sangra, e morre...
Porque a natureza, paisagista encantadora, com a magia
de tons maravilhosos na paleta de cores, só ela cria, inspira,
inventa, inova, os segredos da beleza.
Um trecho do céu azul, com farrapos esvoaçantes de
nuvens coloridas, galopando no espaço... Uma nesga de
floresta, misteriosa e sombria, onde mal se vê, entre caules
e lianas, o espelho de um regato múrmuro, quebrando nos
fraguedos limosos o cristal dos raios matutinos... As linhas
sinuosas e pardas das imensas praias nordestinas, com a
toalha de rendas brancas espumando na crista das ondas. O
mar sem fim, ora glauco e espelhante, ora trevoso e agitado,
a bramir iracunde, nos vórtices bravios da tempestade, ou
a se espraiar sereno, calmo, azulado na fita longínqua dos
horizontes infinitos... A palmeira hierática e romântica com
as raízes fincadas na terra e a fronde espalhada no céu, com
o seu leque de palmas viridentes abanando, diuturnamente,
ou ao repelão dos ventos... Uma rosa que desabrocha cetinosa
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e orvalhada, florindo com a maciez das pétalas perfumadas
os ramos verdes de espinhos... Uma alvorada de primavera,
ou a curva celeste de um arco-iris, liquefazendo-se na gaze
vaporosa de cambiantes... Um por de sol violáceo, afogado em
luzes que se vão, no quebranto da tarde... Que mais?... Tanto...
Nas metamorfoses incessantes da natureza!...
Um corpo nu de mulher, na pujança do sexo, escultora
serpeante de curvas macias e tentadoras, no supremo esplendor da carne, na sedução suprema do amor...
Sim, quadros mil da natureza... Quem os poderá ver sem
êxtase, adorando a Deus nas maravilhas de sua criação!!...
(Diário de Sergipe de 27-1-4-8).
***
CRÍTICA E CRITICASTROS
98
Nenhuma obra de arte, para afirmação de vida superior,
que transcenda à mediocridade remessã, passa incólume à
aferição da crítica. Esta lhe dá o peso, mostra-lhe a qualidade,
virtudes e defeitos.
O pior dos julgamentos é sempre a indiferença; o silêncio
mata.
Fora igualmente decepcionante só reunir prosélitos e
louvaminhas, sem lhes opor desgabos e adversários. Estes indicam o valor daqueles, o quilate moral de sua superioridade.
Até mesmo as descomposturas valem: traem, muitas
vezes a desolação dos invejosos.
E ainda quando rastejam pelas invectivas pessoais,
retratam de preferência a raiva encanizada do agressor, na
impossibilidade de oficio melhor...
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Mas, de críticos a criticastros vai a diferença da cultura
à ignorância.
Aqueles são simples, sinceros, com autonomia mental
definida, pensando com independência, construindo com
arte, com a pena em escopro entalhando formas duradouras,
de emoção e beleza.
Estes são os devotos do pastiche, mentalidades deficientes, trepados em muletas de empréstimo, parodiadores
sem graça e sem estilo, ruminando o retraço de ideias alheias.
E como não afirmam uma personalidade, no desgaste de
atitudes próprias, nem mesmo um espírito que se entreveja no
lusco fusco de ideias mal esboçadas, ostentam, ao arrepio, e carnavalescamente, um penacho berrante de falsos preconceitos.
Não pensam: são reflexos de pensamentos estranhos.
Não produzem. (Advogados).
99
***
CITAÇÃO
Num livro de doutrina, quando o escritor já tem autoridade para tanto, bastam muitas vezes, breves indicações
das matérias versadas, das fontes, das escolas das correntes,
opiniões.
Num livro de polêmica, porém, o mesmo não ocorre. A
discussão chama provas e estas se dão não só pela indicação das
fontes dos conhecimentos trazidos a debate, mas pela transcrição
dos trechos abonadores, das passagens incisiva da questão.
Ora, um pleito judicial, é o que há de mais controvertido.
Uma parte afirma, a outra nega. Para uma conclusão esta num
sim; para a outra é de um não.
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Mas, para a justificativa desses extremos, cada qual se
esforça por aduzir os motivos de convicção, ajuntando-lhe,
respectivamente, as peças essenciais de verdade, de certeza,
de inconquistabilidade.
Dai o contraste das razões que apresentamos sempre
arrimadas em citações apropositadas, com as alegações do
ex-adverso, vazias de qualquer apoio nos livros da ciência, na
lição dos mestres.
Redarguindo, certa feita sobre o mal que nos era imputado — de carregarmos os nossos arrazoados forenses de peso
de alheias opiniões — tivemos necessidade de esclarecer este
ponto, que só a cegueira dos que não lêem costuma enxergar.
Mostramos, então, como nos prélios judiciários é de essência chamar ao debate das ideias os valores reais, os homens
de prol na pena e na palavra, os expoentes da cultura no ramo
sobre que versa a lide.
E nesse conclamá-los à discussão, só há meio honesto
reconhecidamente digno de sua assentada no pleito: a citação!
Cita quem sabe citar.
Cita quem reconhece na citação o valor do citado.
Cita quem, numa ciência que não admite privilégios e
exclusividades de saber, aprender nas citações a doutrina a
lição dos mestres.
Cita quem, só em citando, mostra razoavelmente que
aprendeu e indica as fontes do seu conhecimento.
Só não cita o ignorante, porque não sabe.
Só não cita o presunçoso, porque tem a displicência
ridícula do enfatuado e simulador de cultura.
Só não cita o plagiário, porque veste alheia roupa, para
fingir como própria.
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Só não cita o narciso, porque se enamora do seu eu, enquanto tem a sua imagem, mesmo deformada, refletida no seu
espelho de vaidades, não se quer desencantar do seu enlevo...
Dando exemplos de como assim entendem os pró-homens da profissão, indicávamos João Monteiro, professor
de Direito, em S. Paulo; professor no Brasil, pela ampla difusão
de seus ensinamentos inigualáveis, de sua maestria no dizer,
de seu conhecimento das fontes, da inesgotável perquirição
na legislação comparada.
Pois esse insigne mestre da processualística nunca, em
todos os seus trabalhos, notadamente nos de advocacia, deixou
de enriquecer a discussão de suas teses com as opiniões de
outrem, num luxo espantoso de citações.
Sabendo como poucos, não pretendeu jamais ser sozinho
nas disciplinas mentais que professava. E a cada assento próprio logo lhe ajuntava o lastro opulento de outros pareceres,
de outras lições, de outras autoridades.
Averbado de opulentar os seus escritos com a citação de
quem podia ser crido e aceito na matéria, redarguia aos zoilos,
opondo-lhes outras citações, indicando-lhes outras fontes, testemunhando sempre o cabedal inesgotável de sua ilustração.
Justificava-o por esta forma irrespondível:
101
“E porque é na palavra dos grandes mestres que reside o
crédito dos que apenas não passam de discípulos, nunca
cheguei a ter como bastante a bibliografia em cujo seio
vivo e que, quotidianamente, se me afigura pequena
para saciar a incoercível polidipsia de saber, que faz do
homem o incontestável eterno.
E eis porque são os nossos pareceres tão ilustrados de
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citações de bons autores, que talvez se me increpe como
ostentação viciosa de erudição rebuscada, o que em verdade só procede da honesta consciência do insignificante
valor do que fosse propriamente meu.
Com o endosso de tão bons garantes talvez menos difícil
possa ser a circulação das minhas letras”.
102
Ora, com João Monteiro se pode estar confiantemente
amparado a modelo dos mais insignes dos causídicos brasileiros.
Mais relevo ainda alcançou Rui Barbosa, primeiro entre
todos no Brasil.
Vernaculista, pedagogista, jornalista, financista, jurista,
estadista, polemista, a tudo enriqueceu com o máximo de
saber nos ramos que abraçara.
Em nenhuma de suas obras assombrosas, fartas de erudição e beleza, deixou, entretanto, de emprestar grandioso
aparato de citações.
Como advogado, sobretudo, este cuidado jamais lhe
escapou. Tome se um a um dos seus pareceres, dos seus arrazoados, dos seus libelos, dos seus articulados, e ali estará,
lado a lado, a citação mais convincente, mais a propósito, mais
autorizada.
E era Rui, o sumo pontífice do Direito no Brasil, o maior
dos seus advogados!
Quem, tomando para imitação este modelo ímpar,
rebuscando, como ele, a citação adrede, não se há de sentir
fortalecido na consciência?
E como Rui, todos os grandes advogados brasileiros, que
fazem profissão de verdade e sinceridade.
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Carvalho Neto
Neste momento, não são exemplos edificantes Levi
Carneiro, Astolpho de Rezende, Mendes Pimentel, Alfredo
Bernardes e outros muitos deste nível, em cujos trabalhos,
refeitos de saber, se enfileiram as opiniões que lhes reforçam
os argumentos, prova provadíssima da probidade com que
versam os assuntos sobre que escrevem?
E na magistratura não é o mesmo que se verifica entre
os de mais prol nos tribunais?
Pedro Lessa, notável magistrado, e por igual professor
e escritor, fazia realçar sempre nos seus votos, ou imenso
cabedal de citações.
Nem por isso valeram menos, senão muito mais, as suas
opiniões de grande mestre, de insigne magistrado.
Na Corte Suprema, atualmente, é esta a justa e exata
apreciação que se pode fazer.
Na discussão dos feitos não se dispensam aos egrégios
Ministros de fundar os seus motivos de decidir nas lições colhidas na doutrina, indicando as fontes de seus conhecimentos.
É isto, sim, o que ilustra a Justiça e a torna insuspeita
aos olhos das partes, a quem, por tal forma, se da o direito
de examinar os julgados e penetrar-lhes as razões e os
fundamentos.
Se é assim que procedem, honrando a profissão, os próceres do Direito no Brasil, que será dos mínimos como nós,
cuja autoridade única está nas citações onde aprendem e em
cujo teor também se formaram as verdadeiras ilustrações?
Eis porque, ao revés do ex-adverso, não nos dispensamos
nunca de fazer citações, onde estas, suprindo as deficiências
do nosso minguadíssimo saber, aclaram o debate, mostram o
direito, documentam a verdade.
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Outro meio não há de se servir, com escrúpulo e lealdade, à missão imparcial da justiça. (Um Caso de Interdição, p.
VIII/XII).
***
VALORES ARTÍSTICOS
104
Em Sergipe não há o culto das tradições. O passado é
o esquecimento. O que não trouxer interesse imediato, ou
se não aferir pelo toque de gozos materiais, burguesamente
grosseiros, não vale a pena ser visto, conservado, estimado.
Obras de arte, motivos de arquitetura, relíquias históricas, tudo vai esquecido como folha outonal, que o vento leva...
O que ainda restava pelas cidades e vilas do interior,
pelos engenhos e fazendas de nossa acabada aristocracia, os
gringos e turcos cataram a pregos vis, e levaram para fora do
Estado, revendendo com lucros fabulosos.
Tenho ouvido a alguns descendentes dessas famílias de
velha linhagem sergipana, herdeiros de patrimônio formado
no Império, a sem cerimônia com que contam os bons negócios
realizados com os mimos e jóias de antiguidade...
Faz pena vê-los, assim, garbosos das pechinchas com
que dilapidaram, na sua deseducação artística, inestimáveis
valores de nossa civilização.
Certa feita, um novo rico de minhas relações, consultou-me se devia ou não comprar uma riquíssima baixela de prata,
que pertencera a um dos solares de mais falado luxo na Monarquia em nossa terra.
A avidez do argentário não dava pela estima do primor
de arte que se lhe oferecia... Nem a ingenuidade apática do
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vendedor ̶ último rebento da estirpe extinta ̶ avaliava o
patrimônio raro de que se desfazia.
O primeiro só via, como negócio, a prata: o peso das
bandejas de prata, os bules de prata, as taças de prata, os talheres de prata... E calculava, como judeu, o ágio prata... Não
se detinha nos valores e caprichos dos relevos artísticos, nem
em reparar na data, ou origem da preciosa baixela.
O segundo —̶̶ cândida criatura! Não se lembrava de aquele acervo de jóias era uma relíquia de família com a história
de um fausto e a crônica de bom gosto, com que os ancestrais
mantiveram um dos salões fidalgos da Província de Sergipe
d’El Rey... Fechou-se o negócio e a prataria abandonou o solar
aristocrático para o palacete do milionário brasseur d’affaires...
hoje fora do Estado.
Que essas transações se operem na economia particular,
é lamentável. Mas que se verifique com os bens de finalidade
coletiva, ou de uso público — ainda que de associações de
caráter privado — além de lamentável, positivamente, é
criminoso.
Certo é que, por tais formas, esse patrimônio cultural
histórico, artístico, de Sergipe, se tem evadido com um acintoso descaso pelos nossos foros de gente civilizada.
Há então, muito que dizer com relação à arte religiosa
passado, de passado tão rico quão esquecido entre nós.
Não primam as nossas Igrejas pela originalidade, ou
mesmo reprodução feliz de motivos arquitetônicos. São no
geral, pobres, de linhas simples, num colonial de aspecto
uniforme e monótono.
Mas se assim se desenham exteriormente, sem variar de
perspectivas, no seu interior há belezas que impressionam.
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O estilo dos altares, o traço das colunas, frisos e capitéis,
a pintura dos tetos, dos coros e retábulos mostram o gênio do
artista que os modelara.
Há quarenta anos atrás esses primores de estilo ainda
eram vistos em muitas de nossas matrizes, ressaindo da
brancura e leveza dos relevos de gesso e ouro de custosas
decorações.
Tudo isso... se não acabou sob o empastelamento de
pinturas berrantes, foi substituído pela massa bruta do cimento armado.
Havia painéis de esmerado louvor e sublime inspiração,
que recordavam verdadeiras obras-primas.
O tempo... O descaso, a indiferença, a ausência de
sentimento artístico, foi deixando que tudo se consumisse,
desaparecesse...
Entretanto, lembravam uma época de notáveis realizações do gênero pitoresco religioso no Brasil.
Sabem os meus patrícios ̶ tão delidos de memórias! ̶
qual foi o artista de gênio que tragou aquelas maravilhas da
Igreja de Divina Pastora, hoje carcomidas, apagadas?
Foi José Teófilo de Jesus, vindo especialmente da Bahia,
depois que lá havia gravado a marca de seu pincel miguelangelesco nas cúpulas e nos altares da Ordem Terceira de Nossa
Senhora do Carmo, do Convento de S. Bento, da Igreja e Colégio
dos Órfãos de S. Joaquim, de Nossa Senhora da Piedade, do
Recolhimento do Senhor os Perdões e nos painéis e quadros
da Ordem Terceira de S. Francisco!
E aqui, em nossa terra ingrata e deslembrada, andou distribuindo a irização mágica das cores, com efeitos
valesqueanos de luz e sombra, na Matriz de Maroim, na
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Matriz do Socorro, na Ordem Terceira de S. Francisco, em
São Cristovão, e noutras Igrejas e Capelas, onde o culto
católico, no fervor da fé, sabia aliar o místico da crença ao
esplendor da arte.
Teófilo de Jesus, discípulo de José Joaquim da Rocha,
o fundador da escola de pintura da Bahia, tem, no Estado
vizinho, o culto imperecível de sua glória na conservação dos
painéis que o seu pincel inspirado espalhou entre as maravilhas de arte de seus templos. Entre nós... tudo se foi! A obra
de arte e a memória do artista!
***
ARBORIZAÇÃO
Num desses últimos dias de sol ardente e intensa claridade, deslumbrado acheguei-me à copa virente de uma árvore,
num dos trechos sombrios da cidade, no Jardim Olympio
Campos.
Céu azul, profundo e escampo, vibrando de luz, sem
nuvem no espaço infindo.
Mal se me acomodavam os olhos aos raios luminosos, que
incidiam, em projeção meridiana, sobre as ruas em derredor.
Como que das paredes dos prédios, em tons geralmente
claros, e da chapa granítica do calçamento, cintilando fagulhas,
a luz se refletia ainda mais forte e deslumbrante.
O ar parado e morno dava a impressão de coar imperceptíveis ondas de calor, num clima de deserto africano. E seria se
do lado do mar, filtrado entre os flabelos dos coqueirais, não
viesse a sussurrar, de leve, uma brisa fagueira que balançava,
como uma caricia, a fronde verde-escuro dos oitizeiros.
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Notei, na parada breve, o porte altaneiro de algumas
palmeiras imperiais, abrindo lá em cima, no esplendor da
luz, seus cachos de ouro e esmeralda sob leques de palmas
farfalhantes. E, por contraste, achando-me na planície, o terso
verso de Alberto de Oliveira:
“ser palmeira, existir num píncaro azulado. . .”
Relanceei a vista e logo se me descortinou, como uma
sanguínea da paisagem, num estencial de rubras flores,
o da púrpura de uma maravilha ̶ flamboyant ̶ em plena
florescência.
Associando ideias, a memória fez-me, então, evocar a
mimosa quadra de Adelmar Tavares:
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“Vi hoje uma árvore velha
toda coberta de flor
e me lembrei de minh’alma
cheia de sonhos de amor...»
Dai fui, insensivelmente, de devaneio em devaneio, de
lembrança em lembrança, revocando o passado, as fontes
inesgotáveis da saudade...
Aracaju de outros tempos... Aracaju de minha mocidade...
Foi essa a época das grandes chácaras, dos ricos pomares,
dos sítios florestados, como dádiva da natureza, no coração
da cidade.
A chácara de Moura Matos, a chácara de Cazuza Barros,
o sítio de Luizinho, os amplos quintais de fruteiras, imensos
espaços verdes fazendo a moldura da Capital dos Cajueiros...
Espaços verdes... técnica de urbanismo.
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Aracaju crescia assim, nos braços das árvores, onde as
abelhas zumbiam e colhiam mel e os pássaros chilreavam as
suas harmonias matinais.
Mas o homem, sempre imprevidente, foi fazendo a cidade
e esquecendo as árvores... Alargavam as praças e estreitavam-se os espaços verdes. Alinhavam-se as ruas e as areias ficavam nuas, como se todas elas devessem copiar o deserto dos
morros do Pyrrho e Borborema.
E consumou-se este paradoxo: no seio dos trópicos,
onde a floresta corrige os rigores do clima e ameniza a temperatura, suprimiram-se as árvores e aglutinavam-se casas,
acumulando-se calorias nos artes exsicados.
Sim, Aracaju devia crescer, como ainda cresce. Mas em
cada rua que se abrisse logo se lhe plantasse um renque de
árvores, dando sombra e beleza ao logradouro público.
É esta técnica moderna do urbanismo, mesmo nas
cidades de climas temperado e ameno. Belo Horizonte é
exemplo atual e convincente.
109
***
O GÊNERO EPISTOLAR
O gênero epistolar é dos mais difíceis na literatura de
todos os povos. Tanto assim, que, em havendo numerosas
coleções de Cartas, em diversas fases da civilização, nem todas
lograram vencer ao tempo e perpetuar-se na Historia.
Requisitos especiais de delicadeza, de simplicidade,
em tom de conversas, em afetação, sem rebuscamento, são
qualidades raras em que escreve uma carta. Vazar no papel
o pensamento como se fosse uma palestra entre amigo. É a
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intimidade que se revela, a alma que se comunica, sem a vestimenta artificial das convenções sociais.
E para se conhecer um caráter, o traço psicológico
muito mais se surpreende numa carta do que num livro
— romance, novela, poesia, ou outra qualquer forma de
arte, ou ficção.
É que nestes se procura o efeito de publicidade, a idéia
se transmite com a preocupação, não raro, de ocultar o sentimento.
Joaquim Nabuco, numa das suas mais íntimas e mimosas
missivas a Machado de Assis, escreveu esta verdade:
“Você pode cultivar a vesícula do fel para a sua filosofia
social, em seus romances, mas suas cartas o traem.”
Efetivamente, o que estas exprimiam era doçura de
coração amigo, a fidelidade carinhosa da simpatia humana
que, muitas vezes, se não encontram nos romances do mestre
incomparável.
Ficaram célebres as Cartas Persas de Montesquieu (Le
persanes), as de Mme. De Sévigné (Lettres de Madame Sévigné),
umas pelas sátiras, outras pela delicadeza de sentimentos.
Todas, porém, pelo estilo cheio de naturalidade, correndo
com linfa cristalina em leito desimpedido, sem embaraços,
sem retorcimentos.
Na biografia dos grandes homens, dos grandes escritores, dos grandes artistas, dos grandes generais, dos grandes
políticos, é nessa fonte que se vai buscar, repentinamente, a
inspiração dos seus atos.
Na antiguidade, na idade média, no renascimento. Em se
tratando de santos, ou heróis. Com as belezas da Grécia, ou as
grandezas de Roma.
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“Isocratis epistolae; Aeschinis epistolae; libri XIX epistolarum Petrarchi; Aretini epistolae; Dantis epistolae; Grotius
epistolae,” são preciosos documentos que revelam passagens
históricas que outros escritos deixaram em duvida.
As cartas de Goethe, de Thomas Moore, de Mozart, de
Malherbe, de Descartes, de Balzac, de Corneille, de Racine, de
La Bruyére, de Rousseau, de Voltaire, de inúmeros outros, em
várias literaturas, retratam flagrantes de sentimentos de coração, de espírito, sem os quais a vida lhes ficaria incompleta,
ou mal interpretada.
E a vida de cada um deles é um trecho na paisagem da
época, senão em muitos casos, toda a paisagem.
Recentemente a vida de Cícero, já tão decantada através
de suas atuações forenses — splendorem illum forensem — e
da grandeza de seus discursos políticos - et in senatu autoritatem — apresenta uma feição nova, atraente, através de suas
Cartas. Porque somente ai há passagens íntimas, que a tribuna
não podia comportar, e um estilo simples, que a eloquência
não deixava aparecer.
E como alguém estranhasse não ver nessa correspondência aqueles raios de expressão dos discursos políticos ̶
fulmina verborum, o insuperável orador, e não menor escritor
e epistolográfico, prestes redarguiu:
111
“Que pensa então de minhas cartas? Não acha que escrevo no estilo de todo mundo? Não se deve manter sempre
o mesmo tom. Uma carta não pode assemelhar-se a uma
defesa ou a um discurso político...
Nela nos servimos das expressões costumeiras”. (Adr.
form., IX, 21).
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Esse estilo de todo o mundo, conversando na carta; essas
expressões costumeiras, eis o espelho da alma, sem disfarces,
sem pinturas...
É para mim, um encanto que me traz a leitura epistolar
de tantos artistas notáveis.
Que tesouro de belezas castiças nas Cartas de Machado
de Assis, de Joaquim Nabuco, de José Verissimo!
Que diferença de Euclides da Cunha, n’Os Sertões, no
Contrastes e Confrontos, no A Margem da História, naquele
seu estilo arrebatado e majestoso, tão próprio, para o Euclides,
missivista, confidenciando!...
É aí, principalmente, que se mostra o homem, sem
arestas, sem torcicolos, tal qual a imagem de sua natureza.
Estimo pois, as Cartas, por essa peculiaridade, por
esse tom de simplicidade, comunicativa, sem os refolhos, as
obscuridades da convenção social. (Diário de Sergipe, 1948).
***
A PROFESSORA PÚBLICA
Professora pública primária, Leonor da Silva, sua mãe, era
uma dessas abnegadas servidoras do Estado, que trocam a alegre
mocidade pelo pão amargo de uma infinita dedicação ao ensino.
Mal pagas, desassistidas, vítimas imbeles de suspeitas e
mexericos, são as bandeirantes incompreendidas da formação
mental na nacionalidade.
Atiram-se pelos sertões desconhecidos, pelas fazendas,
pelas usinas, pelos povoados mais distantes do interior e lá
fundam, de verdade, a escola que o Governo apenas sabe existir
pelo decreto de sua criação.
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São elas a vida espiritual, o canto, o hino, o sentido da
Pátria nesses confins abandonados.
Ensinam letras e patriotismo, deveres e religião, moral
e prendas, a bandeira e a fé, missioneiras do Brasil nessas paragens de conquista. Cedem, às vezes, à lei do amor e, sempre,
ao império da necessidade: casam-se!
E o casamento lhes é mais atrapalhações do que felicidade. Porque, não raro, não lhes aliviam os esposos o peso
lar, antes o sobrecarregam, parasitando os minguados vencimentos da professora. Somente elas trabalham – na escola,
nos quefazeres domésticos, na criação dos filhos.
Enquanto isso, os quincas usufruem filauciosamente,
destas vantagens e sacrifícios e vivem na ociosidade, como
inúteis. (Vidas Perdidas, Bahia, 1948).
113
***
A CAPITAL E O INTERIOR
Assim Aracaju, jovem e formosa, cheia de louçanias e novidades, com requintes de arquitetura e anseios de mundanismo, flor de cacto em vaso de porcelana, faz esse contraste com
as cidades do interior, ânforas de barro com essências antigas.
Estas guardam, malgrado a selvageria de retocadores
sem alma, o tesouro humilde do nosso passado. E somente
nelas, na vetustez limosa dos seus templos, nas varandas e
balaústres de suas casas grandes, na fisionomia colonial de
suas ruas, nos seus outeiros desnudos coroados de ermidas,
nos descantes álacres de suas lavadeiras caboclas, batendo
e alvejando a roupa nas lajes do rio, no planger monótono
e dorido dos bronzes na Ave Maria, no chilrear festivo das
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andorinhas no beiral das igrejas, em tudo isso que ambientou
a vida de nossos pais, é que vamos encontrar, como velhas
páginas carcomidas pela indiferença das gerações sucessoras,
o livro vivido e sentido de nossa Historia. (Um Grande Médico,
Aracaju, 1936).
***
O CULTO DAS TRADlÇÕES
114
Bem haja o povo que sabe honrar os seus grandes
homens,venerando-lhes as puras tradições.
Atentai, entretanto, senhoras e senhores, que o valor
desta consagração não está no bronze que a materializa.
A matéria amolda-se ao buril do artista, afeiçoa-se ao
capricho do cinzel, funde-se à feição da ideia que se quer
representar.
Mas, sem o subjetivismo que a inspira, é um corpo sem
alma, matéria inerte que não tem vida para se perpetuar na
lembrança e lançar-se à posteridade. (Um Grande Médico, p.
13, Aracaju, 1936).
***
A FAUNA SERGIPANA
Acontece com a fauna de Sergipe o mesmo que, de ano
para ano, vem ocorrendo com a sua escassa e mirrada flora.
Nas matas, nos prados, nos tabuleiros, nas caatingas. É devastação em grande escala.
Até onde o homem pôde penetrar, com o seu instinto selvagem de destruição, a caça foi sendo abatida a grosso miúdo.
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Correm parelhas a denudação e a chacina dos animais
silvestres.
Algumas espécies só hoje são lembradas pela toponímia
das regiões, onde ainda persistem traços vivos de uma ou de
uma fauna, que já se não conhecem. São, apenas, índices de
eras passadas, que entraram para o domínio da historia...
As queimadas devastadoras, os cortes de lenha indeterminados, a estrada de ferro, as caldeiras das indústrias são
fatores de uma progressiva degradação, que está reduzindo
Sergipe a um cálido e triste deserto tropical.
Com a extinção, assim, das reservas florestais, necessariamente a caça perde o seu habitat natural e vai-se tornando
rara, esquiva, até o seu completo desaparecimento.
As variegadas madeiras de lei, que enriqueciam e embelezavam as nossas matas, ninguém as vê mais em Sergipe.
Jequitibás altaneiros e frondosos; ipês formosos, com a sua
túnica de ouro aberta sobre os galhos floridos; perobas resistentes e linheiras, sob o manto lilás das flores perfumadas;
arapiracas e quiris, de lenho rijo e amarelo; potomujus de
nervuras castanho-claro, com que, de par com os jacarandás
espessos, se esculpiam os mais belos relevos de nossa mobília colonial; cedros olentes, de caule precioso, e sucupiras de
âmago talhado à carpintaria naval; tudo isto é, apenas uma
recordação, à distância do que foram as nossas essências
vegetais mais valiosas...
O fogo, ou o machado, num trabalho criminoso de séculos, foi reduzindo a pó essa imensa grandeza insubstituível...
Da mesma sorte, antas, capivaras, queixadas, onças, são
mamíferos que apenas se recordam pelos lugares que lhes
herdaram os nomes...
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E outros menores ̶ coatis, tapitis, guaxinins, iraras,
juparás, pacas, maracajés ̶ pouco se vêem nos derradeiros
tratos florestais das caatingas...
A civilização foi implacável, na sua imprevidente marcha
contra a natureza.
No reino das selvas, então, de mais fácil alcance do caçador vagabundo é calamitosa a situação.
Jacus, jacupemhas, jacutingas, juritis, zabelês, aracuãs,
qual o felizardo de nossos cinegetas que ainda consegue
surpreendê-los — ariscos, desconfiados, olhos atentos ao
menor movimento — no fundo de alguma nesga de matos
esquecidos?.
E nas lagoas e brejos, que marginam alguns dos nossos
rios lentos e cansados, as marrecas, irerês, maçaricos, narcejas,
agachadeiras?
Quanto a perdizes, codornas, codornizes, nem é bom
falar!...
Uma verdadeira paixão furibunda dos caçadores, abatendo peças por todo o ano, sem reparar o ciclo das estações,
o período da postura, ou da procriação.
Mata-se por matar, sem mão, nem metro. É uma hecatombe despropositada, num desperdício fantástico de tiros a esmo,
em batidas constantes pelos campos, capineiras e tabuleiros.
Não se satisfaz o caçador com o que de arte, ou de prazer
espiritual, possa haver numa caçada ao voo. O que ele quer é
matar, matar a granel, matar por matar, o ano inteiro... (Diário
de Sergipe, 1946).
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***
CARVALHOS
Aqueles lendários carvalhos que fostes encontrar com
raízes na história, consagrados aos deuses, agasalhando ninfas
tecendo coroas, inspirando oráculos, sumiram-se na voragem
dos séculos.
Nem o quercus pedunculata, ou o quercus sessiliflora, o
quercus pubescens, ou o quercus cervis, ou o quercus toza ou
o quercus fastigiata, das regiões temperadas nem o quercus
ilex, ou o quercus gramuntia, ou o quercus bollota, ou o quercus coccifera, ou o quercus suber, ou quercus vivens, que vão
das temperaturas às meridionais, em climas doces; sequer as
espécies exóticas, quercus infectora ou quercus macrocarpa, de
outras zonas climáticas do globo; poderiam brotar, germinar,
viver, desafogadamente, em meio essa selva horrida das terras
sergipanas, à ourela das caatingas insolaradas, nos limites
das florestas tropicais, que o homem civilizado, copiando o
indígena, num escárnio natureza, vai, dia a dia, no crepitar
das queimadas, reduzindo àquela imagem triste do “quase
convulsivo de uma flora decídua embaralhada de esgalhos”
no descrever pinturesco expressivo de Euclides da Cunha.
(Discurso na Academia Sergipana de Letras, Aracaju, 1950).
117
***
CAÇAS E CAÇADAS
Sergipe é um dos Estados em que Nemrod reúne maior
número de afeiçoados.
Escassa fauna para legiões de caçadores.
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A paixão cinegética não dá, entre nós, pela sentença de S.
Jerônimo “venatio ars nequissima et venatores nefarium genus.”
Ao contrário, o prazer pagão criou raízes fundas no caráter veneratório do sergipano, de boa ou má linhagem, de
nobre ou humilde estirpe.
Caça o pobre e caça o rico. Caça o ignorante e caça o
ilustrado. E todos se nivelam nesse “honnête passe-temps
d’oisifs” , na frase de TropIong. Por isso mesmo a devastação
é incalculável, havendo espécies selvagens que já desapareceram dos parques rústicos do interior.
Talvez não haja passatempo que tanto se ajuste à índole
aventurosa do sergipano como o das caçadas. Correr atrás do
desconhecido é bem do feitio do seu temperamento romântico
e aventureiro.
E como todo o prazer costuma levar aos excessos, aos
abusos do próprio prazer, ninguém se contenta em caçar sob
medida, com moderação, fazendo do divertimento uma arte
de gosto espiritual.
Caça-se por destruir, por volúpia de chacina, no selvagismo ancestral e atávico de abater a presa. Ora, é essa
caça depredatória, extinguindo as mais belas espécies da
nossa fauna, que agora nos preocupa. (Diário de Sergipe
de 4-6-41).
***
PRADO SAMPAIO
Houve, em Sergipe, uma vida ilustre que não transmontou os horizontes da Província. Aqui brilhou intensamente e
se consumiu nas lutas estéreis do meio pequeno.
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Escreveu livros, fez discursos, ensinou a mocidade. Por
onde passou foi deixando a marca brilhante de um talento
invulgar.
A filosofia, o Direito, a literatura propriamente dita,
nele tiveram um desbravador culto e orientado. Nota-se que
era, sobretudo, um homem de sistema, organizando os seus
conhecimentos num piano filosófico.
A mecânica e a finalidade das coisas, no mundo físico e
no mundo social. Perquiriu, assim, do átomo à vida, da vida
à sociedade, demonstrando as correlações necessárias nos
fenômenos respectivos.
Depois de Tobias Barreto, fazendo frente ao cartesianismo e erigindo o evolucionismo em tese agnóstica, deslocando para este eixo a rotação do pensamento filosófico;
depois Silvio Romero, com os spencerianos, assentando na
sua cátedra as bases de uma crítica segura ao filosofismo
escolástico; depois de Fausto Cardoso, com o materialismo
haeckeliano definindo e estruturando a concepção monística
do universo; tem-se a impressão de um vácuo profundo, até
que se processou reação espiritualista, em nossos tempos,
como Jackson de Figueiredo.
Estes quatro guias, porém, tiveram como ponto de apoio
os centros de maior cultura nacional, no domínio da filosofia.
É do Rio de Janeiro que sopram as tubas da fama, irradiando
por todo o Brasil.
O próprio Tobias, com sede em Recife, não teria a projeção que alcançou se não fora a dedicação incomparável de
Silvio, no Rio, tomando aos ombros a tarefa hercúlea de elevar
aos olhos de todos a figura de gigante de seu imortal conterrâneo, lapidado na Província como um réprobo.
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Pois em meio a Tobias, Silvio, Fausto, Jackson, que viveram e morreram fora de Sergipe, e, por isso mesmo ultrapassaram os horizontes da terra pequenina, há um sergipano que
só em Sergipe viveu e em Sergipe morreu, e que não foi menor
do que eles nos domínios da especulação filosófica.
Refiro-me a Prado Sampaio, que aqui andou lavrando a
terra do pensamento e nela semeando as mais belas e vivedouras idéias.
Mas, que se há de querer?
Não tinha ambiente para seu espírito de escol e os que o
liam, salvantes raríssimas exceções, não o entendiam.
Certa vez, quando eu era juiz municipal, em Japaratuba,
um velho experiente, muito meu amigo, me disse:
̶ Doutor, em terra pequena só é grande fuxico!
E ele tinha razão...
Prado Sampaio ficou no fuxico da terra pequena e
quando, uma vez por outra, alçava o pensamento às regiões
superiores da filosofia, era como uma águia que soltasse o voo
perdidamente, sem encontrar um cume altaneiro para pousar.
Descia de novo a terra... E a terra era Sergipe!
Onde ficaram as suas publicações, em resumidíssimas
edições?
Quase não circularam no Brasil!
E onde não vai o livro com a idéia,morre a idéia no anonimato. (Diário de Sergipe, 1948).
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A MORTE DE ALFREDO MONTES
É a 1º de agosto que Alfredo se despoja da matéria e
rende a alma ao Criador.
Um dia triste, um dia de pranto, um dia de saudade...
Foi num poente violáceo, à hora em que a luz morria
nos vales e pela crista dos morros, ao longe, pálidos reflexos
tremeluziam no verde da mata...
No cemitério havia uma multidão confusa... Autoridades,
professores, estudantes, o povo em vários matizes.
Sinfonia dolente gemia, em toques fúnebres, na garganta
do instrumento do maestro Ceciliano.
Badalava, a espaços, dlim!... dlim!..., o sino da Capela.
Soluçavam alguns amigos, enquanto a dor da família orfã
cortava corações.
Deu-lhe o adeus da despedida o professor Manuel Alves
de Oliveira.
Um belo e comovido adeus...
Dentro em breve, na expectativa do irreparável, uma
lápide singela fechava o sarcófago, separando dois mundos:
a vida e a morte.
E logo descia à terra, silenciosamente, o crepe da noite... Consumatum est!... (Grande Educador, Alfredo Montes,
Aracaju, 1945).
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JACKSON DE FIGUEIREDO
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Não preciso dizer quem foi Jackson de Figueiredo.
Conhecido em todo o país como arauto da nova legião de
vitalistas, erigiu-lhe Sergipe um busto em bronze, em testemunho de reconhecimento às suas virtudes morais e intelectuais.
Guia de uma geração no caminho de Deus, assim o consagrou
e reverenciou a posteridade.
Escritor de combate, polemista aguerrido crente acendrado, era um homem governado pelas paixões mais nobres.
Escreveu François Mauriac:
“A fé de um rapaz católico nos primeiros alvores deste
século, sofria embates de toda a ordem.” (Vida de Jesus).
Foi a esse tempo que Jackson entrou em luta, depois
das primeiras vacilações em busca da verdade. E decidida a
estrada a palmilhar, tomou, desde logo, posição a descoberto.
Vivendo pelo ideal cristão, defendeu até a morte, como
um trapista abnegado, a causa santa da fé, que abraçara.
Aquela intrepidez invencível, nas pelejas mais acerbas
que travara pelos princípios da Igreja, tinha, porém, entremeios silenciosos e de doçura e tranquilidade. Era quando
entrava na intimidade dos amigos e abria o coração em confissões comovedoras.
Surpreendentemente, o leão de juba sacudida, que rugia
contra o adversário e num golpe o dominava, se transmutava
em cordeiro, era manso, doce, generoso, quando se recolhia
ao seio de suas afeições.
Ouvi-lo, nesses momentos, era um encanto, temperando as
asperezas da vida com a renúncia cristã de glórias mundanas.
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Conheci-o junto a Epitácio Pessoa e, depois junto a Afonso Pena Júnior, como um porta-voz doutrinário dos direitos
da Igreja nas relações com o Estado.
Tive-o entre e os mais caros de minhas amizades e guardo de sua fé iluminada recordações imperecíveis.
Certa vez, pessoa a quem estou ligado por laços indesatáveis, recebeu de suas mãos, num dia de aniversário, como
homenagem do seu apreço ao meu lar, uma relíquia santa
conservada com extremo afeto. E uma de Bernadete Sourbirrous (Cheveu de La Veneráble Soeur Bernadete Sourbirrous),
dádiva de uma eminência cardinalícia ao seu grande amigo.
Tanto lhe era dedicado o bondosíssimo D. Leme.
Era assim que Jackson procurava interpor em nossas
relações um sinal de sua fé, adoçando, como dizia meio irônico,
o meu incompreensível agnosticismo...
Um a um, todos os seus livros me foram oferecidos de
seu punho, cada qual com a marca sensível de seu afeto, da
sua generosidade. Alegra-me imenso vê-los relidos e anotados por meus filhos e sem que isso exprima, acaso, integral
adesão às suas idéias, dele, ao menos como reverência aos
sentimentos de nossa sobrevivente amizade. (Diário de Sergipe de 23-3-46).
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***
SANTO ANTÔNIO DE ARGUIM
O caso é que segundo Frei Antonio de Santa Maria Jaboatão ̶ que outros cronistas apóiam ̶ do Reino da França se
partira uma frota de doze naus para “tomarem e destruírem
a cidade da Bahya, terra do Brasil”.
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Vinha a frota, de ânimo perverso, sob o comando de huguenotes ou consoante a palavra do historiador, “por capitães
principais três lutheranos”.
Na derrota que se tragaram, deu-lhes o rumo que fossem abordar à costa Berbéria, no continente africano. E ai o
desembarque em Arguim onde praticaram toda a sorte de
depredações nos de terra, com especialidade as Igrejas e
relíquias sagradas.
Ao reembarcarem numa das naus colocaram a imagem
de Santo Antonio, depois de a mutilarem e escarnecerem.
Citando documentos dessa época, Serafim Leite menciona que os incréus charlaceavam do Santo, dirigindo-lhe
mofas. Ai está uma delas:
“San Antonio, peleja, porta la nave à la Bahia, Português.”
O fato é que, nesse tempo, se armou no oceano imensa
tempestade, que levou o naufrágio às velas da expedição. Somente uma das naus logrou escapar ao total sossobro.
E fora exatamente a em que viajava o Santo que os infiéis,
para que ela os conduzisse a salvo mostrando-lhes a direção
de terra, jogaram no dorso das águas encapeladas.
É aqui onde o episódio tange com o nosso Sergipe.
Transcrevo de dois biógrafos do taumaturgo.
Macedo Soares:
“Salvou-se a nau que conduzira o Santo
indo, porém, desgovernado, dar a costa do
Brasil na altura de Sergipe. (Santo Antonio de Lisboa ̶
Militar do Brasil).
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Afrânio Peixoto:
“Tanto que, à vista de terra, que era de Sergipe, ou já
Aldeia do Espírito Santo...»(Santo Antonio de Arguim Livro de Horas).
Indubitável, por conseguinte, que foram as praias sergipanas as primeiras tocadas pelo Santo, não importando que
abaixo, nas proximidades de Itapoã.
O Santo foi encontrado em pé, sobre a areia, enquanto
náufragos, presos, foram levados à presença de Dom Francisco
de Souza, então Governador da Bahia.
Fazendo a crônica do acontecimento é ainda Jaboatão
quem diz:
“Para tirar toda a dúvida que pudesse contradizer tão
grande maravilha, buscaram mui de propósito se por
ventura alguma pessoa humana o havia levantado em pé,
que não achando nem pegadas na areia de homem, ser
caminho não seguido, tomaram o Santo com devoção e
veneração, e trazião, mas achando hum homem honrado
no caminho que lhe pedia com muita importunação para
o por em sua hermida, lho derão.”
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Os fatos que se seguiram não desmentem esta versão
antes a confirmam.
Quem conhece a extensão dos domínios de Sergipe, nessa
época (Ivo do Prado: A Capitania de Sergipe e suas Ouvidorias),
não duvida de que era sergipano o território onde encontrava
de pé a imagem do querido Santo. Nem o contraria a circuns-
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tância de ter sido conduzido para o solar de Francisco Dias
d’Ávila, Senhor da Casa da Torre.
Mais tarde, propalada a notícia, foi levada para a Igreja
de Nossa Senhora da Ajuda, em Bahia. E, por direito dos capuchinhos, novamente trasladado, a 23 de agosto de 1595, para
o Convento de São Francisco, em meio às pompas do ritual da
Igreja, nessa época.
À procissão e solenidades estavam presentes a Câmara
e o Cabido.
Ao referir, no meu discurso, esta passagem histórica, quis
mostrar, apenas, como a cidade de Aracaju, também nascida ao
pé do Morro de Santo Antonio tinha bem uma filiação religiosa
digna de evocação, devendo ser mantida e cultuada.
O que consta da “Ordem do Governador do Estado Rodrigo da Costa”, para a Bahia, de que “se deu parte a El Rey que era
então de Portugal o segundo Phelipe, e terceiro em Castela”,
devia constituir, para nós sergipanos, uma das tradições de
maior fervor para com o venerado Santo Antonio.
Se, em resumo, as nossas lindes chegavam até onde as
demarcava a Carta de Doação, o Santo e orago de Arguim foi
em terra sergipana que começou a sua glorificação no Brasil.
(Diário de Sergipe de 1-6-48).
***
TERRA DE PAPAGAIOS
O nosso legitimo papagaio não é praiano, mas sertanejo.
É lá o seu habitat, o seu clima de vida alada e alegre.
Tenho encontrado uma variedade desses psitacídeos nas
terras do litoral, em bandos menores e sem o galrar festivo da
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espécie sertaneja. Além disto, menos beleza e tonalidades no
colorido da plumagem.
Bem perto de Aracaju, ali no Parnamerim e no Mazombo,
por exemplo, quem se aventurar às excursões venatórias ainda
hoje os encontrará, quase sempre aos casais.
É bem possível que se houvesse processado uma lenta
aclimação, do sertão para o litoral, pois os papagaios são
aves migradoras e costumam descer nos períodos das secas
prolongadas.
Porque, então “cajueiros dos papagaios”?
Não os tenho encontrado em cajueiros, mas noutras
árvores da região. Periquitos, sim, muitas vezes os tenho visto
nesses anacardios, devorando-lhes os maturis, bicando-lhes
as castanhas verdes.
Vem próximo o tempo em que nos cajuais da Atalaia —
hoje extensamente devastados — é fácil tê-los de perto, voar
de galho em galho e colhendo o seu manjar delicioso.
Deve-se aqui inverter o boato do nosso folclore:
“papagaio come milho, periquito leva a fama”.
Não, não. Os periquitos é que fazem a devastação, embora caia por cima do papagaio a má fama que a história lhe
consagrou.
Mas, por isso ou por aquilo, Aracaju foi a terra dos “cajueiros dos papagaios”...
Não deve ir muito por longe a tradição.
Afrânio Peixoto pesquisou que, a 22 de julho de 1801,
Giovanni Matteo Cretico, noticiando a viagem de Cabral,
escrevera: há discoberto una terra nova, chiamano la terra
deli Papagá. E também da carta de Pietro Pasqualigo, de 18
outubro de 1501, “con la terra dei Papagá noviter trovate”....
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Se para Vera Cruz, Santa Cruz, Brasil, enfim, terra deli
Papagá, não vem demais que Aracaju se crismasse por sinônimo adequado, “cajueiros dos papagaios...”
E pelo tempo em fora a tradição foi tendo novos de
contato.
Conta-se que na viagem de D. Pedro II a Sergipe, Sua
Majestade desembarcava na Ponte do Imperador, ali estava
postado, para uma saudação especial, um belo e ensinado
papagaio falador. E mal o lmperador saltava em terra, o orador
verde-amarelo, inchando o pescoço ouro-esmeralda, palrou,
estentóreo:
̶ Viva D. Pedro Il!
E foi delirantemente aplaudido.
Fora isto, como se vê, nos tempos da Monarquia...
Pois na Republica, o fato se repete, com mais arte.
Um candidato à Presidência da República excursionava
pelo Norte, para conhecer as necessidades do país.
Haviam-lhe preparado em Aracaju uma recepção condigna.
Dá-se, porém, que antes desse candidato uma outra
candidatura se agitara, estando quase a vingar.
Corriam páreo São Paulo e Minas Gerais, respectivamente candidates Washington Luiz e Melo Viana.
Ensinaram, então, a um papagaio velho um viva a Melo
Viana. O papagaio, de tanto se lhe repetir a lição, gravou-a na
cachola.
Fracassada a candidatura do mineiro, vingou a do paulista.
E o velho papagaio passou a ouvir, todos os dias, um viva
a Washington Luiz.
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Afinal, gravou a ultima lição, esquecendo a primeira.
Vai senão quando por aqui passa o eminente brasileiro,
candidato vitorioso e eleito. É lhe apresentado o papagaio,
que, nesse dia, estava com o subconsciente mais desperto do
que o consciente. E não teve duvida.
Abriu o bico, temperou a laringe, e gritou:
̶ Viva Doutor Melo Viana!...
Desapontamento geral. Só o Doutor Washington gozou
da troca, pois de papagaios não lhes ia às festas...
O Brasil evoluiu. Monarquia... República. . _ Ditadura... e
o que hoje está passando...
Pois não é que agora não é mais terra dele Papagá, de
Giovanni Cretico, nos idos de 1501, mas autêntico pau de
papagaios, na Republica de 1948 depois de quatro séculos
a pico?
Historicamente o Brasil é assim. Todos falam e ninguém
se entende!... (Diário de Sergipe de 22-6-48).
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***
NASCIMENTO DE ARACAJU
E foi assim que dos relevos verdejantes e graciosos, que
bordejavam o Paramopama, marcando nas encostas escarpadas a tradição gloriosa de recontros contra o indígena, ou
o estrangeiro; e foi assim que dos conventos ancestrais, de
estrutura maciça que desafia os séculos, e em cujas naves
austeras se celebrava o culto de Deus e se tributavam honras
aos representantes do Estado; e foi assim, numa transmutação
rápida de cenários que a Capital desceu da montanha para a
planicie dos “Cajueiros dos Papagaios”...
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E foi assim que entre areias infirmes de dunas alvejantes na planura aluvial ganglionada de lagoas e rasgada
de riachos, derivantes entre o estuário do Sergipe e a estagnação marasmática do Poxim, que Aracaju nasceu para
o seu glorioso destino. (Grande Educador, Alfredo Montes,
Aracaju, 1954.)
***
O NASCIMENTO DE “LARANJEIRAS»
130
Era uma vez um pé de laranjas ̶ referem as crônicas
antanho ̶ plantado, descuidadosamente, à margem do Cotinguiba, que, de águas mansas, deslizava entre alfrombras
bambus, pelas várzeas, flabelos de ouricuris, pelos outeiros,
perfume de manacás, pelo ambiente...
As velas que se infunavam, rio abaixo, rio acima, em
demanda das mercadorias e conduzindo manufaturas, enrolavam-se aos mastros bem perto da árvore preciosa, que dava
flores de suave odor, que dava frutos de sumarento acri-doce.
E era como um prenúncio da vida que surgia, no poético...
Assim, a árvore fez o porto — Porto de Laranjeiras — e
o porto fez o centro comercial da região.
As terras ferazes do extenso vale cretéceo ondulavam
canaviais, a mataria desfrondando-se para as culturas, multiplicando-se os engenhos, a riqueza abrolhando no celeiro
burguesia afidalgada.
O povoado que se encaracolava pela cinta das colinas
verdejantes, crescia a passos de gigante, tufando de casebre
pinturescos as encostas do Bonfim, do Navegante, do Boa do
Outeiro do Horto, formando uma aquarela ensolarada de tons
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verdes e dourados, a vegetação e a luz entremeiando-se de
cambiantes maravilhas...
Pelas vielas em torcicolos transitava, na labuta diária,
a população escrava, dos engenhos para o porto, do porto
para os engenhos, carregando açúcar, tangendo bois, num
intercâmbio que aumentava cada dia.
E foi sob o imperativo crescente desses índices de progresso que o povoado se tornou Vila, a 7 de agosto de 1832,
quando a Assembléia Geral, computando o senso demográfico
e o arrolamento econômico, reconheceu a Laranjeiras capacidade autonômica, prenunciando-lhe, para não muito longe,
foros de cidade.
Por seu lado a fé cristã, bem arraigada no sentimento do
povo, construía santuários nas ermidas dos morros altiplanados, que movimentam, em relevos graciosos, a orografia local.
E a Lei Provincial, de 6 de fevereiro de 1835, dando
corpo a esses sentimentos, que os Jesuítas andaram a esculpir noutras Capelas, emoldurando-se símbolos esculturais e
paisagem de Comendaroba, criava a freguesia da Capela do
Santíssimo Coração de Jesus, como uma bênção da Igreja para
a terra promissora.
Ora, com os forais de ordem civil e os suprimentos da
ordem religiosa, já Laranjeiras emulava com os melhores centros produtores, culturais e políticos da Província, Emulava e
vencia! (Casa de Laranjeiras, Aracaju, 1942).
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O VALE DO JAPARATUBA
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Desatam-se em desmedida extensão as terras complanadas por onde corre o Japaratuba, aumentando no seu curso
por uma rede de afluentes, que derivam das faldas de inúmeros cerros, que movimentam, em belos relevos, os terrenos
circunjacentes.
Desde quase a nascente a horizontalidade do leito não
lhe imprime grande velocidade; as águas deslizam sem arruído, espairando-se nas planícies rasas em derredor, formando
alagados em cada depressão mais leve do solo.
E assim transcorre longamente, até entestar com o litoral, em cujas proximidades se sucedem grandes lagoas, de
superfície ao nível da corrente.
Dada a falta de declividade do rio, o seu curso se torna,
principalmente neste trecho, demasiado alongado em curvas
e sinuosidades, o que determina uma disparidade chocante
entre a quilometragem geográfica e itlneraria.
Ademais, Sr, Presidente, muito longe da foz a maré vem
represá-lo, de modo a manter sempre as águas em maior
altura, enquanto o correamento da corrente, os detritos
conduzidos, vão se depositando lento e lento, formando e
distendendo a planície aluvial.
Ora basta que aumentem, do comum as chuvas do
inverno, o que ocorre anualmente — ou que venham abundante as das “clássicas trovoadas”, para que se verifiquem as
enxurradas e se restabeleça, periodicamente, o regime das
inundações que assumem nesse trecho sergipano gigantescas
proporções.
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É tal a demora das águas no vale inundado, e tão insensível é a sua baixa, depois de haver galgado as planuras
convzinhas, que, Sr. Presidente, toda a cultura, todo o trabalho humano, toda a luta afanosa, no amanho da terra aí se
inutilizam, vão por água abaixo, registrando-se dolorosa e
irremediavelmente, prejuízos imensos.
Por isso mesmo que as águas ai se adensam e retardam,
sendo de lentidão proporcional ao seu volume, o que ocorre
nessa quase estagnação, é o cúmulo cada vez mais abundante
de detritos obstruindo o leito do rio, arrasando os cortes canal.
E, consequência inevitável, desponta-lhe as bordas fertilizadas luxuriante vegetação de algas variadas, formando
enseadas, balseiros, em cuja trama compacta esbarra, extravasando, a corrente entumecida e calma.
Com esses novos obstáculos, que se multiplicam de
cheia para cheia, de ano para ano, de dia para dia, aumentam
volume os bancos de vasa, enquanto em torno, até o sopé das
montanhas mais distantes, invadindo áreas cada vez maiores
se formam grandes paludes, inúteis e pestilênciais. (No Parlamento, Rio de Janeiro, 1921).
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***
A PENITENCIÁRIA DE ARACAJU
A Penitenciária, ou a Grande, como lhe chamam os prisioneiros, situa-se a quatro e meio quilômetros da Capital.
Já de longe se lhe avista a arquitetura pesada de castelo
medieval, com duas torres laterais mirando as distâncias.
Ergue-se, assim, com seus muramentos grosseiros, no
dorso de uma coluna desnuda, escalavrada.
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Impressiona pelo conjunto aquela massa compacta de
alvenaria, como um bloco de tijolos associados emergindo das
terras deprimidas que lhe ficam em derredor, ganglionadas
de lagoas e brejos paludosos.
Chega-se até lá, depois de percorrido pequeno trecho de
linha, rumo ao interior, a trotes por uma estrada de rodagem
de má conservação, rasgada na argila vermelha e quebradiça,
coleando o morro... Vão ficando às margens, para trás, pantanais e capineiras. E quando se galga, infletindo-se para o sul,
a ultima rampa suave e alcança-se, afinal, a estreita lombada
onde assenta o edifício, estende-se a perder de vista, para
todos os lados, um panorama movimentado e belo.
Em meio a planície aluvial do município de Aracaju irrompem, então, relevos orográficos de pequena altura, destacando-se, salteadamente, na monotonia de paisagem, que tornam
atraente, sugestiva. De feito, transporta a extensa baixada em
frente, agrupam-se, em sequência ondulada, alvas dunas, revestidas algumas de vegetação rasteira arbustiva. E além, fechada
ao nascente pelo estuário do Cotinguiba, que desliza entre o
continente e a Barra dos Coqueiros, descobre-se em toda a extensão a cidade, acompanhando-lhe a linha sinuosa até a barra.
Tem-se, destarte, diante dos olhos este quadro pinturesco, dos mais variados tons.
Pelo corte, a tiro de fuzil, o Outeiro do Céu, alongando-se até o cocuruto vermelho, como um crânio pelado onde
houvesse crescido hirsuta verruga de matos agrestes.
A seguir, o Morro de Santo Antônio, de topo ligeiramente
achatado, em torno ao qual se alinham graciosas vivendas. E no
meio delas, flechando em vertical o espaço, a torre da ermida
do milagroso padroeiro.
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Mais ao fundo, para a direita, o Morro do Urubu, na
pompa verde de suas derradeiras matas, cobrindo-se as
encostas.
Pelo sul, toda a vasta zona dos coqueiros, por onde
serpeia a fita encaracolada do Poxim, e onde sobe, lá para
Atalaia, a silhueta branca, altaneira, esguia, do farol, como uma
sentinela insone ao bramir incessante do oceano quebrando
nas praias...
Enfim, pelo poente, as elevações que vão, dispersas, do
Jabotiana à Cabrita, ao São Gonçalo, ao Socorro, às terras cretáceas do Cotinguiba, e muito longe, dominando os píncaros
circunjacentes, já no amplo dos tabuleiros, à envergadura
azulada e rija da Serra de Itabaiana, fechando o horizonte.
É dentro nessa larga e movimentada moldura da
natureza, caindo de nível para o litoral que se levanta a
Penitenciaria, símbolo sombrio da liberdade perdida...
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***
Vai por alguns anos delineara-se essa construção, para
retirar do centro da cidade a Cadeia Velha. Superior a esta
em extensão, em perspectiva já nascera, porém, em moldes
vetustos, com um século de atraso na ciência — Cadeia Velha
também.
Vindo depois da de São Paulo (Carandiru), não lhe copiou
os melhoramentos, nem a técnica. Vindo antes da de Minas
Gerais (Neves) de Pernambuco (Itamaracá) evidentemente
está longe desses modelos.
Sequer as transformações verificadas em Santa Catarina,
Paraíba e Rio Grande do Sul.
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Inadequara-se, por isso, desde o início, aos fins pretendidos. A vistyosa fachada do edifício da administração, a
cavaleiro daquele mirante natural, não encobre lá dentro, o
primitivismo do presídio.
Não se consultou, em verdade, a palavra do técnico. Não
se reviram as últimas conquistas arqueológicas no traçado
da construção. Foi o empirismo do construtor inexperto que
deitou a orientação, das bases as cimalhas.
Pensou-se no ilusório efeito da vista, esquecendo-se a
finalidade real da obra. Malbaratou-se, destarte, o dinheiro
público na cópia de modelos anacrônicos. Ficou pela mesma
grosseira imagem dessas velhas cadeias espalhadas pelo Brasil, com maiores ou menores adaptações à técnica moderna.
Ao leigo seduz, talvez, a mole imponente da grossa
estrutura de pedra e cal. Ao perito, entretanto, não escapam,
a um simples relance, os erros cometidos, desvirtuando os
objetivos reformatórios da pena. Cogitou-se mais do crime
do que o criminoso, e este mesmo julgado tendenciosamente,
por preconceitos e aprisiorismos.
Não se viu no homem o desajustamento social, que a
sociedade quer corrigir pelo tratamento adequado.
Houve preocupação do castigo; não se tratou da educação. Pretendeu-se a pena intimidativa, mas não a corretiva.
Do trabalho ̶ higiene dos músculos, fonte de saúde,
terapia moral — nada se fez com proveito. Apenas um
pavilhão aberto de chão batido e poento, com ferramenta
manual rudimentar, incapaz de treinar um ofício, orientar
uma profissão.
Tudo bem longe de se prestar à execução de qualquer sistema penitenciário racional. Nem mesmo a meros ensaios do
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regime compósito do Código Penal de 1890, em cuja vigência
se inaugurava a Penitenciaria. (Vidas Perdidas, Bahia, 1948).
***
REMINISCÊNCIA
Há trechos da vida que não desaparecem... Mesmo à
distância, ficam na lembrança como uma centelha que nunca
se apaga. (Vidas Perdidas, Bahia, 1948).
NORMAS EDUCACIONAIS
Tanto vale o espírito de luz no corpo de pedra, acendendo
claridades na opacidade da matéria bruta.
Sem apascentar os corações, sem levantar os sentimentos, até os bons são maus, e os homens são puros animais
indomáveis. Dominam-se os instintos pela inteligência, pela
razão pela bondade.
Muitas vezes um conselho vale mais que um castigo e
um exemplo de tolerância compreensiva mais que alguns
dias prisão.
O primeiro amansa; o segundo revolta. E o criminoso,
ser um desajustado, muito precisa de intuição psicológica
em quem o guarda, em quem o trata, em quem o julga. (Vidas
Perdidas, Bahia, 1948).
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LEMAS DA MAÇONARIA
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Somos, na Maçonaria, uma comunidade de paz, de justiça, fraternidade. Temos a existência mesmo condicional à
felicidade geral dos homens. Não distinguimos nações senão
pela sua capacidade na prática do bem. Não acreditamos em
regimes políticos senão pelas garantias que ofereçam aos dos
cidadãos.
Qualquer povo, qualquer país, qualquer sistema de
governo, também será, por isso mesmo, nosso povo, nosso
país, nosso sistema, desde que assegure a liberdade, coloque
a igualdade dentro da lei, não destrua a fraternidade por
injustas perseguições.
Daí a razão pela qual a Ord. Maçônica acolhe em seu
seio, onde quer que se erga um Templo de Hiran, seja qual
for o continente, maçons de todos os povos, de todas as raças,
todas as religiões. (Discurso na Maçonaria).
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Carvalho Neto
V
SOCIOLOGIA E DIREITO
A CASA DO ADVOGADO
Sim, é a casa do advogado. O pouso aberto, o abrigo certo,
na deserta estrada.
Quando tudo foge ao viandante e ele se perde nas encruzilhadas de sua desventura, só esse abrigo o acolhe, até que
passe a noite do seu infortúnio.
Ali arma o ninho de esperanças, aquece-o ao calor da
profissão do advogado, mestre e conselheiro reanima-se,
comove-se, espera o sol da liberdade, e de novo sonha com
a felicidade.
E quando esta lhe vem dourar, outra vez, os horizontes
da vida, a estrada do futuro se lhe reabre, sem mais sombra
do perigo, ei-lo que parte... E nem olha para trás!...
Que resta, afinal, ao dono do abrigo, do pouso aberto,
para contar a história desse encontro?
Um pouco de cinza e de fumaça.
Fumaça que tem, contudo, transparência de luz! Cinza
que esplende como poeira de ouro!
Relíquias de uma vida consagrada ao Direito, no apostolado de defender para cada um o que a cada um pertence.
E é assim a casa do advogado: um pouso aberto, à beira
da estrada. (Advogados, p. 113).
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LEMAS DA ADVOCACIA
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O advogado entra no pleito com os sentimentos do
seu cliente, com a revolta do seu direito ofendido, pedindo
reparação.
Repele a ofensa, retorque ao insulto, castiga a insolência
São deveres inauferiveis, de que não pode abrir mão.
Quem se não sentir com a coragem para essas atitudes,
não serve a profissão, nem ao Direito. Rasteja aos pés dos
poderosos, pede esmola aos juízes, trafica pleitos, não advoga!
Se ele não for o que dele disse um grande magistrado ̶
livre dos vínculos que amarram os outros homens, muito altivo
para ter protetores, muito modesto para ter protegidos, sem
escravo e sem patrão, ̶ não tome a peito as coisas alheias.
Somos modestos, e não temos protegidos.
Somos altivos, e não temos protetores. (Um Caso de
Interdição, vol. I, p. VIII, Aracaju, 1936).
***
O CLIMA D0 ADVOGADO
O clima do advogado é a luta. Não é o marasmo, a apatia,
a inércia. Vitorioso o princípio de Jhering: “A ideia do direito
encerra uma antítese que se origina desta ideia, da qual se
pode, absolutamente, separar: a luta e a paz; a paz é o termo
do direito, a luta o meio de obtê-lo.” (A Luta pelo Direito; trad.
de José Tavares Bastos, p. 3).
Estagnar é morrer. Movimentar é morrer. E vive-se pela
paz, lutando pelo direito. Quem renuncia ao seu direito receoso
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de lutar, pratica um suicídio. Tem a paz da morte, que é o nada.
Não tem a paz da vida, que é a própria vida.
O advogado é a alma dessa luta, movimentando nos Tribunais de Justiça o princípio da seleção legal pela existência
do direito.
No acesso das paixões que se defrontam, no renhir dos
interesses que se opõem, tem ele o ambiente do seu trabalho.
Não pode ser apático, indiferente, frio. Sofre, necessariamente,
a influência do seu meio. Sem descomedimentos escusáveis,
cumpre-lhe manter a posição que lhe foi confiada e pelejar
pela vitória.
Inumeráveis contratempos pelo caminho. Injúrias, convícios, a infalível conjura suspicaz da inveja.
Quanto mais lido e corrente nos luminares da profissão,
mais ao alvo das setas.
Não raro se vê forçado a mudar de armas no combate,
descendo à arena do adversário com os recursos que este lhe
proporciona.
É conhecido o dito do escritor: tudo no mundo tem um
limite, menos a estupidez. E quantas vezes é nesse campo
ilimitado que lhe cabe a sorte de lutar, palmo a palmo, ponto a
ponto, até que um fragmento de luz penetre a camada espessa
da rotina empedernida!
No fim, a palavra da Justiça. Mas, quantas vezes justa,
quantas vezes injusta!
Uma coisa entretanto, sempre certa, infalível: a luta.
Quando iluminada pela consciência do dever, quando inspirada pelo principio do bem é um sol em que se incende o culto do
Direito. E só isso compensa ao advogado todo o seu trabalho,
todo o seu esforço, todo o seu nobre desejo da vitoria:
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A advocacia não se faz em segredo. É pretório, tribuna,
palavra, pena, publicidade. Advocacia secreta, de acordos
escondidos, de acomodações reservadas, é mentira, patota,
traição vil.
Quem advoga fala em público, escreve a sol meridiano,
tem a eloquência da verdade que não pinta o rosto, nem usa
de véu, na pinturesca expressão de Tobias Barreto.
Não goza, por isso, o advogado das “delícias de l’enedit”,de
Flaubert, para ruminar consigo mesmo, no silêncio do seu gabinete, o inédito de suas produções.
Estas são as suas armas de combate, cintilando à luz dos
argumentos como gume acerado nos golpes decisivos. Quem
as esconde é porque receia a têmpera em que foram forjadas.
Brandi-las a descoberto, experimentando o aço em que
foram caldeadas, é ter a certeza do teor de resistência que
oferecem. (Um Caso de Interdição,vol. I, Aracaju, 1936).
***
A MUTABILIDADE DO DIREITO
De feito, só em uma sociedade imutável fora possível
conceber-se um direito imutável, uma lei que conservasse
indefinitivamente a sua razão originária, o seu alcance, o
preestabelecido, o seu objetivo predeterminado (apoiados).
Quando novas relações surgem e antigos problemas
adquirem feições novas, quando os valores se transformam e
tudo muda, porque tudo incessantemente evolve, fora absurdo
que só o legislador estivesse parado, desatento ao perpétuo
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movimento que o envolve, como essa “personalidade imaginária, mítica e permanente”, de que fala o grande Saleilles.
Razão assiste, pois, a A. Giraut para dizer: “Quando o
legislador pensa no presente, não devia edificar para a eternidade.”
Em dominando atualmente outras concepções sociais,
porque as relações da vida se modificaram e então, segundo
apreciara Geny, “conte em si mesmas as leis que as devem
reger,” não se pode ficar chumbado ao peso de princípios que
se imobilizaram nos códigos, enquanto a sociedade caminha
sempre, eliminando do seu caminho as peças inertes do organismo político que já não podiam realizar as suas irreprimíveis
aspirações de progresso” (muito hem).
Consoante um raciocínio de Tarde, o direito vem a ser a
“conclusão de um imenso silogismo prático, em que a premissa
maior é constituída pelos desejos, necessidades e apetites da
sociedade, e a menor pelas suas crenças, idéias e conhecimentos: toda a modificação no estado dos desejos ou das crenças,
tem necessariamente a sua repercussão jurídica, segundo a
intensidade do abalo regenerador.
Legislar é, portanto, tecer sem parar a teia de Penélope,
e é já, para o legislador, antes de organizar o direito do futuro,
uma tarefa esmagadora manter o direito de ontem a par da
sociedade presente.” (Legislação do Trabalho, p. 309/10, Rio
de Janeiro, 1926).
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CULTORES D0 DIREITO
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Ciência especializada, conquanto ramificada na amplitude magna dos conhecimentos humanos, requerendo estudo
próprio e longo tirocínio, somente os que a ela se consagram,
enamorados dos seus segredos e da atração de suas infinitas
dificuldades, é que a podem ministrar com proveito, ou lhes
exercer com dignidade os nobres misteres.
Nela não podem medrar os diletantes, adejando sobre
assuntos graves, que pedem estudo meditado, reflexão esclarecida.
O cultor do direito há de ser um profissional do sentido
rigoroso do oficio diuturno, em que elabore sem cessar.
Escritor, se o é, a doutrina carece sempre e sempre renovada, refundida, melhorada. E o doutrinador nunca atinge
a perfeição, porque nunca lhe basta o estudo. Legislador, se
vier a sê-lo, alarga-se-lhe em responsabilidade a missão que
lhe cabe. Fixar, num dado momento, as aspirações sociais,
gravando-as em norma jurídica, como regra obrigatória,
disciplinando os interesses coletivos, tanto lhe custa o feitio
delicado. Juiz, então, se o for, em desmedido alcance, avulta
a dificuldade da função. Devendo versar perenemente a doutrina, para lhe extrair da ganga impura o veio precioso, não
pode arredar dos livros a vista inquiridora.
Em lhe cumprindo por outro lado, aplicar a lei, é o próprio estudo feita a sua exegese meticulosa, que lhe está a impor,
constantemente, maior soma de indagações especulativas,
filosóficas, sociológicas.
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Advogado, se de verdade o for, não tem outro terreno
onde lavrar, outra fonte onde beber, outra sombra onde repousar, senão os livros, sempre os livros.
É o seu tântalo insaciável , torturante, eterno...
Ora, para todos esses penitentes da profissão, escravos
do ofício — o escritor, o legislador, o juiz, o advogado — e uma
conquista que não finda, desafio de todos os dias, penetrar os
segredos do ofício, vencer os entraves da carreira.
E somente quando desse tesouro, como prêmio a esforços incessantes, se recolhem algumas parcelas, é que se deve
dar a resposta que possa fazer calar a Epictelo...
Pois bem, se, ainda assim, grandes e frequentes são os
erros cometidos no apreciar uma teoria, no desenvolver uma
tese, no escandir uma hipótese, no aplicar uma lei, que se
dirá dos que se metem nesses assuntos, sem as primicias do
estudo, as láureas do esforço continuado? (“As Máximas de
Epictelo” - Jornal de Sergipe, 1928).
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A EVOLUCÃO DA CRIMINALIDADE
Acompanhando o ritmo da civilização, da barbária
ao requinte e caprichos do homem moderno, a criminalidade vai acumulando uma série imensa de formas, com
as características diferencias de cultura e formação moral
dos indivíduos.
Assim, a criminalidade atávica, residual dos meios bárbaros e a criminalidade evolutiva, reflexos das sociedades
adiantadas.
Daí o dizer-se que cada sociedade tem o seu crime paralelo, refletindo-lhe o estado evolucional.
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Ou, consoante Tarde, a sombra que ela projeta - “ l’ombre
projetée par la Societé” ̶ (Etudes Pénales) e que vai marcando
o perpétuo, conflito das atividades honestas, para o bem e para
a harmonia social, com as atividades desonestas, ou infringentes dos princípios da ética e interesse geral da comunhão.
Diz Scipio Sighele:
“ de sauvage et brutale, elle est devenue raffinée et policée;
la cruanté l’a cedé ou dol, la violence à l’astuce, le délinquant moderne combat avec le cerveau bien plus qu’avec
les muscles.” (Lai Psychologie des Sectes, p. 4-).
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Opera-se, assim, essa transformação, desde muito notada
por Musedaglia, de que cada civilização tem a sua criminalidade própria (La statistica della criminalité). É uma resultante
da lei de adaptação, que também rege os fenômenos sociais,
levando Maury a afirmar que as tendências criminosas não
desaparecem, transformam-se;
“les tendances criminelles se transforment et ne supriment
pas,_ en suivant purement et simplement de la loi universelle de l’adaptation” (Da mouvement moral de la Société,
Revue des Deux Mondes; Sighele cit.).
Nessa transformação se verificam as duas formas básicas, marcantes de toda atividade anti-social.
Uma, a evolutiva, como assinala Sighele, é toda cérebro
e tem a astúcia por processo, variando, apenas, nas suas
manifestações, como as apropriações indébitas, o falso, a
fraude; a segunda, a atávica, é a ferocidade da ação violenta,
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toda músculos e se exterioriza na revolta, no homicídio, na
dinamite.
Nas próprias palavras do notável escritor:
“La premiére est tout de cerveau et son procédé c’est
l’astuce, sous ses deverse manifestations, telles que les
appropriations illégitimes, le faux, la fraude; la deuxiéme est en grande partie accomplie par les muscles et ses
procédés sont purement féroces: la révolte, l’homicide, La
dynamite” (ob. cit. p. 17).
Vê-se, pois, que a sociedade caminha arrastando o seu
fardo imenso de prejuízos ancestrais, do mesmo passo que
sofre modificações sensíveis em sua marcha, adaptando-se
sob a pressão de novos fatores. Como quer Wirchow, mesmo
no corpo social, “a patologia segue um processo idêntico ao
da fisiologia”. A atividade funcional harmônica, no ritmo da
co-existência social, ao lado dos distúrbios patológicos, comprometendo a vida do organismo. (Um Caso de Interdição,
vol. I, Aracaju, 1936).
147
***
MUTILAÇÕES CONSTITUCIONAIS
Mesmo que uma Constituição não se petrifique como um
monólito indiferente ao perpassar dos séculos, ela deve ser
como essas grandes árvores centenárias do nosso solo, cujas
raízes se embelem nas profundezas da terra, e cuja copa se
esgalha no espaço, dando frutos à vida e dando sombra contra
as intempéries. Era assim a Constituição de 1891, plantada
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pelas mãos de Rui Barbosa, como só ele sabia plantar os
carvalhos do futuro.
Que fizemos nós dessa árvore gasalhosa e fecunda, sob
cujo teto aprendemos a amar o Direito, a Justiça, a Liberdade?
Fomos-lhe à fronte imensa e deceparmo-la; fomos-lhe ao
cerne rijo e cortamo-lo; fomos-lhe às raízes e extirpamo-las.
Mas, havia mister que o fizéssemos, com tamanho desamor às
nossas mais caras e nobres tradições? Não e nunca!
Somos um povo de esquecidos. Havíamos aprendido
a história constitucional dos Estados Unidos somente pela
metade. Aquelas sábias instituições, transplantadas para o
nosso meio, aqui vicejaram, prosperaram. Mas não havíamos
aprendido toda a sua história...
O povo americano nunca ousou, e jamais ousará, destruir
a sua grande árvore da liberdade. O que ele fez, o que ele faz,
é conservá-la, melhorando-a, adaptando-a, e ajustando-a às
transformações sociais.
Para isso segue, apenas, a regra ordinária do bom senso:
poda, enxerta, emenda!
E sobre o velho tronco, anoso e secular; e com a seiva
das raízes profundas das tradições; de pé sempre a mesma
árvore constitucional, ei-la de novo vicejante e frondosa, com a
floração moderna das conquistas mais recentes, embelezando
o panorama das liberdades, ampliando os frutos do direito,
tornando mais humana a vida humana! (Discurso pronunciado
na Câmara Federal em setembro de 1952).
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***
INTERPRETAÇÃO DA LEI
Se a lei é clara — interpretatio cessat in claris — (hoje
com limitações bem aceitáveis) cabe simplesmente aplicá-la,
como “uma inteligência sem paixão” conforme a expressão
de Aristóteles.
Se o não é, supra-lhe o juiz a obscuridade, ou a omissão, e faça da hermenêutica uma faixa de luz que penetre o
mais íntimo do fenômeno jurídico. Ubi cadem est legio ratio
eadem debet esse legis dispositio, para os casos análogos, de
semelhante a semelhante, justapondo espécie a espécie, no
cadinho rigoroso da lógica judiciária. E ainda para inumeráveis outras hipóteses que escapem do círculo legal, o largo e
imenso espraiado dos princípios gerais, “fontes mediatas do
direito”, segundo Chironi, e que no “formulá-los e concebê-los sobrelevam a inteligência e a cultura do Juiz”. Como bem
notara Landucci.
Para tanto, porém, não basta o alfarrabista de arquivos
empoeirados, como o seu saco de alfarrábios exalando bafio.
Não é com esses colecionadores de múmias que o Direito
se renova e utiliza, solvendo os conflitos sociais presentes.
(“Casos Omissos”, Jornal de Sergipe de 15-9-32).
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***
PREVISÕES DA LEI
A lei, por mais ampla que distenha a sua esfera de ação,
não tem o poder de reunir a infinita complexidade das relações sociais.
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Traça-se uma norma jurídica sobre a tendência vencedora no momento, e ainda assim os mesmos fatos por ela
virtualmente abrangidos, num incessante variar de combinações, fogem à sua disciplina coercitiva ao seu domínio
de força social obrigatória. Daí o que se diz comumente em
técnica judiciária: a lei não pode ser casuística. Do contrário,
o engano a que estaria volvido o legislador, supondo encarnar
essa “personalidade imaginária mítica e permanente” de que
fala Salelles como sombra vigilante ao lado do juiz.
Jean Cruet pode dizer-se que condenou numa frase límpida tudo o que sobre o assunto escreveram doutrinadores:
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“A ilusão do legislador é crer todo o direito; esta ilusão
produz a ilusão do juiz que quer tirar todo o direito da lei”
Certo é, de conseguinte, que a quem põe mãos no feitio
das leis não deve ser estranho que tem o campo relativamente
limitado, sabendo de antemão que a norma jurídica oscila
incessantemente, varia muitas vezes o seu alcance primitivo,
sobre ela refletindo-se as mutações das coisas. E por isso
não há de pretender que fique imutável o preceito legislado,
quando a sociedade para a qual se formulou oferece novas
cambiantes”. (“Previsão da Lei”, Jornal de Sergipe de 12-9-32).
***
O ESTILO NA ELABORAÇÃO DA LEI
Verdade é que os predicados essenciais na elaboração
das leis são, por excelência, a clareza, a concisão, a simplicidade. Como que nenhuma lei sem essas virtudes de estilo
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atinge a eficiência da sua obrigatoriedade, tornando-se norma
social coercitiva. Acordes neste ponto se acham Montesquieu
(Esprit des lois); Benthan (Vue general d’un cours complet de
legislation); Rossi (Elements de droit pénal); Rousset (Science
nouvelle des lois) e tantos outros que hão versado o assunto,
convergentes na afirmação de que nas construções legislativas o estilo se há de formar imprescindivelmente daqueles
elementos substanciais.
Em sendo, porém, a concisão uma qualidade, defeito
inconteste é o seu exagero. Bem o diz Clóvis Beviláqua:
“Mas a grande concisão pode trazer a obscuridade
mutilando a ideia ou exprimindo-a falsamente. - J’évite
d’étrelong et je deviens obscur! pondera Boileau.” (Projeto
do Código Civil).
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Notadamente quando o instituto é novo, novos os princípios que formam, novas as aspirações sociais que o determinam, é erro condensar em uma fórmula por demais breve
e sintética a amplitude da doutrina vencedora.
Daí as inevitáveis incursões da doutrina no campo
propriamente da legislação, por atender a esclarecimentos
indispensáveis para a legítima e curial aplicação das leis.
Assim foi e assim é, sempre e sempre, no erigir em código os
princípios jurídicos dominantes, do gravar em constituições
as conquistas políticas vigentes.
A modo do que em outros povos ocorrera, quando foi da
feitura de suas codificações, a mesma necessidade imperou
entre nós, tornando-se bem visível e diversas indeclinável
por ocasião de ser discutido e votado o Código Civil. E entre
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quantos outros salientaram documentalmente esta verdade,
está o seu próprio autor, dizendo:
“Por isso, quando o legislador moderno sente necessidade de assentar certas nações doutorarias exigidas
pelo instituto, por sua novidade e circunstâncias do
momento em regra, substitue as definições formuladas,
segundo os preceitos da lógica, por indicações breves,
mas suficientemente lucidas, sobre as quais a doutrina
levantará as suas definições exatas e as suas explanações
eruditas” (ab. cit.).
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E tal deve ser, por evitar que do contexto legal omisso,
ou demasiado breve, surjam as interpretações, que, não raro,
destroem o sentido exato do preceito legislativo, máxime nos
institutos novos. Daí a sábia advertência de Rui Barbosa:
“Entre um frasear sujeito a hermenêutica e o outro de
sentido materialmente variável não há vacilar” (Réplica).
(Legislação do Trabalho, p. 294/5, Rio de Janeiro, 1926)
***
O FETICHISMO DA FORMA
Temos nós outros que fomos juízes, ou somos advogados,
o fetichismo da forma, essa divindade que nos tribunais nos
agasalha contra o arbítrio dos maus julgadores, ou as astúcias
da chicana destemerosa.
Daí a sua indeclinabilidade, devendo estar preestabelecida na lei para que os juízes possam agir, os advogados
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pleitear, o direito afirmar-se. Por ela, sim, é que se manifestam
as relações de direito perante a justiça social, nela em que,
consoante a lição do grande João Monteiro, “tem o homem o
mais contínuo e seguro defensor de suas liberdades.” (Legislação do Trabalho, p. 44/5, Rio de Janeiro, 1926).
***
AS LEIS E A SUA REDAÇÃO
O ensinamento de Laurent é que “la précision des idées
et la netteté du langage, voilá tout le droit”.
O Sr. Afrânio Peixoto: Não me referi a impurezas de
redação, mas ao caso de clareza de expressão.
O Sr. Carvalho Neto: A clareza de expressão ou obscuridade da redação. . . Mas, Senhor Presidente, nem todos logram
ser precisos nas ideias e claros na linguagem. Verdade é que
se admira e ouve com atenção um pensamento bem formulado, a nitidez de uma expressão adamantina, mesmo que não
semelhe à palavra de Rui Barbosa, ímpar no idioma pátrio.
Frases obscuras e toscas, sem clareza e polimento, não
podem veicular ideias tersas e apreciáveis.
Xavier Marques escreve que “uma frase obscura e confusa é o eco de um pensamento sem nitidez é o sinal de um
conceito vago, mal definido no espírito”.
E João Ribeiro aconselha que “... é probidade de quem
escreve polir, castigar e por em ordem os seus escritos. .”
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Em se tratando do preparo das leis, do amanho das
codificações, é mister que as palavras sejam pesadas, medidas as sentenças, de modo que se condensem proposições
práticas,capazes de lidima compreensão e execução fácil.
Entre nós o oráculo no falar e no escrever, Rui Barbosa,
discorrendo com aquele saber incomparável sobre o feitio
das leis, construiu um monumento de lógica e vernaculidade,
no traçar as normas para os atos legislativos, dizendo que
“sendo a língua o vículo das idéias, quando não for bebida na
veia mais límpida, mais cristalina, mais estreme, não verterá
estreme, cristalino, límpido o pensamento de quem a utiliza.”
E um dos maiores juristas de todos os tempos, senão
o maior R. Von Ihering, não se descuidou de lavrar um volume inteiro, para explicar quanto “de terminologia rigorosa,
nitidamente acentuada, ricamente desenvolvida, depende a
precisão, a segurança, a vivacidade do pensamento jurídico.”
(Legislação do Trabalho, p. 40/1, Rio de Janeiro, 1926).
***
A IMITAÇÃO NA LEGISLAÇÃO
Isto posto, a nossa tendência irresistível é para a imitação, lei universal nas sociedades humanas.
Onde modelos houver que se casem às condições do
nosso meio, havemos de buscá-los, segundo refere Clovis Beviláqua, por alotrionomia, “... essa propriedade de assimilação
de leis estranhas, essa necessidade que têm certos povos de
completar seu cabedal jurídico, tomando por empréstimo o
que outros evocaram do caos das aspirações para a claridade
da existência real, da forma adequada, da atuação eficaz.”
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A história do Direito é esta em toda a parte.
Roma deu leis ao mundo, e hoje ainda nos alicerces de
todos os monumentos jurídicos contemporâneos é o cimento
indestrutível do direito romano que os fundamenta e equilibra.
Nem sei de povo moderno, Senhor Presidente, onde as
criações jurídicas no circulo das relações privadas, as tenham
baseado mais largamente na sedimentação do direito romano do que o nosso, a custo evolvido para as Ordenações, leis
extravagantes, até a formação do Código Civil. (Legislação do
Trabalho, p. 187/8, Rio de Janeiro, 1926).
***
LEGISLADORES IMPROVISADOS
Que longe se estava, então, dessa cáfila de legisladores
improvisados, que se metem a fazer da Constituição um ventre
de Gargantua onde socam, a granel, as iguarias mais diversas
dos paladares estragados! Desses licurgos de francaria, quese
põem a remendar Rui Barbosa naquilo em que somente ele
pontificava com estudo e paciência — segredos do gênio! Desses legisferantes de mesa de cafés e beiras de calçadas e não
da meditação e silêncio das bibliotecas! Desses improvisados
doutores da lei, esquecidos do que, a seu respeito, Batista
Pereira acertou de chamar “a mascarilha do despreparo”, “a
razora achanando os níveis da cultura”, “a apologia do solecismo e do barbarismo” em que são titulados! (Gumercindo
Bessa, Aracaju, 1949).
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ARRASOADOS FORENSES
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São folhas fanadas as que, scurrente calamo, se escrevem
para a justiça no lidar dos processos.
Destinadas a uma publicidade limitadíssima, pouco além
dos passos perdidos na sala dos pretórios, correm céleres
como rios secos nas monções das enchentes.
Entumecem rapidamente e logo se escoam, águas a
jusante... Não param, não refluem, não ficam.
Solucionados os pleitos, sai-se com a vitória a lembrança
dos trabalhos que a conquistaram.
O serviço do advogado apaga-se com a decisão, que traça
a norma vencedora para a jurisprudência. (Casos Criminais,
p. 7, Aracaju, 1937).
***
HARMONIA DOS PODERES
Não se tolera o Poder Judiciários portas a dentro do
Legislativo para lhe ditar: não proponha, não discuta, não
emende, não rejeite o projeto, a proposição!
Não se tolera o Poder Judiciário portas a dentro do
Executivo, para lhe ditar: não sancione, não promulgue, não
vete, não publique!
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Carvalho Neto
***
MAGISTRATURA CRIMINAL ESPECIALIZADA
Nestas condições a especialização da Magistratura
Criminal se impõe como um fato de evidência incontestável.
E se nos Estados ela ficou na dependência das Organizações
Judiciárias respectivas, ou de leis especiais decorrentes do art.
124 da Constituição, no Distrito Federal a competência para
a sua organização é O Congresso Nacional, ex-vi do art. 25 do
mesmo diploma constitucional.
Chega até a se não compreender, Senhores Deputados,
como na Capital da República, pela densidade de sua população, pelo alastramento do crime em várias modalidades,
indo da criminalidade atávica, bárbara, de sangue, de rude
perversidade — até a criminalidade evolutiva — cheia de
artifícios e simulações, calçando luvas e vivendo no meio
aristocrático — chega a se não compreender, repito, ainda se
não haja constituído essa magistratura especializada, tecnicamente armada de elementos científicos para a prevenção e
repressão dos crimes e dos criminosos. (Bases Constitucionais
do Regime Penitenciário, Rio de Janeiro, 1951).
157
***
MAGISTRATURA CRIMINAL ESPECIALIZADA
Além disto, não ha magistratura especializada no crime.
O magistrado de hoje, a despeito de tantos setores diferentes, que reclamam conhecimentos especiais, continua
sendo uma gaveta de sapateiro. Há de ter pouco de tudo para
os variados solados da Justiça.
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VULTOS DA MAÇONARIA
Que sabe ele de psicologia, se não se afeiçoou ao estudo
profundo da inteligência, dos sentimentos, da vontade, dos
fenômenos mentais?
E da endocrinologia reveladora de tantas manifestações internas, das secreções e hormônios, marcantes da personalidade?
E da psicanálise, para exploração do subconsciente, do
inconsciente, com que se há de jogar necessariamente na determinação dos atos da individualidade desajustada.
Poderá o juiz, à margem ou ao arrepio destes conhecimentos, fazer a individualização judiciária da pena, de tal
sorte que atenda a sua finalidade ético-social? (Vidas Perdidas,
Bahia, 1948).
158
***
UNIFICAÇÃO DA MAGISTRATURA BRASILEIRA
“O Sr. Carvalho Neto: Pugnar, pugnar sempre pela unidade da Pátria, estreitando os laços da nacionalidade, unindo
os seus símbolos numa só bandeira, num mesmo poema a
vibração dos seus hinos, na mesma história o seu passado,
esperanças iguais num futuro comum!
O Sr. Joaquim Osório: V. Ex também quer rasgar todas
as bandeiras estaduais? Só será possível aquelas criadas por
decretos.
O Sr. Carvalho Neto: Eu não quero rasgar bandeiras, mas
desejo que nos corações brasileiros, acima de tudo, tremule
uma só bandeira, um só estandarte, ecoe um mesmo hino,vibre
um mesmo sentimento, palpite a mesma crença, por que em
qualquer parte do Brasil em que me encontre, eu não quero
ser distinguido senão como brasileiro. (Muitos apoiados).
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Carvalho Neto
Uma só Nação, e para isso, um só direito, um só processo, uma só Magistratura. Una lex et semper et ubique unun
jus,como disse João Monteiro.
Porque, ao revés disto, sr. presidente, se emudecermos
nestas campanhas, se este ideal não perseguirmos, ai! da
Justiça Brasileira, ai! do Direito Pátrio !...
Vê-los-emos diluídos, pouco a pouco, pela ação erodente
das leis estaduais, e todo este sólido patrimônio de tradiçõescomuns, todo este bloco resistente do Direito Nacional,
argamassado de nossas lutas pela liberdade, se esse ideal
não perseguirmos, ai! da Justiça Brasileira, o nosso povo irá
sofrendo, lento e lento, uma degradação continua. . .
O lema é pois, “unir para salvar!”
No discurso de 7 de novembro de 1922, como se viu, era
esta a afirmativa: “Podemos confiantemente aguardá-la, pois
que madruga, perto de realização, na consciência esclarecida
dos mais responsáveis pelo poder publico, no governo que
se vai iniciar”.
Acertei em parte: aí está a ordem do dia o problema da
revisão, aberto ao debate no ano passado.
Engano, porém, fora o de acreditar que desta vez lograsse
solução conveniente e unificação das leis processuais. A questão perdurará indesatada, com os graves erros decorrentes.
Quando tudo no Brasil nos vai indicando a necessidade
inalienável de unificação, como medida de defesa e segurança da nacionalidade, não era de supor se procrastinasse,
em momento tão propicio, uma providência, tantas vezes
denegadaquantas requeridas com maiores e dobradas razões.
Por um momento, apenas, bruxoleou a esperança dessa
conquista nos horizontes da alta política nacional.
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Mas ao primeiro choque de interesses regionais, malferidos na demasia de prerrogativas autonômicas, esmaeceu de
vez a pálida estrela...
E ao status quo desenganadamente se volveu, adiando-se uma solução que requeria urgência, pois urgem sempre
os reclamos do patriotismo. (Discurso na Câmara Federal
em1922, Diário de Sergipe de 15-2-46).
***
UNIDADE DA MAGISTRATURA
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Tenho assim, por mantidas as assertivas doutrinarias
que venho sustentando com passo firme. E com o recente de
abalizados mestres.
Pereira Braga, que me confere a distinção de incluir-me
entre as citações de seu eruditíssimo trabalho — Exegese do
Código de Processo Civil — diz muito bem:
“Leis federais feitas por um congresso federal, sancionadas e promulgadas pelo executivo federal, devem ser interpretada se aplicadas pelo poder judiciário federal. Dar
esta atribuição a um poder local é anomalia; e corrigir
uma incongruência não é deturpar nem deformar nada,
e sim aperfeiçoar e integrar o sistema” (pag. 56, vol, I).
Não é tal integração o arremedo tentado pela Carta
de1937. Não houve unificação, nem se pode dizer que houvesse nacionalização pelo alvitre sugerido pela Comissão de
Reorganização da Justiça Nacional, cometendo aos juízes locais
as atribuições da Justiça local e da federal.
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Carvalho Neto
A situação continua agravada pelo desacerto de entregarse aos governos estaduais a sorte da Magistratura, a quem se
deu competência para os altos interesses nacionais.
Dois depoimentos recentes, e de fontes insuspeitíssimas,
vêm consagrar os mesmos princípios por que me venho batendo. Neles fala, além da própria autoridade de seus autores, a
constante experiência dos tribunais em que lidaram. E ambos
com a vista a um possível aproveitamento da Constituição a
ser elaborada.
O primeiro é de Seabra Fagundes, Desembargador do
Tribunal de Apelação do Rio Grande do Norte, em Conferência
que realizou no Instituto dos Advogados (DF), a 26 de maio
de 1945.
Dos novos jurisconsultos brasileiros, pela solidez de
preparo, pela atualidade dos conceitos, nesta nova fase de
reestruturação jurídica mundial, pela clareza de exposição,
pela força da lógica, nenhum leva a palma a Seabra Fagundes. Já é um nome indiscutido nas altas esferas culturais
do país.
Eis o que diz:
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“A vigente estruturação constitucional do Poder Judiciário se nos afigura de todo inaceitável. Nem se unificou
a magistratura, emprestando- lhe cunho nacional, nem
se manteve a qualidade existente até 1937, com os seus
defeitos e as suas vantagens”. (Revista do Serviço Público,
Ano XII, Vol. III, Nº 3).
Examina o assunto com sua costumada proficiência, estribado nos mesmos argumentos em que me hei fundado, há
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tantos anos. Não me fora dado conseguir melhor abono para
as ideias que condensei em minha proposição.
E conclui, no mais lógico e irretorquível de seus alvitres:
“A unificação do Poder Judiciário, em todo o pais, reguladas as investiduras e promoções pelo Supremo Tribunal
ou pelos tribunais dos Estados, constitui a solução preferível para o problema, prestigiando a justiça e melhorando as condições dos seus serventuários”. (Ibidem).
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O segundo depoimento é de Gabriel Rezende Passos,
também em Conferência realizada no Instituto da Ordem dos
Advogados Brasileiros (DF), em junho do ano passado.
Com assento no Supremo Tribunal Federal, lidando cada
dia com os mais relevantes interesses nacionais com solução
no Judiciário, pode observar os erros decorrentes da atual organização judiciária do pais, na sua canhesta dualidade. Autor
de eruditos pareceres, versando com proficiência os temas de
maior relevância jurídica, nessa superior instância,acreditou-se como sabedor profundo e expositor convincente.
Nessa conferência talha os mesmos argumentos apresentados, reforça-os com a sua experiência e conclui com
aqueles princípios que, há mais de trinta anos, escudam a
minha porfiada batalha doutrinária. Eis o que diz:
“A justiça segundo nos parece, pois, deve ser uma instituição nacional, custeada unicamente pela União e
por ela organizada, segundo as necessidades da vida
forense dopais, com certa plasticidade, de maneira que os
trabalhos sejam distribuídos equitativamente e tenham
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marcha rápida. A unidade da justiça seria sobre isso mais
um laço a identificar e prender os diferentes Estados Federais, e retiraria os juízes das influências locais sempre
mais atuantes sobre eles do que os Poderes Federais”.
(Revista do Serviço Público, Ano XII, Vol. III, Nº 2).
Para concluir decisivamente:
“Justiça Nacional, já que contamos com um só Direito
material e formal, organização como corpo único, a
expensas da União Federal.” (Ibidem).
Ora, foi este o voto que formulei no ultimo Congresso
Jurídico. Uma velha aspiração, que se vai tornando vitoriosa
na consciência esclarecida da Nação.
Disse que era batalha ganha, eis que para ela conquistados os espíritos que planam à altura da compreensão dos
interesses de unidade política e jurídica do Brasil.
Oxalá assim a entendam os congressistas da atual Constituição. (Diário de Sergipe de 22-12-46).
163
***
DIREITO PENITENCIARIO
Sim, Deputados, é preciso que se institua nas Faculdades
de Direito nacionais um curso autônomo de Direito Penitenciário, de tal sorte que daí parta, disciplinada, metodizada, a
melhor compreensão da finalidade e aplicação dos diplomas
penais vigentes, nesse tanto de execução das penas. Não se
trata - devo advertir - de ideia nova, de improvisação. Trata-se,
sem-cerimoniosamente, de imitação.
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Mas, imitação que é cultura, que é ciência, que é patrimônio comum, de todos os povos civilizados.
Não levemos a mal Alberto Torres quando escreve: “Nunca chegamos a possuir cultura própria, nem mesmo cultura
geral” (O Problema Nacional Brasileiro , p. XVI).
É uma advertência salutar para que a possamos
conseguir imitando. Daí a razão que assistia ao espírito
profundo de Artur Orlando para dizer: “Conhecidas as leis
da imitação, podemos nos dizer na posse do fio condutor do
desenvolvimento social.” (Propedêutica Jurídica, p. 40).
E um dos maiores constitucionalistas brasileiros, em
cujo ensinamento tanto foram dessedentar-se as gerações
que o sucederam — João Barbalho —colocou a questão nos
seus verdadeiros termos.
“Imitar os bons modelos é ato de sensatez e prudência, é
procedimento avisado e proveitoso” (Comentários, p. 6).
Ora, já são conhecidos, nesse ramo, “Instituto de Ciências
Penais da Universidade de Paris”; a “Escola de Aperfeiçoamento em Direito Penal” da Universidade de Roma; a “Escola
de Criminologia de Madrid”, ampliada depois no “Instituto de
Estudos Penais”; O “Instituto de Criminologia da Polônia”, e
mais perto de nos, O “Instituto de Altos Estudos Penais e Criminologia” de Buenos Aires, em todos os quais se professam
os altos estudos dessa especialidade. (Bases Constitucionais
do Regime Penitenciário, Rio de Janeiro, 1951).
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LEGÍTIMA DEFESA
Não se compreenderia uma sociedade civilizada, em que
esse direito não assistisse a qualquer cidadão.
Agindo em defesa própria, é em nome da sociedade que
age.
Defendendo-se a si mesmo, é a sociedade que ele defende.
Do contrário o Direito estaria sempre a pique de sossobrar, pois a todo instante corre o individuo o risco de ser
injustamente agredido.
Como já foi notado! De um lado o bandido, o agressor,
o perigoso, o antissocial; do outro lado, o homem honesto, o
probo, o ajustado à coexistência social. (Legítima Defesa em
ação contra o Banditismo, Aracaju, 1942).
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***
PREGUIÇOSOS TOGADOS
Não temos uma Magistratura aparelhada para tirar
das hodiernas conquistas da ciência criminológica os frutos
apreciáveis, que ela proporciona.
Não falamos, é certo, dos meios cultos e adiantados,
comum escol de juízes do melhor quilate moral e intelectual.
Nem mesmo das exceções, que, de vez em vez, se impõem à
admiração geral, rompendo a clausura das cidades pequenas
e esquecidas do nosso vasto interland.
Referimo-nos, sem constrangimento, ao grande numero
desses preguiçosos togados, que vivem grudados aos repertó-
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rios de jurisprudência anacrônica e não estudam a doutrina,e
não interpelam o Direito à luz do seu evolver incessante e
não tem da vida mais do que uma grosseira e empírica idéia
materialista.
A eles esta confia da a nova tarefa de julgar os seus
semelhantes, sem a mínima compreensão do que seja esse
julgamento em face das leis vigentes.
Aferrados a velhos moldes, embotados pela influência de
conceitos apriorísticos, sem nenhum esforço para se porém
em contato com a vanguarda de ideias, expressas nos estatutos
contemporâneos, são retardatários que julgam para trás, ao
arrepio das verdades proclamadas, hoje pela ciência. De uns
a indolência muçulmânica de vitalícios enfarados, desempenhando a função como quem carrega um peso esmagador. De
outros, a pressa e a parlapatice, engrolando considerandos
como Iinguiça e contaminando o ambiente com erutações de
sabença de bobagens. Triste da sorte de quem experimenta
o julgamento de uns ou de outros!
Ainda não há muito, tivemos um caso na alçada de um
desses jograis da toga.
Nenhum trabalho para o julgamento. Nenhum estudo.
Nenhuma razão. Nenhuma lógica.
Bastou abrir um fichário bolorento com um acervo e
emendas desparatadas. E o paciente foi crucificado com todos
os sacramentos da jurisprudência (Legíma Defesa em ação
contra o Banditismo, Aracaju, 1942).
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O MAL JURISPRUDENCIAL
Ora, as leis vigentes não podem estar à mercê desse mal
Jurisprudência, que era uma espécie de caquexia de toga.
O tempo e o espaço modificam, cada instante, as hipóteses que vão aos tribunais. E um magistrado que adormeceu
sobre a coleção de julgados, sem os joeirar com a peneira da
doutrina contemporânea, é um animal pré-diluviano objeto de
museu, sim, porque juiz é que não pode ser. (Legítima Defesa
em ação contra o Banditismo, Aracaju, 1942).
***
JÚRI
Depois, os debates culminam naquele pungente rebaixamento moral das sessões públicas, como exibição de circo.
A competição dualística do promotor e do advogado, fazendo
do réu uma pelota doida.
Não há homem capaz de tolerar sem emoção, cara a cara,
uma acusação publica, resolvendo-lhe nos íntimos refolhos,
não tanto para lobrigar a verdade, mas, muitas vezes, para a
deformar, a torcer, a infamar...(Villas Perdidas, Bahia,1948).
167
***
O PROBLEMA DA APLICAÇÃO DA PENA
É que, em verdade, o problema da aplicação da pena,
no Brasil, em que pese a destacadas experiências úteis e
proveitosas em alguns Estados, continuará sem solução
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científica enquanto se não lhe der, na prática, uniformizarão
técnica adequada.
Não se compadece com o espírito de unidade jurídica
nacional, que, hoje, rege o Direito Penal e o Direito Processual
Penal, teoricamente unos nos seus Códigos, a disparidade de
sua execução nos Estados.
A mesma pena, substancialmente uniforme para todo o
território nacional, aparelhada na lei e na doutrina por um processo uniforme, a sofrer, quando executada pela administração
penitenciaria, a contingência de vários moldes estaduais, que
diversificam nos seus múltiplos estabelecimentos presidiários.
Pode bem dizer-se, sem fugir ai meridianidade dos fatos
mais evidentes, que cada Estado tem a sua medida especial de
execução administrativa, de conformidade com as condições
técnicas de suas prisões, as possibilidades de seus recursos
financeiros, a melhor compreensão de seus programas de
governo e até a cultura e vocação dos diretores de seus estabelecimentos carcerários.
É, destarte, um panorama de caos, com o absurdo
flagrante de se dar a um Código Penal único, sujeito ao molde
uniforme de um só processo, várias e diversas aplicações de
Estado para Estado.
A lei substantiva, como não poderia deixar de ser, é de
um só padrão. A lei adjetiva, como forçosamente havia de
acontecer, também de estalão comum. Dado, porém, que é a
prática que revela a execução, está a variar por tantas formas
quantas as condições de técnica, as possibilidades financeiras,
a aparelhagem dispor de cada cárcere, segundo regulamentos
também díspares em cada unidade federativa. (Direito Penitenciário, Aracaju, 1949).
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PADRONIZACÃO DOS ESTABELECIMENTOS PENITENCIÁRIOS
E, em se tratando de estabelecimentos penitenciários,
que requerem padronização, para que a pena se execute no
paÍs de modo uniforme, segundo as regras técnicas de um só
sistema acorde com a lei e a ciência, porque se eriçam os zelos
autonomistas, impedindo o que a União realiza contra a lepra,
contra a tuberculose, contra a sífilis, contra o analfabetismo?
Por que se constroem escolas, ginásios, colégios, hospitais, maternidades, serviços de cooperação, sem que, para
tanto, se invoque a quebra de princípios constitucionais, e
não se constroem penitenciárias, reformatórios, manicômios,
institutos de biotipologia, colônias penais, defendendo a sociedade contra a diátese do crime, imunizando-a da reincidência?
Evidentemente não vejo razão para esse mal-entendido
na eiva antiga que nasceu com a República, no pressuposto —
errôneo de que o federalismo antemurava os Estados contra
a União da prática desses serviços.
Mas, se a Constituição Federal já se curou dessa eiva,
tornando expressa nos seus dispositivos a competência
para a política executiva da pena na orbita da União, porque
persistir no erro fatal, que desmantela a obra de unificação
pretendida pelo Código Penal e pelo Código Processual
Penal e reduzo sistema penitenciário a uma colcha de retalhos, a jeito do gosto, da incompreensão, das veleidades
autonomistas, ou da precariedade de meios materiais e
técnicos dos Estados?
Por que, em sendo uma só a pena, decorrente de um só
diploma penal, de aplicação obrigatória em todo o território
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nacional, é múltipla e vária a sua execução nos Estados, consoante o aparelhamento de cada qual?
Conheço algumas penitenciárias e cadeias no país — Carandiru, Neves, Itamaracá ̶ e muitos desses velhos castelos
medievais onde se arrumam os condenados como fardos num
trapiche.
Conheço, igualmente, os estabelecimentos penitenciários
do Distrito Federal e suas ultimas aquisições modelares. Sei de
muito da habilidade, de delicadeza, de paciência, da Inspetoria
Penitenciária, para conseguir algumas reformas, adaptações
e novas construções e instalações.
Pois bem. Ou se padronizam por esses modelos —
aproveitando de São Paulo, de Minas, de Pernambuco, do
Distrito Federal — os estabelecimentos dos Estados, ou esse
preconizado sistema progressivo dos diplomas penais do pais
continuará sendo uma mentira para engodar os inexpertos.
(Direito Penitenciário, Aracaju, 1949).
***
EXECUÇÃO DA PENA
Releva considerar, antes do mais, que é a execução da
pena o ponto crucial do Direito Penal.
Pode a lei definir crimes e marcar, através de um mínimo e de uma máxima, a pena adequada a cada criminoso.
Individualização legal.
Pode o juiz ajustar essa pena, tendo em vista a personalidade do delinquente, o seu bio-psíquico, a série de fatores
endógenos e exógenos, que lhe determinaram a ação antissocial. Individualização judiciária.
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Tudo ficara inútil, e às vezes contraproducente, se a
execução da pena não estiver aparelhada por uma máquina
administrativa capaz de conseguir os resultados pretendidos.
Individualização administrativa.
Daí a importância decisiva do sistema penitenciário
para o objeto simultâneo de regeneração e readaptação do
criminoso e de defesa da coletividade, levando em conta a
periculosidade, ou a possível cessação desse estado de reação
potencial as condições de coexistência social. (Patronato dos
Liberados e Egressos Definitivos da Prisão, Aracaju, 1944).
***
PATRONATO DE LIBERADOS
Isto posto, cabe inquirir: até onde pode ir a União na
organização dos patronatos oficiais? Basta-lhe fixar as linhas
mestras de sua composição, como norma para os Estados,
ou deve tomar diretamente a sua conta a constituição desses órgãos, nomeando-lhe os membros, organizando-lhes
secretarias, provendo funcionários, consignando-lhe verbas,
dotações?
Logicamente, para um sistema penitenciário uno, de
aplicação por todo o país, deverá a União a responsável pela
criação dos patronatos, como ocorre com os serviços federais,
em geral.
Seria este o plano ideal, completando a unificação de
todos os departamentos penitenciários, com uma só e comum
orientação técnico-científica. (Patronato dos Liberados e
Egressos Definitivos da Prisão, Aracaju, 1944).
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É de dissolver reuniões, impedir ajuntamentos, comícios,
regular o trânsito, isolar doentes, localizar o meretrício, impor
vacinação, e tantas outras restrições da liberdade, sempre que
haja uma conveniência superior da coletividade a preservar,
a defender?
Porque, então, em se tratando da profilaxia do crime,
para prevenir a reincidência e tantos outros males oriundos
da miséria, da fome, do abandono ao liberado, não é dado ao
Estado intervir, exigindo a cooperação dos particulares com os
Patronatos? (Patronato dos Liberados e Egressos Definitivos
da Prisão, Aracaju, 1944).
***
FALHAS NOS CONSELHOS PENITENCIÁRIOS
Com relação aos Conselhos Penitenciários cabe o mesmo
reparo: não há paridade no modo de seu funcionamento. As
normas do Código Penal e do Código Processual Penal deviam
ser processadas uniformemente. Assim quanto aos trâmites
de seus regimentos na concessão do livramento condicional,
como no da cassação de medida.
Outro tanto nos informes sobre indultos e comutação
de penas.
A própria composição dos conselhos tem variado quanto ao
número, havendo os que admitem suplentes ao lado dos efetivos.
Seria de toda conveniência fixar-se um padrão de regimento, eis que se não pode admitir um Conselho Penitenciário
a funcionar mudando de Estado para Estado.
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No ano passado foi apresentado ao Congresso um projeto
de lei para o qual, na imprensa local, chamei a atenção dos
componentes, no sentido de se evitar um erro lamentável.
Transcrevo alguns trechos dos meus reparos:
“O assunto é daqueles que não podem ser discutidos sem
um lastro sólido de conhecimentos especializados.
Mais do que isto sem a colheita de fatos, em observação
demorada, no recolhimento das prisões.
E o projeto se me afigura distanciado, em muitos pontos,
dessa realidade.
A primeira das suas falhas — e das mais graves — é
tocante à constituição dos conselhos.
Se para esses órgãos selecionados, em geral, a psicotécnica é a base da escolha, de modo que se reúnam verdadeiras
competências, não vejo como ela possa influir menos na formação de comissões nítidas e rigorosamente especializadas.
E esta especialização não se fez de jato, mas num currículo
demorado de aprendizagem. É a prática que lhe dá o teor dos
conhecimentos indispensáveis.
Tudo aconselha, pois, que o membro do Conselho Penitenciário tenha um longo e demorado tirocínio, a que deve
consagrar estudo e vocação.
Nestas condições, é manifesto que o revezamento deve
ser contra-indiciado. Substituí-lo quando apenas começa a
conhecer a técnica das suas funções ̶ pelo estudo e pela
prática — é negar a objetividade da missão delicada a que foi
chamado. (Direito Penitenciário, Aracaju, 1949).
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DESCANSO NO DIA D0 SENHOR
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Porque, pois, somente na impugnação das leis operarias,
vem arguido o descanso no dia de domingo?
Em se demorando as vistas por toda a legislação brasileira, há de se ver que esse dia se acha consagrado, nemine
discrepanti, no nosso Direito, desde os tempos mais afastados.
O Brasil, nação cristã, seguiu a tradição universal, recebendo das leis portuguesas, com a civilização do seu povo, o
respeito ao Dia do Senhor.
Para os atos públicos e oficiais, para a prática do foro,
para os misteres dos notórios, para diligências judiciais, em
tudo se tinha como excluído o grande dia.
E ainda hoje no cômputo das férias forenses, na celebração de atos que geram efeitos jurídicos, aí estão as leis,
guardando a tradição imemorial.
A que vinha, pois, impugnação no Código do Trabalho?
Por ser, em verdade, o Dia do Senhor?
Mas, “toutes les religions, et non pas seulement l’Eglise
catholique, ont recommandé de sanctifier les jour du repospar
l’assistence aux exercices religieux...” (J. H. Lefort, De Repos Hebdomadaire ou Point de vue de la Morale, p. 64), e onde quer
que se encontre uma grande nação, com sólidos princípios
morais, ai nunca se teve por vacilante o respeito a esse dia.
Os documentos sobejam em evidenciá-lo, já em obras
católicas, já em escritos profanos.
Dizia São Thomaz que o domingo é o ponto central
da santificação entre a semana precedente e a seguinte; é
a estação concedida à franqueza do homem para corrigir o
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passado e assegurar o futuro; é o porto onde ancora o navio
para reparar avarias e renovar provisões. (Le Courtier, Le
Dimanche,ob. cit.), p. 64).
Se estas palavras por serem de quem são, acaso não
valem para os chamados espíritos emancipados, parece-me
que de igual suspeição não padecem as de que usa Proudhon,
dizendo;
“C’est le dimanche que le caractére du prétre, darts cequ’il
a de conciliant et d’apostollique, brille de tout sonéclat.
La visite du curé est la joie d’une famille champêtre; que
de malades soulagés, de pauvres secourus, d’infortunes
adoucies, de haines éteintes, d’ennenmis réconciliés,
d’espoux réunis, par intermediaire du curé!...Or de prétre,
dans les campagnes surtout, ne dispose pasdes instants: il
fault qu’el saisise ou passage, et c’est le dimanche qu’il voit
ses devoirs se multiplier, ses ouvresporter leus plus beaux
fruits; c’est le dimanche qu’ildécouvre tout le biem qu’il
peut faire ‘(De la celebration du Dirnanche, considéreé
sous les rapports de l’hygienepublique, de la morale, des
relations de famile et de cité’ , ob. cit., p. 65).
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E quem conhece o Brasil do interior, nas vilas e povoados
centrais, nas cidades do sertão, com os seus hábitos de festa
aos domingos, a reunião das famílias, os ofícios religiosos, só,
em verdade, estranharia que se vibrasse um golpe naquilo que
constitui o mais radicado dos seus costumes.
E a história universal aí está para atestar que o legislador
brasileiro se não podia, ex-autoritate propria, descartar de tão
suave e formosa tradição.
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Dos hebreus se sabe que eram obrigados a guardar
um dia da semana, preceito do legislador inspirado por
Deus. No Gênesis figura que o senhor abençoou o sábado
e o santificou,querendo que lhe fosse o culto consagrado,
em lembrança da criação. E o Decálago o confirma. Ainda
nos livros santos do povo de Moisés está escrito: “Memento
ut diem sabbati sanct ifices. Sex diebus operaberiset facies
omnia opera tua; septimo autem die sabbaturn Dornini Dei
tui est.”
E em muitas outras passagens e obras se repetem as
mesmas prescrições.
Do que ocorrera no Oriente, segundo as leis do Zoroastro; na China, anterior a Confucius, como livro sagrado;
como Korio, (Pastorel, Histoire de la legislation; Cibot, Essai
sur lesmemoires chinois, t. XIX, des Memoires sur la Chine,
1783; Pastore, Soroastre, Confucius, Mahomet) consoante
largamente vem citado em Lefort (ob. cit., p. 3) se observa o
repouso no sétimo dia, consagrado à divindade.
Na Grécia (ob. cit., p. 4), em Roma (ibidem), os dias de
festa voltados ao sacrifício dos deuses, aos jogos públicos,
a instituição das férias (feruie). (Explication des coutumes
etcérémoniés observeés chez les Romains, por Neuport, Paris,1770, ob. cit., p. 4).
De tal sorte que o cristianismo, “cette réligion neé du
culte judaique” (Lefort, oh. cit., p. 5) não podia abandonar a
ideia do repouso hebdomadário, que vinha das leis do Sinai.
De começo, dois dias eram santificados na semana: o
sábado, em honra à criação, conforme o Antigo Testamento,
e o domingo, consagrado ao culto de Deus redentor, segundo
a nossa lei.
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De como veio o domingo preterir o sábado, é bom que
se observe a explicação de Lefort:
“Lusage fit insensiblement modifier um tel état de chase
set remplaça la féte du semedi par cele du dimanche: les
Péres de l’Eglise confirmésent cette coutume, et sain Ignace
d’Antioche engageait même á travailler le samedi,parce
que, desai’til, celui que ne veut pas travailler ce jourla ne
doit par manger. Le concile de Ladiceé, en 365, la prirniére
assemblée ou l’on se soit occupé de cel sujet,déclara que
le dimanche serait l’un, que jour consacré á divinité, en
meme temps qu’il se borns à defendre le travail manuel
dans les limites du possible.”(Ibidem, p. 5).
Quando foi da ascensão dos príncipes cristãos, nada
mais restava do que abrigar em lei estas prescrições. Assim,
ao tempo de Constantino, a proibição do trabalho aos artesões — venerabili die solis (L. 3, C. J. De feries, lib. III, tit. XII).
Com Theodorico, para muitos casos, o domingo e os dias
de festa. (V. L. 7, C. J. De feries, lib. III, tit. XII), etc., etc.
Na idade média ainda mais se arraiga nas leis e costumes
essa tradição.
Braudillart exclama: “Quel bienfait ne fut pas l’institution
du dimanche ou moyenâge! (L’utilité de Repos Hebdomadaire,
XII, Lefort, ob. cit.).
E segundo Levasseur (Histoire des classes ouvriéres em
France jusqu’em 1789, tit. I), chamado a depor por este autor,ao
domingo era interditado o trabalho, geralmente, na cidade,ou
no campo, e nem mesmo as mulheres podiam tecer a tapeçaria
ou lavar roupa.
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Segundo o Concilio de Arles, em 538, nos dias de domingo e de festa, nenhum trabalho ou comércio, era permitido.
No Concilio de Orleans, no mesmo ano, estendeu-se a proibição a todos os habitantes, sem distinção de estado ou profissão.
E, reiteradamente, se for observando a prática em decretos e concílios posteriores, vindo Carlos Magno a confirmar
as prescrições romanas.
Ora, de antão a esta parte fora empreender tarefa infindável o apontar os marcos que atentam a vigência dessa
prática.Nos tempos modernos, nas leis canônicas ou nas leis
civis, nada se tem feito, senão reforçá-la (ibidem, p. 9 e s.).
(Legislação do Trabalho, p. 66/68).
***
O TRABALHO DAS GESTANTES
178
Lembram-se todos da visita de Clemenceau ao Brasil,
e de como apreciara, — ferindo por vezes a nossa vaidade
de brancos civilizados — instituições e letras e sociedade e
serviços brasileiros.
De referência especial as nossas fábricas não pode
calar o espanto de que se possuíra. E Rui Barbosa que lhe
sentira a verdade flageladora, lanhando ominosas práticas
da nossa indústria, foi o primeiro a fazer ecoar, pelo prestigio
de sua imensa palavra, aquela voz estranha e respeitável.
Disse, então “Clemenceau, entre outros fatos que muito o
contristaram,entre nos, diz ele, singulariza o de “ver mulheres
em adiantado estado de gravidez trabalhando horas inteiras
de pé.” “Não se há mister de ser médico’, acrescenta o grande
francês, ‘para sentir o sofrimento dessas operarias ”.
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Ora senhores, é preciso que cessem de vez, a bem do
nosso nome internacional, a bem mesmo da nossa dignidade
interna essas apreciações, que pelo mundo ecoam, delindo
de sentimentos nobres as nossas instituições, as nossas leis.
(Muito bem; muito bem).
Para que estas verdades — que por serem verdades
tanto nos sensibilizam — não continue a repercutir no estrangeiro, espelhando às nossas próprias vistas a imagem
do nosso lamentável atraso, tudo se deve envidar no sentido
de uma legislação operária compatível com o grau da nossa
civilização, com a responsabilidade dos nossos compromissos internacionais, como próprio decoro, enfim, dos nossos
sentimentos de humanidade. (Legislação do Trabalho, p. 147,
Rio de Janeiro, 1926).
179
***
DIREITO PENITENCIÁRIO
Se o ramo do Direito Criminal já é uma especialidade,
muito mais o é o Direito Penitenciário. Para este a soma de
conhecimentos especializados é capaz de preencher toda
a vida de um homem culto. A individualização da pena
compreende uma série de estudos por si só absorvente da
atividade mental mais ágil e mais pronta. Assim quanto aos
médicos, como quanto aos juristas. (Direito Penitenciário,
Aracaju,1949).
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***
DO MINISTÉRIO PÚBLICO
180
Como o advogado, na nobreza de sua atitude ante a verdade, tem o representante do Ministério Publico os limites de
sua ética na consciência da dignidade profissional.
Já ninguém admite aquele curioso tipo de parlapatão
maldizente, que José Verissimo estereotipou em O Crime do
Papuio, com a “eloqüência retórica e fofa dos adjetivos pavorosos, horríficos e sofrivelmente afrontosos...”
Nem o vulgar do rábula enfatuado, que vive nas páginas
das Cidades Mortas, de Monteiro Lobato, como uma triste
reminiscência da justiça cruel do coronelato de aldeia.
Nem aquela espécie de acusadores sistemáticos, que
a sátira de Humberto de Campos ferreteou com marcas de
fogo: “Essa classe de serventuários da justiça humana, que
acusam, ora mais, ora menos, mas acusam sempre, devia ser
tirada das penitenciárias, como se tiravam, outrora, os homens
do baraço”.
São os deformados profissionais, que um longo hábito na
acusação tornou insensíveis ante a realidade da vida.
Para estes o delírio persecutório tem explicação aceitável na projeção do sentimento de culpa, segundo Freud, e
que Porto Carrero (Psicologia Judiciária) tão bem definiu no
estudo do ambiente de nossos tribunais.
Votados à missão ingrata de acusar, é-lhes comum essa
deformação, essa extroversão do sentimento próprio na culpa
alheia.
Não é destes que vimos falar, exceções berrantes nos
dias de hoje.
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Mas dos espíritos superiores, de formação moral
equilibrada, que pairam em esferas mais altas da filosofia e
compreendem, por isso mesmo, a natureza humana, no seu
complicado tecido de imperfeições.
Para os a quem a missão de acusar está ligada intimamente ao direito de defesa social, bem longe dos ódios da
vingança privada, e que só o exercem até o justo limite em
que esse direito se acha assegurado.
Ora, admitindo um Ministério Público com esta formação, perguntamos: até onde é permitido que a acusação
sustente o seu libelo?
Controversa é a questão, como a que já verificamos de
referência ao ministério da advocacia.
De feito, parecerá estranho que o Promotor, tendo
promovido o processo, articulado a acusação, possa torcer
caminho nesse propósito.
Não temos dúvida, porém, em afirmar como exato o
ponto de vista de Roberto Lira; “De qualquer forma, diante da
prova da inocência ou da dúvida irremediável, ao Promotor
Público cumpre antecipar-se ao advogado no reconhecimento
dos direitos do réu.” (Teoria e Prática da Promotoria Pública).
Tal atitude só poderia trazer prestigio e respeitabilidade
ao Ministério Público.
Diante da verdade não torce para a mentira.
São de Galdino Siqueira, secundando conceitos de João
Mendes (Proc. Crim.) e Whitaker (júri); “Quando seu representante abandonando a verdade, apega-se, para vencer, aos
artifícios da palavra e aos vícios da argumentação, amesquinha
o mandato que lhe foi conferido, merecendo a reprovação
pública e severa punição.” (Proc. Crim.).
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Força é, conseguintemente, que, para não amesquinhar
o mandato público, de que está investido, siga o caminho da
verdade. E se este caminho o conduzir a convicção da inocência
do réu, que o proclame e se antecipe mesmo ao advogado no
requerê-la.
Roberto Lira discorre do assunto com a costumada
proficiência com que versa estes problemas de deontologia
forense. Rebata objeção, refuta julgamentos, responde a críticas. É firma que, pedidos de absolvição — pode e deve fazê-los
o promotor público.
Não há razões que consigam refutá-lo neste ponto: “O
empenho do Ministério Público é evitar o erro e a injustiça,
apurando quem seja o autor e não provando, quand meme,que
o autor foi denunciado, ou concentrando a culpa sobre um
homem, só porque a presunção apriorística o levou ao banco
dos réus. Seja qual for o crime, seja quem for o criminoso,
se culpado, irá para o cárcere; se inocente ou irresponsável,
tem direito a liberdade, se inimputável, ou irresponsável, em
estado de periculosidade imediata, merecerá o manicômio!”
(obr. cit.).
O que se não compreendia é que pudesse a sociedade,
convencida do erro, por intermédio de seu representante,
fazê-lo vitorioso levando os tribunais à prática de uma injustiça manifesta.
A todo o tempo é licito reparar um erro judiciário e quanto antes melhor. E se essa reparação tiver por instrumento o
próprio órgão de acusação, mais avultara em consideração e
apreço Justiça Pública. (Correio de Aracaju de 2-7-41).
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***
O PERITO DEVE SER UM ESPECIALISTA
Assim, o perito é o conhecedor da especialidade sobre
que vai exercer a sua missão. Só nessa hipótese, “com as luzes de sua ciência e as conclusões de sua razão, seu relatório
baseado numa competência, as mais das vezes especial, tem
um peso considerável na balança e influi necessariamente nas
determinações da justiça. (Dr. G. Ricoux, Débouche sexuelle et
responsabilité penale, p. 2).
Com o evolver crescente da ciência, o rigor das especializações, as técnicas individualizadas, maior é a dificuldade da
perícia, ou seja a necessidade indeclinável de afeiçoar a cada
especialidade os especialistas.
E os especialistas não se improvisam. Dos conhecimentos
gerais, que lhes formam a base da profissão, tem, necessariamente que ir aos conhecimentos da especialidade abraçada.
E um curso próprio, com laboratórios próprios e técnica própria. Nem mesmo assim se constituem, de logo,laureados na
profissão. O saber reclama ainda alguma coisa: a prática do
ofício, a diuturnidade na experimentação, no estudo aplicado.
(Um Caso de Interdição, vol. I Aracaju. 1936).
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***
O DEVER DA CONFISSÃO DE INCOMPETENCIA PELOS PERITOS
O professor Lande escreveu:
“A medicina legal deve ser uma ciência. Quando a perícia
não atinge o rigor científico, não há desonra para o perito
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em confessar sua incapacidade. Concluir, sem bases sérias, sem certeza formal, não seria para eles apenas uma
falta profissional, seria um crime contra a sociedade e
a justiça.” (Dr. P. L. Lande, Leçond’Ouverture — Cours de
médicine legale, in Journal de Medicine de Boudeaux).
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A confissão de incompetência técnica dos peritos constitui, pois, um dever profissional, evitando-se, assim, um
desserviço à sociedade e à justiça.
Não lhe sendo possível atingir o rigor científico, para firmarem em bases sólidas a certeza do fato, o que lhes cumpria
era a declaração, que reiteradamente fizeram da sua insciência
nos ramos especializados da psiquiatria.
O nosso eminente Viveiros de Castro que de tão acentuados traços de erudição opulentou a jurisprudência criminal
brasileira, mui acertadamente escrevera:
“Ninguém se rebaixa confiando as autoridades competentes a decisão das questões técnicas. Só os ignorantes
se atrevem a julgar de coisas que não entendem. Se
para construir-se uma estrada de ferro, recorre-se ao
engenheiro, como confiar a apreciação de um estado
mental a quem não tem conhecimento de psiquiatria?”
(Atentado ao Pudor, p. 363) (Um Caso de Interdição, vol.
I, Aracaju, 1936).
EDUCAÇÃO DOS ANORMAIS
Inscrito na legislação dos povos cultos, constitui, de
presente, frondoso ramo da pedagogia moderna, orien-
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tada pela ciência, visando um elevado escopo social e
econômico.
Restituir à sociedade, como elementos de economia e
trabalho, algumas parcelas abandonadas à inércia, senão ao
caminho da loucura ou do crime, eis a sua finalidade.
Na cátedra ou no livro, em conferências ou congressos,
na palavra dos sábios ou nas elaborações parlamentares, tem
sido essa matéria, sob feição várias, objetos de cuidadosas
indagações. De simples especulação doutrinária de inicio,
chegou,atualmente, a cristalização do direito positivo. Assim é
que se vai encontrá-la na lei escrita nas nações que se portam
à vanguarda da evolução em processos pedagógicos.
A Bélgica, a França, a Alemanha, a Inglaterra, a Noruega, a
Holanda, a Itália, a Suíça e sobretudo os Estados Unidos, são os
dianteiros dessa nova marcha ascendente da assistência a infância desprotegida, sendo que em alguns desses países,desde
muito tempo, se adota e aplica em benefício dos anormais uma
legislação completa e dos mais fecundos resultados.
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***
E O BRASIL?
Fora preferível, talvez, não escrever esta página, deixá-la
mudamente em branco, a não copiar as cores escuras que vêm
sombrear o quadro.
Custa a crer que um país que alcança uma posição de
saliência no mais elevado tribunal do mundo, subindo até lá
pelo prestigio da mentalidade incomparável de Rui Barbosa;
custa a crer que uma nação que vai pontificar pelo espírito,
chegando à augusta Assembleia das Nações pelos atributos da
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inteligência iluminada, esteja tão distante desta esfera superior, em que gravitam os povos civilizados, na proeminência
da sua educação.
Quem quer que haja convivido com os meios escolares;
estabelecido contato com o ambiente das classes elementares;
desempenhado uma qualquer missão junto à infância das
escolas, terá a nítida certeza do que venho a afirmar.
Em meio à matrícula numerosa um fenômeno assalteia,
prestes a observação do observador: a percentagem diminuta,
vezes ridícula, da frequência. Aí está um índice de frutuosas
indagações, que o Egrégio Sr. Rui Barbosa e outros tão detalhadamente estudaram sobre a feição geral mas que muito
vale ponderar sob o ponto de vista das escolas para anormais. Não me tenho, todavia, nesse trecho, deixando apenas
acentuado que é um elemento de real importância para se
aferir do grande número de anormais pedagógicos, indevida
e desaproveitadamente inscrito nas escolas comuns.
Observam-se, entre os escolares da mesma idade matriculados na mesma classe, guiados pelo mestre comum, orientados por método igual, disparidades evidentes. Uns avançam
a rápidos voos, desatando a inteligência em conquistas diárias
de aproveitamento; outros, de nível intelectual menos elevado,
ficam a meio caminho; ainda outros, não obstante forcejarem
em penosa aplicação, estacionam quase nos rudimentos, que
lhes petrificam o cérebro; enfim, um certo número não se abre
decididamente às aplicações do professor.
Indiferentes, às vezes; distraídos, quase sempre; não
raro impulsivos, desobedientes, malcriados — consoante
uma expressão que lhes disfarça, em muitos casos, os desvios
mentais, ou perversões do sentimento — esses nada lucram
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na escola, impermeáveis que são as bondosas sugestões do
professor, ou ao aprendizado conveniente, administrado aos
alunos normais.
Registra-se, pois, com desprazer, que na escola não
adiantam jamais da primeira série. O aproveitamento dos
outros colegas ainda mais o distancia, parecendo que retrogradaram.
E ao fim de alguns anos, não tendo na convivência escolar
passado do terreno estreito em que sempre marcharam, como
autômatos, regressam à sociedade, que os solicita para misteres
diferentes, sem que lhes haja proporcionado a escola os primeiros elementos para uma entrada triunfal, vitoriosa, ou pelo
menos confiante, ou mesmo medíocre, na famosa luta pela vida.
Ora, tais são as observações triviais, quotidianas, apanhadas em flagrante, por quem já tenha penetrado a existência
das escolas, ou ao seu ofício se haja dedicado, ou ainda haja
se lhe entregue afeiçoadamente.
Pois bem, será justo, humano, criterioso, racional, econômico, manter, em premeditação, entre as classes comuns
esses elementos de reconhecida inferioridade?
A que propósito sujeitar essas crianças a um regime
que lhes não aproveita, a um método que as não educa, a um
ambiente que lhes não convém?
As respostas estou certo, repontam, lógicas, peremptórias, em formal negativa.
Está-se a ver, de conseguinte, que só as escolas paralelas,
ou em classes especiais nas escolas comuns, lhes poderá ser
útil a educação. E, assim, como a pouco afirmei, nas escolas
ou classes para anormais reside um complemento lógico,
indispensável do problema da educação.
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E se cuidarmos deste, desejosos de resolvê-lo, de modo
a levantar o nível moral da sociedade brasileira, de assegurar
uma das condições vitais da nossa nacionalidade, não o conseguiremos, nunca, com o abandono da imensa legião desses
patriciozinhos, que sofrem a desdita de uma inteligência
definhada, muitas vezes espiando, na treva, os vícios e desbragamento de ancestrais culpados?
Depois, circunstâncias de vulto respondem, por outro
lado, a objeção que ora desfaço.
Ato de filantropia, mercê da generosidade patrícia, ou
reclamo imperativo da assistência pública, o fato é que, entre
nós, como apontei se registram institutos de anormais completos, exatamente para aqueles de quem a sociedade pouco
ou nada possa esperar, ou conseguir.
Ora, se nos desvelamos por estes últimos, se os agalhamos em recolhimentos e asilos, sem que possamos suferir
resultados positivos, pois na verdade, constituem, em geral
fardos sobremaneira pesados para o Governo e as instituições
de caridade; se abrimos os nossos corações para esses degenerados profundos, que agrilhoados às taras que os torturam
incessantemente, são verdadeiros inadaptáveis ao meio social;
como negar aos educáveis, aos corrigíveis, aos readaptáveis,
as lições que reclama a sua mente frágil, o sustento moral
que pede a instabilidade de seus sentimentos, a assistência
educativa, que somente a escola ou a classe especial lhes
pode fornecer como auxílio indispensável, essencial, a que
se tornem na sociedade parcelas de atividade econômica e
não um peso morto, ou, pior ainda, candidato certo às hostes
crescentes da vagabundagem e delinquência juvenil? (No
Parlamento, Rio de Janeiro, 1921).
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***
O cimento de qualquer organização social é o trabalho, e o trabalho tem sido no Brasil, a tarefa conjugada de
dois grandes artifícios: O coronel, que administra e dirige e
economiza,consolidando a riqueza; O trabalhador anônimo,
desconhecido, outrora escravo, hoje livre, sem cujo braço essa
riqueza não existiria. (Casa de Laranjeiras, Aracaju, 1942).
***
Há no mundo, patente aos olhos de todos, a mais séria, a
mais grave, a mais contagiosa das revoluções sociais.
Ora, legislar um pouco no sentido dessas tendências
sociais é, na frase concisa e bem sugestiva de Gide, operar l’
économie d’une révolution. (Legislação do Trabalho, p. 317,
Rio de Janeiro, 1926).
189
***
Nem destruir o Estado, nem anular o individuo!
Só assim terá o homem uma existência digna e o Brasil
um programa de justiça social. (Diário de Sergipe de 26-7-46).
***
E senhores, quaisquer que sejam as nossas ideias, os
princípios que abraçamos, os sistemas em que nos filiamos,
tudo, tudo deverá estar subordinado ao interesse da Pátria.
(Legislação do Trabalho, p. 116, Rio de Janeiro, 1926).
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***
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Mas, Senhor Presidente, se os nossos esforços se malbarataram se ontem como hoje a premência dessa questão
é contundente, se o analfabeto continua a ser a diátese de
uma democracia anemizada, nem por isso outras questões
igualmente relevantes devem adormecer, esquecidas, abandonadas. . .
Então porque o Brasil não tem escolas bastantes, que
acolham toda a população infantil alfabetizável, há de se
pôr a margem a assistência a infância operaria? Esquecer a
tutela do Estado contra as explorações industriais? A ação
dos governos na defesa ativa e permanente da eugenia, na
conservação e fortaleza da raça? (Legislação do Trabalho, p.
116, Rio de Janeiro, 1926).
***
Fizeram-se novas leis, promulgaram-se Códigos, estabeleceram-se princípios de seleção na carreira judiciária. Mas os
homens não se reformaram. .. (Vidas Perdidas, Bahia, 1948).
A experiência demonstra, a cada passo, que as assembléias não são boas conselheiras em assuntos técnicos. A
lei de psicologia coletiva — de que nos votos desses corpos
deliberativos as competências não se somam, mas exprimem,
apenas,uma média — é de flagrante realidade. E, em dando
uma média, é incontestável que dá uma produção inferior à
soma. (Direito Penitenciário, Aracaju, 1949).
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***
Justiça é verdade. Verdade é justiça.
Caminham juntas, lado a lado, interpenetrando-se
Dos mesmos princípios, dos mesmos estímulos, para
um objetivo comum.
Dissociá-las é erigir o erro como princípio e o injusto
como fim. (Advogados, p. 191).
***
O Direito evolve sempre. Segue a parábola das transformações. E vai de contínuo a frente da lei, antecipando-lhe as
formas condensadas.
O Direito é dinâmico; a lei é estática. Esta, cristalização;
aquele, movimento. (Advogados, p. 191).
191
***
E agora, senhores, alonguemos o olhar, circunvagante,
pelo que há de vir, por este sonhado Brasil de amanhã, com a
beleza de tantas perspectivas promissoras, com a tristeza de
tantos augúrios desalentados. . .
- Crer? Descrer?
- Confiar? Desconfiar?
Eia! Senhores, descrer, nunca! Crê firmemente! Desconfiar, jamais! Confiar, patrioticamente!
Nação que não crê é nação que morre, lento e lento,
diluindo os seus dias nos entorpecentes românticos do pessimismo suicida.
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Povo que não confia é povo sem alma, sem lume no coração para aquecer o ideal, sem amor às tradições, espelho dos
seus destinos, seiva da sua vida; sem fé no seu Deus, cruz da
sua redenção (Discurso aos Revolucionários de 1930, Juarez
Távora, Góis Monteiro e Getúlio Vargas).
***
192
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Carvalho Neto
BIBLIOGRAFIA
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Neto. Aracaju: Revista da Academia Sergipana de Letras, nº
17, 1956, p. 2.
CARVALHO NETO, A.M. Advogados. São Paulo: Saraiva. 1946.
CARVALHO NETO, A.M. Cinzas da Província. Aracaju: Curso
de Tipografia e Encadernação da Escola Industrial de Aracaju.
1951.
CARVALHO NETO, A.M. Direito Penitenciário. Aracaju: Imprensa Oficial, 1944.
193
CARVALHO NETO, A.M. Legislação do Trabalho: polêmica e
doutrina. Rio de Janeiro: Anuário do Brasil. 1926.
CARVALHO NETO, A.M. No Parlamento: Discursos e projetos.
Rio de Janeiro: Typ da Casa Vallelle. 1921.
CARVALHO NETO, A.M. Patronato dos liberados e egressos
definitivos da prisão. Aracaju: Imprensa Oficial, 1944.
CARVALHO NETO, A.M. Vidas perdidas. Salvador: Livraria
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CARVALHO NETO. A. M. “A Cartilha de um Pedagogo I”. Correio
de Aracaju. Aracaju, 5 jun., 1919.
FERER-BENIMELI, J.A. Arquivos Secretos do Vaticano e a
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MACHADO, M.C. Brava Gente Sergipana e outros bravos.
Aracaju: Edição do autor. 1999.
MACHADO, Manoel Cabral. Discurso. Revista da Academia
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NETO, A.C (org). O pensamento vivo de Carvalho Neto. São
Paulo: Edição do autor. 1988.
NUNES, Maria Thetis. História da Educação em Sergipe. São
Cristóvão: Editora UFS; Aracaju: Fundação Oviedo Teixeira,
2008.
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1ª Edição :
Impressão :
Papel de miolo :
Papel de capa :
Tipologia :
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2013
Gráfica J. Andrade
Polém 80g/m2 da Suzano
Supremo alta alvura 250g/m2 da Suzano
Cambria
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