Medalha de Serviços Distintos da CVP

Transcrição

Medalha de Serviços Distintos da CVP
MEDALHA DA CRUZ VERMELHA – PRÉMIO
POR SERVIÇOS DISTINTOS NA GUERRA E NA PAZ
Paulo Jorge Estrela
Instituto Geográfico Português
Lusíada. História, Lisboa, nº 2/2005
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Resumo: Artigo de Falerística sobre a Medalha de Serviços Distintos da Cruz
Vermelha Portuguesa (CVP), sua criação, características, alterações de modelos e seu
enquadramento histórico, incluindo um resumo de cada uma das 19 acções existentes
em passadeira de fita.
Apresenta-se ainda uma pequena biografia de Afonso de Dornelas, Inspector do
Corpo Activo e Secretário-Geral da CVP, imagens dos vários modelos da medalha,
retratos fotográficos de alguns agraciados e ainda dois diplomas de concessão.
Palavras-chave: Cruz Vermelha Portuguesa / Condecoração / Medalha / Ordem
Honorífica / Dornelas
Abstract: Phaleristic article about CVP (Portuguese Red Cross) Distinguished
Services Medal, creation, characteristics and model changes with an historical
enlightening and brief description of all 19 actions and respective existing ribbon
clasps / bars.
A brief biography of Afonso de Dornelas, CVP Inspector of Active Corps and
General-Secretary is presented and illustrated with several models of the medal,
photographic portraits of a few decorated servicemen and a couple of concession
diplomas.
Key-words: Portuguese Red Cross / Decoration / Medal / Honorific Order /
Dornelas
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A História militar foi desde sempre, que me lembro, uma paixão na minha vida.
Inicialmente, esse desejo de conhecer mais sobre esta temática começou pelo agrupar
de informação o que, de uma forma natural, enveredou para uma pequena biblioteca
especializada, que tem vindo a revelar-se fundamental para o aprofundar de
conhecimentos, em especial na área da Falerística.
Em termos genéricos, a Falerística é o estudo (no meu caso também o
coleccionismo), das Condecorações, especialmente as militares, que compreendem as
Ordens Honoríficas, condecorações propriamente ditas e medalhas. Este
coleccionismo passa também, por uma série de outras colecções tais como, a
diplomática (alvarás, diplomas de concessão e cartas patentes entre outros
documentos), a fotografia antiga (e demais iconografia de época), e em geral toda a
chamada militaria.
Uma das medalhas menos estudada e menos conhecida, é a, actualmente,
denominada Medalha de Serviços Distintos da Cruz Vermelha Portuguesa (CVP). No
entanto, e a meu ver, é uma das mais interessantes, pela particularidade de ser sempre
concedida por acções históricas específicas e daí ser reconhecida publicamente pela
atribuição de uma passadeira de fita cunhada, com a respectiva situação (local/acção e
data).
A benemérita Sociedade Portuguesa da Cruz Vermelha (SPCV) foi oficialmente
criada em 1887 (data da aprovação dos seus primeiros Estatutos). Graças à dedicação
e mobilização da sociedade civil nacional, conseguiu impor-se, passando a estar apta
a responder a solicitações, no âmbito do serviço de saúde, de uma forma voluntária e
sem encargos para o Estado, em paralelo com as forças militares portuguesas (em
situações de guerra como de calamidade pública).
Em 1891 é, pela primeira vez, solicitado à SPCV o levantamento de uma
pequena unidade de campanha (genericamente denominada de Ambulância da CVP)
destinada a acompanhar uma Coluna de Operações expedicionária a Moçambique,
operação essa da responsabilidade do Ministério da Marinha e Ultramar.
Os seus serviços foram considerados relevantes e levaram a que, em 1892, a
Comissão Central da SPCV avançasse com a proposta de criação de uma distinção
específica para galardoar os bons serviços prestados aos militares feridos e doentes,
nas ambulâncias e hospitais de campanha da SPCV.
Assim, o Rei D. Carlos I, através do Decreto de 31 de Janeiro de 1893, cria a
Medalha da Cruz Vermelha.
Inicialmente, a Medalha da Cruz Vermelha era de bronze (sem graus ou
classes), pendente de fita branca, com uma cruz vermelha bordada ao centro e usada
no lado esquerdo do peito (como a generalidade das condecorações militares).
Obrigatoriamente teria uma passadeira de igual metal, com indicação da
campanha/localidade e ano do feito.
Apenas era permitida a concessão de uma medalha por campanha e, a uma nova
“concessão” devida a outra acção, esta traduzia-se por uma outra passadeira para a
medalha original.
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O Diploma de Concessão era passado pelo respectivo Ministério (Ministério da
Guerra, Ministério da Marinha e Ultramar ou Ministério do Reino) conforme a
situação do agraciado.
Quando foi autorizada a criação da Medalha da Cruz Vermelha foi proposto a J.
Leipoldt, do Banco de Portugal, a gravação dos respectivos cunhos. Este, por razões
desconhecidas, encarregou dessa tarefa um seu conterrâneo da cidade alemã de
Leipzig, cujo nome nunca foi revelado.
De Leipzig, para além dos cunhos, vieram também, 6 provas de medalha e 6
passadeiras “Moçambique, 1891”. Por serem em número insuficiente, foi solicitado à
Casa da Moeda e Papel Selado a cunhagem de mais 20 conjuntos, o que acabou por
ser feito pelo conhecido gravador Venâncio Alves, autor da chamada Medalha D.
Carlos I. A Casa da Moeda, para além de não cobrar quaisquer honorários à SPCV
pelo serviço prestado, permitiu ainda que os referidos cunhos ficassem à sua
responsabilidade, garantindo a sua boa conservação e controlo de futuras cunhagens.
Posteriormente, ficou também, responsável pela criação de outras passadeiras e tipos
(módulos) das medalhas.
Com o Decreto de 7 de Maio de 1908, são aprovados os novos Estatutos da
SPCV, que determinam a criação de um Quadro de voluntários para fazer face a
futuras necessidades, juntando a sua acção à dos serviços militares de saúde e das
sociedades similares estrangeiras, em caso de guerra ou calamidade, passando a ter
uma tutela conjunta do Ministério da Guerra e do Ministério da Marinha e Ultramar.
No Capítulo VIII – “Recompensas e Distintivos”, desse decreto, além de serem
criadas duas novas condecorações, a Cruz Vermelha de 1ª e 2ª classes, decretou-se
uma nova regulamentação para a Medalha da Cruz Vermelha.
Desta forma, a mesma passa a ter 3 classes: ouro, prata e cobre. A de ouro
destinada a médicos directores de hospitais e ambulâncias, a de prata destinada a
médicos, farmacêuticos e às chamadas Damas da CV e as de cobre a enfermeiros,
maqueiros, auxiliares, etc.
A fita de suspensão passa a ser branca e azul clara, com listas dispostas em
diagonal, continuando a usar-se no lado esquerdo do peito. As concessões
continuaram a ser representadas por passadeiras de igual metal da medalha.
Oficialmente, a Medalha da Cruz Vermelha só irá sofrer alterações em 1913. No
entanto, acredita-se que nos três anos anteriores, a cor da fita tivesse sofrido, já,
alteração, embora não regulamentada.
Em 5 de Outubro de 1910, o regime Constitucional monárquico é derrubado
num movimento revolucionário sendo instaurada a República Portuguesa. No dia 15
do desse mês é determinado, por Decreto, que todos os símbolos reais fossem
abolidos, assim como os títulos e ordens honoríficas (com excepção da antiga Ordem
Militar da Torre e Espada). Pela Lei 635, de 28 de Setembro de 1916 (Constituição
Política da República Portuguesa) também as medalhas militares oficiais foram
extintas, com excepção da Medalha de prémio ao Mérito, Filantropia e Generosidade
(vulgo Medalha D. Maria II) e da Medalha de Serviços no Ultramar.
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A Medalha da Cruz Vermelha, embora oficial não era da responsabilidade
directa do Estado e não apresentava qualquer simbologia do regime deposto. Assim, a
mesma continuou a existir tendo somente mudado as cores da fita. Recorde-se que o
branco / azul claro eram as cores da bandeira do Reino de Portugal.
As cores da fita poderão ter sofrido alterações nos primeiros tempos da
implantação da República. Esta dedução baseia-se apenas em fotografias da época,
não tendo até ao momento, sido encontrado qualquer regulamentação de suporte. No
entanto, e por ser de mais fácil referenciação, passa-se a considerar essa mudança
como oficial em 1913.
Com os novos Estatutos da SPCV, aprovados por Decreto de 31 de Maio de
1913, no seu Capítulo VIII – “Das Recompensas e Distintivos”, a Medalha não sofre
grande alterações, a não ser o facto do padrão da fita passar a ser de cor vermelha,
tendo a 4mm de cada bordo uma lista branca de 3mm.
Pelo Decreto 3.104, de 21 de Abril de 1917 – Regulamento Geral do Serviço de
Saúde da SPCV (elaborado à luz da I Guerra Mundial e atendendo ao esforço
nacional de mobilização), o pessoal activo da SPCV é equiparado ao pessoal do
Serviço de Saúde militar ficando sujeito às leis e regulamentos militares. No Capítulo
“Recompensas”, são feitas novas alterações à Medalha da Cruz Vermelha, ao módulo
em si, à fita e à forma de a usar. Quanto ao cunho da medalha somente o reverso sofre
alteração, passando a ter a inscrição “Serviço de Saúde da Sociedade Portuguesa da
Cruz Vermelha”. A fita passa a ser branca, tendo a 4mm de cada bordo, uma lista
vermelha de 3mm, cujo padrão se mantém até hoje.
A medalha de ouro passa a ser concedida por serviços distintos prestados por
Capitães e Oficiais Superiores (ou equiparados da SPCV) que tenham exercido
funções de direcção e/ou chefia em campanha. A medalha de prata é destinada a
Oficiais do quadro das Companhias de Saúde da SPCV e a de cobre a todos os outros
postos (Sargentos e Praças) e a auxiliares. Fica igualmente estipulado que esta
medalha só será concedida uma segunda vez se na fita da primeira já existirem 4
passadeiras.
Como medida transitória, os agraciados são informados que só deverão alterar a
cor da fita e não providenciar a troca da medalha.
No entanto, acredita-se que este novo modelo, talvez, nunca tenha chegado a
existir, pois não se conhece até ao momento qualquer exemplar (com reverso
alterado) em colecção particular ou institucional. A ter existido, o modelo terá tido
uma duração efémera, uma vez que em 1918 é novamente alterado. A dar força a esta
dedução acresce o facto de terem sido muito poucas as concessões ocorridas durante
este período (de cerca de um ano). Além que, a publicação do diploma de concessão,
a vinda dos agraciados de campanha e a própria imposição de insígnias era um
processo moroso.
Com o Decreto 4.551, de 22 de Junho de 1918, é criado o novo Regulamento de
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recompensas da SPCV que, basicamente, transforma as condecorações da CVP num
sistema complexo, do tipo Ordem Honorífica, com 8 graus:
Placa de Honra
Cruz Vermelha de Benemerência
Cruz Vermelha de Mérito
Cruz Vermelha de Dedicação
Cruz de Assiduidade
Medalha de Serviços Distintos
Medalha de Louvor
Medalha de Agradecimento
No que respeita a este artigo, a até então Medalha da Cruz Vermelha passa a
denominar-se Medalha de Serviços Distintos da Cruz Vermelha.
O anverso e reverso desta nova medalha (de 32mm de diâmetro) muda, assim
como o tipo de suspensão, deixando de ser do tipo barra horizontal para passar a ser
do tipo anel.
O anverso apresenta a cruz da Convenção de Genebra tracejada ao alto entre as
legendas “Inter Arma Caritas” e “Serviços Distintos”. O reverso tem inscrito dentro
de uma coroa de folhas de oliveira a legenda “Sociedade Portuguesa da Cruz
Vermelha”.
Todas as condições de concessão estabelecidas em 1917 mantêm-se, assim
como o padrão da fita de suspensão. Continua igualmente em vigor a determinação de
que, após uma 4ª concessão (1 medalha / 4 passadeiras), deverá ser concedida uma
segunda medalha para albergar a 5ª passadeira. No entanto, outros pontos são
esclarecidos tais como: os Oficiais agraciados anteriormente como Praças continuam
a usar as passadeiras e medalhas em cobre; os Oficiais com medalhas de cobre só as
deverão substituir por outras de prata quando forem novamente agraciados (já como
Oficiais) continuando a usar as originais passadeiras de cobre. Se os Oficiais tiverem
4 passadeiras de cobre usarão sempre a medalha de cobre com essas passadeiras e
caso sejam agraciados uma 5ª vez (prata) receberão então uma medalha e passadeira
de prata.
Este é o modelo mais amplamente concedido para premiar diversas acções em
Portugal e além fronteiras. No entanto, em 1925, este foi novamente alterado.
Pelo Decreto 11.015, de 30 de Julho de 1925, é aprovado o novo Regulamento
de Condecorações da CVP que continua a prever os 8 graus. Em relação a 1918 não
se verificam grandes alterações à regulamentação da Medalha de Serviços Distintos
da CVP tendo sido somente decretado que a ordem das passadeiras teria que ser
cronológica (das acções em si e não das concessões), de cima para baixo.
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A principal alteração na medalha ocorre no seu reverso, ou seja, entre as folhas
de oliveira apresenta, agora, a legenda “Cruz Vermelha Portugueza”, e a suspensão da
fita passa a ser garantida pelo sistema do tipo bola, embora nos desenhos, em anexo,
ao Regulamento, não constasse esta alteração.
Este Regulamento vai estar em vigor cerca de 75 anos ! No entanto, o último
registo de concessão desta medalha ocorreu em 1933 e refere-se a uma medalha de
prata com a passadeira “Moçambique 1916-1917”.
O novo Regulamento de Condecorações da CVP, actualmente em vigor, foi
autorizado pelo Decreto-Lei 169/99, de 19 de Maio. Este diploma legal veio
finalmente actualizar a concessão destas condecorações, de acordo com os novos
Estatutos da CVP que sofreram várias alterações.
Assim, apesar de se manterem os mesmos 8 graus, a Medalha de Serviços
Distintos da CVP vai agora ocupar o segundo grau da hierarquia, logo a seguir à
Placa de Honra da CVP.
Esta medalha passa a ter somente dois graus: ouro e prata. O primeiro destinado
aos Quadros da CVP com responsabilidades de direcção ou chefia e o segundo aos
restantes elementos. O padrão da fita de suspensão mantém-se e nos desenhos anexos
ao regulamento continua a constar uma passadeira, sem legenda. No entanto, a lei é
omissa quanto à obrigatoriedade de passadeiras com a concessão desta medalha.
O módulo da medalha sofre mais uma alteração passando o anverso a ter
somente a legenda “Serviços Distintos” por cima da cruz da Convenção de Genebra.
O reverso mantem-se inalterado.
A Medalha de Serviços Distintos da CVP que, desde da sua origem tinha como
objectivo premiar serviços distintos de excepcional mérito, cedo passou a ser de
concessão generalizada e a funcionar mais como uma medalha comemorativa.
Ainda assim, esta continua a ser um marco na história da falerística portuguesa
pelo facto de algumas dessas acções serem pouco conhecidas para a maioria dos
portugueses e de nunca terem sido alvo de passadeiras similares na Medalha
Comemorativa das Campanhas do Exército Português, exceptuando as referentes à
Grande Guerra: “França 1917-1918”, “Angola 1914-1915” e “Moçambique 1914 a
1918” e a de duas campanhas coloniais, anteriores, que foram criadas para serem
aplicadas na mais antiga Medalha Rainha D. Amélia: “Moçambique 1894-95” e
“Índia 1895”.
Do que me foi dado a observar, o uso da medalha com um máximo de 4
passadeiras, nunca foi considerado – o Coronel Afonso de Dornelas, Inspector do
Corpo Activo e Secretário-Geral da CVP, o elemento mais condecorado dos Quadros
da CVP, usa as suas 10 passadeiras (nove de ouro e uma de prata) na mesma medalha.
Existem outros exemplos que demonstram esta prática.
É de referir que o facto das passadeiras serem feitas na Casa da Moeda leva a
que não existam muitos exemplares no mercado, como acontece quando as casas co-
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merciais são responsáveis pela sua produção. Exemplo disso, são algumas passadeiras
referentes à Medalha Comemorativa das Campanhas do Exército Português.
Para se ter uma melhor percepção do número de concessões referentes a cada
uma das acções, apresenta-se um Quadro sinóptico com as cerca de 1950 concessões
ocorridas durante o período de vida activa da medalha.
Bronze
Ouro
Prata
Cobre
Total
Moçambique, 1891
13
[1]
[2]
[ 10 ]
13
Moçambique, 1895
52
[1]
[5]
[ 46 ]
52
Índia, 1895
5
[4]
[1]
5
Revolução, 5-Outubro-1910
1
8
32
41
Veronese, 1913
1
94
112
207
7
23
30
Castro Laboreiro, 1914
Operações em Mafra, 21-Outubro-1914
1
3
15
19
Revolução 14 Maio, 1915
1
45
162
208
Sul d' Angola, 1915
6
8
14
Moçambique, 1916-1917
12
11
23
Revolução 5-12-1917, Lisboa
1
30
139
170
Ambleteuse 1917-1919, França
1
56
25
82
Gripe pneumónica, 1918
2
90
410
502
Operações em Santarém, 16-Janeiro-1919
1
2
47
50
Tomada do Monsanto, 24-Janeiro-1919
1
16
112
129
Castelo de S. Jorge, 22-Fevereiro-1919
1
8
22
31
Operações no Norte, 1919
2
30
175
207
8
40
48
2
14
111
127
15
429
1444
1958
Revolta Militar de Lisboa, 18-4-1925
Revolução de Fevereiro, 1927
TOTAL
70
Observações: Os números entre os parênteses rectos indicam que as concessões originais em
bronze foram mais tarde, quando da alteração do regulamento, trocadas por
outras de diferente metal (ou equivalente).
Este é um dos resultados de uma pesquisa detalhada e do cruzamento de
informações de várias fontes documentais, muitas delas às vezes contraditórias.
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Assim, tendo por base a publicação oficial das concessões (em Diários de
Governo, Ordens à Armada, Ordens do Exército e Boletins Militares do Ultramar), os
5 Livros de Registo da Medalha de Serviços Distintos da CVP e as respectivas fichas
individuais (existentes no Serviço Histórico-Cultural da CVP) e os relatórios oficiais
das ditas acções (maioritariamente publicados nos Boletins Oficiais da CVP), foi
possível criar uma Base de Dados com os nomes (postos e funções) dos cerca de 1150
agraciados uma única vez com esta medalha e dos 275 agraciados com múltiplas
atribuições (e que no conjunto partilharam 814 passadeiras). Casos há, em que a
publicação oficial é enganosa, pois terá havido troca de passadeiras, para além de se
terem verificado, também, erros tipográficos nos nomes dos agraciados. Com esta
Base, é possível, igualmente, constatar o grau de raridade das várias passadeiras (e
modelos de medalha), concedidas tanto a homens como a mulheres.
Algumas das passadeiras são verdadeiramente raras, quer sejam dos graus ouro,
prata ou cobre. No entanto, mais raros ainda, são os respectivos Diplomas de
concessão.
No topo destas pequenas raridades está a medalha de ouro, do Coronel
equiparado da CVP, Afonso de Dornelas, que possui a excepcional combinação de 9
passadeiras de ouro e 1 de prata. Recorda-se que 2 de ouro foram-lhe concedidas por
troca de outras em prata, já anteriormente recebidas.
Felizmente, esta medalha faz parte da minha colecção, assim como alguns dos
seus Diplomas de concessão das passadeiras (entre outras peças curiosas), estando
assim perservadas a sua integridade e memória.
É de referir uma outra medalha com a combinação de 2 passadeiras em prata e 8
em cobre (incluindo a referente ao distante “Sul d’Angola 1915”), do Tenente
equiparado da CVP (Ambulâncias de Lisboa), Manuel Rodrigues e a uma medalha
com a combinação de 9 passadeiras em cobre, do 1º Sargento Enfermeiro
(Ambulâncias de Lisboa) Jorge Parreira, que entre outras inclui a referente à sua
participação nos campos de batalha da Flandres, "Ambleteuse, 1917-1919, França".
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Coronel equiparado da CVP Afonso de Dornelas
(o sonho de qualquer coleccionador de Falerística)
Medalha de ouro de Serviços Distintos da CVP
com nove passadeiras “ouro” e uma “prata”
(modelo 1918)
Coronel equiparado da CVP Afonso de Dornelas
Diploma de concessão da Medalha de ouro
de Serviços Distintos da CVP com a
passadeira “Revolução Fevereiro 1927”
Concedida ao Major equiparado da CVP
Afonso de Dornelas
(Lisboa, 15 de Setembro de 1928)
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Comissário da CVP Artur Luís Pimenta
(Medalha de Serviços Distintos da CVP
(modelo 1917) com passadeira de cobre
“Revolução 14 de Maio 1915”
Enfermeiro 1ª classe, Delfim Lyon
(Medalha de Serviços Distintos da CVP
(modelo 1913) com passadeira de cobre
“Veronese 1913”
Diploma de concessão da Medalha de prata de
Serviços Distintos da CVP com a passadeira
“Revolução, 5-12-1917 - Lisboa”
Concedida à Enfermeira Maria de Jesus Souza
(Lisboa, 30 de Julho de 1918)
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Medalha (de bronze) da Cruz Vermelha
com passadeira “Moçambique 1891”
(modelo 1893)
Gravura anexa ao Boletim Oficial
da CVP - Estatutos de 1908 –
Condecorações da SPCV, incluíndo
a Medalha da Cruz Vermelha
com passadeira “Moçambique 891”
(modelo 1908)
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Medalha de prata de Serviços Distintos
da CVP com passadeira “Veronese 1913”
(modelo 1913)
Medalha de prata de Serviços Distintos da
CVP com passadeira
“Ambleteuse 1917-1919, França ”
(modelo 1918)
Medalha de cobre de Serviços Distintos
da CVP com passadeira
“Revolução de Fevereiro, 1927 ”
(modelo 1925)
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ACÇÕES / PASSADEIRAS DA MEDALHA DA CRUZ VERMELHA
“Moçambique, 1891”
Em Novembro de 1890, forças da British South African Company (da responsabilidade
de Sir Cecil Rhodes), na sequência de outros pequenos episódios e tensões regionais, sairam
de Fort Salisbury para ocupar militarmente a região de Manica, em Moçambique.
De imediato ocorreram levantamentos na metrópole e Lourenço Marques, como
resposta a mais essa afronta da “velha-aliada” Inglaterra, que dizia-se, estar a preparar na
cidade do Cabo, uma expedição de 5.000 homens para invadir também a Beira
(Moçambique).
Portugal enviou um Corpo expedicionário a Moçambique (sob o Comando do CapitãoTenente Azevedo Coutinho), do qual fazia parte a chamada Ambulância da CVP, tendo
embarcado o seu primeiro contigente no Vapor Malange, no dia 15 de Janeiro de 1891, com
destino à Beira. Mas foram os civis voluntários e algumas forças coloniais mobilizadas,
genericamente chamados de Expedição de Voluntários de Lourenço Marques, sob o Comando
do Major Caldas Xavier, que tiveram um papel preponderante na manutenção da integridade
das nossas fronteiras. A sua intrepidez e rápida manobra surpreenderam as forças opositoras
no terreno, e no chamado Combate de Macequece chegaram a haver confrontos com artilharia
colonial britânica e alguns guerreiros negros sublevados pelos britânicos.
Os voluntários portugueses em número diminuto foram obrigados a retirar para a Beira
(para se juntarem à coluna vinda da metrópole) mas entretanto Londres, decidiu intervir e Sir
Cecil Rhodes recebeu ordens para suspender de imediato a expedição em terras portuguesas,
tendo mais tarde, sido redefinidas as fronteiras coloniais.
“Moçambique, 1895”
No século XIX, o Império dos Vátuas era um dos mais importantes da África Oriental
e, tinha uma extensão territorial muito dentro das fronteiras da colónia portuguesa de
Moçambique. O seu Imperador, o famoso Gungunhama, numa primeira fase prestou
vassalagem a Portugal. No entanto, alguns tempos depois, instigado por outras potências
coloniais, revolta-se e intensifica os ataques aos colonos e tropas portuguesas, assim como às
tribos cooperantes com Portugal.A metrópole começa então, a organizar uma grande
expedição militar (onde foi incluida uma Ambulância da CVP, que prestou louváveis
serviços) de reforço à guarnição provincial. Após alguns confrontos violentos e de incerto
resultado, em 1895, nos campos de Chaimite, Mouzinho de Albuquerque derrota as forças de
Gungunhama e acaba por o aprisionar, garantindo alguma estabilidade na região.
Referência ainda, para o facto da missão de SPCV ter sido facilitada pela completa
abnegação de várias freiras da Congregação de S. José de Cluny, que se juntaram ao esforço
de auxílio a feridos e doentes.
“Índia, 1895”
Os problemas inerentes à revolta dos soldados Maratas (do Exército português do
Estado da Índia) e à rebelião dos chefes locais Ranes, acabaram por transbordar para o
cenário político-partidário da metrópole. É decidido enviar uma expedição militar de Portugal
comandada pelo Príncipe Infante D. Afonso Henriques (irmão do Rei D. Carlos I) e, entre
outras unidades engloba um pequeno contigente da responsabilidade da CVP.
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Esta expedição militar vai-se mostrar difícil, tanto militar como politicamente (a
gigantesca Índia britânica estava atenta a qualquer falha que justificasse uma ocupação dos
territórios por motivos de segurança) mas por fim, a calma é restaurada e o princípe,
entretanto nomeadado Vice-rei da Índia, concede amnistia aos revoltosos e garante algum
tempo de paz no território asiático.
“Revolução, 5-Outubro-1910”
Em 1910, após uma primeira tentativa frustada de revolta militar republicana (o
movimento do 31 de Janeiro de 1891, no Porto) e toda uma série de pequenos
pronunciamentos republicanos e do próprio regicídio de 1908, estavam reunidas as condições
para uma nova e derradeira revolução para depor com o sistema constitucional monárquico
em vigência.
Esta revolução militar, ocorrida de 4 para 5 de Outubro de 1910, assumiu em Lisboa e
na margem Sul do rio Tejo (Barreiro) proporções deveras preocupantes raiando quase uma
guerra civil onde além das forças do exército e marinha havia muitos civis envolvidos.
Em ambas as “frentes” a CVP esteve presente e montou hospitais de sangue, mas foi
sem dúvida, uma das suas actuações mais marcantes aquela desempenhada no centro da
capital, no Rossio, e em especial junto aos feridos dos combates da Rotunda.
“Veronese, 1913”
O Veronese era um cargueiro inglês que, além de muita mercadoria, trazia a bordo
cerca de 200 pessoas entre tripulantes e passageiros e, devido a uma tempestade imensa,
encalhou a meio da noite do dia 16 de Janeiro de 1913, nos rochedos da praia da Nª Srª da
Boa Nova, em Leixões.
Este naufrágio e subsequente operação de salvamento foi considerado histórico e de
referência por toda a Europa, nomeadamente pelo inovador uso do cabo vaivém, com a
chamada “bóia-calção”.
Na madrugada desse mesmo dia, após ter sido dado sinal de alarme, ocorreram à dita
praia, Bombeiros, elementos da CVP (ambulâncias do Porto), polícias, militares e povo em
geral para ajudar nas operações de resgate. Em condições climatéricas extremamente difíceis,
com ondulação de mais de 10 metros e no meio de rochedos a 300 metros da praia, após 52
horas ininterruptas de serviço do cabo vaivém, são salvos 98 náufragos, e outros 102 serão
ainda recolhidos por 2 Salva-vidas do Instituto de Socorros a Náufragos – acabando somente
por morrer 19 pessoas.
“Castro Laboreiro, 1914”
Em 1914, grassou no extremo norte do país, e mais concretamente na freguesia de
Castro Laboreiro, uma terrível epidemia de febres tifoídes, que provocou dezenas de
vítimas, até porque no início da mesma, as populações viram-se abandonadas e sem qualquer
apoio médico local.
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O Governador Civil de Castelo Branco accionou os mecanismos necessários e
mobilizou a Coluna auxiliar (Ambulância da CVP de Castelo Branco), que rapidamente
chegou ao terreno e instalou um Hospital de campanha para tifosos. Os seus serviços, que
foram pioneiros no tipo de apoio e de organização, foram considerados de grande coragem,
dedicação e altruísmo.
"Operações em Mafra, 21-Outubro-1914"
Na noite de 20 para 21 de Outubro de 1914, ocorrem movimentos revolucionários em
Mafra e Bragança manifestado-se contra a participação de Portugal na Grande Guerra, que
parecia estar eminente.
O pronunciamento militar de Mafra, por estar mais perto de Lisboa, acabou por
preocupar mais as forças governamentais que rapidamente o tentaram subjugar. Para apoiar
aos feridos foi mobilizada uma coluna automóvel da CVP.
“Revolução 14 Maio, 1915”
Em Maio de 1915, como resposta à “ditadura militar” do ministério do general Pimenta
de Castro, muitos dos seus opositores, nomeadamente Unionistas e Democráticos, começam a
articular uma forma de depor o sistema. As desordens, tumultos e greves sucedem-se e
conspira-se publicamente para que fosse reposto o cumprimento da Constituição de 1911.
Alguns militares do Exército organizaram-se e formaram a chamada Junta
Revolucionária, à qual se juntaram muitos militares da Armada.
Foi uma revolução particularmente violenta e com o apoio da sociedade civil e que ao
fim de 3 dias conseguiu os seus intentos.
Mais uma vez, a CVP montou vários postos de socorro e hospitais de sangue em Lisboa
o que provou ser providencial para a salvação de dezenas de feridos.
“Sul d’Angola, 1915”
Desde 1914 problemas fronteiriços entre esta colónia portuguesa e o chamado Sudoeste
Africano Alemão (actual Namíbia) eram uma constante, o que provocou a mobilização em
Portugal de algumas expedições militares de reforço à colónia africana.
Em 1915, a CVP, acompanhando a 2ª expedição militar, enviou para Moçâmedes
(Angola) uma Formação Sanitária que ali permaneceu durante 5 meses até ao fim das
hostilidades. A CVP organizou o Hospital Militar de Lubango, onde foi dado apoio a
inúmeros doentes. Como o Hospital estava muito na rectaguarda da zona de operações, o
número de feridos a assistir foi reduzido.
“Moçambique, 1916-1917”
Também em Moçambique, desde 1914, existiam problemas fronteiriços com a colónia
alemã vizinha (África Oriental Alemã, actual Tanzânia), nomeadamente a ocupação da região
do Quionga. Várias expedições militares se organizaram destinadas a defender as fronteiras e
a combater as forças coloniais alemãs do mítico Von Lettow.
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A Ambulância da CVP acompanhando as tropas (3ª expedição militar) que iam
defender as fronteiras delimitadas pelo rio Rovuma (Norte de Moçambique), chegou a
Lourenço Marques em Junho de 1916 tendo seguido para Porto Amélia onde cerca de 300
doentes já aguardavam a sua chegada. Esta Unidade permaneceu cerca de 6 meses no terreno
cuidando perto de 1500 doentes.
Em 1917 a Delegação da CVP de Lourenço Marques procedeu à montagem de 5
hospitais de campanha situados em Palma, Mocimboa da Praia, Chomba, Patchitinembo e
Nacature, onde foram hospitalizados cerca de 2000 homens e assegurado o transporte para os
Hospitais de Lourenço Marques perto de 9000 doentes e feridos de guerra.
“Revolução 5-12-1917, Lisboa”
O movimento político-militar conhecido na História de Portugal como “Dezembrismo”
ou “Sidonismo” foi protagonizado pela Junta Revolucionária (chefiada pelo Major Sidónio
Pais), e essencialmente passou por um agrupar de forças leais a este Oficial na zona do Parque
Eduardo VII, que acabaram por resistir aos ataques governamentais e bombardeamentos
navais. Ao fim de 3 dias, Sidónio Pais é levado ao poder, substituíndo o Dr. Afonso Costa
como Chefe de Governo e um pouco mais tarde, acaba também, por acumular as funções de
Presidente da República, após a destituição do Dr. Bernardino Machado.
Sidónio Pais, Oficial do Exército, de reconhecido mérito académico, foi de 1912 a
1916, Embaixador de Portugal em Berlim e reconhecido Germanófilo, numa altura em que
Portugal e Alemanha mantinham uma hostilidade latente. Sidónio é alvo de criticas dada a sua
atitude germanófila, mas a verdade é que nunca mais marcharam tropas para França para
recompletar e substituir as que já lá se encontravam com o Corpo Expedicionário Português, o
que muito dificultou a sua acção, que acaba por culminar nas conhecidas consequências da
batalha de La Lys.
“Ambleteuse 1917-1919, França”
Apesar do clima de tensão existente entre Portugal e os Impérios Centrais (até por força
da longa aliança com Inglaterra) que estiveram na origem dos conflitos armados nas colónias
africanas, a verdade é que a Alemanha só declarou guerra a Portugal em 1916. Essa
declaração de guerra aconteceu após a apreensão dos navios mercantes alemães internados em
portos nacionais, e que tão necessários eram para o esforço de guerra aliado.
Entre outras medidas, Portugal conseguiu mobilizar, num esforço titânico, um
contigente militar de cerca de 55.000 homens que enviou para a frente francesa, o CEP
(Corpo Expedicionário Português).
Com o CEP seguiu também a Formação Sanitária da SPCV, que ficou com a
responsabilidade de instalar um Hospital com 300 camas na Base de Operações, em
Ambleteuse (Pas de Calais). Este Hospital de Ambleteuse e outros hospitais chamados de
sangue, estiveram activos de Abril de 1917 (data da inauguração do mesmo, edificado e
mantido por subscrição pública aberta pela SPCV), até depois do armistício, tendo sido
efectuadas várias operações cirúrgicas e milhares de internamentos. A SPCV ainda funcionou
como organizadora do serviço de correspondência, encomendas e valores aos militares
portugueses prisioneiros de guerra dos alemães.
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“Gripe pneumónica, 1918”
Este memorável e triste ano de 1918 não só foi o mais mortífero da Grande Guerra (em
especial nos campos de batalha da Flandres e de Moçambique), mas também porque chegava
a Portugal, a terrível epidemia de Gripe penumónica que irá grassar até 1919, fazendo cerca
de 103.000 vitímas mortais. A nível mundial, uma estirpe virulenta de gripe
(internacionalmente chamada Gripe espanhola), irá ter contornos de pandemia, sendo que em
algumas regiões irá durar até 1921 e a estatística geral aponta para mais de 18 milhões de
vitímas mortais !
Entre outro tipo de assistência médica, a CVP montou e organizou os dois Hospitais de
epidemiados, um deles em Amarante (1918) e outro em Lisboa (1918-1919), além de ter
assegurado as imensas evacuações sanitárias necessárias.
“Operações em Santarém, 16-Janeiro-1919”
Em Janeiro de 1919, ocorrem várias revoltas militares, nomeadamente, em Lisboa e
Covilhã, que entretanto são dominadas. No entanto, a guarnição militar de Santarém,
despoleta um movimento revolucionário de carácter republicano (que entre outras coisas
pretendia restabelecer a Constituição de 1911), conduzindo a graves confrontos com o
Exército, em toda a zona do Vale do Tejo e que duraram alguns dias, culminando no dia 16 de
Janeiro com a rendição da cidade, após violentos bombardeamentos e as munições dos
defensores se terem esgotado.
O CVP montou o Hospital de Sangue no Cartaxo, com o apoio das formações sanitárias
da CVP de Lisboa e Coimbra, e como lhe competia estatutariamente, prestaram assistência
aos feridos dos dois lados da contenda.
“Operações no Norte, 1919”
A 19 de Janeiro de 1919, com o apoio de algumas unidades militares, a Monarquia é
proclamada no Porto sendo organizada a Junta Governativa do Reino, sob a direcção de Paiva
Couceiro (que já em 1911-12, havia tentado 2 incursões monárquicas pelo Norte de Portugal).
Este movimento político-militar ficará conhecido por “Monarquia do Norte” e cria uma
autêntica situação de guerra civil, tendo sido declarado o estado de sítio em todo o território
nacional.
De imediato, surgem alguns movimentos populares de apoio a ambas as causas,
nomeadamente na capital onde a resposta é imediata, tendo sido criados os chamados
Batalhões de Voluntários para combaterem a insurreição monárquica que, de uma forma
depreciatória é chamada de “Traulitânia”.
Os confrontos militares são de alguma violência (recorda-se que havia um grande
número de veteranos de guerra de França e África entre ambos os lados beligerantes), em
especial em Trás-os-Montes e no litoral centro, onde a Armada Portuguesa participa com
bombardeamentos da costa e de onde as forças governamentais dirigem-se para o Porto
entram na cidade e terminam com a “Monarquia do Norte”
Além das colunas automóveis de apoio a evacuações, a SPCV vai montar e organizar
vários hospitais de sangue em diversas localidades, como sejam, Coimbra, Aveiro, Águeda,
Mealhada e Oliveira de Azeméis.
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“Tomada do Monsanto, 24-Janeiro-1919”
Aproveitando a situação de tensão vivida no Norte do País com a chamada “Monarquia
do Norte”, acontecem outros levantamentos militares pró-monárquicos nos arredores de
Lisboa. Este movimento (sob o liderança do ilustre Aires de Ornelas) acaba por ser controlado
e derrotado no Forte do Monsanto e a 24 de Janeiro, as tropas governamentais conseguem a
muito custo, e ao fim de muitos duelos de artilharia e ataques e contra-ataques, a tomada da
posição fortificada e a revolta monárquica é subjugada em Lisboa.
A CVP que preparava uma coluna para ir para Coimbra, foi desviada da sua missão e
juntamente com os seus aliados, os Bombeiros Voluntários Lisbonenses, cuidaram de
centenas de feridos vitimados pelos violentos bombardeamentos e confrontos que ocorreram
na zona do Monsanto.
“Castelo de S. Jorge, 22-Fevereiro-1919”
Ainda em sequência de todos os acontecimentos que se percipitavam a uma velocidade
vertiginosa, e após a mudança de Governo (onde são afastados os ministros ditos Sidonistas),
acontecem toda uma série de manifestações populares em Lisboa. Após uma troca de tiros
com alguns polícias que estavam na Rua do Arsenal, o povo atacou as esquadras de polícia da
Capital e obrigou o governo a determinar o desarmento dessa força. No dia seguinte,
populares armados e marinheiros, atacaram o Regimento de Infantaria 33 (unidade rotulada
como Sidonista e que estava aquartelado no Castelo de S. Jorge). Aconteceram
bombardeamentos intensos mas, felizmente, sem grande número de vítimas até porque os
efectivos da CVP presentes na cidade eram muito reduzidos (pois estavam praticamente todos
para o Norte do país). Após intervenção do governo, a unidade foi transferida para o Algarve
e voltou a acalmia relativa à cidade.
“Revolta Militar de Lisboa, 18-4-1925”
Nos finais de 1924 a I República agonizava e muitas forças pretendiam acabar com o
ambiente caótico que se vivia em Portugal, no qual a classe política era o perfeito exemplo de
ineficiência.
A 18 Abril de 1925 o General Sinel de Cordes organiza um golpe estritamente militar
(sem civis armados), preparando a população através de uma campanha de propaganda
jornalística, que acaba por eclodir em Lisboa. São poucas as unidades militares que se juntam
aos revoltosos até porque o programa político era indefenido. A sociedade civil reagiu e
radicalizou posições e rapidamente bandos de civis armados de bombas começam a cercar as
unidades revoltosas, aos quais se juntaram unidades vindas da província.
Os encontros armados acontecem e após intensos bombardeamentos os revoltosos
acabam por se render quando vêem que as restantes unidades previstas não se juntam.
No entanto, este movimento ocorrido em Lisboa, foi só o prenúncio da bem sucedida
Revolução de 28 de Maio de 1926, que irá “criar” a ditadura militar conduzindo Portugal para
o período do chamado Estado Novo.
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“Revolução de Fevereiro, 1927”
Após a instauração da ditadura militar, consequente da Revolução do 28 de Maio de
1926, alguns militares descontentes com a situação e liderados pelo General Sousa Dias,
revoltam-se no Porto. Estes exigem a demissão do governo e o regresso à Constituição de
1911 e rapidamente conseguem que algumas outras unidades do Norte do País, Algarve e
Lisboa (incluíndo unidades da GNR e Armada) se juntem ao seu movimento. No entanto, as
forças leais ao governo vão ganhando posição com o apoio de bombardeamentos aéreos
acabando por controlar a situação. Nestes confrontos morreram cerca de 70 pessoas no Porto
e 50 em Lisboa. A CVP, mais uma vez, irá estar presente, através das suas Formações
Sanitárias de Lisboa e Porto na assistência aos feridos e nas negociações de tréguas entre as
partes.
BREVE BIOGRAFIA DE AFONSO DE DORNELAS
É dificil resumir em poucas palavras a intensa vida do ilustre Afonso de Dornelas visto
esta ter sido tão rica e activa em tantas áreas do conhecimento académico e da vida social da
sua época.
A sua bibliografia inédita é composta por várias dezenas de trabalhos sobre Genealogia,
Heráldica, História, Arqueologia entre outros científicos e artísticos, e é por si própria
convidativa a outros tantos estudos temáticos sobre a sua valiosa biografia.
De uma forma sucinta, iremos realçar alguns momentos chaves da sua vida, bem como
algumas funções desempenhadas e situações de reconhecimento público de que foi alvo.
Afonso de Dornelas, de nome completo Afonso de Dornelas Cisneiros, nasceu em
Lisboa a 29 de Fevereiro de 1880. Ainda como estudante, assentou praça no Regimento de
Caçadores 6 (em Leiria) em 1897 e em 1899, já como Sargento, integrou esta unidade na sua
deslocação a Moçambique, em consequência da guerra Anglo-Boer, e de onde regressou com
a classificação de Atirador de 1ª classe.
Entrou ao serviço da SPCV em 1909, e desde 1913 passa a fazer parte das formações
sanitárias desta benemérita instituição, onde acaba por chegar a Coronel equiparado e exercer
as mais altas funções operativas, nomeadamente, como Inspector do Corpo Activo e
Secretário-Geral.
Durante a Grande Guerra como Delegado da CVP no Ministério da Guerra procedeu à
montagem de hospitais de sangue em Angola, Moçambique e França. Em 1918 é nomeado
pelo mesmo Ministério, Vogal da Comissão Central de Informações sobre Prisioneiros de
Guerra e ainda Delegado do Alto Comissariado de Saúde, com a missão de dirigir, em Lisboa,
os transporte dos epidemiados de 1918. De salientar a sua participação activa junto aos
Quartéis-Generais quando das tentativas de revoltas monárquicas, sem esquecer o seu
protagonismo na montagem e funcionamento do Hospital para tifosos (Porto, 1918), Hospitais
para epidemiados (em Amarante e Lisboa, 1918-1919), Hospital Militar em Lisboa
(Junqueira, 1918-1919) e Orfanato em Lisboa (1918-1921).
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Nomeado representante português junto a várias comissões e instituições científicas
estrangeiras, além de ter fundado o Instituto Português de Heráldica e o Conselho
Nobiliárquico de Portugal, foi ainda Presidente da Secção de Heráldica da Associação dos
Arqueólogos Portugueses tendo literalmente modernizado esta forma do saber e de
representar o simbólico.
Por várias vezes foi louvado, nomeadamente pelos serviços desempenhados quando da
Revolta do Cruzador Vasco da Gama, pelo apoio ao o desembarque das tropas do CEP
(Corpo Expedicionário Português), pelos serviços desempenhados na 2ª Guerra Mundial,
tendo dirigido a montagem e funcionamento do Hospital provisório da Gare Marítima de
Alcântara quando da realização da troca de Prisioneiros de guerra feridos e doentes, ingleses e
italianos, realizada em 18 de Abril de 1943.
Afonso de Dornelas acabou por falecer em Fevereiro de 1944.
Por ser um artigo de Falerística, procuraremos enfatizar as inúmeras condecorações
nacionais e estrangeiras com que foi agraciado, assim como as muitas insígnias e distintivos
de instituições académicas e de benemerência com que foi igualmente distinguido. Alerta-se
para o facto de poder haver outras Condecorações que foram concedidas a Afonso de
Dornelas e por qualquer motivo não se tenha encontrado o averbamento oficial, quer nos
arquivos do Exército quer nos da Cruz Vermelha Portuguesa.
Ordens Honoríficas e medalhas portuguesas:
Grande-Oficial da Ordem de Benemerência
Comendador da Ordem de Instrução Pública
Comendador da Ordem Militar de Cristo
Comendador da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada
Oficial da Ordem Militar de Cristo
Medalha de ouro de Mérito, Filantropia e Generosidade
Medalha de prata de Mérito, Filantropia e Generosidade
Medalha Militar de prata da classe de Bons Serviços
Medalha Militar de cobre da classe de Comportamento Exemplar
Condecorações da CVP:
Placa de Honra da CVP
Cruz Vermelha de Benemerência da CVP
Cruz Vermelha de Mérito da CVP
Cruz Vermelha de Dedicação da CVP
Cruz de Assiduidade de cobre da CVP
Cruz de Assiduidade de prata da CVP
Cruz de ouro de Comportamento Exemplar com Assiduidade da CVP
Medalha de ouro de Serviços Distintos da CVP, com as passadeiras:
"Operações em Mafra, 21-Outubro-1914" - ouro
"Revolução 14-Maio, 1915" - ouro
"Revolução 5-12-1917, Lisboa" - ouro
"Gripe pneumónica, 1918" - ouro
"Operações em Santarém, 16-Janeiro-1919" - ouro
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"Tomada do Monsanto, 24-Janeiro-1919" - ouro
"Castelo de S. Jorge, 22-Fevereiro-1919" - ouro
"Operações no Norte, 1919" - ouro
"Revolta Militar de Lisboa, 18-4-1925" - prata
"Revolução de Fevereiro, 1927" - ouro
Medalha de Louvor da CVP (com número 11 na travinca)
Medalha de Agradecimento da CVP
Cruz Comemorativa do 60º aniversário da fundação da CVP
Condecorações espanholas:
Grande-Oficial da Ordem Civil de Alfonso XII de Espanha
Comendador da Ordem de Mérito Militar, distintivo branco
Comendador da Ordem de Mérito Naval, distintivo branco
Comendador da Ordem de Isabel, a Católica
Grande Placa de Honra e Mérito da CV Espanhola
Medalha de prata comemorativa da coroação do Rei Alfonso XIII
Medalha de ouro da CV Espanhola
Medalha de prata da CV Espanhola
Medalha de ouro comemorativa dos 200 anos do bombardeamento e assalto da
Vila de Brihuega e batalha de Villaviciosa
Medalha de prata comemorativa do 1º Centenário da reconquista da cidade de
Vigo
Condecorações de outras nacionalidades:
Cuba - Medalha de Honra e Mérito da CV Cubana
Chile - Medalha de prata do 4º centenário do descobrimento do Estreito de
Magalhães
Bélgica – Medalha de 1ª classe da CV Belga
Alemanha (República de Veimar) - Condecoração de 2ª Classe, da CV Alemã
Insígnias e distintivos de Instituições Académicas e de Benemerência:
Medalha de ouro da Real Sociedade Humanitária do Porto
Colar da Real Associação Central de Agricultura Portuguesa
Colar da Comissão Central do 1º de Dezembro de 1640
Colar do Instituto de Coimbra
Colar da Academia de Ciências de Lisboa
Medalha da Academia Portuguesa de História
Colar da Sociedade de Geografia de Lisboa
Medalha de prata da Associação dos Arqueólogos Portugueses
França - Cruz de Honra da Academia Latina das Ciências e Literatura de Paris
Espanha - Colar da Real Academia de História de Madrid
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Agradecimentos:
Quero aproveitar para agradecer a todos aqueles que, de uma forma ou outra, têm
contribuido para a minha constante pesquisa e o aprofundar de conhecimentos.
Assim, agradeço a excelente colaboração prestada pela Drª Leonor Brandão de Mello e
Senhora Luísa Nobre, do Serviço Histórico-Cultural da CVP e ainda o apoio dos meus
amigos e grandes coleccionadores de militaria, Dom Vasco Xavier Teles da Gama, Leonildo
Ponçe de Almeida, José Manuel Trindade e João Pedro Teixeira, com quem tenho partilhado
as minhas alegrias, dúvidas e anseios.
Os meus agradecimentos ao Doutor Humberto Nuno de Oliveira, meu Professor de
História Política e Diplomática de Portugal e consócio da OMSA (Orders and Medals Society
of America), por me ter possibilitado, agora, a oportunidade de publicar este artigo em
português, uma vez que o mesmo iria ser editado numa revista norte-americana da
especialidade (Journal of the OMSA).
Uma palavra, ainda, de reconhecimento para com alguns amigos e colegas do Instituto
Geográfico Português, nomeadamente ao António Pereira, pela sua grande e constante
disponibilidade, à colaboradora e amiga Drª Paula Camacho e à Drª Teresa Monteiro pelo
grande e permanente incentivo para aceitar este pequeno desafio e outros...
Bem-hajam !
BIBLIOGRAFIA
ALLEGRO, José Luciano Sollari (1988) – Para a História da Monarquia do Norte. Lisboa:
Livros Bertrand
BARATA, General Manuel Themudo e TEIXEIRA, Nuno Severiano (2004) – Nova História
Militar de Portugal – Volume 5. Lisboa: Círculo de Leitores
GOMES, Luísa Costa e FIALHO, Gabriel Lobo (1992) – Salva-Vidas, 100 anos do Instituto
de Socorros a Náufragos. Lisboa: Quetzal Editores
MARQUES, Capitão Rafael (2000) – Cruz Vermelha Portuguesa. Coimbra: Quarteto Editora
MARTINS, General Ferreira (1934) – Portugal na Grande Guerra. Lisboa: Editorial Ática
MARTINS, General Ferreira (1945) – História do Exército Português. Lisboa: Editorial
Inquérito
MELO, Capitão Olímpio de (1922) – Ordens Militares Portuguesas e outras Condecorações.
Lisboa: Imprensa Nacional de Lisboa
OLIVEIRA, General Ramires de (1993) – História do Exército Português 1910-1945 –
Volume II. Lisboa: Estado-Maior do Exército
POPE, Stephen e WHEAL, Elizabeth-Anne (1995) – MacMillan Dictionary of the First
World War. Londres: MacMillan Publishers
SELVAGEM, Carlos (1994) – Portugal Militar, Compêndio de História militar e naval de
Portugal (1931). Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda
VELLOSO, Alferes José Eulogio de Souza (1905) – Legislação sobre Condecorações. Nova
Goa: Imprensa Nacional
Diários de Governos – I e II séries
Ordens do Exército – 1ª e 2ª séries
Ordens à Armada – Séries A e B
Boletins Militares do Ultramar
Boletins Oficiais da Cruz Vermelha Portuguesa
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