Coração de Corda

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Coração de Corda
CORAÇÃO DE CORDA
By
Carina Portugal
SMASHWORDS EDITION
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PUBLISHED BY:
Carina Portugal on Smashwords
Coração de Corda
Copyright © 2013 by Carina Portugal
Illustrations © 2013 Ana Santo
ISBN: 9781311937070
Smashwords Edition, License Notes
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O seu suporte e respeito pela propriedade da autora serão apreciados.
Este conto é pura ficção e qualquer semelhança com pessoas, locais ou eventos é pura coincidência.
As personagens são produtos da imaginação da autora.
*****
Um grande agradecimento à Ana Santo por ter ajudado com a capa, e ao Tchaikovsky por me ter
inspirado e acompanhado durante a escrita e revisão do texto.
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CORAÇÃO DE CORDA
*****
Londres, 1852
Como um véu negro que se abate sobre o olhar, as luzes apagaram-se em redor da plateia,
deixando os espectadores cegos com a sua brusquidão. Apesar disso, depressa a visão se acostumou
ao novo ambiente. Com o decair das luzes, também as conversas cessaram. Sentado na primeira fila,
Philip deixara de ouvir as reclamações de Timothy em relação às cadeiras menos confortáveis do
Teatro Dark Forest. Não era a primeira vez que ali iam, muito pelo contrário, mas o seu amigo, que
por sinal fora quem o convidara, insistia nas críticas, esperançado de que o novo director do local
mandasse remodelar toda a sala.
Sem esperar por mais nada, devagar, as cortinas vermelhas foram corridas, revelando o palco
ornamentado em tons de branco e azul, os cenários abstractos lembrando uma mistura de água e céu
a tocarem-se. No centro, encontrava-se um nenúfar branco por desabrochar. A orquestra deu então
início ao ballet, numa melodia suave que tomou os espectadores nos seus braços invisíveis. Não
havia um único homem a tocar flauta, violino ou piano; todo o instrumental era formado por uma
única máquina de complexidade apreciável, criada por um músico que também se notabilizara na
área da física e da mecânica.
Philip recostou-se, enquanto observava uma dúzia de bailarinas delgadas, vestidas de dourado,
a entrarem em cena, caminhando devagar, os braços erguidos acima da cabeça, sincronizadas com a
música e entre si. Rodearam o nenúfar, dançando à sua volta, oscilando ora para mais perto, ora para
mais longe. Por vezes estendiam os braços, lembrando raios de Sol que tentavam tocar a flor.
Por fim, as pétalas começaram a mover-se e, uma a uma, caíram em sucessão, revelando uma
jovem acocorada em pose fetal. Ao ritmo da orquestra, o corpo desdobrou-se até esta ficar de pé. Os
orbes de um azul safira fixaram-se na plateia e Philip sentiu-se a estremecer quando se detiveram
em si, por um instante de segundo, lembrando dois lagos claros onde podia cair se a sua atenção se
desequilibrasse.
A jovem bailou sem sair da área circunscrita do nenúfar, por alguns momentos, permitindo
que os espectadores absorvessem a sua delicadeza dentro do fato branco cuja saia era feita de
pétalas e o espartilho ornamentado com bordados de flores douradas. Deu depois um salto delicado
no ar, como se saindo da flor para o mundo desconhecido.
Um sorriso leve iluminou o rosto de Philip, durante todo o ballet, enquanto seguia os
movimentos fluidos com um olhar atento e escutava a orquestra, como que tentando distinguir cada
uma das notas. Para além disso, aquela bailarina com aspecto de porcelana encantara-o de uma
forma estranha. O seu talento conseguia transmitir-lhe a verdadeira essência do bailado, mais até do
que a música.
Quando o espectáculo chegou ao fim, aplaudiu com sinceridade e, antes que o amigo dissesse
fosse o que fosse, levantou-se.
– Tenho um assunto a tratar – declarou, com uma palmada no ombro dele. – Podes voltar a
casa sem mim. Depois apanho uma carruagem.
Timothy abriu a boca para protestar, no entanto já Philip se distanciava com passos
apressados.
Recolheu o seu casaco e a cartola, na recepção. Quase à saída do teatro, uma mulher segurava
de encontro ao peito uma braçada de rosas que vendia a quem acabara de assistir ao bailado. Philip
contemplou as flores e, de arrasto, o decote proeminente que o espartilho revelava, como se as flores
estivessem ali com esse mesmo propósito. A vendedora piscou-lhe o olho.
– Deseja uma rosinha, amável cavalheiro? – perguntou, com um sorriso que faria qualquer
homem questionar-se se ela estaria ali somente para vender as rosas.
– Uma rosa branca, por favor – pediu, depois de ponderar um pouco.
Quando pagou à mulher, perguntou-lhe em que direcção ficavam os bastidores e foi para lá
que se dirigiu, com a flor numa mão e a cartola noutra. Pelo caminho, uma das bailarinas vestida de
dourado passou por si.
– Pardon, mademoiselle! – disse, para lhe chamar a atenção antes que fugisse. Pelo que
ouvira, todo o elenco de bailarinas era francês. – Poderia indicar-me onde posso encontrar a donzela
de branco?
Os olhos da jovem saltaram entre ele e a rosa que segurava, antes de sorrir em modo de
compreensão.
– Último camarim do corredor, monsieur – respondeu, com um sotaque típico.
– Merci! – agradeceu, dirigindo-lhe um sorriso sincero antes de se precipitar na direcção
indicada.
Estacou em frente à porta e inspirou fundo. Compôs a gola do casaco, certificando-se de que
não pareceria menos do que um cavalheiro. Preparava-se para bater à porta do camarim quando um
grito furioso o alcançou, fazendo-o estremecer. A mão de Philip deteve-se. Fora a voz de um
homem que se fizera escutar. Talvez a bailarina por quem passara o tivesse enganado, dirigindo-o
para o local errado. Uma saraivada de palavras brutas atravessaram aquele entrave e chegaram até si
num francês quase perfeito, no entanto conseguia perceber que o dono delas estava longe de ser
original desse país. Conseguiu distinguir as expressões “família falida e sem sustento”, “é a miséria
que lhes desejas” e “devem-me a vida”. Pouco depois de as palavras cessarem, um estalo ecoou lá
dentro.
Ponderava em afastar-se, pensando que o melhor talvez fosse não interferir, apesar de a
consciência o espicaçar, quando a porta se abriu de rompante. Deu de caras com um homem
bastante mais alto que ele, o rosto muito vermelho de fúria e o monóculo a pender da casaca,
oscilante.
Philip ainda relanceou o camarim, conseguindo vislumbrar a jovem bailarina vestida de branco
com uma mão sobre o lado direito do rosto, a soluçar, antes de a porta se fechar.
– Boa noite. Angelique não poderá recebê-lo hoje, lamento – disse o homem, num tom frio de
quem pouco lamentava. O olhar cinzento lembrava uma lâmina prestes a atacá-lo. Dito isto, partiu,
com a mão direita crispada na bengala, enquanto na esquerda segurava um papel firmemente
amarrotado.
Philip não se moveu, nem chegou sequer a abrir a boca, enquanto o homem desaparecia.
Depois olhou a rosa e soltou um pequeno suspiro. Talvez o melhor fosse mesmo ir-se embora. Com
cuidado, pousou a flor à porta do camarim, rezando para que ninguém a pisasse. Esperava que a bela
donzela não passasse pelo presente sem o ver.
Feito isto, partiu. No exterior, a chuva inglesa caía em debandada, as poças de água enchiam a
estrada e não havia uma única carruagem à vista. Philip suspirou novamente, enquanto punha a
cartola. O motor de um dirigível, que se atrevia a calar a chuva por momentos, encheu a noite, antes
de se perder na escuridão. Era ousado viajar entre as nuvens com aquele tempo.
Passou junto à entrada monumental da central de energia, que jazia a poucos metros do teatro.
As paredes da estrutura pareciam emanar calor, enquanto uma incansável chaminé dia e noite
libertava fumo negro. Um estrangeiro, ou até mesmo alguém de fora de Londres, miraria a central
com cepticismo, considerando-a demasiado pequena. No entanto, a sua verdadeira estrutura
escondia-se sob as muitas casas da cidade, como um monstro subterrâneo que devorava não só os
interiores das minas de carvão, como o material que era importado de outros países. Era o motor
escondido que fazia andar a capital Britânica e Philip nutria um enorme respeito pelos seus
trabalhadores incansáveis, cujo trabalho era raramente valorizado.
Vinte minutos depois, quando dobrou a esquina da sua casa, viu que uma das luzes do
primeiro andar ainda estava acesa. Abanou a cabeça, com um sorriso leve, ao mesmo tempo que
metia a chave à porta e entrava. Um calor bem-vindo rodeou-o. Ali mesmo, tirou a primeira camada
da roupa, para não encharcar a carpete, e foi espreitar o seu aprendiz à sala de trabalho. Ao escutálo, Nicholas virou de imediato o rosto para si, perscrutando-o de cima a baixo, antes de largar o
brinquedo de corda em que estava a trabalhar sob a luz de um candeeiro a gás. Tinha uma lupa presa
à testa por uma faixa de couro.
– Está encharcado… – censurou, olhando-lhe para as meias que por acaso tinham um buraco
junto ao dedo grande.
– Não tenho culpa da chuva – riu-se, chegando-se à mesa de trabalho para ver o que estava a
preparar o aprendiz. Várias peças dentadas e pequenas engrenagens espalhavam-se por ali com uma
ordem meticulosa. – Uma boneca. É para o teu orfanato?
Nicholas ganhou um rubor bastante óbvio, que condizia com o cabelo ruivo revolto e
disfarçava as sardas que lhe salpicavam as bochechas. Acenou levemente.
– Está a ficar bastante bonita – garantiu, pegando-lhe e examinando-a com o olhar de um
profissional. – Um dia tiras-me o lugar.
– Nunca! Vai ser sempre o melhor – disse o rapaz, de imediato, com uma sinceridade
comovente. – E nem eu quero substituí-lo, só quero servir como ajudante. Devo-lhe demasiado.
Philip passava metade da semana a ouvir aquilo, e repetia a resposta, uma e outra vez,
incansavelmente.
– Não me deves nada. Estás aqui porque preciso de um aprendiz inteligente e com vontade de
aprender – declarou, afastando-se da mesa. – E também preciso de um aprendiz que descanse o
necessário. Já é tarde, vai deitar-te, Nick.
O rapaz insuflou as bochechas antes de se levantar, no entanto foi seguido por um som
metálico, arrastado, que se fez ouvir como uma chamada de atenção, quando se endireitou.
– Estás a precisar de óleo nas articulações – asseverou Philip, mais seriamente, lançando-lhe
uma mirada de soslaio. – Põe-no antes de te deitares.
Finalizada esta última recomendação, recolheu-se ao seu quarto, onde trocou de roupa. Mesmo
antes de se deitar, já sentindo um cansaço pesado, tirou de um dos cantos da gaveta da cómoda uma
chave dourada. Levantou a camisa e mirou o peito nu onde, um pouco desviado para o lado
esquerdo, estava um orifício metálico em forma de fechadura. Introduziu a chave mecanicamente, já
habituado à rotina, e deu-lhe dez voltas completas. O peito vibrava a cada movimento, percorrido
por uma sensação de formigueiro.
Nunca corria o risco de que o coração artificial lhe pudesse parar durante a noite. Ele próprio o
construíra e conhecia os perigos fatais de um tal esquecimento – há alguns anos atrás, bebera demais
e deitara-se sem fazê-lo; acordara a meio da noite, com uma dor tremenda no peito, e tivera de
correr à procura da chave para dar corda ao coração, antes que fosse tarde demais. Desde esse dia
que deixara o álcool de lado, pelo menos ao jantar.
Em contraste com a noite anterior, o dia nascera claro, com poucas nuvens brancas a pairar no
céu, arrastadas pela brisa. A chaminé atarefada de uma fábrica expelia a poluição do carvão,
mesclando o azul com um leve tom cinzento e dando ao ar o típico fedor da poluição. As estradas
eram percorridas ora por coches e carroças puxadas a cavalo, ora por veículos movidos a vapor que
eram a novidade dos londrinos mais abastados.
Devagar, Angelique descia a rua estreita, com atenção às montras das lojas. Parou de frente
para uma delas, mirando uma colecção de brinquedos cujas cores sobressaiam com alegria, assim
como várias caixas de música forradas a veludo. Indecisa, pensou por um momento, antes de abrir a
porta do pequeno estabelecimento. Um sino tilintou com vontade, avisando quem deveria estar a
atender da chegada de um novo cliente.
Ao dar conta que não havia ninguém ao balcão, a jovem vagueou entre as prateleiras, com um
pequeno sorriso nos lábios. Em pequena não tivera mais do que uma boneca de trapos que a mãe lhe
costurara, por isso achava todo aquele mundo fascinante. Deteve-se em frente de uma boneca muito
parecida consigo e dobrou-se para a ver melhor. O vestido de folhos, muito branco, fora
confeccionado ao detalhe; os olhos azuis eram feitos de cristal incrustado em porcelana; e os
cabelos dourados quase de certeza que eram verdadeiros. Tirou as luvas e guardou-as na bolsa de
mão, antes de pegar na boneca com cuidado, afagando-lhe o cabelo.
Um súbito tossicar fê-la dar um salto reflexo. Com o susto, a boneca escorregou-lhe das mãos
e caiu sobre o soalho. O ruído da porcelana a estilhaçar foi como um grito do brinquedo ao sentir
que ficava sem um braço.
Angelique olhou para o balcão, com as mãos sobre a boca e os olhos derramando puro
arrependimento, fitando, sem palavras, o dono da loja.
Por sua vez, Philip estava espantado com aquela presença inesperada. Quando escutara o toque
do sino, nunca imaginara encontrar um anjo a vaguear entre os seus brinquedos. Por um momento,
ocorrera-lhe que a bailarina poderia vir agradecer-lhe a rosa, porém descartara a ideia no segundo a
seguir, já que ela não tinha forma de saber quem lhe oferecera a flor.
Saiu de trás do balcão e foi ter rapidamente com ela. Não estava nada preocupado com a
boneca, ao contrário de Angelique que parecia quase à beira das lágrimas.
– Eu pago – disse, de imediato, mesmo antes de Philip abrir a boca. O seu rosto começava a
perder a palidez, dando lugar ao rubor de vergonha. – Peço perdão pelo que aconteceu. Diga-me só
quanto devo, por favor.
Com um sorriso, o inventor baixou-se e apanhou a boneca e cada um dos pedaços maiores de
porcelana.
– Não é necessário, mademoiselle. A culpa foi minha que a assustei – disse, com amabilidade.
Curvou-se perante ela, em modo de perdão. – O meu nome é Philip Reeve. Em que posso ajudá-la?
Angelique piscou os olhos e alternou o olhar entre Philip e a boneca, antes de abanar a cabeça.
– Não, Monsieur Reeve, insisto em pagar e levar a boneca. Não é menos boneca por só ter
metade de um braço – acrescentou, recompondo-se do susto. – Tal como uma pessoa não é menos
pessoa por lhe faltar alguma parte do corpo.
Philip sorriu ao ouvir aquilo e fez um leve aceno, concordando. Era interessante saber que uma
jovem tão bonita parecia não ter preconceitos para com deficientes físicos.
– Como quiser, então. Mas vou tapar isto para que não se corte, com licença.
Deixou a boneca sobre o balcão e desapareceu para uma sala contígua que estivera encoberta
por uma cortina. Angelique esperou-o, segurando na bolsa com ambas as mãos para se impedir de
mexer e estragar mais algum brinquedo.
Philip regressou pouco depois e tratou de remediar aquele coto partido, muito cuidadosamente,
cobrindo-o de tecido branco, como se fossem ligaduras. Após o curativo, pô-la na caixa que lhe era
devida.
– Agora que já tratámos desta donzela mais pequena, passemos à maior – sorriu para
Angelique, desejando ser-lhe útil. – Vinha comprar algo em concreto?
– Vi algumas caixas de música muito bonitas – confessou, rodando a cabeça na direcção da
montra. – Gostaria de comprar uma, com algum espaço interior, para oferecer. E queria também
encomendar mais vinte, para entregar no teatro. Deixo-as à sua escolha, mas gostava que tivessem
todas a mesma melodia.
– Vinte? – perguntou, estupefacto.
Angelique sorriu e acenou, em modo de confirmação, levando Philip a apressar-se e a ir
escolher algumas caixas, levando-as até ao balcão. Mostrou-lhe os interiores, explicou-lhe alguns
pormenores técnicos, como o tipo de madeira, e falou-lhe também das melodias, umas mais alegres,
outras melancólicas.
Após uns minutos pensativos, Angelique decidiu-se por aquela que era feita de ébano, talhada
com inúmeros pormenores exóticos que a faziam parecer originária de um país oriental.
Quando já acabara de tratar da venda, e de agendar a entrega das restantes caixas para essa
tarde, Philip ousou dar corda a outros assuntos.
– Gostou da rosa que lhe deixei à porta do camarim? – Ela mirou-o com um espanto nítido que
o fez corar um pouco, atrapalhado. – Assisti ontem ao bailado e foi maravilhoso. Por isso, os meus
parabéns, mademoiselle.
Um sorriso despontou nos lábios róseos de Angelique. Estava habituada aos elogios, já não a
embaraçavam, porém agradecia-os sempre.
– Perdoe-me a indiscrição. É casada ou comprometida de alguma forma?
Talvez estivesse a levar a ousadia aos limites, no entanto precisava de esclarecer um ponto
importante que ficara a remoê-lo desde a noite anterior.
– Sou comprometida com a minha profissão – respondeu Angelique, franzindo levemente as
sobrancelhas. – É com ela que estou casada.
– Então que direito tem um homem de lhe bater ou ameaçá-la?
O rosto da jovem perdeu a pouca cor que tinha. Olhou em volta como um bicho encurralado e
apressou-se a pegar nos pacotes com a boneca e a caixa de música.
– Foi um prazer, monsieur Reeve. Desejo-lhe muita sorte com a sua loja de brinquedos.
Perdoe-me por qualquer incómodo.
Angelique precipitou-se para o exterior movimentado, tão depressa quanto conseguiu,
deixando Philip ao balcão. Enquanto ele lhe mirava a silhueta delgada dentro do vestido, a descer a
rua sem olhar uma única vez para a montra, ponderava na fuga súbita que a sua questão causara. As
engrenagens do seu coração falavam-lhe do medo surpreendente que vira no olhar da bailarina. Se
pudesse descobrir quem aquele homem era, talvez encontrasse uma forma de a ajudar.
Os dedos tamborilaram sobre o balcão antes de tomar uma decisão. Tirou então o avental de
trabalho e dirigiu-se à oficina contígua.
– Nick, vou sair. Não sei se me irei demorar, por isso ficas a tomar conta da loja.
O rapaz levantou o olhar para o mestre, um pouco espantado, antes de fazer um aceno de
compreensão. Tinha curiosidade em relação aos assuntos de Philip, mas não se sentia no direito de
fazer perguntas. Isso violaria, de alguma forma, o compromisso de confiança que havia entre os
dois, dizia-lhe a sua cabeça.
– Avô, avô! – A garotinha entrou de rompante no escritório do velho homem de bigode
espesso. – O senhor dos brinquedos quer falar contigo!
Com um sorriso, Philip ficou parado à porta, de cartola segura nas mãos, vendo a garotinha
saltitar até perto do avô, empoleirando-se nos braços da cadeira para lhe segredar ao ouvido. Ainda
assim, as palavras alcançaram-no revelando o desejo da criança de ter uma nova boneca que
cantasse para ela. Era uma proeza difícil fazer com que uma boneca dissesse mais do que “mamã”,
quanto mais cantar.
– Eu depois trato disso, agora deixa o avô sozinho com este senhor – pediu, empurrando-a
levemente para que se fosse embora.
Quando a criança saiu, acenando a Philip, o director do teatro, Creighton Crawford, fez-lhe
sinal para que entrasse e fechasse a porta. O escritório fora mobilado em tons de dourado e
carmesim, sofás confortáveis e estantes elegantes arrumavam-se ordeiramente, tudo para dar
aconchego ao aposento. Timothy roeria as unhas se soubesse que andava a sentar-se em cadeiras
desconfortáveis enquanto existia uma sala daquelas no teatro.
Após uma conversa inicial de cavalheiros, a qual Philip encurtou o mais possível, tocaram
finalmente no assunto fulcral.
– Ontem à noite, antes de sair do teatro, deparei-me com um homem que nunca vi na cidade.
Não deve ter mais de quarenta anos, muito alto, cabelo loiro, olhos cinzentos e monóculo –
descreveu, tentando captar algum reconhecimento no rosto do seu ouvinte. – Estava perto dos
camarins.
Um brilho surgiu nos olhos escuros do director do teatro.
– Presumo que seja Casimir Sherwood, o encenador. Um homem muito educado, por sinal –
comentou, recostando-se na cadeira. – Mas porquê o interesse?
Philip desviou o olhar para o topo da cartola pousada no colo, as sobrancelhas tão franzidas
que quase se tocavam.
– Um cavalheiro de fachada – constatou, antes de voltar a encará-lo. – Desconheço as razões,
no entanto não deveria ser aceitável que um homem assim batesse numa mulher que não lhe é nada.
Aquelas palavras apanharam o director completamente desprevenido.
– Bater? Isso são acusações sérias, Mr. Reeve. Em que é que se baseia? – Dobrou-se sobre a
grande barriga e apoiou as mãos na secretária, entrelaçando os dedos. – Viu alguma coisa?
– Vi e ouvi, neste mesmo edifício, Director Crawford – disse, fazendo questão de enfatizar o
novo título do velhote, para que ele estivesse ciente das responsabilidades que carregava. – Ele
bateu numa das bailarinas.
– E como é que pode ter a certeza de que essa bailarina não tem qualquer relação com
Casimir? Pode perfeitamente ter sido um arrufo, não acha?
– Não, não acho! Ainda há pouco ela me disse que não tinha nada com ele. E mesmo que
tivesse, nada dá o direito de agredir assim numa senhora – protestou, batendo na mesa com o punho
fechado.
Crawford arregalou as sobrancelhas, estupefacto.
– Não sabia que agora era um acérrimo defensor dos direitos das mulheres. Por curiosidade,
sabe-me dizer o nome dessa bailarina? Só assim poderei tentar resolver o caso. Tentar – frisou, para
que Philip não tivesse todas as esperanças do mundo.
– Sra. Angelique. Não sei se é o nome verdadeiro, ou se é somente artístico – confessou,
inspirando fundo para se acalmar um pouco.
O sorriso que tomou o rosto do velho homem não lhe agradou nem um pouco.
– Angelique Blanc? Oh, Mr. Reeve… – riu-se, sem que Philip visse onde estava a graça de
tudo aquilo. – Sabe que nem todas as mulheres são os anjos que parecem? Não se deixe enganar tão
facilmente.
O rumo da conversa estava a desagradá-lo. Fosse Angelique o que fosse, nada disso apagava
aquilo a que assistira.
– Vai fazer alguma coisa, ou não? É que se não, dirigir-me-ei às autoridades e apresentarei
queixa do Teatro – avisou, semicerrando os olhos. – A guarda até pode não fazer nada, mas tenho a
certeza que um pequeno escândalo terá o seu efeito.
O director ficou ultrajado.
– Isso é injusto, Reeve! Sabe perfeitamente que não tenho nada a ver com o que se passa nos
bastidores! Nem sequer sou responsável pelos grupos que aqui vêm actuar.
– Mas é responsável por aquilo a que os espectadores assistem quando estão dentro deste
edifício – disse, levantando-se da cadeira, como se se preparasse para ir já de seguida falar com as
autoridades.
Philip não era uma pessoa extremamente importante, mas detinham para com ele um certo
grau de respeito pelo trabalho que desenvolvia na sua oficina, e o seu nome era conhecido até pela
própria Rainha Vitória do Reino Unido, a mando de quem já construíra um coração artificial para o
príncipe mais novo.
– Eu irei falar com o Casimir a respeito do que aconteceu. Não voltará a ocorrer, sob pena de
não lhes pagar nem mais uma libra pelo trabalho – garantiu Crawford, erguendo também o corpo
pesado, da sua poltrona demasiado confortável. – Tenha um bom dia, Mr. Reeve.
– O mesmo lhe desejo, Director – disse, com um leve aceno. – Com licença.
Quando abriu a porta para sair, estremeceu, meio assustado, ao dar com Timothy demasiado
perto desta. O amigo lançou-lhe um sorriso inocente.
– Estava à tua espera, Philip! Vi-te entrar no teatro e pensei convidar-te para tomar um café –
declarou, antes de relancear Crawford. – Bom dia, Director!
Philip revirou os olhos e abanou a cabeça, antes de fechar a porta atrás de si. Puxou o amigo
para longe do edifício e só quando a fachada vitoriana do teatro ficou fora de vista é que o mirou de
soslaio.
– Estavas a ouvir à porta – acusou, caminhando mais calmamente. – Que idade é que tens?
Timothy ajeitou a manga esquerda do casaco de cabedal, pensando no que responder. No
entanto, acabou por optar pela verdade.
– Estou cansado da vida de aviador – comentou, olhando para o céu onde um dirigível cruzava
os ares. – Ando a tentar descobrir alguns podres da vida do barrigudo, para o tirar da direcção do
teatro. Alguém tem que mudar aquelas cadeiras horr…
Desequilibrou-se de súbito, quando o pé tropeçou na tampa de uma sarjeta que dava acesso
aos esgotos e aos labirintos da central de energia, e só não se estatelou no chão porque Philip o
agarrou pelo braço.
– Bons reflexos, homem das engrenagens – gracejou, antes de se endireitar e fazer de conta
que nada acontecera. – Como estava a dizer, tenho de começar a olhar mais para o chão e menos
para o ar. Assentar, talvez casar… quando a tua irmã aparecer por aqui e largar os dirigíveis e as
calças. Ela fica tão bem de vestido…
Philip soltou um suspiro exasperado.
– Ela vem visitar-me um dia destes, não sei bem quando – confessou, deixando Timothy com
um brilhozinho nos olhos. Era impossível conseguir ter uma conversa lógica com aquele homem, já
que ele saltava de assunto como um ponteiro de relógio salta os segundos.
Atrás deles, a sarjeta levantara-se por completo e um adolescente, com o rosto coberto de
fuligem, emergiu do interior dos túneis, com uma chave-inglesa nas mãos. Ponderou em pedir
desculpa por ter feito o cavalheiro tropeçar, contudo teve medo que fizessem queixa dele a um
superior. Isso seria o suficiente para o despedirem.
Apoiado na bengala, Crawford dirigiu-se às traseiras do teatro, onde ficavam os aposentos dos
artistas. Havia muitos que não tinham posses suficientes para se instalar noutro sítio, e sempre era
melhor um cubículo do que dormir na rua. Bateu à porta do quarto maior e aguardou, impaciente.
Enquanto isso, tirou o relógio de bolso do interior do casaco e fez uma careta de desagrado ao ver as
horas.
A porta abriu-se antes de ter tempo de o voltar a guardar. Muito acima da altura do velho,
Casimir lançou-lhe uma mirada. Era um homem inegavelmente belo e inegavelmente frio que era
raro ver sorrir. A camisa aberta até meio do peito revelava que o seu corpo estava treinado para ser
mais do que um encenador, equiparando-se com o de um atleta de músculos não muito
proeminentes, contudo definidos.
– Precisamos de falar sobre uma das tuas raparigas, a Angelique – informou o director, num
tom baixo –, e sobre o teu comportamento. Não me interessa o que fazes com ela quando estão
sozinhos, no entanto não quero que levantes nenhum tipo de suspeitas. A última coisa que desejo é
ver algum guarda a vasculhar por aqui.
Casimir arqueou uma das sobrancelhas muito claras.
– É melhor não falarmos à porta – declarou, recuando. – Entra. Quero saber a razão dessa
conversa, ao pormenor.
Depois de a porta se fechar, nenhuma palavra trocada entre os dois alcançou o exterior.
O tilintar do sino à entrada da loja fez com que Nicholas acorresse ao balcão. Depois de um
breve almoço com o seu mestre, ficara novamente a tomar conta da loja, sozinho.
Esperava-o uma esbelta jovem vestida de branco, cujas mãos apertavam e torciam as asas da
bolsa de mão. Os olhos irrequietos de Angelique caíram sobre ele, e havia neles um misto de
desgosto e alívio ao não reconhecer quem desejava. Nicholas sempre dera imensa atenção os
pormenores, por isso também não lhe escapou da vista uma madeixa de cabelo loiro que se soltara
do gancho e a qual não fora reposta no devido lugar, assim como o pó de arroz que parecia querer
esconder a pele corada do rosto. Talvez demasiado corada. Trazia consigo um perfume fresco que
deveria fazer as delícias de quem permanecia ao seu lado, apesar de ele torcer o nariz.
– Boa tarde, em que posso ajudá-la? – perguntou, educadamente.
– Gostaria de falar com monsieur Reeve – disse, com um sorriso trémulo. Contemplou os
dedos e os pulsos de metal articulado do rapaz, que a camisa deixava ver, com uma ponta de espanto
que lhe arqueou as sobrancelhas.
Nicholas abanou a cabeça, como resposta antecipada.
– Mr. Reeve ausentou-se, mas não deve tardar. Se não a posso ajudar, talvez queira esperar um
pouco por ele. ‒ Pensou por um segundo, avaliando qual a melhor atitude. O que faria Philip se
estivesse no lugar dele?
– Eu… – Angelique hesitou, olhando para a porta por um momento, como se esperasse ver
alguém entrar. – Posso esperar um pouco, sim. Não tenho pressa.
– Então, sugiro que me acompanhe até ao piso de cima. O mestre não gostaria que o esperasse
aqui, sem qualquer comodidade – decidiu, passando a mão pelo cabelo despenteado.
Fez-lhe sinal para que o seguisse através da oficina pouco arrumada, onde se espalhava toda
uma miríade de ferramentas, projectos por acabar e livros sobre estranhos engenhos. Tudo junto
fazia com que o lugar lembrasse mais um laboratório do que uma simples oficina de trabalho. Sobre
uma das bancadas, repousava o que deveria ser uma máquina com a forma particular de um rim,
onde as peças se sobrepunham, algumas tão pequenas que lembravam cabeças de alfinete.
Por um momento, Angelique debruçou-se sobre o órgão, de olhos arregalados. Aquilo não era
um brinquedo, de todo. Nunca se interessara pela mecânica, por isso punha em causa a
funcionalidade de um aparelho como aquele e duvidava de que conseguisse harmonizar-se com o
corpo. No entanto, se Philip Reeve se dedicava àquele tipo de trabalho, para além da fachada
infantil da loja, era porque, de alguma forma, acreditava na sua utilidade. Ou então era louco.
– Não mexa em nada – ordenou a voz de Nicholas, ríspida, já junto às escadas que levavam ao
piso superior. – …Por favor.
Decidira acrescentar as duas palavras, para amenizar o tom. Philip não teria gostado que ele
tratasse mal uma senhora, mesmo que a senhora estivesse a meter o nariz onde não devia.
Angelique endireitou-se rapidamente e fez um leve aceno, apressando-se a segui-lo.
– Peço perdão, monsieur…
Nicholas ignorou o pedido implícito de lhe dizer o seu nome. Não estava habituado a conviver
com pessoas. O amigo de Philip chamava-lhe anti-social e frisava sempre que, com aquela má
disposição, nunca iria encontrar uma mulher que o quisesse. Mas ele também não queria uma
mulher… o seu mestre também não tinha nenhuma.
Chegados à zona da casa dedicada à habitação, Nicholas levou-a para uma pequena sala de
estar muito acolhedora. Indicou-lhe o sofá, para que Angelique se sentasse, e depois retirou-se para
a cozinha onde, muito contra a vontade, pôs uma chaleira ao lume. Foi à dispensa verificar se ainda
havia biscoitos de amêndoa e perguntou-se intimamente, com um sorriso nos lábios, sobre o que
aconteceria se a jovem donzela de branco fosse alérgica.
Antes de descer para voltar à loja, Nicholas ponderou em dizer novamente para que Angelique
não mexesse em nada, no entanto torceu a língua e limitou-se a ir-se embora, deixando-a sozinha.
Durante cinco minutos, ela ficou quieta, tentando controlar a respiração, descontrair-se,
parecer natural. Contudo, seria impossível, sem encontrar uma coisa que lhe prendesse a atenção.
Isso aconteceu quando ouviu o chiar insistente da chaleira.
Acorreu à cozinha e baixou o lume de imediato, antes de olhar em volta. Talvez pudesse
ajudar o rapaz ruivo em alguma coisa, não queria dar demasiado trabalho. Tirou as luvas e pousouas na bancada da arrumada cozinha, antes de começar a abrir armários e a procurar as ervas que
podia usar no chá.
Foi naquela tarefa que Philip a encontrou, quando procurou pela senhora que queria falar com
ele. Encostou-se à ombreira da porta da cozinha, de sobrancelhas arregaladas, contemplando
Angelique a mexer o chá já preparado. Sem querer, ela tocou com indicador no exterior da chaleira
e soltou uma exclamação de dor, levando depois o dedo à boca.
– Eu trato do resto, não precisa de fazer mais nada – garantiu Philip, anunciando a sua
presença.
Com um salto, Angelique voltou-se para ele, ainda com a ponta do dedo na boca. O rubor de
embaraço conseguia notar-se por debaixo do pó de arroz.
– Estava só a tentar ajudar – desculpou-se, baixando o olhar.
O inventor riu-se levemente e foi buscar duas chávenas e um tabuleiro, preparando o que
faltava.
– E eu agradeço. O Nicholas não se teria lembrado a tempo – notou, deduzindo que fora o
aprendiz que pusera a água a aquecer. – Vamos para a sala, mademoiselle? É mais confortável do
que a cozinha.
Angelique seguiu-o, já perdido o à-vontade e recordada do porquê da sua presença ali. Sentouse na cadeira que o cavalheiro puxou e ajeitou o vestido, de modo nervoso.
Depois de Philip a ter servido, mexeu o açúcar e esperou que fosse ele a abordá-la. Porém, o
inventor parecia preferir observá-la, enquanto bebericava o chá. O silêncio deixava-a ainda mais
ansiosa e o tiquetaque do relógio pendurado na parede estava longe de ajudar, insinuando uma
contagem decrescente do tempo que lhe restava.
Acabou por tossicar, enquanto os dedos brincavam com a colher de prata.
– O rapaz que trabalha para si… notei que os braços dele não são humanos – disse, tentando
começar a conversa por uma ponta diferente, para não ser tão directa.
O inventor fez um pequeno aceno.
– Nem os braços, nem as pernas, e o mesmo se aplica a parte do tronco, na verdade. O seu
antigo corpo foi destroçado quando o dirigível onde viajava se despenhou. Milagrosamente, não
morreu e alguns dos órgãos vitais ficaram intactos. – Soltou um suspiro. – Mas não foi para falar
dele que aqui veio, pois não?
A bailarina mordeu o lábio inferior por um segundo.
– Vim agradecer-lhe a sua atitude, monsieur Reeve. – Baixou o olhar. – O director veio falar
comigo a respeito do que o senhor viu ontem, e depois falou também com Casimir. Ele prometeu
não voltar a tocar-me.
Philip contemplou-a como se procurasse os defeitos num invento quase acabado de criar.
– Então porque é que não me parece aliviada? – quis saber, por fim, os olhos alternando entre
a mão que ainda não deixara de brincar com a colher e o rosto pálido que não o encarava. Não ia
acusá-la directamente de lhe estar a mentir, queria saber até onde o tentaria enganar.
– Eu estou muito aliviada – garantiu rapidamente, acenando. ‒ Mas não deixo de estar nervosa
e é difícil de acreditar. Não foi a primeira vez que ele me bateu.
O inventor perguntou-se intimamente se seria a última vez, no entanto não quis pressioná-la.
Não se habilitaria a uma nova fuga, como se o monstro fosse ele. Estendeu a mão e agarrou a dela, a
que não parava de remexer na colher.
– Prometa-me que, se voltar a acontecer, me dirá, para que a possa ajudar – pediu. E com a
outra mão levantou-lhe o rosto, para a poder fitar nos olhos bonitos, aquosos. Disfarçavam bem as
lágrimas, se Angelique estivesse à beira de chorar. – Prometa-me, por favor.
A resposta não chegou logo, fazendo-se demorar como se apelasse ao suspense. Todavia,
quando veio, ficou muito longe daquilo que Philip esperava.
– Por favor, meta-se na sua vida, para seu bem. Nada disto lhe diz respeito. Não quero que
volte a interceder por mim, não quero que… volte a procurar-me. – A mão dela soltou-se da sua e
recolheu-se ao colo, juntando-se à outra.
– Mas não fui eu que a procurei, foi a senhora que veio até mim – notou, querendo perceber
aquela súbita mudança. – Estou preocupado consigo, estou…
As restantes palavras ficaram-lhe presas na garganta, quando Angelique tirou de debaixo da
mesa uma pequena pistola, apontando-lha ao peito, sem hesitar. Estivera, muito provavelmente,
guardada na bolsa. Philip sentiu como se lhe fosse apontado um pequeno canhão de guerra.
– Eu sei cuidar de mim, monsieur, por isso faça o que lhe peço. Não volte a procurar-me, fique
com os seus brinquedos e com a sua vida – declarou, antes de se levantar da cadeira. – Tenha uma
boa-tarde.
Em choque, Philip ficou pregado à cadeira, enquanto ela saía sem mais delongas. As palavras
de Crawford, que lhe diziam que nem todas as mulheres eram os anjos que pareciam, reavivaram-se
na sua cabeça. Talvez a personalidade de Angelique estivesse para além da sua imaginação, contudo
acreditava que havia uma razão muito forte para ela lhe apontar uma arma, muito mais forte do que
a violência de um encenador para com as suas bailarinas.
Aquele acontecimento, para além de lhe aumentar a preocupação, incendiara-lhe a
curiosidade. Tinha que descobrir quais as consequências de se disparar contra um coração de corda,
para medir os riscos que poderia correr.
Nessa noite, Philip convidou Timothy para jantar lá em casa e ele próprio cozinhou. Depois de
o estômago estar bem aconchegado, o amigo recostou-se na cadeira, sorvendo um cálice de vinho
do Porto. Escutou o inventor, as sobrancelhas erguendo-se à medida que ele lhe contava o que
acontecera nessa tarde. A reacção de Nicholas era, em algumas partes, similar, porém havia ultraje e
preocupação misturadas com ela, coisas que Timothy não expressara.
– A bailarina apontou-te mesmo uma arma? Isso é… – O amigo olhou para o tecto, pensando
numa boa definição. – Hilariante?
– Ela podia tê-lo morto – interpôs-se Nicholas. – Devia apresentar queixa à guarda!
– E a francesa acusava o Philip de assédio sexual, ou algo do género – notou Timothy, com
um encolher de ombros. – Ele está aqui, bem vivinho e a contar-nos coisas interessantes, muito
interessantes…
Mirou a bebida, por um momento, pesando tudo o que Philip lhe contara. A rapariga queria
claramente manter a distância e teria uma razão suficientemente importante para chegar ao ponto de
ameaçar de morte um homem que se voluntariara para a ajudar. Não queria ser ajudada e não
parecia ser masoquista, por isso haveria a possibilidade de estar a esconder qualquer coisa
importante.
– Talvez não fizesse mal se tentássemos saber um pouco mais deste assunto… e tens de me
dar uma garrafita deste vinho, é mesmo bom – acrescentou, já fora do contexto.
– Podes ir buscar uma a Portugal. Agora continua o que estavas a dizer antes. Como é que
podemos saber mais sobre o assunto? – Philip cruzou os braços, mirando o amigo.
– Bem… assim de repente… podíamos espiar os dormitórios deles, enquanto estivesse a
decorrer algum ballet – sugeriu, com um sorriso torto. Timothy gostava de aventuras, por isso
nitidamente a ideia parecia-lhe interessante. – Talvez encontrássemos uma pista, alguma carta, uma
camisa com sangue e um buraco no peito…
Philip arregalou os olhos, recordando-se de um pormenor no qual não pensara.
– Uma carta – sussurrou para consigo. – Ele levava na mão um papel, quando o vi sair do
camarim de Angelique. Da forma como estava amarrotado, podia ter alguma coisa escrita que o
tivesse enraivecido. Mas esse papel já não deve existir.
Nicholas olhava de um para o outro, não acreditando no que estava a ouvir.
– Mas deve existir qualquer pista. Arranja uma engenhoca que abra portas e janelas, amanhã à
noite entramos em acção.
O rapaz abanava a cabeça, incrédulo, enquanto via o mestre levantar-se e ir até à sala de
trabalho. Regressou com um instrumento circular que Nicholas conhecia bem e usava casualmente
quando necessitava de fazer cortes cirúrgicos a peças metálicas, contudo as funções da ferramenta
iam muito além disso. Também conseguia criar chaves, através de um mecanismo de adaptação da
forma. Philip chamava-lhe modelador de chaves.
– Não, mestre, por favor… não faça isso, é imprudente. Se o apanharem vai ser preso e podem
maltratá-lo… – apelou Nicholas, não querendo vê-lo a embarcar em tal loucura. – Porque haveria de
tentar ajudar essa senhora? Ela não quer!
Timothy soltou uma risada malandra.
– Porque o teu mestre está embeiçado pela bailarina. Amor à primeira vista, já ouviste falar? É
uma coisa desse género. Isso fomenta nele o espírito de herói ‒ explicou, fazendo Philip corar
ligeiramente e abanar a cabeça. Aquele tipo só dizia parvoíces…
O aprendiz ficou ainda mais estarrecido ao ouvir aquela explicação. Não conseguia sequer
imaginar o inventor ao lado de uma mulher que não fosse a irmã, Charlotte. No entanto, Nicholas
também não a via propriamente como uma mulher.
Não havia ninguém na ruela estreita que dava acesso às traseiras do teatro. Pairava nela um
fedor que ia para além da poluição normal do ar, um das razões que explicava a falta de vida
humana. Para além disso, a distância que separava os candeeiros de luz fraca era bastante maior do
que o normal, criando zonas onde as sombras esguias reinavam. Alguns caixotes empilhavam-se
junto às paredes, abandonados.
Com a gola da casaca negra subida e as mãos nos bolsos, Philip caminhava discretamente pela
estrada. O seu passo não denunciava pressa, porque na verdade aguardava um sinal. Fora Timothy
quem entrara pela porta da frente, para levantar menos suspeitas. Se alguma das bailarinas, o
director, ou mesmo Casimir Sherwood o vissem por ali, desconfiariam certamente das suas
intenções. Aguardou, o olhar saltando ao longo das janelas que lembravam bocas escuras.
Não obstante a atmosfera soturna que o rodeava, era noite de lua cheia. Felizmente, o astro
ainda não se erguera o suficiente para juntar a sua luz à dos candeeiros. O ruído abafado de
máquinas a trabalhar sem descanso chegava-lhe aos ouvidos, através das sarjetas que soltavam um
fantasmagórico bafo de calor, e era o suficiente para lhe encobrir as passadas. Philip era só mais
uma sombra, mas, ao contrário das outras, mexia-se.
Acabou por se encostar à parede, camuflando-se com ela e com os restantes objectos. Por
vezes uma luz vaga, porém súbita, acendia-se, fazendo-o desencostar-se e dar um passo em frente,
mas só para se voltar a apagar no segundo a seguir.
No interior do edifício, Timothy saltava de quarto em quarto, apressando-se a experimentar o
modelador de chaves em cada uma das portas.
Ao inserir a pequena peça de metal na fechadura, esta emitiu uma série de estalidos. Quando o
barulho cessou, era claro o significado de que o instrumento adquirira a forma da chave. Rodou-o e
destrancou a porta, empurrando-a para trás. Guardou a ferramenta no bolso e apressou-se a acender
uma vela que trazia consigo. A luz alaranjada tocou os objectos que se espalhavam sem ordem, no
quarto. Ali via-se uma cartola, acolá um lenço, a cama estava desfeita, a porta do guarda-roupa
aberta… O aposento de um homem. Encontrara o que queriam.
Fechou-se no quarto rapidamente e pousou a vela no único sítio organizado: a secretária.
Depois acorreu à janela de guilhotina e puxou-a para cima.
– Homem das engrenagens? – sussurrou, metendo a cabeça de fora.
Philip foi ter com ele rapidamente, não fosse Timothy lembrar-se de levantar o tom. O amigo
deu-lhe espaço e, com um pouco de balanço, saltou para o parapeito da janela. Não era o homem
mais ágil de Londres, mas fazia questão de se exercitar um pouco, para manter o coração
sincronizado.
– Começamos pela secretária, é o único sítio arrumado. Este é pior que eu – murmurou o
aeronauta, pensando na bagunça eterna da sua casa.
O inventor não comentou e acendeu uma segunda vela, para ajudar na busca. Deu uma vista de
olhos nos papéis sobre a secretária, sem encontrar nada de interessante, e depois vasculhou as três
gavetas. A primeira estava vazia, a segunda tinha um conjunto de cartas já abertas. Philip leu-as na
diagonal, todavia não lhe interessava o agendamento de novos espectáculos na Rússia e na
Alemanha. A última gaveta guardava uma pistola punhal-francês.
Quanto a Timothy, alternava o seu movimento entre virar do avesso os bolsos dos casacos e
das calças que apanhava à mão e escutar à porta, certificando-se de que ninguém vagueava pelo
corredor.
– Talvez não haja nada – disse Philip, endireitando as costas.
– Ou talvez não estejamos a procurar nos sítios correctos.
O amigo olhou em volta, de sobrancelhas franzidas, antes de pegar na cadeira arrumada junto
à secretária. Pousou-a junto do guarda-fatos e subiu-a, para a seguir abrir a mala de viagem que
estava aí arrumada.
– Traz uma vela para aqui, que nem sequer vejo a ponta do meu nariz – pediu, enquanto
tacteava o interior da mala com cuidado.
Philip obedeceu-lhe e levou uma das velas até perto dele, erguendo-a o mais que podia acima
da cabeça.
A primeira coisa que saiu da mala foi uma caixa que o inventor reconheceu de imediato.
– Vendi-a ontem à Angelique – sussurrou, enquanto o amigo a abria e espreitava o interior
vazio. – Ela disse-me que a iria oferecer…
– Hm… – fez Timothy, em modo de comentário, revirando a caixa de música com pouco
cuidado e sacudindo-a. Um tilintar saiu de dentro dela, como se houvesse peças soltas. – Já não deve
estar muito boa. Ele não deve ter gostado da compra.
Arrumou-a na posição precisa em que estivera, antes de tirar um maço de correspondência de
um dos cantos da mala. Agitou-o em frente da cara de Philip, com um sorriso trocista, e saltou da
cadeira.
Após passar revisão a meia dúzia de cartas, ficou a olhar para uma delas, muito intrigado. No
papel fora impresso um esquema que lhe lembrava uma mistura do mapa de um labirinto com
pormenores mecânicos. Não havia qualquer inscrição explicativa nas margens. Passou a folha a
Philip, esperando uma elucidação intelectual.
– É a rede da central de energia – esclareceu, com um olhar atento sob a luz trémula. – Mas
não percebo porque haveria uma coisa destas estar entre as cartas.
– A central que fica aqui mesmo ao lado – notou Timothy, pensativo. – Os interesses dele são
peculiares, para não dizer suspeitos…
– As caldeiras estão marcadas – notou, tocando com o dedo na que ficava mais perto do teatro.
– Todas, sem excepção. Ele deve ter obtido o mapa a partir de algum dos engenheiros. Mas porquê?
Para quê?
Por entre o silêncio do quarto, só interrompido pelo estalar ocasional dos pavios a arder,
puderam escutar duas vozes masculinas, provindas do corredor. Identificaram facilmente a de
Crawford.
Timothy praguejou, arrebatando rapidamente o esquema das mãos do inventor. Dobrou-o
atabalhoadamente e meteu-o entre as outras cartas, antes de as arrumar no canto da mala e fechá-la.
Foi nesse momento que uma chave entrou na fechadura da porta. Ele saltou da cadeira e correu para
a entrada, sem esperar por mais nada. Apoiou o ombro contra a porta, impedindo que fosse aberta.
As reacções do inventor bloquearam por um momento, temendo que fossem descobertos. Sob
as ordens gestuais do amigo, apagou a vela que segurava e arrumou a cadeira no devido lugar. Do
outro lado da porta, alguém rodava a maçaneta, tentando forçar a entrada. Os resmungos irritados
chegavam até eles. Com um sopro, Philip extinguiu a segunda vela e guardou-a no bolso. No
entanto, faltava a parte mais difícil: fugir dali sem serem apanhados. Com os encontrões que eram
agora dados à porta, mal Timothy se desencostasse dela, esta escancarar-se-ia.
– Tranca-a – sussurrou Philip. Sabia que isso iria denunciar de imediato a presença deles,
porém dava-lhes tempo para saltar pela janela e correr dali para fora. Como estava escuro, com sorte
não os reconheceriam e tomá-los-iam por ladrões.
O aeronauta fez um pequeno aceno e tirou o modelador de chaves do bolso. Este ainda
apresentava a última forma utilizada, o que facilitava a tarefa. Respirou fundo e começou a contar
até três, até que viu que Philip não se dirigia à janela. Antes, enfiava-se debaixo da cama de casal. O
inventor não estava com planos de sair dali tão cedo, não antes de descobrir um pouco mais sobre as
intenções de Casimir Sherwood.
– És maluco ‒ ciciou, abrindo muito os olhos. Philip limitou-se a fazer sinal para que ele
saísse pela janela, sem ele. – Se tu morres…
Não disse mais nada, deixando a ameaça no ar, e introduziu a chave na fechadura, fazendo
rodar o canhão tanto quanto era possível. Do exterior ouviu-se uma exclamação grave e um estranho
deslizar cortante de metal. Um instante depois de Timothy se ter desencostado, uma lâmina fina
perfurou a madeira e chegou ao interior do quarto, tocando-lhe de raspão no ventre e arrancando-lhe
um gemido de dor.
Sem esperar para ser esventrado, ele precipitou-se para a janela e saltou. A porta escancarouse a tempo de Casimir, de espada em punho, vê-lo desaparecer pela janela.
Um rosnar perigoso encheu o quarto, fazendo Philip encolher-se tanto quanto podia no seu
esconderijo poeirento. Por todas as peças dentadas da sua oficina, esperava não ser descoberto.
Por um momento, Casimir observou a mancha vermelha na ponta da espada. Depois, com
mais força do que a necessária, embainhou-a no interior da bengala que camuflava a sua verdadeira
natureza e foi fechar a janela.
– Maldição… – silvou, na direcção de Crawford que acabara de fechar a porta atrás de si.
As luzes do quarto foram acesas, revelando que tudo parecia demasiado no sítio para um
assalto. Para além disso, ninguém tocara nos objectos de valor, como o relógio de bolso incrustado
com pedras preciosas, sobre a cómoda, ou o fio de ouro de onde pendia um crucifixo.
O encenador inspeccionou o quarto com toda a atenção, no entanto nada encontrou fora do
sítio.
– Talvez não tenham tido tempo para roubar nada, chegámos a tempo de o evitar. Só é
estranho que tivessem uma chave do quarto – notou o director, o rosto bochechudo expressando
algum alívio.
Casimir escrutinou-o também a ele, não lhe bastando fazê-lo com o quarto.
– Isto não foi nenhuma tentativa de traição, pois não? – O tom perigoso e o olhar álgido
fizeram Crawford estremecer.
– Por quem me toma? Estamos no mesmo barco, Casimir. Nem sequer sonhei em traí-lo –
volveu, de sobrancelhas franzidas. – Se quiser, apesar de não me agradar, informarei a guarda a
respeito do assalto.
– Não. A última coisa que quero é ter alguém a vasculhar-me o quarto – declarou, sentando-se
à borda da cama. – Quando é que chegam as garrafas de gás?
No seu esconderijo, Philip apurou melhor a audição, depois de encolher a barriga ao
testemunhar como as tábuas que suportavam o colchão se tinham dobrado na sua direcção, querendo
espremê-lo contra o soalho.
– Serão entregues de madrugada. E pode ter certezas de que o seu efeito soporífero foi testado
e teve total eficácia. Ao fim de dez minutos de inalação, devem estar todos a dormir – garantiu
Crawford, ao ver que ele iria levantar outra questão. – Quanto aos esconderijos, já não vai usar as
caixas de música, pois não? Sempre me pareceu uma ideia descabida e que poderia correr mal, no
entanto, agora com o Reeve a farejar por aí…
Casimir passou uma mão pelo rosto, pensativo. Ele gostara da ideia das caixas de música, por
mais extravagante que fosse. O som de uma música de embalar a acompanhar os efeitos soporíferos
do gás daria todo um aspecto poeticamente macabro à situação.
– As caixas serão usadas. Não há perigo de que nos denunciem, porque serão destruídas
durante a explosão. E se sobrar alguma ‒ esboçou um sorriso ténue mas maldoso –, talvez as culpas
recaiam sobre o nosso prezado Mr. Reeve. Em todo o caso, o mecanismo delas será adaptado para
que possam libertar o gás junto às caldeiras. Só depois de todos estarem a dormir é que poderemos
agir com mais segurança e levar os barris de pólvora para os subterrâneos. Quero o material pronto,
para amanhã à noite agirmos: a pólvora, as carruagens, as roupas de operário… tudo, sem falhas.
Philip tapou a boca, não só para conter uma exclamação, mas porque compreendia agora a
magnitude do que estava a ser tramado. Vinte caixas de música para as vinte caldeiras da central de
energia. Quando os operários tivessem adormecido, Casimir planeava rebentar com tudo, matando
centenas, senão milhares de homens que trabalhavam dia e noite longe da luz do Sol. As
engrenagens do seu coração pareciam gritar para que saísse dali e corresse até ao posto policial mais
próximo, no entanto teria de esperar uma altura propícia. E esperar, depois de saber aquilo, era pura
tortura.
– Não se preocupe – garantiu Crawford. – Vai voltar para acabar de assistir ao ballet?
– Não, vou ficar aqui. Não quero habilitar-me a encontrar outro ladrão ou espião dentro do
meu quarto. – Voltou a desembainhar a espada, aproximando a lâmina dos olhos. – Diga à
Angelique que venha ter comigo, quando o espectáculo acabar.
O director fez um leve aceno e acabou por sair, deixando Casimir e Philip a sós. O inventor
tirou a mão da boca e deixou-a escorregar até ao peito, por precaução. Não queria que o som
metálico do coração o denunciasse a alguém de ouvido de tísico, tal como muitos conseguiam
detectar o tiquetaque de um relógio.
O chiar e o movimento da cama avisou-o de que o encenador se levantara. Controlou a
respiração, mantendo-a tão serena e indetectável quanto possível. Por entre o pequeno espaço que
existia entre as pregas da colcha que caía em direcção ao chão, e a própria madeira do soalho,
vislumbrou os sapatos bem engraxados dele a passearem-se pelo quarto.
Depois de encontrar um trapo por ali perdido, Casimir limpou o sangue que tingira a sua arma,
não permitindo que um único resquício a maculasse. Quando terminou a tarefa, foi até à secretária
donde tirou a pistola, levando-a depois para a mesa-de-cabeceira, onde ficaria bastante mais à mão,
caso fosse necessário um tiro certeiro. Acabou por se deitar, a olhar o velho tecto de pintura já a
estalar.
Passou mais de uma hora. Philip mexia-se muito levemente, querendo desentorpecer o corpo.
Não lhe calhava nada bem tropeçar durante a fuga… se chegasse a haver uma.
Por fim, alguém bateu à porta, que se abriu sem esperar por autorização.
– Angelique, finalmente. – Casimir sorriu-lhe, sentando-se na cama. – Sinto-me tenso, preciso
de uma massagem com as tuas mãos de anjo.
– Só uma massagem? – perguntou a bailarina, céptica, baixando-se e desapertando as
sapatilhas.
– Talvez não só – concedeu, contemplando-a com interesse. – Mas podemos começar por aí.
Sem comentários, Angelique levantou a borda da colcha da cama, pronta para atirar as
sapatilhas lá para baixo, como arrumação improvisada. Porém, mal o fez, os seus olhos encontraram
os de Philip. Arregalou as sobrancelhas, enquanto o inventor levava um dos dedos aos lábios,
pedindo-lhe silêncio. Interiormente, ele rezava a todos os anjinhos para que ela não o denunciasse.
Com um piscar de olhos estupefacto, a bailarina arrumou as sapatilhas e deixou a coberta voltar a
cair.
Philip fez questão de tentar ignorar o que se passou a seguir. Depois do que deveria ter sido
uma pequena massagem silenciosa, a luz do quarto baixou de intensidade e a cama testemunhou
mais movimento, de tal forma que as tábuas começaram a ranger. Talvez não tivesse sido assim
muito mau, se o encontro entre bailarina e encenador tivesse ficado por aí, porém começou-se a
ouvir a respiração ofegante deles, e depois os gemidos entrecortados. Engoliu em seco e passou uma
mão pelo rosto, controlando-se para não sair dali disparado. E pensar que Angelique sabia que ele
estava ali escondido e continuava a fazer tudo aquilo!
– Estás a magoar-me, pára – ouviu-a dizer, por entre um gemido mais enfático provindo de
Casimir. Percebeu que ele não parou, de forma alguma.
Controlou-se, convencendo-se de que seria pior se se denunciasse. Não sobraria só para si, que
não tinha nenhuma arma com que se defender. Em Angelique recairia parte da culpa, e não
conseguiria nem imaginar o que aquele homem sem escrúpulos lhe poderia fazer.
Ao fim de mais algum tempo de movimento, o quarto sossegou, escutando-se somente as
respirações ofegantes dos dois amantes. Minutos depois, nem isso era perceptível. Philip continuou
sem se mexer, atento ao que se passava por cima de si.
Os minutos seguintes foram tortuosos, passando tão devagar que pareciam fazer troça do
inventor. A luz fraca continuou acesa, o que poderia significar que algum dos dois ainda poderia
estar acordado.
Sem aviso, a voz de Angelique ressoou no quarto, mais alta do que seria de prever, fazendo-o
conter a respiração.
– Casimir? – chamou, sem obter qualquer resposta mais expressiva do que um ronco.
Philip presumiu que aquilo fora um teste de verificação do estado dormente do encenador, por
isso, com cuidado, saiu de debaixo da cama e ergueu-se devagar. O olhar cruzou-se novamente com
o de Angelique, que se cobria somente com um lençol branco, deixando a pele nívea dos braços e da
parte superior do peito a descoberto. Embaraçado, desviou o olhar daquela mulher disfarçada de
anjo.
– Saia – sussurrou a bailarina, olhando na direcção da janela. – Antes que ele acorde.
O inventor não esperou por outra incitação e, com passos silenciosos, dirigiu-se à janela, a
qual abriu muito lentamente. Quando já tinha espaço suficiente para passar, mirou Angelique uma
última vez, reconhecendo a tristeza tisnada no rosto de porcelana, que nem a falta de roupa nem o
cabelo desalinhado podiam esconder.
Não se deu ao trabalho de fechar o vidro, correndo para longe do teatro, tão depressa que,
cinco minutos depois, e sem qualquer aviso, um pico de dor lhe perfurou o peito. Cambaleou, até se
encostar a uma parede, ofegante, e levou a mão ao preciso lugar onde estava a fechadura. Tomou
consciência do tempo que passara e da urgência que tinha em chegar a casa, se queria manter-se
vivo. Era como se tivesse escapado de uma armadilha para correr para outra.
Mais lentamente, e sempre apoiado à parede, dirigiu-se a casa. Ainda estava a uns bons vinte
metros da porta quando esta se abriu de rompante e Nicholas se precipitou na sua direcção, numa
corrida acompanhada de rangeres metálicos.
– Nick – sussurrou, feliz por ver o seu aprendiz. Sentia que a nitidez estava a fugir-lhe da
visão, com o baixar do nível de oxigénio circulatório. – O Timothy…
– Está lá em cima – completou o rapaz. – Venha, eu ajudo-o.
Passou um dos braços de Philip sobre os ombros e ajudou-o a atravessar a estrada, para
ultrapassar os últimos metros que o separavam de casa.
Chegados lá, deixou-o ficar sentado no sofá e correu até ao quarto do mestre, voltando, pouco
depois, com a pequena mas preciosa chave. Abriu-lhe a camisa, sem pedir autorização, e inseriu-lha
no peito, rodando-a as vezes suficientes para que a corda do coração voltasse a funcionar
normalmente.
– Obrigado, Nick. Não sei o que seria sem ti – confessou Philip, levando a mão ao cabelo do
aprendiz e despenteando-o, como se ele ainda fosse uma criança.
Nicholas corou ligeiramente e baixou o olhar, tirando as mãos do peito do inventor.
– Alguém tem de cuidar de si quando se mete em sarilhos, não tem?
Philip deu uma risada curta e irónica.
– E que sarilhos…
Quando, no dia seguinte, Philip e o Inspector bateram à porta do escritório de Crawford, o
director pareceu genuinamente espantado com as acusações que lhe atiraram à cara.
– Penso que, na noite passada, Mr. Reeve teve um tremendo pesadelo, ou então bebeu um
pouco a mais. Nunca vi ideia mais descabida! – notou o homem, soltando uma gargalhada animada.
– Eu, com esta idade, um terrorista que quer destruir Londres? A mesma Londres onde investi ao
comprar este magnífico edifício? A mesma Londres onde o meu filho e a minha neta vivem?
O Inspector, de bigode perfeitamente aprumado, escrutinou o director, no entanto ele parecia
um poço de sinceridade. Mas era um poço tão fundo que era impossível ver se tinha água ou se
secara.
– Então talvez não se importe que revistemos o teatro e os anexos – sugeriu.
– De modo nenhum, Inspector. Faça como se estivesse em sua casa, com todo o respeito –
acrescentou, saindo de trás da secretária.
Pouco depois, levou-os a visitar cada compartimento, da sala de teatro à mais pequena
dispensa de vassouras e esfregonas. Nem sequer uma pista que indicasse actividades suspeitas foi
encontrada. Por último, dirigiram-se aos quartos anexos. O primeiro que visitaram foi o de Casimir
Sherwood, que lhes lançou um olhar da mais pura indiferença.
– Quer revistar? Reviste. Não vai encontrar nada – garantiu, dando passagem ao Inspector
enquanto se encostava diligentemente à ombreira da porta, de braços cruzados.
O olhar do encenador cruzou-se com o do inventor e, sem que o Inspector tivesse hipótese de
ver, esboçou na direcção dele um sorriso sádico de vitória.
– Em todo o caso, se está a seguir alguma denúncia deste senhor – começou, sem desviar a
atenção de Philip, como que em modo de provocação –, então talvez deseje saber que ele anda a
perseguir uma das minhas bailarinas. Talvez pense que, desacreditando-me, consegue fazê-la cair
nos seus braços. Os ciúmes fazem com que um homem tenha as mais pérfidas ideias.
Um tom mais corado assomou ao rosto do inventor, que, no entanto, se obrigou a manter a
postura.
Mesmo antes de poder ripostar contra aquilo, o Inspector cortou-lhe a palavra.
– Talvez. Contudo, Mr. Reeve nada ganhava com uma falsa denúncia, para além de ele próprio
poder ser exposto ao ridículo.
– Não se diz que os inventores têm algumas peças trocadas? – perguntou, tocando com um
dedo numa das têmporas. – Construir próteses é um tanto ou quanto mórbido, e pode tê-lo afectado.
A vontade de Philip era deixar-lhe uma marca bem negra e um inchaço nos lábios que
apagasse aquele sorriso sacana. Cerrou os punhos e manteve-os junto ao corpo, para não se tentar
ainda mais.
Acabaram por abandonar o teatro, de mãos vazias, e o inventor regressou a casa, remoendo-se
em frustração. Mal o viu, Nicholas correu para si. As mangas estavam arregaçadas um pouco acima
do cotovelo, revelando ambos os antebraços feitos de peças metálicas às quais os nervos e tendões
tinham sido ligados de forma exímia. O olhar preocupado do aprendiz mirou-o de cima a baixo, para
confirmar que estava inteiro.
– O que aconteceu? Não está com boa cara – notou.
Philip encolheu os ombros e desviou o olhar.
– Não encontrámos nada, eles devem ter algum esconderijo nas redondezas ‒ suspirou,
afastando-se do aprendiz para pegar numa caixa de música ainda por acabar. Observou o
mecanismo interno que produzia a música e ao qual iriam ser ligadas as garrafas de gás. – Nicholas,
quero que partas ainda hoje para a casa de campo dos meus pais. Se acontecer alguma coisa em
Londres…
O rapaz abanou a cabeça, não acreditando no que ele estava a ordenar-lhe.
– Não vou a lado nenhum sem si. Faço sempre tudo o que me pede, mas isso não. E não
insista, que não vou mudar de planos – acrescentou. – Não sei o que está a planear, não lhe vou
perguntar, porque se quisesse que eu soubesse ter-me-ia dito. Mas vou ficar à sua espera nesta casa,
não o vou abandonar.
Philip não conseguiu deixar de sorrir e, sem aviso, abraçou o aprendiz contra si, sentindo
como se ele ainda fosse o rapaz de treze anos que ajudara quase a reviver, com o auxílio do melhor
médico de Londres.
– Tonto. És como um filho para mim, por isso é-me difícil ver-te correr perigo. No entanto,
também já és adulto, por isso a escolha é tua.
Nicholas nunca conseguira ver o inventor como um pai, mas sim como um salvador. Ou,
quiçá, como um cavaleiro que fizera tudo para o salvar.
Com um certo pouco à vontade, retribuiu o abraço, sentindo-se a recuar muitos anos no tempo,
até à altura em que vivia no orfanato, junto com as outras crianças. Todas elas teriam desejado um
abraço quente muito parecido com aquele.
Como homem, Nicholas sempre se considerara apenas uma amostra com medo do mundo.
Porém, por alguma razão que desconhecia, aquele abraço apertado causava-lhe um temor irracional
que o levava a querer não soltar Philip por nada. Contudo, tinha de o deixar seguir o caminho que
escolhera, por isso baixou os braços e libertou-o.
A meio da tarde, o céu enchera-se de nuvens plúmbeas que lembravam castelos assombrados.
Pouco demorou até que as estradas e os passeios se enchessem de poças de água e lama. Ainda
estavam encharcados quando, ao cair da escuridão, Philip e Timothy se dirigiram ao teatro, os
sapatos e as botas sujando-se a cada poça que não viam e pisavam.
Nessa noite não haveria bailado, ou qualquer representação artística, segundo o plano de
espectáculos. Assim sendo, o edifício mergulhara-se na penumbra, não existindo uma única janela
donde brotasse vida.
Rodearam-no, sempre atentos, até chegarem à ruela visitada na noite passada. Timothy
descalçou as luvas de cabedal, antes de se ajoelhar junto a uma das tampas maciças que davam
acesso aos subterrâneos. Usando toda a sua força, conseguiu levantá-la um pouco e empurrá-la para
o lado, quebrando o véu de silêncio com o arrastar de metal sobre pedra.
– A partir daqui, tem cuidado com as próprias sombras – avisou o aeronauta. – E tem o
revólver à mão.
Enquanto o via desaparecer pela abertura no chão, Philip perguntou-se quantas vezes o amigo
já teria feito trabalhos daquele género, para se mostrar tão calmo e estratégico.
Sozinhos na cave do teatro, Casimir ajudou Angelique a descer até aos subterrâneos,
segurando-a por uma mão. Dificilmente alguém a reconheceria como a protagonista de um ballet
francês, porque o seu rosto fora coberto de fuligem, as roupas femininas trocadas pelas de um
operário maltrapilho, largas o suficiente ao ponto de disfarçarem as formas corporais, e o cabelo
escondido dentro de um boné de rapaz.
Debaixo do braço, Angelique levava uma das caixas de música, tentando não oscilá-la
demasiado. Os pés encontraram solo firme.
– Tens dez minutos até activares o mecanismo. Não dês nas vistas. – A voz de Casimir ecoou
até ela, espreitando-a. – Quando estiverem todos a dormir, envia-me o mensageiro.
Depois de um pequeno aceno, Angelique infiltrou-se pelo labirinto de túneis. Candeias
alaranjadas ladeavam ambos os troços do caminho e a sua luz parecia aquecer ainda mais o
ambiente já de si embrenhado num calor húmido que se colava à pele. Trabalhar ali seria de todo
uma questão de sobrevivência para os homens de muitas famílias.
Tirou do bolso um mapa tosco dos subterrâneos, e seguiu a linha vermelha que fora riscada e
que a guiava à caldeira mais próxima, a cem metros dali. Puxou o boné para a frente dos olhos,
quando o ruído de máquinas a trabalharem e as vozes ásperas dos homens preencheram os túneis.
Na atmosfera saturada pairava uma mistura de suor com o cheiro a carvão queimado, que lhe dava
vontade de vomitar.
Com cuidado, espreitou a zona ampla onde fora montada a enorme caldeira alimentada por
carvão e água. O vapor que produzia era incessante. Ali o calor tornara-se horrível, fazendo com
que maior parte dos homens andasse em tronco nu, todos eles escorrendo transpiração. Empurrando
um carro de mão, um garoto, com não mais que doze anos, passou por si e lançou-lhe um sorriso tão
incrivelmente animado que lhe partiu o coração. Agarrou a caixa com mais força, sentindo o
remorso a tentar demovê-la. Se não o fizesse, Casimir matá-la-ia, e às restantes bailarinas. As suas
famílias sofreriam o mesmo destino. Abanou cabeça, afastando do caminho, mais uma vez, a
piedade.
Com uma descontracção fingida, Angelique avançou para a sala principal e olhou em volta,
escolhendo o melhor local para esconder o presente envenenado. Os operários, demasiado ocupados
para desconfiarem da presença de mais um entre eles, mal a olharam. Como a madeira era escura,
camuflou a caixa atrás de um enorme monte de carvão. Depois de se certificar de que a hora havia
chegado, deu corda ao mecanismo e afastou-se rapidamente, enquanto a música, que mal conseguia
competir com todo o ruído, começava a destilar o gás invisível.
Longe da vista dos inconscientes operários, Angelique tirou do interior do casaco uma
máscara que colocou sobre a boca e o nariz. O gás poderia não se propagar para muito mais além do
que aquela zona, no entanto qualquer prevenção seria bem-vinda. Consultou o relógio de bolso,
contemplando o movimento lento do ponteiro dos minutos.
Um a um, os homens começaram a ser atingidos pela sonolência, acabando por cair como
robots desequilibrados que perdiam a energia. Passados os dez minutos, Angelique foi fazer a
verificação dos corpos. O gás fora eficaz ao ponto de pôr o homem mais forte a dormir como uma
pedra.
Confirmado o estado de dormência, tirou do bolso uma pequena e leve ave metalizada. Deulhe corda e libertou-a, deixando que voasse até Casimir. Não fazia a mínima ideia de como ele
conseguira embutir na invenção a direcção que esta deveria seguir, porém não duvidava do seu
génio, nem da sua crueldade. Fora contratado por esses dois mesmos atributos.
Enquanto esperava, a bailarina tirou a máscara e aproximou-se da caldeira fumegante,
evitando pisar os homens adormecidos. Contemplou-a, mergulhada em culpa até ao pescoço.
Não ficara muito tempo quieta quando reconheceu, bem ao meio das suas costas, o toque do
cano de uma arma.
– Levanta os braços devagar e mantém-nos assim. Queremos as tuas mãos longe das roupas –
ordenou uma voz masculina, pressionando mais a arma.
Angelique obedeceu, sem pensar duas vezes.
– Philip, revista-o agora – acrescentou o homem que lhe apontava a arma.
Perante os seus olhos azuis, a bailarina viu surgir o inventor. Num primeiro segundo, ele não a
reconheceu, no entanto a fuligem não escondeu por muito tempo os traços faciais dela.
– Angelique… quase que não a reconheci – notou, olhando-a de cima abaixo. Levou a mão à
boina dela e tirou-lha, deixando que uma onda de cabelo loiro caísse para trás, como confirmação. –
Antes de a revistar, diga-me, para que serviria isto?
Para espanto da bailarina, ele tirou do bolso a ave de metal, cujas asas tremiam freneticamente
por se libertar.
– O sinal de aviso de que o Casimir podia avançar – disse, depois de um momento de
hesitação. – Ele vai perceber que se passou alguma coisa, mais cedo ou mais tarde. Deviam ir-se
embora enquanto podem.
– Philip, revista-a! – Timothy chamou-o à atenção.
O inventor respirou fundo.
– Peço perdão – murmurou, começando a revirar-lhe os bolsos e a palpar-lhe a roupa. Pouco
depois descobriu que a jovem não estava armada nem sequer com um canivete.
Afastou-se alguns passos, sem deixar de a encarar.
– Ajude-nos a desmascará-lo. Sei que não deve estar a fazer isto de livre vontade, não é má
pessoa para me ter deixado fugir, ontem à noite. Porém, tem medo dele. Enfrente-o, mostre-lhe que
é mais forte do que uma ameaça, ou algo parecido – apelou Philip. – Não deixe que ele a transforme
numa assassina.
Angelique desviou o olhar.
– O senhor não compreende…
– De facto, ele não é capaz de compreender o que o dinheiro pode comprar – disse uma voz
súbita.
Casimir surgiu de um dos túneis escavados, com passos lentos. Apontava-lhes um revólver e,
por uma questão de espaço de manobra, manteve-se à distância de alguns metros.
Timothy soltou um leve rosnar, ao olhar para trás.
– Larga a arma ou eu disparo contra a rapariga – ameaçou.
Casimir limitou-se a um encolher de ombros.
– Então dispara. Depois disso, disparo eu contra um de vocês – garantiu, descontraído. – Não
ganham nada em matá-la. Por isso é melhor largarem essa arma. Algum movimento brusco e eu
disparo…
O inventor olhou o amigo. Trouxera uma arma consigo, porém seria difícil tirá-la do bolso
sem que o encenador desse conta.
Ponderando as possibilidades que tinham, Timothy manteve o olhar preso em Casimir durante
longos segundos. Só depois se atreveu a baixar a arma, muito devagar, acabando por pousá-la junto
aos pés.
– Angelique, baixa os braços e apanha essa arma – ordenou Casimir, por cima do eco sem
descanso das máquinas.
Em poucos segundos, encostaram Philip e Timothy contra uma parede, para logo a seguir a
bailarina ir procurar uma corda entre as tralhas dos operários. Encontrou uma bastante áspera e
longa, que talvez servisse para trabalhos nas minas, e com ela atou-lhes as mãos, incapaz de fitar
qualquer um. Casimir obrigou-os a sentarem-se e deixou-a de guarda.
– Não se armem em espertos – avisou, antes de lhes virar as costas e aproximar-se dos
instrumentos principais de comando daquela zona da central.
Debruçando-se sobre o painel, deu especial atenção ao indicador de pressão que estremecia
sem se distanciar do nível intermédio necessário para a produção correcta de vapor. Manipulou
então o mecanismo de forma que a pressão da caldeira aumentasse gradualmente. Quando abriu a
porta da fornalha para verificar se estava bem alimentada com carvão, o calor das brasas
incandescentes estendeu os braços e tentou alcançá-lo para o puxar para o seu Inferno que,
esfomeado, pedia sempre mais. Forneceu-lhe algumas pazadas, antes de fechar a portinhola e passar
uma mão pelo rosto que ficara vermelho do calor súbito.
– Onde estão os barris de pólvora? – quis saber Philip, observando o encenador.
Casimir limpava as mãos a um lenço, quando o mirou, com um esgar de troça.
– Já foram espalhados pelo subterrâneo, há algumas horas. Foram rotulados como reservas de
comida que só poderiam ser abertas em caso de emergência. Os operários são paus mandados, por
isso, mesmo que tenham estranhado, não lhes diz de todo respeito. – Tocou com a ponta do sapato
no rosto daquele que estava mais próximo. – São só formigas. Agora, mudando de assunto…
Angelique, vou até às outras caldeiras, por isso ficas a vigiá-los. Confio em ti, não te atrevas a
desiludir-me.
– Não o farei – respondeu-lhe, mantendo o olhar nos prisioneiros.
Dito isto, Casimir atreveu-se a virar-lhes as costas. Mal o tinha feito, um tiro rasou-lhe a
cabeça. Ele praguejou e atirou-se rapidamente para trás de um monte de carvão, voltando a agarrar
no revólver. Espreitou por cima do monte para descobrir que ambos os homens estavam de pé e bem
desamarrados, e que a arma que a bailarina segurara antes voltara às mãos do dono.
– És uma cabra traiçoeira, Angelique… – rosnou, de onde estava. Pegou num pedaço de
carvão e sopesou-o, antes de o atirar na direcção contrária àquela para onde se precipitou logo a
seguir. Disparou à queima-roupa com esperança de atingir, principalmente, algum dos dois homens.
Eles depressa se refugiaram atrás da estrutura da enorme caldeira. As balas faiscaram quando
embateram na parede, não sendo capazes de acertar nos alvos.
Quando eles fugiram da sua vista, Casimir aproveitou a deixa para correr em direcção ao túnel
mais próximo, tão depressa quanto conseguiu. Tinha cada linha da planta da central de energia
fixada no cérebro, por isso tomou o caminho que levava à próxima caldeira. Queria acabar a sua
tarefa, e não seriam dois metediços que o iriam impedir.
Eles viram-no a passar como uma flecha e perceberam de imediato as suas intenções. Com um
gesto rápido, Philip arrebatou o revólver das mãos do amigo e precipitou-se do esconderijo,
correndo no seu encalço, sem esperar por Timothy.
– Fiquem aí e baixem a pressão da caldeira! – gritou-lhes o inventor, a voz ecoando no túnel,
enquanto se afastava cada vez mais. – E encontrem a pólvora e molhem-na!
– Maldição para aquele tipo com a mania de herói – praguejou o piloto, preparando-se para
esmurrar o metal fumegante. No entanto impediu-se a tempo de não sofrer uma queimadura grave.
– Eu vou atrás dele – disse Angelique, seguindo as passadas de Philip e deixando para trás um
homem de olhos arregalados.
– Maldição para as mulheres!
Os túneis conseguiam transformar-se num labirinto, por vezes bifurcando e trifurcando-se em
galerias mais escuras e possivelmente menos frequentadas. Philip estacou, ofegante, ao chegar a um
desses locais. Perdera Casimir de vista e não era sequer capaz de adivinhar que direcção ele
escolhera seguir. Para além disso, deixara de ouvir os passos de corrida dele. Segurou bem no coldre
do revólver, examinando os três caminhos. Um tiro mortal poderia esperá-lo quando fosse a virar
alguma esquina, e a ideia estava longe de ser apelativa.
Atrás de si, o som de uma respiração ofegante chegou-lhe aos ouvidos. Angelique alcançou-o
alguns segundos depois, apoiando-se nos joelhos para ganhar fôlego.
– Não está armada sequer – criticou o inventor, lançando-lhe um olhar de soslaio. – Devia ter
ficado com o Timothy!
– Não sou uma donzela indefesa – sussurrou-lhe, indo-se encostar a uma parede. ‒ E dois
alvos são sempre melhores do que um só. Vá pelo túnel da esquerda que eu vou pelo da direita.
– Mas…
O estampido de um disparo, vindo do túnel da direita, fê-lo ressaltar-se. A bala atingiu-o, com
uma dor que nunca experimentara, enterrando-se num dos braços e arrancando-lhe um gemido alto.
Não lhe acertara mortalmente no peito por uma unha negra. Refugiou-se no túnel da esquerda,
pressionando a mão contra o ferimento e sentindo o casaco ficar empapado em sangue quente.
Naquela zona, o ruído maior da central atenuava-se. Dessa forma, Philip conseguiu escutar
perfeitamente o ecoar do dar à corda a um qualquer mecanismo. Espreitou, tentando ver alguma
coisa suspeita que lhe indicasse a origem daquele barulho familiar, no entanto não havia qualquer
sinal.
Ficaram os três muito quietos, aguardando um primeiro movimento revelador. Contudo, a
resposta surgiu de repente ao lado da cabeça do inventor, caindo-lhe sobre o ombro com um peso
leve. Philip olhou assustado para uma aranha de cobre cujas patas frágeis se apressaram a percorrerlhe o peito. Sacudiu-a com força, acometido de um terrível mau pressentimento a respeito daquele
aracnídeo de corda que o detectara sem saber como. A invenção rebolou uma vez pelo chão antes de
se voltar a precipitar freneticamente para si, com as oito patas a tentarem trepar-lhe pelos sapatos.
Acabou por pisá-la com força, as peças metálicas estalando e deformando-se. Quando levantou o pé,
descobriu que o bicharoco derramara uma substância esverdeada. Veneno, com toda a certeza. Pisou
a aranha mais uma vez, para ter a certeza de que ela não voltava a funcionar.
– Lamento, mas o seu brinquedo não sortiu efeito! – gritou Philip, pontapeando os restos para
a galeria principal, esperando que Casimir os visse.
No entanto, ao encenador, o grito soou distante, pois ele já avançara pelo túnel com passos
silenciosos. A engenhoca, com quimiorreceptores para sangue, dera-lhe a distracção que ansiara.
Virou numa passagem à direita, cuja saída desembocava a pouco menos de vinte metros das costas
de Angelique. Sem que a bailarina se apercebesse, acelerou o passo. Quando entrou no campo de
visão de Philip, a bala que o inventor disparou, e cuja direcção estava afectada pelas dores do braço
esquerdo, não conseguiu acertar-lhe.
O encenador agarrou Angelique pelo cabelo, sem cuidado, antes que ela tivesse tempo de
fugir. Puxou-a para si, agarrando-lhe depois num braço, e apontou-lhe a arma à cabeça.
– Reeve, tenha cuidado com esses disparos. Pode acertar neste bonito anjo aqui – notou
Casimir, com um leve sorriso. – Aproxime-se um pouco, para o ver melhor. E pouse a arma.
Contrariado, Philip obedeceu. Quando estavam a dois metros de distância, o encenador
mandou que ele parasse e lhe atirasse o revólver pelo chão. A arma afastou-se demasiado de
qualquer um dos três, com o pontapé que o inventor lhe deu.
Vendo-o já desarmado, Casimir fez com que Angelique desse meia-volta e encostou-lhe o
cano do revólver ao peito. Olhou só por um momento para Philip, certificando-se de que ele estava a
observar, antes de puxar o gatilho.
O som do disparo ecoou no túnel. O corpo da bailarina oscilou com o impacto da bala, antes
de os joelhos perderem a força. Caiu para trás, o rosto manchado numa expressão de choque. Não
soltou qualquer som. Quando tocou no chão, a Morte começara já a drenar-lhe a vida.
– Reeve, é a sua vez – disse, levantando o olhar para o inventor. E a última coisa que viu foi
Philip premir o gatilho do segundo revólver que tinha no bolso.
A bala perfurou-lhe o crânio. O impacto estremeceu-lhe o corpo, fazendo-o lembrar uma
marioneta desengonçada. Resvalou contra a parede e escorregou até ao chão, sem fechar os olhos.
Um fio de sangue escorria-lhe do orifício feito pelo tiro.
Por um momento tudo o que se ouviu foi o ruído de fundo da central. Philip olhava
boquiaberto para o homem que acabara de matar, enquanto o braço descaía, devagar. Após o que lhe
pareceu uma eternidade, e que na verdade não chegou a cinco segundos, o seu olhar recaiu sobre a
outra vítima.
Numa corrida meio trôpega, aproximou-se de Angelique e ajoelhou-se ao seu lado. Largou o
revólver e levou a mão trémula ao pescoço dela para sentir a fraqueza da pulsação incerta que
esmorecia a cada momento que passava. O peito da camisa estava ensopado e morno do sangue que
vertia.
Ignorando as próprias dores do braço, pegou na jovem ao colo e andou tão depressa quanto
possível na direcção do local onde deixara Timothy. A meio caminho encontrou o amigo que, com
prontidão, se voluntariou a transportar o corpo leve da bailarina. Não saíram por nenhuma sarjeta,
mas directamente pela porta principal da central. Os trabalhadores, que os viram surgir esbaforidos
pelas escadas de metal que levavam aos subterrâneos, pararam tudo o que estavam a fazer para os
cercar.
– Rápido, vão buscar o vosso carro de carga, tenho aqui uma rapariga a morrer! – ordenou
Timothy, num tom ríspido que poucas vezes era visto, pondo-os a mexer.
Poucos minutos depois, partiam na carroça suja de carvão. Sentado na zona de carga, Philip
segurava nos braços a jovem cuja pele, sob as luzes da rua, parecia já a de um cadáver. O aeronauta
guiava os dois cavalos a toda a brida, dando curvas que teriam posto os cabelos do inventor em pé,
se este não estivesse demasiado preocupado com Angelique.
– Não lhe sinto a pulsação – sussurrou Philip, falando consigo mesmo. O pânico encheu-lhe
completamente o peito. – Timothy, mais depressa!
Passaram-se somente cinco minutos até a carroça parar de abrupto em frente ao consultório
particular do melhor médico de Londres. Timothy saltou do lugar de carroceiro e correu à porta,
batendo nela com toda a força. Uma das luzes do piso de cima acendeu-se de súbito e uma janela
abriu-se. A cabeça desgrenhada de um homem espreitou cá para fora, tentando perceber quem lhe
perturbara o sono.
– É uma emergência, desce já! – gritou-lhe Timothy, antes de ir ajudar Philip a tirar Angelique
da carroça.
Segundos depois, o médico abriu a porta, a atenção saltando entre os três. Os cabelos brancos
manchavam o que outrora fora uma farta cabeleira negra e o rosto pouco enrugado não falava de
todo da experiência que tinha. Eram os olhos castanhos, que depressa despertaram ao verem
Angelique, que revelavam a sua sabedoria.
O médico guiou-os para a sala de observação e disse a Timothy que pousasse a rapariga numa
maca estreita.
– O que é que aconteceu? – quis saber, pegando numa tesoura e indo de imediato cortar as
roupas da bailarina para poder observar o ferimento.
– Levou um tiro no peito – respondeu Philip, encostando-se a uma parede. Sentia-se meio
zonzo com a perda de sangue. – No coração, penso. Ela já está morta, não está? Podes fazer alguma
coisa?
O médico fora buscar um bisturi e começava a abrir-lhe metodicamente a pele. Cortou de
seguida as costelas da jovem, sem se preocupar com os espectadores, e, com um aparelho que
expelia ar, tentou perceber o que se passara de verdade.
– Ela precisa de outro coração, Philip – disse, soltando um suspiro. – E mesmo assim não
estou certo de que recupere.
– Então arranja-lhe um.
– Não tenho nenhum coração disponível, homem – volveu o médico, abanando a cabeça.
– Dê-lhe o meu! – quase gritou o inventor, agarrado ao braço. – Tire-o de mim e dê-lho!
Timothy fitou o amigo, chocado.
– Enlouqueceste! Não há certezas de que ela sobreviva, mesmo com um novo coração – fez
ver, tentando chamá-lo à razão. – Não vais dar a tua vida em vão!
– Vou dar-lhe o meu coração. Devo-lhe isso, por me ter ajudado na noite passada. E, se não o
fizer, também posso ser condenado à morte por ter assassinado um homem. Assim sempre tento
salvar alguém que tem a vida pela frente. Leonard, por favor – olhou o médico, esperando o parecer
dele.
Este último estava longe de concordar com as escolhas de Philip, no entanto era a sua vontade.
– Preciso de uma autorização por escrito, para também não ser considerado um assassino –
notou, baixando o olhar para Angelique.
Enquanto Timothy abanava a cabeça perante o que iria acontecer, Philip redigiu uma pequena
nota de autorização à remoção do seu coração, para transplante.
– Isto não vai acabar assim! – disse-lhe o aviador intempestivo, antes de sair dali de punhos
cerrados, incapaz de assistir ao que se seguiria. A porta bateu atrás de si.
Perdendo assim a oportunidade de se despedir do amigo, Philip foi deitado noutra cama e
sedado para não mais acordar. Á medida que a consciência lhe escapava, pensou em como era
simples que tudo acabasse assim. Contudo, nunca fora aquilo que planeara, não de forma tão
inesperada, de um minuto para o outro. Sem poder dizer adeus. Suspirou e fechou os olhos,
deixando que tudo o mais se desvanecesse.
Célere, Leonard Temple removeu o coração mecânico de forma a transfigurar o menos
possível o peito do inventor e selou os vasos sanguíneos, evitando uma hemorragia. Usou soro
fisiológico para o lavar da maioria do sangue e levou-o para o outro peito aberto que o esperava.
Acoplou cada ventrículo e aurícula de metal aos vasos sanguíneos que lhes competiam e deu corda
ao órgão. Feito isso, aguardou. Angelique não só estava há demasiado tempo inconsciente, como
perdera muito sangue. Se sobrevivesse, poderia ficar com sequelas graves ou mesmo manter-se num
coma profundo.
Os segundos passaram devagar, contudo, aos poucos, os pulmões começaram a insuflar-se de
ar. Estava viva, por agora. Lançou um olhar ao corpo de Philip, na outra cama e sentiu uma enorme
dor por aquilo que acabara de fazer.
Interrompendo os seus pensamentos, o telégrafo que instalara no consultório começou expelir
papel sem aviso. Correu para ele e pegou-lhe, ainda com as luvas manchadas de sangue. Os olhos
arregalaram-se com o conteúdo da mensagem.
As pálpebras abriram-se aos poucos. No entanto, pesavam demasiado e por isso voltaram a
fechar-se. Do pouco que vira, o tecto de madeira parecera-lhe uma visão estranha e deslocada.
Quando adormecera, pensara que, na melhor das hipóteses, poderia vir a conhecer aquilo a que
alguns religiosos chamavam de Paraíso.
Inspirou um pouco mais fundo e uma dor horrível brotou-lhe do peito, cortando-lhe a
respiração. Apesar de tudo, era uma dor incrivelmente familiar.
– Mestre, por favor, não se esforce assim, respire devagar – pediu uma voz, que lhe parecia vir
de muito longe, mas que ainda assim estava mesmo ali ao pé de si.
– Nick – sussurrou, voltando a tentar abrir os olhos. Rodou um pouco a cabeça, seguindo a
direcção donde viera a voz. Uma neblina espessa inundava-lhe a mente e pairava em redor da
compreensão. – Onde estou?
– Está em casa do Dr. Temple. Pregou-me um susto enorme, fico feliz por... – O tom do rapaz
embargara-se, roubando-lhe as restantes palavras. Começara a chorar.
– Eu… eu devia estar morto. – Era uma constatação perturbadora.
– O Timothy chegou a tempo de me avisar e consegui trazer-lhe um coração.
Philip abanou levemente a cabeça.
– Mas não havia nenhum – sussurrou. – A encomenda de peças novas não tinha chegado…
Nicholas passou uma mão pelo cabelo do mestre, como se tivessem trocado de lugares e ele
fosse agora o adulto e Philip a criança.
– Há uns tempos atrás, eu construí um protótipo de coração. Não é tão bom quanto os seus,
mas serve para remediar, até poder fazer outro. Não podia deixar morrer a pessoa que me salvou a
vida – confidenciou o rapaz. – Agora é melhor descansar. Ouvi dizer que o Timothy está mortinho
que recupere, para lhe pôr a cara negra com uns quantos murros.
– Isso não é um incentivo… – sorriu levemente, antes de tentar olhar para além do rapaz. – A
Angelique?
– Está estável, mas ainda não acordou. O Dr. Temple disse que a actividade cerebral parece
normal – acrescentou, e isso roubou um suspiro de alívio ao inventor que voltou a fechar os olhos. –
O senhor vai pedi-la em casamento?
Philip teve uma súbita vontade de rir, no entanto foi capaz de se conter e limitar-se a outro
sorriso.
– Eu gosto de dar vida e de ajudar quem merece, foi por isso que fiz tudo isto. Mas não chego
ao ponto de casar com ela, não faz o meu género… Sou um idiota.
O aprendiz olhou-o, muito confuso, e ponderou se Philip não estaria a ficar com febre. No
decorrer daqueles dias, ficara mesmo convencido que ele se apaixonara perdidamente pela bailarina
com cara de anjo.
Quando abriu a porta para sair do quarto e deixar Philip descansar, deu de caras com Timothy,
de orelha encostada à madeira. Franziu as sobrancelhas, desagradado, enquanto o piloto lhe lançava
um sorriso maroto.
– Acreditaste mesmo na história de que o Philip estava apaixonado pela rapariga, não
acreditaste? – quis saber, com uma risada baixa, depois de Nicholas fechar a porta. – Durante todos
estes anos, alguma vez o viste com uma mulher? Ele gosta tanto delas quanto tu, se é que me
entendes… E agora vou dormir uma sesta, que esta noite foi demasiado longa para mim.
Perplexo e um pouco corado, o rapaz ficou estacado à entrada do quarto, enquanto Timothy se
afastava pelo corredor. Olhou para trás, por um momento, e voltou a entrar com passinhos de lã, só
para dar um beijo de bom descanso no rosto do seu mestre que já adormecera.
FIM
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