Medalhas da Exposição do Centenário Farroupilha_Júlia Jaeger
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Medalhas da Exposição do Centenário Farroupilha_Júlia Jaeger
MEDALHAS COMEMORATIVAS DO CENTENÁRIO FARROUPILHA: ABORDAGENS SOBRE CULTURA MATERIAL Júlia Maciel Jaeger1 RESUMO O presente artigo irá abordar a questão da cultura material a partir de pesquisa realizada sobre duas medalhas comemorativas do Centenário da Revolução Farroupilha pertencentes ao acervo do Museu de Porto Alegre Joaquim José Felizardo. Para tanto será retratada a trajetória desses objetos antes e depois de se tornarem objetos semióforos, exaltando o contexto de produção e recepção dessas medalhas, ou seja, a Exposição do Centenário Farroupilha que ocorreu em Porto Alegre em 1935, a fim de explicitar o significado imaterial e a memória que este objeto evoca no seu contexto de objeto musealizado. PALAVRAS-CHAVE: Cultura material. Centenário Farroupilha. Pesquisa museológica. Medalha comemorativa. INTRODUÇÃO Cultura material é uma expressão que pode indicar dois significados: o objeto de estudo e uma forma de conhecimento. Independentemente do significado, aborda duas questões principais: a materialidade, o objeto em si, e a imaterialidade, que lhe dá significado. Rede (1996, p.273-274) relata a máxima dos estudos de cultura material: “o que importa não é o objeto, mas as relações sociais”, complementando que “A cultura material é, por excelência, matriz e mediadora de relações.” Segundo o mesmo: O universo material não se situa fora do fenômeno social, emoldurando-o, sustentando-o. Ao contrário, faz parte dele, como uma de suas dimensões e compartilhando de sua natureza, tal como 1 Aluna do curso de Museologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Trabalho realizado como pré-requisito para avaliação da disciplina BIB03240 - Cultura Material e Cultura Visual na Museologia Brasileira, ministrada pela professora doutora Fernanda Carvalho de Albuquerque. FABICO/UFRGS, Porto Alegre, junho de 2016. as idéias, as relações sociais', as instituições. Eis aí a fortuna do termo cultura materiaL além das ambiguidades possíveis: ele denota que a matéria tem matriz cultural e, inversamente, que a cultura possui uma dimensão material. (REDE, 1996, p.274) É necessário levar em conta que a materialidade, bem como os seus significados, se transformam, recebem novas marcas do tempo e novos valores. Conforme Rede: A trajetória dos objetos altera-se em função quer das transformações da sua própria natureza física quer da sua inserção social (processos de desgaste, manutenção, reciclagem). Normalmente, as alterações estão articuladas, envolvendo transformações nas três dimensões, embora possa haver mudança semântica sem intervenção na forma, e assim por diante. (REDE, 1996, p.276) A cultura material e a imaterial andam juntas. Objeto e significado. Toda alteração na materialidade transforma também a dimensão imaterial, pois cada marca no objeto possui uma história e significados. É com essas premissas que se tece a trajetória de duas medalhas comemorativas do Centenário da Revolução Farroupilha de 1935, evento que causou grande impacto no estado do Rio Grande do Sul e na cidade de Porto Alegre. Busca-se tecer a história da Revolução Farroupilha para maior entendimento do grande evento de seu Centenário e suas consequências, para então focar na Exposição do Centenário e o contexto em que as medalhas são produzidas e se inserem na sociedade. Num segundo momento será traçado a trajetória das medalhas após terem se tornado parte do acervo do Museu de Porto Alegre Joaquim José Felizardo, onde passam a ter outro significado e função como objetos semióforos. 1 A REVOLUÇÃO FARROUPILHA Para compreendermos o que foi celebrado no Centenário da Revolução Farroupilha, se faz necessário uma retrospectiva ao evento histórico em si. Durante o século XIX o Rio Grande do Sul produzia charque e couro para o abastecimento interno do Brasil. O conflito teve origem na insatisfação da elite sul rio rio-grandense, composta em sua maioria por estancieiros e charqueadores, para com as políticas do Império brasileiro. Eles lutavam contra o poder centralizador do Império, sendo as principais reivindicações acerca do baixo preço que podiam vender o charque, o alto preço do sal e a concorrência com o charque cisplatino. É importante ressaltar que a Revolução não pretendia transformar a estrutura do sistema da época, não contava com o apoio de toda população, não passando de um conflito de interesses de elite. A guerra começou em 1835 e teve duração de 10 anos, terminando em 1845 mediante um acordo entre o Império e os guerrilheiros. O acordo de Ponche Verde, como foi denominado, partia do princípio da paz honrosa, permitindo que fosse escolhido um novo presidente da província e pagamento das dívidas dos farroupilhas pelo Império brasileiro. Foi a partir da década de 1930 que a Guerra dos Farrapos começou a ser representada como gloriosa, de acordo com Ceroni: A maioria dos estudos sobre a Revolução Farroupilha surgiu no período das Comemorações do Centenário Farroupilha com o viés de defesa do caráter brasileiro da Revolução e da exaltação aos republicanos. A partir de narrativas épicas que apontavam os farrapos como heróis, autores como Othelo Rosa, Walter Spalding e Lindolfo Collor, cada um à sua maneira, contribuíram para a valorização da Revolução Farroupilha como um feito histórico a ser comemorado por seus “herdeiros” (CERONI, 2009, p.59) A história da Revolução Farroupilha possui controvérsias, principalmente dado às fontes históricas. Mas é inegável que está no imaginário dos gaúchos até os dias de hoje, muito por causa da Comemoração do Centenário Farroupilha. 2 EXPOSIÇÃO DO CENTENÁRIO DA REVOLUÇÃO FARROUPILHA: INSPIRAÇÕES, ASPIRAÇÕES E CONCRETUDES As inspirações para a Exposição do Centenário Farroupilha são as exposições universais, realizadas desde 1851 na Europa. Tais exposições “tinham como objetivo constituírem-se em um grande palco para apresentação de novos materiais e novos produtos industriais, instruindo sobre suas possibilidades de utilização” (GASTAL; MACHIAVELLI, 2011, p.3) e segundo Ceroni, “As exposições eram constituídas como grandes espetáculos, destinados a serem vividos intensamente, transformando-se em espaço de difusão dos objetos expostos” (CERONI, 2009, p. 80). O Rio Grande do Sul teve sua primeira exposição em 1857, mas essa prática se popularizou no estado na década de 1930, com exposições agrícolas, rurais, avícolas, pecuárias e industriais. “A ideia de realizar uma grande exposição comemorativa do centenário da Revolução Farroupilha surgiu no final do ano de 1933, por iniciativa dos produtores rurais, através de sua entidade, a Federação das Associações Rurais do estado (FARSUL), baseado no sucesso obtido por exposições anteriores realizadas no Rio Grande do Sul e no Brasil, em especial a Exposição Estadual Rural de 1931.133 Assim, a FARSUL dirigiu-se ao interventor Flores da Cunha, colocando a conveniência de realizar uma exposição não apenas agrícola e pastoril, mas também industrial, com o objetivo de realizar uma demonstração da capacidade produtiva do Rio Grande do Sul para todo o Brasil.” (CERONI, 2009, p.79) A exposição do Centenário Farroupilha foi realizada de 20 de setembro de 1935 até 15 de janeiro de 1936. Tinha por objetivo mostrar o Rio Grande do Sul como potência para o Brasil e países do mundo, facilitando a possibilidade de negócios. Foi coordenada por um Comissariado Geral composto pelo então governador Flores da Cunha e o prefeito de Porto Alegre Alberto Bins, um representante da FARSUL e um representante do Centro de Indústria Fabril, além de funcionários técnicos e burocráticos. Começaram o trabalho de planejamento um ano antes da inauguração. A empreitada teve patrocínio do Governo do Estado, foi projetada por intelectuais e políticos da época e obteve apoio de diversas empresas. A narrativa da exposição acerca da Revolução Farroupilha é moldada para o evento, segundo Giovanaz: “A forma como foi regatada a Revolução Farroupilha naquele evento é a mais aplicável aos objetivos contextuais do estado. Segundo a leitura do momento do centenário, a revolução farroupilha não foi separatista e sim republicana e federalista, já que buscava tão somente alguma autonomia regional como fuga do poder centralizador do Império. Pois bem, este foi um dos momentos em que o povo gaúcho consolidava suas raízes brasileiras e momentaneamente abandonava suas tradições regionais e raízes platinas.” (GIOVANAZ, 2013, p.326) A exposição ocorreu na área denominada de Várzea ou Campo da Redenção, que foi urbanizado pelo francês Alfredo Agache para receber a exposição. Para a realização do evento, o local recebeu a denominação de Parque Farroupilha por meio do Decreto nº 307 de 19 de setembro de 1935. Na época, o Campo da Redenção ocupava além dos seus limites atuais a praça Argentina e o espaço do Campus Central da UFRGS. No local foram erguidos pavilhões organizados em três principais categorias: a Plástica, a Política e a Comercial. Frota (2000, p.16) comenta que durante a Exposição “O pavilhão adquire uma dupla função. Deve expor — atuando como uma estrutura de apresentação, se possível com materiais leves — e, ao mesmo tempo, expor-se, através de sua forma, como um novo meio de comunicação”. Portanto, cada um dos pavilhões possuía uma arquitetura e identidade única, alinhados a estética da Art Déco, sendo eles: Pavilhão das Indústrias, Pavilhão da Agricultura, onze Pavilhões da Pecuária, sete Pavilhões de outros Estados do Brasil, Pavilhão das Indústrias Estrangeiras, Pavilhões construídos para departamentos das administrações federal e estadual e o Pavilhão Cultural (foram ocupadas 68 salas da então recém construído Escola Normal General Flores da Cunha para este fim). Além dos pavilhões, também foi construído um Cassino com amplos salões para restaurantes, festas e jogos, o “Pórtico Monumental”, duas torres que abrigavam os gabinetes dos organizadores do evento, um auditório onde aconteciam concertos da Banda Municipal e da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre, uma fonte luminosa e um parque de diversões. (ZUBARAN, s.n.t) A publicidade realizada para o evento também foi essencial para sua grandiosidade, conforme explicita Frota: “Sua importância como veículo regional está diretamente relacionada ao fato de tratar-se de um evento carregado de intenções simbólicas, perfeitamente inserido no contexto das feiras e exposições de seu tempo, onde assume de modo incisivo o caráter cenográfico e monumental necessário. São imagens que buscam concentrar mensagens e comunicar valores, explorando os paradigmas de uma modernidade em construção, através da ampla utilização de uma família de elementos comunicativos que sinaliza o quanto o evento estava em sincronia com seu tempo. Assim são produzidos — além dos pavilhões expositivos — revistas, cartazes, catálogos, diplomas, medalhas comemorativas, tipografias, etc, reforçando sua identidade visual e ideológica”. (FROTA, 2000, p.19-20) A Exposição contou com diversas mídias impressas, como o Catálogo Geral, dividido em duas partes, a primeira destinada a ser um guia para o turista, com a planta baixa da exposição no Parque, informações sobre a cidade, indicando desde pontos turísticos até lista dos bondes, restaurantes, teatros, praias e bancos. A segunda parte é composta pelo Catálogo em si. Também com um álbum oficial com fotos do evento, um livreto com informações sobre a cidade e sobre a exposição, exaltando seus pontos positivos de forma romanceada e diversas fotos da cidade, bem como convites personalizados enviados às autoridades e elite. O evento teve ampla divulgação da imprensa, por meio impresso e por rádio. O evento teve grande repercussão, chegando a mais de um milhão de visitantes, conforme relatório elaborado por Alberto Bins. Na época, Porto Alegre possuía 300 mil habitantes. Contou com 3.080 expositores, sendo 2.467 do Rio Grande do Sul (Ceroni, 2009, p.78), ou seja, foi um grande sucesso, cumprindo seus objetivos. Em 1936, com o final da Exposição, foram feitas duas ações a fim de materializar o acontecimento para a posterioridade, as quais Licht comenta: Ao final das comemorações foi inaugurado um pequeno marco de granito com as seguintes inscrições em placa de bronze: 'Realizouse neste Parque de Exposição, comemorativo ao Centenário da Revolução Farroupilha de 20.IX.1935 a 20.XII.1935, sendo Governador do Estado o General J. A. Flores da Cunha e Prefeito de Porto Alegre e Comissário Geral da Exposição o Major Alberto Bins e para a memória mandou o Comissário Geral do Grande Certame erguer este marco'. Também, para posteridade foi colocado na base do marco, uma caixa de cobre contendo a ata de encerramento e completa documentação sobre a Exposição Farroupilha, com o regulamento, projetos, cartazes, fotografias, medalhas, moedas e jornais". (LICHT, 2011, n.p) A caixa de cobre foi desenterrada em 31 de maio de 1997, e sobresponsabilidade do Museu Joaquim José Felizardo, foi salvaguardada e conservada juntamente com o material que estava em seu interior. Hoje, estes fazem parte do acervo do Museu. 3 MEDALHAS COMEMORATIVAS DO CENTENÁRIO: TECENDO PASSADO E PRESENTE A trajetória dos objetos de museu começa no seu contexto de produção, passando pelo contexto de consumo até ser atribuído o valor de objeto semióforo e ser musealizado. A partir deste momento, transforma-se a forma como este objeto se insere no mundo social. Pomian, que cunhou o conceito de semióforo, explicita essa mudança: “Estas são preciosas, o que quer dizer que se lhes atribui um valor, porque representam o invisível e participam, portanto da superioridade e da fecundidade de que este é inconscienctemente dotado. Enquanto semióforos são mantidos fora do circuito das actividades económicas porque é apenas deste modo que podem desvelar plenamente o seu significado.” POMIAN, 1984, p. 72-73) O objeto passa a ter uma nova vida e contextos de recepção e consumo diferentes do usual. Deixa de ter utilidade cotidiana para ser representante de alguma história, de alguma época, de relações sociais. As medalhas comemorativas do Centenário Farroupilha, objetos de estudo do presente artigo, são exemplos deste processo. Nos tópicos acima foi relatado o seu contexto de produção, recepção e consumo, seu significado histórico e imaterial, para então abordar a sua materialidade e a sua história no contexto pósinstitucionalização. As medalhas comemorativas do acervo do Museu Joaquim José Felizardo As medalhas foram adquiridas na Casa Ao Belchior, um antiquário de Porto Alegre. Possuem 6,5cm de diâmetro e 4,5mm de volume. No livro tombo do museu, uma consta como cobre, e a outra não têm-se informação acerca do material. Na frente da medalha estão os bustos de Bento Gonçalves e Flores da Cunha, abaixo o brasão das armas ladeado das datas 1835 - 1935, com a legenda: 1º Centenário Farroupilha - Rio Grande do Sul e no verso a imagem do Pavilhão Monumental, com as inscrições Exposição Farroupilha setº 20.1935 em cima e commemoração do Centenário Farroupilha abaixo da imagem, conforme Figura 1: Figura 1: Medalha do Centenário Farroupilha, frente e verso: Fonte: da autora, 2016. As medalhas possuem os números 8109001 e 8109002 no primeiro livro tombo do museu e constam no arrolamento realizado em 2013. Fazem parte da coleção do Centenário Farroupilha, que conta com a caixa de bronze encontrada no Parque Farroupilha, os catálogos, álbum de fotos, publicações diversas, convites, etc. Figura 2: Parte da coleção: Fonte: da autora, 2016. As medalhas já foram expostas na exposição Transformações Urbanas: de Montaury a Loureiro, que trazia as mudanças que aconteceram na cidade de Porto Alegre nos últimos séculos. Nada mais justo ter um objeto que representasse o Centenário Farroupilha, que muito contribuiu para a concepção da cidade como ela é hoje em dia. As medalhas, assim como toda a coleção, possui um grande potencial para pesquisas e exposições, pois fizeram parte de um momento eu serviu de vetor para a concepção da Porto Alegre moderna, bem como resignificou a própria história do Rio Grande do Sul. CONSIDERAÇÕES FINAIS Para realizar a análise da cultura material, é necessário observar e questionar a materialidade do artefato em questão. Forma, ornamentos, marcas, quem e como o fez, quem usou, seus significados (BARBUY, 1995) são alguns dos pontos que precisam ser levantados ao pensar no objeto. Entretanto, como em qualquer tipo de pesquisa, não é sempre que encontram-se respostas. No caso das medalhas do Centenário Farroupilha, foi possível mapear muito bem o contexto histórico em que foi produzida e utilizada como objeto usual, bem como seu contexto de museália. Porém, algumas questões importantes ficaram em aberto, tais qual: quem as produziu e de que maneira? Para que serviam durante a Exposição do Centenário? Quem as possuiu antes de chegar ao antiquário? Entre outras possíveis, que renderiam outras pesquisas. Mesmo sem conseguir responder as questões acima, é fato que as medalhas comemorativas do Centenário Farroupilha possuem um significado único e que no âmbito do museu pode ter diversas abordagens. E desse processo, novos significados, novas histórias e novas perguntas serão entrelaçadas ao objeto. REFERÊNCIAS BARBUY, Heloísa. Entendendo a sociedade através dos objetos. In: OLIVEIRA, Cecília Helena de Salles. Museu Paulista: novas leituras. São Paulo: Museu Paulista da Universidade de Sâo Paulo, 1995, p. 17-23. CERONI, Giovani Costa. 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