O aceno de Rouhani Adalton Oliveira Em seus primeiros dias

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O aceno de Rouhani Adalton Oliveira Em seus primeiros dias
O aceno de Rouhani
Adalton Oliveira
Em seus primeiros dias de governo, Hassan Rouhani vem adotando medidas
ditas liberais em comparação ao seu antecessor, Mahmoud Ahmadinejad, o que inclui o
apoio a uma triatleta iraniana, a reabertura da Casa do Cinema, as felicitações de ano
novo aos judeus (que comemoram o Rosh Hashanah) e a libertação de 11 presos
políticos detidos desde 2009, incluindo um importante ativista pelos direitos humanos
(ver http://www.cartacapital.com.br/internacional/ate-onde-vai-a-bandeira-branca-doira-652.html). Porém, o que mais despertou a atenção do mundo foi seu gesto de
conciliação com os Estados Unidos e, por tabela, com o Ocidente (ver O que move o Irã
em http://unesp.br/semdiplomacia/artigos/2013/182). Em artigo para o Washington
Post, Rouhani escreveu "uma mentalidade de guerra fria de soma zero causa perdas para
todos", palavras que traduzem um gesto de aceno em que se percebe o desejo de mostrar
ao mundo que o Irã não é um país hostil e que seu programa nuclear tem apenas fins
pacíficos. Segundo ele, os entendimentos entre iranianos e norte-americanos dependem
agora de demonstrações de boa vontade e respeito mútuo por parte desse último, o que
significa dizer que o Irã está aberto e pronto para o diálogo.
É naturalmente difícil crer que a atitude iraniana signifique uma mudança da
mentalidade persa e um sincero desejo de aproximação ao mundo ocidental. É mais fácil
atribuir a atitude amistosa iraniana às consequências das medidas norte-americanas de
bloqueio ao país, medidas essas que vigoram desde a assinatura do The Iran Sanctions
Act (ISA) em 05 de agosto de 1996 e renovadas em 2006, do que a um repentino
arroubo liberalizante dos aitolás (sobre as sanções, ver:
http://en.wikipedia.org/wiki/U.S._sanctions_against_Iran). De fato, como aponta o jornal
britânico The Observer, citando dados do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos
(IIEE): “a receita do petróleo caiu 45%, custando à economia cerca de 150 milhões de
dólares por dia em lucros cessantes; a produção industrial caiu 40%; o desemprego
subiu um terço e os preços ao consumidor dispararam 87%” (ver
http://www.cartacapital.com.br/internacional/ira-a-coragem-de-rouhani-da-motivosreais-de-esperanca-7772.html). De acordo ainda com o The Observer, há outra força
poderosa, além do pragmatismo econômico, a mover Rouhani: “uma população jovem
bem conectada digitalmente com o mundo exterior, apesar dos esforços contrários do
regime. Foram os jovens que votaram nele como representante da oposição”. Tomado
por um espírito “democrático”, em discurso recente, Rouhani acrescentou que um
governo forte não é um governo que limita a vida das pessoas. No excelente Persepólis,
animação produzida na França e dirigida pela iraniana Marjane Satrapi e pelo francês
Vicent Paronnaud, assistimos à história da própria Marjane começada pouco antes da
revolução iraniana de 1979 e se estendendo pelo regime dos aitolás. O filme mostra um
país pintado de cinza, onde falta liberdade a todos e às mulheres em especial. A mesma
ausência de liberdade nós percebemos ao assistir, do celebrado diretor iraniano, Jafar
Panahi, a Fora do Jogo, filme no qual uma jovem, desejando ver no estádio o jogo que
levaria o Irã à Copa do Mundo de 2006, é obrigada a se disfarçar de homem, já que
assistir a jogos de futebol é diversão vetada às mulheres na terra dos aitolás. Mais um
retrato de uma sociedade onde o poder está “teológica e teocraticamente” concentrado
nas mãos de um grupo retrógrado que dita as regras aos demais. E, enquanto for assim,
o Irã dificilmente deixará de ter o aspecto cinza de Persepólis, apesar dos gestos liberais
de Rouhani.
Em artigo para o The New York Times, Roger Cohen aponta que um acordo entre
Irã e Estados Unidos precisará conquistar a adesão do aiatolá Ali Khamenei, o líder
supremo do país, que até recentemente chamava os EUA de o Grande Satã, o mais
poderoso entre os sete príncipes infernais; necessitará que Obama convença o
Congresso – repleto de republicanos desconfiados e/ou avessos a qualquer aproximação
com o Irã – e, por fim, terá que obter a adesão de Israel, do belicoso Benjamin
Netanyahu. Ou seja, o caminho para o diálogo entre Rouhani e Obama está cheio de
pedras (Cohen, Roger. “Exigência tripla mina acordo com o Irã”, The New York Times,
publicado pela Folha de São Paulo, 08/10/13).

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