No presente artigo pretendemos discorrer sobre os Recursos

Transcrição

No presente artigo pretendemos discorrer sobre os Recursos
No presente artigo pretendemos discorrer sobre os Recursos Educacionais Abertos (REA), um tema relativamente
recente que tem revolucionado a condição e status da informação e do conhecimento.
Os REA são comumente representados por uma imagem que simula um jogo de quebra-cabeças incompleto. Neste,
pequenas peças, com formas diferentes, se encaixam formando uma nova peça, agora maior, porém inacabada. Esta
construção de imagens estabelece um paralelo entre o jogo e o conceito, nos ressaltando a faceta fragmentada,
inacabada e plástica do conhecimento em si. Imagem esta que nos sugere, ainda, que a partir do acesso ao fragmento,
ou melhor dizer, às pequenas porções de conhecimento, se pode construir uma nova forma e, portanto, um novo
conhecimento. A parte ausente de forma, “banguela”, nos remete ao movimento do conhecimento e da ciência
propriamente dita, de que, quase que obedecendo a uma lei natural, segue um eterno porvir.
Na atual sociedade em rede a informação adquiriu papel protagonista e agora, os esforços, ou pelo menos as
discussões, estão centradas na forma como estes conteúdos são disponibilizados. A preocupação pela sistematização e
difusão da informação e do conhecimento, obviamente precede o desenvolvimento da internet e da sociedade
estruturada em rede, como por exemplo, demonstram as iniciativas de Paul Otlet (1868-1944) e Henri La Fontaine (18541943), em classificar e registrar toda a produção intelectual do mundo.
A saber, Otlet, juntamente com o Nobel da paz Henri La Fontaine, intencionava a construção de um repositório central
que contivesse sistematicamente todo o conhecimento publicado no mundo. Para tanto empreenderam, com apoio do
governo Belga, a construção do Instituto Internacional de Bibliografia (IIB) e mais tarde o Mundaneaum.
Sem dúvida Paul Otlet, visionário para sua época, deixou muitas contribuições no que diz respeito à organização do
conhecimento como, por exemplo, a Classificação Decimal Universal (CDU) e o esquema das fichas padronizadas, que
foram amplamente difundidas por toda Europa, através de uma de suas obras mais conhecidas - Traité de
Documentation: le livre sur le livre: théorie et pratique, de 1934.
E, posteriormente, no livro - Monde: Essai d'universalisme connaissance du monde, sentiment du monde, action
organisée et plan du monde, (1935) – Otlet chega a expor suas idéias sobre dispositivos e processos de teleleitura e
teleinscrição, através dos quais as pessoas poderiam acessar, de onde estivessem, la salle ‘teleg’ des grandes
bibliothèques. Para isso, propôs um modelo onde convergia as tecnologias disponíveis a época, tais como telefone e o
telescópio elétrico (PEREIRA, 1995).
Ademais, o sonho de Otlet e de La Fontaine não se restringia a fins puramente tecnicistas ou metodológicos, em seus
intentos vanguardistas eram impulsionados por princípios universalistas e pacifistas fundados na ideia de que o
conhecimento solidariza os homens e as sociedades (SANTOS, 2006).
"Notre temps, parmi tous les autres, se caractcrise par ces tendances generales: organisation et rationalisation des
methodes et procedes, machinisme, cooperation, internationalisation, developpement considerable des sciences et
des techniques, preoccupation d 'en appliquer les donnees au progres des societes, extension de l'instruction a tous
les degres, aspiration et volonte latente de donner a toute la civilization de plus larges assises intellectuelles, de
l'orienter par des plans. (OTLET, 1934)."
Quase um século depois, o sonho do homem que queria classificar o mundo, como hoje é referenciado Otlet, é mais do
que mera possibilidade (de ser) é, pois, expressão do real. Com infinitamente mais recursos tecnológicos do que na sua
época, decidir por dispor, compartilhar e permitir o acesso a “todo o conhecimento do mundo” depende, agora, mais de
compromissos e vontades políticas do que propriamente de tecnologias. Nas palavras de Pereira:
"A configuração de uma nova tecnologia intelectual propiciada pelo surgimento da Internet, da qual passam a se
beneficiar milhares de instituições com seus milhões de usuários, abre um novo campo de possibilidade à cultura.
Seus efeitos, inimagináveis e imprevisíveis, dependem, porém, da associação dos atores que a exploram em redes
humanas e não-humanas (máquinas, dispositivos eletrônicos etc.) fundadas no engenho, no talento e na paixão, a
exemplo do que fez o esquecido Paul Otlet, quando projetou e realizou, parcialmente, um centro mundial – o
Mundaneum – para prover interfaces, em papel e em microfilme, que possibilitassem o acesso a todo o conhecimento
concebido, explorado, descoberto e inventado pela espécie humana em milhares de anos. (PEREIRA, 1995)."
A partir da década de 90, vem ocorrendo uma série de Conferências Mundiais, no intuito de discutir sobre a necessidade
de compartilhar informação e conhecimento, e estabelecer diretrizes para políticas públicas. Segundo Rossini (GPOPAI,
2009), a Declaração de Educação Aberta da cidade do Cabo, fruto da Conferência realizada na Cidade do Cabo em
2007, estabeleceu diretrizes fundamentais na definição de educação aberta, tais como:



encorajar a larga participação social na criação, utilização, adaptação e melhoria dos recursos educacionais abertos,
abraçar práticas educativas em torno da colaboração, da descoberta e da criação de conhecimento;
buscar a interoperabilidade legal e técnica dos recursos desenvolvidos. Determinando que os recursos educacionais
abertos devem ser livremente compartilhados por meio de licenças livres que facilitam o uso, revisão, tradução, melhoria
e compartilhamento por qualquer um. [...];
[...] governos, conselhos escolares, faculdades e universidades devem fazer da Educação Aberta uma lata prioridade.
Idealmente, recursos educacionais financiados pelos contribuintes devem ser abertos. [...]. (GPOPAI, 2009)
As declarações de Budapeste (2002), Bathesda (2003) e de Berlim (2003), anteriores à Declaração da Cidade do Cabo,
são porém, resultado de conferências também realizadas nesta última década, e proporcionam suporte aos diversos
movimentos, pelo livre acesso a informação e ao conhecimento. Dentre estes movimentos podemos destacar: Open
Standard; Open Source Journalism; Open Source; Cultura Livre; Software Livre; Free Acess; Free Documentation
License; Open Knowledge; Open educational resources; Open Archives; entre outros.
A Declaração de Budapeste, resultado da Budapest Open Acess Initiative (BOAI) – organizada pelo Open Society
Institute, em 2001, é considerada um dos documentos mais importantes do movimento de acesso livre. Em seu texto
introdutório atribui à internet e às novas tecnologias a possibilidade de tornar a literatura científica “um bem público sem
precedente” (DECLARAÇÃO DE BUDAPESTE, 2003). O auto-arquivamento em repositórios e a publicação em
periódicos de acesso livre são apontados como estratégias para a transição ao modelo de acesso livre e publicações
economicamente sustentáveis (SARMENTO et al, 2005).
No ano de 2003 reuniram-se cientistas, editores, pesquisadores, bibliotecários entre outros profissionais relacionados,
com o objetivo de discutir, junto à comunidade de pesquisa biomédica, formas de promover o acesso livre à produção
Científica, resultando na Declaração de Bethesda (idem, 2005). Nos termos dessa Declaração é considerada uma
publicação de Acesso Livre, quando:


O autor e detentor de direito autoral garante a todos os usuário, um livre, irrevogável, mundial e perpétuo direito de
acesso, e uma licença para copiar, utilizar, distribuir, transmitir e exibir o trabalho publicamente e realizar e distribuir
trabalhos derivados, em qualquer meio digital para qualquer propósito responsável, desde que sujeito à correta atribuição
da autoria, bem como o direito de fazer um pequeno número de cópias impressas para uso pessoal. (DECLARAÇÃO DE
BETHESDA, 2003, tradução nossa).
Uma versão completa da obra e todos os materiais suplementares, incluindo uma cópia de licença como indicado acima,
em um formato padrão eletrônico é depositada imediatamente após a publicação inicial, em pelo menos um repositório
online, suportado por uma instituição acadêmica, sociedade científica, agência governamental ou outra organização
estabelecida, que pretenda promover o acesso aberto, distribuição irrestrita, interoperabilidade e arquivamento de longo
prazo (para as ciências biomédicas, PubMed Central é um desses repositórios. (DECLARAÇÃO DE BETHESDA, 2003,
tradução nossa).
A Declaração de Berlim sobre Acesso Livre ao Conhecimento nas Ciências e Humanidades, fruto do congresso
organizado pela Sociedade Max Planck e pelo Patrimônio Cultural Europeu Online (ECHO), em 2003, reconhece a
transformação exercida pela internet nas realidades práticas e econômicas da produção e difusão do conhecimento
científico global e do pensamento humano, bem como define o paradigma do acesso livre, via internet, como fonte
universal deste conhecimento global e do patrimônio cultural (DECLARAÇÃO DE BERLIM, 2003).
"Para concretizar esta visão de uma representação global e acessível do conhecimento, a web do futuro tem de ser
sustentável, interativa e transparente. Conteúdos e ferramentas de software devem ser livremente acessíveis e
compatíveis. (DECLARAÇÃO DE BERLIM, 2003)."
Bem como reafirma, com algumas alterações, a Declaração de Bethesda a respeito das condições para que uma obra
seja considerada de acesso livre. Ambas as declarações estão em pleno acordo com a de Budapeste, mas a
complementam ao inserir as condições mencionadas acima e explicitar a necessidade de publicar material revisado
pelos pares, no intuito de garantir a qualidade das publicações (SARMENTO et al, 2005).
No Brasil, o Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT), é referência em iniciativas a favor do
acesso livre ao conhecimento, lançando em 2005 o Manifesto Brasileiro de apoio ao Open Access, com o objetivo de
tornar acessível à sociedade informações e resultados de pesquisas científicas financiadas com recursos públicos
(KURAMOTO, 2008).
Ao que dissemos anteriormente, estas declarações são importantes marcos para a promoção e fortalecimento de
iniciativas a favor da democratização do conhecimento, seja ele científico ou não. Além disso, temos que a difusão, o
compartilhamento e o acesso a conteúdos e ferramentas, contribuem para uma “troca generalizada de saberes”, base
para o desenvolvimento humano, social e econômico (LEVY, 1999).
Ademais, a educação é um bem assegurado desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), como um
direito que deve ser proporcionado, de forma gratuita e acessível, pelo menos nos graus elementares e fundamentais de
ensino. E, apesar de terem se passado mais de 60 anos, esta é uma meta que boa parte dos países ainda não
conseguiu alcançar (UNESCO, 2009).
Para tanto, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), agência pertencente
à Organização das Nações Unidas, vem apoiando iniciativas que colaboram para a erradicação do analfabetismo e o
desenvolvimento dos países através da educação, ciência e cultura. Em grande medida, reconhecem nos recursos e
conteúdos abertos grandes aliados para o alcance destes propósitos. A UNESCO tem sistematicamente difundido entre
seus Estados-Membros o potencial dos REA, bem como capacitado e apoiado a adoção de ações que estimulem seu
desenvolvimento junto aos mesmos (UNESCO, 2005).
"It is to be hoped that, with time, all countries will participate in the OER movement in ways that suit their education and
training strategies, and their citizens’ needs, as they evolve in time into not only knowledge societies, but ‘societies of
shared knowledge (UNESCO, 2005)."
Recursos Educacionais Abertos (REA), conhecidos internacionalmente como Open Educational Resources (OER), são
um fenômeno relativamente novo, que acompanha as filosofias e movimentos a favor da abertura do conhecimento, tais
como as que citamos acima: Open Source Software (OSS), Open Access (OA), Open Content (OC), entre outros (HILEN,
2006).
O termo foi adotado pela primeira vez em um fórum organizado pela UNESCO - The Impact of Open Courseware for
Higher Education in Developing Countries (2002), cujos participantes expressavam o intento de desenvolver um recurso
educacional universal que estivesse disponível para toda a humanidade. Na ocasião, REA foi definido como, “provisão
aberta de recursos educacionais, habilitado pelas tecnologias da informação e comunicação, e sujeitos à consulta,
utilização e adaptação pela comunidade de usuários, para propostas não comerciais” (UNESCO, 2009). E, atualmente,
adota-se uma definição mais completa compreendendo REA como: “materiais educacionais digitais oferecidos livre e
abertamente para educadores, estudantes e autodidatas que os utilizam e reutilizam para o ensino, aprendizagem e
pesquisa” (HILEN, 2006, tradução nossa).
Desta maneira, REA englobam não somente conteúdos de aprendizagem, mas também outros componentes como,
sistemas de gerenciamento de busca, softwares e licenças. Trata-se de recursos voltados para o ensino, pesquisa e
aprendizagem em geral, disponibilizados de forma aberta e com liberações para o uso, estudo, adaptação,
aprimoramento e redistribuição destes materiais.
Conteúdos abertos de aprendizagem
São considerados conteúdos abertos de aprendizagem materiais utilizáveis em processos de ensino-aprendizagem que,
contudo, estão disponíveis na web sob licenças específicas. Na Declaração da Cidade do Cabo sobre Educação Aberta,
estes conteúdos incluem: artigos, cursos, aulas, livros didáticos, imagens, vídeos, materiais de áudio etc.
Software Livre
São considerados softwares livres, aqueles softwares que mantêm o código-fonte aberto e disponível aos usuários,
permitindo a sua utilização, alteração e distribuição, sem a necessidade de autorização do fornecedor. Isso significa que
o software pode ser modificado para adequar-se melhor a determinada realidade, atividade ou trabalho, sem que haja
necessidade do usuário comunicar, justificar ou solicitar autorização do desenvolvedor do programa. Além do que, este
mesmo usuário pode compartilhar suas versões modificadas em rede e, com isso, beneficiar toda a sociedade com seu
conhecimento.
O software livre é desenvolvido a partir de um modelo coletivo e cooperativo, auxiliado pelas tecnologias da informação e
comunicação. Em contraponto ao software proprietário, que comumente é desenvolvido por grupos restritos e sob sigilo
industrial, o software livre permite, desde a sua criação, a participação voluntária de diversos colaboradores que
enriquecem o processo e, por conseguinte, o produto final (ZANAGA, 2006). Ademais, por razões óbvias, este modelo
colaborativo poupa esforços e evita o trabalho duplicado, vindo a possibilitar a redução dos custos no seu
desenvolvimento.
A própria terminologia software livre, muitas vezes ocasiona certa confusão com o que se entende por livre. Neste caso
específico, livre não significa gratuito, ou que não possa ter uso, desenvolvimento ou distribuição comercial, mas sim que
oferece certas liberdades de expressão. Conforme definição da Free Software Foundation um software livre dispõem de
quatro liberdades essenciais aos seus usuários, sendo elas:




liberdade de executar o programa, para qualquer propósito;
liberdade de estudar como o programa funciona e alterá-lo para ele fazer o que quiser;
liberdade de redistribuir cópias, de modo que você possa ajudar ao seu próximo;
liberdade de distribuir cópias de suas versões modificadas para os outros.
Segundo Lemos (2005), no caso de um software em regime livre a violação ao direito do autor acontece quando se
impõe algum obstáculo à realização de uma dessas liberdades e, principalmente, se impede o acesso ao código fonte.
Essas liberdades devem, pois, ser irrevogáveis.
Licenças
Assim como qualquer outro material, ou mesmo softwares, os conteúdos educacionais abertos também requerem o
suporte de licenças que resguardam o direito de autor e determinam as possibilidades de uso. No entanto, no contexto
dos REA as licenças utilizadas são mais flexíveis que as leis nacionais e internacionais dos direitos autorais e
constituem-se alternativa legítima para o autor ou detentor dos direitos indicarem como pretendem que suas obras sejam
utilizadas, referenciadas e até mesmo modificadas.
Desta maneira, transcende-se o modelo tradicional de propriedade intelectual e direito autoral onde “todos os direitos
estão reservados” ao autor, para um modelo onde apenas “alguns direitos estão reservados”. Pode-se assim dizer que
estas licenças contribuem para tornar os conteúdos gerados, bens públicos e acessíveis (ZANAGA, 2006).
A Open Content License e Open Publication License são licenças, desenvolvidas por David Wiley, pesquisador de
desenvolvimento de objetos de aprendizagem, inspiradas nas referências do software livre, porém direcionadas a
disponibilização e compartilhamento de conteúdos educacionais digitais. Atualmente estas licenças caíram em desuso e
tem-se destacado a GNU Free Documentation License e, sobretudo, a Creative Commons License (DUTRA e
TAROUCO, 2007).
A Creative Commons é uma organização não-governamental com representações em vários países, inclusive o Brasil,
que dispõe de uma série de licenças que permitem ao próprio autor estabelecer as “condições de uso de sua obra”, a
partir da combinação de cláusulas específicas que garantem determinadas liberdades relacionadas principalmente a:
exigência do reconhecimento da autoria; permissão de cópias sem consulta prévia ao autor da obra, ou portador do
direito autoral; permissão, ou não, de uso comercial da obra.
Iniciativas de Acesso Aberto
Segundo Rossini (2010), o conhecimento como bem público da humanidade, conforme postulam as filosofias dos REA e
do Acesso Aberto, não vai emergir organicamente das TIC, pois depende de escolhas políticas de indivíduos, instituições
e governos. Neste sentido que, instituições e universidades, em consonância com as declarações citadas acima, têm
estruturado novas formas para compartilhar os conhecimentos produzidos, que não através de senhas ou sistemas
proprietário. Cursos abertos, repositórios, sistemas online de pesquisa, bibliotecas e revistas digitais, são exemplos de
novos projetos que atendem a estes propósitos e vêm se proliferando na última década.
O MIT foi pioneiro na disponibilização de materiais e conteúdos didáticos na web, através de uma iniciativa que ficou
mundialmente conhecida por OpenCourseWare (OCW). O Consórcio OpenCourseWare, hoje com mais de 200
instituições envolvidas - inclusive brasileiras, objetiva a promoção da educação global e capacitação nas diversas áreas
do saber, através de materiais educacionais de alta qualidade, organizados em cursos abertos e gratuitos.
O Laboratório Nacional de Los Alamos, EUA, desenvolveu experimentalmente um repositório digital (e-prints) como
alternativa ao tradicional sistema de comunicação científica das áreas da ciência da computação, física e matemática,
que apresentavam entrave ao acesso, dando origem ao modelo Open Archives. Este modelo foi, mais tarde, revisto na
Convenção de Santa Fé e, a partir de então, foram definidas especificações técnicas e princípios administrativos para o
estabelecimento de uma estrutura de publicação científica aberta – A Open Archives Initiative (Kuramoto, 2006).
O sucesso dessa experiência motivou o desenvolvimento de repositórios de acesso livre a objetos de aprendizagem nos
mais diversos países. Conforme dados disponíveis no site Registry of Open Access Repositories (ROAR), há 1738
repositórios cadastrados, sendo os EUA, Reino Unido, Japão, Alemanha e Brasil lideres no ranking desses registros*,
conforme gráfico abaixo:
Fonte:
Registry
of
Open
Access
Repositories (ROAR).
No âmbito da produção científica brasileira, vale à pena o destaque para os projetos: Biblioteca Digital Brasileira de
Teses e Dissertações (BDTD) e o Sistema Eletrônico de Editoração de Revistas (SEER), iniciativas do já citado Ibict,
Ministério da ciência e Tecnologia e parceiros.
A BDTD é um projeto concebido para integrar os sistemas de informação de teses e dissertações existentes nas
instituições de ensino e pesquisa brasileiras, bem como, estimular o registro e publicação em meio eletrônico aberto.
Utiliza as tecnologias do modelo Open Archives Initiative e os padrões de interoperabilidade, consolidando uma rede
distribuída de bibliotecas digitais de teses e dissertações. Essa rede é composta por um provedor de dados (data
providers), que administra o depósito e publicação, expondo os metadados para a coleta automática (harvesting). São
exemplos de provedor de dados: as instituições de ensino superior mantenedoras de programas de pós-graduação (IES);
provedor de serviços (service providers) que fornecem serviços de informação com base nos metadados coletados junto
aos provedores de dados. Neste caso, o Ibict atua como provedor de serviço fornecendo, de maneira integrada ao país e
ao mundo, o acesso às teses e dissertações relacionadas neste repositório; e um terceiro elemento denominado
agregador (aggregator), que desempenha ao mesmo tempo a função de provedor de serviços e provedor de dados, à
medida que fornece os metadados para outros provedores de serviços, como por exemplo, a Networked Digital Library of
Theses and Dissertation** (SITE BDTD e KURAMOTO, 2006). Kuramoto (2008) sublinha que graças a este projeto, teses
e dissertações das 90 instituições de Ensino Superior associadas estão sendo divulgadas mundo a fora, proporcionando
maior visibilidade a produção científica nacional.
O Sistema Eletrônico de Editoração de Revistas (SEER) é outra iniciativa significativa do Ibict que atende à filosofia do
Open Access. Trata-se da tradução e customização de um modelo de software desenvolvido pelo Public Knowledge
Project (Open Journal Systems), da Universidade British Columbia, para a construção de periódicos eletrônicos na web.
O SEER disponibiliza essa tecnologia à comunidade de editores científicos nacionais, com vistas a melhoria do padrão
editorial.
Ainda no contexto da produção científica Kuramoto (2006) elenca dez modelos de negócios de acesso livre, identificados
e classificados por John Willinsky, em Access Principle. Segundo Kuramoto estes modelos podem, entre outras coisas,
significar menor dependência das publicações científicas comerciais; economia nos investimentos públicos em ciência e
maior visibilidade da produção científica. Confira o quadro abaixo:
Título
Descrição
Exemplo
Home Page
Faculdades ou Departamentos de universidade mantêm home
page para membros individuais da faculdade, na qual eles
colocam os seus papers, tornando-os livremente disponíveis.
http://www.econ.ucsb.edu/~tedb/
E-print archive
Uma instituição, sociedade ou associação científica hospeda e
mantém um repositório, facilitando aos seus membros o autoarquivamento de material publicado e não-publicado.
http://www.arXiv.org/
http://eprints.ime.usp.br/
http://dici.ibict.br/
http://arena.portcom.intercom.org.br/
Taxa de autor
(Author fee)
Esse modelo permite o imediato e completo acesso a uma
revista de acesso livre (ou, em alguns casos, a artigos
individuais para os quais as taxas foram pagas), mediante o
pagamento da taxa de autor. Essas taxas são cobertas,
normalmente, por instituições ou sociedades às quais esses
autores são filiados.
http://www.biomedcentral.com/
Subsidiado
(Subsidized)
Sociedades científicas, instituições de governo ou fundações
disponibilizam, por meio de subsídio, o acesso livre a revistas.
http://www.firstmonday.org/
Nesse modelo as assinaturas são coletadas para a versão
Modo dual (Dual
impressa e utilizada para sustentar a edição impressa e a
mode)
edição em linha com acesso livre.
http://www.jpgmonline.com/
Postergado
(Delayed)
As assinaturas são coletadas para a edição impressa e
imediato acesso em linha, com o acesso livre fornecido após
um período de tempo (por exemplo: 6 ou 12 meses)
http://content.nejm.org/
Parcial
O acesso livre é permitido a uma pequena seleção de artigos
da revista – servindo como um mecanismo de marketing – visto
que o acesso ao restante da publicação requer uma assinatura.
http://www.thelancet.com/
Per capita
Indexação
Cooperativo
O acesso livre é oferecido a estudantes e pós-graduandos em
países em desenvolvimento como uma contribuição de
caridade, com despesa limitada para registro de instituições em
um sistema de gestão de acesso.
O acesso livre a informações bibliográficas e resumos é
fornecido como um serviço Governamental, ou, por editores,
um mecanismo de marketing, sempre com links, pay-per-view,
para o texto integral do artigo.
Instituições como bibliotecas e associações científicas
contribuem para o suporte do acesso livre a revistas e o
desenvolvimento de recursos de publicação.
http://www.who.int/hinari/en/
http://www.sciencedirect.com/
http://www.gap-portal.de/
Considerações Finais
Na atual sociedade em rede, onde enormes quantidades de informação e conhecimento são geradas a cada dia, as
discussões estão centradas na forma como estes conteúdos e conhecimentos estão sendo disponibilizados à
humanidade. Como resposta, tem emergido movimentos e filosofias a favor do acesso aberto, que estabelecem novas
diretrizes para a produção, distribuição e disponibilização do conhecimento em geral.
Observa-se o desenvolvimento de conteúdos, sistemas de busca e softwares que mantêm o acesso aberto ao “código
fonte” e, com isso, permitem que sejam adaptados a diferentes realidades e demandas. Licenças mais flexíveis, como as
fornecidas pelo Creative Commons, tem conquistado a confiança dos autores, pois ao mesmo tempo em que garantem a
autoria da obra, flexibilizam outros direitos sancionados pelas leis tradicionais de propriedade intelectual e direito autoral,
que normalmente engessam a re-utilização desses materiais.
A construção de repositórios e revistas digitais de acesso aberto ao conhecimento científico e tecnológico tem se
multiplicado na última década e, como vimos, representam uma boa economia nos recursos públicos; maior visibilidade e
compartilhamento da produção científica e redução das desigualdades.
Organizações internacionais tem sistematicamente, fomentado e apoiado ações em prol do acesso livre junto aos seus
países-membros, pois reconhecem as contribuições destes modelos de acesso livre digital para o desenvolvimento
sócio-econômico, cultural, educacional e cidadão de um país. Indubitavelmente, as Tecnologias de Informação e
Comunicação hoje disponíveis, assim como a internet, são grandes aliadas na concretização deste ideal porém, mais do
que tecnologias, é necessário vontade política e implantação de políticas públicas que promovam a interlocução entre os
diversos projetos existentes.
Bibliografia
BETHESDA
STATEMENT
ON
OPEN
ACCESS
PUBLISHING.
http://legacy.earlham.edu/~peters/fos/bethesda.htm. Acesso em: 12/01/2011.
2003.
Disponível
em:
BUDAPESTE OPEN ACCESS INITIATIVE. 2002. Disponível em: http://www.soros.org/openaccess/read.shtml. Acesso
em: 10/02/2011.
BDTD Disponível em: http://bdtd.ibict.br/pt/a-bdtd.html. Acesso em: 15/02/2011.
CREATIVE COMMONS. Disponível em: http://www.creativecommons.org.br/. Acesso em: 15/02/2011.
DECLARAÇÃO DE BERLIM SOBRE ACESSO LIVRE AO CONHECIMENTO NAS CIÊNCIAS E HUMANIDADES. 2003.
DISPONÍVEL EM: https://repositorium.sdum.uminho.pt/about/DeclaracaoBerlim.htm. Acesso em 12/01/2011.
DUTRA, Renato; TAROUCO, Liane. Recursos Educacionais Abertos (Open Educational Resources. Revista Novas
Tecnologias na Educação RENOTE, v. 5 nº 1, Julho, 2007. Disponível em: http://seer.ufrgs.br/renote/article/view/14171.
Acesso em: 10/01/2011.
GPOPAI.
Entrevista
GPOPAI
com
Carolina
Rossini,
2009.
Disponível
http://www.gpopai.usp.br/wiki/images/c/cd/EntrevistaGPOPAI_CarolinaRossini.pdf. Acesso em: 18/01/2011.
em:
KURAMOTO, Hélio. Informação científica: proposta de um novo modelo para o Brasil. 2006. In Ciência da Informação.
IBICT.
KURAMOTO, Hélio. Réplica acesso livre: Caminho para maximizar a visibilidade da pesquisa. raC, Curitiba, v. 12, n. 3, p.
861-872, Jul./set. 2008. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rac/v12n3/13.pdf. Acesso em: 28/01/2011.
LEMOS, Ronaldo. Direito, tecnologia e cultura. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005. Dísponivel
http://www.overmundo.com.br/banco/livro-direito-tecnologia-e-cultura-ronaldo-lemos. Acesso em 04/02/11.
em:
LEVY. Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 2000.
OTLET, Paul. Traité de Documentation: le livre sur le livre: théorie et pratique. Bruxelles: Ed. Mundaneum, 1934.
PEREIRA, Maria de Nazaré Freitas. Bibliotecas virtuais: realidade, possibilidade ou alvo de sonho. Ciência da Informação
– v. 24, número 1, 1995.
ROSSINI, Carolina. Aprendizagem digital, recursos educacionais abertos e cidadania. 2010. Disponível em:
http://www.inclusive.org.br/?p=17946. Acesso em: 12/01/2010.
SARMENTO, F; MIRANDA, A; BAPTISTA, A.A; RAMOS, I. Algumas considerações sobre as principais declarações que
suportam
o
movimento
Acesso
Livre.
2005.
Disponível
em:
http://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/4282/1/Sarmento+Miranda+Baptista+Ramos+-+Vers%C3%
A3o+Final.pdf. Acesso em: 15/01/2011.
ZANAGA, Mariângela Pisoni. Z15c Conteúdos abertos na educação: motivações e visão de autoria /Campinas, SP: [s.n.],
2006. Orientador: Hans Kurt Edmund Liesenberg. Tese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de
Educação.
São Paulo, 18 de fevereiro de 2011.
Equipe CTAE
*Não pretendemos entrar aqui no mérito da qualidade das informações e publicações disponíveis nestes repositórios e, se estes repositórios dispõem de um
sistema de revisão por pares.
**A Networked Digital Library of Thesis and Dissertation (NDLTD) é uma iniciativa mundial de teses e dissertações, portanto um provedor de serviços em relação
a diversos provedores de dados espalhados pelo mundo (KURAMOTO, 2006).