JC Relations - Jewish
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JC Relations - Jewish
Jewish-Christian Relations Insights and Issues in the ongoing Jewish-Christian Dialogue Thoma, Clemens | 01.04.2004 Os judeus e os cristãos veneram um mesmo Deus Clemens Thoma Os pronunciamentos fixados em Dabru Emet no ano de 2000 de cerca de 170 eruditos judaicos e conhecedores das relações judaicas-cristãs deixaram muitos cristãos tomarem fôlego. Dabru Emet - Falai verdade (Zc 8,16). Tomada de posição judaica a cristãos e Cristandade. Cf.também o relato do encontro “Gott in Beziehung – monotheistisch und trinitarisch gelesen” [Deus em relação - monoteística e trinitariamente lido], Freiburger Rundbrief NF 8 NF 8 (2001), pp. 69-71. Os cristãos estão nesse reconhecidos como monoteístas pelos autores judaicos: “Judeus e cristãos adoram o mesmo Deus: o Deus de Abraão, Isaac e Jacó, o criador do céu e da terra.” Pela divulgação da sua fé, os cristãos trouxeram muitos milhões de pessoas humanas a um relacionamento de veneração ao Uno e Único Deus de Israel. Interpretações precipitadas do relato bíblico de criação Interpretações do relato bíblico sobre a criação do mundo (Gn 1) devem ser pensadas, segundo a tradição judaica, com cautela, porque, senão, imaginações falsas de Deus se poderiam insinuar. O trecho a respeito na Mishnáh reza: Não se exponha sobre a obra de criação (ma`asêh-berêhit) perante dois, nem sobre a carruagem do céu (merkabáh) perante um, a não ser que este seja um sábio que os entende por seu próprio saber. Cada um que meditar sobre quatro coisas: o que acontece acima (na região celeste), o que em baixo (nos lugares da.punição), o que em frente (no futuro final) e o que atrás (nos acontecimentos da criação), para este seria melhor não ter chegado ao mundo. Quem não poupar a honra do seu criador, para este seria melhor que não tivesse chegado ao mundo (mHag 2,1). Aqui temos um impedimento agudo contra especulação transcendental e questões freqüentes de briga. Quais forças e poderes estão no céu? Quem co-cunhava a criação do mundo? As forças de perdição têm também importância criativa? Podemos descrever o Deus que é o único todopoderosomisericordioso? Podemos visionariamente entrar em contato com o céu? Mas nunca se evitou na filosofia em tempo nenhum, nem no Judaísmo nem na Cristandade, refletir sobre o criador e a criação. Pois muitas conclusões do relato da criação se impõem no Judaísmo, na Cristandade e na filosofia grega: O Único Deus e Senhor não só criou o mundo e os homens faz muitos milhares de anos. Além disso, renova, guia e acompanha as criaturas humanas em todos os tempos e sob todas as circunstâncias. Como as pessoas humanas, porém, enredavam-se desde o começo em contradições pecaminosas contra Deus, danificando com isso a obra da criação, receberam - conforme a convicção de fé tanto judaica como cristão - a tarefa de reconstruir, junto com Deus, o Reino de Deus na sua glória inicialmente planejada. Muitas afirmações e orações no Primeiro e no Novo Testamentos são louvores do criador, expressão dos anseios pela redenção e santificação, bem como da submissão sob o domínio real do Deus Uno e Único. Interpretação judaica do criador e da criação 1/5 Segundo Ne 8,8, a leitura intensiva da Toráh já foi esclarecida com declarações já 430 anos antes da nossa contagem de tempo: Leram do livro, da Toráh de Deus, nas seções e declarações, assim que (= os ouvintes fiéis) entenderam o que foi lido. Mais ou menos a partir desse tempo as forças de liderança judaico-religiosas chegaram a entender que interpretações de trechos importantes da Bíblia devessem ser também fixadas por escrito, para evitar interpretações politeístas e ateístas. Reproduções interpretadoras de textos bíblicos (Targumím) existem já desde o terceiro ou segundo século antes de Cristo. Esses Targumím foram recitados durante o serviço religioso, para que a Toráh não fosse interpretada leviana e superficialmente. Contavam como bases santas atuais, para fortalecer a fé no Deus Único e para interpretar a atuação multiforme desse Único. Também vários Midrashim rabínicos se construíram em tradições antigas. Cf. Günter Stemberger, Einleitung in Talmud und Midrash, 8ª edição, Munique 1992, esp. 233-235. Um exemplo de interpretação targumica do relato da criação bíblico se encontra, entre outros, nas primeiras seções do Codex Neofiti 1 (CN1) do 1º século EC. Cf Alejandro Diez Macho (ed.) Neofiti 1, Targum Palaestinense vol. 1, Madrid 1968, esp. 71s.; Peter Schäfer, Bibelübersetzungen II: Targumím, TER 6 (1980) 216-228. Os primeiros cinco versículos do relato da criação bíblico (Gn 1,1-5) estão sendo em CN como segue: 1. Por meio do começo (ou: pelo começo, ou: desde o começo, ou: primeiro) o Eterno (Yeyah) criou e terminou os céus e a terra com sabedoria (behokmáh). 2. E a terra estava vazia, amorfa e abandonada: sem pessoas humanas, sem animais, sem plantas, sem árvores. E escuridão jazia sobre as superfícies e abismos. Então o espírito (a ruah) do Deus compadecido da face do Eterno (miqedem Yeyah) soprava sobre as superfícies d’água. 3. E a palavra do Eterno disse (amar memrá´ de Yeyah): Luz chegue a ser! E luz chegou a ser conforme o mando da Sua palavra. 4. E chegou a ser evidente perante o Senhor Deus que a luz era boa. E a palavra do Senhor separou a luz da escuridão. 5. E a palavra do Senhor chamou a luz ‘dia’ e a escuridão ‘noite’. E anoiteceu e amanheceu na ordem da criação: dia primeiro. Nesses primeiros cinco versículos interpretativamente extensos do início da Toráh, Deus, o Eterno está sendo mencionado três vezes, a palavra do Eterno quatro vezes e o espírito pairando sobre as águas uma vez. No primeiro versículo, a sabedoria como força de aptidão do Eterno. No terceiro versículo a palavras (o Logos) do Eterno vale como atiçador da luz. Trata-se no Eterno, na palavra que dEle sai vigorosa e no espírito compaixoso, de expressões do Deus Uno e Único. A palavra é a Sua eficiência, o espírito a sua mobilidade omniversal. O Deus Uno criador, portanto, é fonte infinitamente múltipla e infinitamente sábia de toda a vida. No Codex Neofiti 1 encontra-se a designação memrá´/palavra/Logos 314 vezes e 636 vezes em anotações marginais. Em outros targumím fragmentários, a designação se encontra com freqüência semelhante. Cf. Martin McNamara, Targum Neofiti 1: Gênesis, The Aramaic Bible 1 A, Edinburgh 1992, 37. Também a menção do espírito de Deus, em tradições judaicas e cristãs, no contexto com a “geração do omniverso” (Platão: Timaios), a previdência e a salvação redentora das pessoas humanas aparecem muitas vezes. Cf. Moshe Idel, Abraham Abulafia und mystische Erfahrung [Abraham Abulafia e esperiência mística], Francoforte sobre o Meno 1994; Peter Schäfer, Die Vorstellung vom Heiligen Geist in der Rabbinischen Literatur[A noção do Espírito Santo na literatura rabínica], Munique 1972. 2/5 Os rabinos estavam obviamente conhecendo, já no século 2 da nossa contagem de tempo, que os cristãos, na sua fé no Deus trinitário, também se referiam à interpretações judaicas antigas e rabínicas da narrativa da criação. Deus seria criador (pai), palavra (filho) e espírito santo. Em comparação com isso, os rabinos argumentavam nas dicas dos Padres: Por dez palavras foi criado o mundo. O que quer ensinar isso? Poderia ter sido criado por uma palavra. Foi criado por dez palavras, para que os malfeitores maus sejam punidos, os quais querem arruinar o mundo, e para que os justos, que sustentam o mundo, que foi criado por dez pronunciamentos, recebam boa remuneração (mAv 5,1). Esse pronunciamento rabínico antigo sobre as dez palavras de criação parece ser redigido como argumento contra a doutrina cristã do um só Logos como co-criador. Pois às dez palavras de Deus proferidas na criação foi atribuído, no Judaísmo rabínico, um significado especial. Na parábola do plano de construção (BerR 1,1) Gênesis 1,1 está sendo interpretado, no qual a primeira palavra bíblica “Em princípio” está sendo expressada como “por meio do início”. Nessa parábola, o Deus criador está sendo comparado com um rei que constrói o seu palácio correspondente ao plano confeccionado por um arquiteto. A explicação que segue reza: Assim o Santo, bendito seja Ele: Olhou na (Lhe presente com plano de construção) Toráh e criou o mundo. E a Toráh diz: Por meio do Princípio Deus criou. Princípio significa não outra coisa que a Toráh. É que diz: ‘O Eterno me criou no princípio do Seu caminho’ (Pr 8,22). A Toráh, segundo isso, é a primeira criação de Deus, o plano ao qual toda a criação chega a ser adaptado. O espírito de Deus se encontra na Toráh. Cf. Clemens Thoma/Simon Lauer, Die Gleichnisse der Rabinen II, Von der Erschaffung der Welt bis zum Tod Abrahams [As parábolas dos rabinos II: Da criação do mundo até à morte de Abraão]: Bereshit Rabba 1-63.34-38.46-48, Philon, De opf. Mundi 27, traduz “no princípio” com “primeiro”. A tradição judaica entendeu, então, a Toráh com esboço de planejamento do Deus Único, do criador, redentor e santificador. A Toráh, ligada com a criação, é a escrita de salvação de Israel. O Deus criador no prólogo de João (Jo 1,1-5) O autor do Evangelho de João começa com pontos de contato nas mencionadas interpretações targúmicas da criação e governo do mundo pelo Deus Único: 1. 2. 3. 4. 5. No início estava o Logos, e o Logos estava com Deus, e o Logos era de jeito divino. Este estava no início com Deus. Tudo chegou a ser através dele. E sem ele não chegou a ser nem um único que chegou a ser. Nele era a vida. E a vida era a luz das pessoas humanas. E a luz luze na escuridão. E a escuridão não a superou. Cf. a tradução alemã de Johannes Schneider, em: Das Evangelium nach Johannes, ThHK 4, Berlim 1976, 50. O evangelista João formou o seu prólogo apoiando-se nos targumím que então parcialmente existiam por escrito e nas afirmações da literatura religiosa popular de sapiência daquele tempo. Uma citação do Livro de Sapiência, surgido cerca do ano de 70 aEC e comumente conhecido entre os judeus de fala grega, pode também ter inspirado o evangelista. Sb 9,1-4 reza: Deus dos Pais e Senhor da compaixão, que criaste o omniverso pela Tua palavra e formate a pessoa humana pela Tua sabedoria […]: Dá-me sabedoria, a adjunta (!) no Teu trono e não me exclui do número das Tuas crianças. 3/5 Também aqui se fala de três potências divinas na divindade Única: o Deus dos pais, Sua palavra e Sua sabedoria. Está última está sendo também interpretada muitas vezes como espírito de Deus. O fundo de várias interpretações judaicas antigas da Bíblia e de tradições era o saber fiel de que todas as ordens têm a sua origem transcendental em Deus, Cuja palavra é a força pela qual tudo, não só surgiu uma vez, mas tem simplesmente a sua persistência. […] O evangelista João se vê enfrentando a tarefa difícil de testemunhar a unidade de Deus, sem diminuir ou até violar a unicidade de Deus. […] O Logos, de quem o hino cristão canta, não está criado por Deus, mas estava desde a eternidade com Deus. Ulrich Wilkens, Das Evangelium nach Johannes, NTD 4, Göttingen 1998, 23.27. É, portanto, convicção judaica e cristã, que Deus com sabedoria infinita criou tudo pela Sua palavra. É que, pela parte judaica, não se pode concordar com a interpretação da palavra de Deus como Jesus Cristo por causa do receio dum politeísmo latente e por causa do antijudaismo sempre recrudescente. Mas a noção de que a palavra de Deus na revelação da Toráh encontrou a sua manifestação, está vizinha à cristologia do Logos do evangelista João. Por alguns intérpretes do prólogo de João esse ponto de referência entre a palavra da Toráh e a cristologia do Logos está sendo infelizmente confundido por traduções indistintas. Em vez “e o Logos era de espécie divina” o versículo 1c do Evangelho de João deveria ser traduzido: “a palavra era divina” ou “a palavra veio de Deus” ou “a palavra era Deus”. Da tradição judaica daquele tempo resulta univocamente que o criador era e é somente o Deus Uno, que a Sua palavra criadora veio do Seu interior, sendo então retomada para dentro do interior de Deus. O problema do evangelista João era interpretar o ser humano de Jesus com expressão do Deus criador ativo. De modo nenhum quis abandonar o monoteísmo. O Logos Cristo era para ser apresentado como expressão do Deus Uno e Único, do criador falante do céu e da terra, como toráh incorporada. Apoiando-se nos conteúdos de fé vivos naquele tempo, segundo os quais Deus está tanto no céu como também na terra, mantendo o mundo e Israel juntos pela Sua inhabitação (shekináh), Cristo também foi designado como Shekináh personificada. A Shekináh é a condescendência de Deus: o auxiliador das pessoas humanas, que Se declina, mora no meio do Seu povo e compartilha alegrias e dores. O mesmo foi dito também do “Espírito da Santidade”: Penetra nas criaturas, mediando um halo da santidade de Deus. A mística judaica (Cabala) - como já antes os autores das dicas dos pais - entendeu o Deus e Senhor Único de Israel e da humanidade na manifestação décupla das dez Sefirôt (das dez palavras da criação, respectivamente as forças básicas e modelos básicos, que se encontram no Deus Uno, de tudo o que foi criado e a ser criado novamente). As dez Sefirôt são essências e instrumentos criativos de Deus, que estão sendo copiados para dentro de tudo o criado. Especialmente as três primeiras Sefirôt - Kéter, Hòkmóh e Binóh - foram interpretadas trinitariamente pelos intérpretes cristãos da Cabala. Os nomes das Sefirôt se costuma indicar na ordem seguinte: Chaim Wirszubski, Pico della Mirandola’s Encounter with Jewish Miysticism [O Encontro de Pico della Mirandola com o Misticismo Judaico], Jerusalém 1989. 1. 2. 3. 4. 5. Kéter (coroa) 6. Tiféret (beleza) Hòkmóh (sabedoria) 7. Netsah (vitória) Binóh (conhecimento) 8. Hôd (esplendor) Héçed (graça, compaixão) 9. Yeçôd (fundamento) Geburóh (justiça) 10. Malkut (reino do Eterno) Apesar desse “desdobramento” décuplo de Deus, a Cabala, nisso, não entendeu nunca Deus de outra maneira senão como o Uno e Único. O centro de gravidade das noções cabalistas está sendo formado pela “emanação”, o proceder de todas as formas da criaturidade de dentro do Deus Uno que contém tudo. Cf. R. J. Zwi Werblowsky/Josef Karo, Lawyer and Mystic, Philadelphia 1977; Clemens Thoma, Das 4/5 Messiasprojekt. Theologie jüdisch-christlicher Begegnung, Augsburg 1994, esp. 353-381, Frankfurter Rundbrief 10 (2003) 82-88. Os judeus e os cristãos, então, distinguem-se a respeito de Cristo. Não se distinguem, porém, no pensar sobre o Deus Uno e Único, que criou o mundo em forças e atividades múltiplas/multiformes, que Se demora com as pessoas humanas e as toma de volta para Si. O pronunciamento moderno de eruditos judaicos, citado no início, de que os judeus e os cristãos adoram o mesmo Deus está, portanto, certo. Essa suposição deve, no futuro, servir de base para o diálogo judaico-cristão, sendo reconhecidamente repensada de novo. Uma fusão de Judaísmo e Cristandade não pode ser deduzida disso. Bem, porém, a colaboração perante os olhos do Deus Uno para a construção do reino de Deus se pode realizar. Fonte: Freiburger Rundbrief 1/2004 Tradução Pedro von Werden SJ. Texto alemão: Juden und Christen beten denselben Gott an 5/5 Powered by TCPDF (www.tcpdf.org)