Marsílio de Pádua Pax, civitas e lex no pensamento medieval

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Marsílio de Pádua Pax, civitas e lex no pensamento medieval
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Marsílio de Pádua
Pax, civitas e lex no pensamento medieval
* Prof. Ms. Sílvio Martins 1
RESUMO: O presente estudo analisa o conturbado mosaico político europeu no
século XIII, quando nos meios urbanos intensificou-se um potente movimento de erosão
das estruturas jurídicas, sociais e políticas feudais, que levaram à renovação da sociedade. É
nesse novo cenário filosófico e teológico de questionamento da supremacia da Igreja frente
o Império, que surgiu Marsílio de Pádua. Ao sustentar ideologicamente que as cidades
deveriam recuperar suas tradicionais liberdades e, assim, se verem livres, não só das
persistentes ameaças externas, mas, também, postas ao abrigo das pretensões da Igreja,
Marsílio foi o primeiro teórico a abrir as trilhas que conduziriam ao processo de
emancipação do Estado. Foi a partir do combate às pretensões da Igreja, que Marsílio se
colocou como o mais remoto precursor da moderna concepção da soberania.
Palavras-chave: soberania, estado, renascimento, igreja, poder, sociedade, política,
teologia, filosofia, paz, cidade e lei.
ABSTRACT: This study examines the trobled european political mosaic in the
twelfth century, when in urban areas has widened a powerful movement erosion of the legal
structures social and political feudal, which raised to the renewal of society. It is in this new
scenario philosophical and theological of questionings of the supremacy of the Church
against the empaire that arises Marsílio of Pádua. By claiming ideologically that cities
should reclaim their traditional libertes and thus get rid not only of persistent external
threats, but also put under the pretensions of the Church, Marsílio was the first theorist to
open the trails that lead to the process of the emancipation and of the state. It was from the
fighting to the pretensions and to the opportunism of the Church, which Marsílio stood as
the most remote precursor of the modern conception of sovereignty.
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*Doutorando Ciências Jurídico-Penais-Univ. Braga
Ms. Ciências Jurídico-Filosóficas-Univ. de Coimbra
Ms. Ciências Jurídico-Políticas – Univ. de Lisboa
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Keywords: sovereignty, state, renaissance, church, power, society, politics, theology,
philosophy, peace, city and law.
INTRODUÇÃO
Dante se entusiasmou com a ideia de instituir um governo universal, tendo o
Império Romano como protótipo e Roma como centro. A pax romana era o arquétipo
desejado e o Imperador um valor de referência para se conquistar a unidade política, que
ora se achava ameaçada pelos Estados nacionais em formação e pelas várias cidadesrepúblicas italianas, comprometidas em sua soberania pela letal intromissão do Papa e
fragmentadas num labirinto de governos confusos e instáveis.
Porém, a proposta de Dante traduzida na saudação ao Imperador Henrique VII de
Luxemburgo, não conseguiu convencer os exilados e descontentes com a política
expansionista da Igreja, temerosos de que a presença do Imperador resultasse numa troca da
submissão ao Papa, para a simples e pura vassalagem ao Sacro Império RomanoGermânico, conforme dispunham as glosas e o próprio código de Justiniano.
Dante viveu no exílio e no exílio morreu, sem experimentar a pax que tanto o
motivou. Vagou errante pela Europa, como uma bússola obstinada pelo norte, buscando
realizar na fantasia e na utopia as possibilidades delirantes do seu universalismo
impossível, onde o Imperador e o Papa, cada um no seu domínio, exerciam suas legítimas
prerrogativas.
Marsílio se colocou entre os que receberam aquela proposta com frieza e
desconfiança. A realidade política das cidades-repúblicas da Itália, aviltadas pelas
constantes invasões estrangeiras, que tanto preocupava o poeta e ameaçadas pela presença
incômoda e arrogante do Imperador e do Papa, carecia de novas proposições que
fortalecessem os Estados nacionais, desejosos de uma jurisdição própria e exclusiva.
No cenário dos reinos que se formavam e das cidades que se estruturavam
economicamente, o ideal burguês alimentava a ideologia do lucro, construído com os
cabedais do comércio e serviços, opondo-se a tudo o que representava a ordem feudal. A
classe nuova insistia no fortalecimento do poder real, sem, contudo, deixar de considerar os
governantes como meros servidores do povo.
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Marsílio nasceu no último quartel do século XIII, quando nos meios urbanos já era
pungente o movimento de erosão das estruturas feudais, que não respondiam às
necessidades e urgências das novas demandas sociais e políticas. Fruto dessa época de
transição política, filosófica e jurídica, em que a estética utópica de Dante não passava de
mero anacronismo político, os novos tempos exigiam rupturas mais dilacerantes, que as
fraturas jurídicas propostas por Bartolo de Sassoferrato e seu discípulo Baldo degli Ubaldi,
na interpretação inusitada, senão subversiva, do código de Justiniano.
Sua aspiração não era ver consolidada a soberania do Sacro Império Romano
Germânico na península. Embora defendesse enfaticamente o Imperador, este era apenas
um instrumento poderoso e eficaz para barrar as pretensões do Sumo Pontífice e erguer
uma sociedade política laica e soberana.
Marsílio também antecipou muito das ideias de Hobbes e Rousseau, proclamando a
necessidade do Estado e da autoridade política como uma exigência da natureza humana e
com atributos superiores aos de quaisquer outras instituições, notadamente a Igreja.
Recorreu aos textos latinos, notadamente as elocuções jurídicas de Cícero, para mostrar que
a paz era a primeira virtude da Cidade, como apontou Platão e dava testemunho o
magnífico jurista. Nos meios gibelinos e comunais conheceu as teorias de Aristóteles, cujo
averroísmo foi determinante para compreender os fundamentos civis que justificavam e
legitimavam a sociedade política.
Entretanto, seu olhar não se direcionou para o passado de glórias perdidas do
Império Romano. Sua volta ao mundo antigo teve Aristóteles como a mais firme e sólida
referência, mas sem se fazer companheiro de São Tomás, na mesma viagem intelectual ao
estagirita, para quem a patristica se tornara uma pedagogia obsoleta na fundamentação do
Estado, como havia concebido Santo Agostinho.
Sua incursão filosófica resultou em nova leitura para o conflito entre as esferas civil
e eclesiástica e numa nova formulação teórica para a secularização e a racionalização do
poder, permitindo que se conhecesse sua estrutura e se compreendesse sua independência
em relação aos fundamentos teológicos que até então o sustentava.
No denso tratado “Defensor da Paz”, dedicado ao Imperador Luís da Baviera, o
poder só era concreto e legítimo à medida que conferia a mais absoluta soberania ao seu
titular, cuja expressão se dava pela capacidade de coação e de obrigar os súditos à
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obediência. A esse atributo inerente ao poder civil, não se somavam as prerrogativas
postuladas pela Igreja, pois a essa cabia apenas a missão de ensinar e aconselhar.
Sua obra é um tratado político e eclesiológico, no qual o naturalismo aristotélico foi
suavizado, embora sob a mesma luz estudasse as causas dos conflitos políticos
generalizados por toda Europa. Como em Aristóteles, defendeu que o fim da comunidade
política era buscar a vida boa e a felicidade, sem, contudo, conferir-lhe conteúdo ético, pois
se referia apenas à satisfação das necessidades temporais, no seu sentido biológico
imediato.
A sociedade se dividia em várias partes, cada uma exercendo sua função específica.
Ao instituírem o governo civil, os homens livraram a cidade da anarquia e da ruína.
Estabeleceram o que era justo e o que não era; repartiram competências; repararam as ações
arbitrárias e mantiveram o equilíbrio e a tranquilidade social, sem os quais a vida suficiente
e boa não seria alcançada.
Marsílio trouxe para o debate político a percepção de que a Igreja era a causa
singular dos conflitos que se estendiam por toda Europa. A ambição pelo poder terreno
estava na raiz das prolongadas guerras de religião, que consumiam reinos e energias.
Precisava-se, pois, de uma força maior, que aniquilasse esse poder paralelo que se punha
como óbice à afirmação dos estados nacionais em formação. É nesse sentido que o paduano
se colocou como o mais importante teórico do seu tempo, a elaborar a ideia primeira e
embrionária da soberania.
1.1) Marsílio de Pádua: vida e obra
A proposta de Dante enunciada na saudação entusiasmada ao Imperador Henrique
VII de Luxemburgo, que marchava sobre a Itália, foi recebida com frieza e desconfiança
pelos exilados e descontentes com a política da Igreja, temerosos de que a soberania das
cidades-repúblicas italianas fosse transferida da letal intromissão do Papa para a simples e
pura vassalagem ao Sacro Império Romano-Germânico.
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O regnum italicum, constantemente aviltado pelas invasões estrangeiras e pelas
insistentes campanhas de dominação por parte do Império, estava submetido a vários
governos aristocráticos, alguns coniventes com as pretensões políticas do Sumo Pontífice,
que, odiosa e de longa data, interferia nas questões de governo. Em Florença, o golpe de
Estado desferido pela facção dos Negros, em 1301, com a conivência e o apoio explícitos
do Papa Bonifácio VIII, elevou ao poder uma camarilha comprometida e estimulada a
intermediar a tutela eclesiástica em toda Itália.
Se o apoio emocional e idealista de Dante no tratado Monarquia se perdeu na fria
constatação do seu anacronismo político, ante a ciosa maestria com que as cidadesrepúblicas da Toscana e da Lombardia defendiam suas liberdades, uma nova proposição
advinda da desgastante experiência de submissão e resistência devia ser arquitetada em prol
da Itália, fragmentada num labirinto de cidades independentes e seus cenários confusos e
instáveis.
Marsílio nasceu no último quartel do século XIII (1275-1342), quando também se
acentuou, nos meios urbanos, um movimento de erosão das bases e estruturas feudais,
preparando a renovação da sociedade. Integrou-se ao novo cenário filosófico e teológico,
cujas exigências passavam pelo questionamento da supremacia da Igreja frente ao Império.
Pela insegurança que a profunda crise causava e pela lembrança da estagnação econômica,
que levou as massas ao pânico, temerosas de novas guerras e pestes, e pelo fortalecimento
dos nascentes Estados nacionais, desejosos de uma iurisdictio própria e não da mera
prerrogativa de um ius proprium, a exigência de uma jurisdição exclusiva significava, antes
de tudo, a afirmação e o reconhecimento do poder político, concretizado na pessoa do rei
(AMARAL, 2003, v. I).
No palco das cidades ainda economicamente vulneráveis, as exigências do ideal
burguês abriam espaço para uma ideologia comunitária, opondo-se a tudo o que
representava a ordem feudal. Uma nova pedagogia jurídica remeteu o direito romano e o
direito canônico para fontes subsidiárias do direito comum, que se fortalecia em cada reino
ou cidade e emancipava príncipes e reis da vassalagem ao Imperador e ao Papa, cuja
trajetória se estendeu até a elaboração das leis odiosas.
Se, por um lado, a nova ideologia burguesa insistia no fortalecimento da soberania
real, por outro considerava reis e príncipes meros servidores do povo. Entretanto, isso não
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impediu que os monarcas se lançassem à construção de um edifício jurídico e político que
lhes permitisse arrogar plena legitimidade na condução dos negócios públicos,
desconhecendo, inclusive, os ordenamentos do direito comum que, porventura, se
colocassem como óbices à efetiva consolidação da soberania.
Marsílio é filho da confusão de um século que findava e olhava para o seguinte sem
maiores perspectivas. Mas, respondendo aos apelos e aspirações da sua época, retificou a
estética utópica de Dante. Dobrou a curva do caminho estimulado pela realidade e pela
urgência do tempo, a exigir rupturas definitivas e mais profundas que as fraturas jurídicas
erigidas por Bartolo de Sassoferrato na inusitada, senão subversiva, interpretação do
Código de Justiniano.
As argumentações inovadoras de Bartolo e de seu discípulo Baldo de Ubaldi se
transformaram em instrumentos jurídicos eficazes para a afirmação da soberania das
cidades-repúblicas frente ao Império. Ao comentarem o Código de Justiniano, fizeram com
que sua circunscrição essencialmente jurídica se alargasse para sua afirmação na arena
política.
A escola dos pós-glosadores, com seu método dialético, ofereceu uma base de
sustentação assaz importante e definitiva aos Estados nacionais em formação e às cidadesrepúblicas da Itália, expondo a realidade política que se vivia e antecipando a transição para
a modernidade no século XVI (RUSSEL, 1977, v. I).
Marsílio acrescentou novas e audaciosas teses aos direitos e usos republicanos,
sustentando ideologicamente que as cidades do regnum deviam recuperar suas tradicionais
liberdades e, assim, verem-se livres, não só das persistentes ameaças externas, mas também
postas ao abrigo das pretensões papais e preservadas em sua soberania (AMARAL, 2003, v.
I).
Conviveu com os valores republicanos cultuados nos espaços citadinos do regnum,
em franca oposição e ojeriza às pretensões do Imperador e do Papa. Passou ao largo da
filosofia de São Tomás, então a maior expressão intelectual da Igreja, cuja proposta
teológica considerou exaurida.
Com o aquinate, a Igreja abandonou as cláusulas do pensamento neoplatônico de
Santo Agostinho, para redescobrir e domesticar Aristóteles. Uma fresta, enfim, se abriu no
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monolítico pensamento fundamentalista, relativizando a interferência divina nos assuntos
terrenos e no processo histórico, notadamente nas questões do governo civil.
Pádua era a república líder da Lombardia e, como tal, um centro efervescente de
convulsões políticas e controvérsias doutrinárias, inspiradas no estudo dos textos da
Antiguidade Clássica.
Foi ali, em plena emergência do humanismo, que Marsílio, filho de Bonmatteo,
notário da Universidade local, estudou ciências médicas, filosóficas e jurídicas, antes de
transferir-se a Paris, seduzido pelo cosmopolitismo e pela instigante e frenética atmosfera
intelectual da cidade, que ele ajudou a germinar em ideias audaciosas e desvarios retóricos
e onde assumiu a cátedra de filosofia na sua Universidade.
Pouco mais se sabe do homem, além da sua função de lente e da meteórica
passagem pela reitoria da Universidade, em 1312, pois sua vida perdeu-se nas fraturas do
tempo. Mas muito se apreendeu da sua ação e do seu pensamento político, do exílio com
João de Jandum, na corte do Imperador Luís da Baviera, então em declarada guerra com o
Papa João XXII, a propósito da sucessão no Império; das numerosas influências que somou
e transpôs para sua obra, arrojada para a época; radical, excludente e não conformista.
Marsílio se revelou um apaixonado. Extraordinário, às vezes; exagerado, sempre.
Mesmo sem o magnetismo dos líderes carismáticos, foi um audacioso extremista, pois
ignorou a longa tradição que o espírito romano forjou nas instituições europeias, criando
um privilegiado espaço na psicologia coletiva de sua época, cujos apelos foram
verbalizados por Dante.
Celebrando as tendências individualistas que vicejavam no Ocidente e que
marcariam a transição da escolástica para o Renascimento, Marsílio foi o mais importante
teórico a apontar, no seu século, as trilhas que conduziriam ao processo de emancipação do
Estado.
Revelou-se um crítico ferino e radical nas contundentes acusações que desferiu
contra a prestigiada Igreja romana. Contra o clima de inquietação que a beligerância papal
lançava sobre os governos nacionalmente constituídos. Sua obstinada antipatia para com a
hierarquia eclesiástica era mais que a resistência de um homem consciente e apaixonado,
que possuía uma causa e argumentos vorazes para defendê-la das pretensões religiosas.
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Em seus destemperados ataques à Igreja, verberava que, sob uma máscara de
honestidade e de decência, o papado era tão perigoso para o gênero humano que causaria,
se não o detivessem, um prejuízo intolerável à civilização e à pátria. Foi a partir do combate
às pretensões e oportunismos da Igreja, que Marsílio se colocou como o mais remoto
precursor da moderna concepção da soberania.
Marsílio se destacou entre a plêiade de teóricos empenhados na defesa das
prerrogativas políticas das cidades italianas, cuja forma consular de governo foi inaugurada
em Pisa no ano 1085. Sua aspiração não era ver consolidada a soberania do Sacro Império
Romano-Germânico na península. A defesa enfática do Imperador não tinha qualquer
ligação com a ideia de um Império universal. Marsílio apenas viu, no soberano, o agente
capaz de fazer frente ao Papa na política italiana.
Ser inquieto, agitando-se na crosta de uma cultura filosófica e teológica que
considerava ultrapassada e oscilando entre a luz que nasceu do parto tomista de Aristóteles
e a perigosa escuridão material e espiritual de uma época em transe, Marsílio lançou-se
com penosas agitações interiores à construção da sociedade política laica e soberana. Capaz
de atitudes enérgicas, senão exóticas, havia, em seu feitio, tamanha exasperação e uma
expressão de orgulho ressentido, que não lhe cabiam mais as cortesias inócuas na invocação
do poder civil.
Esse homem enigmático, que granjeou amigos e adversários poderosos, avesso à
reserva e à inibição verbal, desencadeou a marcha irreversível da laicização do Estado
moderno e da concepção naturalista da política, revelando-se a poucos anos-luz das
interpretações despudoradas de Maquiavel, que festejou a conquista e a conservação do
poder como um fim em si mesmo, provocando uma reviravolta fenomenal nos códigos
éticos e na razão de Estado.
Marsílio também antecipou as ideias políticas – que os séculos separaram – de
Hobbes e Rousseau, proclamando não apenas a necessidade da sociedade política e do
governo como uma exigência da natureza humana, mas com atributos superiores aos de
quaisquer outras instituições, especialmente a Igreja (AMARAL, 2003, v. I).
Laborou poderosos argumentos que sacudiram os alicerces de uma época em
declarada falência, cuja procura por novos rumos seria alcançada com a Renascença. Seu
pensamento jurídico e político plantaram sementes de multiplicação entre seus
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contemporâneos e entre os teóricos ainda guardados no futuro. Em meio ao clamor
coadjuvante das massas ignotas e a ira dos príncipes e da burguesia que fizeram a Reforma
e a Revolução, Marsílio foi reavivado e os episódios que alimentaram as duas epopeias
cívicas encontraram na universitas civium a suprema fonte da soberania (GERWIRT,
1956).
Marsílio recorreu aos textos jurídicos de Cícero, que foi citado quando do propósito
de escrever o Defensor da Paz. Parafraseando o grande jurista romano em De officiis
(CÍCERO, 1984, I, 7, 22) e citando-o literalmente, mostrou que a tranquilidade e a paz
eram os primeiros e preciosos bens que se deviam levar aos indivíduos, comunidades e
grupos, não por uma questão de injunção mística, mas por uma necessidade natural, como
advertiu Platão e deu testemunho o próprio Cícero. Os meios gibelinos e comunais,
sobretudo os averroistas, deram-lhe a conhecer Aristóteles, cuja influência foi determinante
para a sua explicação da razão de ser da sociedade política e dos fundamentos civis que a
justificava e a legitimava.
Nos “campus” das universidades criadas nos séculos XI e XII e agora consolidadas,
floresciam intervenções em defesa da especulação racional frente aos dogmas da fé cristã.
A Universidade de Paris se tornou um importante centro de estudo da filosofia e da
teologia, embora, desde o século XIII, já contasse com quatro faculdades - artes, medicina,
teologia e decretos, ou direito canônico, pois o estudo do direito romano fora proibido em
1219.
Bolonha se fez o centro dos juristas, para onde acorriam estudantes nacionais e
estrangeiros, que aprendiam o direito canônico, mas, sobretudo, o direito romano ou civil.
Salermo conferiu ênfase ao estudo da medicina e um pouco mais tarde, Montpellier criou
os cursos de medicina e direito (GUENEE, 1973).
Pádua, Orleãs e Oxford se destacaram em uma ou outra ciência e os cursos de
direito quase sempre se dividiam em estudo de cânones ou direito canônico e em estudo de
leis ou direito civil. Entretanto, o pensamento clássico não se fez plumas atiradas ao vento.
Silencioso e perseverante, introduziu-se nas cátedras, influenciando a formação de uma
cultura e de uma postura política que lutava para romper com as ideias teocráticas
abastecidas em Orígenes, mas, sobretudo, em Santo Agostinho.
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Orígenes, homem duro como aço e o mais notável depois de São Paulo, há muito
deixara de ter relevância com sua escola catequética e suas ideias sobre heresias culposas e
aberrações nefandas. Nem seu gesto insólito, que o levou à condição de eunuco, depois de
emascular-se num imprudente excesso de zelo contra as armadilhas do mundo e suas
sombras ameaçadoras, fez parar as indagações que se avolumavam no tempo. Com o corpo
mutilado e a alma íntegra, Orígenes lutou e venceu os arcanos do mundo físico e seu reino
de símbolos e artifícios, esculpidos com nitidez incisiva nas mulheres dissolutas que
punham rubiques nas faces e introduziam nos homens os vírus da discórdia, do pecado e
dos costumes impuros.
Mas esse homem de muitos confrontos, oleiro de causas perdidas, de paredes
íngremes e lucubrações insípidas, estava destinado à circunscrição de um tempo fátuo, em
tudo crédulo e preso às ideias salvíficas. Orígenes tomou do próprio pensamento grego as
armas com que lhe foi ao combate. Atacou os epicureus que negavam a providência divina
e apregoavam que o prazer era o único e sumo bem. Dissecou a insídia dos peripatéticos,
movido pela obsessão dos insensatos, chamando-os de ensandecidos por ensinarem que o
mundo não era governado por Deus, cujo espírito se conservava alheio e até arredio à sorte
de suas cínicas e egoístas criaturas. Verberou maldição aos estoicos, que anunciavam um
Deus corruptível e sem reputação. Ridicularizou os platônicos, que acreditavam na
migração das almas que, como andarilhos, poetas e mendigos, vagavam errantes à procura
de corpos, sempre submetidas ao infortúnio.
Porém, desde a tradução da “Política” de Aristóteles, por Guilherme de Moerbeke,
em 1260, uma nova e decisiva rota se abriu, marcando definitivamente o pensamento
político na Idade Média, pois, a partir daí, o monopólio do agostianismo se rompeu e foi,
enfim, superado. A Civitas Dei, de Agostinho, com sua concepção transcendental do
homem e do Estado, foi eclipsada pela redescoberta do tratado de Aristóteles, no qual o
filósofo consagrou o profundo laço do cidadão com a polis e o papel desta no
desenvolvimento das potencialidades humanas, sociais e políticas da civilização Ática
(GILSON e BOEHNER, 2000).
Antes da versão latina da “Política”, outros textos de Aristóteles já haviam sido
traduzidos por Boécio, embora sua importante influência tivesse se reduzido a círculos
restritos do saber. O reaparecimento e a repercussão dos textos éticos e políticos do
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estagirita e a leitura da “Política” permitiram que se abrisse uma fenda no conhecimento e
se penetrasse na tensão fé e razão.
Um longo e ininterrupto processo de transição, permeado de crises e embates
doutrinários, abalou as estruturas que sustentavam o pensamento político-religioso e, em
muitos momentos, vergou-o até o chão. A razão deixou de ser explicada através da fé. O
mundo natural não era mais uma efígie, onde estava gravada a imagem do Paraíso. O
homem se libertou da imposição que o concebia apenas como cristão e a filosofia
abandonou o casulo que a prendia à teologia.
O combate entre a fundamentação teocrática do poder e a filosofia natural de
Aristóteles durou quase dois séculos e meio. À questão eclesiástica central, do fim último e
único do homem, o averroismo latino ofereceu a perspectiva de uma dupla interpretação:
um fim governado pela fé e outro pela razão. Em Paris, professor de filosofia, Marsílio
conheceu intensamente e tomou parte em todas estas questões.
Mas seu pensamento se originou, em grande medida, do conhecimento direto que
tinha da organização política das cidades da Lombardia, especialmente de Pádua. Da
consciência de que a desunião entre elas tinha sua origem no papado, como apontou Dante.
Todavia, foi reticente com a ideia de restauração do Império para afastar a interferência do
Papa, como pregou o poeta, mas advogou a pura e simples eliminação do sistema de poder
da Igreja, desenvolvido pelo direito canônico. Era essencial a desmontagem das
engrenagens desse poder paralelo que foi se estabelecendo paulatinamente e arrogava para
si os mesmos atributos da soberania, então disputada com tenacidade pelas repúblicas da
Itália e pelos Estados nacionais em formação.
Esta a sua preocupação central, advinda da necessidade de paz e quietude políticas,
para que o regnum se erguesse em suas muitas cidades ou províncias (GALÁN y
GUTIERREZ, 1945).
Com sentido realista, não voltou os olhos para o passado, em busca das glórias
perdidas do Império Romano, o protótipo tantas vezes invocado por Dante. A ideia de uma
pluralidade de reinos, com suas diversidades regionais, linguísticas e culturais, condizia
melhor com a concepção de múltiplos governos, do que a instituição de um poder universal.
Sua volta à Antiguidade foi motivada pelas querelas entre os poderes civil e
eclesiástico, impetuosamente vividas no presente. O norte da sua bússola apontado para o
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mundo antigo tinha em Aristóteles sua maior referência. Porém, não acompanhou São
Tomás na mesma viagem intelectual ao estagirita. Para o mestre de Aquino, a patrística se
tornara uma pedagogia obsoleta na fundamentação do Estado, assim como superadas as
concepções teocráticas de Santo Agostinho. Seu método escolástico nada mais era que a
fusão harmônica do espírito cristão contido na filosofia de Platão e capturado pelo bispo de
Hipona, sob a luz perene do pensamento do inigualável Aristóteles, que nele encontrou
novo significado e cujo sentido estava na síntese da fé com a razão.
Enquanto São Tomás ordenou espetacularmente a filosofia aristotélica com o
pensamento cristão, Marsílio empreendeu sua busca tomando o pensamento de Aristóteles
como um instrumento para promover uma profunda ruptura nas tradições medievais.
Dos discípulos de Averroés, recebeu decisivas lições, sobretudo de Pedro de
Albano, que lhe revelou a versão aristotélica do averroísmo latino e sua teoria da dupla
verdade. O polêmico e apaixonado Marsílio tomou conhecimento, então, de que as
conclusões racionais da filosofia podiam ser contrárias às verdades da fé. Ao escrever o
tratado Defensor da Paz, Marsílio se tornou o primeiro pensador a aplicar o averroismo à
política, cujas principais características estavam no seu naturalismo e racionalismo
absolutos. Com o averroismo, a filosofia divorciou-se definitivamente da teologia.
As implicações de sua incursão filosófica resultaram em nova leitura para o conflito
entre os reinos, o Império e a Igreja. Tripudiou a resistência desta em aceitar a separação
entre fé e razão e a negação dos fundamentos teológicos em que estava assentado o poder
político. O averroismo foi o instrumento que lhe permitiu construir uma ordem laica, uma
sociedade política secular, livre da interferência religiosa e dos dogmas anacrônicos. Com o
averroismo, o pensamento político encontrou uma saída teórica para a secularização e a
racionalização do poder, permitindo que se conhecesse e se compreendesse suas estruturas
e a necessária independência das imposições metafísicas.
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Em 1324 terminou sua obra mais importante, o Defensor da Paz, dedicado ao
Imperador Luís da Baviera. O livro causou grande escândalo nos meios religiosos, pois
Marsílio deixou exposto que a Igreja devia sujeitar-se ao poder civil como súdita, só
podendo atuar mediante autorização do príncipe.
Quando, em 1326, ele e João de Jandun foram reconhecidos como os autores de tais
heresias, tiveram que fugir para a corte do Imperador. No ano seguinte, suas doutrinas
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foram condenadas pelo Papa João XXII, na constituição Licet iuxta doctrina, que
anematizou que todo o poder temporal da Igreja estava submetido ao Imperador e que esse
podia tomá-lo como seu; que o bem aventurado apóstolo Pedro não teve mais autoridade
que os demais apóstolos e que não foi a cabeça dos outros apóstolos; que Cristo não deixou
chefe algum à Igreja e nem fez a ninguém vigário seu; que ao Imperador competia corrigir
o Papa, instituí-lo, destituí-lo e castigá-lo; que todos os sacerdotes tinham, por instituição
de Cristo, a mesma jurisdição e autoridade; e, que mesmo toda a Igreja junta não podia
castigar qualquer homem com pena coativa, se isto não lhe fosse concedido pelo
Imperador.
Impregnado da filosofia aristotélica que então se divulgava em Pádua, mas com
maior intensidade na Universidade de Paris, o tratado propunha a restauração do poder
político secular, a partir da visão de Aristóteles, que explicava a formação da sociedade
como um fenômeno natural. O povo era o verdadeiro legislador, que dava a si mesmo uma
lei justa, transferindo ao príncipe a sua aplicação. Ao Papa competia apenas o poder de
administrar a Igreja e exercer a presidência de honra do corpo eclesiástico, ou seja, do
Concilio Geral. Porém, sua postura crítica e dura não chegou ao extremo, pois sua ideia não
era propor uma ruptura radical e definitiva entre o poder laico e a Igreja, mas resolver os
dilemas da sociedade cristã em suas contradições no espaço político (TOUCHARD, 1973).
Para tanto, apenas estabeleceu a separação entre o temporal e o espiritual e apontou
quem eram os construtores e os inimigos da paz. No governo civil, estava a causa evidente
e a garantia do bem viver do homem, sendo, por isto, o avalista da ordem e da
tranquilidade, enquanto os que impediam a ação do governo temporal patrocinavam a
inquietação e a discórdia no interior da civitas. Estes os inimigos da paz, seduzidos pela
abusiva doutrina da plenitudo potestatis pontifícia. Sua decisão de apoiar o Imperador foi
mais uma estratégia para combater as exorbitâncias da Igreja, por ser o Imperador o único
com condições reais de se opor ao Papa.
O universalismo que a doutrina da plenitudo potestatis defendia para o Sumo
Pontífice, enquanto pastor de todos os crentes, transformou-se em ferramenta do governo
civil. A sociedade política se tornou um fim em si mesma e não uma congregatio fidelium.
O conjunto dos cidadãos, no qual se incluía todo o corpo eclesiástico, formava a universitas
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civium, responsável por elaborar a lei e, com isto, manter a paz e a quietude políticas
(ULMANN, 1985).
O Defensor da Paz, sua obra capital, é um denso tratado escrito no latim de escola,
tediosamente recheado de repetições, tão ao gosto e ao uso corrente nas lições que se
ministravam nas universidades europeias do medievo. Redizer o que já fora dito não era
apenas um cacoete generalizado nas cátedras universitárias, mas herança de um bem
pensado e articulado método pedagógico que teve início nas primeiras escolas catequéticas
ligadas aos mosteiros e abadias, onde se aprendia gramática, lógica, retórica, matemática,
geometria, astronomia e música. Também se ensinava o canto e o cantochão, mas,
sobretudo, o catecismo no vernáculo latino, fazendo com que os discentes decorassem, em
repetidas lições, os mandamentos e os ensinamentos divinos.
Este foi o clímax de uma aspiração real e uma pá de cal na busca de uma unidade
político-religiosa, que, durante a Idade Média, sempre existiu, mas que a realidade dos fatos
definitivamente erodiu, por absoluta falta de sintonia entre os dois atores centrais, que
arrogavam a si os atributos da soberania. Uma rivalidade de supremacias que vinha lenta,
mas seguramente, se decantando, fazendo com que episódios esporádicos de enfrentamento
ganhassem magnitude e consequências, como na disputa entre Felipe, o Belo, da França, e
o Papa Bonifácio VIII.
A rivalidade entre a Igreja e o Império caminhava para a ruptura institucional e
formal. Uma unidade que há muito já era questionada. Os novos tempos exigiam que a
Igreja fosse remetida para a sua missão espiritual, enquanto se consolidava, na pessoa do
soberano, a supremacia do poder temporal. A doutrina das duas espadas e a alusão
metafórica da teoria do sol e da lua, como expressão simbólica dos dois poderes, perdia
seus significados místicos e a Igreja via ruir um a um seus argumentos jurídicos, históricos
e bíblicos e, com eles, seus propósitos políticos (QUILLET, 1970).
Desde a segunda metade do século XIII, o progresso do espírito laico libertou os
sentimentos de crítica e oposição às pretensões da Igreja, acumulados e, muitas vezes,
transformados em hostilidades explícitas às hierarquias eclesiásticas, detentoras de imensas
riquezas materiais.
Dentro da própria Igreja, correntes se formavam para reconduzi-la às suas origens,
destacando-se os franciscanos espiritualistas das Ordens Menores, que defendiam o
40
princípio da pobreza religiosa e, com isso, desagradavam a cúpula eclesiástica. Tais
debates, no entanto, tiveram início na Universidade de Paris, dominada pelos frades da
Ordem Franciscana, fundada em 1209, pelo italiano Francisco de Assis e pelos frades da
Ordem Dominicana, fundada em 1215, pelo espanhol Domingos de Gusmão (LAGARDE,
1956).
O século novo que se abria prenunciava turbulências sociais e políticas. A
cristandade vivia outro momento de intensa discussão entre os poderes eclesiástico e civil,
resultado da posição da Igreja alemã na eleição do Sacro Imperador Romano-Germânico. O
Pontífice se colocou ao lado do arcebispo de Colônia, contrário à coroação de Luís da
Baviera.
Clemente V se precavia contra a política de anexação formal da Itália ao Império, o
que concretizaria, na prática, um direito real consagrado no código de Justiniano. Temia
que a incorporação da península levasse de roldão os Estados pontifícios e solapasse a
influência da Igreja sobre o regnum. Dentro da mesma perspectiva autoritária do Papa
Bonifácio VIII, que, uma década antes, havia redefinido o princípio hierocrático de uma
potestas directa da Igreja nos assuntos terrenos, especialmente nas questões de governo
civil, Clemente V negou reconhecimento ao novo Imperador (CHAMBERLIN, 2005).
Pela bula Unan Sanctam, de 1302, Bonifácio VIII, na sua contenda com Felipe, o
Belo, reabilitara a teoria das duas espadas, afirmando que ambas estavam em poder da
Igreja. Que a espada temporal devia ser usada para os fins da Igreja, enquanto a espada
espiritual devia ser usada pela Igreja. Que o poder espiritual só podia ser manuseado pela
mão do padre, enquanto o poder temporal, conduzido pelas mãos dos reis e cavaleiros, só
era legítimo quando contasse com o consenso e a vontade concordante do Papa. Uma
espada estava subordinada à outra, ou seja, a autoridade temporal devia submeter-se à
autoridade espiritual, remetendo a esta as questões do governo secular.
A preleção de Bonifácio VIII, resgatada da teoria dos dois poderes legítimos criados
por Deus para o governo do mundo, inaugurada no século V, pelo Papa Gelásio I (492496), e explicitada no século XIII, pelo Papa Inocêncio III (1198-1216), estabelecia que o
poder espiritual superava, em dignidade e nobreza, toda espécie de poder terreno.
Estabelecia, ademais, que todos se obrigavam a reconhecer esse princípio
... quando mais intimamente percebemos que as coisas espirituais sobrepujam as
temporais. A verdade o atesta: o poder espiritual pode estabelecer o poder terreno
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e julgá-lo se este não for bom. Ora, se o poder terreno se desvia, será julgado pelo
poder espiritual. Se o poder espiritual inferior se desvia, será julgado pelo poder
superior. Mas, se o poder superior se desvia, somente Deus poderá julgá-lo e não
o homem. Assim testemunha o apóstolo: o homem espiritual julga a respeito de
tudo e por ninguém é julgado. Esta autoridade, ainda que tenha sido dada a um
homem e por ele seja exercida, não é humana, mas de Deus (...) Assim, toda
criatura humana deve ser submissa ao Romano Pontífice... (CHAMBERLIN,
2005, p. 85-123).
Apesar da interferência da Igreja no processo eleitoral, cinco dos sete príncipes
eleitores se reuniram em Frankfurt, em 1314, e elegeram Luís da Baviera regente supremo
do Império.
Mas, do outro lado do Meno, o conde palatino do Reno e o arcebispo de Colônia,
também eleitores, indicaram Frederico da Áustria à mesma dignidade. Os dois monarcas
passaram, então, a disputar a soberania de uma única sede imperial, situação que se
transformou em combustível para alimentar desordens, encorajar distúrbios e arregimentar
forças entre as duas facções que se preparavam para o combate.
Clemente V viveu mais dois anos, acantonado na luxuosa sede apostólica que ele
transferiu para Avignon, dissimulando intermediar a disputa, que em tudo lhe interessava.
Enquanto permanecesse sem solução a pretensão dos dois monarcas ao trono imperial, na
realidade, não se teria nenhum, ficando o Papa fortalecido e livre para costurar acordos e
implementar seu poder, notadamente nas cidades-repúblicas do norte e nos Estados
pontifícios de boa parte da Itália central.
Roma ficou entregue às ambições dos senhores locais e de grupos armados a soldo
ou de criminosos ordinários, que patrocinavam violências e saques. A Cidade Eterna se
transformou num ergástulo de delinquentes, vadios e assassinos, comandados por
eclesiásticos venais, subtraídos à jurisdição secular, a que as mulheres de segre, de longa
data agregadas à Corte papal, davam o colorido dos seus lupanares. As que foram deixadas
para trás pelo séquito de Clemente V, estavam livres, agora, das obrigações impostas ao
tempo de Bento IX, que legislou sobre as regras do primeiro prostíbulo pontifical.
Não tinham mais as messalinas que assistir às missas matutinas e nem cerrar as
portas na semana da Santa Paixão e, aos clérigos, prelados, bispos e nobres, não se exigia o
“indulto” para, agora, frequentá-las. Só a tarifa continuou variável, combinando com as
festas da Igreja e com a dignidade do santo do dia. Para que a arrecadação fosse substancial
e compensasse os dias de fraco desempenho, passou-se a comemorar ao modo romano as
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quatro festas da Virgem: a Natividade, em 08 de setembro; a Purificação, em 02 de
fevereiro; a Anunciação, em 25 de março; e, a Assunção, em 15 de agosto.
Também se festejava com grandes celebrações a entrada da Quaresma e com
procissões monumentais os dias das Litanias Maiores dos quatro evangelistas: Mateus,
Marcos, João e Lucas, quando a Cidade recebia numerosos romeiros e os preços gerais
explodiam.
A mudança da Cúria para Avignon trouxe-lhes benefícios fiscais inesperados, pois
foram desobrigadas de pagar o tributo de um terço dos seus lucros ao esmoler do Pontífice
e outro terço ao seu mordomo pessoal.
Em 1316, o Colégio Cardinalício reuniu-se em conclave para eleger o novo Papa, o
francês Jacques d’Euse, filho de um sapateiro de Cahors. Aos setenta e dois anos, o
Pontífice, que se fez chamar João XXII, era senhor de uma reputação em farrapos, que
extrapolava o ódio que lhe devotavam os ex-membros da extinta Ordem dos Templários.
Cúmplice de Felipe, o Belo, na ignominiosa perseguição aos Cavaleiros, que foram
acusados de crimes vergonhosos, Jacques de Cahors sustentou o direito do rei em apoderarse dos seus bens móveis e das suas extensas propriedades. Este o homem e sua biografia
maculada, que ora iniciava o pontificado, e a quem Luís apelou a solução para o conflito
que, há dois anos, se arrastava.
Mas, as velhas chamas da cobiça, das intrigas diplomáticas e dos interesses políticos
locais ofereceram ao recém eleito Papa a efêmera suposição de que, manipulando e
mantendo a política externa de Clemente V, o Império não permaneceria à deriva, mas na
órbita da Igreja, o centro de gravidade do sistema político, religioso e social.
Seduzido pela trama que lhe teceu Roberto de Nápoles, também interessado em
preservar seu poder e assim dividir o controle sobre a península itálica, João XXII não
reconheceu nenhum dos dois pretendentes à cadeira imperial, declarando-os ilegítimos na
condução dos negócios públicos do Império.
O provecto e engenhoso Papa declarou vago o sólio imperial e avocou o direito de
administrar o Império. Só não contava com a reação extremada do Imperador, que recebeu
o édito com desdém e deu forte réplica ao supremo hierarca eclesiástico, intensificando a
disputa com Frederico da Áustria, que foi derrotado em 1322, na batalha de Mühldorf.
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A derrota militar de Frederico significou grande constrangimento político para o
Papa, que ora se via diante de um único Imperador, a quem fizera obstinada e imprudente
oposição. João XXII excomungou o Imperador e este, com o apoio dos franciscanos
espiritualistas Miguel de Cesena e Guilherme de Occam, denunciou o Papa como herético,
sob a alegação de que o Pontífice não respeitava o dogma de fé sobre a pobreza de Cristo e
dos seus apóstolos.
O Pontífice que, neste ano, estava envolvido na disputa entre os frades da ordem
franciscana reunidos no capítulo de Perúgia para debaterem a relevante questão espiritual se
Cristo e os apóstolos tinham vivido na posse de bens materiais, nada pôde fazer contra a
imposição dos fatos. O vencedor Luís trocou embaixadas com o vencido Frederico, que
acordou em não dificultar a invasão da Itália. Nos assuntos domésticos, a facção papal no
congresso era confrontada com a decisão do geral da Ordem de São Francisco, Miguel de
Cesena, que, acolhendo as instâncias dos “espirituais”, proclamou como verdade de fé a
pobreza de Cristo e dos apóstolos que, se tinham possuído bens materiais como próprios,
fizeram-no apenas como usufruto em favor da religião (GOYARD-FABRE, 1999).
O conteúdo da proclamação desagradou sobremaneira ao Pontífice, que entreviu, na
ousadia dos espiritualistas capitulares, o embrião de uma força que se erigia paralela à sua.
Força essa que, não eliminada, poria em xeque o seu poder de capitão-mor da Igreja e,
como tal, sua autoridade para contestar o Império na questão das investiduras, assim como
a atribuição de coroar o Imperador e de acometê-lo na dimensão espiritual do poder. A
tentativa de salvaguardar a virtude e a pureza da ordem foi condenada e as proposições dos
franciscanos julgadas heréticas em 1323, pela decretal Cum inter nonnullos.
As colunas militares de Luís empreenderam marcha à Itália. Entraram em Milão,
enfurecendo os Visconti, que, antes, tinham-se colocado como aliados. Sitiaram Pisa e o
facínora vigário imperial Castruccio Castracani, duque de Lucca e Pistoia, assim como
Sciarra Colonna, senhor de Roma, se ofereceram para colaborar.
Em 1327, Luís penetrou em Roma com as tropas imperiais. João XXII recusou
deslocar-se de Avignon para oficiar a cerimônia de coroação, alegando que a eleição no
Império fora viciada. A conselho dos teólogos imperiais, Marsílio de Pádua e Giovanni de
Gianduno, a resposta do soberano foi imediata. João XXII foi destituído e Luís, coroado
por um clérigo em janeiro de 1328, depois de formalmente reconhecido Imperador pela
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eleição arranjada de um senado de cinquenta e dois homens ilustres de Roma e de se fazer
aclamar pela claque ensaiada da populaça.
Em seguida, reuniu treze eclesiásticos para que elegessem um antipapa, Pietro
Rainalduci, de Corbara, que se fez chamar Nicolau V, saído precisamente das hostes
franciscanas inimigas do verdadeiro Papa. Porém, seis meses depois, repudiado pelos
romanos e acossado pelos grupos guelfos que hostilizavam o governo, mas, principalmente,
pelas ameaças do soberano francês, interessado em manter a Cúria em Avignon, Luiz foi
obrigado a refugiar-se em Pisa, dominada pelos gibelinos, seus partidários.
A desídia papal não ficou sem resposta. A Kurverein de Rense declarou a eleição do
Imperador legítima, ainda que sem o reconhecimento pontifício e a Dieta de Frankfurt
confirmou os príncipes eleitores competentes para elegerem o Imperador. Finalmente, a
Bula de Ouro, promulgada por Carlos V, em 1356, selou a independência constitucional do
Imperador perante o Papa. Reconheceu a legitimidade dos príncipes eleitores na cimeira
eleitoral, comparando-os a colunas que mantinham intactas as estruturas do Império, pois
sustentavam o sagrado edifício com a vigilante piedade de sua circunspecta prudência, cuja
vontade concordante mantinha a honra e a unidade do Império, além de regulamentar a
eleição imperial sem a interferência do Bispo de Roma, cuja fórmula se manteve até 1806.
A velha concepção política de equilíbrio dos dois poderes, inaugurada pelo Papa
Gelásio I, foi rompida e uma nova ordem constitucional foi estabelecida no Império,
tomando, na Alemanha, a forma de uma federação de príncipes sob a presidência do
Imperador, que durou até a fundação do II Reich em 1870.
Foi neste contexto conturbado que surgiu o extenso tratado político e eclesiológico
Defensor da Paz, que representou um profundo e fulminante golpe nas pretensões papais de
um governo temporal. Entretanto, as duas fontes principais que inspiraram Marsílio,
concentradas no conhecimento das práticas políticas das repúblicas italianas e no contato
com as teorias de Aristóteles, sobretudo sua versão no averroismo latino, permitiram ao
autor do Defensor da Paz construir seu edifício de ideias políticas, independentemente da
ocorrência de mais uma grande controvérsia entre os poderes secular e eclesiástico.
O longo e extenuante conflito ensejou uma enorme quantidade de literatura
partidária e panfletária de ataque e de defesa dos grupos em atrito. Mas foi Marsílio o
primeiro teórico a evocar a ideia de organização da sociedade política em parâmetros
45
exclusivamente laicos. O exercício do poder político arrogado pelo Papa era ilegítimo,
ainda que firmado numa longa tradição que conferia ao Sumo Pontífice prerrogativas
complementares de ajustar o poder civil ao magistério eclesiástico.
Marsílio foi essencial para o individualismo secularizador que caracterizou o
pensamento filosófico no século XIV. A ele, juntou-se João de Jandun, Miguel de Cesena e
Guilherme de Occam, apontando para uma nova concepção da sociedade política,
extrapolando em ideias a condição geográfica e ideológica de exilados. Todos empenhados
em assaltar o leme das construções teóricas de São Tomás, que, desde o século anterior,
conduzia a vanguarda do pensamento filosófico. A repercussão das ideias do aquinate
impôs à teoria do poder uma dimensão que só se justificava dentro de uma ordem
transcendental. De uma potestas indirecta ou de um poder espiritual concorrente e
fiscalizador.
Contemporâneo de Marsílio, Egídio Romano trabalhou com o mesmo afinco e
radicalidade em defesa da plenitudo potestatis do Papa. Sua obra teológica “Sobre o poder
eclesiástico” sustentava que o poder residia originalmente em Deus, como ensinara São
Paulo na afirmativa de que não havia maior poder que o de Deus. Ou seja, todo poder
emanava de Deus e só podia ser exercido em seu nome e por sua delegação, cabendo ao
Papa o papel de intermediário na transmissão desse poder (ROMANO, 1989).
Como mediador entre Deus e o governante, o Sumo Pontífice exercia uma natural
supremacia fundada nessa intercessão, que incluía o poder de investir e de destituir o
soberano, quando este deixasse de exercer o bom governo, cujas premissas eram
estabelecidas pela própria Igreja. E o bom governo, ensinava a tradição literária inaugurada
no século XII, com o “espelho dos príncipes”, era aquele que conciliava o sucesso do
governo com a moral cristã. O príncipe ideal era alguém devotado ao bem comum e aos
negócios públicos, além de dedicar-se ao aperfeiçoamento das artes e das ciências.
Retornando a São Paulo, mas resgatando especialmente o pensamento teocrático de
Santo Agostinho, para quem “um reino que não foi instituído por meio do sacerdócio ou
não foi reino, mas latrocínio, ou foi unido ao sacerdócio, pois, antes que Saul fosse
instituído por Samuel, como por sacerdote de Deus, e fosse posto como rei, Melquisedeque
foi rei de Salém. Mas esse Melquisedeque, além de ser rei, era também sacerdote.”
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Egídio retomou uma doutrina que vigorou com exclusividade até o século X. As
implicações aduzidas pelo teólogo punham a autoridade régia sob sujeição da autoridade
sacerdotal, pois esta, na pessoa do Papa, era a instituidora da autoridade temporal e juíza de
todas as questões espirituais e temporais, só podendo ser julgada por Deus.
Egídio apontou que o Papa, investido do poder supremo que só ele detinha, não se
constituía um indivíduo comum, mas uma pessoa singular em relação às demais, sendo tal
poder um atributo do cargo de Sumo Pontífice:
Mas, como o ser e a denominação da coisa vêm principalmente da forma e não da
matéria, o povo é sempre o mesmo, o rio é sempre o mesmo, embora nem sempre
os homens e a água sejam os mesmos. Assim também o Sumo Pontífice é sempre
o mesmo, embora nem sempre seja o mesmo homem que está constituído nesse
oficio (ROMANO, 1989, p. 87).
Na invocação do poder absoluto do Papa, Egídio lembrou as palavras de Cristo na
sagração de Pedro, quando disse ao apóstolo que tudo que ligasse na terra seria ligado no
céu e tudo que desligasse na terra seria desligado no céu. Tomando velhas doutrinas para
construir uma nova teoria do poder, em cujo ápice e portando os dois gládios estava o Papa,
Egídio conferiu ao Sumo Pontífice todos os atributos de um poder soberano e inconteste,
pelo qual os reinos, nações e cidades não eram mais que súditos de um único soberano ou
vassalos de um grande e poderoso suserano.
O direito canônico inspirado nas escrituras sagradas e glosado nas encíclicas, cartas,
bulas, decretais e outros documentos, além das práticas, usos e costumes das comunidades
eclesiais, atribuía ao Papa a autoridade máxima tanto nas questões temporais, quanto mais
nas questões espirituais. Esta a causa do desassossego na Europa e da fragmentação política
da Itália. Os privilégios que a Igreja conferia a si mesma, motivo dos intermináveis
conflitos pelo controle do poder político e nos quais as armas da religião se confrontavam
com as forças militares, apontavam para o perigoso distanciamento da sua missão.
Para Marsílio, o único encargo missionário conferido por Cristo à Igreja era o de
ensinar o Evangelho e apontar no que se devia acreditar, fazer e evitar para se alcançar a
bem-aventurança no outro mundo, escapando o homem da condenação eterna. Essa missão
apostólica era inconciliável com o exercício de qualquer outra forma de poder. As
pretensões políticas do Papa não passavam de uma peste contagiosa de efeitos corrosivos.
No Defensor da Paz, o poder só era real quando conferia a mais absoluta soberania
ao seu titular, cuja realidade se expressava pela capacidade de coagir e de obrigar os súditos
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à obediência. Às prerrogativas da Igreja, de ensinar e aconselhar, não se somava o atributo
da coação ou o privilégio de determinar a conduta dos homens. Portanto, quando a Igreja
arrogava tais direitos, usurpava uma competência que era do Imperador ou dos Príncipes. A
posição hierárquica dos membros da Igreja não tinha nenhuma importância. Do Papa aos
diáconos e o corpo de fiéis, eram todos cidadãos submetidos à autoridade civil. Como
instituição, a Igreja se igualava a todas as outras instituições, sendo intolerável sua
pretensão de se colocar na posse de um poder excepcional, capaz de rivalizar ou, até
mesmo, de suplantar o poder do Império e dos reinos que se formavam.
Marsílio trouxe para o debate político-religioso a percepção de que a Igreja era a
causa singular dos conflitos que se estendiam por toda Europa. A ambição do clero estava
na raiz das prolongadas guerras de religião, que lançavam o continente no caos e, na Itália,
conspirava contra a unificação. Precisava-se, pois, aniquilar essa força paralela que
afrontava o poder civil, exigindo um extenso rol de privilégios, isenções e foros especiais.
A solução inflexível estava na ruptura institucional entre Igreja e sociedade política,
reduzindo o Pontífice à sua dimensão sacerdotal e a Igreja, à sua missão espiritual.
O Defensor da Paz foi estruturado em três partes ou discursos, chamados dictiones.
Na primeira, que é uma preparação para a segunda parte, Marsílio expôs suas ideias
políticas, fundamentadas em Aristóteles. Na segunda, o autor ocupou-se da questão
eclesiástica, polemizando contra o poder da Igreja, particularmente do Papa, derivado da
doutrina da plenitudo potestatis. Na parte final, enumerou quarenta e duas teses, que
resumem as partes precedentes. Entretanto, os dois discursos principais diferem no método,
permitindo interpretar a obra segundo a leitura que se faz de uma ou outra parte. O primeiro
se baseia na ciência racional de Aristóteles e o segundo confirma o primeiro discurso
mediante a autoridade do Novo Testamento.
Ao se tomar a influência de Aristóteles no seu pensamento, tem-se a primeira
exposição do averroismo político e, por isso, seu estudo é precursor das teorias políticas
modernas. Se, porém, der-se ênfase ao segundo discurso, sua obra é um tratado
eclesiológico, que antecipa as doutrinas religiosas protestantes, que explodiram no século
XVI.
Por dois caminhos absolutamente diferentes, Marsílio chegou a um mesmo objetivo.
A razão e a revelação apontavam para o fato de que o clero ou qualquer outra instituição da
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sociedade civil não tinha preeminência e nem podia rivalizar com a autoridade da sociedade
política. Em seu pensamento, a civitas exigia uma autoridade secular única e soberana que a
ordenasse, fruto de uma interpretação natural da vida em sociedade. Porém, quando
empregou o método exegético com base na interpretação da verdade revelada de ordem
sobrenatural, usou as mesmas premissas para dizer que a verdade humana extraída da razão
podia conviver e até se completar com os axiomas transcendentais.
O Defensor da Paz é um tratado político-eclesiológico que, antes de levar a razão e a
natureza humanas às últimas consequências, deixou-se limitar por considerações filosóficas
e teológicas, nas quais o pensamento de Aristóteles foi profundamente transformado pela
tradição católica. Marsílio foi, antes de tudo, um filósofo cristão, por isso, o naturalismo
aristotélico foi suavizado (BERTI, 1979).
Ao reconhecer o impulso natural do homem para viver em sociedade, omitiu que
esta existia por natureza e que o homem era um animal essencialmente político, que se
associava apenas para defender a sua vida, não num sentido de ação solidária da existência,
pois “entre os homens assim reunidos ocorrem rixas e contendas que, se por acaso não
estivessem regulados por uma norma de justiça, teriam sido a causa da guerra e da
separação dos seres humanos e, finalmente, ocorreria a própria destruição da cidade”
(PÁDUA, 1997, p. 84).
Mas, para que o homem pudesse viver em sociedade, ele próprio solucionou os
conflitos, criando leis e inventando diversos ofícios, de modo que a vida social se mostrava
oportuna à associação dos indivíduos que podiam “tirar proveito das habilidades pessoais
de cada um e a evitar os prejuízos causados pelos fatores que lhes são adversos” (PÁDUA,
1997, p. 84).
Na sua concepção, a vida destinava-se a dois fins: um que se conhecia através da
razão e o outro por intermédio da fé. Ou seja, cada um dos atos humanos tinha,
simultaneamente, um fim temporal e um fim espiritual. Seu modelo de vida, embora
comportasse uma dualidade de fins, tinha uma única unidade de ação. Marsílio distinguiu a
esfera do que era cognoscível daquele âmbito onde a razão não podia alcançar, separando
as verdades da fé das verdades da razão.
A religião devia se colocar no domínio do sobrenatural e as questões seculares,
apreciadas e julgadas em termos estritamente racionais, onde não cabiam injunções de
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ordem transcendental. Sua pretensão maior estava em demonstrar que a sociedade civil ou
política era uma instituição naturalmente necessária, ainda que o tema da paz ocupasse um
papel absolutamente relevante na sua engenharia política.
A paz era o elemento essencial na cidade e esta, na sua construção, era equiparada a
um ser vivo, composto de partes que exerciam funções específicas, cujo funcionamento
devia ser harmônico e ordenado, enquanto a discórdia e a guerra resultavam do mau
funcionamento de um ou mais membros desse organismo político. Marsílio conjugou o
naturalismo político com o princípio da autopreservação e o desejo de uma vida suficiente,
cuja realidade só era possível pela união dos homens em sociedade, fundada na
legitimidade da lei.
O Defensor da Paz se abre com o tema que o consumia. A paz era o grande bem da
comunidade, a base em que se assentava a sociedade civil. Tomando os cenários caóticos
dos conflitos por toda Europa e generalizados entre as cidades-repúblicas da Itália, estudou
suas causas sob a luz de Aristóteles, que havia discorrido sobre os motivos das discórdias e
das revoluções no Livro V, da Política. Marsílio observou que, entre as causas apontadas
por Aristóteles, faltava uma, que o estagirita não conhecera, por não existir em seu tempo,
e que era a demanda principal das desordens espalhadas por toda Europa.
No poder eclesiástico e na sua pretensão de exercer plena soberania sobre o
organismo político, identificou os germes que corroíam e fustigavam o Império, os reinos e
principados, além da dramática divisão em que se encontrava a Itália. Estudar tal situação e
precisar como ela podia ser alterada constituiu-se no objetivo de sua ação temerária.
Para explicar a origem da sociedade civil, a communitas perfecta, inspirou-se na
concepção aristotélica do corpo político como um organismo natural, composto de diversos
membros, cada um com sua função específica. Entretanto, não utilizou o termo polis como
exemplo da comunidade ideal, mas os termos civitas ou regnum, para referir-se à
comunidade nacional.
Procurando definir os vários significados de regnum, a fim de evitar equívocos, face
à multiplicidade dos termos, apontou quatro acepções, correspondendo a primeira à ideia de
“muitas cidades ou províncias unidas sob um mesmo regime”. Para Marsílio, um reino
abrangia um espaço territorial determinado e sua população, extrapolando os limites de
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uma cidade em particular, submetidos a uma forma de governo único, independentemente
da sua variação ou sistema (PÁDUA, 1997, p. 75).
Aqui o termo regnum foi usado para significar a sociedade política em geral, como
Aristóteles anteriormente caracterizara a polis. Na segunda colocação para regnum,
ressaltou que se tratava de certo tipo de constituição ou regime político misto. Neste
sentido, um reino podia existir tanto numa única cidade, como na reunião de várias delas.
Por referir-se a uma constituição ou regime político específico, o segundo significado de
regnum não se assemelhava à ideia da polis e nem equivalia à concepção de uma sociedade
política em geral.
Com relação ao terceiro significado de regnum, Marsílio observou que se tratava de
uma combinação de conceitos anteriormente aludidos. Ou seja, o termo regnum passou a
indicar uma pluralidade de formas de governos justos. Porém, guardou para o quarto
significado de regnum sua conotação mais valorativa, adotando-a no sentido de que “reino
designa algo de comum a toda espécie de regime misto que se aplica a uma ou muitas
cidades”. O conceito de regnum não estava ligado ao aspecto físico do território, à sua
extensão e à sua geografia humana, mas ao que havia de comum a todas as constituições
mistas (PÁDUA, 1997, p. 76).
Mas, para esclarecer esse “algo de comum” aos regimes mistos, é preciso deslocarse ao capítulo em que confrontou os diversos tipos de constituição. Para a distinção que o
paduano fez das formas de governo, classificadas entre temperadas e corrompidas, segundo
a busca ou não do bem comum, no mesmo sentido de Aristóteles na Política. O aspecto
novo e fundamental na concepção do “algo de comum” e que superou as formulações do
estagirita está na ideia de um governo que só se justifica pela existência de um acordo com
a vontade dos súditos.
Embora não visse necessidade de apontar qual das formas de governo bem
temperado era a melhor ou qual dentre as corrompidas era a pior, indicou, como critério
irrenunciável e absoluto, que o consenso dos súditos era o melhor indicativo para
diferenciar uma forma de governo da outra. Ou seja, o sentido do “algo de comum” estava
assentado na ideia de consenso, permitindo que um grupo de pessoas se constituísse numa
sociedade política, porque os habitantes dessa cidade ou província desejavam um governo
único.
51
Como em Aristóteles, defendeu que o fim da comunidade política era buscar a vida
boa, dirigindo sua reflexão para a realidade concreta, ou melhor, para o provisório da
humana existência. Seu significado para vida boa despiu-se do sentido ético que lhe fora
dado por Aristóteles, para referir-se à satisfação das necessidades temporais e físicas, no
seu sentido imediato e orgânico.
A comunidade política estava assentada sobre bases biológicas e era no seu âmbito
que o homem satisfazia suas necessidades mais imediatas. Com fundamento nestas
exigências e não por um desejo de justiça ou de amizade é que os homens descobriram a
necessidade e a conveniência de se associarem para melhor satisfazer suas necessidades.
Somente neste sentido o homem era um animal social. A ideia de uma comunitas perfecta
como um organismo social, composto por diversos membros, assumiu a forma de uma
“associação a tal ponto perfeita, e possuindo por si mesma em seu interior a sua
suficiência”.
A sociedade dividia-se em várias partes, que, no conjunto, concorriam para se
alcançar a vida boa e superior, dentro da unidade de propósito da sociedade política. A
sociedade marsiliana se estruturava em seis classes ou partes orgânicas: a agricultura,
destinada a “produzir e manter as ações nutritivas”; o artesanato, responsável pela
adaptação do homem à vida em sociedade e instrumento que proporcionava melhores
condições de existência, equipando o homem com as ferramentas necessárias ao seu
trabalho; a parte judicial ou conciliativa, responsável por regular os excessos dos atos
produzidos pela inteligência e vontade; o exército, encarregado de promover a segurança
externa e a ordem interna; a financista, comissionada à administração das riquezas, ao
provimento das necessidades futuras e à administração e gerenciamento das atividades
internas; e, por fim, o clero, que, embora não estivesse relacionado às cinco atividades
essenciais, restava como utilidade moral, pois defendia a ideia de que Deus atribuía um
prêmio aos bons e um castigo aos maus, concorrendo para a suficiência da vida na cidade
(PÁDUA, 1997, p. 89).
Se a comunidade perfeita se erguia movida por um impulso natural, tendo em vista a
felicidade ou a vida suficiente neste mundo, este objetivo só podia ser concretizado pela
transformação da comunidade em sociedade política, entidade que, no século XVI,
Maquiavel chamaria de Estado.
52
Enquanto as formas mais antigas de sociedade se pautavam pelas relações
familiares, exibindo uma condição natural de comando patriarcal, a cidade que se ergueu
sobre a timidez da aldeia operou uma transformação radical. A necessidade de ordenar as
ações em direção a um substancial consenso, para evitar que os conflitos e contradições
levassem-na a cabo, fez com que a comunidade perfeita denominada cidade se constituísse
em sociedade política de fato. Fruto da razão, do desejo natural do homem pela vida em
comunidade, tal sociedade, porém, não decorreu de uma inevitável imposição natural.
A justificativa para a sua instituição estava na natureza pecaminosa e corrompida
desde o primeiro homem. Criado no estado de ignorância e de justiça original ou de graça,
se tivesse permanecido nesta situação, não teria desencadeado a necessidade de instituir
para si mesmo e para a posteridade os diferentes cargos existentes na cidade. Em
consequência da atitude pecaminosa de Adão, toda a humanidade ficou enferma da alma,
desde o momento em que vem ao mundo, embora tivesse sido planejada (PÁDUA, 1997).
Como seres falhos e frágeis na sua essência, os homens sentiram necessidade de
estabelecer uma norma que determinasse o que era justo e criaram “um guardião ou
executor da justiça, no intuito de facilitar a convivência social. Instituíram, então, o
governo, que se fez “entre todos os ofícios o mais importante para a cidade”, pois sua
ausência acarretaria uma situação de anarquias e guerras, que levaria a cidade à ruína
(PÁDUA, 1997, p. 156).
Além de estabelecer o que era justo e o que era injusto, de reparar as ações
arbitrárias, cometidas contra terceiros e contra a própria governabilidade, o governo da
cidade encarregava-se de manter o equilíbrio e a tranquilidade, sem os quais a vida
suficiente não seria alcançada.
Para Marsílio, o governo desempenhava o mesmo papel vital que o coração tinha no
organismo de um ser vivo:
O processo que convém ser aplicado à cidade, conforme a razão, é importante que
seja idêntico. Assim, mediante o sentir do conjunto dos cidadãos ou de sua parte
preponderante é que deve ser formado primeiramente, em seu interior, um órgão
análogo ao coração, no qual eles todos imprimem uma força ou forma com poder
ativo ou autoridade para instituir ou outros grupos sociais da cidade. (PÁDUA,
1997, p. 89).
O governo se constituía como o sujeito que determinava as outras partes da cidade,
em razão do seu papel de instituidor da sociedade política. Por isso mesmo, a atuação do
Príncipe devia ser igual à “atividade cardíaca no organismo vivo, jamais deverá ser
53
interrompida” (PÁDUA, 1997, p. 160). Ao governo, se submetiam todas as partes e por ele
eram reguladas, cabendo-lhe, inclusive, competência para instituir novos grupos sociais,
determiná-los e conservá-los, sujeitando todos ao seu comando absoluto.
Apesar desta arrogância em conferir primazia à autoridade, esta não era originária e
sim derivada, pois a causa eficiente e primária era o legislador, sendo o governante a causa
secundária, ou seja, o Príncipe não era mais que o instrumento ou o fiel executor da lei.
Uma vez que o governo tinha origem na vontade humana, competia ao conjunto dos
cidadãos engendrarem a forma, isto é, a lei por meio da qual todos os atos civis deviam ser
regulados. Também era “de sua alçada determinar o sujeito ou a matéria desta forma, quer
dizer, escolher o Príncipe a quem cabe ordenar as ações civis dos seres humanos”
(PÁDUA, 1997, p. 153).
Marsílio concebeu que o melhor governo era aquele estabelecido pela vontade dos
cidadãos, expressado pelo mecanismo da eleição e o pior aquele imposto contra a vontade
da coletividade. Pouco importava sua forma, se monárquica, aristocrática ou uma república.
O fundamental era que o governo fosse instituído pela vontade popular, através de
eleição. Esta era a única maneira de legitimar todas as formas de governo temperadas, pois
os principados eram estabelecidos de acordo com ou em desacordo com a vontade dos
súditos. No primeiro caso, se enquadravam as formas ou regimes temperados, no segundo,
pelo contrário, os corrompidos.
Marsílio se opôs ao governo monárquico hereditário, por considerar que o poder
estava titularizado no corpo político que dava vida à sociedade e não centralizado na pessoa
de um único indivíduo. A vontade coletiva era incompatível com o arbítrio de alguém que
se autoproclamava governante e arrogava representar a vontade popular. Antes, se
expressava num governo sob controle permanente do povo, embora o conceito de povo não
estivesse diretamente ligado à ideia de participação política das classes subalternas, mas
apenas à parte de maior e melhor valor, ou seja, à elite econômica, social e política (LE
GOFF, 1935, v. I e II).
Ao analisar as vantagens e inconveniências de uma monarquia eletiva ou de caráter
hereditário, lembrou as observações de Cícero, no De Officcis (I, 8,26), sobre a ânsia e o
desejo humano pela honra, o poder e a glória, que se apoderavam dos grandes homens. Ao
considerarem-se dignos de alcançar o comando político máximo de uma sociedade regida
54
por uma monarca de livre eleição, podiam cair na tentação de recorrerem a todos os meios,
inclusive os ilícitos, para ascenderem ao governo do principado.
Esta questão mereceu reiteradas considerações e análises de Marsílio, que conferiu
sentido mais lato às palavras de Cícero, concluindo que o desejo de honras e glórias não era
contrário em si mesmo à virtude aristotélica, descrita no capítulo IV, da Ética, a Nicômaco,
a não ser quando se concretizava fora das normas e das regras da razão.
A parte executiva e a judicial do governo deviam se conformar às regras
estabelecidas pelo corpo dos cidadãos. O modo de instituí-las seguia o costume de cada
sociedade, porém a autoridade do principado derivava sempre, e em qualquer caso, do ato
legislativo do todo social. Era essencial que essa autoridade fosse exercida com a mais
estrita observância ao direito e que seus deveres não caíssem no descaso e nem seus
poderes exorbitassem o que foi determinado pela coletividade.
À parte executiva, cabia velar para que as demais desempenhassem suas funções
adequadamente, tendo em vista o bem comum. Se assim não agisse, o governante podia ser
destituído pelo mesmo poder que o elegeu, ou seja, pelo povo. Sua opção por uma
monarquia eletiva em lugar da hereditária ficou explícita, ainda que ele se mantivesse
concentrado nas questões políticas das cidades-repúblicas da Toscana e da Lombardia e não
no Sacro Império Romano-Germânico e numa única soberania.
Marsílio operou uma mudança nos critérios que legitimavam o governo, quando
tratou das suas características. Os aspectos morais que ensejavam a ideia do bem comum
foram deslocados para dar lugar ao procedimento do consenso popular, a que foi acrescida
uma nova medida de ordem objetiva: a causa que torna alguém efetivamente governante
não é a ciência das leis e tampouco a prudência ou a virtude moral individual. Embora essas
virtudes sejam necessárias para se ter um príncipe ideal, muitos homens possuem as
sobreditas virtudes, mas lhes falta aquela autoridade para exercer o poder, de maneira que
só podem ser considerados príncipes em potência.
A qualidade do príncipe ideal, necessária para que o deixasse de ser em potência e
se transformasse em príncipe de fato, investido no poder com base no consenso dos
cidadãos, iniciava pela virtude da prudência, “porque ela o torna perfeitamente apto a
exercer seu cargo, que consiste em julgar acerca da utilidade das coisas e do cumprimento
da justiça no interior da cidade”.
55
Outras qualidades exigidas do príncipe eram a sua bondade moral, a virtude e
especialmente seu senso de justiça. Um príncipe corrupto levava a sociedade a sofrer as
consequências dos seus atos, mesmo quando informado pela lei. Também a equidade era
necessária, principalmente para julgar os casos em que a lei fosse omissa. Ser prudente,
justo e imparcial era pautar a apreciação dos fatos por um julgamento reto e proferir
decisão conforme a lei, não se permitindo nunca o arbítrio. Para completar o leque de
qualidades, o príncipe devia possuir um devotamento especial para com a sociedade civil,
de maneira que a bondade e a solicitude das suas ações promovessem o bem comum de
cada cidadão.
Mas estas qualidades, por si mesmas, não bastavam como suficientes para o
exercício de um bom governo, pois inúmeras pessoas as possuíam e nem por isso estavam
investidas no poder. O que de fato caracterizava um governo em perspectiva do bem
comum era sua origem assentada no consentimento popular, que podia ser tácito, como nas
monarquias hereditárias, ou explícito, por meio da eleição. Outro critério relacionava-se
com a finalidade, ou seja, os principados se estabeleciam de acordo ou em desacordo com a
vontade dos seus cidadãos.
Na monarquia eletiva, caso as qualidades necessárias se revelassem ausentes no
governante eleito, abria-se a possibilidade de uma nova escolha, ascendendo ao governo
alguém que preenchesse aqueles requisitos. Contrariamente, na monarquia hereditária, cujo
soberano devia possuir as mesmas qualidades do príncipe ideal, sua ausência não oferecia
oportunidade de nova opção.
O mecanismo da eleição proporcionava uma competição saudável entre os
candidatos, permitindo ao eleitor a escolha do mais habilitado. Além disso, oferecia a
possibilidade de o eleito ser deposto, se tal medida fosse útil ao bem comum, quando o
mesmo atuasse em desacordo com a lei. Isto eliminava o risco de um governo despótico se
instalar no poder por tempo indeterminado. Também afastava o perigo de fazer dos
cidadãos escravos e logrados no objetivo de uma vida suficiente. Para evitar estas mazelas,
o legislador tinha autoridade para julgar o príncipe delinquente, face aos seus deméritos ou
à violação da lei, e ordenar a execução de medida punitiva contra ele.
Embora a autoridade do governante fosse única e sua soberania plena na condução
dos negócios políticos, se encontrava submetida à força da lei. Não se tratava apenas de
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uma sociedade política, mas também jurídica. Na supremacia da lei atribuída ao legislador,
dormia o embrião fecundo do moderno conceito de soberania, que Bodin, séculos mais
tarde, iria lapidar em parâmetros técnicos e científicos (GERWIRT, 1956).
No Defensor da Paz, a sociedade política assim constituída necessitava do comando
de um só governante, fosse ele um indivíduo ou um colegiado, desde que mantida a
unidade de ação. Esta unidade era uma exigência para que a ação governativa de apreciar e
julgar os atos da sociedade civil alcançasse a todos indistintamente. Sem esta autoridade
una e única, “as injustiças praticadas pelos homens ficariam impunes” e “tal fato geraria
inicialmente a luta, a divisão e finalmente a destruição da cidade ou do reino” (PÁDUA,
1997, p. 182).
Outro argumento de Marsílio em favor da unidade era que a pluralidade de
governantes não passava de algo supérfluo e desnecessário e que um governo bem
estruturado e organizado em todo o reino se fazia pela sua presença, pois num lugar,
província ou agrupamento de homens onde não havia unidade governamental, era
impossível que tudo estivesse bem organizado. Trata-se efetivamente de uma unidade de
ordem, não de uma unidade absoluta, “quer dizer de muitos homens considerados um”.
A sociedade política era una porque somente um governo a operava. Para Marsílio,
“os habitantes de uma cidade ou província constituem uma cidade ou reino, porque desejam
um governo único quantitativamente”. Portanto, era inconcebível que duas concepções
opostas da sociedade ocupassem o mesmo espaço político. Uma consubstanciada na bula
Unam Sanctam e outra que advogava um poder civil laico.
As vicissitudes experimentadas pelas cidades italianas radiografavam a ausência de
uma ordem política una e soberana, já que o poder se achava confrontado com a ideia
eclesiástica de que as atividades naturais do homem deviam subordinar-se ao seu fim
último, que era a salvação eterna. Admitir outro fim ou a existência de dois poderes era cair
no mesmo erro que conduziu os cátaros e maquineus à heresia.
Mas, para Marsílio, a exigência da unidade de governo não estava relacionada à
concepção de uma soberania imperial universal, como tantas vezes insistira Dante. Na
primeira parte do Defensor da Paz, esta ideia foi descartada, quando observou se convinha à
“totalidade dos homens vivendo em sociedade e espalhados por todo mundo ter apenas um
principado ou governo, mais importante em relação aos outros, quantitativamente único, ou
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ao contrário, se é oportuno, num determinado período de tempo, haver muitos principados
nas várias regiões do mundo (...) é um assunto que merece uma reflexão profunda, à parte
do que está sendo agora examinado”.
Na segunda parte, a unidade pregada por Marsílio tratou explicitamente de uma
determinada esfera de atuação e não de governo universal, argumentando que não se podia
tomar o exemplo da Igreja que, sendo única e não havendo senão um só bispo, daí concluir
que era preciso um só administrador para o mundo inteiro, o que não era verdade e muito
menos útil e aconselhável.
Na Idade Média, a palavra status referia-se a uma forma de convivência fixa ou
estável de pessoas e grupos sociais, sem qualquer conotação política (GERWIRT, 1956).
Marsílio utilizou o termo regnum, conferindo-lhe um novo significado, para referir-se a
qualquer regime político. Antes de Marsílio, porém, o termo regnum era entendido como a
sociedade política em geral ou a sociedade política justa de um regime monárquico. A
partir da nova concepção, o termo regnum passou a ser traduzido por Estado, como o fez
Battaglia ao dizer que
... o que é o Estado é o primeiro problema que o paduano enfrenta e resolve de
modo original. O Estado de Marsílio não é mais a polis aristotélica ou a comuna
italiana... não é o império com as suas pretensões universalistas... é o Estado
moderno, certamente na sua infância, mas já forte nos seus traços fundamentais
(BATTAGLIA, 1982, p. 55-56).
De outro lado, Lagarde considerou que, no século XIV, a palavra estado, que já
existia, passava longe da conotação que, no século XVI, Maquiavel lhe conferiu. Sendo
assim, era impensável que o termo regnum expressasse essa ideia e pudesse por ela ser
traduzido.
Quillet também não admitiu que se tomasse regnum por Estado, considerando a
iniciativa como uma enganosa liberalidade, pois o “regnum ou a civitas designam o tipo
mesmo de qualquer organização da sociedade humana”.
Contudo, mesmo sendo esta uma questão relevante, máxime para o debate que preza
detalhes e minúcias, parece aconselhável empregar o termo “sociedade política” para
referir-se ao poder político soberano do ente que Maquiavel chamaria Estado. O importante
é penetrar no pensamento de Marsílio, tendo o cuidado de não ler ideias modernas nas
concepções de um teórico medieval muitas vezes esotérico e de postura niilista, cujas
doutrinas ultrapassam a unidade engessante da fórmula, para atender a multiplicidade de
58
questões teóricas e práticas que surgem repetidas, no meio de assertivas despudoradas e
agressivas, de princípios ora claros, ora obscuros. Ainda, assim, o averroismo está
fortemente presente na sua teoria política (QUILLET, 1970, p. 76).
A representação da humanidade como uma entidade dotada de anima intellectiva,
como a descreveu Sigério de Brabante, da qual cada ser humano participava da geração
eterna, prestou-se a Marsílio para determinar o processo natural de formação das
comunidades políticas e seus governos plurais. Em Dante, a mesma ideia de anima
intellectiva prestou-se à evocação obstinada de um império mundial, cuja organização
correspondia a um só governo universal, exercido pelo Imperador do Sacro Império
Romano-Germânico.
Também não se concebe transplantar conceitos e ideias para uma realidade em tudo
distante e diferente do intérprete atual, rompendo com a cautela hermenêutica que
recomenda situar as ideias de um autor ao contexto da sua época e à realidade do seu
tempo. O maior exemplo dessa aventura inconsequente foi crer que Marsílio se inclinou
para a teoria da soberania popular, ou que fosse um confesso democrata medieval. Marsílio
apenas apontou que as classes populares eram relevantes devido ao seu número e os que
possuíam mais caráter, educação e bens eram-no devido à qualidade. A classe inferior dos
indocti, composta de camponeses, artesãos e mercadores, distinguia-se da classe superior
dos sacerdotes, capitães e legistas.
A partir de uma construção enganosa, muitos argumentaram que a vontade do
legislador era a expressão soberana do conjunto dos cidadãos ou da maioria deles. O
legislador era sempre o povo, que conservava a prerrogativa de julgar e de depor o
governante.
Aí se encontram, segundo aqueles, duas indicações da doutrina democrática da
soberania: a atribuição do poder ao povo e a afirmação do poder civil. Porém, este sedutor,
mas enganador canto de sereias, que também se fez ouvir em Nicolas de Cusa e em Jean
Gerson, não passou de uma construção teórica, à qual se ligava um valor de princípio
apenas doutrinário, como apontou Burdeau:
(...) por outras palavras, desde os canonistas do século XIII até os filósofos do
século XVIII, passando pelos publicistas da Reforma, os autores que invocam a
soberania do povo utilizam-na a título de explicitação do fundamento do poder,
daí deduzem as limitações que ela impõe às prerrogativas dos governantes e,
nomeadamente, à legitimidade do controle dos seus atos pelos representantes,
verdadeiros ou presumidos, dos governados. Mas é extremamente raro que essa
59
soberania seja apresentada como exigindo, de forma concreta, uma apropriação
do poder pela massa dos indivíduos. Mesmo a teoria da soberania nacional, tal
como foi formulada na época revolucionária, foi sempre entendida como
implicando uma delimitação da autoridade para transferir para o povo o exercício
das atribuições governamentais (BURDEAU, s/data, p. 84).
Marsílio nada mais fez que retratar a estrutura social e política das repúblicas
italianas, onde a parte preponderante, embora numericamente menor, detinha não apenas o
poder econômico, mas partilhava também o poder político e a iniciativa jurídica, numa
sociedade fortemente estratificada. O legislador era, afinal, a sociedade, a universitas
civium. Longe estava de significar a totalidade dos cidadãos e, com isso, a hipotética
concepção de um governo popular e democrático.
Marsílio não desdenhou as forças latentes da massa dos indocti, mas também não
viu nela um instrumento de transformação ou de uma possível revolução. Simplesmente, o
povo, como universalidade, nunca o interessou para além da simples descrição das
estruturas políticas da cidade. Sua preocupação genuinamente medieval foi manter o
equilíbrio e a unidade política de uma sociedade disposta em camadas rigidamente
hierarquizadas, com isso erigindo uma sólida teoria da unidade política destituída de
qualquer elemento transcendental.
Nesta unidade, cabia ao governante, como pars principans, as funções legislativas,
executivas e judiciais, impondo o comando do governo a todas as outras partes da cidade.
Cabia-lhe, ainda, coordenar e regular os diversos grupos sociais e manter uma prudente
proporção numérica e de qualificações entre eles, evitando, assim, perturbações sociais. A
estabilidade política estava diretamente ligada ao monopólio do poder e ao seu exercício
por uma autoridade secular e soberana. Com isso, Marsílio afastou qualquer hipótese de
considerar a universitas suprema e seu pensamento voltado para uma democracia popular e
representativa.
Ao legislador, competia instituir o governante e este a ele se submetia, podendo ser
suspenso ou deposto em caso de má administração ou de desídia. Marsílio não se deixou
seduzir pelas teorias que pregavam o tiranicídio como arma legítima para eliminar a
autoridade opressiva. À parábola de João de Salisbury, que acenava com a morte do titular
de um governo despótico, ofereceu a solução jurídica do seu afastamento temporário ou
definitivo, afirmando que esta questão, eminentemente política, devia submeter-se ao crivo
da comunidade, para, com isso, revestir-se de legalidade e assim legitimar-se.
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Em Aristóteles, a polis encerrava a máxima expressão da forma política, enquanto a
eudaimonia portava os valores da vida humana e a arete expressava a atitude cívica do
cidadão. Em Marsílio, a sociedade retratada trazia um novo tipo de organização política em
emergência, caracterizada pelos Estados nacionais em formação e pelas cidades-repúblicas
da Itália, ambos em processo de separação do Império.
Enquanto Aristóteles tratou de uma realidade última, Marsílio compôs a primeira
versão de um tratado sobre a sociedade política secular, sem abordar os princípios da
eudaimonia e da arete. Apontou a direção para o Estado laico, costurado pelos esforços
políticos do governante, cuja soberania em processo de maturação valeu-se do trabalho de
legistas, da organização das finanças e da burocracia em ascensão, além das benesses
concedidas por meio de forais às cidades, pessoas, grupos, classes, corporações e da
militarização das forças de segurança.
Paralelamente ou dentro da ação governativa e à medida que os diversos estratos
sociais aceitaram a subordinação e o comando da sociedade política, restava submeter a
única força com real expressão e capacidade de rivalizar com o poder político. Por isso, era
imperioso reduzir o clero à sua real dimensão e ao seu papel estritamente espiritual,
alijando-o para uma posição secundária no corpo político. Só assim a paz e a quietude
seriam resgatadas nos reinos e nas repúblicas.
Se, para muitos, São Tomás possui o crédito de quem revalorizou a sociedade
política, conferindo-lhe autonomia, depois do longo eclipse agostiniano, abrindo as trilhas
do caminho para Maquiavel, Marsílio foi responsável por levar este processo a uma
espetacular ruptura. Na perspectiva de Aristóteles, reestruturou os conceitos de pax, de
civitas e de lex, dentro de uma ótica puramente natural. Estes três conceitos centrais do
pensamento cristão, que, no século XIII, haviam concorrido para fortalecer uma corrente
doutrinária em defesa da plenitude do poder pontifício, teve no mestre de Aquino a sua
maior expressão.
O pensamento de São Tomás se constitui numa força intelectual de truz, que
adentrou pelo século XIV e serviu de fundamento até para o pensamento antirreligioso de
Dante e João Quidort de Paris. Ambos não viram qualquer possibilidade de interpretação
daquelas ideias fora da tradição teológica da filosofia escolástica. Para o pensamento antihierocrático, que vicejou no início do século XIV, o conceito de paz estava revestido pela
61
metafísica, que propunha transferir para o orbe terreno a perfeição e a harmonia presentes
no Paraíso. Ao tratarem da civitas, aqueles contestadores viram-se presos nas clausuras do
agostianismo e suas duas cidades espirituais, onde a ideia de lex só podia ser compreendida
sob a inspiração direta de Deus.
A força doutrinal que emergiu da Universidade de Paris, robustecida pela
incorporação de várias escolas, entre elas o studium generale dos dominicanos do Convento
de Saint Jacques, em 1229, e a dos franciscanos, em 1231, agora se colocava em defesa do
poder temporal, apoiando-se nas mesmas premissas utilizadas pelos teóricos eclesiásticos
para defender as pretensões políticas da Igreja.
João Quidort foi o mais fiel representante do meio universitário a tomar os conceitos
escolásticos e sua fundamentação jurídica, filosófica e teológica que, a par com as ideias de
Aristóteles, arguiu a autonomia do poder civil. Sob a forte presença intelectual de São
Tomás e resgatando o velho estagirita também concluiu que a organização da sociedade
política derivava da disposição natural do homem para viver em comunidade, pois este era
um animal político e social. Embora o poder emanasse de Deus, o príncipe era instituído
pelo povo, para que ele, como juiz, assinalasse o que era justo e o que não era e avaliasse o
que se devia exigir dos cidadãos para as necessidades comuns a toda a coletividade.
Este foi o ápice a que chegou os libelos dos impostores e rábulas, este o vértice do
pensamento de Aristóteles, cristianizado por São Tomás. Somente com Marsílio, também a
partir de Aristóteles, mas sem passar por São Tomás, que a supremacia dos valores
metafísicos e teológicos se rompeu.
CONCLUSÃO
O pensamento de Marsílio foi lapidado, em grande medida, a partir do
conhecimento direto que tinha da organização política das cidades da Lombardia,
especialmente de Pádua, sua cidade natal. Da realidade dos Estados pontifícios na Itália
central e do desejo de expansão territorial da Igreja. Da consciência de que a desunião entre
elas tinha sua origem no papado, como indicou Dante.
Em 1324 Marsílio terminou sua obra mais importante, o “Defensor da Paz”. O
escândalo que seguiu à sua publicação não se limitou apenas às teses defendidas no tratado,
62
mas também pelo tom panfletário e pela ira verbal e ferina nele empregados. Sua obra foi
tomada como uma heresia perigosa, que punha em risco os postulados e dogmas
eclesiásticos, cujos axiomas lançavam profundo e perigoso descrédito sobre a instituição
religiosa, além de atacar a hierarquia da Igreja, especialmente a legitimidade na condução
dos negócios civis e políticos.
No denso tratado “Defensor da Paz”, o poder só era concreto e legítimo à medida
que conferia a mais absoluta soberania ao seu titular, cuja expressão se dava pela
capacidade de coagir e obrigar os súditos à obediência. A esse atributo inerente ao poder
civil, não se somavam as prerrogativas postuladas pela Igreja, pois a essa cabia apenas a
missão de ensinar e aconselhar. Como instituição, a Igreja se igualava a qualquer outra,
sendo intolerável sua pretensão de exercer um poder excepcional, que rivalizava com o
poder político soberano.
A ambição eclesiástica em submeter o poder civil à sua autoridade estava na raiz
dos conflitos religiosos por toda Europa e na Itália conspirava contra a unificação.
Precisava-se, pois, subjugar essa força paralela, que tentava persuadir e submeter os
Estados nacionais em formação e as cidades-repúblicas da Itália, arrogando para si um
extenso rol de privilégios, isenções e foros especiais. Carecia que o poder civil remetesse a
Igreja para a sua missão puramente espiritual, reduzindo o Sumo Pontífice à sua dimensão
sacerdotal.
O pensamento de Marsílio superou e avançou sobre as ideias e teses de Dante, que
preconizava o ressurgimento do velho Império Romano e com isso colocava em perigo a
soberania das cidades-estrados e dos reinos em formação, pois o risco era transferir para o
Imperador aquele atributo do poder político, como, aliás, previa o código de Justiniano.
Também respondeu às exigências e aos ideais da burguesia que, embora detendo
cabedais, estava alijada do poder político. Nesse aspecto, Marsílio deu guarida para o
surgimento de uma ideologia comunitária, opondo-se às estruturas da ordem feudal, que há
muito não encontrava espaço nas cidades e na nova classe de profissionais liberais,
comerciantes e mercadores. Ávida por incluir-se no debate político, a gente nuova insistia
no fortalecimento da soberania dos estados nacionais em formação, sem, contudo, deixar de
considerar os governantes como meros representantes e servidores do povo.
63
Antecipando-se às tendências individualistas que marcariam a transição da
escolástica para o renascimento, o paduano foi o mais importante teórico a formular teses
jurídicas e políticas que apontaram as trilhas que conduziriam ao processo de emancipação
do Estado moderno.
Com sua inquietação intelectual e sua ira verbal, Marsílio foi um precursor
destemido, que antecipou as ideias políticas de Hobbes e Rousseau, ao proclamar a
necessidade da sociedade política e do governo, como uma exigência da natureza humana.
Um Estado soberano, cujo poder político se colocasse acima e além de qualquer outro
poder ou instituição no espaço de sua jurisdição e no plano internacional deixasse em
paridade todas as cidades, reinos e principados.
Seus argumentos, embora eivados de virulenta linguagem panfletária, sacudiram os
alicerces de uma época em declarada falência, cujos rumos só seriam alcançados com a
Renascença. Seu pensamento se transformou num celeiro de sementes, onde se abasteceram
contemporâneos e futuros teóricos do Estado. Marsílio foi reavivado, quando na sua seara
política, príncipes e burguesia se ergueram em ira, em meio à canalha ignota das massas
coadjuvantes, que fizeram a Reforma e a Revolução.
Enquanto São Tomás ordenou espetacularmente a filosofia aristotélica com o
pensamento cristão, Marsílio empreendeu sua busca motivado por angustiante aflição
política. Com ele o pensamento de Aristóteles serviu como um afiado bisturi, que
promoveu uma profunda incisão nas tradições medievais e nas pretensões do Sumo
Pontífice.
Também se deve a Marsílio, através das lições dos discípulos de Averroés, que as
conclusões racionais da filosofia podiam ser contrárias às verdades da fé cristã. O Defensor
da Paz é o primeiro libelo a aplicar o averroísmo à política, pelo seu naturalismo e
racionalismo absolutos. Com o averroísmo, a filosofia divorciou-se definitivamente e para
sempre da teologia.
As implicações de sua incursão filosófica resultaram em nova leitura para os
conflitos de soberania. Marsílio impôs a separação entre fé e razão e negou os fundamentos
teológicos em que se assentava o poder político, até então. Sua ordem política laica e
soberana, impunha a necessidade de uma sociedade política secular, livre da interferência
religiosa nas questões de Estado e do governo civil.
64
Sua intromissão no debate político, em parte inaugurado por si mesmo, quando da
publicação do Defensor da Paz, levou ao clímax uma aspiração real, ao mesmo tempo em
que foi uma pá de cal na busca de uma unidade político-religiosa, que durante toda a Idade
Média sempre existiu, mas que a realidade histórica e a sua intervenção erodiu, por absoluta
incompatibilidade dos dois atores centrais que reivindicavam a mesma soberania.
O Defensor da Paz significou um fulminante e preciso golpe nas pretensões da
Igreja de um governo temporal e foi essencial para o individualismo secularizador que
caracterizou o pensamento filosófico no século XIV. A ele se juntou outros teóricos, como
Guilherme de Occam, todos apontando para uma nova concepção da sociedade política,
impondo à teoria do poder uma dimensão soberana, laica e secular, cuja realidade se
expressava pela capacidade de coação e de obrigar os súditos à obediência.
Embora pregasse a monarquia eletiva, Marsílio não se inclinou para a defesa da
soberania popular, não sendo nem de longe um confesso democrata medieval. Na sua
concepção de povo, as classes populares só eram relevantes devido ao seu número e não à
sua importância como cidadãos. Afinal, desde os canonistas do século XIII, até a filosofia
que se produziu no século XVIII, os teóricos que invocaram a soberania popular,
utilizaram-na apenas como forma de explicitarem os fundamentos do poder, sem que isso
representasse a apropriação do mesmo pela massa dos indivíduos.
Com São Tomás a sociedade política foi revalorizada, depois do longo eclipse de
Santo Agostinho, abrindo-se as trilhas para as concepções de Maquiavel. Marsílio foi o
responsável por patrocinar esta espetacular ruptura. Na perspectiva de Aristóteles,
reestruturou os conceitos de pax, civitas e lex, dentro de uma visão puramente natural. Três
conceitos absolutamente centrais do pensamento cristão, que no século XIII haviam
concorrido para fortalecer uma corrente doutrinária em defesa da plenitudo potestatis do
Sumo Pontífice. Três conceitos angulares que tiveram no mestre de Aquino a sua maior
expressão.
Esse homem enigmático, avesso à reserva e à inibição verbais, desencadeou a
marcha irreversível da laicização do estado moderno e da concepção naturalística da
política, antecipando-se às interpretações despudoradas de Maquiavel, que celebrou a
conquista e a conservação do poder como um fim em si mesmo, provocando uma
fenomenal reviravolta nos códigos éticos e na razão de Estado.
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