A busca de uma explicação para a regionalização, hierarquização e

Transcrição

A busca de uma explicação para a regionalização, hierarquização e
A busca de uma explicação para a regionalização, hierarquização e descentralização
O planejamento urbano como instrumento de intervenção econômica
As cidades mais antigas do mundo
No vale do Rio Indo recentemente foram descobertas as ruínas de inúmeras cidades que remontam há 5.000
anos atrás. As principais eram Harappa, Mohenjodaro e Lothal.
A cidade de Lothal era um porto fluvial que mantinha um ativo comércio com outras regiões inclusive a
mesopotâmia
O plano urbano, a arquitetura, os materiais, as técnicas empregadas e as finalidades das construções são tão
bem concebidos que seria possível reconstruí-las usando a infra-estrutura remanescente.
Localização das cidades
Banhos públicos de Mohenjodaro
Harappa
Sistema de drenagem de águas pluviais de Lothal
Estas cidades constituíam um território cuja ocupação fora
planejada e permitiu que os povos que as construíram
alcançassem os objetivos coletivos que pretendiam.
Quem eram eles e de onde vieram? Quanto tempo
ocuparam estes territórios e que destino tiveram?
A estrutura arquitetônica das cidades e os objetos
encontrados revelam o tipo de vida destas antigas
populações. Eram agricultores, pastores, construtores e
artesãos.
As respostas por mais vagas e diversas que sejam
revelam no entanto que este povo tinha uma ideologia e
por ela viveram. As idéias que faziam de si mesmos e do mundo moldaram suas cidades.
Planejamento urbano no antigo Egito
A principal consideração do planejamento urbano no antigo Egito era a proximidade da água, no caso o rio Nilo.
As construções deveriam ser altas o suficiente para ficarem a salvo das cheias periódicas do rio. Um caso
exemplar da construção de cidades planejadas foi Hotep-senusret.
Hotep-senusret, um centro religioso e
administrativo, descoberto por Flinders Petrie em 1886,
foi fundado em 1991 a.C por Senusret II (Sesóstris II na
denominação grega) o quarto rei da XIIª dinastia de
Faraós do Egito. A cidade tinha um formato retangular
de 350 por 400 metros, rodeada e dividida por muros de
tijolos.O traçado urbano refletia a própria estrutura da
sociedade egípcia. Todos dependiam exclusivamente
do Faraó e da sua administração para a subsistência.
Os operários - a maioria encarregada da construção da
pirâmide que abrigaria o Faraó quando este morresse moravam em um local específico da cidade. Os
funcionários importantes e a elite rica ocupavam
mansões em seus respectivos espaços.Não circulava
dinheiro, mas bens, como alimentos, vestuário,
cosméticos e utensílios variados, quase tudo fornecido
pela administração do Faraó, assim como os serviços
religiosos, saúde, combustível, transporte e infraestrutura.
Roma e suas fontes
O desenvolvimento da cidade de
Roma, desde sua fundação, foi
grandemente influenciado pela
localização das fontes de água
existentes. A construção de
aquedutos formou ao longo dos
séculos uma rede complexa de
abastecimento que permitiu a
cidade crescer e se tornar a
maior metrópole da antigüidade.
Roma no seu auge chegou a ter
mais de 1 milhão de habitantes.
Outros povos, como os hititas,
etruscos, babilônios, assírios
gregos e chineses também têm
histórias similares de épocas tão
antigas. A idéia de organizar o
espaço em função de
determinados objetivos
econômicos e sociais está
presente desde os primórdios da
civilização.
E Etruscos, L Latinos, S Sabinos
Fontes da Roma de Rômulo há 2.788 anos atrás com as ruas de 1998..
As referências sobre modelos de desenvolvimento das cidades e suas funções são tão antigas quanto a própria
civilização. Na Bíblia, mais especificamente no Livro de Jó, há a descrição da atividade mineradora com
surpreendentes detalhes.
Há 5.000 anos atrás, na civilização mesopotâmica, as cidades evoluíram em torno da irrigação e de canais
fluviais.
Heródoto descreveu a Babilônia como uma cidade "entrecortada por ruas retas, algumas paralelas e outras em
ângulos retos em relação ao rio”.
A idade média européia
O declínio do império romano foi seguido pelo que se chama idade média da história européia. As
cidades tornam-se mais autônomas e, portanto responsáveis por sua própria defesa. Surgem os castelos com
seus muros e mais tarde as catedrais, com suas múltiplas funções. A Catedral de Chartres é um exemplo.
Catedral de Chartres ( século XIII ) e planta baixa.
Nave central
Vinho
Porta Norte
Bens manufaturados
Aléias
Banco de empregos
Porta sul
Comida e lenha
Capelas
Câmbio e moedas
Os deões e cônegos da catedral controlavam o comércio nas diferentes partes do prédio e cobravam
aluguel pela utilização dos espaços. A catedral era simultaneamente uma instituição religiosa e econômica.
Chartres era, à época, o centro de negócios mais importante da Europa principalmente para produtos têxteis,
armas e couro.
No século XIII os franceses construíram oitenta novas catedrais, 500 abadias e 10.000 igrejas
paroquiais.
Estas construções foram planejadas para refletirem a ordem social e espiritual existente.
O mundo americano
No mesmo período cronológico da idade média
européia desenvolviam-se nas futuras Américas vigorosas
civilizações. Os Maias em Yucatan, os Mexicas nos planaltos
centrais do que viria a ser o México e os Incas nos Andes. A
cultura destes povos e suas construções revelam um
desenvolvimento social e cultural superior em muitos aspectos ao
europeu da época.
Estátua Tolteca em Chichén-Itza (c. ano 900)
Machu Pichu. Ruínas da última cidade Inca redescoberta em
1911
As cidades destes povos, à semelhança de suas
congêneres no resto do mundo, atendiam, nos seus aspectos
urbanísticos, arquitetônicos e funcionais às expectativas
ideológicas de seus construtores. Eram cidades meticulosamente
planejadas.
Estádio Maia de jogo de bola (c. ano 900)
A
ocupação
humana
dos
continentes americanos deu-se em épocas
remotíssimas por levas de imigrantes asiáticos
principalmente há 30.000 e 12.000 atrás.
Os europeus ao aportarem nas
Américas no final do século XV encontraram
um ambiente cultural diversificado e mesmo
surpreendente para eles. Os espanhóis
encontraram os Mexicas e Incas com uma
civilização sofisticada, mas tecnologicamente
menos desenvolvida. Foi o suficiente para os
nativos
serem
destruídos,
tornando-as
conhecidas como “civilizações decapitadas”.
A Europa estava ávida por metais
preciosos, pois havia uma imensa escassez de
moedas decorrente da onda de carestia que se iniciara em 1490 e duraria até o
início do século XVIII. Os espanhóis através da exploração destes metais em
proporções imensas inundaram a Espanha, Gênova, Milão, Veneza e parte da
França com estas novas moedas criando um impulso adicional à elevação dos
preços e desvalorização das moedas. (Fischer, 1996)
A ocupação da América espanhola segue um padrão determinado
pela vontade do conquistador, refazendo as características arquitetônicas,
funcionais e culturais das novas cidades americanas.
Interior da Catedral de Cuenca, Equador. (Século XVI)
O pau-brasil, a cana de açúcar e o café.
Os portugueses encontraram os nativos no Brasil na idade da pedra. Buscavam riquezas em ouro,
prata e preciosidades, mas nada encontraram Os índios brasileiros já utilizavam a ibiturana ou pau-brasil
(Caesalpinia echinata Lamarck) para a confecção de arcos, flechas e na extração de um corante vermelho
intenso usado para pintura de enfeites. A técnica foi ensinada aos portugueses pelos próprios índios, que também
foram encarregados de cortar, aparar e arrastar as árvores até o litoral, onde carregavam os navios a serem
enviados para a Europa. O ciclo econômico teve início em 1503 e até 30 anos após a chegada dos portugueses,
era o único recurso explorado pelos colonizadores. Nesse período calcula-se que foram exploradas 300
toneladas de madeira por ano, sempre aumentando nos anos posteriores. Em 1775 a madeira passou também a
ser usada para a confecção de arcos de violinos.
Comparativamente à riqueza da América espanhola, a exploração do pau-brasil era insuficiente para
as ambições portuguesas. Os assentamentos coloniais deste período não passavam de aldeias pouco melhores
que as nativas.
Os portugueses vislumbraram no cultivo da cana de açúcar (Sacharus officinarum) uma real
possibilidade comercial para a terra recém descoberta. O açúcar já era bem difundido na Europa e seu refino
conhecido. Surge deste modo o engenho de açúcar, ocupando grandes extensões do espaço do novo mundo.
Junto com ele houve o recrudescimento da escravidão, prática já extinta no território europeu renascentista.
O engenho era constituído pela casa-grande, onde residia o proprietário e sua família ou o feitor; a
senzala, uma habitação precária onde se alojavam os escravos; a moenda onde era extraído o caldo; as
caldeiras onde o caldo era engrossado ao fogo em grandes tachos e a casa de purgar onde o melaço era posto
em formas para secar. A rapadura obtida se vendia para Portugal, Holanda e outros países europeus para serem
refinados. Até hoje o desenho básico do engenho de açúcar é o mesmo.
Escravos numa fazenda brasileira no final do século XIX
Em 1750 só na Inglaterra havia 150 refinarias de
açúcar produzindo 30.000 toneladas do “ouro
branco” por ano.
Seguiu-se ao cultivo da cana, a
exploração do ouro de Minas Gerais, a criação de
gado e o café (Coffea arábica), cujo auge da
produção, usando mão de obra escrava, dá-se
entre 1820 e 1880.
Não houve mudanças nas práticas de
produção, mesmo após a independência política
do Brasil.
Este modelo, concebido desde o
princípio para dar lucros aos seus inventores, não
continha nenhuma consideração relativa à
condição humana dos escravos. Para não se dizer
tanto, havia alguma preocupação com a salvação
daquelas almas pagãs. A Igreja católica com sua
doutrina deu o polimento que faltava: “se a alma
está salva, é o que importa”.
A sociedade brasileira forjou-se durante os seguintes quatro séculos nos moldes escravistas.
Nenhuma importância foi dada aos indivíduos não proprietários vale dizer: os escravos, no mais ínfimo degrau
social, os alforriados, os artesãos, os capitães do mato, os soldados e posteriormente os profissionais liberais.
As cidades eram planejadas e seus serviços distribuídos segundo esta lógica social.
A abolição, mesmo tardia, foi uma avalanche incontrolável apesar dos esforços dos fazendeiros e
negociantes para impedi-la.
Sônia Sant’Ana escreve, ao concluir o livro “BARÕES E ESCRAVOS DO CAFÉ”:
“Concederam ao negro a liberdade, mas não se preocuparam com seu futuro. Confirmou-se o
prognóstico de abolicionistas esclarecidos: Joaquim Nabuco, que pedia instrução para os
escravos; André Rebouças, defensor de uma reforma agrária que completasse a obra da
abolição. Ignorantes, sem terra e sem profissão, desconhecendo os direitos e deveres de um
cidadão, vendo o trabalho como sinônimo de cativeiro, libertos vagueavam pelas cidades
mendigando, reforçando os preconceitos que os davam como seres incapazes e irresponsáveis.
Continuaram formando a camada mais miserável da população, findando por aceitar, para
sobreviver, baixos salários e as mesmas ocupações humildes. Ainda hoje, à entrada do século
XXI, o negro luta por igualdade social e iguais oportunidades no mercado de trabalho, numa
lenta ascensão”. (Sant’Ana, 2001)
Uma horda de despossuídos formou-se no país, o subproduto do modelo escravista. O que queriam
eles? Para onde iriam?
Em outubro de 1896 o Dr. Arlindo Leoni, Juiz em Juazeiro no Ceará, solicita ao Governador da Bahia
ajuda para combater jagunços homiziados numa vila às margens do rio Vaza-barris, que ameaçavam as
propriedades locais e que eram comandados por Antônio Conselheiro. É o início da guerra de Canudos, uma
conturbação não planejada, epítome do escravismo secular.
A república não teve piedade, a cidade foi cercada e bombardeada até à extinção. Assim se
descreveu o seu fim:
“Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a história, resistiu até o esgotamento completo.
Expugnado palmo a palmo na precisão integral do termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram seus
últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na
frente dos quais rugiam raivosamente cinco mil soldados.” (Euclides da Cunha, 2003)
Houve pouquíssimos sobreviventes. Os prisioneiros, inclusive mulheres, crianças e inválidos, eram
sumariamente degolados no que ficou conhecido como a “gravata vermelha”; 25.000 pessoas morreram no
conflito, a imensa maioria de sublevados. Em Canudos foram meticulosamente contadas 5.200 casas. A cidade
não tinha nenhum sistema de facilidades urbanas, ou seja, água, esgoto, escolas, hospitais e outros serviços.
Havia uma igreja que foi destruída pelos canhões republicanos.
Vista geral de Canudos
Habitante de Canudos
Prisioneiros de Canudos no fim da guerra.
O MOVIMENTO SANITARISTA, O JECA TATU, A COLUNA PRESTES E A
REVOLUÇÃO DE 1930.
Em 1914, Monteiro Lobato escreve para o jornal O Estado de São Paulo, dois textos que fizeram grande sucesso:
"Velha Praga" e o célebre "Urupês", em que descreve o Jeca Tatu, "caboclo que vegeta de cócoras", "piolho-daterra", capiau sem vocação para nada a não ser a preguiça, "urupês" (parasitas que vegetam os ocos das árvores
e que acabam por matá-las).
“ A nossa montanha [a serra da Mantiqueira] é vítima de um parasita, um piolho da terra, peculiar ao solo
brasileiro ... Este funesto parasita da terra é o CABLOCO, espécie de homem baldio, semi-nômade, inadaptável à
civilização, mas que vive a beira dela na penumbra das zonas fronteiriças. À medida que o progresso vem
chegando ... vai ele refugindo em silêncio, com o seu cachorro, o seu pilão, a picapau e o isqueiro, de modo a
sempre conservar-se fronteiriço, mudo e sorna. Encoscorado numa rotina de pedra, recua para não adaptar-se ...
O cabloco é uma quantidade negativa.”
Velha praga. 1914
“Porque a verdade nua manda dizer que entre as raças de variado matiz, formadoras da nacionalidade e metidas
entre o estrangeiro recente e o aborígene de tabuinha no beiço, existe a vegetar de cócoras, incapaz de
evolução, impenetrável ao progresso. Feio e sorna, nada o põe de pé.”
“... Vota. Não sabe em quem, mas vota.”
“... Sua medicina corre parelha com o civismo e a mobília – em qualidade.
... O veículo usual das drogas é sempre a pinga – meio honesto de render homenagem à deusa Cachaça,
divindade que entre eles ainda não encontrou heréticos.”
...Além desta alopatia, para a qual contribui tudo quanto de mais repugnante e inócuo existe na natureza, há a
medicação simpática, baseada na influição misteriosa de objetos, palavras e atos sobre o corpo humano.
“... O caboclo é soturno.”
“... Só ele não fala, não canta, não ri, não ama.
Só ele, no meio de tanta vida, não vive...”
Urupês. 1914
A partir de 1916 é publicado nas “Memórias do Instituto Oswaldo Cruz” o relatório da “Viagem científica pelo norte
da Bahia, sudoeste de Pernambuco e sul do Piauí e de norte a sul de Goiás, pelos Drs. ARTHUR NEIVA e
BELISÁRIO PENNA”. Este relato objetivo e realístico sobre a precária condição de vida das populações daquelas
áreas constitui uma das mais pujantes obras sobre a saúde pública brasileira, dando a explicação científica da
fenomenologia do “caboclo” descrito por Lobato.
E isto não passou desapercebido ao escritor que, na quarta edição de URUPÊS, em 1918 retrata-se com o
“caboclo”:
“Eu ignorava que eras assim, meu caro Jeca, por motivos de doenças tremendas. Está provado que tens no
sangue e nas tripas todo um jardim zoológico da pior espécie. É essa bicharia cruel que te faz papudo, feio,
molenga, inerte. Tens culpa disso? Claro que não. Assim é com piedade infinita que te encara hoje o ignorantão
que outrora só via em ti mamparra e ruindade.
Perdoa-me, pois, pobre opilado, e crê no que te digo ao ouvido: és tudo isso sem tirar uma vírgula, mas ainda és
a melhor coisa desta terra. Os outros, que falam francês, dançam o tango, fumam havanas e, senhores de tudo,
te mantêm nessa geena infernal pra que possam a seu salvo viver vida folgada à custa do teu dolorido trabalho,
esses, meu caro Jeca Tatu,esses têm na alma todas as verminoses que tu tens no corpo. Doente por doente,
antes como tu doente só do corpo...”
Urupês. Prefácio da 4ª edição, 1918.
Em 1918 Belisário Penna, com amigos, funda a “Liga pró-saneamento do Brasil” que redundou na criação em
1920 do Departamento Nacional de Saúde Pública.
Durante o governo Bernardes, em 1925, é preso por ter criticado a política do governo e fica encarcerado 6
meses. Somente em 1932 teve seus direitos de funcionário público restituídos.
A saúde pública brasileira ganha reconhecimento como um tema nacional e essencial para o desenvolvimento do
país. Os sanitaristas estão entre os profissionais mais prestigiados graças aos seus indiscutíveis êxitos na
melhoria da saúde pública. Apesar destas vitórias nas cidades, a maioria da população rural, vivia à margem
destes benefícios.
A reação conservadora, herdeira das
ideologias escravistas do tempo do
império ainda remanescentes nas elites
proprietárias rurais, que continuavam a
auferir lucros da exploração agrária, foi
perdendo terreno à medida que as cidades
passavam a ter maior proeminência na
produção da riqueza nacional. Um
crescente proletariado urbano, surgido da
industrialização e modernização do país
inspirava as forças políticas renovadoras
que propugnavam por mais democracia,
liberdade e participação na riqueza
nacional.
A sublevação militar conhecida como a
“Coluna Prestes” oriunda do levante de
São Paulo em julho de 1924, é festejada e
acompanhada pela população, através dos
periódicos dos grandes centros como
símbolo da luta pela modernização
intelectual, ideológica e material.
A “Coluna invencível” percorre entre1924 e1927 mais de 30.000 km pelo interior do país, travando inúmeros
combates, mas sempre bordejando o território do que se poderia chamar o Brasil efetivamente ocupado.
O percurso da “Coluna” se sobrepõe em alguns trechos ao itinerário da “Viagem Científica” de Penna e Neiva. Os
relatos, cada um na sua perspectiva são muito semelhantes.
Os cientistas descrevem a incrível pobreza do sertão goiano na periferia do Brasil ocupado em 1912:
O diário da “Coluna” escrito magistralmente por seu secretário, Lourenço Moreira Lima, descreve a passagem
pela mesma região 13 anos depois da “Viagem Científica”:
“Começamos a encontrar os papudos, vítimas da moléstia de Chagas, perto da cidade de Goiaz, e somente os
deixamos de ver do Maranhão em diante. Dois soldados nossos contraíram esse mal.”
...
A 11 de agosto, galgamos a serra do Paraná e entramos em Minas, tendo ocupado o lugarejo São João de
Pinduca, agregado de casas habitadas por pobres negros todos papudos, que ali vivem miseravelmente,
apresentando um aspecto físico de profunda degenerescência, um verdadeiro fim da raça, extinguindo-se
naquelas brenhas segregados da civilização.
Entramos pela segunda vez em Goiaz no dia 7 de setembro, tendo transposto a serra de São Domingos, próximo
da vila desse nome, que ocupamos em seguida. Junto a essa vila existe o morro chamado do Moleque, onde há
belas cavernas. Esse morro tem a forma de um chapéu cardinalício.
Os moradores da vila o povoam de encantamentos e de fantasmas e temem se aproximar dele, especialmente à
noite, contando casos estranhos que ali acontecem, como, por exemplo, milhares de galos cantando ao meio dia,
moças dançando ao luar, dobres de sinos às Ave-Marias, frades sem cabeça cavalgando esqueletos de cavalos,
cobras enormes, de olhos de fogo, deslizando pelas suas encostas escarpadas e, por fim, o diabo percorrendo as
suas cercanias, montado num colossal porco-espinho, cujos grunhidos horrendos enchem a solidão num raio de
cem léguas.
Chegamos a Posse no dia 12 de setembro...
...
“oportunidade para ferver as nossas roupas, a fim de destruir as muquiranas que nos perseguiam. Alem dessa
praga, éramos atacados pela imensa quantidade de carrapatos existentes nos campos, desde o
minúsculo'"pólvora" até os grandes "rodeleiros", cujas picadas causavam infecções.”
Tais relatos ocorrem apenas 13 anos após a “Viagem Científica”, e três décadas da Proclamação da República,
da abolição e de Canudos. O Brasil rural, com a maioria da população, continuava o mesmo.
Na seqüência desta crise centenária ocorre a revolução de 1930.
As idéias urbanas modernizantes impuseram-se desde então, mescladas por um conservadorismo arraigado nas
classes proprietárias, principalmente rurais.
Foi neste período, da 1ª República, que houve os primeiros avanços na legislação de proteção social no Brasil.
Em 1919 surge a Lei do “Acidente de Trabalho”, de autoria do senador Adolpho Gordo, um conservador que
também fora o autor da lei de banimento dos imigrantes indesejáveis. Em 1923, o ex-chefe de polícia de São
Paulo, Elói Chaves, responsável pela crudelíssima repressão aos movimentos operários anarquistas de São
Paulo, agora guindado à condição de senador da República, apresentou a Lei que ganhou seu nome e que criou
a previdência social no país.
As publicações operárias desde o início do século XX propugnavam por melhorias em várias esferas da vida dos
proletários, mas era paupérrima nas reivindicações sobre a saúde pública.
A Confederação Operária Brasileira – C.O.B. em 1908 edita o Jornal “A Voz do Trabalhador” que durou até
1915. Nele pode-se verificar como o problema da saúde era pouco abordado nas suas notícias.
No Primeiro Congresso Operário Brasileiro ocorrido em abril de 1906, origem da C.O B., no relatório final, podese encontrar as seguintes resoluções ligadas à saúde:
- Sobre organização
Tema 1 – O sindicato de rezistencia deve ter como única base a rezistencia ou aceitar
conjuntamente o subzidio de dezocupação, de doença ou de corporativismo?
“Considerando que a rezistencia ao patronato é a ação essencial, e que, sem ela,
qualquer obra de beneficiencia, mutualismo, ou cooperativismo seria toda a cargo do operariado,
facilitando mesmo ao patrão a impozição de suas condições;
que essas obras secundarias, embora trazendo ao Sindicato grande número de
aderentes, quazi sempre sem iniciativa e sem espirito de rezistencia, servem muitas vezes para
embaraçar a ação da sociedade que falta inteiramente ao fim que fôra constituida – a rezistencia;
o Congresso aconselha, sobretudo, rezistencia, sem outra caixa a não ser a destinada a
esse fim e que, para melhor sintetizar o seu objetivo, as associações operarias adotem o nome de
sindicato”.
Nos sete anos de edição do jornal em poucas ocasiões houve notícias ou comentários sobre como os sindicatos
se posicionavam quanto à questão da saúde pública, exceto para denunciar as precárias condições de alguns
hospitais públicos.
Há, portanto, uma clara dissonância entre o que o conhecimento científico oferecia como explicação dos
fenômenos ligados à saúde e as soluções possíveis, e o que era apreendido pela maioria da população e
transformado em reivindicação e comportamento político.
Este fenômeno não era novo e suas raízes estendiam-se até ao período imperial que acabara havia pouco.
A história não se redime
A saúde no período imperial.
Uma visão sintética e abrangente do historiador Marcos Cuerto descreve o cenário político institucional
brasileiro na primeira metade do século XIX, cujas implicações se fazem sentir até hoje.
A interação entre medicina, política e sociedade, que na Europa já se configurava como uma nova e
poderosa força política, no Brasil ainda não demonstrava pujança.
"A própria natureza da administração imperial [no início do século dezenove] limitava a
possibilidade de inovações em todas as áreas do governo, sem exceção para a saúde pública"
(Blount, 1971)
As reformas sanitárias não eram preocupações do emergente estado nacional no Brasil.
O estado recém fundado aproveitou-se das tradicionais Santas Casas para, através da renovação delas,
encorajar o movimento higienista visando debelar os graves problemas de saúde pública principalmente
da corte no Rio de Janeiro.
A incipiente ligação entre política e medicina no Rio de Janeiro mostrava pela primeira vez uma tendência
para a reforma, através do discurso higienista dos médicos, baseados nas mais recentes teorias sobre a
saúde pública urbana o que condizia com as transformações decorrentes da rápida urbanização da
cidade.
No entanto esta relação entre o estado e as Santas Casas provaram-se mais vantajosas para a
corporação do que benéficas para a saúde pública, pois nos idos de 1830 salvou a corporação da
bancarrota.
Desta forma pode-se melhor falar em uma reforma da saúde da corporação do que reforma da saúde
pública.
Em 1836 a população brasileira era de 3 milhões de pessoas. Na eleição deste ano votaram menos do
que seis mil e teve um resultado conservador que favorecia a centralização do poder.
Durante uma década e meia a corrente conservadora dominou o cenário político, dificultando que
houvesse grandes avanços na saúde pública. Finalmente em 1852 há uma reorganização do poder – a
conciliação – onde liberais e conservadores repartiram o governo. Chegava-se a dizer que não havia nada
mais similar a um liberal do que um conservador. Curiosamente os conservadores implementaram
algumas reformas preconizadas pelos liberais. (Viotti da Costa,1985)
Este período pós independência, até o fim da regência trouxe grandes preocupações políticas pela
possibilidade de desorganização do novo estado nacional, principalmente após a abdicação de D.Pedro I.
Neste cenário, os médicos, apreensivos pelo crescimento das doenças epidêmicas na cidade, põem em
discussão o verdadeiro papel dos hospitais. Aqui se dá em escala menor a replicação dos debates
nacionais: Uma parte propugna por uma rede de clínicas descentralizadas e de menor porte
estrategicamente localizadas na cidade e outra fração, majoritária, defendia a criação de um hospital
moderno e de larga escala, centralizado, que usaria as habilidades das Santas Casas da Misericórdia em
levantarem fundos.
Os higienistas transformaram o medo da anarquia em medo das epidemias. O reforço de uma ideologia
centralista, na época referida como – o regresso – expressou-se pela tendência a construir grandes
hospitais, eliminar os charlatães e distribuidores de drogas não licenciadas.
Durante a “conciliação” os higienistas descentralistas conseguem que suas idéias sejam parcialmente
aceitas nos recintos das grandes estruturas hospitalares
Divisão política geral do movimento higienista do Rio de Janeiro
Atributos dos conservadores no movimento
higienista no Rio.
c. 1825-1850
Os conservadores associavam as tendências
democráticas com a anarquia. Eram favoráveis ao
centralismo monárquico.
Favoráveis a grandes hospitais centralizados
Favoráveis ao controle dos hospitais pelas Santas
Casas
Viam as epidemias como uma ameaça potencial à
autoridade médica e um convite ao charlatanismo.
Origens regionais e profissionais: Médicos e
cirurgiões nascidos no Brasil.
Recebem forte apoio de uma Santa Casa da
Misericórdia reorganizada e reestruturada e, em
retorno, dão grande apoio ao movimento das
santas casas.
Após 1835, grande ênfase na construção e
reorganização da estrutura hospitalar da Santa
Casa.
Atributos dos liberais no movimento
higienista no Rio.
c.1825-1850
Os
liberais
associavam
o
centralismo
monárquico com a tirania. Eram favoráveis à
transferência da autoridade central para os
municípios, vistos como mais democráticos.
Favoráveis a clínicas especializadas pequenas
e descentralizadas.
Favoráveis ao controle das clínicas pelo
município
Viam as epidemias como uma potencial
oportunidade para descentralizar ainda mais a
prática da medicina criando clínicas e
liberalizando o reembolso de medicamentos.
Origens regionais e profissionais: farmacêuticos
e médicos provinciais.
Não recebem o apoio adequado das
autoridades municipais do Rio desde o início de
1830; não levaram vantagem de uma Santa
Casa fraca e desestruturada na época.
Após 1835, ênfase na inserção da idéia de
clínicas especializadas no interior da estrutura
hospitalar das Santas Casas.
Desenvolvimento dos conceitos de vigilância em saúde pública, século XVIII na Europa
e nos E.E.U.U. (apud, Marcus Cuerto )
1. Achenwall (1740 - 50)
a. Introduziu o termo estatística.
b. influenciado pela crescente coleção de estatísticas vitais
2. Desenvolvimento nos E.E.U.U. (metade do século XVIII)
a. Ênfase nas doenças infecciosas
b. Rhode Island aprovou um ato exigindo que os taverneiros notificassem doenças
contagiosas entre os seus clientes. (1741)
c. Rhode Island aprovou uma lei mais ampla requerendo a notificação da varíola,
febre amarela e cólera. (1743)
3. Johann Peter Frank (1766)
a. advogava uma vigilância de saúde pública mais abrangente.
b. desenvolveu um sistema de polícia médica na Alemanha
c. TAl sistema abrangia a saúde escolar, prevenção de danos, saúde maternal e
infantil e sistemas públicos de água e esgoto.
d. o sistema delineava medidas governamentais para proteger a saúde pública..
III. História da vigilância no século XIX
Eventos no desenvolvimento do conceito de atividades de vigilância em saúde
pública
1. William Farr (1807 - 1883)
a. um dos fundadores dos modernos conceitos de vigilância
b. superintendente do departamento de estatísticas do escritório do Registro Geral
da Inglaterra e Gales (1839 - 1879)
c. coletou estatísticas vitais
d. reuniu e avaliou dados
e. notificou os dados às autoridades de saúde e ao público
f. proveu estatísticas vitais a John Snow para seus estudos sobre o cólera
2. Thurnam (1845)
a. publicou o primeiro relatórioextensivo sobre estatísticas de saúde mental
(Londres )
3. Semmelweis (1833-1840)
a. coletou dados de vigilância em hospitais para determiner o curso da febre
puerperal, instituiu medidas de controle 9lavagem de mãos); manteve a vigilância
para provar a efetividade das medidas de controle (Viena)
4. Lemuel Shattuck
a. Massachusetts A Comissão Sanitária produziu uma publicação fundamental
(1850) que relacionava mortes, mortalidade infantil e maternal e doenças
comunicáveis às condições de vida.
b. Recomendações:
1) Censo decenal
2) padronização da nomenclatura de causas de doenças e morte
3) coleta de dados de saúde
por idade, gênero, ocupação, nível
socioeconômico e localidade.
c. aplicou tais conceitos para programar atividades de imunização, saúde escolar,
tabagismo e abuso de álcool
d. introduziu conceitos no ensino de medicina preventiva
c. Eventos em notificação
1. monitoramento nacional de doenças
a. Nos E.E.U.U. começa em 1850
b. estatísticas de mortalidade baseadas no registro de mortes e no censo
decenal foram publicadas pela primeira vez pelo governo federal para todo
os E.E.U.U.
2. Notificação sistemática de doenças começa nos E.E.U.U. em 1874
a. O departamento de saúde de Massachusetts institui um plano voluntário
para a notificação semanal pelos médicos de doenças prevalentes
b. usou um formato padrão de notificação
3. coleta de dados de morbidade
a. O Congresso autorizou que fosse feita uma previsão pelo Serviço de
Saúde Pública em 1878
b. os dados foram usados nas medidas de quarentena contra doenças
pestilenciais (cólera, varíola, praga, febre amarela etc).
4. notificação compulsória de doenças infecto contagiosas
a. Italia - 1881
b. Grã-Bretanha- 1890
c. Michigan - 1893 – primeira jurusdição dos E.E.U.U. a requerer
notificação de doenças infecciosas específicas.
d. Estados Unidos - 1893 – lei exigindo a coleta de informações samanais
das autoridades estaduais e municipais em todo país
IV. Desenvolvimento da vigilância no século XX nos E.E.U.U.
Eventos em notificação
1. requer notificação de doenças comunicáveis selecionadas (1901)
a. requer notificação às autoridades locais
b. tais como cóçera, varíola e tuberculose.
2. Pessoal do Public Health Service (PHS) designado como epidemiologistas
colaboradores para servirem nos departamentos de saúde dos estados com a missão de
telegrafarem para o PHS relatórios semanais sobre doenças. (1914)
3. todos os estados iniciam a participação na notificação nacional de morbidade (1925)
a. acompanham a epidemia mundial de poliomielite (1916)
b. pandemia de influenza (1918 - 1919)
4. primeiro levantamento nacional de saúde dos cidadãos americanos (1935)
5. Escritório nacional de estatísticas vitais assume a responsabilidade pela notificação da
morbidade.
a. em decorrência do estudo de 1948 feito pelo PHS
b. levou à revisão dos procedimentos de notificação da morbidade
B. Eventos na disseminação das estatísticas
1. O Escritório Nacional de Estatísticas Vitais National Office of Vital Statistics inicia
a publicação semanal de estatísticas que do relatório de saúde pública (1949)
2. adicionou dados de mortalidade às suas publicações e chamou-a de Morbidity
and Mortality Weekly Report (MMWR)
3. esta tarefa foi transferida para o Centro de Doenças Comunicáveis ( CDC ) hoje
o centro de controle de doenças e prevenção (1961).
4. O conceito de MMWR teve maior desenvolvimento comy Alexander Langmuir
5. evolução continua do MMWR e vigilância em saúde pública para os eventos
a. poliomielite após o incidente Cutter
b. influenza
c. seguimento da epidemia de salmonella de 1961-62
d. traumas
OS MODELOS DE EXPLICATIVOS DA APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO
As forças que moldaram nossas cidades embora peculiares, também ocorreram em outros lados do
planeta em diferentes tempos e intensidades. Assim, a preocupação em se ter um modelo que explicasse como
tais vetores atuavam nas sociedades e determinavam como elas se apropriavam do espaço e o organizavam em
seus proveitos só aparece como matéria de ciência a partir do século XVIII.
O primeiro a formular semelhante proposta foi Johann Heinrich von Thünen, (1780-1850) um
fazendeiro do norte da Alemanha e também economista
O modelo de Von Thünen aplicável para o uso de terras agriculturáveis assumia as seguintes premissas:
•
•
•
•
•
•
A cidade está localizada centralmente dentro de um “Estado Isolado” que é auto-suficiente e não tem
influências externas.
O “Estado Isolado” é cercado por terras virgens não ocupadas.
As terras do “Estado Isolado” são completamente planas e não têm rios ou montanhas que interrompam
o terreno.
A qualidade do solo e o clima são consistentes em todo “Estado Isolado”.
Os fazendeiros do “Estado Isolado” transportam seus produtos para o mercado por carros de boi através
do território diretamente para a “cidade central”, portanto não há estradas..
Os fazendeiros procuram maximizar seus lucros.
Diagrama do “Estado Isolado
Tal modelo foi concebido numa época onde não havia as modernas
facilidades tecnológicas como estradas pavimentadas, fábricas e energia
elétrica mas, apesar disto, ainda hoje é considerado como um modelo geoeconômico básico.
O mais original desta proposição foi considerar o espaço e a economia
como variáveis possíveis de serem controladas. O final do século XVIII e
adiante, por todo século XIX, viu-se o ocaso dos sistemas colonialistas
escravistas e o triunfo do capitalismo moderno. A fusão da visão meramente
cartográfica dos antigos impérios com a predominância da economia
capitalista na definição dos espaços nesta nova dinâmica social, antevista
por Van Thünen, só vai encontrar pleno abrigo no século XX. Daí porque tal
fusão da geografia com a economia - que são os saberes desta nova ciência
- custa a se firmar como tal, com métodos, paradigmas, proposições
teóricas e práticas (Santos, 2002).
Portanto não é de estranhar que somente após a IIª Guerra Mundial a economia espacial ou geoeconomia
tenha se desenvolvido com maior rapidez e profundidade.
Inúmeros modelos foram estudados, propostos, e postos em prática com o propósito de planejar e controlar
o desenvolvimento econômico e social orientado para certos objetivos. A questão era, e ainda é, dimensionar a
fidedignidade de quanto estes modelos foram, são ou serão determinísticos ou preditivos. Os modelos
enfatizaram mais ou menos questões relativas às interações entre a economia e a área, movimento e tempo, bem
como a uma conceituação mais específica de território. Em outras palavras, a transformação do espaço
geográfico pelos humanos pode ser previamente determinada e organizada?
Os territórios passam a ser concebidos como o espaço geográfico, dito banal, onde os homens
vivem, produzem, procriam e os consideram como propriedades suas, e que serão herdadas pelos seus
descendentes. Os modelos explanatórios destas realidades foram sendo acrescidos paulatinamente por novos
conhecimentos da sociologia, ecologia, geologia, antropologia, etc. A complexidade do assunto exigiu que se
tentasse criar uma ordenação do território onde a idéia de hierarquia dependente das funções e dimensões
destes territórios fosse o eixo principal.
Tais teorias, ditas locacionais, foram inspiradoras de grandes planos governamentais e privados
voltados para a exploração econômica de territórios definidos, tanto pela vertente do neocapitalismo do pósguerra quanto pela proposta socialista soviética. O interessante é que ambos os sistemas, embora antagônicos,
necessitavam de uma ferramenta de planejamento geo-econômico para fazerem valer seus princípios e atingirem
suas metas. Tal modelo teria de ser o mais adequado para almejar a condição de científico e, portanto, fidedigno.
Assim, desde a simplista proposição de Van Thünem, até hoje os modelos surgem e são
abandonados pelos mesmos motivos de seu ancestral, a ineficácia dos resultados de sua aplicação.
Isto suscitou a crítica contundente que explica a ineficácia destes modelos pela ausência das
dimensões histórico-temporais nos seus pressupostos.
Os soviéticos imbuídos pelo materialismo dialético de Marx, consideraram a história como um
subproduto das relações econômicas, e creram nesta determinação com tal fervor que terminaram isolados e
ultrapassados por um ímpeto que não foi previsto, nem de longe, até mesmo pelos seus mais ferrenhos inimigos.
Os capitalistas ortodoxos, liberais, neocapitalistas neoliberais, socialistas e todos que, de um modo
ou de outro, se opunham aos ideais socialistas soviéticos, e mesmo alguns dentre estes, esforçavam-se mais ou
menos para encontrar tal ferramenta mágica da geoeconomia que desse a resposta irrefutável à questão do
progresso com justiça social. Acrescentado a este cadinho o debate acerca da transcendentalidade da natureza.
Uma disciplina que buscava o status de ciência se via envolvida numa polêmica metafísica que lhe tolhia os
meios de aplicação prática.
Na antiguidade, como ainda hoje, a percepção, individual ou coletiva, de que pertencemos a este
mundo natural é intuitiva, bem como a idéia da finalidade da vida e do usufruto desta condição. Mas não sabemos
com certeza o que é esta natureza. Há sempre, no mínimo, dois caminhos a serem trilhados:
Primeiro considerá-la como um expressão de uma força maior e misteriosa na origem e no fim de
tudo.
Segundo, considerar a natureza como um acaso.
A aparente trivialidade e irrelevância destas duas visões na determinação dos rumos da política advêm do fato de
que para responder estas questões é necessário e fundamental que haja uma resposta disponível, plausível e
irrefutável, fato que não ocorre. É irrelevante e trivial porque se admite desde o princípio que a natureza é regida
por forças ainda desconhecidas, para muitos metafísicas ou sobrenaturais, que ordenam e determinam os
fenômenos observados.
Em pleno século XXI, e não há o que reprovar, a imensa maioria da população mundial acredita em alguma
divindade superior que é responsável pelo que acontece na terra.
De fato, abriu-se a caixa da Pandora e o século começa com a insustentabilidade dos modelos geoeconômicos
propostos: uma orfandade de paradigmas confiáveis.
Surge no horizonte a novidade da “globalização”. Será mesmo novidade?
O que há de novo nestas proposições é a idéia da possibilidade da difusão instantânea das informações, e o
domínio tecnológico definitivo das forças naturais, eliminando-se assim a dimensão histórica temporal, ou seja, a
história é vivenciada “on line” por meios eletrônicos.. Isto desqualifica a consideração da difusão das inovações,
uma das teorias geoeconômicas mais promissoras (Hägerstrand. In Santos, 2002), como responsável em parte
pela formação dos territórios.
A aproximação dos teóricos da geoeconomia e da epidemiologia parece promissor porque uma pode dar à outra
o apoio e a complementação do que lhes falta. À Epidemilogia a dimensão territorial com conteúdo econômico e
social possibilitando uma nova abordagem determinística e, à Geografia o componente temporal e biológico
acrescentando a história às suas explicações. Mas este caminho ainda não está pavimentado, embora a
realidade pressione para que se faça esta aproximação.
Quando um aluno de uma escola primária no interior do Brasil fica sem leite na merenda, porque a produtora faliu
fraudulentamente em outro país, é quase impossível explicar para a família da criança porque, com tanta vaca ao
redor, aquilo aconteceu.
Também é patético explicar para alguém do interior brasileiro que ele pode ficar muito doente devido às mazelas
das galinhas chinesas.
Blount, John Allen, "The Public Health Movement in São Paulo, Brazil: A History of the
Sanitary Service, 1892-1918," (Ph.D. Dissertation: Tulane University, 1971), 21.
Viotti da Costa, Emilia The Brazilian Empire: Myths and Histories (Chicago and London: The University
of Chicago Press, 1985
E. Soja, "Regions in Context: Spatiality, Periodicity, and the Historical Geography of the Regional
Question," Society and Space (1985), Vol. 3, pp. 175-190.
Santos, Milton. Por uma geografia nova. Edusp. 2002.