fulgor eterno
Transcrição
fulgor eterno
Fotos: Antonio Cuzzuol (Tarde), cortesia do Banco de la República (Museo del Oro del Banco de la República), United Artists / Latinstock (Jill Masterson) e divulgação fala-se de ouro De cima para baixo, a partir da dir., salão do Museo del Oro del Banco de la República, em Bogotá, Colômbia; a bond girl Jill Masterson em Goldfinger contra 007 (1964); anel (1965) de Di Cavalcanti para Lucien Joaillier; e Tarde, 1986, de Hilal Sami Hilal fulgor eterno Símbolo de poder, nobreza e elevação, o ouro está presente no imaginário do mundo. Para além de seu valor de moeda, esse metal molda-se em criações cujo trunfo é a reflexão de uma luz sedutora e mítica Por Cynthia Garcia Nos dias que antecederam o escândalo em que o ex-diretor do Fundo Monetário Internacional – FMI Dominique Strauss-Kahn foi preso por assédio sexual, em maio deste ano, em Nova York, o mesmo participou de uma missão secreta digna de 007: descobrir por que os Estados Unidos continuavam a protelar o pagamento de 200 toneladas de ouro devido ao FMI para a China. Em 2009, Washington enviou a Pequim 60 toneladas de ouro referentes ao acerto de contas na balança de comércio exterior das duas potências. Mas Pequim concluiu que os tais lingotes com número de série e origem – Fort Knox, EUA – eram falsos. À época do escândalo, DSK estava de posse da informação sobre o ouro que se evaporou dos CASAVOGUE.COM.BR 89 cofres de Fort Knox e do Federal Reserve Bank, e o quiproquó foi acobertado pelo submundo das altas finanças mundiais. Em Goldfinger contra 007 (1964), de Guy Hamilton, a missão de James Bond era boicotar o plano do vilão Auric Goldfinger de roubar Fort Knox. Assim que a espiã Jill Masterson caiu no charme de Bond, Goldfinger, sentindo-se traído, mandou pintar o corpo dela com tinta dourada, causando a morte por sufocamento cutâneo mais icônica da grande tela. Agora, que tal se M, a chefona da organização, incumbisse ao 007 a missão de descobrir o paradeiro do tal ouro das reservas americanas e, assim, evitar a queda do Ocidente? Da ficção à realidade, o ouro enaltece uma gama de objetos de adorno pessoal, decoração e simbolismo religioso desde tempos imemoriais. O final do século 16 viu, no Brasil, o começo da corrida ao ouro das Minas Gerais, que se tornou a fornecedora-mor do metal à coroa portuguesa. Esta o vendia à burguesia comerciante da calvinista Amsterdã, inundando a Europa do Iluminismo com o brilho do nosso ouro. Em contrapartida, importamos o estilo barroco, que estetizou nossas igrejas com áureas volutas e serafins. No mesmo continente, no lado do Pacífico, as culturas pré-colombianas criaram uma das mais sofisticadas vertentes da arte da ourivesaria. Hoje, uma bela coleção desse segmento está no Museo del Oro del Banco de la República, em Bogotá, Colômbia. Fotos: ©Trustees of the British Museum (Siren) e divulgação fala-se de ouro À esq., Siren, 2008, de Marc Quinn, escultura de bronze banhado a ouro que retrata Kate Moss; e, abaixo, à esq., banco Amostrado, de Marcio Kogan, com trave de ouro Quando ainda não era moda artista plástico mexer com design, nos anos 1960, Di Cavalcanti criou uma coleção de joias de ouro a pedido de seu amigo e joalheiro Lucien Finkelstein, dono da Lucien Joaillier. Nos moldes das joalherias da Place Vendôme, de Paris, o endereço ficava na avenida Atlântica, no Rio de Janeiro, e fechou as portas na década de 1990. Neste ano, pela primeira vez, a coleção foi exposta na mostra Di Cavalcanti – Do Desenhista ao Pintor, no Centro Cultural Correios, no Rio. Em 2008, o escultor inglês Marc Quinn imortalizou Kate Moss em várias esculturas para a coletiva Statuephilia, de estatuária contemporânea, no British Museum, em Londres. A mais aclamada foi Siren, uma peça de ouro de 18 quilates sobre bronze, de 88 cm de altura, avaliada em US$ 2,8 milhões. É a maior escultura nesse metal desde a Antiguidade – e ninguém ainda havia registrado Moss naquela pose iogue. Em busca da magia do ouro, muitos outros criadores inspiram-se nessa matéria-prima para chegar a trabalhos dignos de nota. Uma das séries em pequenas ou grandes superfícies, o ouro chama a atenção 90 CASAVOGUE.COM.BR fala-se de ouro À dir., Mobili per Uomo, 2011, esculturas de mosaico de ouro, de Alessandro Mendini para Bisazza; abaixo, utensílios de escritório (2011), de latão banhado a ouro, de Mark Holmes para Minimalux; e, mais abaixo, à dir., vaso Remendo (2011), de porcelana com pintura de ouro, platina e cobre, de Patricia Magano famosas criadas pelo artista plástico capixaba Hilal Sami Hilal baseia-se em um casamento de opostos: trapos e folhas de ouro. Também o ouro, em mosaicos de 24 quilates, é empregado na coleção Mobili per Uomo, de esculturas de objetos do dia a dia em grande escala, que o designer italiano Alessandro Mendini criou para a Bisazza, apresentada neste ano no Salão Internacional do Móvel, em Milão. Para 2012, a artista plástica paulistana Patricia Magano prepara uma retrospectiva que reunirá suas telas, cerâmicas e comentadíssimos nus. Ela avisa: “Será uma grande mostra, com o ouro como fio condutor”. Já o banco Amostrado, lançado pelo arquiteto Marcio Kogan no ano passado, na loja Micasa, polemiza ao elevar um móvel de pedreiro, feito em um canteiro de obras, ao status de design brutalista. Do objeto rudimentar, feito às pressas para cumprir a função de sentar, Kogan apenas trocou uma das traves de madeira por uma barra de aço inox folheada a ouro 24 quilates. Preço? R$ 16.100. Chocante? Mas essa é a ironia do design contemporâneo. E esse, sim, é o caráter de luxo do design brasileiro, tão paradoxal como nosso país. n veja mais em w w w.casavogue.com.br 92 CASAVOGUE.COM.BR Fotos: Alberto Ferrero (Mobili per Uomo), Fáustulo Machado (Remendo) e Peer Lindgreen (utensílios de escritório) arte, design, joalheria: a nobre matéria-prima revela-se em diferentes formas de expressão