pictogramas em areia dos índios navajo
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pictogramas em areia dos índios navajo
PICTOGRAMAS EM AREIA DOS ÍNDIOS NAVAJO 1. Antropologia: Sobre um texto de Pierre Déléage (Pesquisador, antropólogo e especialista em história dos povos ameríndios) 2. Palavras-chave: Religião. Ameríndios. Navajo. Tecnologia do conhecimento. Os pictogramas são figuras, imagens, símbolos que representam um sistema primitivo de linguagem dos povos antigos, de cultura neolítica, mas não exclusivamente. Linguagem por imagens, figuradas, relacionadas com um universo mítico e religioso. No caso que expomos aqui, trata-se da cultura dos ameríndios, estudada pelos antropólogos e estudantes de Ciências Sociais em geral; como também observada pelo chamado grande público, ávido de informações alternativas sobre música e religiosidade diferente da qual foi educado. Na verdade, com a globalização e a comunicação em rede, caíram as barreiras do acesso ao conhecimento, inclusive o científico. Pictograma navajo. Religiosidade. Música. Dança. A cultura do chamado “povos primitivos”, especialmente os ameríndios, num estágio cultural dito do neolítico, esta cultura, está associada à religiosidade: com a representação pictográfica, com a música e com a dança, que são formas de manifestação da religiosidade. Bom, tudo isso interessa, encanta também um público de fora da Academia, todas as comunidades do “entorno”, ligadas, acessadas no sistema de comunicação global da internet. Uma rápida busca sobre “música navajo”, por exemplo, dá uma dimensão do interesse sobre a temática de culturas diversificadas pelo grande público, com milhões de acessos na web. Confecção de um pictograma ameríndio. Ameríndios aculturados com “tutores”. Citamos por extenso o texto de Pierre Déléage in “Les peintures de sable navajo comme pictographies”, que para o autor são sistemas de escrita, apesar de que alguns pesquisadores consideram estes povos como “ágrafos”. Ref. Pp. 744 a 764. Todas as cerimônias dos índios Navajos comportam, em pelo menos uma das suas fases sucessivas (são nove fases), uma pintura de areia. Sua existência é conhecida pelos antropólogos desde o fim do século XIX, após a descrição feita por Washington Matthews. Inúmeras reproduções sobre estas cerimônias foram publicadas e toda uma literatura foi consagrada nessa exegese. Conhece-se muito bem seu valor ontológico assim como as complexidades da sua iconografia. Sabe-se também que os navajos não são o único povo do sudoeste americano a utilizar as pinturas de areia: os Apaches e os índios Pueblo conheciam também este gênero de tecnologia ritual. As pinturas de areia são antes de tudo representações de divindades, invocadas ao longo das cerimônias. Os xamãs navajos não as consideram como divindades em si (no sentido de um ídolo que representa o deus), mas como seus “retratos”. Estes retratos têm o poder de atrair, de estar presente dentro do hoghan (camarim), onde se dá a cura do paciente. Alguns xamãs dizem que as divindades adoram se ver nos seus retratos. Durante a cerimônia o paciente é convidado a “entrar” na pintura desenhada na areia, sentar-se nela. O xamã aplica então em algumas partes do corpo do doente a areia proveniente das partes correspondente ao corpo da divindade (retratado na areia). Feito isto ele é identificado à divindade, o que terá por efeito restaurar sua saúde. Mais à frente, Déléage descreve uma das pinturas do ritual navajo do qual ele participou. A pintura é realizada em uma hora e meia pelos assistentes do xamã, no inicio da tarde (au début de l’aprés-midi), depois de uma série de rituais, com a confecção de várias oferendas no camarim destinado ao paciente. Ela representa as quatro grandes montanhas do território navajo, assim como suas contrapartes subterrâneas do Quarto Mundo, onde residem as divindades. Cada montanha é a casa de uma divindade, cada uma com sua porta. E as linhas que levam até a figura central são os caminhos que as divindades percorrem. A figura central varia em função do sexo do paciente: se é mulher o retrato é da Garota Gafanhoto; se homem, o Garoto Pólen. Quando é chamado pelo xamã, o paciente deve entrar no camarim, no hoghan, e caminhar cuidadosamente sobre cada pegada traçada, entrando na pintura da areia. Ele segue os passos do Deus Falante, na pintura, e começa a se identificar com ele. Depois ele se senta sobre a figura central ficando com o rosto voltado para o leste. Nesse momento o xamã começa a cantar, e um dos seus assistentes usando máscara do Deus Falante aparece no hoghan e entra na pintura, tendo o paciente na frente dele, grita no seu ouvido e então senta ao seu lado. No fim do primeiro canto o xamã aplica o pólen sobre certas partes do corpo do paciente, recita uma longa prece, que deve ser progressivamente repetida pelo paciente. Quando a prece acaba, o homem mascarado percorre as quatro montanhas da pintura, tirando de cada uma um pouco de areia, que ele aplica no paciente, gritando muito alto. Em seguida o mascarado deixa o camarim enquanto que o paciente sai da pintura para receber a fumigação do xamã (o tradicional fumo aspirado nas cerimônias dos ameríndios). A pintura é então apagada e a areia reunida para ser dispersa no próprio hoghan. A lógica do cerimonial toma assim a forma de uma série de identificação do paciente com as divindades: globalmente com o Deus Falante (quando o paciente imita a caminhada e repete a prece) e com as quatro divindades das montanhas, Deus Falante e Deus Hoghan, acompanhados de suas respectivas esposas (com a aplicação da areia figuradas nas casas), mas também com a divindade representada pela figura central (ao sentar na pintura). Estrofes de dois cantos cerimoniais, com a conhecida repetição dos versos, podem lançar mais luz sobre a importância dos pictogramas e sua relação terapêutica junto com a música. 1º: Canto da Montanha: Eu caminho com um Deus, eu caminho com um Deus Num lugar sagrado, eu caminho com um Deus Num lugar sagrado, eu caminho com um Deus Sobre Tsísmadsini, eu caminho com um Deus No topo da montanha, eu caminho com um Deus Nos tempos antigos, eu caminho com um Deus Sobre o caminho da beleza, eu caminho com um Deus. (Je marche avec um Dieu, je marche avec un Dieu En un lieu sacré, je marche avec um Dieu Em um lieu sacré, je marche avec un Dieu Sur Tsísmasini, je marche avec un Dieu Au sommet de la montagne, je marche avec un Dieu Aux temps anciens, je marche avec un Dieu Sur le chemin de la beauté, je marche avec un Dieu.) 2º: Canto do Filho da Pérola: Num lugar sagrado, eu caminho com um Deus Num lugar sagrado, eu caminho com um Deus Sobre Tsotsil, eu caminho com um Deus No topo da montanha, eu caminho com um Deus Nos tempos antigos, eu caminho com um Deus Sobre o caminho da beleza, eu caminho com um Deus. (De se notar que todos estes cantos estão diretamente relacionados com o contexto terapêutico que envolve o paciente, o assistente mascarado e o xamã junto ao pictograma.) ·. Enfim, diz o autor: As pinturas de areia navajo, uma vez religadas aos seus cantos, aparecem portanto como pictogramas clássicos. E, As tecnologias intelectuais ameríndias, longe de serem apenas proto-escrituras inacabadas, aparecem como tendo um procedimento de grande coerência, obedecendo aos mesmos princípios gerais e oferecendo múltiplas variações a partir destes princípios. Só a análise detalhada, sempre programática, abre um largo campo de pesquisa, que está ainda muito pouco explorado, para desenvolver a inventividade e a riqueza das tradições ameríndias. REFERÊNCIAS: DÉLÉAGE, Pierre. Les peintures de sable navajo comme pictographies. In Les pictographies narratives amérindiennes. Páginas 744- 764 do 2º volume de “Lieux de savoir”: JACOB, Christian et al. – Ed. Albin Michel, paris, 2011. SOUZA, Antonio N.: Para o blog IC FAMA – A Iniciação Científica da FAMA na Web, em julho de 2013.