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R$ 8,00 | ISSN 2447-6897 | nº 16 - Abr /Mai 2016
RADIAÇÃO
QUÍMICA
GENÉTICA
30 anos pós Chernobyl: Quais os
efeitos biológicos das radiações?
página 3
Técnica e metodologia para
detecção de substâncias ilegais
página 10
DNA fingerprint na identificação de
suspeitos e vítimas de tragédias
página 16
MULTIFÍSICA PARA TODOS
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Na madrugada de 26 de abril de 1986, o
Reator IV da usina nuclear de Chernobyl
explodiu, expelindo uma nuvem de material
radioativo que contaminou 200.000 km2 de
extensão no território europeu e criou uma
Zona de Exclusão com um raio de 30 km, que
só voltará aos níveis de radiação aceitáveis
para ser habitada em pelo menos 300 anos.
Mas o que acontece aos organismos expostos
a esta radiação?
Um liquidador empurra um carrinho de bebê que foi encontrado durante a limpeza do acidente nuclear de Chernobyl. O trabalhador encontrou
o carrinho em uma casa enquanto estava medindo os níveis de radiação no vilarejo de Tatsenki; não se sabe se uma criança foi abandonada, ou
se o carrinho estava sendo usado para transportar equipamentos. A foto foi tirada em 1986 e é capa do livro do fotógrafo Igor Kostin, Confessions
of a Reporter. Kostin foi um dos cinco fotógrafos autorizados a acompanhar os trabalhos de emergência e permanecer na Zona de Exclusão e,
assim como os liquidadores, sofreu com os efeitos da exposição à radiação.
polyteck.com.br | Revista Polyteck | 3
Esta é a primeira foto do acidente nuclear em
Chernobyl, capturada por Igor Kostin somente algumas
horas após as explosões. O fotógrafo sobrevoou a usina
em um helicóptero, e a imagem está granulada devido
à exposição do filme fotográfico à radiação. Todas
as outras fotos tiradas no dia foram veladas como se
tivessem sido expostas prematuramente à luz.
É
tarde da noite de 25 de abril de 1986 em Chernobyl,
Ucrânia - uma pequena cidade localizada próxima ao
rio Prypiat. Na época, a localidade fazia parte da antiga União Soviética. O reator nuclear IV da Usina Nuclear
Lenin V.I., localizado cerca de 25 km rio acima da cidade,
estava pronto para ser desligado para manutenção de rotina.
Naquela noite, antes do desligamento, a equipe técnica da
usina iria testar por quanto tempo as turbinas continuariam
a girar após a perda da energia primária, mesmo sabendo que
aquele tipo de reator é muito instável quando operando a
baixos níveis de energia. Antes do teste, que seria realizado
no começo da madrugada do dia 26 de abril, os sistemas de
desligamento automático - que seriam capazes de controlar
a reação nuclear - foram desabilitados.
Já iniciado o teste, à medida que o fluxo de água do
sistema de refrigeração diminuía, a potência nos reatores
aumentava. Contudo, algo deu errado e, quando o operador
tentou desligar o reator de seu estado instável, uma peculiaridade no projeto (os moderadores de grafite utilizados para
absorver nêutrons do núcleo não desceram a tempo de conter
a reação) causou um aumento abrupto na potência. A temperatura aumentou muito rapidamente, fazendo com que parte
do núcleo de combustível derretesse. Com isso, partículas de
combustível entraram em contato com a água do sistema de
refrigeração, resultando numa explosão que destruiu o núcleo do reator. Uma segunda explosão trouxe consequências
ainda mais graves: fragmentos de combustível queimando e
moderador de grafite foram expelidos do núcleo a altíssimas
velocidades, induzindo o grafite a entrar em combustão espontânea. O grafite queimou por dez dias, liberando de 12 a
4 | Revista Polyteck | polyteck.com.br
14.1018 bequerels (1 bq = 1 decaimento por segundo) na atmosfera terrestre – equivalente a 400 vezes a bomba de Hiroshima.
As explosões na usina foram apenas o início de uma longa
batalha contra um inimigo invisível que, fora de controle, é
extremamente perigoso: a radiação ionizante.
Os moradores de Prypiat e das regiões adjacentes só
foram evacuados 24 horas depois do acidente, e a URSS tornou a situação pública apenas quando a nuvem de radiação
disparou os alarmes da usina nuclear Forsmark, na Suécia, a
cerca de 1.000 km de Chernobyl. Antes de iniciar sua rotina de
trabalho na usina, o engenheiro Cliff Robbinson passou por
um dos detectores antes da área dos reatores, e ficou muito
surpreso quando ele disparou. Preocupados que um vazamento poderia ter ocorrido na própria usina, os trabalhadores de
Forsmark tentaram investigar o que havia acontecido. Após
uma análise mais profunda do tipo de material encontrado
na grama (choveu muito naqueles dias, e materiais radioativos foram depositados no solo), eles chegaram à conclusão
de que um acidente grave deveria ter acontecido em algum
reator nuclear na União Soviética. Assim, o governo sueco
pressionou o governo soviético para que este revelasse o que
havia acontecido. O acidente foi reportado à comunidade
internacional apenas no dia 28 de abril, dois dias após o acidente. Um sarcófago com um “prazo de validade” de 30 anos
(data que expira agora em 2016) foi construído em volta das
ruínas do Reator IV para evitar que os resíduos radioativos
mais perigosos continuassem em contato com a atmosfera.
Imediatamente após o desastre e ao longo das décadas que se seguiram, milhares de cientistas foram mobilizados para estudar tanto as causas do acidente como suas
consequências ambientais, econômicas, tecnológicas e, principalmente, para a saúde da população e dos trabalhadores
que sofreram com a exposição aos radionuclídeos liberados
na atmosfera. A Agência Internacional de Energia Atômica
(IAEA, International Atomic Energy Agency), um fórum intergovernamental que promove cooperação científica e tecnológica para o uso pacífico da tecnologia nuclear ao redor
do mundo e fornece protocolos de segurança e salvaguarda
para usinas nucleares, elaborou diversos documentos contendo informações importantes sobre o desastre, fruto do
trabalho de pesquisa de mais de 200 especialistas. Os documentos elaborados pela IAEA têm como objetivo não apenas compreender as causas e consequências do acidente, mas
também utilizar a análise da situação para evitar que outros
acidentes ocorram e, caso aconteçam, que as ações tomadas
sirvam de guia para o atendimento emergencial e remediador,
como aconteceu com o acidente na usina nuclear japonesa
de Fukushima Daichi, em 2011.
Efeitos biológicos das radiações
A interação de radiação ionizante (alfa, beta, gama, raios X, entre outros) com matéria orgânica pode danificar as células, levando algumas à
morte e modificando outras. Após a
explosão em Chernobyl, a nuvem radioativa contendo diversos subprodutos do processo de fissão do urânio,
como iodo-131 e césio-137, contaminou cerca de 200.000 km2 de extensão
território europeu, principalmente nas
áreas adjacentes da Bielorússia, Rússia
e Ucrânia. Estes radionuclídeos foram
depositados no solo e tanto contaminaram plantações como foram ingeridos
por animais. No instante inicial pós-acidente, a maior concentração era de
iodo-131, que foi imediatamente transferido para o leite, causando uma alta
taxa de incidência de câncer de tireoide em crianças da região. No entanto,
o tempo de meia vida deste material é
de 8 dias, logo a maioria se desintegrou
dentro das primeiras semanas após o
acidente. Já o césio-137, responsável
tanto por doses internas quanto externas, tem uma meia vida de 30 anos e
ainda é encontrado contaminando o
solo e alimentos em diversas regiões da
Europa, sendo o principal responsável
pela existência da Zona de Exclusão.
Com a chegada dos 30 anos do acidente, deverá haver mudanças interessantes nos níveis de contaminação por césio-137 na área.
É possível quantificar a energia transferida pela radiação ionizante para um corpo através grandeza dose
absorvida, que é medida em termos de
energia absorvida por unidade de massa. A unidade para dose absorvida é
o Gray (Gy), que é dada em joule por
quilograma (J/kg). Quando a dose absorvida pelo corpo humano é maior
do que 1 Gy, pode ocorrer a chamada
síndrome aguda das radiações (SAR),
que acometeu muitos dos liquidadores
- nome dado aos operários que trabalharam nas medidas emergenciais em
Chernobyl.
No acidente, uma grande quantidade de órgãos e tecidos efetivamente sofreram exposição, por isso um
conceito adicional também foi muito
utilizado para analisar as consequências da exposição da população à radiação, chamado de dose efetiva. Esta
caracteriza o risco geral para a saúde de
um indivíduo devido a qualquer tipo
ou combinação de tipos de radiação
ionizante. A dose efetiva leva em conta tanto a quantidade de energia absorvida quanto o tipo de radiação, assim
como a susceptibilidade de cada tipo de
órgão ou tecido para desenvolver câncer ou efeitos genéticos. Além disso, ele
se aplica tanto para exposição interna
quanto externa a radiações uniforme e
não uniforme. A unidade utilizada para
a dose efetiva é o sievert (Sv). Como 1
Sv é uma dose alta, normalmente o mSv
(milisievert) é utilizado para apresentar os valores de doses em uma ordem
de grandeza próxima à que absorvemos
diariamente.
Exposição e Síndrome Aguda das
Radiações (SAR)
Quando um organismo é exposto à radiação, é necessário analisar as
variáveis envolvidas no processo para
entender quais serão os efeitos ao sobre
ele. Eles serão diferentes dependendo se
a dose é única (aguda), fracionada ou
contínua (crônica), e se a exposição foi
de corpo inteiro, corpo parcial ou localizada. Por exemplo, uma exposição a 6
Gy dividida em 45 dias não trará problemas imediatos à saúde de um indivíduo. No entanto, se um organismo
absorver esta mesma dose de uma só
vez, o indivíduo pode vir a óbito. Um
exemplo é o caso real de uma criança
que deveria fazer radioterapia para tratar um tumor cerebral. O médico indicou 10 Gy fracionados em 10 sessões,
ou seja, seria irradiado 1 Gy por sessão.
No entanto, o técnico foi desatento e
realizou 10 sessões de 10 Gy, irradiando a criança com uma dose total de 100
Gy. Infelizmente a criança sofreu danos
irreparáveis no tecido da cabeça, pois
recebeu doses altíssimas em um curto
período de tempo. Neste caso, a exposição foi localizada e a dose recebida foi
fracionada.
Síndrome Aguda das Radiações
(SAR) é um termo utilizado para descrever o conjunto de sinais e sintomas
que ocorrem após a exposição de corpo inteiro ou de grande parte do corpo a altos níveis de radiação num curto
intervalo de tempo. Estes sintomas são
consequência de danos severos causados pela radiação a determinados tipos
Radionuclídeo: isótopo instável de
um elemento que decai ou transmuta espontaneamente, emitindo
radiação ionizante
Tempo de meia vida: tempo necessário para que a atividade de um
dado material radioativo caia pela
metade, como resultado de um
processo de decaimento radioativo
Algumas fontes de exposição
à radiação para humanos
Radioatividade
Natural
Radioatividade
Artificial
30 mSv/ano
Algumas partes
do Brasil e do
Sudoeste da Índia
Tomografia
computadorizada
de abdome
12 mSv
La Paz (Bolívia)
altitude 3660m
2 mSv/ano
0,06 mSv
Voo ida e volta
de Paris até
Nova Iorque.
Liberação de
elementos
radioativos no
meio ambiente
por usinas
nucleares.
0,002 mSv/ano
As doses devido à radiação de fundo no
Brasil são umas das mais altas do mundo,
e provêm de materiais encontrados na
natureza como o radônio. Fonte: Chernobyl
25 years on, Institut de Radioprotection et
de Sürté de Nucléaire
polyteck.com.br | Revista Polyteck | 5
de tecido. A hipótese mais recente é a
de que a sintomatologia não decorre
apenas da depleção da proliferação de
células de rápida taxa de reposição, mas
também devido às mudanças no sistema vascular e, especificamente, nas células endoteliais. Isto leva ao desenvolvimento de uma resposta inflamatória
sistêmica não controlada.
As primeiras descrições da SAR
foram feitas após a explosão das bombas atômica no Japão em 1945. De maneira geral, ela é dividida em três subsíndromes: a síndrome hematopoiética,
síndrome gastrointestinal e síndrome
neurovascular. A radiobiologia clássica
explica a falência de cada um destes órgãos pela morte induzida por radiação
de um grande número de células parenquimatosas (responsáveis pela estrutura
dos tecidos), mas hoje em dia sabe-se
que a radiação não só causa efeitos letais às células, mas também problemas
funcionais.
O tempo de evolução e a intensidade dos sintomas dependem do volume total do corpo que foi irradiado, da
homogeneidade da dose da exposição,
da dose absorvida, do tempo levado
para absorver determinada dose (taxa
de dose) e o tipo de partícula ao qual o
corpo foi exposto. Há quatro fases clínicas no desenvolvimento da SAR:
A fase prodrômica é a fase inicial,
e os sinais e sintomas aparecem entre
algumas horas e 3 dias após a exposição, e são caracterizados por náusea,
vômito, anorexia, febre, dores de cabeça e eritemas na pele. Dependendo da
dose recebida, estes sintomas podem
ser leves como os de uma virose ou
muito severos. Os episódios de vômito são diretamente relacionados com a
dose absorvida e podem aparecer apenas alguns minutos após a exposição.
Este foi um sintoma comum aos liquidadores em Chernobyl. Eles se revezavam para retirar as massas de grafite e
combustível do terraço da usina, e cada
um podia trabalhar por no máximo 40
segundos. Quando voltavam, muitos
sentiam fraqueza e vomitavam.
Já a fase latente pode ser enganadora, pois sua principal característica é
6 | Revista Polyteck | polyteck.com.br
a melhora dos sintomas e uma aparente cura. Nesta fase, os indivíduos aparentam e se sentem bem. Isso acontece
devido a uma pequena fase de regeneração, onde há divisão de células germinativas que não morreram. Contudo,
por apresentarem anormalidades, elas
morrem rapidamente e ocorre uma
queda drástica no número de linfócitos
(linfocitopenia) e de leucócitos granulócitos (neutrófilos, basófilos e eosinófilos), que são subtipos específicos dos
glóbulos brancos. Esta fase pode durar
de algumas horas a até semanas.
A fase de manifestação é a mais
crítica, trazendo uma evolução dos sintomas. É nela que aparecem os sinais e
sintomas específicos de cada uma das
três síndromes, dependendo da dose.
Entre 1 e 8 Gy ocorre o desenvolvimento da síndrome hematopoiética, apesar
de uma exposição aguda de toda a medula de 0,5 Gy já poder desencadear depressão na formação do sangue. A síndrome gastrointestinal ocorre a doses
entre 5 e 20 Gy, e é causada por danos
no epitélio intestinal, prejudicando o
O sarcófago é uma estrutura gigantesca de
concreto e metal que foi construída às pressas para selar os escombros radioativos do
Reator IV de Chernobyl. A sua construção
durou 206 dias (entre junho e novembro
de 1986), e os trabalhadores a executaram
sob condições extremas de exposição à radiação ionizante. Foram utilizados 400.000
m3 de concreto e 7.300 toneladas de metal.
Estima-se também que 200 toneladas de corium (uma mistura de combustível nuclear,
produtos de fissão, barras de contenção e
outras porções do núcleo formadas durante
a fusão, com aparência semelhante a lava),
30 toneladas de poeira contaminada e 16
sistema de renovação celular. Dentro de
5 a 10 dias, a vilosidade intestinal torna-se curta e achatada, ocasionando morte
por infecção.
A síndrome neurovascular ocorre para doses maiores do que 20 Gy, e há
danos nos neurônios e vasos sanguíneos, causando aumento na pressão intracraniana. Se chegar à fase extrema, há
completa falência do sistema nervoso
central. Após estas fases, há a fase final,
onde haverá recuperação ou a morte do
indivíduo, dependendo da dose absorvida, da taxa de dose e da heterogeneidade
da exposição.
Centenas de liquidadores sofreram
de SAR durante a limpeza de Chernobyl,
sendo que a OMS estima 4.000 mortes
associadas à exposição à radiação. Esta
também foi a doença que atingiu as vítimas do acidente radiológico de Goiânia
em setembro de 1987, incluindo a menina Leide das Neves Ferreira, de apenas
6 anos, que ingeriu césio-137. Ela recebeu uma dose de 6 Gy e virou símbolo
da tragédia.
Para saber mais
• The International Chernobyl Project
- IAEA
• Chernobyl 25 years on, Institut de
Radioprotection et de Sürté de Nucléaire
• The Chernobyl Gallery - http://www.
chernobylgallery.com
toneladas de urânio e plutônio estejam encerrados no interior do sarcófago. Em 1996
foi decidido que seria impossível reparar a
construção, que em apenas 10 anos já apresentava sérios danos estruturais, pois os níveis de radiação no seu interior eram de cerca de 10.000 R por hora (1 roentgen = 2,58
x 10-4 C/kg) - para se ter um parâmetro de
comparação, uma dose de 500 R ao longo
de 5 horas já é considerada letal. Com isso,
decidiu-se por construir um novo sarcófago chamado de New Safe Confinement, que,
apesar de ter sido adiado várias vezes, está
em fase final de construção e é previsto estar
totalmente instalado até novembro de 2017.
Efeitos Estocásticos
30 anos
Já numa vida sem acidentes nucleares, onde somos apenas expostos à radiação de fundo, exames de imagem e exposição laboral, o que acontece? Posso ter
câncer após um exame de raios X?
A indução de câncer como resultado da exposição à radiação é algo que
ocorre como um efeito estocástico, ou
seja: ocorre aleatoriamente, podendo ser
comparado com efeitos determinísticos. Não há um valor limite para que isso
aconteça (por exemplo: uma dose acima
de “x”Gy levará ao desenvolvimento de
câncer), mas o risco aumenta de forma linear-quadrática com a dose. No entanto,
apesar de o risco aumentar com a dose,
a gravidade dos efeitos não o faz, isto é,
pode ser que o paciente desenvolva ou
não câncer.
Ainda há centenas de pessoas que
se recusaram a sair e continuam vivendo dentro da Zona de Exclusão de
Chernobyl. Enquanto entre esses moradores há alta taxa de incidência de câncer
de tireoide comparado à média, muitos
não chegaram a desenvolver a doença.
De pior desastre nuclear da história a um dos pontos turísticos mais
procurados da Europa, Chernobyl ainda deixa sequelas nas regiões atingidas mesmo depois de 30 anos. Cerca de
7.000 pessoas ainda trabalham na desativação da usina, morando em cidades
onde o nível de radiação, mesmo fora
da Zona de Exclusão, é 30 vezes mais
alto do que o normal. Por outro lado,
a evacuação deu espaço para que a flora e a fauna local voltassem a dominar
a região, que é hoje o santuário com a
maior população de lobos selvagens do
mundo. Além disso, as lições aprendidas
sobre Chernobyl trazem uma melhor
compreensão sobre o efeito das radiações nos tecidos biológicos, assim como
uma evolução nas abordagens em caso
de novos acidentes. Enquanto isso, um
novo sarcófago, projetado para durar
100 anos, é construído para se sobrepor
ao primeiro e guardar a mais perigosa
cápsula do tempo do mundo.
• Chernobyl’s Legacy: Health,
Environmental and Socio-Economic Impacts
and Recommendations to the Governments of
Belarus, the Russian Federation and Ukraine The Chernobyl Forum: 2003–2005
Joint News Release WHO/IAEA/UNDP
• CHERNOBYL: Looking Back to Go
Forward, Proceedings of an International
Conference - IAEA
•
Chernobyl: the true scale of the accident,
• M. M. Garaua, A. L. Calduchb, E. C.
López, "Radiobiology of the acute radiation
syndrome", Reports of Practical Oncology and
Radiotherapy 1 6 (2011)
Agrademcimentos pela revisão ao Prof. Charlie
Antoni Miquelin, físico e professor da UTFPR e à
Prof. Rosangela Requi Jakubiak, física e professora
da UTFPR.
polyteck.com.br | Revista Polyteck | 7
Véritas, Scientia et Justitia, do latim verdade, ciência e justiça. Estes são os pilares da polícia
científica, que busca solucionar crimes utilizando a ciência. A utilização de conhecimentos
científicos em auxílio a questões judiciais teve seu início registrado na Grécia e na Roma Antigas,
com a finalidade de esclarecer os frequentes casos de envenenamento da época. A ciência
forense é hoje uma parte vital da justiça criminal, onde os laudos técnico-científicos possuem
caráter irrefutável perante a justiça e constatam materialmente a existência de delitos, bem
como a autoria dos mesmos. Confira essa série de artigos sobre ciência e técnicas forenses.
A
s aventuras de Sherlock
Holmes retratam os métodos, muitas vezes nada
óbvios ou convencionais, utilizados
pelo protagonista para ligar uma evidência física ao autor de um crime.
Com sua personalidade excêntrica,
a personagem criada por Sir Arthur
Conan Doyle no final do século XIX
ajudou a despertar o interesse da população pelas ciências forenses. Hoje podemos dizer que esse
interesse foi amplificado pela exibição de inúmeros seriados e
filmes policiais que exploram o uso de técnicas e métodos forenses
para resolução de diversos crimes. A popularização da área forense
como uma ciência aplicada ganhou até nome: CSI effect. Porém
este efeito também criou uma expectativa irrealista, já que existe
uma enorme diferença entre o que é retratado na televisão e a
realidade. Os peritos criminais se deparam diariamente com um
sistema muito mais complexo e demorado do que as histórias
“romantizadas” apresentadas na televisão. A análise de uma cena
de crime pode possuir vários interferentes, relacionados ou não
à ocorrência, que acabam atrasando e dificultando a sua resolução.
Diversos vestígios podem ser encontrados em uma cena de crime,
porém nem sempre mais vestígios significam um trabalho mais
simples para a perícia. O perito pode encontrar vestígios biológicos, como sêmen, sangue e saliva; físicos, como estruturas de vidro, tinta, solo e projéteis; digitais, como gravações, dados extraídos de celulares e computadores, entre outros. A análise de cada
um exige a aplicação de técnicas específicas e o envolvimento de
uma gama de profissionais multidisciplinares com formação em
áreas como química, engenharia, medicina, física, computação e
biologia.
As séries de TV também passam a impressão de que os laboratórios forenses estão equipados com instrumentos de ponta,
além de possuírem uma equipe altamente qualificada e dinheiro
de sobra para fazer tudo o que for necessário para solucionar um
crime. Em 2005, Josh Marquis, procurador do distrito de Oregon,
nos EUA, afirmou à CBS News que “os jurados esperam que a gente
8 | Revista Polyteck | polyteck.com.br
faça um teste de DNA para todos os casos. Eles querem que a gente
tenha a tecnologia mais avançada possível, e querem que isso se
pareça com o que acontece na televisão”. Embora os peritos não
tenham à sua disposição todas as ferramentas de alta tecnologia
utilizadas pelas equipes da série de televisão (algumas delas nem
existem no momento), os cientistas forenses trabalham sim com
tecnologias avançadas que têm se tornado cada vez mais sofisticadas, rápidas e precisas.
As técnicas aplicadas por Holmes são rudimentares quando
comparadas aos métodos atuais justamente porque foi somente
no final do século XIX, com a descoberta das impressões digitais,
que as investigações criminais começaram a tomar a forma que
conhecemos hoje. A descoberta dos grupos ABO por Landesteiner
ocorreu em 1900 e a estrutura do DNA em 1953 por Watson e
Crick. Apesar de o detetive britânico obviamente não ter como
utilizar essas técnicas antes de serem inventadas, o método investigativo da personagem ainda é aplicado nas ciências forenses apenas de maneira menos romantizada que nos contos de Doyle.
Para desmistificar a atuação dos cientistas forenses é preciso
começar com alguns conceitos básicos, fazendo a distinção entre
vestígio, evidência e indício - conceitos que nem sempre estão
claros para os fãs de seriados policiais. Um vestígio é qualquer
marca, objeto ou sinal sensível que possa ter relação com o fato
investigado, e subentende a existência de um agente causador e
um local apropriado para se materializar. Um vestígio passará a
ser tratado como uma evidência caso se mostre diretamente relacionado à investigação após a análise por um perito. Portanto,
de maneira geral, o perito criminal trabalha para transformar
vestígios em evidências. Já a palavra indício é definida para a fase
processual e engloba, além dos elementos materiais de que trata
a perícia, outros de natureza subjetiva. De acordo com o artigo
239 do Código de Processo Penal:
Art. 239 (CPP) – Considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução,
concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias.
A subjetividade deve sempre dar lugar à objetividade na
ciência forense, por isso é necessário garantir critérios objetivos,
empiricamente comprováveis e independentes da boa-fé e lisura
“A chave de todas as ciências é
inegavelmente o ponto de interrogação.”
Honoré de Balzac
dos policiais. Por isso, um cuidado necessário e justificado é a
garantia da cadeia de custódia: deve-se impedir a manipulação
indevida da prova com o propósito de incriminar ou isentar alguém, e deve ser definido um procedimento que garanta e acredite
a prova independente de qualquer fator subjetivo que envolva os
policiais que atenderam a ocorrência. Somente o perito possui fé
pública para garantir e acreditar a procedência de qualquer material coletado. Por exemplo, se um policial entregar estojos de
arma de fogo a um perito, afirmando que os mesmos estavam na
cena do crime, eles não poderão ser utilizados na investigação, pois
a cadeia de custódia foi quebrada pelo policial que os recolheu.
Uma das funções do perito criminal, e a que mais é mostrada em seriados, é a análise do local de crime. Num primeiro
momento o isolamento do local é realizado pela Polícia Militar.
Em seguida, o perito entra em cena para averiguar vestígios encontrados no local que possam ajudar a compreender a situação
da ocorrência. Por exemplo, no caso de encontro de cadáver é
necessário analisar fatores como a posição em que o corpo foi encontrado, o desalinhamento das vestes, a presença ou não de lesões
perfuro-cortantes ou perfuro-contusas, se no local há sangue ou
objetos que possam ter sido utilizados como armas, o estado de
conservação do corpo, a presença de larvas de insetos, possíveis
traços de luta corporal no local, entre outros. Além disso, caso
seja constatado crime contra pessoa, ainda é necessário recolher
determinados materiais, como amostras biológicas e físicas. Já dá
para perceber que a quantidade de fatores que precisam ser analisados é bem grande. Com isso, as fotos e amostras são enviados
para análise laboratorial, e define-se quais vestígios estão ligados
ao crime, transformando-os em evidências. Finalmente, caracteriza-se o corpo de delito que, apesar de para o Código de Processo
Penal se referir apenas ao corpo humano, para a criminalística é
o objeto chave da cena do crime, sem o qual a ocorrência se descaracteriza, tornando o crime, em alguns casos, inexistente. Os
peritos então fornecem laudos que são utilizados pela Polícia Civil
durante a investigação.
Outra característica muito importante das ciências forenses
é a aplicação do método científico para o teste de hipóteses. Ou
seja, uma hipótese só pode ser aceita se todas as tentativas de invalidá-la fracassarem. Para ilustrar essa metodologia, os peritos
criminais Luiz Grochocki e Alexandre Vrubel do Laboratório de
Computação Forense do Instituto de Criminalística do Paraná
exemplificaram um caso envolvendo pornografia infantil.
Suponha que um vestígio de delito é encontrado em um
celular periciado: um vídeo com cenas de pornografia infantil. O
artigo 241-B do Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece
pena de 1 a 4 anos para o crime de posse de pornografia infantil,
configurado por ter em seu poder foto, vídeo ou qualquer meio
de registro contendo pornografia ou sexo explícito envolvendo
criança ou adolescente. Isso significa que o dono do celular responderá automaticamente por este crime? Bem… Não. E é aqui
que entra o trabalho do perito. Ao encontrar esta evidência, a
hipótese inicial passa a ser de que o suspeito estava em posse de
pornografia infantil, portanto o perito deve trabalhar para excluir
todas as outras hipóteses. Será que este material não foi “plantado” no celular, com o objetivo de incriminar o suspeito? O celular
teria capacidade técnica para reproduzir o vídeo? Qual a origem
do material e há quanto tempo ele está no aparelho? Foi compartilhado? Houve intenção do suspeito possuir aquele material?
A análise pericial pode concluir, por exemplo, que apesar
de estar em posse de pornografia infantil, o suspeito não teve intenção de possuir aquele material. O laudo é então encaminhado
ao delegado que, com base em outras circunstâncias objetivas e
subjetivas, decidirá se indicia ou não o suspeito e, caso ele seja
indiciado, o juiz poderá decidir pela absolvição ou condenação.
O inverso também vale. Imagine uma situação onde um
delegado encaminha um computador de um suspeito de posse
de pornografia infantil para perícia. Em uma análise superficial,
o perito pode não encontrar nenhum vestígio. Então a hipótese
inicial é de que o suspeito não possui tal material. A partir disto o
perito deve trabalhar para desconstruir esta hipótese. Por exemplo,
foi utilizado algum tipo de criptografia para proteger arquivos?
Algum arquivo foi deletado recentemente com objetivo de esconder vestígios? O computador foi formatado?
Se ao testar todas as outras possibilidades as evidências e
os indícios sustentarem a hipótese inicial, o perito conclui pela
ausência de indícios de pornografia infantil no computador periciado. Se ao testar outra possibilidade o perito encontrar vestígios
do crime, o laudo poderá apontar que o suspeito estava sim em
posse de pornografia infantil e que teve intenção de camuflá-la
em seu computador.
Um perito precisa sempre questionar suas assunções e utilizar o método científico para validar e garantir a sua hipótese,
evitando assim conclusões precipitadas ou fracamente embasadas.
O que faz da perícia criminal uma ciência é justamente o fato de
que deve-se sempre levantar dúvidas sobre as hipóteses trabalhadas. Os cursos superiores de ciência, tecnologia, engenharia e
matemática ensinam seus estudantes a trabalhar com o método
científico, e por isso acabam formando bons profissionais para
atuação na área forense. Elaborar, questionar e testar hipóteses
só se aprende com o estudo das ciências. Contudo, os professores
precisam ensinar mais do que a resolução de problemas de física,
química e matemática. Os estudantes devem aprender a questionar
se a resposta encontrada faz sentido, exatamente como Sherlock
Holmes em suas histórias: por mais óbvia que uma hipótese possa
parecer a princípio, o detetive sempre procura desconstruir seus
preconceitos e analisar todos os vestígios antes de formar uma
opinião sobre o caso. Investindo no ensino do método científico,
pode ser que no futuro os seriados policiais até deixem de fazer
sucesso, pois os espectadores poderiam chegar à solução dos crimes antes mesmo das personagens.
polyteck.com.br | Revista Polyteck | 9
Técnica e metodologia para
detecção de substâncias ilegais
Por André Sionek e Mirian Krystel Siqueira
R
eino Unido, final do século XIX. Sherlock Holmes faz
uso de ópio e tabaco, além de
cocaína e morfina em suas formas injetáveis nos seus momentos de ócio
ou em algum caso que exija muito
raciocínio. Nenhum problema nisso,
pois na época o uso dessas drogas era
legalizado. Mas nos dias de hoje, o
que um perito da Scotland Yard teria
que fazer para provar que uma substância suspeita encontrada em 221B
Baker Street é realmente uma droga
ilícita?
Uma substância suspeita apreendida no local da ocorrência é enviada para o laboratório de química
forense. Nele pode ser feita a pesquisa por drogas lícitas e ilícitas, venenos, agrotóxicos, acelerantes e resíduos de incêndios, explosivos, doping,
resíduos de disparos de arma de fogo,
combustíveis, tintas e fibras. Um perito químico aplica conhecimentos
das mais diversas áreas - como analítica, orgânica e físico-química - para
o teste de substâncias e elaboração de
laudos. Entretanto a química forense
não se limita ao trabalho de laboratório, pois o perito criminal pode utilizar algumas técnicas químicas para
procurar e testar vestígios na cena
de crime. Um exemplo é a busca por
traços de sangue utilizando luminol
(C8H7N3O2), um composto que apresenta quimioluminescência quando
misturado com um agente oxidante apropriado - como o ferro presente na hemoglobina. Se houver traços
de sangue na cena do crime, a reação
de oxidação ocorre e o luminol emite uma luz azulada que pode ser registrada com uma fotografia de longa
exposição.
A pesquisa por drogas ilícitas é rotina entre os profissionais deste campo. O Laboratório de
Química Forense do Instituto de
Criminalística do Paraná elabora
1.600 laudos por mês, sendo a maioria relacionada a substâncias proibidas. Ao receber um requerimento de
teste para substância suspeita, o perito primeiro utiliza métodos colorimétricos baseados em reações químicas
para detectar a presença ou ausência de determinado composto numa
amostra. Os resultados podem ser interpretados a olho nu.
Em seguida, o perito emprega a
técnica de cromatografia de camada
delgada (CCD) - que é utilizada para
10 | Revista Polyteck | polyteck.com.br
separar diferentes moléculas em uma
mistura. A CCD é realizada sobre
uma folha de alumínio revestida com
uma fina camada de material adsorvente (geralmente sílica-gel), chamada de fase estacionária. Depois que a
amostra é aplicada sobre a placa, um
solvente ou mistura de solventes, chamada de fase móvel, é permeada pela
placa através de ação capilar. Durante
a corrida, as moléculas que possuem
mais afinidade com a fase estacionária são retidas por mais tempo do
que as moléculas que têm mais afinidade com o solvente. Isso resulta em
distâncias diferentes para cada componente da amostra. Então um revelador é aplicado à placa de cromatografia para que os compostos deixem
marcas visíveis.
A distância do ponto de aplicação da amostra até o ponto onde a
molécula foi carregada pela fase móvel é comparada com alguns padrões,
que podem tanto ser as drogas testadas quanto os seus contaminantes
mais usuais, como a lidocaína (um
anestésico de uso controlado) e o tetramizole (um anti-helmíntico de uso
veterinário). Para certificar o resultado, uma mesma amostra passa por
dois testes de CCD com fases móveis
distintas. Geralmente esses testes são
suficientes para provar a presença de
substâncias ilícitas em uma evidência.
Caso uma amostra dê resultados
negativos para as substâncias investigadas na CCD, ela ainda passa para
uma etapa de cromatografia mais específica. O mesmo ocorre com amostras voláteis, venenos e agrotóxicos
que não possam ser testados na CCD.
Nesta etapa a cromatografia gasosa é
frequentemente empregada pelos peritos criminais. O método consiste na
vaporização de amostras líquidas seguida pela sua injeção em uma corrente de gás inerte, que atuará como
gás de arraste. A amostra é então carregada por uma coluna com fase estacionária não volátil. Da mesma forma
que na CCD, as substâncias que têm
a maior interação com a fase estacionária são retidas por mais tempo e,
portanto, separadas daquelas de menor interação. À medida que as substâncias saem da coluna, podem ser
quantificadas por um detector e/ou tomadas para outra análise - como a espectrometria de massas. O cromatograma mostra os picos de intensidade
de moléculas detectadas em relação
ao tempo que cada molécula demora
para correr a coluna.
Na espectrometria de massas as
moléculas orgânicas são fragmentadas, ionizadas, separadas em função
de sua relação carga/massa e então
detectadas e quantificadas. O espectro de massas da amostra é então
comparado a uma biblioteca padrão,
onde pode-se verificar a sua composição com altíssima precisão. Como
esta técnica só detecta moléculas orgânicas, um resultado que indique
um único pico de cocaína, por exemplo, não quer dizer que a droga em
questão é puríssima, pois ela pode estar misturada com inorgânicos como
o cloreto de sódio e carbonato de
cálcio. Essa técnica também permite
determinar a origem dos entorpecentes através da análise das impurezas
contidas no produto, culminando na
criação de um panorama da sua origem geográfica que pode auxiliar as
investigações.
Técnicas complementares como
Espectroscopia de Infravermelho
por Transformada de Fourier (FTIR)
e Cromatografia Líquida de Alta
Eficiência (HPLC) também podem
ser utilizadas pelos peritos químicos
dependendo da situação. Tudo nos
leva a crer que se aquela substância
encontrada em 221B Baker Street fosse realmente ilícita, Sherlock Holmes
não teria chances de contra argumentar com um juiz: as análises em química forense são extremamente precisas e exatas.
Na cromatografia de camada
delgada (CCD) uma mistura
é aplicada à linha base de
uma placa de sílica-gel (fase
estacionária), que é então
colocada em um recipiente
com solvente (fase móvel),
que permeia pela placa através
de ação capilar. Conforme o
solvente se move pela placa as
misturas começam a se separar.
As moléculas que possuem mais
afinidade com a fase estacionária
são retidas por mais tempo do
que as moléculas que têm mais
afinidade com o solvente. Isso
resulta em distâncias diferentes
para cada componente da
amostra. Um revelador é
aplicado para que as substâncias
deixem marcas visíveis.
A distância do ponto de
aplicação da amostra até o
ponto onde a molécula foi
carregada pela fase móvel é
comparada com um padrão para
confirmar ou não a presença
de determinada substância na
amostra testada.
No desenho ao lado está
demonstrada a CCD de duas
amostras (azul e amarelo escuro),
com o objetivo de procurar pela
presença da substância magenta.
Após a permeação do solvente
a amostra azul separou-se em
duas componentes, uma ciano
e outra magenta. Já a amostra
amarelo escuro separou-se nas
componentes amarelo e cinza. Ao
comparar a distância percorrida
pelas componentes das amostras
com o padrão magenta, podemos
concluir que a amostra azul
deu positivo para magenta e a
amostra amarelo escuro deu
negativo.
polyteck.com.br | Revista Polyteck | 11
Por André Sionek
Audio and Video
FORENSICS
A
nother field of interest for forensics is audio and
video analysis. Mostly related to crimes such as robbery, agression and pedophilia, the investigator
works to verify the existence of a crime, to identify people,
objects (cars, guns, clothes, etc) and sounds that were recorded, as well as compare speakers and look for image and video
adulteration.
One important issue is the measurement of sizes, distances and speeds from videos or pictures. Imagine that a car
accident with a fatal victim was recorded by a fixed camera.
If the driver ran away from the scene, the forensic investigator may be asked to state the car’s speed. The best method
for doing this is going to the location with a template and
then overlap the template image to the accident image. Then
you know exactly how many pixels are present in 10 cm, for
instance. If the camera was moved since the accident, the investigator may still measure distances using only one image.
A known object on the scene has to be measured then, considering the scene perspective and lens distortion, it’s possible to estimate other distances and objects measures. After
determining the distance between two points, it’s possible to
count the number of frames that the car took to reach from
one point to another. Knowing the frame rate, the investigator has distance and time, thus speed.
Some TV series may lead us to think that there is an automated program that does facial recognition, but it’s not like
that in real life. Such programs are rather used when there is
a small limited number of suspects since, when comparing
against a large number of suspects, there can be lot false matches which are of no use for the investigation. This recognition
is usually done by actual physical charachteristics, birthmarks,
scars and face geometry. But all these methods have no use if
the image/video resolution is too low, the action was distant
from the camera or if the file was overly compressed.
12 | Revista Polyteck | polyteck.com.br
F
orensic engineering is the investigation of materials,
products, structures or components that fail or do not
operate or function as intended, causing personal injury or damage to property. It investigates a wide range of
crimes such as: explosions of ATM machines, adulterated
credit card machines, fires and building collapses. Generally,
the purpose of a forensic engineering investigation is to determine the cause or causes of failure to assist a court in determining the facts of an accident.
The process of investigating and collecting data related
to the materials, products, structures or components which have failed is vital to forensic engineering. This involves
inspections, collecting evidence, measurements, developing
models and performing experiments. Often testing and measurements are conducted in an independent and reputable
unbiased laboratory.
If the occurrence is related to a fire, the forensic investigator has to determine its causes. The first step is to eliminate
natural or non-human possible causes such as short circuits,
atmospheric discharges or self-ignition. The investigator Jorge
Perito de Bem, from Instituto de Criminalística do Paraná,
says that most fires are caused by human action, but it’s not
always possible to prove deceit - the intention to commit a
crime. That hapens because fires are higly destructive and almost all evidences are lost, destroyed by the action of fireman
trying to extinguish the fire, or… burned.
Por Raisa Jakubiak
E
ntende-se por arma todo objeto que tem como característica aumentar a capacidade de
ataque ou defesa de uma pessoa. Elas
podem ser caracterizadas como armas próprias, objetos criados com a
finalidade de serem utilizados como
arma, ou armas impróprias, que são
objetos criados com outras finalidades, mas que podem ser utilizados
como armas, como foices, machados, etc.
São de interesse do campo da
balística forense as armas chamadas perfuro-contundentes, ou seja,
aquelas capazes de causar ao mesmo tempo perfuração e ruptura de
tecido, com ou sem lacerações e esmagamento. Segundo Francisco da
Silva Martins, perito criminal da
Polícia Científica do Paraná, o laboratório de balística do Instituto de
Criminalística recebe constantemente armas próprias e impróprias com o
fim de analisar a compatibilidade entre elas e as lesões perfuro-cortantes
ou perfuro-contusas encontradas em
uma vítima.
Para poder reconstituir a cena
de um crime envolvendo arma de
fogo, por exemplo, é do interesse da
perícia tanto estabelecer a dinâmica
da cena, como as posições dos atiradores e da vítima, quanto identificar
as munições e as armas envolvidas.
Para isso, é necessário um conhecimento técnico tanto das características das armas de fogo quanto da dinâmica de seu funcionamento.
De maneira geral, uma arma de
fogo é um aparato capaz de disparar
projéteis em alta velocidade através
da expansão violenta dos gases gerados pela combustão da pólvora, o
material detonante presente no estojo. As armas de fogo são classificadas
de acordo com suas características,
tais como o comprimento, sistema
de funcionamento, acionamento, entre outras. Um dos critérios as separa
entre armas curtas (revólver e pistola)
e armas longas (como rifle, fuzil de
assalto, metralhadora, espingarda).
Apesar de acontecer numa fração de segundo, o disparo pode ser
dividido em uma sequência de ações
que deixam vestígios. Ao pressionar o gatilho, o atirador libera o mecanismo de percussão, que faz com
que o percussor golpeie a espoleta.
Isso gera uma forte compressão entre
estas duas partes metálicas, forçando a detonação da carga da espoleta. Devido ao golpe, o percussor deixa uma marca característica na base
da espoleta que pode ser analisada
caso o estojo seja encontrado. A labareda produzida pela detonação da
carga percussora induz a combustão
da pólvora no estojo através de um
processo chamado deflagração, que é
a combustão subsônica por transferência de calor. Neste caso, um material em combustão transfere calor
para outros pontos e induz sua ignição, iniciando uma reação em cadeia
uniformemente acelerada. Diferente
de uma detonação, uma substância
À medida que o projétil avança, ele
é forçado a se ajustar às raias do
cano, induzindo um movimento
de rotação que é de extrema
importância para a estabilidade e o
alcance. Este processo deixa marcas
únicas no projétil. O número de
raias, a inclinação, sentido de giro
e profundidade variam de acordo
com o fabricante. Além disso, cada
arma tem um raiamento único,
que funciona como uma impressão
digital da arma.
Ao pressionar o gatilho o mecanismo
de percussão golpeia a espoleta,
forçando a detonação da sua carga.
O percussor deixa uma marca
característica na base da espoleta
que pode ser analisada caso o estojo
seja encontrado.
polyteck.com.br | Revista Polyteck | 13
projétil
estojo
pólvora
espoleta
marcas da
culatra
marcas de
percussão
Cápsulas de munição percutidas pela
mesma arma. Em destaque as marcas
promovidas pelo percutor e pela culatra.
Fonte: Revista Perícia Federal, Set/Out 2003
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que deflagra queima muito rápido ao
invés de explodir. Esta queima gera
gases que excercem uma grande pressão no interior do cartucho, fazendo
com que ele dilate e libere o projétil,
que é impulsionado através do cano.
O cano não é apenas responsável pelo
aumento de energia cinética do projétil, mas também pelo direcionamento do mesmo, tanto que o sistema de
pontaria está localizado acima ele.
Após uma curta fase de voo livre na parte anterior do cano, o projétil se encontra com o raiamento do
mesmo. A alta pressão exercida pelos
gases na parede do cano faz com que
mais pólvora seja queimada e a pressão aumente ainda mais. Desta maneira, o projétil é forçado a se ajustar
às raias, induzindo um movimento
de rotação sobre o próprio eixo longitudinal e, no momento em que a
pressão atinge o ponto de máximo,
o estojo é forçado para trás (isso não
acontece em revólveres, por exemplo,
onde o estojo permanece na câmara). Uma parcela dos gases liberados
na combustão é empurrada para trás
por ação e reação, podendo ser utilizada ou não no mecanismo de recarregamento, dependendo do tipo de
arma. À medida que o projétil avança no cano, ele ganha tanto velocidade linear quanto momento angular, o
que é de extrema importância para a
estabilidade e o alcance. Este processo deixa marcas únicas no projétil. O
número de raias, a inclinação, sentido de giro e profundidade variam de
acordo com o fabricante. Além disso,
cada arma tem um raiamento único, que funciona como uma impressão digital da arma. Este é o fator que
permite o confronto balístico, que é
a comparação entre as marcas deixadas pelo raiamento do cano nos projéteis disparados pela arma suspeita e
as dos projéteis encontrados na cena
de crime. É interessante notar que a
espingarda, ao contrário de outras armas longas, não possui alma raiada,
fator fundamental numa investigação
de balística forense.
O projétil atinge sua velocidade máxima quando chega à boca
do cano, ainda acelerado sob a ação
de parte dos gases. Ao penetrar nas
14 | Revista Polyteck | polyteck.com.br
camadas de ar do ambiente, o projétil
e os gases rompem a barreira do som,
daí o estampido característico gerado
pelo disparo de arma de fogo. Como
a pólvora ainda está em combustão,
também é possível notar a presença de labareda. Esta ação deixa resíduos de chumbo, bário e antimônio
e particulados de pólvora nas mãos
do atirador, que podem ser coletados e analisados por produtos químicos reveladores como o rodizionato
de sódio para saber se a pessoa atirou
ou não dentro de um período curto de tempo. Já as técnicas mais modernas de detecção destas substâncias
envolvem coleta de material da mão
do suspeito seguida de análise de microscopia eletrônica de varredura.
Finalmente, ao deixar o cano a pressão na câmara diminui rapidamente e o estojo recupera suas dimensões
originais. No caso de uma pistola, por
exemplo, os gases que voltam para a
parte anterior do cano atuam sobre
o ferrolho, empurrando-o para trás e
fazendo com que o extrator ejete o estojo. Neste momento, o extrator também deixa uma marca única no estojo que pode ser alvo de comparação
da perícia.
Uma vez fora do cano, o projétil
sofre a ação de outras forças. A inércia faz com que tanto a velocidade
linear quanto o momento angular se
mantenham, compensando eventuais
diferenças em seu centro de gravidade que poderiam desviar sua trajetória. No entanto, a gravidade faz com
que o projétil perca altura (muitos canos têm uma ligeira inclinação para
compensar esta ação), e a resistência
do ar contribui para a sua desaceleração. Ao atingir o alvo, o projétil pode
tanto perfura-lo, ser detido e sofrer
deformações ou ambos. Este estado final dependerá tanto do stopping
power, do poder perfurante e do tipo
de munição utilizada quanto da composição do anteparo, implicando em
uma colisão mais ou menos elástica.
Finalmente, quando o projétil para
totalmente encerra-se o processo balístico. Por isso é necessário que o perito tenha conhecimentos sólidos de
diversos tipos de armas e munição,
além da dinâmica do disparo, pois
cada arma e cada munição tem suas
próprias características que influem
diretamente na velocidade, trajetória
e poder destrutivo do disparo.
Conhecendo estas características, o perito de plantão faz um croqui do local de crime para analisar a
dinâmica do fato ocorrido. Quando
o laboratório de balística recebe projéteis e estojos recolhidos em local de
crime, os peritos são capazes de avaliar o calibre da munição e, quando
há uma arma suspeita, pode-se efetuar o confronto balístico. Para isso, é
necessário que sejam efetuados disparos com a arma suspeita para produzir um projétil padrão, que será
utilizado como fator de comparação.
Para que não haja deformação no
projétil padrão, os disparos em laboratório são efetuados em tanques
de água ou túneis com algodão. Em
seguida, o perito leva tanto os projéteis encontrados no local quanto os
padrão para análise de microscopia
óptica, procurando por características similares nos padrões imprimidos pelas raias durante o disparo.
Quando a equipe da Polyteck visitou o Laboratório de Balística do IC,
por exemplo, os peritos estavam realizando já há três dias o confronto balístico num caso onde diversos
projéteis de várias armas diferentes
haviam sido encontrados no local de
crime. O tipo e o calibre das armas
já haviam sido identificados, mas a
dificuldade principal era que alguns
projéteis estavam muito deformados,
tornando difícil a identificação dos
padrões de raiamento de cada cano.
O confronto balístico é uma técnica demorada e demanda um trabalho minuncioso do perito. Por isso,
muitos países estão investindo em sistemas automatizados que podem facilitar este trabalho. O SISBALA é um
projeto idealizado pela criminalística
da Polícia Federal com o objetivo de
criar um banco de dados responsável
por armazenar as características balísticas das armas criminais em imagens 3D, utilizadas posteriormente em exames periciais. Ele permite
que crimes de diferentes estados da
Federação sejam correlacionados de
maneira automatizada, o que resulta
em sincronia na troca de informações
e agilidade do sistema de consulta, do
confronto balístico e do processo criminal. Os primeiros testes no sistema
estão sendo realizados pelo Instituto
Nacional de Criminalística da Polícia
Federal. De acordo com o Instituto
Geral de Perícias do Rio Grande do
Sul, a expectativa é que em 10 anos
o Brasil esteja totalmente integrado
para a consulta em todos os estados,
com laudos e exames padronizados,
tornando muito mais rápido e ágil o
confronto balístico.
Agradecimento ao 2º Tenente Vergílio
Requi Nunes da PMPR pela revisão
polyteck.com.br | Revista Polyteck | 15
Genética Forense
5'-3' o sentido da vida
Por Mirian Krystel Siqueira e André Sionek
A
análise de DNA na ciência forense é utilizada para
a identificação de suspeitos ou vítimas em uma
ocorrência. É uma técnica rápida, segura e indiscutível. Fantásticas bases de dados com informações genéticas são alimentadas diariamente em diferentes países, possibilitando o confronto de dados e a identificação de criminosos
que cometeram crimes em diferentes lugares. A análise de
DNA como prova científica também tem caráter irrefutável
perante a corte, pois é uma técnica objetiva e rigidamente
embasada em conceitos científicos.
Desde a descoberta da molécula de DNA em 1953 por
Watson e Crick, muitas aplicações foram desenvolvidas para
o seu uso. Os primeiros métodos de teste de DNA datam do
final da década de 80 e requeriam amostras do tamanho de
uma moeda. Já a técnica atual para identificação de pessoas,
conhecida como DNA fingerprint, é capaz de analisar amostra de alguns nanogramas. Esse método se baseia no fato de
que existem partes no genoma que são altamente variáveis
e, desta maneira, únicas em cada indivíduo.
O DNA fingerprint analisa os short tandem repeats
(STRs), que são sequências curtas de DNA (de 3 a 6 nucleotídeos) aleatoriamente repetidas. Essas regiões não codificam proteínas e são consideradas lixo genômico. Os STRs
estão dispersos em vários loci (local fixo num cromossomo
onde está localizado determinado gene ou marcador genético) no genoma humano e possuem extensão variada.
Geralmente as amostras coletadas nas cenas de crime são
pouco concentradas, então é preciso recorrer a técnicas de
biologia molecular para amplificação do DNA, como a PCR
(polymerase chain reaction), para obter uma concentração
da amostra que possibilite a análise.
Os primers utilizados na reação de PCR são marcados
com fluoróforos de diferentes cores de maneira que, para
cada locus analisado, um padrão característico de cor será
apresentado. Os resultados são exibidos em um eletroferograma - um gráfico que mostra os resultados de separação
feita por eletroforese, relacionando o peso molecular com
a intensidade da fluorescência. Se um indivíduo herda genes idênticos dos seus pais, ele é chamado de homozigoto.
Se o gene herdado da mãe é diferente do gene do pai, ele é
chamado de heterozigoto. Então os indivíduos homozigotos apresentarão apenas um único pico no perfil do gráfico gerado, diferentemente de indivíduos heterozigotos que
apresentarão dois picos (um para cada gene). Quando se
16 | Revista Polyteck | polyteck.com.br
analisa um conjunto de loci em um genoma, a probabilidade
de duas pessoas possuírem o mesmo resultado para todas
as regiões analisadas é muito pequena, a não ser que sejam
gêmeos homozigotos.
O FBI (Federal Bureau of Investigation) desenvolveu
um sistema usando 13 loci de STRs para a identificação de
pessoas. A combinação desses 13 loci analisados é incorporada em um sistema chamado CODIS (Combined DNA
Index System), onde estão datados todos os alelos possíveis
para cada locus. Uma importante característica desse sistema é que cada um dos 13 loci está disposto em um cromossomo, garantindo a cobertura de grande parte do genoma.
Quando analisados os 13 conjuntos de dados no CODIS,
a probabilidade de duas pessoas aleatórias apresentarem o
mesmo resultado é de uma em 10 bilhões.
Por causa da precisão desta técnica, a perícia forense
passou a adotar o DNA fingerprint como metodologia de
confronto genético entre amostras de DNA encontradas em
cenas de crime e amostras de suspeitos. Desde 1980, quando o DNA fingerprint começou a ser amplamente utilizado
em ciência forense, diversos casos de estupros e homicídios
foram solucionados e os suspeitos condenados. A técnica
é normalmente utilizada para confirmar se o suspeito em
questão estava ou não na cena de crime. Assim, a amostra
de DNA (sangue, sêmen, cabelo, ou outra amostra biológica) presente na cena de crime é analisada e o perfil genético
gerado é confrontado com os dos suspeitos. O match entre
as duas amostras é evidência suficiente para inferir que o
suspeito esteve presente no local.
Além de auxiliar na solução de crimes, os STRs também
são uma importante ferramenta em investigações de paternidade e na identificação de restos humanos. Em setembro
de 2001, a terrível catástrofe que culminou no colapso do
World Trade Center (WTC), em Nova Iorque, vitimou mais
de 2.700 pessoas. Imediatamente após o evento, diversos
cientistas forenses começaram a trabalhar na identificação
das vítimas. Ao todo, mais de 20.000 restos humanos foram
encontrados, desde corpos inteiros até pequenos fragmentos de ossos. A maioria das identificações foram realizadas
através do DNA fingerprint. As amostras foram amplificadas
por PCR devido à baixa concentração de DNA disponível e
confrontadas com amostras enviadas pelos familiares.
Além da análise autossômica dos STRs, o cromossomo Y e o DNA mitocondrial também podem ser utilizados
. . . G T T C A A C C AT C CAT C CAT GGCCAT ...
. . . G T T C A A C C AT C CAT C CAT C CATGGCCAT ...
. . . G T T C A A C C AT C CAT C CAT C CATCCATGGCCAT ...
. . . G T T C A A C C AT C CAT C CAT C CATCCATCCATGGCCAT ...
em casos de paternidade e de linhagens genealógicas, por
serem conservados entre diversas gerações.
No caso do WTC, as amostras que estavam com o DNA
degradado e não puderam ter os STRs identificados de forma
satisfatória foram submetidas a análise de DNA mitocondrial, uma vez que a quantidade de mitocôndrias no interior
de uma célula é muito superior à quantidade de DNA celular, pois cada célula pode apresentar diversas mitocôndrias.
Porém apenas a comparação do DNA mitocondrial das vítimas e de seus parentais maternos não é suficiente para a
identificação, por isso os peritos combinaram os STRs que
puderam ser identificados com o DNA mitocondrial da amostra. Dessa forma, das 2.753 certidões de óbito relacionadas
aos ataques terroristas, 1.588 (58%) foram identificadas com
técnicas forenses a partir dos restos humanos recuperados.
A perita criminal Maria Christina Marini, do Instituto
de Criminalística do Paraná, relatou-nos um caso emblemático de estupro que foi solucionado graças à análise dos
STRs e do cromossomo Y. O delegado tinha sob custódia
um suspeito confesso de estupro, porém a análise dos STRs
acabou por excluí-lo como autor do crime. O procedimento
padrão neste caso é repetir toda a análise para garantir que
não houve nenhum erro no procedimento. Novamente o
confronto do material genético apontou para a exclusão do
suspeito. O resultado é conclusivo: o suspeito não é o autor
do crime. Mas por que um suspeito assumiria a autoria de
um crime que não cometeu? Foi isso que levou o delegado
a acreditar que o suspeito estava tentando proteger o verdadeiro culpado. A perita confrontou então as amostras para
o cromossomo Y, o que resultou em match entre o suspeito
e o sêmen encontrado na vítima. Isso significa que algum
parente paterno do suspeito foi o autor do crime, pois o
cromossomo Y é herdado de forma patrilínea, ou seja, entre
pai e filho ao longo das gerações. Ao aprofundar as investigações, o delegado descobriu que o pai estava acobertando
o crime cometido pelo filho.
As notícias e os seriados retratam a solução de casos
com o uso de tecnologia forense avançada, o que induz as
pessoas a acreditarem que quanto mais evidências coletadas, mais simples será a solução do crime. A realidade é
que muitos laboratórios sofrem para conseguir atender a
crescente demanda, seja por falta de profissionais, equipamentos ou consumíveis necessários para realizar as análises. Por exemplo, o Laboratório de Genética Forense do
Um STR (short tandem
repeat) consiste em
unidades de três a seis
nucleotídeos repetidos
centenas de vezes em
sequência em uma fita
de DNA.
Instituto de Criminalística do Paraná atende todo o estado,
mas consegue elaborar em média apenas 15 laudos por mês.
Segundo a Secretaria de Segurança Pública do estado, em
2015 foram 2.416 casos de homicídio doloso, uma média
de 201 homicídios por mês. Ainda temos que adicionar os
casos de estupro e reconhecimento de vítimas de tragédias
que também são atendidos pelo Laboratório de Genética. Só
com esses números já podemos perceber que a quantidade
de material para análise excede a capacidade de entrega do
laboratório, mesmo sabendo que muitos casos não precisam
de um laudo para o indiciamento dos suspeitos. Seja para
a convicção ou não de suspeitos, ou para a identificação de
vítimas em crimes, acidentes e desastres - embora nem sempre possa ser utilizada em seu completo potencial devido às
limitações orçamentárias, de pessoal, ou alta demanda - a
análise de DNA é uma técnica rápida, segura, indiscutível
e fundamental para a ciência forense.
Um eletroferograma plota os resultados de separação
feita por eletroforese. Esses gráficos são usualmente
obtidos com a utilização de um instrumento como
um sequênciador automático de DNA. Ele pode ser
utilizado para determinar genótipos em sequências
de DNA ou genótipos baseados no comprimento
de fragmentos de DNA específicos, como os STRs.
Confrontando o eletroferograma de um suspeito com o
do material coletado na cena de crime é possível inferir
se o suspeito esteve ou não presente no local.
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Sobre os autores
Para saber mais
Ciências Forenses
•
Mirian Krystel de Siqueira
é estudante de Biomedicina pela
Universidade Tuiuti do Paraná e
atualmente realiza iniciação científica
no laboratório de Virologia Molecular
da FioCruz/PR. Cursou graduação
sanduíche pelo programa Ciência sem
Fronteiras na Rowan University, Nova
Jersey, EUA. Pelo mesmo programa,
foi summer intern no Departamento de
Crime Scene Investigation (CSI) na Maryland State Police. Além
disso, foi estagiária do Laboratório de Química Legal e Sexologia
Forense no Instituto Médico Legal de Curitiba.
Max M. Houck, "CSI: Reality" , Scientific American 295, 84 - 89 (2006)
• Agradecimento ao Dr. Daniel Felipetto, diretor do Instituto de
Criminalística do Paraná e aos peritos dos laboratórios de Balística,
Engenharia, Computação, Genética, Química, Acidentes de Trânsito e
Perícias Audiovisuais.
Química Forense
• L. Mota, P. B. Di Vitta, "Química Forense: Utilizando métodos
analíticos em favor do poder judiciário", Revista Acadêmica Oswaldo
Cruz, n.1, p. 1-11 (2014)
• W. Romão et al., "Química Forense: Perspectivas sobre novos métodos
analíticos aplicados à documentoscopia, balística e drogas de abuso.",
Química Nova, v.34, n.10, p.1717-1728 (2011)
Audiovisual
• D. Danaher, J. Ball, M. Kittel, " White Paper: Digital Photograph Use
in Forensic Accident Reconstruction", Veritech Consulting Engineering
Raisa Jakubiak é diretora de
redação da Revista Polyteck. Bacharela
em Física pela Universidade Federal
do Paraná, foi bolsista de iniciação
científica no Group of Optoloectronic
Organic Devices (GOOD), na UFPR,
onde trabalhou no desenvolvimento
de memórias orgânicas voláteis e
aprendeu sobre a construção de
transístores. Também trabalhou no
LITS, na caracterização de um protótipo de lab-on-a-chip capaz
de diagnosticar várias doenças com poucas gotas de sangue.
Apaixonada por ciência desde o berço, acha que o segredo para
quem quer mudar o mundo é nunca parar de aprender. Trabalha
na Polyteck para continuar aprendendo, e porque acha que
faltam meios de comunicação feitos por quem vive a ciência no
seu dia a dia.
André Sionek é diretor executivo
da revista Polyteck e (finalmente)
está concluindo bacharelado em física
na Universidade Federal do Paraná.
Foi bolsista de iniciação científica no
Laboratório de Inovação e Tecnologia
em Sensores (LITS), na UFPR, no
desenvolvimento de um teste lab-on-achip para diagnóstico pré-natal. Cursou
graduação sanduíche na University of
Pennsylvania, nos EUA, pelo programa
Ciência Sem Fronteiras.
Revista Polyteck - Edição 16 | Abril / Maio 2016
Distribuição gratuita em mais de 80 universidades de todo o Brasil.
Engenharia
• M. Edwards, P. Lewis, "Forensic engineering: Modern methods", The
Open University (2007)
•
R. K. Noon, "Forensic Engineering Investigation", CRC Press (2000)
Balística
•
Armas de Porte – SENASP/ Ministério da Justiça
•
Guia de Operações Militares
•
POLITEC: Perícia Oficial e Identificação e Técnica
Genética Forense
• M. A. Jobling; P. Gill, "Encoded Evidence: DNA in Forensic Analysis.",
Nature Reviews Genetics, v.5, p.739-752 (2004)
• M. Kayser, P. Kniff, "Improving human forensic through advances in
genetics, genomics and molecular biology.", Nature Reviews Genetics, v.12,
p. 179-192 (2011)
• B. Budowle; A. V. Daal, "Forensically relevant SNP classes.", Bio
Techniques, v.44, p. 603-610 (2008)
• K. Norrgard, "Forensics, DNA Fingerprint, and CODIS. Nature
Education", v.1, n.35,p. 1-7 (2008)
• B. A. Pierce, "Genetics: A Conceptual Approach.", 5a ed. New York:
Freeman (2014)
• L. Roewer, "DNA Fingerprint in forensics: past, present, future.",
Investigate Genetics, v.4, n.22, p.1-10 (2013)
• P. Hirschkorn, "Identification of 9/11 remains comes to an end DNA
technology exhausted", CNN (23/02/2005)
Patrocínio
Diretor Executivo: André Sionek
Diretora de Redação: Raisa Requi Jakubiak
Diretor Comercial: Fábio A. S. Rahal
Revisão: Rudolf Eckelberg
Imagens: Shutterstock;
Impressão: Gráfica Exklusiva
Editora Polyteck Ltda - ME
41 3011-6080 / 9269-4372 / 9622-3369
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nos artigos não refletem necessariamente a posição da Editora Polyteck.
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