O Quadrante de Pasteur: em busca de um modelo de

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O Quadrante de Pasteur: em busca de um modelo de
O Quadrante de Pasteur: em busca de um modelo de desenvolvimento
tecnológico afirmativo para as amazonidades
Antônio José Botelho
Intróito
Esta síntese-reflexão decorre da leitura do livro intitulado “O Quadrante Pasteur: a ciência básica e a
inovação tecnológica”, de autoria de Donald E. Stokes, publicado na cidade de Campinas, pela
Editora Unicamp em 2005, como tomo da coleção Clássicos da Inovação.
O subtítulo “em busca de um modelo de desenvolvimento tecnológico afirmativo para as
amazonidades” remonta à tese recorrente deste autor quanto à adoção do Projeto ZFM como um
meio para a independência econômica e liberdade política dos locais amazônicos. Ou seja,
considerando que a dinâmica econômica que o Pólo Industrial de Manaus [PIM] oferece para a
região, e muito especialmente para o Sistema Manaus de Inovação [SMI], 1 deve ser adotada como a
ponta de um grande iceberg, se pode, ou melhor, deveríamos focar as amazonidades como a maior e
invisível parcela desse mesmo aglomerado de gelo [de oportunidades econômicas], definindo-a
como diretriz para o desenvolvimento científico inspirado de uso. Vale dizer, idealizar uma fração,
botando o icebergr de cabeça para baixo, onde o numerador seja infinitamente maior do que o
denominador, portanto, gerador potencial de maiores e infinitos benefícios para o homem
amazônico. 2
Questões relevantes serão abordadas para costurar a síntese com reflexões, quais associar o SMI
com indicadores de resultado junto ao processo de inovação. Isto é: quantas patentes foram
registradas? Quantas inovações foram realizadas no mercado? Qual o valor de royalties que
retroalimentam o sistema? Perguntas fundamentais deverão estar formuladas, como por exemplo:
quais projetos de pesquisa e desenvolvimento [P&D] deveriam ser privilegiados pelos recursos que
alimentam o SMI? Como legitimar a adoção das amazonidades frente à conflitante questão entre o
interesse político de curto prazo e a verdade científica de longo prazo? Como valorizar
competitivamente as subvenções econômicas aplicadas para fins de inovação tecnológica por firmas
de capital endógeno que realizam amazonidades no mercado?
A tese fundamental de Stokes aplicada a esta síntese-reflexão é a institucionalização de dois grandes
papéis no desenvolvimento científico-tecnológico frente às inovações tecnológicas junto às
amazonidades: i) a busca de entendimento científico sem considerações de uso tecnológico
[pesquisa básica pura; intitulado Quadrante de Bohr] para a busca de entendimento científico com
considerações de uso tecnológico; e, ii) a própria busca de entendimento científico com
1
Stokes não aborda ao longo de seu livro os avanços teóricos relativos à concepção neoschumpeteriana de
C&T&I que convergiram para a lógica dos sistemas locais de inovação, e, portanto, adotam a inovação não de
forma linear partindo da academia ou do mercado, vertical ou horizontal, ou transversal, mas como um
processo sistêmico, envolvendo todos os agentes do sistema econômico geral – sinteticamente reconhecidos
como governo [notadamente agências de fomento e de financiamento], academia [incluindo institutos de
pesquisa e de serviços tecnológicos] e setor produtivo [incluindo sistema financeiro e de serviços].
2
Vide reflexão deste autor, intitulada “Desenvolvimento Libertário: uma fórmula política para Manaus”,
publicada em Manaus pela Revista Via Legis nº 62, de maio de 2009, e disponível no site
www.argo.com.br/antoniojosebotelho .
considerações de uso tecnológico [pesquisa básica inspirada pelo uso; o próprio Quadrante Pasteur]
3
. Isto é, tudo deve convergir para o Quadrante Pasteur, considerando o atraso que a Amazônia tem
quanto ao desenvolvimento industrial e tecnológico com base em capital e tecnologia próprias.
A hipótese da associação da não-busca de entendimento fundamental, que pressupõe o saber da
ciência já disponível, com considerações de uso [pesquisa aplicada pura; intitulado Quadrante de
Edison], foi considerado nesta síntese-reflexão como algo já factível ao mundo amazônico, apesar de
quase-tudo estar por ser desvendado. Todavia, não existem ainda inovações tecnológicas radicais,
que possam promovem uma transformação econômica revolucionária. Por isso, a Amazônia deve
continuar perscrutando a ciência, como de resto é regra para a condição humana.
Stokes desenvolve seus argumentos em torno dos Quadrantes [Bohr; Pasteur e Edison] partindo de
dois grandes cânones: i) de que a pesquisa básica é realizada sem se pensar em fins práticos. Neste
caso, foi planejada para persuadir o país e a comunidade política de que quaisquer tentativas de
restringir a liberdade criativa do cientista básico seriam autodestrutivas; e, ii) de que a pesquisa
básica é precursora do progresso tecnológico. Portanto, foi planejada para persuadir a comunidade
política de que o investimento em ciência básica geraria tecnologia para satisfazer um amplo
espectro das necessidades do país. Claro está que no caso da Amazônia, e muito especialmente, do
SMI, que devemos adotar a perspectiva de que a pesquisa básica deve ser precursora de inovações
tecnológicas em benefício da cultura das amazonidades. Ou seja, a institucionalização das políticas
públicas para o desenvolvimento científico-tecnológico amazônico deve potencializar a diretriz de
transformar insumos e saberes da floresta em produtos e processos realizáveis no mercado.
Stokes segue a seguinte sistemática para abordar a questão: i) descrição dos elementos
problemáticos no paradigma pós-guerra; ii) exame da história das idéias para superar o paradoxo
criado pela ampla aceitação do paradigma pós-guerra; iii) proposição – eixo da argumentação - de
uma visão reformulada do relacionamento entre o entendimento e o uso como objetivos da pesquisa
e entre as categorias de pesquisa básica e de pesquisa aplicada, derivadas desses objetivos, visando
oferecer uma visão bastante diversa dos vínculos entre a ciência básica e a inovação tecnológica; 4 iv)
demonstração de como uma nova visão – visão reformulada – pode ajudar a renovar o pacto entre
ciência e governo; e, v) tentativa de estabelecer um processo por meio do qual a democracia
estadunidense poderia vir a construir agendas de pesquisa básica de inspiração utilitária mediante a
combinação de considerações sobre as promessas da pesquisa e as necessidades da sociedade. Este
é o foco para associar a perspectiva estadunidense com a premência amazônica de construir sua
liberdade política e independência econômica com base nas amazonidades.
I - Vamos à síntese, enunciando o problema a partir de Stokes, ajustado à lógica das
amazonidades vis a vis a premência da sustentabilidade.
As forças liberadas pela Revolução Científica do século XVII e pela Revolução Industrial do século XIX
ajudaram a criar o mundo moderno. Mas, o final do século XX anunciou a desordem dos motores da
3
Pasteur encorajou seus estudantes a realizarem trabalhos práticos antes de encetarem carreiras industriais.
Sua prática levou-o a observar que uma das mais valiosas qualidades da pesquisa aplicada é a de reduzir o grau
de empirismo de uma atividade industrial. Por isso, empresta seu nome para caracterizar esse quadrante que
considera a pesquisa básica para fins de uma utilidade socioeconômica.
4
Perspectiva que se aproxima da lógica dos Sistemas Locais de Inovação.
modernização e, ao mesmo tempo, revelam a perspectiva de um novo paradigma. Ou seja, ao passo
em que a cultura dos combustíveis fósseis perde a força motora do desenvolvimento econômico, a
lógica da sustentabilidade ganha fôlego, fazendo emergir a produção e a distribuição de produtos e
serviços estruturados em capital consciente, tecnologia limpa e consumo inteligente. Nesse meio
campo, a Amazônia, por força intrínseca de suas amazonidades, constitui o laboratório natural para
a construção de um novo marco civilizatório. 5
Por motivos diferentes, Stokes admite que precisamos de uma visão mais realista do relacionamento
entre ciência básica e a inovação tecnológica para podermos estruturar políticas científicas e
tecnológicas para um novo século. Diferentes porque Stokes fala do colapso que o sistema de
financiamento estadunidense de C&T&I sofreu com o fim da guerra fria, combinada com recentes
revisões das pertinentes políticas científicas e tecnológicas encetadas pelos países centrais
industrializados. Essas motivações do Stokes estão ainda amparadas pela fragilidade das crenças da
época com respeito às relações entre a ciência e a tecnologia. Na realidade, essa fragilidade oferece
a margem para tênues interpretações entre as fronteiras da ciência desenvolvida com ou sem
considerações de uso. Embora tênues, são extremamente relevantes para o entendimento da
questão, conforme avançaremos na síntese das considerações de Stokes. Diferentes porque nossa
motivação está em sinalizar diretriz para as políticas públicas afirmativas frente a oportunidade
histórica das amazonidades enquanto motor de desenvolvimento sustentável num espaço subperiférico que se deseja senhor de suas pernas e desejos.
Stokes começa sua argumentação descrevendo a forja do paradigma do pós-guerra. Para tanto,
informa que Franklin Roosevelt pediu a Vannevar Bush, então diretor do Escritório de Pesquisa
Científica e Desenvolvimento, um ano antes do término da Segunda Guerra Mundial, que tentasse
prever o papel da ciência em tempo de paz. Foi então elaborado o Science, The Endless Frontier
[Relatório Bush], estabelecendo uma visão de como os Estados Unidos poderiam manter seu
desenvolvimento em pesquisa científica quando a guerra tivesse acabado, cuja visão da ciência
básica e de sua relação com a inovação tecnológica tornou-se o alicerce da política científica
estadunidense para as décadas seguintes.
O esquema conceitual para pensar a ciência e a tecnologia e a redução drástica do controle do
governo sobre a realização das pesquisas foram as razões para a profunda influência do Relatório
Bush. Focando a primeira razão, Stokes informa que Bush resumiu suas premissas em duas máximas,
cada uma delas modelada na forma de uma afirmação a respeito da pesquisa básica – termo criado
por Bush. A primeira era de que “a pesquisa básica é realizada sem se pensar em fins práticos”. Bush
acrescenta que a característica definidora da pesquisa básica reside na sua contribuição “ao
conhecimento da natureza e de suas leis”. Seu primeiro cânone sobre a pesquisa básica ainda
exprimia a crença de que a criatividade da ciência básica seria perdida se fosse constrangida por um
pensamento prematuro sobre sua utilidade prática. Portanto, Bush via uma tensão inerente entre o
5
Não à toa, Stokes sugere ao final do seu livro que o meio ambiente é uma área problema na qual o modelo
dos Institutos Nacionais de Saúde concebido pelos Estados Unidos ao longo da segunda metade do século XX
poderia ser replicado no contexto das políticas públicas daquele país. Ou seja, uma crescente comunidade
multidisciplinar de pesquisadores buscando o conhecimento científico mais profundo para gerar retorno
econômico para o setor privado sob a égide do desenvolvimento sustentável.
entendimento e o uso como metas da pesquisa e, por extensão, uma separação natural entre as
categorias de pesquisa básica e da pesquisa aplicada, derivadas de tais metas. 6
Na realidade, essa tensão será bem ilustrada adiante pela idéia de um espectro entre pesquisa básica
e aplicada exposta num gráfico unidimensional que representou a versão estática do paradigma do
pós-guerra, isto é, a idéia de que a pesquisa não pode estar mais próxima de um dos extremos desse
contínuo sem estar mais distante do outro.
Por outro lado, a segunda máxima de Bush lançou as bases para a versão dinâmica. Ele escreveu: “A
pesquisa básica é precursora do progresso tecnológico”. Com isso, expressou a crença de que, se a
pesquisa básica por apropriadamente isolada de curto-circuito decorrente de considerações
prematuras sobre a utilidade, ela provará ser uma remota, porém, poderosa, geradora de progresso
tecnológico, à medida que a pesquisa aplicada e o desenvolvimento forem convertendo as
descobertas da ciência básica em inovações tecnológicas capazes de satisfazer toda a gama de
necessidades da sociedade: econômicas [categoria na qual se inclui as amazonidades], de defesa, de
saúde e outras.
A imagem, igualmente unidimensional, que veio a representar essa versão dinâmica da visão do pósguerra é a do conhecido “modelo linear”, com a pesquisa básica levando à pesquisa aplicada e ao
desenvolvimento, e em seguida à produção ou a operações, segundo a inovação seja de produto ou
de processo. 7
Stokes argumenta que a visão de Bush quanto ao relacionamento entre a ciência fundamental e a
inovação tecnológica continha um elemento adicional: o de que aqueles países que investirem em
ciência básica obterão seu retorno em tecnologia à medida que os avanços da ciência forem
convertidos em inovações tecnológicas pelos processos de transferência de tecnologia. Nesse
sentido, vale a sua crença de que “uma nação que depende de outras para obter seu conhecimento
científico básico novo será lenta em seu progresso industrial e fraca em sua situação competitiva no
comércio mundial”.
6
Conforme se demonstrará com o avançar da síntese-reflexão, essa percepção não deve prevalecer no
contexto das amazonidades.
7
Aqui também a abordagem de Stokes por força temporal se mostra defasada do conceito mais moderno de
inovação tecnológica contido na versão de 2005 do Manual de Oslo, que incorpora inovações organizacionais e
de marketing à concepção original de inovação tecnológica de produtos e processos. Vejamos o que define os
seus parágrafos 31, 32 e 33: i) “§ 31 Uma empresa pode realizar vários tipos de mudanças em seus métodos de
trabalho, seu uso de fatores de produção e os tipos de resultados que aumentam sua produtividade e/ou seu
desempenho comercial. O Manual define quatro tipos de inovações que encerram um amplo conjunto de
mudanças nas atividades das empresas: inovações de produto; inovações de processo; inovações
organizacionais e inovações de marketing”; ii) “§ 32 Definições completas dos quatro tipos de inovação podem
ser encontradas no Capítulo 3. Inovações de produto envolvem mudanças significativas nas potencialidades de
produtos e serviços. Incluem-se bens e serviços totalmente novos e aperfeiçoamentos importantes para
produtos existentes. Inovações de processo representam mudanças significativas nos métodos de produção e
de distribuição”; iii) “§ 33 Inovações organizacionais referem-se à implementação de novos métodos
organizacionais, tais como mudanças em práticas de negócios, na organização do local de trabalho ou nas
relações externas da empresa. Inovações de marketing envolvem a implementação de novos métodos de
marketing, incluindo mudanças no design do produto e na embalagem, na promoção do produto e sua
colocação, e em métodos de estabelecimento de preços de bens e de serviços”.
Esta é uma passagem da síntese de se deve refletir de plano. A Amazônia e muito especialmente
Manaus cresce economicamente a partir de pacotes tecnológicos embutidos nos projetos industriais
atraídos por força do Projeto ZFM. O SMI, portanto, está em conflito com qual prioridade deve dar
em nível de políticas industrial e tecnológica. Se o conflito não é aparente, certamente o é de forma
subliminar, pois o bojo das iniciativas governamentais não considera a dimensão patrimonial de
forma explícita. Qual prioridade confere? Oferecer competências tecnológicas tardias para as
demandas pertinentes ao PIM ou buscar competências tecnológicas vinculadas às demandas da
incipiente estrutura produtiva centrada nas amazonidades? A questão deve ser enfrentada
lucidamente, pois na há recursos financeiros disponíveis para atender às duas frentes. Para tanto,
devemos perceber que os pacotes tecnológicos e projetos industriais atraídos é fruto de políticas
industriais e tecnológicas de alhures, cujas firmas desses países caminham com as próprias pernas e
segundo seus desejos realizando mais-valia global no mundo plano. 8 O que já temos sugerido, a
partir de outros autores, é a adoção de um alvo móvel concebido a partir da dimensão patrimonial
local frente à fronteira tecnológica mundial, cujo fulcro seja amazonidades. 9
Stokes que Bush forjou com a integração dessas máximas em um plano capaz de promover os
objetivos estadunidenses ao mesmo tempo em que permitia aos cientistas levar a pesquisa básica
até onde quer que ela os conduzisse. O mais importante é que quando esse plano [Relatório Bush Science, The Endless Frontier] foi incorporado à política, nas décadas do pós-guerra, ele possibilitou
aos Estados Unidos promover seus objetivos, enquanto muitos de seus mais capazes e bem treinados
cientistas levavam a pesquisa básica até onde quer que ela os conduzisse, às expensas do Estado. 10
Portanto, pode-se admitir quão bem o Relatório Bush teve um momento adequado para converter a
energia cinética do êxito da ciência no tempo de guerra na energia potencial do continuado apoio do
governo à ciência em tempos de paz.
Não há dúvidas, assim, que os países passaram a ver seus investimentos em ciência como um meio
de se manterem competitivos na economia globalizada. Essa perspectiva, como conseqüência,
suscita novas questões sobre se um país pode ganhar alguma vantagem competitiva transformando
em novas tecnologias os frutos de sua pesquisa básica. 11 Stokes procurou lançar um novo olhar
sobre os objetivos da ciência e suas relações com a tecnologia. Para tanto, reexamina o vínculo entre
a inclinação para a busca do conhecimento fundamental e a tendência para a aplicação prática.
Neste contexto é que argumentaremos a adoção positiva das amazonidades como fulcro e motor
das políticas industriais e tecnológicas para a Amazônia, enquanto forjadora de uma verdadeira
revolução científico-tecnológica.
8
Vide síntese-reprodução deste autor intitulada “As países emergentes e o mundo plano” disponível no sítio
www.argo.com.br/antoniojosebotelho .
9
A estratégia da concepção de um alvo móvel para a formulação de políticas públicas alternativas para locais
cuja industrialização esteja estruturada na substituição de importações/atração de investimentos pode ser
obtida no livro “Política Industrial: uma interpretação heterodoxa”, publicado pelo Instituto de Economia da
Unicamp, em 2000. Seu fulcro é a adoção explícita da dimensão patrimonial como ferramenta da estratégia.
10
No mínimo, lá se criou um círculo virtuoso com a atração de pesquisadores de várias nacionalidades,
inclusive brasileira, por força do poder do financiamento e da vigorosa infra-estrutura laboratorial, combinada
com remunerações valorosas.
11
Vide reflexão deste autor intitulada “Empreendedorismo: uma racionalidade para a Amazônia” disponível no
sítio www.argo.com.br/antoniojosebotelho . Um grande e valioso canal é o desenvolvimento do que hoje se
está chamando de empreendedorismo científico-tecnológico, isto é, a transformação de idéias científicotecnológicas em negócios, tanto a partir do chão acadêmico quanto a partir do chão de fábrica.
Antes, porém cabe reforçar os conceitos de pesquisa básica e de pesquisa aplicada. Para tanto,
Stokes começa afirmando que a pesquisa se desenvolve por meio d escolhas. Embora as atividades
por meio das quais a pesquisa científica produz novas informações ou novo conhecimento sejam
extraordinariamente variadas, elas envolvem sempre uma seqüência de decisões ou escolhas.
Algumas delas, segundo Stokes, têm a ver com a escolha da área do problema ou de uma linha
particular de investigação; outras, com a construção de teorias ou modelos, com a obtenção de
predições, deduções ou hipóteses, com o desenvolvimento de instrumentos ou realização de
medidas, com o uso de técnicas analíticas, com a seleção de continuações de investigações, com a
comunicação de resultados a outros cientistas. De tal sorte que todo processo de pesquisa pode ser
pensado como um processo seqüencial e ramificado de tomada de decisões. Ademais, em cada ramo
que se sucede existem muitas alternativas diferentes para o próximo passo a ser dado. Assim, a
distinção entre a pesquisa básica e a aplicada gira em torno dos critérios que governam a escolha
entre tais alternativas.
Para Stokes, a qualidade definidora da pesquisa básica é que ela procura ampliar a compreensão dos
fenômenos de um campo da ciência. Ainda que a pesquisa básica tenha sido definida de muitas
formas e envolva a extraordinária variedade de passos que se indicou, sua propriedade essencial e
definidora é a contribuição que ela procura trazer ao corpo de conhecimento explicativo geral de
uma área da ciência.
Adicionalmente, Stokes argumenta que algumas vezes a pesquisa básica é definida em termos de
certos correlatos que a tornam diferente da pesquisa aplicada, tais como originalidade, liberdade dos
pesquisadores, avaliação pelos pares dos resultados publicados e distância no tempo entre a
descoberta e a utilização prática. Mas essas propriedades não devem ser confundidas com a
qualidade específica da pesquisa básica, qual seja seu ímpeto em direção a um mais amplo
entendimento dos fenômenos de certo campo.
Enquanto a pesquisa básica procura ampliar o campo do entendimento fundamental, a pesquisa
aplicada volta-se para alguma necessidade ou aplicação por parte de um indivíduo, de um grupo ou
de uma sociedade. De outra forma, se o objetivo da pesquisa básica consiste, em uma palavra, no
entendimento, e o da pesquisa aplicada, na utilização, não se pode duvidar de que esses tipos de
pesquisas sejam conceitual ou analiticamente diferentes. Assim Stokes entende que a tensão
inerente entre os objetivos de entendimento em geral e de utilização aplicada faz uma determinada
atividade de pesquisa pertencer a uma ou outra dessas categorias, mas não a ambas. Um conflito
inerente entre os objetivos da pesquisa básica e os da aplicada mantém, segundo se acredita, uma
fronteira empírica entre os dois tipos de investigação.
Encontra-se no sítio [ www.finep.gov.br ]da Financiadora de Estudos e Projetos [FINEP], os seguintes
conceitos de pesquisa básica e aplicada:
Estudo teórico ou experimental que visa contribuir de forma original ou incremental para a
compreensão sobre os fatos e fenômenos observáveis, teorias, sem ter em vista uso ou aplicação
específica imediata. A pesquisa básica analisa propriedades, estruturas e conexões com vistas a
formular e comprovar hipóteses, teorias etc. Os resultados da pesquisa básica, geralmente não
negociáveis, são, no mais das vezes, publicados em periódicos científicos ou postos em circulação
entre os pares. Portanto, o cientista gera e consome conhecimento. O produto da ciência é
basicamente um novo conhecimento, que é repassado através da informação, tendo como
suporte o documento. O domínio público da literatura científica faz parte do processo de
comunicação científica. Sua atividade mais importante é a avaliação da produção científica feita
pelos pares, pelos "referees", cujo resultado é determinante para que a publicação ocorra e
conseqüentemente para o seu reconhecimento. Eventualmente, a pesquisa básica pode ser
declarada secreta ou confidencial por razões de segurança. A pesquisa básica é comumente
executada por cientistas que estabelecem suas próprias metas e, em grande parte, organizam o
seu próprio trabalho. Contudo, em alguns casos, a pesquisa básica pode ser fundamentalmente
orientada ou dirigida em função de áreas mais amplas de interesse geral. Tal tipo de pesquisa é,
às vezes, chamado de "pesquisa básica orientada".
É uma investigação original concebida pelo interesse em adquirir novos conhecimentos. É,
entretanto, primordialmente dirigida em função de um objetivo prático específico. A pesquisa
aplicada é realizada ou para determinar os possíveis usos para as descobertas da pesquisa básica
ou para definir novos métodos ou maneiras de alcançar um certo objetivo específico e prédeterminado. Ela envolve consideração de conhecimento disponível e sua ampliação com vistas à
solução de problemas específicos. No Setor Empresarial, a distinção entre pesquisa básica e
aplicada será freqüentemente marcada pela criação de um novo projeto para explorar os
resultados promissores de um programa de pesquisa básica. Os resultados da pesquisa aplicada
são hipotética e fundamentalmente válidos para apenas um ou para um número limitado de
produtos, operações, métodos e sistemas. A pesquisa aplicada operacionaliza as idéias. Os
conhecimentos ou informações dela advindos são quase sempre patenteados, podendo contudo
se manterem sob sigilo.
A separação entre pesquisa básica e aplicada, um implicação desse presumido conflito, é uma idéia
integrada no paradigma dominante do pós-guerra da política científica e tecnológica e nas formas de
ver a ciência dos governos, da comunidade dos pesquisadores e dos meios de comunicação. É
impossível, para Stokes, examinar os comentários sobre a ciência feitos em décadas recentes sem
sentir quão profundamente essa idéia permeia nossa atitude diante da pesquisa científica. A crença
de que a pesquisa básica e a aplicada constituem categorias separadas foi reforçada pelo
desenvolvimento institucional da ciência na Europa e na América do Norte, durante os séculos XIX e
XX.
Stokes segue enunciando o problema falando da forma estática e dinâmica do paradigma pós-guerra.
Inicia ilustrando graficamente a forma estática do paradigma predominante baseado na crença de
que o entendimento [decorrente da pesquisa básica] e a utilização [decorrente da pesquisa aplicada]
sejam metas conflitantes e de que a pesquisa básica e a aplicada sejam categorias separadas. Tratase da idéia de um espectro de pesquisa estendendo-se da pesquisa básica à aplicada. Simples assim:
Básica
Aplicada
Essa representação num espaço unidimensional euclidiano preserva a conformidade com a primeira
grande máxima de Bush [“a pesquisa básica é realizada sem se pensar em fins práticos”], visto que a
atividade científica não pode estar próxima de um dos pólos sem estar distante do outro.
Sotkes avança argumentando que a diferenciação entre a pesquisa básica e a aplicada é também
incorporada pela forma dinâmica do paradigma do pós-guerra. Com efeito, o espectro estático
básica-aplicada associado ao primeiro dos cânones de Bush constitui o segmento inicial da
representação dinâmica associada ao seu segundo cânone [“A pesquisa básica é precursora do
progresso tecnológico”]. O eternamente popular “modelo linear”, uma seqüência que se estende
desde a pesquisa básica até a nova tecnologia:
Pesquisa Básica
Pesquisa Aplicada
Desenvolvimento
Produção e Operações
Para Stokes, a crença de que os progressos científicos são convertidos em utilizações práticas por
meio de um fluxo dinâmico que vai da ciência à tecnologia tem sido em toda parte um lugar-comum
entre os administradores de P&D. Bush endossou essa crença de uma maneira enfática ao dizer que
os progressos da ciência são a principal fonte da inovação tecnológica, e isso acabou sendo absorvido
pela visão predominante do relacionamento entre ciência e tecnologia. 12 Essa “seqüência
tecnológica” da ciência básica à tecnologia veio a ser ficar conhecida como “transferência de
tecnologia”. 13
O paradigma pós-guerra, então, exprime, ao mesmo tempo, a crença de que pesquisa básica e
pesquisa aplicada são empresas separadas, levadas adiante por pessoas distintas com dons e
interesses diferentes, e a crença na precedência no tempo das descobertas da pesquisa básica.
Todavia, ao examinar a validade dessas crenças, é preciso lembrar que os objetivos usados para
definir as categorias de pesquisa básica e de pesquisa aplicada de forma alguma esgotam os motivos
condutores da empreitada científica. Isto é, as variadas motivações para pesquisa não diminui a
importância de se investigar em profundidade o relacionamento entre metas do entendimento e do
uso, visto que o paradigma do pós-guerra é caracterizado pela crença de que tais metas encontramse necessariamente sob tensão mútua.
Não obstante, Stokes, como que vislumbrando uma reformatação do paradigma pós-guerra, que
representa o fulcro de sua intenção, argumenta que é possível uma visão muito diferente desses
relacionamentos. Seu entendimento está no fato de que embora uma grande quantidade de
pesquisa seja inteiramente conduzida como base em um ou outra das metas do entendimento e do
12
É possível, todavia, perceber que a categorização moderna da inovação tecnológica em incrementais e
radicais amenize essa concepção, na medida em que as inovações incrementais promovidas até ao nível de
pequenas melhorias de design, por exemplo, podem derivar de saber técnico já universalmente disponível, ao
passo, que as inovações que transformam a economia gerando novas indústrias e firmas, estas sim, surgem
com o indispensável apoio da ciência, como por exemplo, a nanociência, que conformará a produção e
distribuição de produtos e serviços neste século XXI.
13
Encontra-se no sítio [ www.finep.gov.br ] da FINEP, o seguinte conceito de TRANSFERÊNCIA DE
TECNOLOGIA: O termo "transferência de tecnologia" refere-se mais ao processo de importação de tecnologia.
O proprietário da tecnologia é protegido por um monopólio legal, através do sistema de patentes. A
transferência de tecnologia só acontece quando no processo os pré-requisitos necessários são estabelecidos e
respeitados, ou seja: motivação para que seja de fato transferida; recursos financeiros suficientes para
assegurar a viabilidade do projeto; recursos humanos adequados (mão-de-obra que garanta habilidades
técnicas, gerenciais e de produção). Envolve atividades voltadas para a compra/absorção de tecnologias
nacionais ou estrangeiras consideradas de interesse para a capacitação tecnológica da empresa nacional e que
contribui para o desenvolvimento econômico e social do país. No Brasil a transferência de tecnologia se efetua
através de contratação tecnológica e para que surta determinados efeitos econômicos; o contrato deve ser
avaliado e averbado pelo INPI. Todos os contratos que impliquem transferência de tecnologia, sejam entre
empresas nacionais e empresas sediadas ou domiciliadas no exterior, por disposição legal, devem ser
averbados pelo INPI.
uso, alguns estudos de grande importância têm mostrado que as sucessivas escolhas da pesquisa são
influenciadas por ambas as metas [negrito de Stokes].
Para tanto,Stokes informa que essa possibilidade é admiravelmente ilustrada pelo surgimento da
microbilogia no século XIX. A adoção da prática de Pasteur para intitular o Quadrante que sinaliza
para essa simbiose foi deliberadamente escolhida por Stokes. Pois, ninguém pode duvidar de que
Pasteur buscava um entendimento fundamental dos processos de doença e de outros processos
microbiológicos que ia descobrindo, na medida em que se movia pelos estudos sucessivos de sua
notável carreira. Mas também não existem dúvidas de que ele buscava tal entendimento para
alcançar os objetivos aplicados, tais quais prevenir a deteriorização na produção de vinagre, cerveja,
vinho e leite, e de vencer a flacherie no bicho-da-seda, o antraz no gado ovino e bovino, a cólera no
frango, e a raiva em animais e seres humanos. Essa mistura de objetivos ainda não era visível no
jovem Pasteur. Contudo, o Pasteur maduro nunca realizou um estudo que não fosse aplicado, ao
mesmo tempo em que dava forma a todo um novo ramo da ciência.
De forma alguma o exemplo de Pasteur foi único. Além do Canal da Mancha, a física de Kelvin era
inspirada por uma visão profundamente industrial e pelas necessidades do Império Britânico. Do
outro lado do Reno, os químicos orgânicos alemãs estavam realizando avanços importantes no
lançamento das bases da indústria de anilinas sintéticas da Alemanha, e mais tarde de fármacos, e no
tempo de Staudinger, dos plásticos. Nos Estados Unidos, Irving Langmuir recebeu em 1932 o Prêmio
Nobel por desvendar a físico-química dos componentes que estavam sendo produzidos pela
nascente indústria eletrônica. No século que se seguiu a Pasteur, todos os ramos da ciência
registraram progressos que eram parcialmente inspirados por considerações de uso.
Do lado de cá, neste início do terceiro milênio da era cristã, chegou a vez e a hora da Amazônia, dos
amazônidas e das amazonidades contribuírem não só para inaugurar um novo marco civilizatório
com base na sustentabilidade, mas para desfrutarem de efetiva liberdade política e independência
econômica por força do desenvolvimento industrial e tecnológico endógeno, sem xenofobia mas com
autonomia. Basta que as políticas públicas sejam de Estado, que visem o horizonte secular.
Stokes seqüencia seu argumento assegurando que é difícil enquadrar as modernas Ciências
Biológicas na visão tradicional, de uma dicotomia entre pesquisa básica e aplicada. A revolução da
biologia molecular oferece muitos exemplos para o convencimento necessário da fusão de objetivos.
Essa fusão de objetivos, Stokes esclarece que não é uma exclusividade das Ciências Biológicas. Os
objetivos de entendimento e de uso estão tão estreitamente ligados em um grupo de Ciências da
Terra quanto o estão nas Ciências da Vida.
Um exemplo revelador é o do avanço da físico-química alcançado por W. K. Lewis, A. A. Noyes e G. N.
Lewis no Massachusetts Institute of Technology [MIT] após a Primeira Guerra Mundial. Noyes e os
dois Lewis reorganizaram o estudo da engenharia química em torno de alguns processos genéricos,
como a destilação, filtragem e absorção, estendendo tais desenvolvimentos por meio da exploração,
em um nível ainda mais geral e abstrato, de fenômenos como a troca de calor e a química de altas
temperaturas, as reações a altas pressões e a absorção de gás, criando uma nova escola físicoquímica bastante influente. Mas eles também construíram uma base de conhecimentos muito mais
sólida para poder satisfazer as necessidades de sua clientela industrial. Se o objetivo de
entendimento geral guiou com tanta força esse trabalho, ele o fez sem em momento algum
enfraquecer o objetivo de uso. Esses desenvolvimentos constituem um claro exemplo de pesquisa
em uma ciência física guiada conjuntamente pelos objetivos de entendimento e de uso. Os Lewis,
tanto quanto Pasteur, estavam sintonizados com ambos.
Um dos momentos em que a pesquisa física moderna fundiu de forma mais evidente os objetivos de
compreensão e de uso foi com o desenvolvimento de armas atômicas durante a Segunda Guerra. O
Projeto Manhattan foi evocado como um gigantesco exercício de pesquisa aplicada e
desenvolvimento, e não como um também notável esforço de pesquisa básica. Porém, o mesmo
pode não ter dado origem a avanços científicos tão fundamentais quanto aqueles criados por Niels
Bohr e outros nas décadas que antecederam a guerra. Mas ele só atingiu seu objetivo pela promoção
do desenvolvimento do campo da física nuclear e pelo estabelecimento de uma base de
conhecimento sobre os fenômenos fundamentais desse campo, tais como as probabilidades de
nêutrons de várias energias serem capturados por núcleos, e o espalhamento e a absorção de
nêutrons de vários isótopos nucleares. A física nuclear beneficiou-se bastante da descoberta e do
estudo de muitos isótopos novos, produzidos pela fissão de urânio e plutônio e pela captura de
nêutrons. Assim, os avanços da ciência básica alcançados pelo Projeto Manhattan também
alimentaram o trabalho subseqüente em campos correlatos. Por exemplo, o entendimento adquirido
sobre os fenômenos de implosão contribuiu, mais tarde, com importantes idéias para o estudo das
supernovas. Portanto, parece mais razoável ver essa experiência dos anos da guerra não como uma
negativa de oportunidades para a pesquisa básica, mas antes como canalizando essa pesquisa na
direção de um objetivo nacional [estadunidense] maior.
As ciências sociais também representam casos notáveis de avanços originados do desejo de estender
o conhecimento básico a alcançar objetivos aplicados. Um exemplo insigne foi o desenvolvimento da
teoria macroeconômica nas mãos de John Maynard Keynes e seus sucessores. Keynes desejava
compreender a dinâmica da economia em um nível fundamental, mas também queria abolir a
opressiva miséria da depressão econômica. Embora o crescimento sustentado tenha sido apenas
parcialmente conquistado, não podemos deixar de notar a fusão de objetivos presentes nessa linha
de pesquisa de uma ciência social.
A pesquisa recente sobre as fontes do desenvolvimento econômico ilustra essa fusão de objetivos na
pesquisa social voltada para a determinação de melhores práticas. No trabalho de Arthur Lewis, um
pioneiro no campo do desenvolvimento econômico, há uma lucidez digna de Pasteur com relação à
ligação entre o entendimento e o uso. Arthur Lewis realizou sua mais importante contribuição para a
economia do desenvolvimento, seu modelo bi-setorial do desenvolvimento, investigando os mais
profundos quebra-cabeças intelectuais da economia. Portanto, ao mesmo tempo em que procurava
ajudar a resolver os problemas enfrentados pelos países em desenvolvimento na época pós-colonial,
procurava também entender as fontes do crescimento econômico em um nível fundamental.
Os exemplos da história da ciência em contradição com a formulação do paradigma do pós-guerra
também põem em dúvida sua versão dinâmica. Se a pesquisa básica pode ser diretamente
influenciada por objetivos aplicados, então a ciência não pode mais ser vista apenas como uma
remota geradora de descobertas científicas, movida a curiosidade. Descobertas a serem
posteriormente convertidas em novos produtos e processos pela pesquisa aplicada e pelo
desenvolvimento, nos estágios subseqüentes da transferência de tecnologia. Essa constatação,
porém, prepara o cenário para uma consideração mais realista da relação entre a ciência básica e a
inovação tecnológica.
A idéia comum de que a relação entre ciência e novas tecnologias pode ser resumida pela imagem de
uma seta emergindo da pesquisa básica em direção à pesquisa aplicada, e daí para o
desenvolvimento e, em seguida, a produção ou as operações, representa uma visão supersimplificada que distorce as realidades subjacentes de uma maneira tão evidente. Tal perspectiva
começou a atrair críticas tão rapidamente quanto foi conquistando sua ampla aceitação.
Uma concepção, menos simplista, mas igualmente errônea, porque embutida na forma dinâmica do
modelo pós-guerra, é a suposição de que, em última análise, toda ou quase toda a inovação
tecnológica tem suas raízes na ciência. Mesmo levando em conta a necessidade de um intervalo de
tempo considerável para que se faça sentir a influência da ciência incorporada sobre a tecnologia,
essa visão exagera consideravelmente o papel desempenhado pela ciência na mudança tecnológica,
qualquer que seja o período histórico considerado. Em todos os séculos, a idéia de que a tecnologia
tem por base a ciência seria simplesmente falsa. Durante a maior parte da história da humanidade,
as atividades práticas têm sido aperfeiçoadas por “”melhoradores” de tecnologia”, os quais não
conheciam nenhuma ciência, nem tampouco teriam obtido disso uma grande ajuda, caso
conhecessem.
Essa situação somente se modificou quando no final do século XIX os progressos da física conduziram
à energia elétrica, os avanços da química levaram às novas anilinas sintéticas e os da microbiologia
deram origem a melhorias significativas na saúde pública, consideradas como fundadoras da
Segunda Revolução Industrial. Contudo, até os dias atuais, uma grande quantidade de inovação
tecnológica tem sido produzida sem o estímulo de avanços da ciência. O Japão, por exemplo,
conquistou sua posição em mercados como o de automóveis e o de bens de consumo eletrônicos
menos em razão de novas aplicações da ciência do que por meio de pequenas e rápidas mudanças
em seus processos de criação e produção, as quais, por sua vez, foram determinadas pela reação dos
consumidores e por considerações de uso.
Portanto, a falha mais grave na forma dinâmica do paradigma do pós-guerra é a sua premissa de que
fluxos como os que soem ocorrer entre a ciência e a tecnologia se dão sempre num mesmo e único
sentido, da descoberta científica para a inovação tecnológica; ou seja, que a ciência é exógena à
tecnologia, pouco importando quão múltiplos e indiretos possam ser os caminhos que as ligam. Os
anais da ciência sugerem que essa premissa nunca foi verdadeira em toda a história da ciência e da
tecnologia. Houve, na verdade, um notável fluxo inverso, da tecnologia para a ciência, desde a época
de Bacon até a Segunda Revolução Industrial, com os cientistas modelando a tecnologia bemsucedida, mas contribuindo muito pouco para melhorá-la.
Essa situação passou por profundas alterações a partir da Segunda Revolução Industrial. O primeiro
aspecto é que, ao menos em determinadas áreas, a ciência foi capaz de contribuir bastante para a
tecnologia. Essa tendência acelerou-se no século XX, com mais e mais tecnologia realmente baseada
na ciência. Mas a outra mudança, complementar desta e muito menos reconhecida, é que os
desenvolvimentos tecnológicos tornaram-se uma fonte muito mais importante de fenômenos para
os quais a ciência precisou buscar explicações. Nesse segundo aspecto, cada vez mais a ciência tronose derivada da tecnologia.
Um exemplo contemporâneo de pesquisa fundamental baseada na tecnologia é dado pelo trabalho
dos físicos da matéria condensada que têm procurados os novos conhecimentos científicos que
permitirão o crescimento de semicondutores de camada atômica a camada atômica. Embora o
conhecimento acumulado pelos criadores da física do estado sólido entre as duas guerras fosse
essencial para o entendimento do transistor quando ele foi descoberto após a Segunda Guerra
Mundial, o que então transpirou foi mais um triunfo da tecnologia do que da ciência, à medida que
os semicondutores avançaram em gerações sucessivas, com espantosas reduções de tamanho e
aumentos de velocidade. A miniaturização chegou agora ao ponto em que poderá ser possível
transmitir informações pela localização de elétrons individuais. Mas, para isso, será necessário um
novo avanço no conhecimento fundamental – para verificar, por exemplo, se em circuitos formados
por muitos poços o pontos quânticos um elétron pode comportar-se simultaneamente como onda e
como partícula, uma descoberta que pode ser de enorme importância tanto para os fundamentos da
física quanto para as futuras tecnologias. 14
A influência da tecnologia sobre os rumos da ciência básica é visível nas inovações tecnológicas
envolvendo processos tanto quanto no caso de produtos.
Mas, quem aufere a colheita tecnológica da ciência? A experiência também mostra ser problemático
o terceiro elemento que identificamos no sistema conceitual de Bush, qual seja de que um país pode
esperar capturar um retorno em tecnologia de seu investimento em ciência básica. Um cético que
olhasse por cima do ombro de Bush enquanto este passava para o papel sua afirmação de que uma
nação que depende de outras para obter seu conhecimento científico básico novo será lenta em seu
progresso industrial e fraca em sua posição competitiva no comércio mundial. Tal ceticismo teria
base no fato de que os Estados Unidos alcançaram a vanguarda tecnológica industrial quando ainda
se encontravam muito atrás da Europa em ciência básica. Talvez como que camuflando a questão
sobre quem obtém as recompensas tecnológicas decorrentes dos progressos na ciência básica era
raramente enunciada no mundo pós-guerra, quando os Estados Unidos conquistavam tamanha
ascendência tanto na ciência quanto na tecnologia. Mas o mundo também não deixaria de aprender
essa lição japonesa, conforme já exemplificado, que os maiores saltos da tecnologia podiam ser
dados por um país bastante atrasado em pesquisa básica. Nesse caso recorrente, o Japão representa
os Estados Unidos de antes da Segunda Grande Guerra, e estes atuando no papel científico que
coubera anteriormente à Europa. Portanto, a disparidade entre essa dianteira japonesa em
tecnologia e seu atraso em ciência é mais facilmente compreendida quando se observa que os
Estados Unidos eram o líder mundial em tecnologia nos anos 1920, muito antes de se tornarem
preeminentes em ciência contemporânea.
E Brasil quando entrará nessa rota? Os indicadores dizem que seu desempenho é melhor em ciência,
contradizendo essa perspectiva adotada pelo Japão para o seu desenvolvimento econômico. Sem
falar que no Brasil o cientificismo foi até agora pouco aproveitado na indústria, fortemente
estruturada com base na atração de investimentos. Em longo prazo essa opção tem se mostrado
difícil de ser superada, considerando o marco do pós-guerra, vez que somente agora, no início do
século XXI, a inovação tecnológica ganha forma e conteúdo de políticas públicas, tanto industrial
quanto tecnológica. E quanto a Amazônia; e quanto a Manaus? Podemos e devemos inverter esse
processo de industrialização, apesar da experiência recente do PIM, cuja natureza motora é baseada
14
Este autor não tem noção do estado da arte atual nesse segmento tão importante tanto para a indústria do
século XXI quanto para as amazonidades avançadas em bases nanotecnológicas, mas sente um friozinho na
espinha quando imagina o gap tecnológico para um desenvolvimento minimamente autônomo e adequado à
lógica capitalista.
na atração de investimentos. Podemos e devemos porque tudo que acontece no Brasil tem
acontecido em Manaus e na Amazônia por força da extensão dos Sistemas Nacional, Regional e
Locais de Inovação. O que falta então? Falta, como este autor tem apontado empreendedorismo,
sobretudo o científico-tecnológico! Falta, portanto, um capitalismo amazônico e sua decorrente
acumulação primitiva consolidada.
Temos que passar ao largo do alerta que Stokes faz de que se deve discutir o perigo de o mundo
aprender bem demais a lição japonesa e a necessidade de se prevenir que a preocupação com as
posições relativas em tecnologia reduza o compromisso coletivo com a renovação do estoque de
conhecimento científico do mundo. Este autor perguntaria por quê? Para tanto, lembra a motivação
para o desenvolvimento sustentável sob o argumento das florestas ainda por serem preservadas sem
o recebimento de benefícios dos proprietários daquelas que financiaram o desenvolvimento
devastando suas próprias florestas. O mesmo paralelo pode ser feito com a questão indígena,
quando por detrás está a posse relativa dos tesouros que a terra guarda. Essas duas questões
fundamentais têm vinculação direta com a Amazônia e, sobretudo com Manaus, cujo crescimento
econômico é impulsionado com capital e tecnologias exógenas. A questão, portanto, é política. Essa
preocupação de Stokes talvez nunca se instale o que não significa que devamos negligenciar a
perspectiva da ética da sustentabilidade. Stokes apenas sinaliza sutilmente a defesa da busca
científica do desenvolvimento sustentável no mesmo molde do arranjo estadunidense adotado para
a indústria da saúde naquele país, por exemplo. Na realidade, devemos conjugá-las juntas e
abertamente, isto é, inovação tecnológica aplicada às amazonidades desenvolvidas com capital e
tecnologia endógena, sem perder de vista os avanços científicos tupiniquins sempre tendo em vista
considerações de uso, conforme se defende como fulcro desta síntese-reflexão.
Visando anunciar sua tese, Stokes argumenta que esse quadro de experiência da ciência coloca a
humanidade diante de um notável quebra-cabeça da história intelectual. Para tanto, considerando
que os anais da pesquisa registram com tanta freqüência progressos científicos decorrentes
simultaneamente da busca de entendimento e de considerações de uso, aborda um provável
paradoxo na história das idéias, elaborando a pergunta: como chegou a ser tão amplamente aceito
que tais metas [busca de entendimento e de considerações de uso] encontram-se inevitavelmente
sob tensão, e que as categorias da ciência básica e da ciência aplicada são radicalmente separadas?
Tentando responde-la sinaliza que uma grande parte da pesquisa é dominada por um ou outro
desses objetivos [busca de entendimento e de considerações de uso]. Exemplifica que Niels Borhr
[que dá seu nome a um dos quadrantes didáticos do Stokes], enquanto procurava às apalpadelas um
modelo para a estrutura do átomo, nos primeiros anos do século XX, foi um exemplo brilhante de
cientista-erudito empenhado em uma busca pura de entendimento. De mesma forma, Thomas
Edison [que dá seu nome a outro dos quadrantes didáticos do Stokes], enquanto guiava sua equipe
de pesquisa na finalização do desenvolvimento de um sistema de iluminação elétrica
comercialmente viável, tornou-se o modelo de investigador aplicado completamente desinteressado
das implicações científicas mais profundas de suas descobertas. Ainda assim, não importa quão
fielmente esses exemplos representem os objetivos de muitos cientistas, os anais da ciência são
igualmente ricos em casos de pesquisas dirigidas, ao mesmo tempo, pela busca de entendimento e
pelo uso, atrapalhando a visão da ciência pura e da ciência aplicada como domínios inerentemente
separados.
Stokes, então, coloca-nos defronte com esse paradoxo na história das idéias. Pois, ainda que a visão
da ciência e da tecnologia articulada por Bush [Science, The Endless Frontier] após a guerra esteja
longe de ser universalmente aceita [vide formas estática e dinâmica do paradigma], ela permeou de
tal maneira o pensamento sobre a atividade científica que acabou por constituir-se num paradigma
para o entendimento da relação da ciência com a tecnologia no final do século XX. Mas, se esse
paradigma nascido no pós-guerra está em contradição com boa parte da experiência científica, como
pode tal visão tornar-se tão predominante?
Na realidade, Stokes sinaliza que à medida que o paradoxo for sendo elucidado, pode-se ganhar uma
visão mais profunda do sistema de idéias que emergiu da guerra. O cenário estará também
preparado para um esforço de reformular o paradigma do pós-guerra e explorar as implicações de
uma nova visão para a formulação de políticas científicas e tecnológicas.
II - Esse é o gancho para as amazonidades! Vamos seqüenciar com os argumentos de Stokes para o
surgimento do paradigma moderno.
Antes, porém vamos relembrar os dois cânones de Bush: i) a pesquisa básica é realizada sem se
pensar em fins práticos. Segundo Stokes, foi planejado para persuadir o país e a comunidade
científica de que quaisquer tentativas de restringir a liberdade criativa do cientista básico seriam
autodestrutivas; e ii) a pesquisa básica é precursora do progresso tecnológico. Esse, por sua vez,
ainda segundo Stokes, foi planejado para persuadir a comunidade de políticas de que o investimento
em ciência básica geraria tecnologia para satisfazer um amplo espectro das necessidades do país.
Como resolver esse paradoxo? Como pode prevalecer essa visão tão evidentemente incompleta
sobre a ciência e seu papel na inovação tecnológica? Constituiu um paradoxo porque, conforme já
dito, houve uma freqüência significativa daqueles que construíram a ciência moderna, que o fizeram
sendo diretamente influenciados por metas aplicadas, da mesma forma como Pasteur havia sido
influenciado por objetivos práticos ao longo de toda sua pesquisa fundamental em microbiologia.
Embora a formulação moderna desse ponto de vista paradigmático tenha sido estabelecida somente
após a Segunda Guerra Mundial, é preciso ir buscar num passado bem mais distante as causas
institucionais e ideológicas que podem, na percepção de Stokes, ajudar a resolver esse paradoxo. Na
verdade, as origens ideológicas desse ponto de vista remontam às origens do ideal de investigação
pura do mundo grego, embora se deva ao início da Europa Moderna a crença corolária de que tal
investigação pode aprimorar o ser humano. As contribuições institucionais para essa visão podem ser
encontradas na Europa e na América nos séculos XIX e XX.
A crença de que a pesquisa pura e a pesquisa aplicada constituem empreendimentos separados foi
integrada aos arranjos institucionais para a ciência e a tecnologia na Inglaterra e na Alemanha no
século XIX, e nos Estados Unidos no século XX. A essas influências somaram-se as motivações
políticas, como Stokes já registrou, por parte da comunidade científica, para aceitar um paradigma
que justificava o contínuo apoio governamental à ciência básica, ao mesmo tempo em que
restabelecia a autonomia científica que havia existido antes da Segunda Guerra Mundial.
No Brasil, na segunda metade do século XX, prevaleceram, claramente, as políticas públicas vertidas
ao cientificismo, sobrepujando-se às políticas tecnológicas quase inexistentes, conforme se podem
apreender pelos indicadores já comentados, vis a vis a política de substituição de importações sem
abordagem explícita quanto à dimensão patrimonial das firmas. Essa é uma verdade evidente no
PIM. O Brasil, como de depreende, tomou carona na prática vinculada aos cânones de Bush, todavia,
sem se apropriar da perspectiva do paradoxo, pois o desenvolvimento da sua indústria,
especialmente em Manaus, lastreada em firmas com capital endógeno é limitada. Um conjunto de
fatores contrários ao desenvolvimento do processo de inovação tecnológica se estabeleceu
motivando práticas elementares como a simples aquisição de tecnologia para a promoção de
melhorias em produtos e processos nas plantas instaladas no território brasileiro, tanto por firmas
nacionais quanto pelas estrangeiras, cujo poder de desenvolvimento, em regra, dependendo do aval
da matriz.
Stokes defende, portanto, que muitas questões atuais em torno da ciência e da tecnologia podem ser
esclarecidas acompanhando-se o surgimento dessa visão paradigmática mediante as experiências
clássica, européia e norte-americana, e examinando-se o contexto político da política científica após
a Segunda Guerra Mundial.
Essa é uma possibilidade muito especial para o aprofundamento da tese das amazonidades, à qual se
deve agregar valor com o desencadeamento do empreendedorismo, especialmente o científicotecnológico, no mesmo compasso de vigor quanto à adoção da ciência com considerações de uso,
em benefício da liberdade política e independência econômica da Amazônia e dos amazônidas.
Stokes discute quatro perspectivas para demonstrar o paradoxo: i) o ideal de investigação pura na
Antiguidade Clássica; ii) o ideal do controle da natureza nos princípios da ciência moderna; iii) a
institucionalização da separação entre o puro e o aplicado na Europa; e, iv) a institucionalização da
separação entre o puro e o aplicado nos Estados Unidos. Em seguida, abrindo espaço para a
transformação do paradigma pós-guerra, aborda como as conseqüências da Segunda Guerra Mundial
reforçaram a separação entre a pesquisa pura e a aplicada, caracterizando, finalmente, a resposta ao
Plano Bush.
Assim, Stokes apresenta tanto fatores antigos quanto modernos, que esta síntese-reprodução
passará ao largo, que contribuem para resolver o paradoxo de por que veio a prevalecer uma visão
paradigmática sobre a ciência e a tecnologia tão distanciada de seu real relacionamento. Em
conclusão, afirma que o ideal de investigação pura subjacente ao primeiro dos cânones de Bush é tão
velho quanto a Antiguidade Clássica, pois que, no mundo grego, somente os hipocráticos colocaramse contra a separação entre a investigação filosófica e as atividades práticas.
No tempo de Bacon, a atitude bem diferente com relação aos objetivos práticos ligou o
entendimento e o uso em um quadro comum de ciência enciclopédica. Mas, à medida que uma
ciência mais profunda, distinta da tecnologia, emergiu nos séculos posteriores, os filósofos naturais
passaram a acreditar que suas descobertas conduziriam ao melhoramento da humanidade, mas que
este seria o trabalho de outros, num tempo futuro, numa visão que prefigurava o segundo cânone de
Bush. E três séculos depois de Francis Bacon, na época em que essa ciência mais profunda era
demonstravelmente a fonte de novas tecnologias, as ligações interativas entre a ciência e a técnica
por meio da pesquisa básica inspirada pelo uso foram encobertadas por mais um acidente histórico
na metade do século XX, enquanto emprenho da comunidade científica em preservar a autonomia
da ciência feita com financiamento público, declarando que os esforços para restringir a criatividade
da pesquisa básica por meio de considerações de uso eram inerentemente autodestrutivos.
Com o triunfo da visão de Science, The Endless Frontier, o paradoxo estava completo. Permaneceu,
porém, a tensão entre esse paradigma e a experiência real da ciência, e os desafios aos cânones de
Bush tornaram-se mais insistentes à medida que as necessidades estadunidenses [Stokes analisa em
benefício de seu país, claro] foram se deslocando da esfera militar para a econômica [o ambiente de
competitividade decorrente ao fim da guerra fria que alimentara o paradigma pós-guerra começou a
prevalecer].
III – De que forma o “transformando o paradigma” de Stokes pode contribuir para uma maior
percepção das amazonidades enquanto foco da pesquisa pura com considerações de uso?
Meio século se passou desde que a visão paradigmática inspirada pelo ideal de investigação pura da
filosofia científica ocidental, argumentadora da ação da ciência e de seu papel na inovação
tecnológica, portanto, fortalecida pela separação institucional entre ciência pura e ciência aplicada e
influenciada pelos interesses da comunidade científica do pós-guerra, foi incorporada pelo
pensamento dominante das comunidades científica e de suas pertinentes políticas. Assim, essa
estrutura conceitual influenciou a política científica e tecnológica da segunda metade do século XX.
Ocorre que essa estrutura conceitual vem sendo submetida a fortes pressões, na medida em que as
políticas às quais ela conduziu parecem menos adequadas às necessidades de uma nova época.
Certamente, Stokes, como se verá na conclusão, defende a lógica do desenvolvimento sustentável
vinculado aos interesses econômicos, superando a observância da indústria de defesa em si mesma,
determinada pela guerra e pela guerra fria que a sucedeu, combinado com o advento da
competitividade em escala global. Essa janela de oportunidade é que deve servir para a adoção das
amazonidades como fulcro de liberdade política e independência econômica promotor do
desenvolvimento industrial e tecnológico da Amazônia. Sob a égide das amazonidades, a Amazônia
seria tomada pelos amazônidas como laboratório para a inauguração de um novo marco civilizatório.
Isso deve ser dito e redito como mantra quântico-tântrico. Portanto, todo o desenvolvimento
científico posto em marcha com considerações de uso, visando uma aplicabilidade econômica
imediata, conforme modelo japonês de desenvolvimento econômico, adaptando os conhecimentos
científicos acumulados e em potência às perspectivas da física, da química e da biologia tropical.
Stokes coloca que na verdade, as dúvidas quanto a eficácia de um investimento pesado na ciência
básica, pura, guiada apenas pela curiosidade, assegurará por si só a tecnologia exigida para competir
na economia mundial e satisfazer toda gama de necessidades da sociedade, têm surgido em todos os
principais países industrializados. Em todos os países industrializados vem crescendo o interesse em
atrelar a ciência à corrida tecnológica, e esse interesse contribui para criar um ambiente receptivo a
uma crítica fundamental da estrutura conceitual criada no pós-guerra para a reflexão sobre ciência e
tecnologia.
Uma vez desafiado o paradigma prevalecente, não é difícil encontrar os primeiros observadores que
tentaram remodelar suas imagens unidimensionais. Stokes informa que um desses foi James B.
Conant, que foi presidente de Harvard. Porém, foi como presidente da National Science Board,
quando apresentou seu primeiro relatório anual, que adotou uma visão notavelmente heterodoxa.
Conant arriscou-se a sugerir descartar inteiramente as expressões “pesquisa aplicada” e “pesquisa
fundamental”, apontando como substitutas as expressões “pesquisa programática” e “pesquisa
descompromissada”, admitindo que há uma distinção suficientemente clara entre uma pesquisa
dirigida a uma meta específica e uma exploração descompromissada de uma ampla área da
ignorância humana. Conant, para se justificar, afirmou que toda pesquisa chamada aplicada é
programática, mas assim também é também grande parte da pesquisa freqüentemente rotulada
como fundamental.
Abordando junto ao nosso propósito, podemos afirmar que toda pesquisa científica na Amazônia
deve ser absolutamente compromissada com o desenvolvimento de amazonidades, considerando
sua condição de espaço sub-periférico em termos de desenvolvimento industrial e tecnológico,
considerando a escassez de recursos frente às necessidades de conhecimento do mundo amazônico,
considerando, ainda, que não há tempo a perder para a inserção da Amazônia de forma
interdependente, mas autônoma no contexto da economia nacional e global. Isso vale dize, inserção
pautada em capital e tecnologia endógena, o que significa auto-sustentabilidade da sua economia
estruturada em estratégias empresariais locais com dimensões nacionais e globais, na criação de
demandas locais-regionais para fortalecer a escala de produção e o impulsão da inovação via
consumo qualificado, e no provimento de competitividade sistêmica com investimentos maciços em
Educação, Ciência, Tecnologia e Inovação – E&C&T&I e em infra-estrutura sócio-econômica.
Portanto, a perspectiva do empreendedorismo combinada com a inovação vis a vis financiamento e
crédito, com a junção das políticas industriais e tecnológicas.
Entendo que estamos a caminho com várias políticas que sinalizam para essa possibilidade adotada
pelos governos dos locais amazônicos. Apenas precisamos acelerar o passo e tratar a perspectiva de
frente e com mãos dadas com a dimensão patrimonial das firmas locais-regionais para se verem
nacionais e globais, com marcas reconhecidas como líderes e de referência mundiais.
Mas, retornando à síntese, Conant, segundo Stokes, evitou uma colisão frontal com Bush
substituindo “básica” por fundamental, entendendo que ambos os termos eram intercambiáveis e se
referia a toda pesquisa que procura estender o entendimento dentro de um campo científico, e que,
portanto, incluíam mais do que a ciência impulsionada pela curiosidade chamada por ele de
“pesquisa descompromissada”, e que Bush havia denominado pesquisa básica. Na verdade, ao se
recusar a identificar os termos “fundamental” e “descompromissada”, Conant reconheceu uma
relação de interpenetração entre os objetivos de entendimento e uso, uma relação que divide a
pesquisa básica ou fundamental em trabalho programático, influenciado por considerações de uso, e
trabalho descompromissado, uma pura viagem de descoberta.
A idéia de dividir a pesquisa básica segundo ela seja também inspirada ou não por considerações de
uso atraiu uma série de observadores que desejavam poder dar conta de um relacionamento mais
complexo entre esses dois objetivos.
O historiador da ciência Gerald Holton articula a necessidade de uma categoria de pesquisa que
combine a tradição newtoniana de entendimento do mundo natural com a tradição de Bacon de
utilizar esse entendimento para atingir fins bem determinados. Uma categoria assim englobaria a
pesquisa em uma área de ignorância científica básica que estivesse no coração de um problema
social. Lillian Hoddeson, em uma série de artigos sobre a pesquisa básica nos Bell Laboratories,
propôs essa modificação da estrutura conceitual afirmando que a pesquisa “fundamental” e “pura”
refere-se à tentativa, por meios experimentais e teóricos, de entender os fundamentos físicos dos
fenômenos. E que nesse contexto, o termo especial “pesquisa básica” refere-se a estudos
fundamentais realizados no âmbito da produção, os quais podem levar a aplicações, mas sem que
este seja seu objetivo primordial. A pesquisa aplicada, por sua vez, que engloba engenharia e
tecnologia, tem por objetivo primordial a aplicação prática.
Stokes, ao citar outros estudiosos do assunto oferecendo visões complementares e
interdependentes sobre tais conceitos, destaca a habilidade com que Alan T. Waterman introduziu a
categoria de pesquisa básica “orientada por uma missão” sem fazer nenhuma concessão à insistência
de Bush de que a pesquisa básica deve ser feita por cientistas que não tenham fins práticos em
mente. Nesse contexto, está ajustada a aceitação como legítima da preocupação com objetivos
aplicados por parte daqueles que financiam a ciência, mas não dos que a realizam. Pois que, em uma
época de ciência institucionalizada, a pesquisa se estabelece tipicamente no interior de uma
estrutura organizacional na qual a influência sobre os objetivos pode ser compartilhada com aqueles
que estabelecem prioridades e controlam os fundos em vários níveis. Destaca, também, a visão mais
radical de Harvey Brooks, entendida como mais sofisticada à visão de Waterman, ao notar que os
termos básica e aplicada, em outro sentido, não são opostos. O trabalho dirigido em direção a
objetivos aplicados pode ser altamente fundamental quanto a seu caráter, no sentido de ter um
impacto importante sobre a estrutura conceitual ou o panorama de uma área. Além disso, o fato de
a pesquisa ser de natureza tal que possa ser aplicada não significa que ela não seja também básica.
Stokes entendeu que essas observações estavam apoiadas no exemplo de Louis Pasteur, cujo
trabalho da maturidade constituiu como já se registrou, uma contribuição impressionante dos
objetivos de entendimento e uso. Para Stokes, esses comentários, em verdade, representaram uma
ruptura muito mais radical com a idéia de um espectro unidimensional da pesquisa básica e da
aplicada, permitindo a ele preparar o caminho em direção a uma estrutura conceitual diferente para
a reflexão sobre os objetivos de entendimento e uso.
Stokes avança buscando subsídios para uma nova estrutura conceitual paradigmática relatando e
discutindo as categorias contidas nos relatórios oficiais.
Um foco natural, para Stokes em última análise ainda limitado, com vistas aos esforços conceituais
para mesclar os objetivos de entendimento e uso foi o trabalhão da Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico [OCDE] para refinar as categorias por meio das quais seus países
membros relatavam suas atividades científicas e tecnológicas. Esses esforços puderam ser
acompanhados mediantes sucessivas versões do Manual Frascati. 15 O primeiro manual, cujo esboço
inicial foi escrito por Christopher Freeman, não apresentava nenhuma desafio às categorias de Bush.
A pesquisa fundamental foi definida como trabalho primordialmente empreendido com vistas ao
progresso do conhecimento científico, sem uma aplicação prática específica em vista. Já a pesquisa
aplicada como trabalho que tinha uma aplicação em vista. Além disso, em concordância com o
modelo linear da transferência de tecnologia, o desenvolvimento experimental foi definido como uso
dos resultados da pesquisa fundamental e da pesquisa aplicada no sentido da introdução de
materiais, dispositivos, produtos, sistemas e processos úteis, ou de melhoria daqueles já existentes.
Portanto, o segundo cânone de Bush, de acordo com o qual a inovação tecnológica tem suas raízes
fundamentais na descoberta científica, continuava bem vivo na conferência de Frascati.
15
O livro foi originalmente publicado em 1997. Assim novas visões devem ter surgido com as edições do
Manual de Oslo, por exemplo, que trata de uma taxonomia para a metrificação da Inovação Tecnológica neste
início de milênio. Sem falar nas percepções neoshumpeterianas, conforme já registrado em outra nota de roda
pé nº 1.
Essas categorias foram modificadas quando o Manual Frascati foi revisto em 1970. Essa revisão
abordou as definições de pesquisa básica e aplicada em três níveis. Em primeiro lugar, ela propôs
uma definição genérica de pesquisa e desenvolvimento experimental como trabalho criativo
realizado de maneira sistemática, a fim de aumentar o estoque de conhecimento para criar novas
aplicações. Numa segunda perspectiva, definiu a pesquisa básica [fundamental cedeu lugar à
expressão de Bush] como investigação original empreendida com o fim de obter entendimento e
conhecimento científicos novos não dirigidos primordialmente a uma aplicação ou objetivo prático
específico e pesquisa aplicada como investigação original empreendida com o fim de obter
entendimento e conhecimento científicos novos dirigidos primordialmente a uma aplicação ou
objetivo prático específico. Até aqui, porém, a estrutura conceitual prevalente continuava intocada.
Num terceiro nível, entretanto, o manual revisado em 1970 acrescentou algumas observações sobre
pesquisa básica que repetiam a visão de Waterman e Brooks sobre a pesquisa orientada, notando
em particular que, embora a pesquisa básica não tenha em vista aplicações práticas específicas
imediatas, ela pode ser orientada na direção de uma área de interesse para a organização que a
realiza, acrescentando que na pesquisa básica orientada a organização que emprega o investigador
normalmente dirigirá seu trabalho em direção a um campo de interesse social, econômico ou
científico atual e potencial.
Aqui se abre um espaço importante para retornarmos as amazonidades, na media em que toda a
discussão que Stokes empreende diz respeito, como pano de fundo subliminar, ao financiador do
progresso científico-tecnológico, financiamento vinculado às perspectivas de apropriação do
conhecimento via benefícios sociais e econômicos, especialmente, superada, em tese, o objetivo da
defesa. Essa foi a inflexão, qual seja da defesa para a competitividade entre os países e entre as
firmas no contexto global. Então, um espaço sub-periférico e singular como a Amazônia, considerada
o único, dentre três capitais naturais do planeta Terra sob domínio de Estados Nacionais
[considerando a panamazônia], não pode e não deve deixar de observar uma orientação explícita
para a realização das pesquisas quer sejam básica ou fundamental e aplicada, notadamente aqueles
derivadas de seus parcos recursos financeiros, humanos e laboratoriais.
Stokes reproduz, então, a figura diagramática abaixo como representativa dos comentários
revisionistas da versão do Manual Frascati de 1970, na qual um círculo de pesquisa básica orientada
está inscrito em um círculo maior para a pesquisa aplicada, e também, de forma intrigante – para
Stokes – em um círculo ainda mais abrangente de desenvolvimento experimental, com um círculo
para a pesquisa básica pura tangenciando esses dois – que este sintetizador diria três – círculos
aninhados, mas sem intersectá-los.
Este sintetizador entende que a premiação do desenvolvimento experimental com o círculo maior
sugere subliminarmente a possibilidade da inflexão da inovação tecnológica como mola propulsora
da engrenagem dos sistemas supranacionais, nacionais, regionais e locais de C&T&I, abrindo espaço,
em definitivo, para o papel central das inovações junto ao potencial de evolução do capitalismo. Que
será, exatamente, o fulcro da defesa de Stokes quanto a revisão do modelo linear para um modelo
sistêmico de abordagem da C&T&I.
Desenvolvimento experimental
Pesquisa aplicada
Pesquisa
básica
orientada
Pesquisa
básica pura
Para Stokes, no entanto, embora essa figura assinale algum relaxamento do pressuposto de que
entendimento e uso se opõem, ela contribuiu bem pouco para esclarecer a relação entre esses
objetivos e não foi reproduzida de maneira ampla. Para Stokes, a figura também sofria das limitações
de apenas dar conta de uma divisão dicotômica da pesquisa básica em pesquisa pura e orientada, e
não de uma conjugação de objetivos do próprio cientista pesquisador. Stokes informa, justificando
essa posição, que esse verniz organizacional está ausente da várias definições subseqüentes de
pesquisa estratégica, o termo que suplantou a pesquisa orientada na revisão do Manual Frascati de
1980.
Stokes informa que John Irvine e Bem R. Martin esclarecem a questão da pesquisa estratégica,
argumentando que a tradicional distinção tríplice entre pesquisa básica, pesquisa aplicada e
desenvolvimento experimental, estaria já em 1989 reconhecida como inadequada. Tal entendimento
resulta do fato de que a categoria básica é especialmente problemática na medida em que ela abriga
uma variedade de atividades díspares que vão da pesquisa guiada pela curiosidade, sustentadas pela
vontade, até os programas com objetivos de longo prazo apoiados por agências setoriais do governo,
e até o trabalho especulativo na indústria, para o qual não se tenha ainda uma aplicação específica
em mente. É, portanto útil, para Irvine e Martin, subdividir a pesquisa básica em pesquisa orientada
pela curiosidade e pesquisa estratégica.
As filigranas conceituais em alguns momentos da dissertação de Stokes segurem, para este
sintetizador, uma disputa sem um sentido maior movida por vaidades. Talvez essa impressão fosse
superada caso sua experiência não fosse limitada ao mundo teórico e ao método da observação
reflexiva. Mas, do ponto de vista prático, as coisas são realizadas segundo uma determinada prática,
a qual vai cada vez mais complexa. É verdade que essa complexidade vai fazendo emergir novos e
mais profundos vieses conceituais. Todavia, nessa passagem específica este autor arriscaria afirmar
que não vê nenhuma diferença entre pesquisa básica pura e pesquisa básica orientada do Manual
Frascati de 1970 e as respectivas categorias defendidas por Irvine e Martin pesquisa orientada pela
curiosidade e pesquisa estratégica. Tudo dependeria da forma como o conteúdo estaria expresso,
vale dizer tudo depende da conceituação que se dedica a determinada denominação. Assim,
poderíamos entender, por exemplo, pesquisa estratégica como sinônima de pesquisa básica
orientada. Mas, certamente, a revisão de tais anacronismos confere maior visão contextual da
questão. Assim vamos em frente, mas já adiantando que o que pretendemos é defender que a
pesquisa básica na Amazônia seja definitivamente e estrategicamente orientada para resultados
econômicos com realizações de produtos e serviços no mercado com base e em prol das
amazonidades, enquanto ideário comum de desenvolvimento sustentável para os amazônidas.
Stokes avança exatamente afirmando que tem sido inerentemente difícil para os governos resolver o
problema conceitual em torno dos objetivos da pesquisa por meio do delineamento de um conjunto
de categorias estatísticas para relatórios. De certo, quase toda série estatística útil torna-se
prisioneira das definições que a compõem, e as dificuldades para a determinação dos motivos da
pesquisa científica aumentaram a força dos que quiseram preservar a separação empírica entre
pesquisa básica e pesquisa aplicada. Em conseqüência disso, o problema conceitual da pesquisa
estratégica, por exemplo, tornou-se refém dos problemas de mensuração e permaneceu sem
solução, portanto, sem possibilidades de aceitação e aplicação.
Stokes informa que a disposição da administração Reagan de estabelecer novos programas para
novos Centros de Pesquisa em Engenharia e de Ciência e Tecnologia abre espaço para a consolidação
da revisão da estrutura conceitual de Bush, que tornou dominante o modelo linear, nas dimensões
estática e dinâmica, a partir da edição do Science, The Endless Frontier. Esses novos centros estavam
tipicamente localizados em universidades, mas contavam com a participação da indústria e dos
governos estaduais e foram concebidos para atrair os recursos para várias disciplinas científicas e de
engenharia visando o tratamento de áreas problemáticas de evidente importância para as
necessidades do país – de Stokes claro, os Estados Unidos.
A criação desses novos centros levou, por sua vez, à criação de uma força-tarefa, sediada na National
Science Fundation [NSF] e liderada por seu diretor Erich Bloch, para responder à problemática quanto
se as categorias usadas para os relatórios sobre a P&D financiada pelo governo dariam conta
adequadamente do tipo de pesquisa estratégica que se pretendia que tais centros desenvolvessem.
Tal grupo de trabalho examinaria também as taxonomias mistas propostas pelo governo britânico e
pelo Serviço de Contabilidade Geral dos Estados Unidos.
Aqui resta claro a perspectiva da Hélice Tríplice, pois segundo relatório dessa força-tarefa, a série de
novos centros de pesquisa foi formada freqüentemente como parcerias entre governo federal,
governos estaduais e interesses produtivos e acadêmicos. A formação na realidade é a perspectiva ex
ante, a perspectiva ex post é garantia de que a pesquisa realizada nesses centros combinou muitas
disciplinas tradicionais orientada à geração de conhecimento em campos que vieram melhorar a
situação estratégica do Tio Sam. Portanto, nos parece extremamente válido a adoção da mesma
estratégia em prol das amazonidades, enquanto ideário de desenvolvimento, abordando a questão
patrimonial das firmas locais como vetor de formação de um capitalismo amazônico.
Contudo, a força-tarefa não atacou de frente, para Stokes, o problema conceitual. Em vez disso,
deslocou a base para uma taxonomia, dos objetivos da pesquisa para os usuários pretendidos para a
pesquisa. A força-tarefa, então, propôs uma categorização tríplice para a pesquisa, na qual a
pesquisa fundamental levaria a resultados pretendidos – conhecimentos - para a disseminação entre
outros pesquisadores e educadores; a pesquisa estratégica levaria a resultados de evidente interesse
para uma ampla classe de usuários, externos à comunidade de pesquisa – inclusive podendo
pertencer também a ela; e a pesquisa dirigida, que levaria a resultados satisfazendo necessidades
específicas da organização patrocinadora.
De qualquer sorte, mais uma vez os comentários revisionistas contidos nas propostas da força-tarefa
não tiveram maiores conseqüências, de tal sorte que a National Science Fundation ainda adota
definições de pesquisa básica e aplicada firmemente baseadas na tradição de Bush. Stokes informa
que apenas, em sua avaliação anual de P&D industriais, acrescenta à definição de pesquisa básica a
pequena observação de que a pesquisa básica pode ser feita em áreas de interesse presente ou
potencial para a empresa que apresenta o relatório. Portanto, o problema conceitual fora
novamente feito refém pelo problema da medida.
Ou seja, os esforços de vinte anos dos países da OCDE para modificar suas categorias descritivas
fizeram menos do que se poderia esperar para o esclarecimento da relação entre entendimento e
uso como objetivos da pesquisa. 16 As extensas discussões entabuladas no início dos anos 1990 para
uma nova edição [a quinta] do Manual Frascati contaram com somente dois governos pressionando
por modificações na distinção tradicional entre pesquisa básica e aplicada, por meio da inclusão de
uma categoria para a pesquisa estratégica. Esses dois governos não chegaram a um acordo sobre a
maneira como tal categoria deveria ser definida, e as reservas mantidas pelos outros membros da
OCDE eram suficientemente fortes para limitar o avanço que poderia ser dado em direção à solução
da questão conceitual em torno dessa distinção.
Além das reservas vinculadas ao desejo de preservar a distinção histórica entre pesquisa básica e
pesquisa aplicada e a série estatística associada a ela, que dirigiram as propostas revisionistas para
acomodar a definição de pesquisa estratégica por meio de distinções no interior das categorias
tradicionais, ao invés de se realizar cortes por meio delas, surgiu uma preocupação semântica de que
a pesquisa estratégica poderia destacar a ciência como engajada no esforço em direção à
competitividade econômica, o que levaria à própria consciência de que a pesquisa estratégica
poderia melhorar o posicionamento comercial de um país e ser, portanto, considerada um subsídio à
exportação. Tal contexto impediu esforços para definir uma ou mais categorias para o relato de
pesquisas estratégicas.
Ora, ora, ora, senhores! Isso não vos parece um mecanismo de manutenção da hegemonia dos
países industrializados, cuja condição de fronteira tecnológica conquistada delineia o processo de
cathing up dos países emergentes? Claro! Porque as regras de comércio exterior acabam
contextualizando políticas públicas, limitando-as no sentido de uma visão normativa e libertária de
16
Stokes não comenta na sua dissertação todas as edições do Manual Frascati. Mas considerando a citação da
primeira versão concernente à primeira conferência na década de 60 do século passado, considerando a
citação da primeira revisão culminando com a segunda versão em 1970, podemos aceitar que houve cinco
versões em quatro décadas, na medida em que Stokes informa que a comunidade científica aguardava a quinta
edição do Manual Frascati para os anos 1990.
desenvolvimento econômico. Portanto, não à toa convergimos para a argumentação da adoção da
definição de pesquisa básica com orientação de uso, ou melhor, ainda pesquisa estratégica em prol
das amazonidades enquanto ideário de desenvolvimento sustentável. Pesquisa estratégica no
contexto amazônico fica aqui entendida como associada ao próprio conceito de amazonidades, isto é
estudos e trabalhos científicos-tecnológicos visando a transformação de insumos e saberes da
floresta em produtos e serviços para serem realizados no mercado. Estudos e trabalhos de segurança
nacional sobre tecnologias ou materiais estratégicos derivados da biodiversidade amazônica. Assim,
a Amazônia deve criar suas próprias categorias de pesquisa visando clarear seus interesses pela
liberdade política e independência econômica.
O próprio Stokes sugere a quebra de paradigma em nível global, pois até a finalização da edição do
livro acontecida no final dos anos 1900, entendia que era necessária uma maneira de eliminar a
escolha inerentemente ambígua entre assimilar a pesquisa estratégica seja à pesquisa básica seja à
pesquisa aplicada. E Stokes avança expandindo a imagem dimensional para demonstrar como o
problema pode ser resolvido por meio de uma estrutura clara e conceitualmente econômica.
E recomeça a dissertação afirmando que é tão forte a influência do espectro unidimensional básicoaplicada que muitos observadores que acham difícil ajustar esse quadro às realidades da pesquisa
pensam que o problema se deve à incerteza sobre a classificação nas proximidades do ponto médio
desse espectro. Mas para Stokes a dificuldade constitui algo mais do que uma imprecisão e
superposições de fronteiras para se situar na tentativa de impor uma estrutura unidimensional a um
problema conceitualmente de dimensão inerentemente mais alta.
Para delinear as causas disso, Stokes notou que Conant e outros profissionais das ciências físicas que
tentaram dividir a pesquisa básica segundo ela fosse também guiada ou não por fins práticos
observaram implicitamente um relacionamento transversal entre objetivos de entendimento e de
uso. Para verificar como isso funcionaria, Stokes propõe que se volte à idéia familiar de um espectro
de pesquisa estendendo-se da pesquisa básica à pesquisa aplicada e perguntando onde nesse
espectro deveria ser colocado o trabalho da maturidade de Pasteur. Em vista de seu duplo
compromisso com o entendimento e o uso, o primeiro impulso poderia ser colocá-lo no ponto
médio, o zero do espectro, conforme figura que segue.
Básica
0
Aplicada
Mas um momento de reflexão é suficiente para observar que uma localização hipotética dos
trabalhos de Pasteur da maturidade sobre o espectro de pesquisa básica-aplicada unidimensional
está errada, na medida em que ele merece ser colocado não em um ponto, mas em dois, pois, para
Stokes, ele pertence ao extremo esquerdo do espectro em razão da força do seu compromisso de
entender os processos microbiológicos que descobriu, da mesma forma em que pertence ao extremo
direito do espectro em razão da força de seu compromisso com o controle dos efeitos de tais
processos em vários produtos em animais vivos e seres humanos.
Procura de Pasteur por entendimento
Básica
Procura de Pasteur por controle
0
Aplicada
Para Stokes, u m segundo posicionamento hipotético dos trabalhos de Pasteur sobre o espectro de
pesquisa básica-aplicada unidimensional sugere uma anomalia. Uma anomalia porque dois pontos
cartesianos num espaço euclidiano unidimensional deveriam nos levar a indagar se uma figura dessa
espécie pode caracterizar adequadamente a pesquisa quanto aos seus objetivos básicos e aplicados.
Porém, Stokes sugere a possibilidade de remoção dessa anomalia e, ao mesmo tempo, retenção da
facilidade de interpretar um espaço de pouca dimensão se tomarmos a espectro em seu ponto zero e
girarmos o metade do lado esquerdo num ângulo de 90 graus, restaurando Pasteur à sua condição
de um ponto cartesiano único no que agora representa conceitualmente um plano bidimensional, no
qual o eixo vertical representa o grau com que um certo corpo de pesquisa procura estender as
fronteiras do entendimento fundamental. O eixo horizontal representaria o grau com que a mesma
pesquisa é guiada por considerações de uso. Vejamos na figura abaixo a localização dos trabalhos de
Pasteur em um plano conceitual bidimensional.
Básica
Pasteur
0
Aplicada
Para Stokes, não há a mínima razão para se pensar nessas dimensões somente em termos
dicotômicos, visto que pode haver muitos graus de comprometimento com esses dois objetivos.
Mas, em se adotando essa perspectiva por questões heurísticas 17, ficará claro que se tem não uma,
mas duas dicotomias. Essa dicotomia dual pode ser exibida como uma tabela quadripartida em
quadrantes 18, conforme abaixo:
17
Heurística: conjunto de regras e métodos que conduzem à descoberta, à invenção e à resolução de
problemas; procedimento pedagógico pelo qual se leva o aluno à descobrir por si mesmo a verdade [Novo
Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, 2ª Edição Revista e Ampliada, Editora Nova Fronteira].
18
Stokes chama a atenção para o fato de que talvez a melhor denominação fosse células, considerando o
termo quadrante menos apropriado tendo em vista o fato de que a origem conjunta do espaço de
categorização das pesquisas se localiza no seu canto esquerdo inferior, conforme explicado na figura anterior, e
não no centro do quadro. De somenos essa preocupação, visto que o manteve no próprio título no livro.
Pesquisa inspirada por:
Considerações de uso?
Não
Sim
Pesquisa básica
pura [Bohr]
Sim
Pesquisa básica
inspirada pelo
uso [Pasteur]
Busca de entendimento fundamental?
Não
Pesquisa
aplicada pura
[Edison]
Para Stokes, é mais fácil gravar o significado do arranjo se seus quadrantes estiverem caracterizados.
Assim, o quadrante superior à esquerda inclui a pesquisa básica que é conduzida somente pela busca
de entendimento, sem pensamentos sobre utilização prática. Stokes o chamou de Quadrante de
[Niels] Bohr, visto que seu trabalho na procura de um modelo atômico foi claramente uma pura
viagem de descoberta, independentemente da extensão em que suas idéias mais tarde refizeram o
mundo. Essa categoria representa o ideal de pesquisa dos filósofos naturais, institucionalizada na
ciência pura dos alemães no século XIX e dos norte-americanos no século XX, e inclui o conceito de
pesquisa básica Relatório Bush [Science, The Endless Frontier].
O quadrante no canto direito inferior inclui a pesquisa guiada exclusivamente por objetivos
aplicados, sem procurar por um entendimento mais geral dos fenômenos de um campo da ciência.
Stokes entendeu chamá-lo de Quadrante de Edison, dada a maneira estrita com que esse brilhante
inventor impediu que seus colaboradores perseguissem as implicações científicas mais profundas do
que iam descobrindo em sua busca de um sistema de iluminação elétrica comercialmente rentável 19.
Grande parte da pesquisa moderna pertencente a essa categoria é extremamente sofisticada,
embora dirigida de maneira estreita, segundo Stokes, a objetivos aplicados imediatos. 20
O quadrante superior direito traz a categoria da pesquisa básica que busca entender as fronteiras do
entendimento, mas que é também inspirada por considerações de uso. Esse quadrante merece, no
entendimento de Stokes, ser reconhecido como Quadrante Pasteur, em vista do claro exemplo de
combinação desses objetivos no direcionamento de Pasteur para o entendimento e uso.
Completamente alheia à estrutura conceitual do Relatório Bush, essa categoria inclui o grande
trabalho de John Maynard Keynes, a pesquisa fundamental do Projeto Manhattan e a física de
superfícies de Langmuir. Essa categoria também inclui claramente a pesquisa estratégica, a qual, para
Stokes, tem esperado que uma estrutura como essa lhe proporcione um lar conceitual, enquanto um
caso de orfandade já registrada na sua dissertação, aqui sintetizada.
O quadrante inferior à esquerda, que inclui a pesquisa que não é inspirada pelo objetivo de
entendimento nem pelo de uso, não está vazio. Esse quadrante inclui todas as pesquisas que
exploram sistematicamente fenômenos particulares sem ter em vista nem objetivos explanatórios
19
Essa busca se deu em Menlo Park, o primeiro laboratório de pesquisa industrial estadunidense.
Ter-se-ia que entender o que Stokes quis dizer com estreita. Mercenária? Se não, pode-se entender como
pequeno conflito com sua defesa, posto que essa é a essência do sistema capitalista.
20
gerias nem qualquer utilização prática à qual se destinem seus resultados. Pesquisas desse tipo
podem ser impulsionadas pela curiosidade do investigador sobre fatos particulares, do mesmo modo
como a pesquisa no Quadrante de Bohr é dirigida pela curiosidade do cientista sobre matérias mais
gerais. Considerando-se as trajetórias dinâmicas que conectam a pesquisa nos quatro quadrantes,
fica claro que os estudos nesse quadrante podem ser precursores importantes de pesquisa no
Quadrante de Bohr. Outras motivações podem inspirar a pesquisa nesse quadrante, qual aquela que
objetiva aumentar a habilidade dos pesquisadores, isto é, investigadores começam a trabalhar em
uma nova área não pelas descobertas que farão, mas para ganhar experiência.
Stokes, após apresentar a estrutura em forma de quadrantes, lança a si mesmo o desafio de testá-la.
Para tanto, entende que a sensação da abstração diminuirá, e o maior realismo de um plano
conceitual ficará demonstrado, se a estrutura for aplicada a algum corpo de pesquisa para ilustrá-la.
Stokes, então, lança mão de um capítulo dos anais da pesquisa que se presta admiravelmente, seu
entendimento, a esse propósito que é a análise feita por Comroe & Dripps, quanto aos
desenvolvimentos nas ciências físicas e biológicas que conduziram aos mais importantes progressos
recentes no diagnóstico, prevenção e cura de doenças pulmonares ou cardiovasculares. Stokes
assegura que os achados desse meticuloso estudo constituem uma tocante ilustração de como as
trajetórias entre as descobertas científicas e as novas tecnologias são variadas, não-lineares e
desigualmente percorridas. Embora seja interessante, não faremos a síntese da descrição elaborada
por Stokes.
Todavia, registraremos os resultados cruzados por Comroe & Dripps numa classificação, para a qual a
pesquisa relatada poderia ser básica ou não, no sentido de que o investigador tivesse buscado
entender os mecanismos responsáveis pelos efeitos observados, isto é, nos termos de Stokes, se a
pesquisa deveria ser localizada na linha superior ou inferior da tabela quádrupla na forma de
quadrantes. As três categorias – pesquisa básica sem relação com a solução de um problema clínico,
pesquisa básica relacionada à solução de um problema clínico e pesquisa feita sem nenhuma
preocupação com mecanismos físicos, químicos ou biológicos – correspondem aos quadrantes de
Bohr, Pasteur e Edison. Comroe & Dripps descobriram que tais categorias englobavam,
respectivamente, 37%, 25% e 21% dos artigos-chave. Os restantes 17% foram classificados como
desenvolvimento [15%] ou como revisão e síntese [2%]. Os 25% classificados como pesquisa básica
relacionada à solução de um problema clínico, isto é, trabalhos ocupando a Quadrante de Pasteur,
constituem mais uma impressionante evidência da mistura de entendimentos e uso como objetivos
da pesquisa, embora 37% classificados como pesquisa básica não-relacionada à solução de um
problema clínico, ou seja, trabalhos localizados no Quadrante de Bohr constituam um renovado
tributo ao papel da pesquisa pura nas novas tecnologias.
Stokes avança testando a estrutura conceitual na forma de uma tabela com quatro quadrantes,
afirmando que as conseqüências desse modo de pensar a respeito da ciência básica e da ciência
aplicada podem ser mais bem esclarecidas se direcionarmos a atenção para quatro questões
complementares. Para Stokes, cada uma dessas questões é importante por si mesma, porém, uma
discussão desses pontos pode diminuir qualquer impressão de que a idéia de um plano conceitual
seja apenas um dispositivo puramente formal, sem grandes conseqüências.
A primeira questão é caracterizar a pesquisa ex ante ou ex post. Ou seja, a classificação da pesquisa
em básica ou aplicada deve basear-se em julgamentos adiantados sobre os objetivos pretendidos
pela pesquisa, ou em julgamentos retrospectivos daquilo que a pesquisa alcançou. A lógica de se
classificar a pesquisa como base nos objetivos pretendidos, e não nos resultados conhecidos,
repousa no fato de que a política tem a ver com escolhas – escolhas enfrentadas por cientistas
individuais, escolhas enfrentadas por aqueles que destinam recursos para uso em diferentes
pesquisas, em grande ou pequena escala. Todos eles exigem julgamentos ex ante feitos com a
incerteza que é parte inerente da pesquisa ainda não realizada. Ainda que seja possível de julgar de
maneira muito mais segura de forma ex post qual foi a pesquisa que provou ter de fato contribuído
para o avanço do entendimento geral em um campo do conhecimento e qual foi a pesquisa que
conduziu de fato a um uso significativo, somente uma estrutura que trate ex ante dos objetivos da
pesquisa pode prover as necessidades da política científica e tecnológica.
A segunda questão é: quais objetivos devem ser levados em conta? Stokes argumenta que algumas
vezes coloca-se a objeção de que é impossível distinguir os tipos de pesquisa com base em seus
objetivos, porque aqueles que representam papéis diversos no moderno sistema de pesquisa podem
ter objetivos diferentes para um dado projeto. Numa época de ciência organizada, a pesquisa é
tipicamente realizada dentro da uma estrutura institucional na qual a influência sobre os objetivos
pode ser compartilhada com aqueles que determinam as prioridades e controlam verbas, em vários
níveis organizacionais. O foco mais concentrado sobre o entendimento dos cientistas em atividade, e
sobre o uso de seus patrocinadores, tem sido um elemento conspícuo de um sistema que envolve
pesado apoio governamental.
Essa questão é importante para um espaço sub-periférico como a Amazônia que precisa construir
políticas industriais e tecnológicas vertidas às amazonidades. Vale dizer que deve haver uma
convergência clara de interesses, isto é, o pesquisador deve estar imbuído da sua missão quanto
desenvolvimento de amazonidades, bem como o burocrata deve estar consciente para acelerar esse
processo científico-tecnológico. A mais das vezes, contudo, o que se observa é que os burocratas têm
pouca visão sobre o mundo científico-tecnológico e que os cientistas estão indexados à academia
internacional, portanto, fugindo a perspectiva do desejo normativo da liberdade política e da
independência econômica da Amazônia para os amazônidas a partir das amazonidades. Esse é um
problema sério que requer urgente solução. A Amazônia enquanto espaço sub-periférico não deve
perder tempo!
Stokes, nesse sentido, assegura que o próprio Vannevar Bush [Science, The Endless Frontier]
reconheceu a diferença em ampla escala entre a visão do cientista e a do patrocinador quando
conclamou a nação 21 a promover suas metas sociais e econômicas mediante o apoio a pesquisas que
seriam, em um sentido imediato, dirigidas apenas pela busca de mais entendimento por parte dos
cientistas. Stokes lembra, ainda, Alan Waterman que inseriu essa diferença de visão entre o
investigador e o patrocinador em sua defesa da crença de Bush de que os cientistas devem ser livres
para conduzir a pesquisa básica.
Ainda assim, para Stokes, é necessário enfatizar que a mistura de objetivos na pesquisa inspirada
pelo uso não resulta somente das diferenças entre os objetivos dos que ocupam os diferentes níveis
21
Que a Amazônia seja conclamada em prol das amazonidades
enquanto ideário de desenvolvimento!
do sistema institucionalizado da ciência moderna. A despeito da ação de Waterman e de outros na
retaguarda 22, para defender a pureza da busca de entendimento por parte do cientista individual, os
anais da pesquisa estão repletos de exemplos de trabalhos realizados por investigadores diretamente
influenciados ao mesmo tempo pela busca de entendimento geral e por considerações de uso.
Pasteur queria entender e controlar os processos microbiológicos que descobriu. Keynes queria
entender e melhorar o funcionamento das economias modernas. Os físicos do Projeto Manhattan
queriam entender e controlar a fissão nuclear. Langmuir queria entender e explorar a física de
superfícies dos componentes eletrônicos. Os biólogos moleculares têm o desejado entender e alterar
os códigos genéticos presentes no DNA. 23
Além disso, assegura Stokes, o compartilhamento da influência sobre as escolhas das pesquisas entre
o cientista e o patrocinador não acarreta necessariamente uma dissonância de objetivos tão drástica
a ponto de tornar impossível classificar essas pesquisas dentro de uma nova estrutural conceitual
que supere o paradigma pós-guerra. Tendo em vista que ambas as contabilizações, do governo e das
universidades, utilizaram alguma classificação tipo “isto-ou-aquilo” para pesquisa básica e a aplicada,
não deve ser surpreendente o fato de que as universidades considerem como básicas muitas de suas
pesquisas do Quadrante de Pasteur financiadas pelo governo, enquanto este considera que muitas
delas fossem aplicadas. A dissonância com respeito a objetivos diminuiria se todos percebessem que
a pesquisa pode ser influenciada, ao mesmo tempo, pela busca de entendimento científico e por
considerações de uso.
Portanto, parafraseando uma citação de Stokes, se estivermos libertados da falsa lógica do tipo “istoou-aquilo”, da tradicional distinção básica/aplicada, os cientistas individuais veriam mais facilmente
que os objetivos aplicados não estão inerentemente em guerra com a criatividade e o rigor científico,
e seus financiadores veriam mais facilmente também que o impulso em direção ao entendimento
básico não está inerentemente em guerra com as considerações de uso. Na verdade, para Stokes, os
arranjos institucionais da ciência moderna mais ajudam a definir os objetivos da pesquisa para seu
quadro de cientistas do que causam conflitos sobre tais objetivos. Essa conclusão reverte o impulso
da reserva com relação aos objetivos que devem ser contemplados. Assim, pode-se e deve-se pensar
a política científica e tecnológica como para encorajar pesquisas caracterizadas por combinações
particulares dos objetivos alternativos de entendimento e uso, incluindo pesquisas que são ao
mesmo tempo básicas e inspiradas pelo uso.
Essa perspectiva é especialmente útil, válida e legítima para a Amazônia, cujos locais devem elaborar
e utilizar planos industriais e científico-tecnológicos matriciais para engajar cientistas, burocratas e
empreendedores em pesquisas de rigor científico e ao mesmo tempo profundamente influenciadas
22
Que os investigadores, burocratas e empreendedores da Amazônia estejam
na vanguarda da perspectiva do uso sem descuidar do entendimento dos
insumos e saberes da floresta em prol das amazonidades enquanto ideário de
desenvolvimento!
23
O duplo destaque para os verbos controlar, melhorar, explorar e alterar é que oferecem a
liga-síntese para a transformação econômica do conhecimento, vale dizer da antítese
conhecimento → dinheiro, surgida da tese dinheiro →conhecimento, portanto, gerando
negócios.
por considerações de uso. Ratifique-se sempre enquanto mantra quântico-tântrico: em prol de
amazonidades como ideário de desenvolvimento!
A terceira questão é: podem as duas dimensões ser reduzidas a uma? Stokes entende, como tem
defende ao longo de sua dissertação, que a imagem gráfica de um espectro unidimensional de
pesquisa básica-aplicada abre naturalmente caminho ao plano bidimensional, uma vez que esteja
claro que esses objetivos não são inerentemente opostos. Mas o poder do pensamento em uma
dimensão tem sido tão grande que ainda houve outras tentativas para dispor a pesquisa ao longo de
uma só escala. 24
Stokes relata que um instrutivo esforço nesse sentido foi incluído num relatório de 1981 do Conselho
Científico e Tecnológico Australiano [ASTEC], qual reproduz as categorias de pesquisa propostas pelo
Manual Frascati, com modificações do Departamento de Estatística australiano. Essas definições,
como já se abordou, apontam para uma visão mais transversal de pesquisa básica e da pesquisa
aplicada. Mas o relatório não conseguiu levar adiante essa lógica e, em vez disso, propôs um
espectro de pesquisa unidimensional, estendendo-se de pesquisas “imediatamente aplicáveis” até
“altamente abstratas”. As localizações gráficas relativas das pesquisas básica, estratégica e tática são
sugeridas por três distribuições gaussianas [em forma de sino] que se estendem através desse
espaço euclidiano unidimensional entre os pólos “imediatamente aplicáveis” e “altamente
abstratas”. A modificação australiana do modelo linear pode ser observada na figura abaixo;
Pesquisas
Táticas
Imediatamente aplicáveis
Estratégicas
Puras
Altamente abstratas
Essa ilustração espacial, para Stokes, vincula-se mais ao apelo do pensamento unidimensional do que
às características das pesquisas que os autores do ASTEC buscavam revelar. Ao rotular um de seus
pólos como “imediatamente aplicáveis” os redatores revelaram seu desejo de contrastar os dois
objetivos da pesquisa descritos por suas versões modificadas das definições do Manual Frascati.
Mas, ao fazer de “altamente abstratas” o pólo oposto a “imediatamente aplicáveis” e com a inclusão
de mais um arranjo unidimensional apenas encobrem a questão. Sem dúvida alguma, entende
Stokes, o pensamento abstrato está presente em grau máximo da pesquisa localizada no Quadrante
de Bohr e tem proeminência mínima em trabalhos que se encontram no Quadrante de Edison. Mas,
24
Argumento semelhante poderia ser abordado quanto à lógica do pensamento único de entender o Projeto
ZFM como um fim em si mesmo, e não, sobretudo, como um meio em prol de amazonidades enquanto ideário
de desenvolvimento.
isso constitui somente uma afirmação sobre os aspectos empíricos correspondentes aos padrões de
objetivos visados pelas definições do Manual Frascati. Os autores do ASTEC teriam chegado mais
perto do alvo [de um modelo dinâmico revisado proposto por Stokes como se verá adiante] se
tivessem abandonado sua estrutura unidimensional e se tivessem usado suas habilidades gráficas
para elucidar a base conceitual das distinções entre pesquisa pura, estratégica e tática.
A quarta questão está relacionada ao tempo [da pesquisa] até sua aplicação [econômica]. Stokes
informa que se acredita algumas vezes que o fator mais importante para que a pesquisa se organize
ao longo de um único contínuo reside na idéia do “tempo até sua aplicação”. Na verdade, pensa-se
com freqüência que esse fator define a diferença entre a pesquisa pura e aplicada. Ninguém duvida,
argumenta Stokes, de que há uma enorme diferença no tempo que provavelmente se passará entre
a produção de algum conhecimento novo e a utilização desse conhecimento para um propósito
aplicado, quando se vai do Quadrante de Bohr para o de Edison.
Stokes mantém seu argumento afirmando que dificilmente seria de outra forma, visto que a pesquisa
básica pura procura apenas sondar fundamentos desconhecidos, ao passo que a pesquisa puramente
aplicada busca somente satisfazer alguma necessidade claramente definida. Mas o tempo até a
aplicação é muito mais problemático na pesquisa básica inspirada pelo uso do Quadrante Pasteur,
que procura, ao mesmo tempo, sondar fundamentos desconhecidos e satisfazer uma necessidade da
sociedade. Além disso, há, para Stokes, uma grande variação não apenas no tempo até a aplicação,
mas também na capacidade do ser humano de estimar o horizonte de tempo dessa aplicação. Na
verdade, é até possível que faça sentido considerar a tempo até a aplicação e a previsibilidade desse
tempo de aplicação como dimensões separadas. Uma visão razoável seria, portanto, que o tempo até
a aplicação não constitui um substituto unidimensional para o plano conceitual [de Stokes], mas
apenas um importante correlato empírico das configurações de objetivos que definem a estrutura
bidimensional.
Stokes finaliza os argumentos dessa quarta questão, dizendo que é importante dispor de uma visão
clara da relação entre tempo e uso para entender as implicações desse quadro para uma política
científico-tecnológica. Seria especialmente importante, na visão de Stokes, perceber que alguns
avanços de importância científica fundamental têm aplicações de curto prazo – e não pensar que
toda pesquisa de caráter fundamental deve ter apenas um papel distante dos progressos da
tecnologia. Mas também será importante, assegura Stokes, perceber que as considerações de uso
podem influenciar pesquisas básicas que apresentam pequena probabilidade de proporcionar um
retorno rápido em tecnologia – e não supor que toda pesquisa com um horizonte de uso distante
constitui necessariamente uma atividade científica guiada pela curiosidade localizada no Quadrante
de Bohr.
Stokes, assim, expôs as grandes linhas para repensar o paradigma dinâmico, e o fez reconhecendo,
portanto, a possibilidade da ciência básica inspirada pelo uso equivale a ver o papel da ciência em
novas tecnologias por uma perspectiva bem diferente da visão do paradigma do pós-guerra, segundo
o qual a pesquisa básica se constitui em uma geradora remota de inovação tecnológica.
Esse é o ponto para este sintetizador! Muito especialmente no que concerne às expectativas
expressas pelas amazonidades enquanto ideário de desenvolvimento inaugurador de um novo marco
civilizatório sob a égide da sustentabilidade. O próprio Stokes defenderá essa perspectiva para o Tio
Sam como se constatará ao final dessa síntese-reflexão.
Stokes admite, para tanto, que seja sempre necessário algum grau de licença metafórica para
organizar seu pensamento a respeito desses relacionamentos complexos, está claro que a licença
concedida ao modelo linear, que vai da pesquisa básica à pesquisa aplicada até o desenvolvimento e
a produção ou as operações, expirou há muito tempo. Isto é, o modelo linear sofreu ferimentos
mortais causados pela percepção disseminada do quanto são múltiplas, complexas e desigualmente
percorridas as trajetórias entre o progresso científico e o tecnológico; de quão freqüentemente a
tecnologia serve de inspiração à ciência, em vez de ocorrer o contrário; e de quantas melhorias da
tecnologia nem sequer esperam pela ciência.
Esse autor também se embebe de metáforas, além de mantra quântico-tântrico para superação, no
sentido de ir além das evidências positivas do PIM. Em suas reflexões já utilizou, por exemplo, a
expressão “filhos bastados da era eletroeletrônica” para apontar a assimetria sócio-técnica entre as
tecnologias do chão de fábrica e investimentos do PIM com a academia e com a dimensão
empresarial locais. De igual forma, utilizou na abstração defendida no I Workshop da Inovação do
Amazonas, realizado nos dias 22 e 23 de setembro de 2009, um mantra para invocar as figuras
originais de Josef Schumpeter do empreendedor, da inovação tecnológica e do crédito em prol das
amazonidades como ideário de desenvolvimento. Esta expressão última grifada por si própria já um
mantra! O consciente coletivo amazônico precisa acreditar nessa oportunidade histórica induzida,
articulada e conduzida pela vontade política local-regional. Só assim poder-se-á gerar condições
objetivas [e karmáticas] para a construção de maior e interdependente liberdade política e
independência econômica da Amazônia para os amazônidas por meio das amazonidades.
Stokes informa que, na verdade, a última das críticas ao modelo linear levou vários observadores a
deslocar seu foco das ligações entre ciência e a tecnologia como tais para todas as fontes da
inovação tecnológica, com um interesse apenas secundário em quantas delas podem em última
análise estar ligadas à ciência. A literatura sobre inovação, que cresce rapidamente, tem proposto
várias imagens alternativas a respeito dessas fontes, muito menos simplistas que o modelo linear. 25
Stokes argumenta que,inevitavelmente, o exame mais geral das fontes de inovação envolvidos nos
modelos que refletem a complexidade do processo de inovação desviou a atenção da relação entre a
ciência básica e a inovação tecnológica. Essa relação era tudo que o modelo linear tratava de
maneira falha. A atenção a essa relação também foi desviada pela preocupação com a
competitividade econômica , a qual tem levado vários comentaristas a desviar seu foco para a ligação
entre as novas tecnologias e sua aplicação comercial.
Stokes reproduz a preocupação de Erich Bloch e David Cheney de que a tecnologia que permanece
nos laboratórios traz quase nenhum benefício econômico. Bolch e Cheney entendem que os Estados
Unidos são líderes mundiais na ciência básica e provavelmente também na inovação tecnológica,
mas não é eficiente na conversão das novas tecnologias em produtos e serviços que consigam ser
25
Stokes cita o modelo de sistema concorrente de Ryo Hirasawa; cita a linguagem esportiva de uma corrida de
revezamento contrastada com um jogo de rugby de Hirotaka Takeuchi e Ikujiro Nonaka; e cita o modelo
iterativo de elo de cadeia de Stephen J. Kline e Rosenberg para refletir a complexidade do processo de
inovação. Este autor lembra o enigma do diamante de Michel Porter.
aprovados no teste do mercado. Portanto, resta importante estabelecer uma distinção entre a nova
tecnologia e seu uso em produtos ou serviços que passam pelo teste do mercado. 26
As razões para estabelecer tal distinção, para Stokes, parecem reforçadas pelos exemplos notáveis
dos anais da tecnologia, nos quais foram necessários muitos anos para que uma nova tecnologia
encontrasse suas utilizações comerciais mais importantes. 27 Mas, para Stokes, há problemas
imprevistos na distinção entre uma tecnologia e suas aplicações. É preciso traçar uma distinção
válida entre uma tecnologia geral e sua aplicação a produtos ou processos particulares. Além disso,
bens e serviços individuais podem combinar em si várias tecnologias e algumas características
financeiras e de marketing que podem ser de importância crítica para o sucesso econômico são
bastante distintas da tecnologia que está sendo explorada.
Desta forma, Stokes pondera que supor que a tecnologia seja moldada apenas por considerações
técnicas ou de engenharia, livre da influência do mercado, constitui apenas um remanescente do
modo de pensar do modelo linear. A própria tecnologia pode ser profundamente influenciada, em
mercados emergentes, pela demanda dos consumidores. Faz perfeitamente sentido falar de uma
trajetória da tecnologia, guiada por considerações técnicas e mercadológicas, da mesma forma como
falaríamos da trajetória de um ramo da ciência que fosse dirigido por várias influências – inclusive
pela oportunidade de criar uma tecnologia de sucesso comercial.
Esse é exatamente o sentimento deste sintetizador quando idealizou a denominação de trajetória
tecnológica alternativa, para exprimir a possibilidade do acaso amazônico, adotando o Projeto ZFM
como um meio para transformar o modelo de desenvolvimento econômico de Manaus e de todos os
locais amazônicos. Essa possibilidade, de adoção das amazonidades como ideário de
desenvolvimento, está exatamente estruturada na perspectiva da tecnologia limpa vertida à lógica
da sustentabilidade revestida de investimentos conscientes e consumo inteligente, que se quer e
deseja definidora das marcas amazônicas. Este será o mote mercadológico da revolução verde, da
revolução científico-tecnológica e industrial da Amazônia. Esta é a trilha de um novo marco
civilizatório!
Para Stokes, essa metáfora é útil [e para autor também no sentido de colocar o processo científicotecnológico amazônico a serviços de inovações tecnológicas para as amazonidades] para adaptar a
reformulação do problema dinâmico, na medida em que para substituir o modelo linear do
paradigma pós-guerra, necessitamos de um entendimento mais claro das ligações, dos vínculos entre
trajetórias duais, mas semi-autônomas, de entendimento científico básico e do saber tecnológico.
26
Não à toa o conceito de amazonidades passa por esse filtro desafiador, mas absolutamente como meta
alimentadora dos vínculos do complexo processo de inovação tecnológica.
27
Aqui surge o conceito de difusão tecnológica que amplia a complexidade do processo de inovação. Encontrase no sítio [ www.finep.gov.br ] da FINEP, o seguinte conceito de DIFUSÃO TECNOLÓGICA: Processo de
propagação de uma inovação técnica entre usuários potenciais ( adoção de uma nova técnica) e seu
melhoramento e adaptação contínua. Os processos de inovação e difusão, particularmente de novas
tecnologias, são interdependentes e se determinam simultaneamente estimulados pela interação
usuários/produtor [MARTÍNEZ, Eduardo & ALBORNOZ, Mário. Indicadores de ciência y tecnología: Estado del
arte y perspectivas. Caracas, Unesco, 1998]. Ou ainda, DIFUSÃO TECNOLÓGICA - Processo de generalização e
incorporação de inovações tecnológicas. [MINISTÉRIO DA CIÊNCIA E TECNOLÓGIA – MCT. Conceitos (Glossário).
1997].
Stokes, então, argumenta que embora o modelo linear considerasse os avanços da ciência como
determinando integralmente o desenvolvimento da tecnologia, observa-se que o relacionamento
entre ambos é muito mais interativo, com a tecnologia exercendo às vezes uma poderosa influência
sobre a ciência. Para Stokes, é nesse ponto que se situam os problemas para a transformação dos
paradigmas estático e dinâmico, pois é possível um entendimento mais profundo desse
relacionamento se for notada a importância da pesquisa situada no Quadrante Pasteur.
Portanto, Stokes entende que, ainda que fosse divertido enxergar uma dupla hélice no curso
entrelaçado e ascendente do entendimento científico e da capacidade tecnológica, está claro que o
modelo linear, de mão única, para a ligação entre a ciência básica e a inovação tecnológica precisa
ser substituído por uma imagem que dê alguma idéia de suas trajetórias duais e ascendentes como
interativas, mas semi-autônomas, pelo propõe a figura abaixo, que denominou de modelo dinâmico
revisado:
Entendimento melhorado
Pesquisa básica
pura
Conhecimento existente
Tecnologia melhorada
Pesquisa básica
inspirada pelo uso
Pesquisa e
desenvolvimento
puramente
aplicados
Tecnologia existente
Stokes explica que essas trajetórias estão acopladas apenas de forma tênue. A ciência
freqüentemente se move de um nível de entendimento já existente para um nível superior por meio
de pesquisas puras em que os progressos tecnológicos desempenham papel pequeno. De forma
similar, a tecnologia com freqüência desloca-se de um grau existente de capacidade para um de
capacidade melhorada por meio de pesquisas com alvos estreitamente definidos, ou por meio de
mudanças de projeto ou de engenharia, ou simplesmente por meio de improvisações no laboratório,
processo nos quais os progressos recentes da ciência têm pouca relevância. Mas cada uma dessas
trajetórias é de tempos em tempos fortemente influenciada pela outra, sendo que essa influência
pode acontecer em outra direção, com a pesquisa básica inspirada pelo uso atuando
freqüentemente no papel de ligação. Stokes ilustra a explicação com uma visão complementar de
Brooks que observou que a relação entre a ciência e a tecnologia é mais bem imaginada em termos
de duas correntes paralelas de conhecimento cumulativo, as quais podem apresentar
interdependências e relações laterais, mas cujas conexões internas são muito mais fortes que suas
conexões transversais.
Stokes tem plena consciência de que há mais coisas por detrás dessas imagens reformuladas das
ligações entre a ciência básica e a inovação tecnológica do que apenas sua maior fidelidade aos anais
da pesquisa e da tecnologia. Essas reformulações do paradigma do pós-guerra, por outro lado, têm
também uma grande importância para a política científica e tecnológica. Stokes, então, propõe cinco
observações que podem transportar através da barreira entre a análise e a política: i) a visão
paradigmática da ciência e da tecnologia que emergiu da Segunda Guerra Mundial forneceu uma
descrição notoriamente incompleta do relacionamento real entre a pesquisa básica e a inovação
tecnológica; ii) a incompletude do paradigma do pós-guerra está prejudicando o diálogo entre a
comunidade científica e a comunidade de políticas e atrapalhando a busca de um novo pacto entre
ciência e governo; iii) uma visão mais realista do relacionamento entre a ciência e a tecnologia deve
reservar espaço para o papel criticamente importante da pesquisa básica inspirada pelo uso, de fazer
a ligação entre as trajetórias semi-autônomas do entendimento científico e do conhecimento
tecnológico; iv) um entendimento mais claro, por parte das comunidades científicas e de políticas, do
papel da pesquisa básica inspirada pelo uso pode ajudar a renovar o pacto entre a ciência e o
governo, um pacto que deve também conferir apoio à pesquisa básica pura; v) só se poderão
construir agendas de pesquisa básica inspirada pelo uso por meio da conjugação de avaliações bem
fundamentadas das promessas da pesquisa e das necessidades da sociedade.
IV – Stokes então após sinalizar um modelo dinâmico revisado apresenta argumentos para renovar
o pacto entre ciência e governo nos Estados Unidos. Vamos ver como podemos nos apropriar dessa
perspectiva em prol da amazonidades como ideário de desenvolvimento
Stokes coloca que é fácil exagerar o consenso subjacente à idade de ouro da ciência norte-americana
após a Segunda Guerra Mundial, mas as verdades que agora parecem ter suscitado o respeito
universal foram acatadas naquela época somente de forma tentativa. Assim, embora o pacto do pósguerra estivesse repousando sobre bases enfraquecidas, e as limitações do paradigma de ciência
básica e inovação tecnológica subjacente a ele se tornassem cada vez mais claras, o pacto em si
somente se desfez nos anos 1990. Stokes relata três desenvolvimentos da última década do século
XX [o fim da guerra fria + a integração da economia mundial + a herança orçamentária da política
econômica e fiscal] que, combinados, conduziram o Tio Sam a um período de profunda
desorganização da sua política científica e tecnológica, culminando com o colapso do acordo do pósguerra. Portanto, as condições objetivas estavam postas para a abertura à renovação visando uma
nova visão pactual entre a comunidade científica e a comunidade de políticas. Assim, surge a
perspectiva de uma política baseada no reconhecimento comum da importância da pesquisa básica
inspirada pelo uso como suporte para ajudar a construção de uma nova ponte entre a ciência e o
governo.
Para Stokes a primeira das três razões estreitamente relacionadas pelas quais uma visão mais realista
da relação entre os progressos da ciência e os da tecnologia é capaz de fortalecer a ponte entre a
ciência e o governo deve partir da inspiração de que a pesquisa básica pode intuir as necessidades
sociais, reforçando seu apelo por apoio público na comunidade de políticas de no próprio público ao
qual essa comunidade responde. O ponto de vista, portanto, da comunidade científica, um
reconhecimento compartilhado, mais amplo, da importância da pesquisa básica inspirada pelo uso
oferece a possibilidade de fortalecer o apoio para a pesquisa fundamental que a comunidade
científica deseja realizar. Mas, esse reconhecimento pode também fazer crescer o apoio à pesquisa
pura, mediante um argumento que invoca a unidade da ciência e a natureza imprevisível da
descoberta científica. Para Stokes, esse argumento conduz a uma segunda razão por que visão mais
realista da relação entre os progressos da pesquisa e da tecnologia pode ajudar a renovar o pacto
entre ciência e governo, visto que tal pacto não funcionará se muitos dos membros da academia
científica sentirem que ele levará a uma hemorragia de recursos do Quadrante de Bohr para o de
Pasteur.
Contudo, o principal argumento para a defesa da ciência pura que se faz atualmente, ainda que sua
força tenha sido muito diminuída pelas dúvidas com relação à tecnologia à qual essa ciência tem
conduzido, ou por dúvidas sobre se outros países podem apropriar-se do retorno tecnológico do
investimento estadunidense em pesquisa pura, é a crença de que os progressos do entendimento
proporcionados pela pesquisa pura irão mais tarde melhorar a condição humana [Science, The
Endless Frontier; Relatório Bush]. A defesa do investimento em ciência pura tem sido sustentada
recentemente por uma variante desse argumento, a de que o país [Estados Unidos] precisa cumular
forças em todos os campos da ciência, de modo a estar preparado para explorar desenvolvimentos
tecnológicos imprevistos desencadeados por avanços em alguns desses campos.
Esse argumento reforça a defesa da pesquisa pura, ao vinculá-la à necessidade do Tio Sam manter-se
competitivo em uma economia global cada vez mais baseada em alta tecnologia. Mas seria uma pena
que tal argumento reforçasse o modo de pensar do modelo linear, exagerando a primazia da
pesquisa pura. Na verdade, a natureza interativa do relacionamento entre a ciência e a tecnologia
oferece mais um argumento para o apoio à pesquisa pura, um argumento que dá mais uma razão
[ainda a segunda] para crer que o conceito de pesquisa básica inspirada pelo uso pode ajudar a
renovar o pacto entre a ciência e o governo. O ponto central desse argumento é a importância de se
fortalecer a pesquisa pura naqueles campos científicos em que o curso da pesquisa básica passa
pelas necessidades da sociedade. Porém, esse argumento sobre o benefício trazido à pesquisa básica
pura pelos investimentos em pesquisa básica inspirada pelo uso tem limites. Portanto, o sucesso da
pesquisa voltada para objetivos sociais pode ampliar o apoio à pesquisa pura que fortaleceria a
capacidade do campo como um todo de atender às necessidades da sociedade. O apoio à pesquisa
inspirada por objetivos sociais não precisa, assim, desviar o apoio dado à pesquisa pura, nem inspirar
uma transferência maciça de recursos, dentro de um campo, do Quadrante de Bohr para o
Quadrante de Pasteur. Pelo contrário, ao mesmo tempo em que a emergência da pesquisa básica
orientada por objetivos fortalece, num certo campo, a argumentação a favor do investimento
público, ela também fortalece a causa do investimento público na pesquisa pura que aumentará a
capacidade desse campo como um todo para atingir os objetivos sociais com os quais está envolvido.
Esse ponto, para Stokes, poderá ser absorvido no pacto renovado entre a ciência e o governo se for
mutuamente aceito pelas comunidades científica e de políticas.
Na verdade, um reconhecimento amplo da pesquisa básica inspirada pelo uso pode ajudar a
fortalecer a ponte entre a ciência e governo ainda de outra maneira, qual seja aumentando a
confiança de que os investimentos nesse tipo de pesquisa trarão algum retorno, em forma de
tecnologia, para aqueles que os realizaram. Desta forma, uma vez aceita a idéia complementar da
pesquisa básica que é inspirada pelo uso, é plausível supor que os investimentos no conhecimento
básico guiado por considerações de uso trarão mais chances de trazer um retorno substancial aos
investidores, quer seja esse uso definido em termos de proveito econômico quer em termos de
outros objetivos sociais.
Cabe, finalmente, enunciar uma terceira razão geral para acreditarmos que uma visão mais realista
do relacionamento entre os progressos da ciência e da tecnologia pode vir a ajudar a reconstruir a
ponte entre a ciência e o governo estadunidense, a qual está centrada na incerteza sobre quem vai
capturar os benefícios tecnológicos do conhecimento científico novo, uma vez que resta diminuída
quando a pesquisa básica é diretamente influenciada pelo uso potencial. Para Stokes, essa terceira
razão pode reduzir a relutância em investir na ciência básica por uma comunidade de políticas
acostumada à visão da pesquisa básica como pesquisa pura, dirigida apenas pela curiosidade e
conduzindo a um conhecimento disponível para os países tecnologicamente avançados.
Aqui é oportuno, extremamente oportuno, registrar a emigração de conhecimento que o Instituto
Nacional de Pesquisas da Amazônia [INPA] socializou para os países industrializados, na medida em
que somente agora na virada do milênio, 50 anos após a sua criação, é que sua institucionalidade se
volta para as possibilidades de negócios, levando conhecimento à sociedade na forma de produtos e
serviços realizados no mercado. Portanto, essa discussão é extremamente importante para os países
emergentes, e muito especialmente para a Amazônia, enquanto espaço subperiférico. É um luxo
extremado e desproposital destinar recursos à pesquisa pura sem considerações de uso. Não há
tempo a perder nessa corrida junto ao mercado, especialmente considerando as perspectivas das
amazonidades.
Uma ferramenta importante para guiar os investimentos públicos e privados em pesquisa e
desenvolvimento e em pesquisa aplicada seria o exercício das plataformas tecnológicas enquanto
processo de planejamento e discussão visando à elaboração de projetos cooperativos objetivando a
superação de gargalos tecnológicos sobre determinado ramo de atividade econômica, que poderia
ser expresso na forma de Arranjos Produtivos Locais [APLs]. Esse procedimento institucionalizado
poderia ser de guia inclusive para o financiamento de pesquisa fundamental orientada para a
apropriação de brechas tecnológicas vinculadas aos APLs, as famosas janelas de oportunidades. Esse
exercício no longo prazo poderia caracterizar outra famosa ferramenta de entendimento do processo
de inovação: a hélice tríplice, isto é, burocratas articulando e financiando; empreendedores
negociando e realizando; pesquisadores pesquisando e ensinando; todas abanadas e turbinadas pelo
capital social verde, amarelo, azul e branco vertido às amazonidades como ideário de
desenvolvimento.
Para Stokes, não há nada de auto-exploração na oportunidade de fortalecer a ponte entre a ciência e
o governo pela conjugação da inspiração que a ciência básica pode retirar das necessidades
insatisfeitas da sociedade com o alto valor que a comunidade de políticas atribui à capacidade da
ciência de solucionar problemas. Este autor concorda e vai além. No caso da Amazônia é um dever
pátrio, nacionalista. Em prol das amazonidades como ideário de desenvolvimento é uma perspectiva
histórica de auto-libertação, vertida à possibilidade dos atuais 25 milhões de amazônidas
conquistarem maior liberdade política e maior independência econômica.
Stokes passa, então, a analisar as políticas científico-tecnológicas japonesas para justificar uma nova
postura estratégica estadunidense baseada num novo paradigma da ciência básica vis a vis a
inovação tecnológica. Nesse sentido, argumenta que cada país deve desenvolver seus processos de
formulação de políticas. Mostra, todavia, que os japoneses desenvolveram um instrumental
considerável para conduzir suas revisões periódicas. Os exercícios de previsão periodicamente
organizados pelo governo japonês abarcam tanto a tecnologia como a ciência, e seu escopo é
mundial. Nas décadas do pós-guerra, relata Stokes, essa análise cuidadosa possibilitou o Japão
adquirir uma grande necessidade de tecnologias de ponta, incluindo muitas tecnologias baseadas em
ciência. Esse processo tem exercido uma importante influência tanto na micro quanto na macroalocação de recursos para pesquisa. No nível do varejo, encorajou as empresas [lá eles construíram
empresas de alta tecnologia num prazo histórico relativamente curto!] a reexaminarem suas
prioridades de pesquisa em face de um cenário de avaliações bem fundamentadas sobre as
promessas de pesquisa em várias subáreas da ciência, as exigências da economia e as necessidades
não-econômicas da sociedade. Em um nível mais global, permitiu às empresas privadas e às agências
públicas repensar, diante dessa espécie de cenário, as decisões de grande escala sobre o apoio à
pesquisa. Ao fim e ao cabo, finaliza Stokes, o maior investimento japonês em ciência básica foi
substancialmente aplicado em pesquisas do Quadrante de Pasteur, em vez de sê-lo no Quadrante de
Bohr, e as revisões periódicas das previsões, por parte do governo, devem ser entendidas, em parte,
como esforços para reunir as avaliações sobre as “sementes” de pesquisa e as “necessidades” da
sociedade.
Portanto, o Japão que é uma potência econômica e tecnológica mundial de primeira grandeza serviu
para Stokes como modelo para revisão do paradigma estadunidense, a potência científica e
econômica maior do planeta Terra, por qual motivo não adotar a aplicação de recursos por parte do
poder público na Amazônia para financiar pesquisa com considerações de uso de forma prioritária e
obrigatória em prol de amazonidades como ideário de desenvolvimento?
Resta confirmado, a partir da longa e exaustiva, porém certamente profícua dissertação de Stokes
que a melhor consciência conceitual é a de que a ciência inspirada pelas necessidades da sociedade
se apresente muitíssimo mais positiva para a renovação do pacto entre as comunidades científicas e
de políticas do que a promessa de retorno tecnológico a partir de investimentos em pesquisa
desinteressada por objetivos estratégicos numa marcha linear até a inovação tecnológica. Esta é uma
verdade e uma realidade muito especialmente para um espaço subperiférico como a Amazônia que
não dispõe de recursos financeiros em abundância, cuja infra-estrutura laboratorial é insuficiente e
com massa crítica relativamente pequena e menos qualificada [no sentido apenas de uma menor
titulação acumulada vis a vis uma longa experiência em pesquisas desenvolvidas, nunca de uma
menor capacidade intelectual e cognitiva]. Mas que por outro lado, há a convicção de que o
conhecimento disponível já suficiente para gerar produtos e serviços a partir de insumos e saberes
da floresta. Restam serem articuladas outras ferramentas de políticas industriais e tecnológicas para
que os amazônidas possam entrar definitivamente no jogo capitalista visando uma formação
primitiva de capital endógeno. Podemos destacar de forma peremptória a própria cultura
empreendedora em bases científico-tecnológicas; a disponibilização de crédito adequado e o
processo de inovação intensificado. Numa estratégia consentânea em todos os locais da Amazônia.
Nesse sentido, buscando inspiração na Resenha de Rafael Clemente sobre a biografia de
Schumpeter, elaborada por Thomas K. McCrawm [Revista Brasileira de Inovação; V. 7; N. 1; Jan/Jun2008], devemos resgatar toda a força de Josef Schumpeter que utilizou a expressão metafórica
“destruição criativa” para sintetizar todo o potencial de evolução do capitalismo na imagem da
destruição do velho pela criação do novo, trazendo à tona seu caráter endógeno, a necessidade de
sua visão no tempo, junto com o papel central das inovações, da criação de crédito e do papel do
empreendedor e das firmas para consubstanciar nosso ideário de desenvolvimento estruturado em
amazonidades. Portanto, devemos rasgar toda e qualquer política que reproduza o
desenvolvimentismo, abrindo espaço para o desenvolvimento autônomo e minimamente adequado
ao jogo capitalista a partir das forças, da inteligência, da energia, do tempo e dos recursos locais.
Para Rafael Clemente, a compreensão de Schumpeter de que a inovação na forma da destruição
criativa é a força motriz não apenas do capitalismo, mas do progresso material em geral e que suas
preocupações centrais – inovação, empreendedorismo e criação de crédito – tiveram papel central
na forma como a moderna história dos negócios foi formada. Se isso é verdade, como acreditamos
que seja, então que essa seja a base para nosso ideário de desenvolvimento estruturado em
amazonidades.
IV – Stokes finalmente conclui argumentando a possibilidade de uma repactuação entre a ciência
básica e a democracia norte-americana. Vamos, mas uma vez, ver como podemos nos apropriar
dessa perspectiva em prol da amazonidades como ideário de desenvolvimento
Stokes relata a ligação do julgamento científico à autoridade política, afirmando que o esforço para
reunir julgamentos bem fundamentados da promessa científica e da necessidade nacional remonta
na democracia estadunidense, aos primeiros anos do investimento federal norte-americano em
pesquisa, durante a Segunda Guerra Mundial. Na realidade, continua Stokes, a combinação de
conhecimento científico e de autoridade política durante a presidência da Franklin D. Roosevelt, no
tempo da guerra, estabeleceu um padrão difícil de ser seguido pelos sucessores no pós-guerra. Nos
primeiros anos após o conflito, o papel de conselheiro científico quase desapareceu da Casa Branca.
Para o aconselhamento sobre política científica, Harry S. Truman apoiava-se principalmente em John
R. Steelman, um economista e sociólogo por formação, que chefiou o Conselho de Pesquisa Científica
da Presidência. Foi necessária a tempestade desencadeada pelo lançamento do Sputinik durante o
segundo mandato de Eisenhower para reativar um relacionamento mais próximo daquele
originalmente vivenciado por Roosevelt e Bush. Em resposta a esse desafio soviético, Eisenhower
indicou James R. Killiam, presidente do Massachusetts Institute of Technology, para o cargo de
assistente especial do presidente para ciência e tecnologia.
Stokes registra que esses arranjos foram fortalecidos por John F. Kennedy. Seu assistente especial
para ciência e tecnologia, Jerome B. Wiesner, se tornou um membro efetivo do gabinete presidencial
como diretor de um Office of Science and Technology, e teve um papel importante na elevação dos
gastos com P&D nas áreas espacial e de defesa quando o confronto com os soviéticos atingiu seu
estágio de maior tensão. Mas, essa relação de aconselhamento sofreu [uma queda; um
desaquecimento] quando a Guerra do Vietnã obscureceu os sentimentos dos sucessores de Kennedy,
Johnson e Nixon, em relação à ciência acadêmica.
O restabelecimento do aconselhamento científico na Casa Branca, a partir desse ponto baixo,
processou-se em várias etapas. O presidente Gerald Ford recriou o cargo de conselheiro científico, e
o Congresso, com boa vontade, conferiu autoridade estatutária a um White House Office of Science
and Technology Policy [OSTP], dirigido pelo conselheiro científico, e a um Federal Coordinating
Council for Science and Technology, posteriormente mudado para Science, Engineering and
Technology, também presidido pelo conselheiro científico. Guy Stever deixou a NSF para poder se
dedicar a esses arranjos. Frank Press, sucessor de Stever como conselheiro científico nos anos Carter,
desempenhou um papel crítico no delineamento das prioridades da pesquisa científica. Press
estabeleceu uma íntima aliança entre o OSTP e o Office of Management em P&D envolvendo
múltiplos departamentos e agências. Mas, o restabelecimento de um comitê de conselheiros saídos
da comunidade científica tombou vitimado pelo desejo de Jimmy Carter de reduzir o pessoal da Casa
Branca e moldar o Executive Office às necessidades decisórias do presidente, conta Stokes.
Stokes avança no relato dizendo que embora Ronald Reagan acreditasse que a ciência básica era um
elemento primordial da força do país no confronto com os soviéticos, sua administração deu pelo
menos um pequeno passo para trás no papel do aconselhamento científico na Casa Branca. George
Keyworth, primeiro dos diretores de Reagan para a OSTP, era um colaborador de última hora, com
pouca proeminência na comunidade científica, e sentia-se que estava excessivamente na esfera de
influência de Edwin Meese, o principal conselheiro de Reagan para políticas.
O restabelecimento do aconselhamento científico na Casa Branca continuou durante a presidência
de George Bush, que, pela primeira vez, tornou seu conselheiro científico um dos assistentes do
presidente. Bush, relata Stokes, também tirou vantagem de sua autoridade estatutária,
anteriormente não utilizada, para reativar e encontrar-se diretamente com um comitê assessor de
cientistas rebatizado de President´s Commottee of Advisors on Science and Technology [PCAST].
Além desses avanços, ele também concordou em preencher todas as posições importantes do
quadro de pessoal estabelecido pelo estatuto de criação do OSTP. Esse reforço de seus quadros
permitiu à administração Bush montar importantes iniciativas em ciência e tecnologia,
particularmente nos campos das ciências do meio ambiente, da computação de alto desempenho, de
materiais avançados e de biotecnologia.
Stokes continua informando que o aconselhamento científico na Casa Branca entrou em novo
estágio durante a administração Clinton, a qual aperfeiçoou consideravelmente a organização dessa
função, enquanto definia e implementava suas prioridades em ciência e tecnologia, várias herdadas
da administração Bush. Clinton, um presidente com uma forte agenda tecnológica, criou um
Conselho Científico e Tecnológico da Casa Branca, um grupo no nível do Executivo comandado pelo
próprio presidente e formalmente vinculado aos Conselhos de Segurança Nacional e de Política
Econômica.
Este autor pega aqui um gancho para sugerir a criação de um Conselho Político para a Gestão
Econômica e Gestão Tecnológica do Estado do Amazonas diretamente vinculado ao Governador,
tendo como Secretários Executivos os Secretários das Secretarias de Estado de Ciência e Tecnologia,
de Planejamento e Desenvolvimento Econômico, do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável
e de Produção Rural em períodos alternados de dois anos. A composição de Conselho Político seria
composta por pesquisadores e empresários locais, que estabeleceriam políticas e diretrizes para o
desenvolvimento sustentável com base em tecnologias limpas. Um exemplo que reflete com
bastante clareza essa propósito seria o desencadeamento de um Programa para o Desenvolvimento
de Fibras Naturais, com metas financeiras e físicas visando a transformação desse insumo amazônico
em produtos realizados no mercado. Portanto, um amazonidade a serviço do nosso ideário de
desenvolvimento. A Suframa e seus parceiros do Sistema Manaus de Inovação já se movimentam
nesse sentido, mas é preciso estabelecer metas para além das possibilidades de transferência de
tecnologias, cujos indicadores precisam ser claros e precisos. Essa geração de tecnologia precisa
estar acoplada ao empreendedorismo e ao crédito para alavancar firmas locais, que deverão ser
incentivadas pelo Estado em todos os níveis, do incentivo fiscal ao poder de compra do governo. Esse
conjunto de prioridades deveria ser gerenciado por esse Conselho Político.
Este autor não vai sintetizar os relatos de Stokes sobre o esforço para institucionalização do fluxo do
aconselhamento científico junto ao Congresso estadunidense, considerada a outra instituição
principal com autoridade legal sobre a distribuição de recursos financeiros no atacado ao apoio à
pesquisa científica no sistema democrático do Tio Sam. Primeiro porque o Conselho Político aqui
sugerido trabalharia na distribuição no varejo, ou seja, a partir da verba orçamentária aprovada pelo
Poder Legislativo amazonense, vertida a tais investimentos e aplicações. Segundo porque aquela
Assembléia tem suas Comissões análogas, quais sejam as Comissões de Educação, Desporto, Ciência
e Tecnologia e de Indústria, Comércio e Turismo, que poderiam fazer parte das discussões como
interessadas na função fiscalizatória.
Essa perspectiva de arranjo institucional supra-secretárias sob o comendo do governador, poderia
ser adotado em todos os Estados da Amazônia, que adotariam o desenvolvimento sustentável como
visão de futuro, o qual enquanto ideário estaria escudado pelas amazonidades.
Antes de terminar esta síntese-reflexão, retomo as considerações de Stokes, exatamente para
ratificar a lógica do em prol das amazonidades como ideário de desenvolvimento. Exatamente
porque há uma clara convergência de interesses, na medida em que Stokes relata que o modelo dos
NIH estadunidenses [Institutos Nacionais de Saúde] poderia ser replicado na área ambiental. Nos
Estados Unidos, conta Stokes, os recursos que ergueram os National Institutes of Health foram sendo
investidos ao longo de várias décadas de orçamentos federais. Para Stokes é razoável pensar que
outra área de pesquisa, no caso a área ambiental, mesmo que sob restrições orçamentárias, pode
valer-se das virtudes dos NIH, de uma agência científica dedicada a uma área de necessidade social
reconhecida e capaz de engajar ciência básica de alto padrão dentro de uma gama de disciplinas no
desenvolvimento de um entendimento fundamental dos fenômenos subjacentes à área d problema,
enquanto ao mesmo tempo patrocina alguma pesquisa pura e alguma pesquisa puramente aplicada.
Para Stokes e para este autor, o meio ambiente é uma área de problemas na qual o modelo dos NIH
deveria ser reproduzido, vez que a importância da proteção ao ambiente irrompeu na consciência
mundial entre o final dos anos 1960 e o início dos anos 1970, culminando hoje com a necessidade de
uma revolução verde, o que poderia ser equivalente a uma revolução científico-tecnológica na e para
a Amazônia na lógica das amazonidades como ideário de desenvolvimento. Investimentos do tipo
NIH, que comandaram a indústria da saúde estadunidense no século XX, aportando o modelo para a
Amazônia, na lógica do desenvolvimento sustentável, atrairia um apoio político mais amplo se
acreditássemos que um conhecimento científico com considerações uso pudesse gerar retorno
econômico para o setor privado, permitindo às empresas experimentar a maior proficuidade de
desenvolvimento sustentável
Portanto, a Amazônia deve tirar proveito da lição tirada da história dos National Institutes of Health
que realça o aproveitamento adequado por parte dos Estados Unidos quanto a sua variada
experiência institucional obtida no apoio à pesquisa básica inspirada pelo uso no nível do atacado. no
âmbito local, o INPA e Centro de Biotecnologia da Amazônia [CBA] poderiam ser selecionadas para
esse desafio. No nível do varejo, as escolhas entre projetos alternativos e complementares de
pesquisa básica inspirada pelo uso deveriam em grande parte estar nas mãos daqueles que possam
julgar sua promessa científica, submetendo-as às decisões de atacado sobre necessidades sociais às
quais um dado programa de pesquisa, por exemplo, de Fibras Naturais, como dito acima, deve se
dirigir. E boa parte das pesquisas necessárias vinculadas à ciência pequena pode ser realizada por
pesquisadores individuais e equipes ou grupos de pesquisadores, apoiados por subvenções
competitivas, revistas por seus pares, e sobretudo submetidas aos estatutos do Conselho Político
para a Gestão Econômica e Gestão Tecnológica, para manter a lógica em prol das amazonidades
como ideário de desenvolvimento.
Todo esse processo de inovação vinculado ao Sistema Manaus deveria estar parametrizado por um
sistema de patentes e royalties que o retroalimentasse. Mas este autor crê que SMI ainda está longe
de obter uma retroalimentação de financiamentos de P&D a partir da remuneração de inovações de
sucesso sendo realizadas no mercado. Mas tudo pode se resumir a uma visão de futuro normativa
associada a uma vontade política ferrenha. Mais um motivo para o SMI adotar essa questão como
meta, a qual deverá ser item de pauta permanente do Conselho Político retro sugerido. O ideal era
que todo recurso financeiro obtido pelo SMI por força da concessão de incentivos fiscais ao capital
não-local fosse direcionado em prol das amazonidades como ideário de desenvolvimento. Esse valor
já caminha para R$ 2 bilhões de reais em pouco mais de uma década de aplicações divididas em
vários programas estratégicos, alguns deles vinculados à fronteira tecnológica sem sinergia com a
dimensão patrimonial local. Esse é um ponto importante a ser observado!
Sabemos que um dos pilares do desenvolvimento científico-tecnológico e econômico dos Estados
Unidos no século XX foram as fibras sintéticas. Temos nas mãos a oportunidade histórica de adotar
as fibras naturais como estratégica complementar para o desenvolvimento sustentável da Amazônia.
Programas estratégicos como este, estruturados em pesquisas com considerações de uso deveriam
constituir a pauta da agenda de trabalho desse Conselho Político para a Gestão Econômica e Gestão
Tecnológica.

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