Líquen aureus agminado

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Líquen aureus agminado
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CASO CLÍNICO
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Líquen aureus agminado*
Agminate lichen aureus
Violeta Duarte Tortelly1
Amanda Nascimento Cavalleiro de Macedo Mota1
Roberto Souto da Silva2
Juan Piñeiro-Maceira3
DOI: http://dx.doi.org/10.1590/abd1806-4841.20132397
Resumo: O líquen aureus é uma variante rara das púrpuras pigmentares, com evolução crônica e benigna. A
maioria é assintomática e predomina nos membros inferiores. O quadro clínico é constituído por máculas e/ou
pápulas eritemato-acastanhadas, acobreadas ou douradas. O diagnóstico é clínico e histopatológico, porém o
padrão dermatoscópico vem sendo uma ferramenta útil na presunção do diagnóstico. Descrevemos um caso com
um padrão morfológico em que a lesão é confluente, sendo denominado líquen aureus agminado.
Palavras-chave: Dermatopatias; Líquens; Púrpura
Abstract: Lichen aureus is a rare variant of pigmented purpura, with a chronic and benign course. It is generally asymptomatic and often occurs in the lower limbs, presenting as erythematous brownish, coppery or golden
macules and/or papules. The diagnosis is based on clinical and histopathological findings. The dermatoscopic
pattern has been considered a useful tool in diagnosis presumption. We describe a case with a confluent morphological pattern, called agminate lichen aureus.
Keywords: Lichens; Purpura; Skin diseases
INTRODUÇÃO
O líquen aureus é uma variante das púrpuras
pigmentares crônicas. Este grupo é composto pela
púrpura pigmentar de Schamberg, doença de
Gourgeot-Blum, doença de Kapetanaski e púrpura de
Majocchi.1 Tais doenças caracterizam-se pelo aspecto
eritêmato-acastanhado, que corresponde histologicamente à deposição de hemossiderina. As púrpuras
pigmentares crônicas apresentam o mesmo padrão
histopatológico, mostrando um infiltrado linfocítico
de grau variável na derme superior associado à presença de depósitos de hemossiderina. Nosso relato
exemplifica um padrão morfológico menos comum,
representado por uma forma confluente, também chamado de agminado.
RELATO DO CASO
Paciente masculino de 28 anos, com lesão de 3
cm, acastanhada, na região dorsal do punho direito,
iniciada há 10 anos (Figura 1). Não consegue correlacionar o início da lesão a trauma, medicação ou contato com alguma substância. Refere que a lesão surgiu
como uma picada de inseto, com aspecto eritematoso,
evoluindo insidiosamente e tornando-se acastanhada
no centro, esmaecendo na periferia. Nega prurido, dor
ou saída de secreção. Não apresenta lesões semelhantes no corpo. Nega comorbidades.
A dermatoscopia mostrava ausência de rede e
presença de área amorfa de tonalidade
acobreada (Figura 2). Na histopatologia, observou-se
extensa reação inflamatória mononuclear em distri-
Recebido em 02.01.2013.
Aprovado pelo Conselho Editorial e aceito para publicação em 14.02.2013.
* Trabalho realizado no Hospital Universitário Pedro Ernesto – Universidade do Estado do Rio de Janeiro (HUPE-UERJ) – Rio de Janeiro (RJ), Brasil.
Suporte Financeiro: Nenhum. / Financial Support: None.
Conflito Interesses: Nenhum. / Conflict of Interests: None.
1
2
3
Médicas - Residentes de Dermatologia do Hospital Universitário Pedro Ernesto – Universidade do Estado do Rio de Janeiro (HUPE-UERJ) – Rio de Janeiro
(RJ), Brasil.
Preceptor do Serviço de Dermatologia do Hospital Universitário Pedro Ernesto - Universidade do Estado do Rio de Janeiro (HUPE-UERJ) - Pesquisador do
Laboratório de Histocompatibilidade e Criopreservação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) – Rio de Janeiro (RJ), Brasil.
Pós-doutorado em Dermatopatologia - AFIP - USA – Professor-associado do Departamento de Patologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) –
Rio de Janeiro (RJ), Brasil.
©2013 by Anais Brasileiros de Dermatologia
An Bras Dermatol. 2013;88(6 Supl 1):S143-5.
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Tortelly VD, Silva RS, Mota ANCM, Piñeiro-Maceira J
buição subepidérmica com padrão liquenoide e capilares esparsos (Figura 3). Na coloração para pigmento
férrico, evidenciamos difusa deposição de pigmento
de hemossiderina (Figura 4).
FIGURA 4: Líquen
aureus agminado.
Extensa deposição de pigmento
de hemossiderina
(azul) no tecido
dérmico (coloração para pigmento férrico; x150)
FIGURA 1: Líquen aureus agminado
FIGURA 2: Líquen aureus agminado. Dermatoscopia
FIGURA 3: Líquen aureus agminado. Reação inflamatória mononuclear subepidérmica, com capilares de permeio (HE; x40)
An Bras Dermatol. 2013;88(6 Supl 1):S143-5.
DISCUSSÃO
O líquen aureus (LA) foi descrito como caso clínico, pela primeira vez, em 1958, por Martin. Mas, foi
em 1960 que Calman utilizou o termo LA para enfatizar a tonalidade amarelo-ouro, frequentemente observada nestas lesoes. Embora a causa precisa seja desconhecida, sua patogenia parece estar relacionada a uma
capilarite dos vasos da derme papilar, com ocasional
proliferação endotelial, questionando-se ser uma vasculite.2 Também há especulações sobre a etiologia ser
secundária a traumas, infecções, drogas ou insuficiência venosa.3
O LA geralmente apresenta-se como lesão em
placa, solitária, de coloração variável: castanho-escura, acobreada ou dourada. A grande maioria é assintomática, mas há relatos de lesões pruriginosas ou dolorosas. Pode acometer qualquer parte do corpo, porém
é descrito com maior frequência nos membros inferiores, seguido de membros superiores e tronco.
Apresentações lineares, zosteriforme e segmentadas já
foram descritas.4 Há predileção por adultos jovens,
com aparecimento súbito. Mas, a evolução é crônica,
podendo progredir lentamente ou estabilizar-se.
Alguns autores questionavam essa natureza crônica e
benigna, sugerindo que o LA pode progredir para
micose fungoide, mas Fink-Puches et al realizaram o
seguimento de 23 pacientes e não identificaram
nenhum caso com tal progressão.5
A dermatoscopia tem sido um adjuvante
importante no diagnóstico clínico das púrpuras.6 Os
achados seriam de difusa coloração acastanhada ou
vermelho-acobreada, pontos vermelhos ovais ou cir-
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culares, glóbulos e manchas, além de alguns pontos
cinzas e rede.
Após revisão da literatura, constatamos que a
forma agminada do líquen aureus havia sido descrita
apenas uma única vez no Reino Unido e, dessa forma,
este seria o primeiro caso descrito no Brasil.7
No diagnóstico diferencial entrariam as outras
púrpuras já citadas e a histiocitose de células de
Langerhans. Entre as possibilidades de diagnósticos
diferenciais da forma agminada de apresentação do
líquen aureus estão o nevo de Spitz e o hemangioma
targetoide hemossiderótico (hemangioma “hobnail”),
sendo a histopatologia essencial nesta avaliação.8,9,10
O tratamento do LA é difícil, tendo como arsenal terapêutico a PUVA, os inibidores da calcineurina
e o corticoide. No caso em questão, após a biópsia
incisional, o paciente foi submetido à luz intensa pulsada 12ms com 18J de fluência, com melhora quase
total da lesão. ❑
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Violeta Duarte Tortelly
Boulevard vinte e oito de setembro, 77 - Vila Isabel
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Brasil
E-mail: [email protected]
Como citar este artigo/How to cite this article: Tortelly VD, Silva RS, Mota ANCM, Piñeiro-Maceira J. Líquen
aureus agminado. An Bras Dermatol. 2013;88(6 Supl 1):S143-5.
An Bras Dermatol. 2013;88(6 Supl 1):S143-5.

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