+ Confira a segunda parte da entrevista para o caderno

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+ Confira a segunda parte da entrevista para o caderno
PÁGINAS AZUIS/ESPECIAL
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FORTALEZA-CE, SÁBADO, 7 de janeiro de 2006
Lúcia Dummar - Na época do Matos Peixoto, nós
íamos muito ao Palácio da Luz (onde hoje funciona a
Academia Cearense de Letras). A mulher do Matos
Peixoto, muito bonita, chamada Violeta, pra ver se
conseguia domar o papai, se tornou amiga dele. Tinha umas festas lindas no Palácio e nós éramos convidados. Quando o papai sentiu que aquilo era uma
isca, ele saiu de mansinho. Aí, começaram as
perseguições ao jornal, também por conta de que
Matos Peixoto, do Partido Republicano (foi acusado
de fraudar as eleições de 1928, proibindo o jornal de
circular nos dias 5, 6, 7 e 8 de outubro de 1930, até que
foi deposto no dia 8 com a chegada da Era Vargas).
OP - O jornal nasceu com 16 páginas, ele era do tamanho de Fortaleza?
Lúcia Dummar - Era. Fortaleza era pequena,
provinciana. Vivia também muito em função dos
chefes políticos do Interior do Ceará, que tinham
casa aqui, e famílias. O jornal começou assim, amigos incentivando. Um exemplo: o inglês Mister Hull,
que era louco pelo papai. Papai uma vez fez uma
campanha pública para comprar e instalar umas
máquinas impressoras imensas. Foram compradas à
custa de assinatura dos amigos. O primeiro assinante foi o Carlos Juaçaba, pai do médico Haroldo
Juaçaba, que comprou três anos de assinatura.
OP - Esse pessoal que assinou de início, eram pessoas
de representatividade na sociedade. Eles sofreram
represálias porque apoiavam um jornal que tinha uma
ação política mais forte?
Lúcia Dummar - Não, porque as pessoas sentiam a
necessidade de um jornal como O POVO. A economia também era diferente. Os ricaços aqui do Ceará
viviam de exportar algodão em navios que paravam
aqui. Os filhos, eles mandavam estudar fora.
OP - Eles também anunciavam em outros jornais?
Lúcia Dummar - Anunciavam. Naquela época
sempre prevalecia um tipo de solidariedade entre os
que atuavam na imprensa. Olhe, quando o Drummond (da Gazeta de Notícias) morreu, nós estávamos todos na casa dele. Era uma amizade próxima.
O AC Mendes, do Correio do Ceará, era amigo. Esse
mesmo relacionamento havia também com as pessoas mais simples, gente do povo, que acorria ao jornalista e ao jornal diante de suas dificuldades, da
mesma forma que hoje ocorre. O papai tinha um
garçon, espanhol, que o servia na Rotisseria Sports onde hoje funciona a Caixa Econômica da Praça do
Ferreira. Quando foi um dia, o papai em casa recebeu um enviado que disse ‘dr. Demócrito o garçon
fulano de tal foi preso na polícia Marítima porque
disseram que ele roubou e estão massacrando ele’. O
papai chegou lá e tinham tirado as unhas homem.
Sabe o que é isso?
Lúcia Dummar - Não. Ele achava que a vida era isso mesmo, um grande desafio.
CHICOTE NA SITUAÇÃO
Sem tribuna, Demócrito Rocha cria O POVO.
Um chicote na marca do jornal anunciava que a
sova ia comer nos desmandos do governo do
desembargador Moreira.
culose do papai, o médico disse que ele não ia morar
no Centro da cidade. Fomos para uma casa afastada,
estava surgindo a Gentilândia, na década de 1940.
OP - O Centro de Fortaleza era tão insalubre assim?
Lúcia Dummar - Era, muito insalubre. As casas
antigamente não tinham esses espaços, ventilação.
Havia aquele corredor bem grande, quartos fechados do lado, abafados. Banheiro lá no fundo do
quintal. A vida era outra. Pois sim, aí nós fomos pra
uma casa na Gentilândia porque na frente tinha um
mangueiral enorme, tinha cajueiro e uma experiência de psicultura em cativeiro. E em frente,
morava o Costa e a Djanira (jornalista José Raymundo Costa. Entrou no jornal na década de 1940 e
só saiu após sua morte em 2004). Aí, o papai alugou
outra casa também para o Bazin, por conta da
proximidade dos dois, que atuavam muito juntos
na cobertura da guerra.
OP - A senhora e a dona Albaniza iam muito no jornal?
Lúcia Dummar - Quando crianças, íamos passear.
A gente achava interessante e, às vezes, nos sujávamos nas tintas e nos tipos. Nós estudávamos em um
grupo público que funcionava ao lado do Theatro
José de Alencar; de lá nós fomos para o Imaculada
Conceição. O papai adorava quando estávamos no
jornal, ele ia mostrar tudo. Ele sempre foi muito
atencioso conosco.
OP - Ele achava ruim porque não tinha tido um filho
homem?
Lúcia Dummar - Achava. Eu acho que achava. Mas
nós, já moças, sentávamos no colo do papai. Agora
no dia que ele soube que estava com a tuberculose,
ele disse ‘que de hoje em diante, nenhuma filha senta no meu colo’.
HISTÓRIAS DE OUVIR
No casarão da família, muita história contada pela
matriarca de várias gerações e um balaio de
memórias sobre Fortaleza e seus cotidianos.
OP - Ele fez o quê?
Lúcia Dummar - Ele chegou lá e disse ‘vou levá-lo
comigo e amanhã o jornal vai dizer isso’. Aí o
soltaram , papai botou ele num navio e ele voltou pra
terra dele’. Agradecido, com um ano, ele mandou um
bilhete da loteria espanhola para o papai. O papai
tinha um espírito caridoso e muito humano. Ele tinha muito afinidade comigo porque eu quase que
adivinhava o que lhe deixava feliz. Ele queria me formar. Uma vez ele disse: ‘‘olha, pra eu chegar ao o que
hoje cheguei, sofri muito’’. O papai e o irmão dele, o
tio Heráclito, perderam os pais muito cedo em Caravelas (Bahia). Foram criados pelas tias, boas, mas
muito rigorosas. Ele dizia que queria fazer de mim
uma pessoa independente. A pessoa só pode ser
liberta se for independente em todos os sentidos. Aí
ele me matriculou numa escola de datilografia, na
Praça do Ferreira. A datilografia, à época, era o
equivalente ao computador de hoje. E interessante,
essas máquinas eram vendidas pelo velho Dummar
(João, comerciante. Fundador da PRE-9, primeira
emissora de rádio do Ceará. João Dummar dá nome a
uma praça no Dionísio Torres), que mais tarde viria a
ser meu marido. Minha mãe disse ‘você vai botar essa menina, magrinha, para lidar com essas
máquinas, ela vai se cansar’. Ele respondia que eu ia
aprender até mecanografia, que era desmontar a
máquina todinha.
OP - Profissão de homem...
Lúcia Dummar - Só tinha eu de menina ali, muito
jovem ainda. A Diva Lopes, na esquina da igreja do
Patrocínio, dona da escola, achava muita graça. Ele,
Demócrito, me deixava e buscava num carro de
praça e reiterava que minha independência era
essencial para minha vida futura, para não ser escrava de ninguém. Quando já formada, na época da
guerra (II Guerra Mundial), chegou a Fortaleza o
jornalista francês Jean Bazin, da Havas (agência de
notícias da França) contratado pelo papai para assessorá-lo na cobertura do conflito. Ele me convocou para atuar por conta da minha habilidade em
datilografia e o meu conhecimento em língua estrangeira. A partir daí eu fiz o serviço de tradução,
durante quase toda guerra. A previsão do papai de
me preparar, portanto, se justificou.
OP - Mas aí a família da senhora já não morava mais no
Centro de Fortaleza?
Lúcia Dummar - Não. Em conseqüência da tuber-
OP - A mãe da senhora achava ruim esse tratamento
que ele dava às filhas. Encaminhando-as em negócios
de homem?
Lúcia Dummar - Achava. A Izinha, ele não dominava, mas comigo ele se sentia mais no comando.
Ele dizia que aprender datilografia seria necessário
e, mais adiante, foi. Aí, ele começou a me testar. Da
datilografia, me passou para o inglês, para o esperanto (Demócrito Rocha foi precursor do esperanto no Ceará pelo ideal de uma comunicabilidade
global), para o francês. Tinha o homem do cabosubmarino, seu Leite, que tinha ligação intensa com
o jornal. Ele levava os cabogramas para o papai e todo dia, depois do almoço, ele vinha conversar em
inglês comigo. Mamãe dizia ‘mas Demócrito, essa
língua não se usa, é horrível. Mande as meninas
aprender o francês que é a língua que o povo fala’.
Naquela época, a cidade e todo mundo era afrancesado. Só tinha o povo da Ligth (companhia inglesa
de iluminação) que eram todos ingleses. Mas, o papai tinha um espírito profético. Ele dizia ‘Creuza,
esse negócio de francês vai desaparecer. Todo o
mundo vai falar inglês’. Quando eu vejo os meus netos estudando inglês, me lembro dele.
OP - Ele era um homem boêmio naquela Fortaleza
francesa?
Lúcia Dummar - Papai era boêmio e eu luto muito
para também não ser. Meu espírito é boêmio, eu não
gosto de rotina. Tudo que ele era veio pra mim. Aí,
um dia ele chegou lá em casa com um violão pra me
dar de presente de aniversário. A mamãe danou-se.
‘Violão! Você quer criar sua filha na boemia como
você?’. Papai era baiano, ele gostava.
OP - E ele era boêmio de freqüentar as festas e os
cabarés da cidade?
Lúcia Dummar - Tudo. Nunca deixou de ter uma
mulher com ele. E a mamãe sabia e sempre o respeitou. Ele era incrível, as mulheres tinham fascinação pelo papai. A conversa dele era interessante.
Tinha uma mulher que trabalhava no jornal O
Ceará que a mamãe tinha certeza que vivia com ele.
Mas ela não dizia nada, naquela época, mulher era
assim: ficava calada e aceitava. Um tempo, ele inventou de entrar na maçonaria e chegava muito
tarde em casa. Mamãe falava e ele mandava ela respeitar a maçonaria.
OP - O jornal nasceu com dificuldades financeiras. Em
algum momento isso influenciou no cotidiano de
vocês?
Lúcia Dummar - Nós fomos criados com muita
restrição. Só tinha uma coisa que não faltava nunca,
que era uma boa alimentação. Nunca ninguém esbanjou. Eu nunca pedia um tostão ao papai.
OP - Diante das dificuldades ele nunca foi tentado a
mudar a linha do jornal?
OP - E sobre um dia de grande confusão na Praça do
Ferreira, o que a senhora lembra?
Lúcia Dummar - Todo movimento ocorria na
Praça do Ferreira, no coreto, de onde falavam todos
os oradores. Toda vez que passava uma caravana da
Aliança Liberal, liderada por Assis Brasil, com Maurício de Lacerda, Batista Luzardo, entre tantos outros, tinha comício, tinha cavalaria, tinha grande
confusões. Eu, minha mãe e minha irmã não
perdíamos nenhuma dessas manifestações para estarmos mais próximos de papai. Certa feita num
desses comícios da praça, o papai falando, o doutor
Távora, aí quando a cavalaria fechou cerco, vindo
dos quatro cantos da praça, o Paulo Franco me botou
no ombro e me levou pra casa. Mas, entre tantas
ocorrências, uma não posso esquecer. Morávamos
em um sobrado, na rua Major Facundo, próximo da
praça do Ferreira. Quando voltava para casa,
Demócrito foi agredido a coronhadas por um grupo
de oficiais da polícia, em razão de uma nota relatando os desmandos da gente do governo. Após a
agressão, Papai, com a camisa ensangüentada profere da sacada superior do sobradinho um discurso à
multidão revoltada, que se postava em frente (na
parte de baixo Demócrito tinha seu consultório de
dentista). Enquanto Demócrito falava, percebeu de
relance a cavalaria invadindo o quarteirão pelos dois
lados opostos, fechando a rua e comprimindo a multidão. Não tendo para onde ir o povo terminou espancado a mando do governo. Seria inconcebível
nos dias hoje tamanha violência por conta do livre
exercício da crítica através da imprensa. Para O POVO nascer tivemos que passar por todas essas circunstâncias. Esse foi o preço pago pela existência do
jornal e da qual me orgulho do alto dos meus 88
anos. Percebo que o nossa história está íntegra,
embora os desafios sejam de outra natureza, mais
sutis, como a globalização que tenta homogeneizar
tudo, em confronto com a diversidade defendida
pela linha do jornal.
OP - Mas as máquinas paravam. O governo, aqui, invadia os jornais?
Lúcia Dummar - Ah, invadiram muitas vezes. Empastelaram a Gazeta (de Notícias). Nós assistimos
do alto daquele sobrado da rua Major Facundo, pois
aquele jornal ficava em frente a nossa casa. Empastelados nós não fomos, mas foram muitas vezes
lá nos pressionar através dos censores.
gente. Sabe, até o poeta e jornalista Jader de Carvalho
sofreu fortes retaliações culminando com sua prisão.
Papai o contratou enquanto estava preso com o melhor salário do jornal, para a família dele não passar
necessidade. Nessa época eu fui para o Rio de Janeiro
quando casei.
OP - Qual foi o pior governador do Ceará, na Ditadura
Vargas?
Lúcia Dummar - Acho que foi o Pimentel (Francisco de Meneses Pimentel, 1935-1945). Ele não era
jamais uma má pessoa, mas só fazia o que a Ditadura queria.
OP - E O POVO denunciava as atrocidades de Getúlio
no Ceará?
Lúcia Dummar - Nada, fechava o jornal. Tenho impressão que o jornal passou dois dias sem sair por
causa de uma nota! Eu tenho essa lembrança.
OP - A senhora passa a ter uma ação efetiva no jornal a
partir da II Guerra?
Lúcia Dummar - Quando me formei, a minha última aula em 1936, dei uma aula pra crianças utilizando um conto infantil e o Filgueiras Lima achou
interessante. Aí, ele e o Paulo Sarasate, meu cunhado, fundaram o Lourenço Filho e disseram que
iam colocar um jardim da infância, a exemplo de D.
Zilda Martins no Parque da Liberdade (hoje Cidade
da Criança). Eu fui, passei dois, três anos, como
professora.
OP - E o Jean Bazin que veio da agência Havas?
Lúcia Dummar - Foi um grande tento do jornal,
naquela época, conseguir um repórter direto do
front da guerra. O irmão dele estava na França. Foi
ele inclusive que salvou as obras do Museu do Louvre. Quando eles viram que os alemães iam entrar,
esconderam as obras. Ele chegou em 1941 e passou
um ou dois anos. A Havas chamou ele para ficar perto onde estava o Charles de Gaule (presidente da
França, refugiado em Londres com a invasão alemã).
O papai já estava muito doente e ficava em um quarto isolado nos fundos da casa e eu e a mamãe, em
dois quartos na frente. O Bazin chegava muito cedo
para receber as notícias. Durante a guerra, o jornal
sai duas vezes no dia. De manhã e a tarde.
OP - A senhora e a dona Albaniza participavam diretamente dessa história no jornal e de Fortaleza, e a dona
Creuza Rocha, como ela lidava com essa situação
perigosa?
Lúcia Dummar - Ela tinha muito medo que o papai
fosse assassinado. Ela gostava do jornal, mas não se
metia nesses movimentos, embora ela tenha sido a
primeira mulher a registrar seu título de eleitora no
Ceará. Ela achava que aquilo não ia pra frente e não
valia a pena ele se arriscar por uma coisa que não
tinha jeito. Ela toda vez dizia que eu não ia fazer alguma coisa e o papai vinha e botava pra eu fazer. Foi
ele quem trouxe o violão (e meu professor Soares),
me incluiu na datilografia, me matriculou na escola
São Rafael e me fez aprender esperanto.
OP - A senhora sofreu muito preconceito porque estava
metida em coisas de homens?
Lúcia Dummar - Olhe, eu sempre fui um pouco
beata desde pequena, mas uma vez o padre me expulsou do confessionário. Quando me ajoelhei, o
padre Bezerra perguntou se eu era filha do
Demócrito. Eu toda feliz respondi ‘sou’. Aí ele disse
que eu podia me levantar que não me daria absolvição porque era filha de um anticlerical. Porque
o papai tinha trabalhado no O Ceará. Eu tinha uns
sete anos. Mas a mamãe proibiu que a gente contasse para o papai, se ele soubesse iria lá tomar satisfações com o padre.
OP - Existiram outras coisas que aconteceram com as
senhoras por causa do jornal e o Demócrito não ficou
sabendo?
Lúcia Dummar - Existiram, mas ninguém contava.
Havia restrições. Nós nos sentíamos marginalizadas. Na Escola Normal, porque era do governo
Matos Peixoto, havia problemas. A Izinha reagia
firme. Tudo que acontecia, eles diziam que era por
causa do Demócrito Rocha.
OP - E dentro do jornal, havia algum preconceito?
Lúcia Dummar - Não. Sempre existiu uma camaradagem, uma amizade.
OP - Dona Lúcia, sim, o Getúlio chegou ao poder. O
jornal o apoiou. Mudou alguma coisa para O POVO?
Lúcia Dummar - Não. O papai teve uma decepção
muito grande depois da Revolução. Ele tinha uma
filosofia que dizia que ‘a revolução só é boa quando está em andamento. Quando vence, o que é bom fica no
fundo e o que ruim vai pra cima’. Foi ruim.
OP - Quem assumiu no Ceará?
Lúcia Dummar - Foi o doutor Távora (Manoel
Juarez do Nascimento Fernandes Távora, 1930-1931),
mas ele ficou pouco tempo. Depois veio o Carneiro
de Mendonça (Roberto Carlos Vasco Carneiro de
Mendonça, 1931-1934) e um bocado de gente. O jornal
pra fazer a casa, na Senador Pompeu (no prédio onde
funcionou a loja Mesbla), teve de pedir permissão ao
governo Getúlio, através do DIP (Departamento de
Imprensa e Propaganda criado em 1939), e dizer
porque estava fazendo aquilo. Depois, no tempo da II
Guerra, o jornal era muito limitado pelo governo. O
papai já estava bem doente, em uma rede, e quando
chegava um delegado chamado Barros lá em casa,
nós já fechávamos o coração. Ele olhava para o jornal
e dizia ‘isso aqui não pode sair não, tira isso aqui’. Era
difícil durante a Ditadura Vargas. Que coisa tremenda, vocês não viram o que eu vi. Essa Ditadura foi pior que a outra (a de 1964-1985). O jornal contratou
um jornalista maranhense, o Amorim Parga, que teve
todos os dentes quebrados pela polícia. Todinhos.
Basta dizer que as mulheres para entrar num avião
tiravam as calças e a roupa toda. Os homens também
eram revistados. Eles queriam saber se levavam alguma mensagem. Apanhou muita gente, morreu muita
LEMBRANÇAS
Filha mais nova de Demócrito Rocha, Lúcia
Rocha, nascida em 6 de maio de 1917, freqüentava a primeira redação do jornal, na
Praça General Tibúrcio, 158, no Centro de
Fortaleza. Anos depois, casamento com
João Dummar.
OP - A senhora acha que a Ditadura Vargas contribuiu
para piorar a doença do Demócrito Rocha?
Lúcia Dummar - Rapaz, ele morreu na época em
que ainda não tinha o remédio para a doença.
Ninguém morre mais dessa doença. O papai morreu
no dia 27 de novembro de 1943 e eu me casei em 27
de janeiro de 1944. Dois meses depois. Fui para o Rio
de Janeiro e passei oito meses lá. Eu casei de luto,
não casei nem na igreja. Casei de branco e passei o
ano todinho de preto. O doutor José Silveira uma vez
disse pra mim que a doença era decorrência das
pancadas que ele levou dos soldados, na época do
governo do Moreirinha (1º de julho de 1927). Pegaram ele na Praça do Ferreira. Depois disso, ele
passou a andar com um revólver e uma faca.
OP - A dona Albaniza casou-se e foi para o Rio, o
Demócrito morreu e a senhora casou. O jornal ficou
com quem?
Lúcia Dummar - Ela casou no Rio de Janeiro. Pra
mim, o envolvimento direto com jornal desvaneceu
no dia que meu pai morreu. Não tive mais aquele
élan. Hoje em dia, voltei a conviver com ele por
causa do Demócrito (Dummar, seu filho mais velho
atual presidente).
OP - Alguma vez se pensou em vender o jornal?
Lúcia Dummar - Não. Nunca se pensou. Ele
(Demócrito) tratava o jornal como um filho. O POVO
contou com uma ajuda de João Dummar, que
começou a ter interesse em trabalhar com o jornal.
Dizem que o João botou a PRE-9 para agradar o papai e chegar perto de mim. O certo é que o João foi
decisivo na compra de nossa primeira rotativa. Dois
meses depois extinguiram o dólar com cotação especial para a imprensa, o que teria tornado impossível a aquisição. O Costa tinha um telegrama dele
dizendo: agora ou nunca!
OP - O casamento da senhora com o João Dummar
salvou financeiramente o jornal?
Lúcia Dummar - Não, o jornal sempre se manteve
por conta própria.
OP - A senhora namorava muito?
Lúcia Dummar - Era namoradeira. Não tinha quem
gostasse namorar mais do que eu.