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FILOSOFIA, UMA ESCOLA DE LIBERDADE: O ENSINO DA FILOSOFIA NA UNVERSIDADE/UNESCO 2007 Agemir Bavaresco 1 A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), publicou um estudo sobre o ensino da Filosofia denominado: A Filosofia, uma escola de liberdade (2007). Este estudo é o resultado de um questionário, composto de questões qualitativas e quantitativas da situação do ensino da Filosofia entre os 192 Estados membros da ONU. Os questionários foram enviados a 1200 destinatários, sendo em média de 3 a 4 pessoas por país. Do total dos Estados membros, 126 paises contribuíram com as respostas aos questionários, constituindo-se na base de dados para este estudo, o qual, segundo a coordenadora da edição do mesmo, Moufida Goucha, está inscrito no quadro da promoção dos valores universais, tais como, os direitos do homem e os direitos da criança, em particular o direito à educação. O estudo da UNESCO é composto de 5 capítulos e um anexo: Capítulo 1: Ensino da Filosofia e aprendizagem do filosofar nos níveis pré-escolar e fundamental- a Filosofia dos espíritos jovens: a idade do assombro. Capítulo 2: Ensino da Filosofia no nível médio: a idade do questionamento. Capítulo 3: Ensino da Filosofia no nível superior: a Filosofia no campo universitário. Capítulo 4: Descobrir a Filosofia de outra forma: a Filosofia na cidade. Capítulo 5: O ensino da Filosofia através de uma enquete da UNESCO, administrada via internet. Faremos, em primeiro lugar, uma reconstituição (resumo e destaque) dos principais temas do terceiro capítulo do estudo da UNESCO, a fim de podermos compreender as respostas dos questionários. Em seguida, propomos uma breve apreciação deste estudo. O Capítulo 3: Ensino da Filosofia em nível superior, sob a responsabilidade de Luca Scarantino, é composto de quatro itens: I- A dinâmica entre ensino e pesquisa em Filosofia na Universidade; II- A Filosofia face aos desafios emergentes: questões e apostas; III- Diversificação e internacionalização do ensino filosófico; e IV- A Filosofia em nível superior segundo alguns dados. O saber filosófico em nível universitário distingue-se da aprendizagem do filosofar, que caracteriza a educação básica e média. Há uma articulação entre produzir e assimilar o saber, ou seja, entre pesquisar e ensinar, que está na origem das formas, 1 Doutor pela Universidade Paris 1, Professor do PPG em Filosofia da PUCRS. www.abavaresco.com.br segundo as quais se mostra a Filosofia na Universidade. Considerando este pressuposto, o capítulo em estudo, trata, num primeiro item, do número crescente de países, em que há uma separação entre o ensino médio e o superior, mostrando que, se a Filosofia está presente na escola, a comunicação entre os dois níveis é mais bem elaborada. Há uma internacionalização das práticas de aprendizagem, tanto para a Licenciatura, como para o Mestrado ou Doutorado. O segundo item trata das questões suscitadas pelo confronto da Filosofia com os desafios emergentes. A resposta a estes desafios se encontra na troca de idéias, entre pessoas. Neste sentido, a cooperação intelectual em escala internacional oferece grande oportunidade aos pesquisadores vindos de horizontes diferentes. Num contexto de globalização e competição econômica progressiva, a manutenção da presença da Filosofia dependerá da possibilidade que terão os filósofos de se sustentar na sua profissão. “Nada está assegurado, mas uma diversificação de saídas é visível em escala internacional. Isto implica gerar novas orientações e práticas de ensino e de especializações filosóficas” (UNESCO, 2007, p. 98). O terceiro item apresenta uma visão geral do ensino da Filosofia, em nível superior, focalizado em algumas práticas filosóficas, tais como os diálogos filosóficos inter-regionais e a constituição de uma rede internacional de mulheres filósofas. Enfim, este capítulo estabelece a relação entre Filosofia e liberdade, enquanto condição para uma intersubjetividade plural, uma vez que a liberdade é a razão de ser de todo o ensino filosófico. 2 1 – A dinâmica entre ensino e pesquisa filosófica na Universidade a) A importância da comunicação entre ensino médio e superior O vinculo entre ensino médio e superior é importante, porque os alunos do ensino médio questionam as práticas da pesquisa universitária, como uma progressiva especialização das disciplinas. Nos colóquios ou seminários, em que participam professores do ensino médio e pesquisadores universitários, constata-se uma situação paradoxal, em que a tecnicidade de uns coexiste com a generalidade de outros, como dois registros lingüísticos que não chegam a se integrar. As questões dos alunos do ensino médio podem ser difíceis para os pesquisadores, habituados nos detalhes da tecnicidade filosófica, daí a importância da interação entre as exigências fundamentais da formação filosófica e a especialização disciplinar. A forma de aproximar os dois níveis de ensino é possibilitar que os professores do ensino médio desenvolvam as técnicas da pesquisa, através de publicações em revistas, comunicações em colóquios etc. Constata-se, ainda, que o intercâmbio entre os dois níveis de ensino contribui no processo de democratização em muitos lugares no mundo. A oposição intelectual aos regimes autoritários encontra, no ensino médio, uma força essencial para formar a consciência democrática junto às novas gerações. Quais são as possíveis razões da desarticulação entre o ensino médio e o universitário? Percebe-se que o ensino, na universidade, privilegia a produção científica (publicações e comunicações científicas) em relação à didática da Filosofia no ensino médio. Ao contrário do ensino médio, na universidade não atribui importância científica à didática, antes é considerada apenas uma atividade pedagógica. Observa-se, também, que a progressiva especialização das disciplinas filosóficas contrasta com a natureza do ensino dos alunos do nível médio. Os colóquios ou reuniões filosóficas mostram as abordagens diferentes entre os pesquisadores universitários que apresentam comunicações especializadas e técnicas, enquanto os professores do nível médio estão à procura dos problemas mais fundamentais para propor aos alunos. b) Diversidade do ensino filosófico: o duplo papel dos professores-pesquisadores Normalmente, os professores-pesquisadores estão reunidos em departamentos, institutos ou centros. Esta uniformidade é devida à sua dupla função de especialistas 3 encarregados, ao mesmo tempo, da pesquisa e do ensino. Embora, na prática, cada professor possa privilegiar mais uma tarefa do que a outra, as estruturas universitárias refletem, freqüentemente, esta natureza híbrida da função acadêmica. A pesquisa condiciona a natureza do ensino universitário num duplo sentido: a) As orientações e os resultados da pesquisa refletem-se nos conteúdos ensinados. b) O renome dos membros de um departamento os quais pesquisam, exerce um papel importante na escolha que os estudantes fazem, quando se inscrevem numa Universidade. Entre o nível médio e o superior, existe uma etapa intermediária em que se ensina Filosofia em alguns países, por exemplo, no Canadá, Estados Unidos e Argentina. Aqui, chama-se Ciclo Comum Básico; na Inglaterra, Humanidades; na França, Classes preparatórias para as grandes escolas. A finalidade é oferecer “uma formação de base integral e interdisciplinar; desenvolver o pensamento crítico; consolidar metodologias de aprendizagem e contribuir para uma formação ética, cívica e democrática” (UNESCO, 2007, p. 104). No entanto, a Filosofia em nível universitário está presente, quase na integralidade em todos os países. Sob o nome de “Filosofia”, constata-se uma diversidade de ensinos filosóficos no mundo, imbricando os ditos “saberes do espírito”: “Limitar a presença da Filosofia somente às disciplinas chamadas “Filosofia” seria, sob o plano cultural, um engodo do qual se precisaria desconfiar. Seguidamente, os ensinamentos de teoria política, religião, éticas profissionais, mas também de psicologia social ou de história das idéias dependem, plenamente, de conceitos ou de categorias filosóficas” (id. p. 107). c) Especificidade e adaptabilidade do ensino filosófico A presença do ensino da Filosofia vai além do departamento de Filosofia. A permeabilidade do ensino filosófico é um caráter distintivo desta disciplina. É verdade que ela possui sua especificidade, porém sua natureza transdisciplinar permite colocá-la em contato com o conjunto da formação universitária. O ensino da Filosofia dirige-se, de uma parte, aos especialistas em Filosofia, que recebem uma formação técnica, destacando os conceitos, as categorias, os métodos e a história do pensamento filosófico. Mas, de outra parte, pode tomar a forma de uma reflexão sobre as estruturas epistêmicas e morais das outras disciplinas, saberes e práticas (id. p. 108). 4 Os Departamentos de Filosofia utilizam cada vez mais a internet e a intranet, enquanto fonte para favorecer os estudos dos acadêmicos. O aumento da produção do ensino à distância e sua diversificação lingüística é uma das prioridades para o futuro da Filosofia. O problema do contato com as fontes reside na dificuldade ao acesso às publicações internacionais. No entanto, a publicação virtual em ciências humanas, sobretudo em nível de revistas, é a tendência dominante. d) Liberdade acadêmica e enquadramento do ensino A liberdade acadêmica representa uma condição necessária à liberdade de pensamento e de circulação das idéias. Podem-se constatar três tipos de dificuldades para o exercício da liberdade filosófica: 1) Dificuldade de ordem política, quando os governos, os regimes ou sistemas políticos pretendem impor aos professores-pesquisadores e aos estudantes formas de obediência e fidelidade política, através da interdição de inscrever certos assuntos nos programas de ensino, a proscrição de teorias, a imposição aos pesquisadores de uma ortodoxia filosófica, a sutil pressão dentro de uma comunidade científica, como uma autocensura por parte dos membros, quando se referência aos assuntos politicamente sensíveis ou controvertidos. 2) Condicionamentos religiosos, incidindo sobre a reflexão filosófica, a tal ponto que esta é identificada ao pensamento religioso, ou aos estudos religiosos. As fronteiras entre uma abordagem espiritual da Filosofia e a imposição de um dogma confessional são muito tênues. Todavia, é possível considerar contraditória uma Filosofia religiosa? Toda reflexão filosófica, desenvolvendo-se no quadro de uma fé religiosa, tem-se limites conceptuais, sem que estes se configurem, necessariamente, numa violação da liberdade acadêmica. O problema surge quando se atinge a liberdade de aprendizagem pela interdição de pesquisas numa ótica laica ou crítica da religião. 3) Considerando que a Filosofia é também uma crítica das formas culturais, ela tem uma importância direta sobre a tradição cultural. Assim, os condicionamentos culturais podem atingir a liberdade de ensino e da pesquisa. Isso ocorre, no momento em que conceitos filosóficos críticos, são considerados perigosos para os costumes, os princípios éticos e a identidade cultural. Existem reivindicações identitárias que percebem na Filosofia um perigo para sua identidade. Trata-se de uma questão difícil, 5 porque a liberdade de aprendizagem e de crítica cultural atinge os limites do direito das identidades culturais (cf. p. 107-112). 2 – A Filosofia face aos desafios emergentes: questões e desafios Ensino filosófico e engajamento: O papel da Filosofia na formação dos cidadãos é suscitar uma capacidade de perguntar e de avaliação crítica face aos diferentes saberes e às dinâmicas intersubjetivas que governam as sociedades contemporâneas. Há um risco de reduzir a Filosofia a um engajamento cultural e político imediato, contra uma configuração sócio-econômica dada. Isso seria diminuir a força formadora e criadora da reflexão filosófica. Quando ela é reduzida a uma aprendizagem doutrinária, torna-se num vetor de dogmatismo, traindo sua própria natureza. A natureza epistêmica da Filosofia extrai sua vitalidade no fato de confrontar-se com os problemas concretos da vida das pessoas e das sociedades, não obstante, sua função consiste em extrapolar as estruturas teóricas subjacentes aos objetos culturais. Por isso, a relação entre o ensino filosófico e o engajamento necessita respeitar os seus níveis e especificidades (cf. p.113). A Filosofia “guardiã da racionalidade”: A educação do pensamento crítico e a cidadania desempenham um papel essencial na organização democrática das sociedades contemporâneas. O chamado a racionalidade está na origem da defesa de identidades culturais, porém, estas não podem ser ameaçadas por uma racionalidade que imponha os valores ou as estruturas epistêmicas ocidentais. Num mundo em que crescem os irracionalismos e se multiplicam os fechamentos identitários, é preciso romper com toda a concepção sectária ou culturalista da racionalidade, também com todo o universalismo dogmático da razão. A racionalidade filosófica não é uma forma de imposição ou generalização de conteúdos determinados, mas a liberação progressiva das vivências particulares, quer seja em nível individual quer em cultural, tornando possível uma interação com o outro. Toda a importância libertadora da Filosofia como prática pedagógica está na sua capacidade em realizar esta libertação racional da experiência particular. Toda a ação de apoio ao ensino da Filosofia deveria, pois, estar fixado nesta abertura. A universalidade da razão – tal deveria ser o sentido profundo do ensino filosófico – não pode ser sinônimo de um etnocentrismo disfarçado e deve se inclinar antes como possibilidade de encontro fecundo e capaz entre uma pluralidade de sistemas culturais e de hierarquias de valores (id. p. 114). 6 Filosofia e tradições culturais: Segundo certas correntes de pensamento contemporâneo, a Filosofia é uma teoria geral das formas culturais. Este estudo da UNESCO mostra que o ensino universitário da Filosofia é a interação entre aprendizagem e pesquisa, que na sua diversidade se inscreve numa articulação entre natureza formal da razão e multiplicidade de saberes e de culturas. Toda a Filosofia é impregnada de valores da cultura onde ela surge e se desenvolve. Os exemplos da etno-filosofia na África, a reflexão sobre o neo-confucionismo na China e na Ásia do Oeste, a dialética entre religião e laicidade no Ocidente ou ainda a articulação entre racionalidade filosófica e valores indianos, ilustram a importância cultural de toda reflexão filosófica (id. p. 114). A atualidade da Filosofia - O ensino da Filosofia entre razão e história: Muitos especialistas afirmam que ater-se à discussão exclusiva da atualidade social, política econômica ou cultural, seria um reducionismo do ensino da Filosofia. A educação filosófica, tem um aspecto formal, permitindo a triagem dos dados empíricos; engendra a liberdade da crítica do interior; uma autocrítica dos sistemas éticos e do corpo de crenças, sucedendo-se, historicamente e atravessando as sociedades. A educação filosófica é sempre uma crítica das culturas. Quando a educação filosófica se reduz a um doutrinamento ético, ela trai então sua função libertadora. É por isso que o ensino da Filosofia permanece um campo decisivo de uma batalha entre saber formal, com a moralidade livre e aberta que o acompanha, e o saber dogmático acompanhado de moralismo autoritário (id. p. 115). As prioridades na pesquisa e no ensino: Constata-se, atualmente, que o ensino da Filosofia reduz-se, às vezes, a um simples suporte profissional, como nas éticas deontológicas ou a proliferação de cursos de ética dos negócios. Em outros casos, há um ensino muito tradicional e acadêmico dos cursos de Filosofia; defende-se uma abertura e abordagem mais práticas; uma Filosofia aplicada que possa servir de guia aos estudantes, antes que em direção à pesquisa erudita. Enfim, há coexistência de abordagens, ora opostas, ora abertas para implementar paradigmas teóricos e pedagógicos novos, visando a dar ao ensino da Filosofia uma orientação prática sem que isso venha em detrimento de sua especificidade e de sua história. Face aos problema novos, decorrentes da globalização econômica e cultural, surge a pergunta: quais conteúdos deve-se privilegiar? Os conceitos e as categorias filosóficas têm um papel crítico, pois se dirigem ao conjunto dos saberes que compõem cada cultura e cada sistema ético. Porém eles dirigem-se aos conceitos fundamentais das ciências humanas, sociais e naturais. Ou seja, a Filosofia continua a ter um lugar essencial no desenvolvimento das ciências e no diálogo entre as culturas. “Seria um 7 engano privilegiar certos conteúdos dotados de uma aparência de atualidade em detrimento de outras pistas de pesquisa, menos sedutoras, mas igualmente suscetíveis de dar lugar a desenvolvimentos inesperados” (id. p. 116). A questão dos mercados profissionais: Os mercados de estudos superiores em Filosofia são oferecidos, por exemplo, nos seguintes espaços: a) Ensino médio: O diploma em Filosofia é exigido, na maioria dos casos, para o ensino da Filosofia e, às vezes, para história ou literatura no ensino médio. Ensinar em nível médio representa em numerosos países a principal, ou a mais imediata oportunidade de emprego para os diplomados nesta disciplina. b) Internacionalização da pesquisa: Depois do ensino, o segundo mercado para os diplomados em Filosofia é a pesquisa. Este trabalho se realiza nas Universidades públicas ou privadas, nos Centros nacionais de pesquisa, Institutos, Fundações e Sociedades científicas. Cabe destacar que o mercado de trabalho da pesquisa universitária se caracteriza mais e mais por sua internacionalização. c) Filosofia nas empresas: Existe um número crescente de sociedades comerciais que propõem serviços de conselho, de formação e orientação pessoal numa dimensão filosófica, para as grandes e médias empresas, tratando de assuntos tais como: ética dos negócios, ética médica ou técnicas de retórica, interação de grupo, capacidade argumentativa ou de raciocínio. Um outro aspecto do interesse crescente que as empresas parecem ter pela formação em Filosofia, exprime-se através da escolha de diplomados em Filosofia, devido à capacidade de adaptação às diferentes situações, sobretudo face à evolução dos mercados e das tecnologias (cf. 116-119). 3 – Diversificação e internacionalização do ensino da Filosofia As práticas e métodos de ensino nos diferentes países dependem menos dos sistemas de ensino do que dos conteúdos desenvolvidos. Os métodos empregados no ensino universitário, na maior parte dos países, se articulam em cursos tradicionais e aprendizagem por seminários (leitura de textos, apresentação e discussão de trabalhos etc). O estudo da UNESCO apresenta as características gerais do ensino da Filosofia nas regiões do mundo, por exemplo: Na África, constata-se um enfraquecimento da Filosofia em escala continental; se, na África, a introdução da Filosofia foi modelada a partir dos sistemas e das redes educativas européias, na Ásia a relação entre culturas 8 locais e Filosofia, enquanto emanação do espírito ocidental, é bem mais complexa. Na Ásia, em termos gerais, a Filosofia foi introduzida nos currículos universitários, na segunda metade do século XX. Hoje, a maior parte dos países da Ásia propõem formação doutoral em Filosofia; A relação entre reflexão filosófica e saberes tradicionais está no coração do ensino da Filosofia na Índia. Nos Estados árabes, nota-se que o grande desafio é a relação entre Filosofia, cultura leiga e religião (cf. p. 123-142). Há a multiplicação das redes de troca entre universidades. Foi criada em 1987, a rede européia ERASMUS (European Region Action Scheme for the Mobility of University Students), constituindo-se a mais célebre das redes de troca e de mobilidade universitária, sendo utilizada por mais de 1,2 milhões de estudantes. Hoje, 2199 instituições de ensino divididas em 31 países participam deste programa. Os estudantes de humanidades também representam 3,8% dos participantes (cf. p. 143-144). A Rede internacional de mulheres filósofas, patrocinada pelo UNESCO, foi lançada em 2007, a partir da constatação da ausência das mulheres filósofas nos diversos fóruns e encontros filosóficos. A UNESCO conclui que a melhor forma de incluir as mulheres filósofas consiste em dar voz a seus trabalhos, torná-las visíveis e presentes nos diálogos e debates filosóficos (cf. p. 145). A promoção do diálogo filosófico inter-regional, lançado pela UNESCO, tem por objetivo fazer prosperar a tolerância e a paz, um vetor de diversidade e pluralismo. “Um dos objetivos do diálogo filosófico é colocar em interação as tradições espirituais e suas culturas específicas, sublinhando as contribuições que elas têm levado a seu desenvolvimento recíproco, através da descoberta de uma herança comum e sua partilha de valores” (id. p. 146). Assiste-se, no mundo, o aparecimento de movimentos separatistas, reivindicando especificidades culturais cujas conseqüências, às vezes, são os confrontos e guerras. Daí a importância de estabelecer um referencial de diálogo intercultural e filosófico, aumentando as trocas culturais, sobretudo, no domínio da ética e dos valores. 4 – Conclusão Os dois últimos congressos mundiais de Filosofia, promovidos pela UNESCO trataram do seguinte: A Filosofia e a educação da humanidade (Boston, 1998) e A Filosofia face aos problemas mundiais (Instambul, 2003). Estes temas mostram a abertura progressiva da Filosofia com os problemas de nossas sociedades e o papel que 9 tem na formação dos cidadãos, pois através de sua vocação crítica, ajuda a superar o etnocentrismo dogmático, os condicionamentos éticos, culturais e sociais para liberá-los ao diálogo intercultural. A Filosofia forma, em primeiro lugar, o espírito crítico das pessoas, leva a compreender a complexidade do agir humano, depois, possibilita a aprender a linguagem racional universal, superando cristalizações históricas. “A presença da Filosofia no mundo, apesar de uma desigualdade ainda acentuada, expressa a consciência da importância desta educação contra o aumento do irracionalismo e da intolerância” (id. p. 149). Para que esta função possa desenvolver-se, é necessária a liberdade acadêmica, a liberdade do ensino e da aprendizagem da Filosofia. O estudo da UNESCO, especificamente, no que diz respeito ao 3° capítulo, objeto desta síntese, apresenta os seguintes destaques e questões: a) Há uma distância entre o ensino da Filosofia, ministrado no nível médio e no superior, tanto para os alunos como para os professores. Algumas causas podem ser a especialização das disciplinas, a tecnicidade da pesquisa, o acento na pesquisa em detrimento da didática. b) A diversidade de modos de ensino da Filosofia põe o dilema: ser professorpesquisador ou pesquisador-professor. De fato, isto não implica uma excludente, mas uma complementariedade de papéis. Uma função alimenta a outra, de modo que o ensino conduz à pesquisa e esta, àquele. c) O ensino da Filosofia, além de responder ao específico do próprio Curso, é importante no interior da comunidade acadêmica, no sentido de estabelecer o diálogo interdisciplinar. Assim, a Filosofia, por sua natureza transdisciplinar, é capaz de avançar em sua especificidade e adaptar-se para dialogar, transversalmente, com todos os saberes. d) Um aspecto muito acentuado é o princípio da liberdade acadêmica face aos condicionamentos políticos, religiosos e culturais. e) Enfim, a Filosofia está confrontada pelo fenômeno da globalização, tendo a responsabilidade de ser a “guardiã da racionalidade” diante de uma crescente onda de irracionalismos e intolerâncias. O estudo da UNESCO atribui um papel de suma importância ao ensino da Filosofia, como condição de garantia para o exercício da liberdade crítica, às tradições culturais fundamentalistas e/ou fechadas em identidades etnocêntricas. 10 REFERÊNCIA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA (UNESCO). A Filosofia, uma escola da liberdade. Paris: Ed. UNESCO, 2007. 11