cinética da hidrólise da fruta

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cinética da hidrólise da fruta
CINÉTICA DA HIDRÓLISE DA FRUTALINA, A LECTINA GALACTOSE ESPECÍFICA DE ARTOCAPUS INCISA
*Expedito R. C. Carlos1, Álvaro M. P. Lima1, José T. A. Oliveira1, Renato A. Moreira1, Ana C. G.
Horta1
1Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular, Universidade Federal do Ceará., PO Box 6020,
Campus do Pici , 60451-970, Fortaleza, Ceará, Brazil
* [email protected]
Kinetic of enzymatic hydrolysis of frutalin, the Artocarpus incisa lectin
The susceptibility of frutalin, lectin from Artocarpus incisa seeds, to the proteolytic enzymes pepsin, trypsin and chymotrypsin was investigated, using the BSA as reference. The degree of degradation was evaluated on Superose 12 HR. When a relation E:S of 1:200 (m:m) was used, 50% of BSA was hydrolyzed by
pepsin, trypsin, chymotrypsin and trypsin + chymotrypsin in 8, 10, 30 and 10 min. respectively. When frutalin was submitted to the same conditions, no hydrolysis was detected, suggesting that frutalin could be an
inhibitor for these enzymes. To evaluate this inhibitory action, a mixture of frutalin and BSA was submitted
to the enzymes in the same conditions and an inhibitory activity was found. When the same mixture was
treated by these enzymes, to mimic their proteolytic action in the digestive tract, however, BSA was completely hydrolyzed. This result suggests that frutalin could not sustain its inhibitory action in long period
treatments, and should be considered as a weak inhibitor or even be substrate.
Introdução
Introduzida no continente americano no
sec. XVIII com a finalidade de alimentar escravos, a fruta-pão tem origem na Ásia, cultivada
até então em todas as ilhas do arquipélago asiático próximas ao equador, onde ainda hoje se
constitui base alimentar desses povos. Muito
comum ao longo da costa brasileira, mas pode-se
dizer que apenas nos estados de Pernambuco e
Bahia, este fruto é bastante utilizado no preparo
de várias iguarias. No Ceará as populações carentes e habitantes de regiões serranas utilizam a
semente da variedade seminífera como alimento
alternativo, nos períodos de estiagem.
As sementes de fruta-pão contêm lectinas
que são glicoproteínas ou proteínas oligoméricas
com um ou mais sítio(s) por subunidade.
Estas moléculas são de origem não imune e
ligam-se reversivelmente com açúcares específicos precipitando polissacarídios, glicoproteínas e
glicolipídios, agindo, na verdade como reconhecedores de células. A especificidade de lectinas
por certos açúcares tem sido usada como sondas
para detectar açúcares na superfície celular, enzimas, imunoglobulinas e para identificar células
tumorais. Conjugados lectina-lipossomo tem
também encontrado aplicações na liberação de
droga. Elas tem sido usada ainda, para floculação
de suspensões bacteriais na industria (SINGH, et
al. 1999).
Os primeiros estudos com Artocarpus incisa, variedade seminífera, foram feitos por MOREIRA & OLIVEIRA (1983) e PINTO (1987).
Nestes trabalhos foi obtido o isolamento de uma
lectina a qual foi, posteriormente nomeada frutalina (MOREIRA et al., 1998). MONTEIRO
(1998) observou que a cromatografia de afinidade em coluna de galactomanana extraída de sementes de Adenanthera pavonina é um método
eficiente para purificar a lectina de Artocarpus
incisa. A frutalina aglutina hemácias de vários
animais, aglutinando fortemente hemácias humanas não apresentando especificidade por qualquer antígeno do sistema ABO. A estrutura secundária da frutalina, estimada por dicroismo
circular, é formada predominantemente por folhas β antiparalelas. A frutalina é uma glicoproteína que apresenta uma massa molecular aparente, dependente do meio, de 48 kDa, com formação do tetrâmero apenas a pH alcalino (10,0).
A presença do açúcar ligante parece estabilizar a
estrutura quaternária, mantendo a estrutura tetramérica mesmo a valores de pH ácidos. A frutalina, quando tratada a diferentes valores de pH,
só apresentou modificações significantes, a nível
de estrutura secundária e terciária, apenas a pH
12,0. A frutalina foi desnaturada por agentes
caotrópicos, já o SDS não foi capaz de desnaturar a proteína. A referida proteína mostrou uma
estabilidade moderada, apresentando energia de
ativação para o processo de desnaturação térmica, monitorada por atividade hemaglutinante
residual, dicroísmo circular e fluorescência, de
99,8 KJ/mol +/- 0,6, mostrando uma dependência estreita da atividade biológica e a estrutura
protéica.
Vários trabalhos in vivo e/ou in vitro têm
demonstrado que algumas lectinas são altamente
resistentes à hidrólise pelas enzimas presentes no
trato gastro-intestinal. Devido a essa resistência
foi observado que grandes quantidades de lectinas permanecem intactas e reativas durante a
passagem pelo intestino delgado e, geralmente,
se acoplam aos enterócitos por sua interação a
glicoconjugados (PUSZTAI, et al., 1995).
Neste trabalho foi estudado a ação das enzimas proteolíticas, pepsina, tripsina e quimotripsina sobre a lectina (frutalina) de Artocarpus
incisa com o objetivo de avaliar a cinética de
hidrólise desta lectina usando como parâmetro a
BSA e/ou seu papel como inibidor das mesmas.
Experimental
Isolamento da lectina (frutalina) de Artocarpus
incisa: O isolamento da frutalina foi obtido de
acordo com o protocolo descrito por Moreira et
al. 1998. O extrato total em salina foi precipitado
por (NH4)2SO4 (0-90% de saturação), dialisado
contra NaCl 0,15 e aplicado em uma coluna de
goma de Adenanthera pavonina (galactomanana)
(Ricardo, 1998) equilibrada com a mesma solução. Depois de remover as proteínas não retidas,
a lectina foi eluída com D-galactose 0.2 M.
Cromatografias: As cromatografias de afinidade
foram realizadas em coluna de goma de carolina,
e as cromatografias de filtração em gel foram
realizadas em gel de Superose 12 HR em sistema
FPLC (Pharmacia).
Cinética de hidrólise da BSA: Estes ensaios foram realizados de acordo com a Figura 1.
Hidrólise da frutalina na presença de BSA: A
uma alíquota (0,9 ml) de uma solução
BSA+frutalina (1mol:1mol) em NaCl 0,15 M foi
adicionado 0,1 ml de HCl 1N e 1,0 ml de uma
solução de pepsina (1:200 – concentração enzima /proteína) em HCl 0,1 N e a mistura deixada
reagir por 2 horas a 37oC. Em seguida, uma alíquota (1,0 ml) foi resfriada em banho de gelo e
neutralizada com 1,0 ml de tampão Tris-HCl
0,25 M pH 8,9 para uso posterior. À solução
restante (1,0 ml) foi adicionado 1,0 ml de uma
solução de tripsina + quimotripsina (1:200 –
concentração enzima /proteína), em tampão TrisHCl 0,25 M pH 8,9 e a mistura deixada reagir
por 3 horas a 37oC. A seguir a solução foi resfriada em banho de gelo, para uso posterior. Os
produtos obtidos foram avaliados através de eletroforese em gel de poliacrilamida com revelação
por prata.
Eletroforese: Os experimentos envolvendo eletroforese foram realizados seguindo-se o método
de LAEMMLI (1970) e o gel revelado por prata
de acordo com BLUN et al. (1987).
Resultados e Discussões
De posse da cinética de hidrólise da BSA
observou-se que foi necessário 8, 10, 30 e 10
minutos de hidrólise pela pepsina, tripsina, quimotripsina e tripsina+quimotripsina respectivamente para degradar aproximadamente 50% da
albumina sérica bovina usando-se uma relação
enzima/proteína de 1:200 (m/m) (TABELA 1).
As diferenças encontradas nos tempos de hidrólise de aproximadamente 50% de BSA, deve-se às
diferentes especificidades das enzimas. As enzimas pepsina, tripsina e quimotripsina possuem
diferentes especificidades de aminoácidos para
sua ação proteolítica. A pepsina hidrolisa as proteínas nas ligações peptídicas do lado aminoterminal dos resíduos de aminoácidos aromáticos
tirosina, fenilalanina e triptofano. A tripsina hidrolisa as ligações peptídicas cujos grupos carbonilas são fornecidos por resíduos de lisina ou
arginina e a quimotripsina hidrolisa ligações peptídicas cujos grupos carbonila são fornecidos por
resíduos de fenilalanina, tirosina ou triptofano
(LEHNINGER, 1995).
A BSA, ao ser submetida à hidrólise enzimática conjuntamente com a frutalina, apresentou um perfil cromatográfico demonstrando ter
sido menos hidrolisada do que quando foi tratada
na ausência de frutalina. A figura 2 mostra o
perfil de eluição da BSA e frutalina nativas e na
presença das enzimas. Os percentuais de BSA
intacta obtidos foram: 81% quando as proteínas
foram tratadas com pepsina, 75% para o tratamento com tripsina, 74% para a hidrólise com
quimotripsina e 69% para o tratamento com tripsina+quimotripsina (TABELA 2). Não houve
diferença significativa deste ensaio cuja proporção BSA/frutalina foi de 2moles/1mol para aque-
B S A 0 ,4 m L
+
E n zim a (s ) 0 ,1 m L
3 7 0C
D ife re n te s te m p o s
A d ic io n a d o 0 ,5 m L T ris -H C l 0 ,2 5 M , p H 8 ,9 1 o u p H 8 ,1 0 n a s
a líq u o ta s c o m p e p s in a e a líq u o ta s s e m p e p s in a
re s p e c tiv a m e n te
C o n g e la m e n to
C R O M A T O G R A F IA F P L C – C O L U N A S U P E R O S E 1 2 H R
1 0 /3 0
Figura 1 – Esquema de hidrólise da BSA pelas enzimas
pepsina, tripsina, quimotripsina e trpsina+quimotripsina e
posterior análise dos produtos.
Tabela 1 – Percentagem de BSA nativa após hidrólise pelas
enzimas proteolíticas em diferentes tempos de contato
(1:200)
Tratamento
BSA nativa
BSA + pepsina
BSA + pepsina
BSA + pepsina
BSA + pepsina
BSA + tripsina
BSA + tripsina
BSA+ tripsina
BSA+ quimotripsina
BSA+ quimotripsina
BSA+ quimotripsina
Tempo de
Contato
(Min.)
8
10
20
30
10
20
30
10
Área do
Pico*
%
0,389
0,192
0,149
0,148
0,112
0,191
0,142
0,141
0,314
100,0
49,3
38,3
38,0
28,7
49,1
36,5
36,2
80,7
20
0,298
76,6
30
0,207
53,2
Frutalina
0,20
BSA+FL nativas
BSA+FL+ pepsina
BSA+FL+ tripsina
BSA+FL+ quimotripsina
BSA+FL+ tripsina+ quimotripsina
BSA
*∑ absorbância x volume
0,15
A280nm
le realizado na proporção de 1mol/1mol. Estes
dados evidenciam uma diferença nos percentuais
de hidrólise por enzima e uma redução no percentual de BSA hidrolisada. Para a primeira evidência a explicação provavelmente esteja no fato
das enzimas possuírem diferentes especificidades
por aminoácidos, como comentado anteriormente. No caso da segunda hipótese, esta redução no
percentual de hidrólise da BSA pode estar associada a um possível efeito inibitório da frutalina.
Foi testada também, a hidrólise sequencial
da BSA, frutalina e BSA+frutalina, procedida de
acordo com o que acontece no trato digestório e
o resultado analisado por eletroforese. A hidrólise sequencial da BSA apresentou apenas uma
banda eletroforética espessa no poço correspondente ao tratamento com pepsina e uma banda
delgada no poço correspondente à ação das três
enzimas: pepsina, tripsina e quimotripsina (FIGURA 3). O padrão eletroforético mostra que a
BSA foi hidrolisada quase que totalmente. O
inverso ocorreu para a frutalina, ou seja, os poços referentes a frutalina intacta, frutalina com
pepsina e frutalina sob a ação das três enzimas
apresentaram-se similares, todos com as duas
bandas características da lectina. O poço referente a BSA+Frutalina sob a ação enzimática da
pepsina, apresentou duas bandas eletroforéticas
que aparentemente é o somatório do perfil da
BSA e frutalina quando submetidas ao tratamento com pepsina isoladamente. No último poço
onde BSA+Frutalina receberam o tratamento
enzimático das três enzimas, o padrão eletrofóretico visível não apresentou diferenças mostrando
apenas duas bandas delgadas correspondente às
bandas da BSA e frutalina sob o mesmo tratamento isoladamente (FIGURA 3). Este resultado
não confirma a frutalina como um inibidor potente, assim como é sua resistência à hidrólise,
mas dar suporte a hipótese de que esta proteína
pode atuar como um inibidor de ação fraca, cuja
intensidade de inibição diminui em função do
tempo. É bem possível que a eletroforese não
tenha tido a resolução ideal para avaliar-se o
surgimento e o número de peptídeos de baixa
massa molecular que poderiam fazer a diferença
entre a BSA tratada enzimaticamente isolada e
na presença de frutalina. Acredita-se que as bandas extras ou sem sentido tenham sido ocasionadas por um certo nível de interação entre a proteína e algum componente do gel de separação ou
por interferências na corrida ocasionadas por
subprodutos decorrentes da degradação do SDS.
Técnicas mais modernas sugerem o uso de géis
contendo tricina para obter-se melhor resolução
na detecção de peptídeos pequenos.
0,10
0,05
5
10
15
20
25
Frações
Figura 2: Perfil cromatográfico de BSA e frutalina intactas
(−) e submetidas à hidrólise pelas enzimas pepsina (−), tripsina (−), quimotripsina (−) e tripsina + quimotripsina (−) nos
tempos 8 minutos, 10 minutos, 30 minutos e 10 minutos
respectivamente e concentração enzima/proteína 1:200
(m/m).
Tabela 2: Percentagem de BSA nativa após hidrólise pelas enzimas proteolíticas em presença de frutalina
TRATAMENTO
TEMPO CONTATO
ÁREA TOTAL*
P1
P2
P3
% P1
BSA + Frutalina nativas
-
0,239
0,151
0,088
-
100,0
BSA+FL**+pepsina
8
0,195
0,123
0,072
-
81,4
BSA+FL+tripsina
10
0,179
0,112
0,055
0,012
74,1
BSA+FL+quimotripsina
30
0,177
0,113
0,050
0,014
74,8
* medida com planímetro
** FL: frutalina
123456789
FIGURA 3 – Eletroforese em gel de poliacrilamida contendo SDS de BSA e frutalina, separadas e juntas, submetidas a tratamento
enzimático sequencial com pepsina, tripsina e quimotripsina: 1 e 2 – BSA na ausência de enzima em tris-HCl 0,25 M, pH 8,1; 3 –
BSA + pepsina em NaCl 0,15M e HCl 0,1N incubados por 2 horas; 4 – Produto do tratamento do poço 3 + tripsina e quimotripsina em
tris-HCl 0,25 M, pH 8,1 incubados por 3horas; 5 - Frutalina na ausência de enzima em tris-HCl 0,25 M, pH 8,1; 6 – Frutalina + pepsina em NaCl 0,15M e HCl 0,1N incubados por 2 horas; 7 - Produto do tratamento do poço 6 + tripsina e quimotripsina em tris-HCl
0,25 M, pH 8,1 incubados por 3horas; 8 – BSA + Frutalina + pepsina em NaCl 0,15M e HCl 0,1N por incubados 2 horas; 9 - Produto
do tratamento do poço 8 + tripsina e quimotripsina em tris-HCl 0,25 M, pH 8,1 incubados por 3horas.
Referencias Bibliográficas
Conclusões
O tratamento hidrolítico adotado (pepsina 8
minutos, tripsina 10minutos, quimotripsina 30
minutos e tripsina+quimotripsina 10 minutos)
para verificar a possível ação inibitória da frutalina, levou a níveis de hidrólise da BSA variando
de 19 a 31%, sugerindo uma possível inibição
pela lectina.
Nas condições em que o tratamento proteolítico foi realizado (pepsina 2 horas ou pepsina 2
hs em seguida tripsina e quimotripsina, 3hs) sobre BSA + frutalina não foi observado indícios
de inibição por parte da frutalina.
Agradecimentos
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VI Reunião Regional da SBBq – Nordeste.
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