ANAIS III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE Saúde e Precarização do
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ANAIS III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE Saúde e Precarização do
ANAIS III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE Saúde e Precarização do Homem que Trabalha Organização e Coordenação Giovanni Alves André Luís Vizzaccaro-Amaral Daniel Pestana Mota “Indústria Moderna” (1933) Diego Rivera ● 1886 | 1957 PUBLICAÇÃO DA REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (RET) www.estudosdotrabalho.org LONDRINA-PR-BRASIL AGOSTO . 2011 ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA RET ● Rede de Estudos do Trabalho ● www.estudosdotrabalho.org Coordenador Geral Prof. Dr. Giovanni Alves ● [email protected] ORGANIZAÇÃO E COORDENAÇÃO Giovanni Alves (UNESP) ● [email protected] Graduado em Ciências Sociais pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR: http://www.unifor.br), Mestre em Sociologia pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP: http://www.unicamp.br), Doutor em Ciências Sociais pela UNICAMP e Livre-Docente em Teoria Sociológica pela Universidade Estadual Paulista (UNESP: http://www.unesp.br). Professor Adjunto na Faculdade de Filosofia e Ciências de Marília-SP da UNESP (FFC-UNESP: http://www.marilia.unesp.br), Bolsista Produtividade Nível II pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Coordenador Geral da Rede de Estudos do Trabalho (RET: http://www.estudosdotrabalho.org), Pesquisador Assessor da Associação para a Defesa da Saúde no Trabalho (ADESAT: http://www.adesat.org.br) e Líder do Grupo de Pesquisa “Estudos da Globalização” (GPEG-FFC-UNESP/CNPq: http://dgp.cnpq.br/buscaoperacional/ detalhegrupo.jsp?grupo=0330702BLVF54H). André Luís Vizzaccaro-Amaral (UEL) ● [email protected] Graduado e Mestre em Psicologia pela Faculdade de Ciências e Letras de Assis da Universidade Estadual Paulista (FCLAs-UNESP: http://www.assis.unesp.br) e Doutorando em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia e Ciências de Marília da UNESP (FFC-UNESP: http://www.marilia.unesp.br). Professor Assistente junto ao Departamento de Psicologia Social e Institucional do Centro de Ciências Biológicas da Universidade Estadual de Londrina (PSI-CCB-UEL: http://www.uel.br). Daniel Pestana Mota (ADESAT) ● [email protected] Graduado em Direito pela Universidade de Marília (UNIMAR: http://www.unimar.br) e Mestre em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia e Ciências de Marília da Universidade Estadual Paulista (FFC-UNESP: http://www.marilia.unesp.br). Advogado Trabalhista, Assessor Jurídico da Associação para a Defesa da Saúde no Trabalho (ADESAT: http://www.adesat.org.br) e Membro Colaborador da Rede de Estudos do Trabalho (RET: http://www.estudosdotrabalho.org). ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA Publicação de Trabalhos Científicos Selecionados para Apresentação Oral nas Sessões de Comunicação de Pesquisa do “III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: Saúde e Precarização do Homem que Trabalha”, realizado entre os dias 10 e 11 de Agosto de 2011, nos Centros de Letras e Ciências Humanas (CLCH) e de Estudos Sociais Aplicados (CESA), da Universidade Estadual de Londrina (UEL), em Londrina-PR, Brasil. Promoção RET ● Rede de Estudos do Trabalho ● www.estudosdotrabalho.org ADESAT ● Associação para a Defesa da Saúde no Trabalho ● www.adesat.org.br Em parceria com: UEL ● Universidade Estadual de Londrina PROEX-UEL ● Pró-Reitoria de Extensão da UEL ITEDES ● Instituto de Tecnologia e Desenvolvimento Econômico e Social ELO CONSULTORIA ● Empresa Júnior de Psicologia da UEL Comissão Científica Dr. Ricardo Antunes (UNICAMP) Dra. Edith Seligmann-Silva (USP) Dr. Giovanni Alves (UNESP) Dra. Margarida Barreto (PUC-SP / FCM-Santa Casa-SP) Dra. Maria Elizabeth Antunes Lima (UFMG) Dr. Reginaldo Melhado (UEL) Dra. Renata Paparelli (PUC-SP) Dr. Sergio Augusto Vizzaccaro-Amaral (GPEG-UNESP) Parceria Institucional e Apoio ALAL ● Asociación Latinoamericana de Abogados Laboralistas OMS ● Centro Colaborador da Organização Mundial da Saúde em Saúde Ocupacional IPEA ● Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada FUNDACENTRO ● Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho ANPT ● Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho FUNDAÇÃO ARAUCÁRIA ● Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Paraná SETI ● Secretaria da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do Estado do Paraná AMATRA IX ● Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 09ª Região EJ-TRT-09 ● Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 09ª Região FTIAPR ● Federação dos Trabalhadores da Indústria de Alimentos do Estado do Paraná PSI-CCB-UEL ● Departamento de Psicologia Social e Institucional do Centro de Ciências Biológicas da Universidade Estadual de Londrina PÓS-POT-CCB/PROPPG-UEL ● Curso de Especialização em Psicologia Organizacional e do Trabalho do Centro de Ciências Biológicas e da Pró-Reitoria de Pesquisa e PósGraduação da Universidade Estadual de Londrina Os conceitos e ideias emitidos nos textos publicados são de exclusiva responsabilidade dos autores, não implicando obrigatoriamente na concordância das Entidades Promotoras e da Comissão Científica. Endereço para correspondência Prof. Dr. Giovanni Alves Rede de Estudos do Trabalho Grupo de Pesquisa “Estudos da Globalização” Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais Departamento de Sociologia e Antropologia Faculdade de Filosofia e Ciências de Marília Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Rua Hygino Muzzi Filho ● nº 737 Caixa Postal nº 181 CEP 17.525-900 ● Marília ● SP Brasil Tel. +55 14 3402-1300 Publicação eletrônica (Agosto de 2011) Anais do III Fórum Trabalho e Saúde: Saúde e Precarização do Homem que Trabalha, Londrina-PR: UEL, ago. 2011. Equipe Técnica Diagramação André Vizzaccaro-Amaral Editoração André Vizzaccaro-Amaral Webdesign Giovanni Alves Sumário Apresentação III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA Giovanni Alves André Vizzaccaro-Amaral Daniel Pestana Mota 009 Trabalhos Sessão 01 Trabalho, Saúde e Direito do Trabalhador A GLOBALIZAÇÃO E A RESPONSABILIDADE EMPRESARIAL EM FACE DAS ATIVIDADES DE RISCO NAS RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL OLIVEIRA, L. J.; SANTAROSA, L. A.; DAMIÃO, D. R. R.; TEIXEIRA, C. F. A.; BATISTUTE,R. M.; SEDASSARI, S. C.; SPITI, C. MESTRADO EM DIREITO ● UNIMAR-MARÍLIA-SP 033 OS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE NAS INDENIZAÇÕES POR ACIDENTE DE TRABALHO: CASOS NO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE DAMIÃO, D. R. R.; XAVIER, M. F. D.; OLIVEIRA, L. J. MESTRADO EM DIREITO ● UNIMAR-MARÍLIA-SP 042 O SOFRIMENTO DO SUJEITO NA ORGANIZAÇÃO: AS CONTRIBUIÇÕES DA PSICOLOGIA PARA A INVENÇÃO DE UM NOVO ESPAÇO DE TRABALHO MANFREDI, F.; SÁ, F. S. DE; SIGNORINI, T. DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA ● UNIPAR 057 SAÚDE DO TRABALHADOR: OBRIGAÇÕES DO EMPREGADOR E ACIDENTE DE TRABALHO BENTO, F.; RIBEIRO, V. A. UNOPAR-LONDRINA-PR 070 ASSÉDIO MORAL INDIRETO E DIREITO SOCIAL: DA REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA À “JURIDICIALIZAÇÃO” DAS RELAÇÕES DE TRABALHO – UMA REVISÃO DA LITERATURA (2008 A 2011) VIZZACCARO-AMARAL, C. E.; VIZZACCARO-AMARAL, A. L.; VIZZACCARO-AMARAL, S. A. GPEG ● UNESP-MARÍLIA-SP DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA SOCIAL E INSTITUCIONAL ● UEL-LONDRINA-PR 076 PROGRAMA DE FORMAÇÃO POLÍTICO SINDICAL DA ASSOCIAÇÃO DOS PROFESSORES DO PARANÁ (APP-SINDICATO): ASPECTOS PRELIMINARES ARAUJO, F. MESTRADO EM EDUCAÇÃO ● UEL-LONDRINA-PR 094 SINDICALISMO, PRIVATIZAÇÃO E INTERNACIONALIZAÇÃO DA VALE S.A.: O CASO DO SINDICATO SINDIMINA/RJ CARVALHO, L. N. de PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA E DIREITO ● UFF-RIO DE JANEIRO-RJ 102 TIRANDO O VÉU: A INFLUÊNCIA DO CAPITAL SOBRE AS ESTRUTURAS DAS DEMOCRACIAS MUNICIPAIS SOUTO, V. M. M. MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS ● UNESP-MARÍLIA-SP 112 Sessão 02 Trabalho, Saúde e Precariedade MECANISMOS DE CONTROLE EM CALLCENTERS: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E SUA RELAÇÃO COM A SUBJETIVIDADE DOS ATENDENTES DE CENTRAIS DE ATENDIMENTO BRUNING, C.; SCHMITT RAGNINI, E. C. PSICOLOGIA ● UFPR-CURITIBA-PR 128 MOTO-TÁXI: A VIDA E A MORTE SOBRE DUAS RODAS ABONIZIO, G. P. CIÊNCIAS SOCIAIS ● UEL-LONDRINA-PR 144 PROJETO DE SAÚDE MENTAL COM TRABALHADORES DA LIMPEZA E SERVIÇOS GERAIS EM UMA UNIVERSIDADE PRIVADA BRASILEIRA SILVA, R. A. PSICOLOGIA ● UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI-SÃO PAULO-SP 155 INTERCORRÊNCIAS ENTRE A PERCEPÇÃO DOS EMPREGADOS E A FRAGMENTAÇÃO DO TRABALHO A PARTIR DE MODELO ADMINISTRATIVO EM UNIDADES DE SERVIÇO: UM ESTUDO DE CASO MOYSES, I. M.; GUEDES, O. de S.; SERVIÇO SOCIAL ● UEL-LONDRINA-PR 164 CONTRADIÇÕES DA TEORIA DO “TRABALHO IMATERIAL” NO CASO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO NO SETOR DE TELEATENDIMENTO (CALL CENTERS) MARCELINO, F.; MALATESTA, S. UFPR-CURITIBA-PR 169 O TRABALHO PRECÁRIO E A SAÚDE PRECARIZADA DA MULHER: UMA ABORDAGEM SOBRE AS CONDIÇÕES SOCIAIS DAS TRABALHADORAS NAS UNIDADES DOMÉSTICAS DE PRODUÇÃO DE CONFECÇÕES DE VESTUÁRIO E ACESSÓRIOS EM TORITAMA-PE GEHLEN, V. R. F.; RAIMUNDO, V. J.; VASCONCELOS, R. C.; ALENCAR, M. C. PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL ● GRAPP ● UFPE-RECIFE-PE RELATO DO ATENDIMENTO PRESTADO A UM TRABALHADOR COLETOR DE LIXO NO SERVIÇO DE SAÚDE MENTAL DE UM MUNICÍPIO DO CENTRO-OESTE PAULISTA LALUNA, N. C.; CHAPADEIRO, B. R. FAMEMA-MARILIA-SP UNESP-MARÍLIA-SP OBJETIVIDADE/SUBJETIVIDADE DOS TRABALHADORES DA EDUCAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR PRIVADO DA REGIÃO DE CAMPINAS SP JULIO, M. de O. IPEC-TUPÃ-SP 182 197 214 Sessão 03 Trabalho, Saúde e Agroindústria INTERVENÇÃO EM SAÚDE DO TRABALHADOR EM UM CURTUME DO OESTE PAULISTA RUMIN, C. R.; SILVA, D. B. da; SOUZA, M. A. R. de PSICOLOGIA ● FAI-ADAMANTINA-SP 221 SAÚDE MENTAL E ESTILO DE VIDA DE PESCADORES DO PANTANAL FIGUEIREDO, V. C. N.; GALVÃO, L. F.; MELO, W. F. DE; MENDES, D. da C. DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA ● UFMS-CORUMBÁ-MS 233 TRABALHO E SAÚDE NOS CANAVIAIS DA MATA SUL DE PERNAMBUCO: A MODERNIZAÇÃO DA ZONA CANAVIEIRA NA MATA SUL DE PERNAMBUCO E A PRECARIZAÇÃO DA SAÚDE DO TRABALHADOR RURAL SANTOS, C. W.; GEHLEN, V. R.; CARVALHO, F. A.; SANTOS, M. O.; MENDONÇA, E. R. DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL ● GRAPP ● UFPE-RECIFE-PE 239 A ESTRATÉGIA DA CARTEIRA DE SAÚDE DO TRABALHADOR DA CANA-DE-AÇÚCAR MORAES REGO, E. F.; CORREA Fº, H. R. MESTRADO EM SAÚDE COLETIVA ● DMPS-FCM-UNICAMP-CAMPINAS-SP 248 PROCESSO DE TRABALHO E ADOECIMENTO NA INDÚSTRIA AVÍCOLA: UMA ANÁLISE A PARTIR DOS PRESSUPOSTOS DA TEORIA DA ADMINISTRAÇÃO CLÁSSICA ZEN, R. T. UNIOESTE ● CASCAVEL-PR 264 Sessão 04 Trabalho, Saúde e Serviços A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO NOS CENTROS DE REFERÊNCIA EM SAÚDE DO TRABALHADOR (CEREST) PENARIOL, M. P.; COSTA, E. M.; YASUI, S. UNESP-ASSIS-SP 278 A ATUALIDADE DO DEBATE SOBRE OS TRABALHADORES EM SAÚDE NO CONTEXTO DO SUS: ALGUNS APONTAMENTOS BETTIOL LANZA, L. M. DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL ● UEL-LONDRINA-PR 287 AGIR ARTICULADO ENTRE ATENÇÃO, REABILITAÇÃO E PREVENÇÃO EM SAÚDE DO TRABALHADOR: A EXPERIÊNCIA DO CEREST-PIRACICABA TAKAHASHI, M. A. B. C.; MENDES, T. T.; RODRIGUES, D. S.; BRAVO, E. S.; SIMONELLI, A. P. CEREST-PIRACICABA-SP 297 “QUANDO O CORAÇÃO QUASE SAI PELA BOCA”: CRISE (DE ANSIEDADE) EM MEIO À LINHA DE PRODUÇÃO VERISSIMO, D. M. M. CEREST-MARÍLIA-SP 307 SOFRIMENTO PSÍQUICO DO AGENTE COMUNITÁRIO DE SAÚDE: INTERFACES ENTRE PROCESSO DE TRABALHO, FORMAÇÃO E GESTÃO RIBEIRO, S. F. R.; HELOANI, J. R. FACULDADE DE EDUCAÇÃO ● UNICAMP-CAMPINAS-SP 316 TRABALHANDO PARA A FORMAÇÃO DO PSICÓLOGO EM POLÍTICAS PÚBLICAS: EXPERIÊNCIAS EM PSICOLOGIA COMUNITÁRIA DO COTIDIANO CEDEÑO, A. A. L. DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA SOCIAL E INSTITUCIONAL ● UEL-LONDRINA-PR 331 REINVENTANDO O COTIDIANO: EXPERIÊNCIAS DE TRABALHO EM UM SERVIÇO DE CONVIVÊNCIA E FORTALECIMENTO DE VÍNCULOS MALINOWSKI, M. L.; FUJI, S. K. GEPP ● CRP-08-LONDRINA-PR 333 PSICOLOGIA, TRABALHO E SUBJETIVIDADE NA APAC-SJ: NOVAS SOCIABILIDADES FONSECA, J. C. F.; SILVA, C. R.; PESSANHA, P.; DIAS, J. M.; CAMPOS, G. L.; SENDIN, C. S. DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA ● UFSJ-SÃO JOÃO DEL REI-MG 337 Sessão 05 Trabalho, Saúde e Gestão DO TRABALHO TERAPÊUTICO AO DIREITO AO TRABALHO – UMA REFLEXÃO NO CONTEXTO DA ARTICULAÇÃO SAÚDE MENTAL E ECONOMIA SOLIDÁRIA ANDRADE, M. C. DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA ● UEM-MARINGÁ-PR 346 TRABALHO E COOPERATIVISMO: ESTUDO DA ORGANIZAÇÃO DOS TRABALHADORES DA COLETA SELETIVA E RECICLAGEM EM LONDRINA PR (2009-2010) LANZA, F.; BETTIOL, L.; SANTOS, L. M. L; MORAES, E. E; PELANDA, S. S. DEPARTAMENTOS: CIÊNCIAS SOCIAIS, SERVIÇO SOCIAL, ADMINISTRAÇÃO ● UEL-LONDRINA-PR 359 REDIMENSIONANDO O PROJETO DE SER PROPRIETÁRIOS DE EMPRESA FAMILIAR DAMBRÓS, C. P.; EIDAM, A. B.; MELLO, A. A. M.; SOUZA, R. R. P. D.; FREITAS, S. M. P. DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA ● UEM-MARINGÁ-PR 371 SUBJETIVIDADE E TRABALHO: QUANDO O TRABALHO ADOECE SIMÕES, F. I. W. UNESP ● ASSIS-SP 378 BURNOUT SOB A PERSPECTIVA DA TEORIA ANALÍTICA: INTERFACES ENTRE A TEORIA JUNGUIANA E AS DOENÇAS RELACIONADAS AO TRABALHO PERES, S. L.; GAZZOLA, R. A. FACULDADE DE CIÊNCIAS DA SAÚDE ● FASU-GARÇA-SP 391 OS DESAFIOS DA REINSERÇÃO LABORAL DOS AFASTADOS POR TRANSTORNOS MENTAIS E COMPORTAMENTAIS ALEVATO, H. ESCOLA DE ENGENHARIA ● UFF-RIO DE JANEIRO-RJ 400 DA IN(TER)VENÇÃO À IN(VES)TIGAÇÃO: CONSIDERAÇÕES DE UMA EXPERIÊNCIA COM TRABALHADORES AFASTADOS POR LER/DORT NO INTERIOR DO RIO GRANDE DO SUL/RS LOPES, C. S.; MENDES, J. M. R. NÚCLEO DE ESTUDOS E PESQUISA EM SAÚDE E TRABALHO (NEST) ● UFRGS-PORTO ALEGRE-RS 411 SAÚDE DO TRABALHADOR E PROTEÇÃO SOCIAL WÜNSCH, D. S; MENDES, J. M. R NÚCLEO DE ESTUDOS E PESQUISA EM SAÚDE E TRABALHO (NEST) ● UFRGS-PORTO ALEGRE-RS 418 APRESENTAÇÃO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA Giovanni Alves André Luís Vizzaccaro-Amaral Daniel Pestana Mota A terceira edição do FÓRUM TRABALHO E SAÚDE ocorreu entre os dias 10 e 11 de agosto de 2011, nas dependências do Auditório Maior do Centro de Letras e Ciências Humanas (CLCH) e nas Salas de Aula do Centro de Estudos Sociais Aplicados (CESA) da Universidade Estadual de Londrina (UEL), em Londrina-PR. FOTO 01 VISTA NOTURNA PANORÂMICA DO MUNICÍPIO DE LONDRINA-PR Postada e disponível no Facebook, de autoria desconhecida. O deslocamento do evento do município de Marília-SP para Londrina-PR deveu-se à viagem do Prof. Dr. Giovanni Alves (UNESP), para a realização de seu PósDoutoramento junto ao Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra (UC), em Coimbra, Portugal. Pela distância física do Prof. Dr. Giovanni Alves, Coordenador Geral da Rede de Estudos do Trabalho (RET) e Professor e Pesquisador vinculado ao Departamento REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) de Sociologia e Antropologia (DSA) da Faculdade de Filosofia e Ciências de Marília-SP (FFC), Campus da Universidade Estadual Paulista ―Júlio de Mesquita Filho‖ (UNESP), a Presidência da Organização do Evento passou ao Prof. André Luís Vizzaccaro-Amaral, Membro Colaborador da RET e Professor e Pesquisador vinculado ao Departamento de Psicologia Social e Institucional (PSI) do Centro de Ciências Biológicas (CCB) da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Por ocasião da ―migração‖ da gestão executiva do evento, foi realizada a primeira experiência de ―itinerância‖ do FTS. QUADRO 12: IDENTIFICAÇÃO, NATUREZA E ALCANCE DO EVENTO EM 2011 Identificação Natureza Promoção Período Local Alcance III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE Saúde e Precarização do Homem que Trabalha Evento Científico RET: Rede de Estudos do Trabalho ADESAT: Associação para a Defesa da Saúde no Trabalho UEL: Universidade Estadual Londrina PSI-CCB-UEL: Departamento de Psicologia Social e Institucional Centro de Ciências Biológicas Universidade Estadual de Londrina PROEX-UEL: Pró-Reitoria de Extensão Universidade Estadual de Londrina ITEDES: Instituto de Tecnologia e Desenvolvimento Econômico e Social ELO-UEL: Elo Consultoria - Empresa Júnior de Psicologia Universidade Estadual de Londrina 10 e 11 de agosto de 2011 10/08/2011 Auditório Maior do Centro de Letras e Ciências Humanas (CLCH) Universidade Estadual de Londrina Rod. Celso Garcia Cid (PR 445), Km 380, Campus Universitário, Londrina-PR 11/08/2011 Auditório Maior do Centro de Letras e Ciências Humanas (CLCH) Salas de Aula do Centro de Estudos Sociais Aplicados (CESA) Universidade Estadual de Londrina Rod. Celso Garcia Cid (PR 445), Km 380, Campus Universitário, Londrina-PR Nacional Ainda que a Comissão Organizadora do 3FTS2011 fosse presidida pelo Prof. André Luís Vizzaccaro-Amaral, a Coordenação Geral do evento continuou a cargo do Prof. Dr. Giovanni Alves (remotamente, por intermédio de meios eletrônicos e virtuais), ficando a Comissão Organizadora composta por ambos e pelo Me. Daniel Pestana Mota, Membro Colaborador da RET e Consultor Jurídico da Associação para a Defesa da Saúde no Trabalho (ADESAT). ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 10 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) QUADRO 13: PROCEDÊNCIA DOS INSCRITOS NO 3FTS2011 Município de Origem dos Inscritos Estado Quantidade Adamantina Almirante Tamandaré Americana Apucarana Assis Campo Bonito Corumbá SP PR SP PR SP PR MS 1 1 1 1 6 1 1 Cotia Curitiba Jaboticabal Limeira SP PR SP SP 1 5 1 1 Londrina Marília Maringá Porto Alegre Presidente Prudente Recife PR SP PR RS SP PE 24 5 5 2 2 2 Rio de Janeiro Santa Maria da Serra São João Del Rei São Paulo Telêmaco Borba Tietê Umuarama TOTAL DE INSCRITOS (08 inscrições não foram sistematizadas) RJ SP MG SP PR SP PR 2 1 2 3 1 1 2 80 Nesse sentido, o evento foi promovido pela Rede de Estudos do Trabalho (RET) e pela Associação para a Defesa da Saúde no Trabalho (ADESAT) em parceria com a Universidade Estadual de Londrina (UEL), com a Pró-Reitoria de Extensão da Universidade Estadual de Londrina (PROEX-UEL), com o Departamento de Psicologia Social e Institucional do Centro de Ciências Biológicas da Universidade Estadual de Londrina (PSICCB-UEL), com o Instituto de Tecnologia e Desenvolvimento Econômico e Social (ITEDES) e com a ELO Consultoria – Empresa Júnior de Psicologia da Universidade Estadual de Londrina (ELO CONSULTORIA-UEL). Apoiaram a realização do evento a Associação Latinoamericana de Abogados Laboralistas (ALAL), O Centro Colaborador da Organização Mundial da Saúde em ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 11 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) Saúde Ocupacional (CC-OMS-SO), o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), a Fundação ―Jorge Duprat Figueiredo‖ de Segurança e Medicina do Trabalho (FUNDACENTRO), vinculada ao Ministério do Trabalho e Emprego do Governo Federal, a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), a Fundação Araucária de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Paraná (FUNDAÇÃO ARAUCÁRIA), vinculada à Secretaria da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do Governo do Estado do Paraná (SETI-GOVERNO DO ESTADO DO PARANÁ), a Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 09ª Região (AMATRA IX), a Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (EJ-TRT-09), a Federação dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação do Estado do Paraná (FTIA-PR), o Departamento de Psicologia Social e Institucional do Centro de Ciências Biológicas da Universidade Estadual de Londrina (PSICCB-UEL) e o Curso de Especialização em Psicologia Organizacional e do Trabalho, vinculado ao Centro de Ciências Biológicas e à Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade Estadual de Londrina (PÓS-POT-PROPPG-UEL). QUADRO 14: NÚMERO EFETIVO DE PARTICIPANTES DO 3FTS2011 Atividade do Evento Pré-Abertura Dia / Horário Número de Participantes 10/08/2011 80 14:30h às 18:00 h Abertura e Mesa de Conferências de Abertura Sessão de Lançamento de Livros e Mesa de Conferências Observatório Social do Trabalho Mesa de Conferências de Encerramento e Encerramento TOTAL DE INSCRITOS E PARTICIPANTES NÃO INSCRITOS 10/08/2011 92 19:00h às 23:00 h 11/08/2011 81 08:30h às 12:00 h 11/08/2011 69 11/08/2011 153 14:00h às 16:00 h 19:00h às 22:30 h 245 Foram realizadas 80 inscrições, das quais 40 foram oriundas do Estado do Paraná, 23 do Estado de São Paulo, 02 de Minas Gerais, 02 de Pernambuco, 02 do Rio de Janeiro, 02 do Rio Grande do Sul e 01 de Mato Grosso do Sul, contemplando, assim, representantes de 04 das 05 grandes regiões brasileiras, com predominância de inscritos ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 12 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) originários da Região Sul (42 inscritos) e da Região Sudeste (27), acompanhados por inscritos do Nordeste (02) e do Centro-Oeste (01).1 1 Dados contabilizados a partir das informações repassadas pelo Instituto de Tecnologia e Desenvolvimento Econômico e Social (ITEDES: < www.itedes.org.br >), entidade responsável pela gestão financeira e das inscrições do 3FTS2011. Algumas informações não foram preenchidas pelos participantes inscritos e outras ficaram ilegíveis quando do envio da ficha de inscrição por fax. A ausência de um controle mais efetivo dos processos de inscrição, por parte do ITEDES, atrasou e dificultou o levantamento e a sistematização dos dados. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 13 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) Embora os números refiram-se apenas aos participantes inscritos, com direito ao recebimento do Certificado de Participação no evento, as atividades do FTS acabaram sendo transmitidas ao vivo pela internet, gratuitamente, por meio do link disponibilizado pelo Núcleo de Educação à Distância (NEAD: http://www.uel.br/nead/portal/) da Universidade Estadual de Londrina (UEL). De modo geral, considerando os dados disponíveis, a média etária do público do 3FTS2011 foi de 32 anos, com predominância de mulheres (72,6%), cuja formação advém de cursos como Psicologia (42%), Direito (12%), Serviço Social (9%), Ciências Sociais (6%), Enfermagem (5%) e Educação (4%), entre outros (como Medicina, Geografia, Engenharia e Relações Internacionais), sendo a maioria (52%) de pessoas já formadas no ensino superior. Sempre que houve espaços nos locais destinados às atividades do evento, após a acomodação dos inscritos, houve, também, a abertura das portas para que a comunidade interna da UEL pudesse participar do FTS. FOTO 02 PÚBLICO PRESENTE NO 3FTS2011 Público Presente no Anfiteatro Maior do Centro de Letras e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Londrina (CLCH-UEL) ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 14 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) Contabilizando as presenças efetivas no evento, foram registrados, no total, 245 participantes distintos ao longo de todas as atividades do FTS, dos quais 80 participaram da Pré-Abertura, 92 da Abertura e da Mesa de Conferências de Abertura, 81 da Sessão de Lançamento de Livros e da Mesa de Conferências da manhã do dia 11/08, 69 do Observatório Social do Trabalho e 153 da Mesa de Conferências de Encerramento e do Encerramento do evento. FOTO 03 MESA DA PRÉ-ABERTURA DO 3FTS2011 Do primeiro plano para o fundo: Sandro Eduardo Sardá (Procurador do Trabalho do Município de Chapecó-SC), Carlos Juliano Barros (Co-Diretor do Documentário "Carne, Osso", da ONG Repórter Brasil); Heiler Ivens de Souza Natali (Procurador do Trabalho do Município de Londrina-PR); e Bruno Chapadeiro Ribeiro (Membro Colaborador da Rede de Estudos do Trabalho e coordenador da mesa). QUADRO 15: CONFERENCISTAS DO 3FTS2011 Município UF Me. Carlos Juliano Barros (ONG Repórter Brasil) Instituição de Origem dos Conferencistas São Paulo SP Dra. Edith Seligmann-Silva (USP-Aposentada) São Paulo SP Heiler Ivens de Souza Natali (MPT-09) Londrina PR Luiz Salvador (ALAL) Curitiba PR Dra. Margarida Maria Silveira Barreto (PUC-SP e FCM-Santa Casa-SP) São Paulo SP Dr. Reginaldo Melhado (UEL e Poder Judiciário da União Federal) Londrina PR Dra. Renata Paparelli (PUC-SP) *Coordenadora e Debatedora de Mesa Redonda São Paulo SP Dr. Ricardo Luiz Coltro Antunes (UNICAMP) Campinas SP Dr. Ricardo Tadeu Marques da Fonseca (PUC-PR e TRT-09) Curitiba PR Sandro Eduardo Sardá (MPT-12) Chapecó SC Dr. Sergio Augusto Vizzaccaro Amaral (FFC-UNESP) São Paulo TOTAL DE CONFERENCISTAS (e 01 convidada a Coordenar Mesa Redonda) ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil SP 11 Página 15 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) Importante ressaltar que o menor número de participantes registrado no Observatório Social do Trabalho (OST) deveu-se ao fato da atividade preceder as Sessões de Comunicação de Pesquisa, em que considerável número de inscritos também ficou incumbido de se preparar para apresentar seus trabalhos, em outro local, motivo pelo qual muitos não assinaram as listas de presença, que percorreram o local até o final da atividade prevista para o OST. FOTO 04 SOLENIDADE DE ABERTURA DO 3FTS2011 Da esquerda para a direita: Andre Luís Vizzaccaro-Amaral (Professor e Pesquisador da Universidade Estadual de Londrina, Membro Colaborador da Rede de Estudos do Trabalho, Pesquisador Assessor da Associação para a Defesa da Saúde no Trabalho e Coordenador Geral do Evento); Ernani Garcia Ferreira (Presidente da Federação dos Trabalhadores da Indústria de Alimentos do Estado do Paraná); Ismael Paulo (Presidente da Associação para a Defesa da Saúde no Trabalho); Meyre Eiras de B. Pinto (Vice-Diretora do Centro de Ciências Biológicas da Universidade Estadual de Londrina, representando a Reitora da universidade); Ney José de Freitas (Desembargador Federal e Presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região - Estado do Paraná); Daniel Pestana Mota (Assessor Jurídico da Associação para a Defesa da Saúde no Trabalho e Membro Colaborador da Rede de Estudos do Trabalho, representando o Coordenador Geral da Rede de Estudos do Trabalho, Prof. Dr. Giovanni Alves); Luiz Salvador (Presidente da Asociación Latinoamericana de Abogados Laboralistas); e João Batista Martins (Chefe do Departamento de Psicologia Social e Institucional da Universidade Estadual de Londrina). Outro ponto importante refere-se ao número elevado de participantes, em comparação com as demais atividades, da Mesa de Conferências de Encerramento do FTS, que coincidiu com o mesmo horário em que eram ministradas disciplinas que abordavam, direta ou indiretamente, o conteúdo de ―Trabalho‖ em cursos como Ciências Sociais, Serviço Social e ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 16 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) Direito, ofertados nos mesmos Centros de Ensino em que o evento ocorria, e que tiveram suas atividades transferidas para o FTS, conduzindo, portanto, seus alunos e professores para o local da atividade. Compareceram 10 conferencistas e 01 convidada a Coordenar e Debater uma das Mesas de Conferência do III Fórum Trabalho e Saúde, sendo 06 originários do Estado de São Paulo, 04 do Estado do Paraná e 01 de Santa Catarina. FOTO 05 MESA DE CONFERÊNCIAS DE ABERTURA DO 3FTS2011 Da esquerda para a direita: Ricardo Tadeu Marques da Fonseca (Desembargador Federal do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região - Estado do Paraná); Daniel Pestana Mota (Membro Colaborador da Rede de Estudos do Trabalho e coordenador da mesa); e Edith Seligmann-Silva (Pesquisadora e Professora Aposentada da Universidade de São Paulo). Destes, 03 eram vinculados às três universidades estaduais paulistas (Professores e/ou Pesquisadores da Universidade de São Paulo-USP, da Universidade Estadual de Campinas-UNICAMP e da Universidade Estadual Paulista ―Júlio de Mesquita Filho‖UNESP), 01 a uma universidade confessional paranaense (Professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná-PUC-PR) e ao Tribunal Regional do Trabalho do Estado do Paraná (Desembargador Federal do TRT-09), 01 a uma universidade confessional paulistana (Pesquisadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo-PUC-SP) e a uma universidade ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 17 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) privada paulistana (Professora Convidada da Pós-Graduação da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo-FCM-Santa Casa-SP), 01 a uma universidade estadual paranaense (Professor da Universidade Estadual de Londrina-UEL) e ao Poder Judiciário da União Federal (Juiz Titular da 6ª Vara do Trabalho de Londrina-PR), 01 a uma associação internacional de advogados trabalhistas (Presidente da Asociación Latinoamericana de Abogados LaboralistasALAL), 01 a uma universidade confessional paulistana (Professora e Pesquisadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo-PUC-SP), 01 ao Ministério Público do Trabalho do Estado de Santa Catarina (Procurador do Trabalho do MPT-12), 01 ao Ministério Público do Trabalho do Estado do Paraná (Procurador do Trabalho do MPT-09) e 01 a uma organização nãogovernamental de jornalismo investigativo na área do Trabalho (ONG Repórter Brasil). QUADRO 16: SESSÕES DE COMUNICAÇÃO DE PESQUISA DO 3FTS2011 Instituição de Origem dos Trabalhos Científicos Município-UF Quantidade Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST) Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST) Conselho Regional de Psicologia da 8ª Região Faculdades Adamantinenses Integradas (FAI) Faculdade de Ciências da Saúde de Garça / Associação Cultural e Educacional de Garça Instituição Paulista de Ensino e Cultura (IPEC) Multi-institucional (Universidade Estadual de Londrina-UEL, Universidade Estadual Paulista-UNESP-Marília-SP, Escola Paulista de Direito-EPD) Multi-institucional (Universidade Estadual Paulista-UNESP-Marília-SP, Faculdade de Medicina de Marília-FAMEMA) Universidade Anhembi-Morumbi (ANHEMBI-MORUMBI) Universidade de Marília (UNIMAR) Universidade do Paraná (UNIPAR) Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) Universidade Estadual de Londrina (UEL) Universidade Estadual de Maringá (UEM) Universidade do Norte do Paraná (UNOPAR) Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE) Marília-SP Piracicaba-SP Londrina-PR Adamantina-SP 01 01 01 01 Garça-SP 01 Tupã-SP Londrina-PR / Marília-SP / São Paulo-SP 01 Marília-SP 01 São Paulo-SP Marília-SP Umuarama-PR Campinas-SP Londrina-PR Maringá-PR Londrina-PR Cascavel-PR 01 02 01 02 06 02 01 01 Marília-SP Assis-SP Corumbá-MS Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) Recife-PE Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) São João Del Rei-MG Universidade Federal de São João Del Rei Curitiba-PR Universidade Federal do Paraná (UFPR) Porto Alegre-RS Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Rio de Janeiro-RJ Universidade Federal Fluminense (UFF) TOTAL DE TRABALHOS CIENTÍFICOS APROVADOS EM SESSÕES DE COMUNICAÇÃO Universidade Estadual Paulista (UNESP) Universidade Estadual Paulista (UNESP) ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil 01 01 02 01 02 01 02 02 02 37 Página 18 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) Dentre os conferencistas, 05 representaram o campo das ciências jurídicas, 03 o das ciências sociais e humanas e 03 o das ciências da saúde, sendo esta última representada, por sua vez, por 02 pesquisadoras da área da saúde mental e 01 da medicina do trabalho. FOTO 06 SESSÃO DE LANÇAMENTO DE LIVROS DO 3FTS2011 Da esquerda para a direita: Margarida Maria Silveira Barreto (Pesquisadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Professora Convidada da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo); André Luís Vizzaccaro-Amaral (Membro Colaborador da Rede de Estudos do Trabalho, coordenador da sessão e autor expositor); e Edith Seligmann-Silva (Pesquisadora e Professora Aposentada pela Universidade de São Paulo). Livros Lançados na Sessão: ALVES, Giovanni. "Trabalho e Subjetividade: O Espírito do Toyotismo na Era do Capitalismo Manipulatório". São Paulo: Boitempo, 2011. ALVES, Giovanni; VIZZACCARO-AMARAL, André Luís; MOTA, Daniel Pestana. "Trabalho e Saúde: A Precarização do Trabalho e a Saúde do trabalhador no Século XXI". São Paulo: LTr, 2011. BARRETO, Margarida; BERENCHTEIN, Nilson; PEREIRA, Lourival Batista (Orgs.). "Do Assédio Moral à Morte de Si: Significados Sociais do Suicídio no Trabalho", São Paulo: Matsunaga, 2011. SELIGMANN-SILVA, Edith. "Trabalho e Desgaste Mental: O Direito de Ser Dono de Si Mesmo". São Paulo, Cortez, 2011. As Sessões de Comunicação de Pesquisa foram divididas em 05 categorias temáticas: (1) ―Trabalho, Saúde e Direito do Trabalhador‖, com 08 trabalhos aprovados; (2) ―Trabalho, Saúde e Precariedade‖, também com 08 trabalhos aprovados; (3) ―Trabalho, Saúde e Agroindústria‖, com 05 trabalhos aprovados; (4) ―Trabalho, Saúde e Serviços‖, com 08 trabalhos aprovados; e (5) ―Trabalho, Saúde e Gestão‖, também com 08 trabalhos aprovados, procurando contemplar discussões em todos os grandes setores produtivos da economia e ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 19 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) abrindo espaços, também, para discussões específicas envolvendo direito social, precariedade e processos de gestão na interação temática com o eixo ―trabalho e saúde‖. Foram 37 trabalhos aprovados, sendo 10 de mestrado, 08 de iniciação científica, 05 de pesquisas institucionais ligadas a grupos ou a núcleos de pesquisa, 05 de pesquisas independentes preparatórias para o projeto de doutorado, 04 de monografias de conclusão de curso, 03 de estágios curriculares de cursos de graduação e 02 relatos de experiência. FOTO 07 MESA DE CONFERÊNCIAS DO 3FTS2011 Da esquerda para a direita: Reginaldo Melhado (Juiz Titular da 6ª Vara do Trabalho de Londrina-PR e Professor da Universidade Estadual de Londrina); Margarida Maria Silveira Barreto (Pesquisadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Professora Convidada da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo); Renata Paparelli (Professora e Pesquisadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e coordenadora da mesa); e Sergio Augusto Vizzaccaro-Amaral (Pesquisador do Grupo de Pesquisa Estudos da Globalização da Universidade Estadual Paulista e Membro Colaborador da Rede de Estudos do Trabalho). No que tange à distribuição geográfica dos autores dos trabalhos, 04 grandes regiões brasileiras foram representadas no evento, com predominância de trabalhos oriundos da Região Sudeste (17 trabalhos aprovados), seguidos por trabalhos da Região Sul (16), Nordeste (02), Centro-Oeste (01) e um trabalho articulando autores da Região Sudeste e Sul (01). O Estado de São Paulo (14 trabalhos aprovados) e o Estado do Paraná (14) equipararam- ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 20 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) se em número de trabalhos aprovados, seguidos pelos Estados do Rio Grande do Sul (02), Rio de Janeiro (02), Pernambuco (02), Mato Grosso do Sul (01), Minas Gerais (01) e um trabalho que articulou autores do Estado de São Paulo e do Paraná (01). Das instituições realizadoras das pesquisas aprovadas, 07 eram universidades privadas, 06 universidades públicas federais, 05 eram universidades públicas estaduais, 02 instituições públicas municipais de referência em saúde do trabalhador, 01 órgão de classe regional, 01 articulando duas universidades públicas estaduais e um centro de pósgraduação privado e 01 articulando duas universidades públicas estaduais distintas. Dentre as áreas que originaram as pesquisas dos trabalhos aprovados, 14 eram da Psicologia; 04 das Ciências Sociais; 04 do Serviço Social; 04 da Saúde do Trabalhador; 03 do Direito; 02 da Educação; 01 da Saúde Coletiva; 01 multidisciplinar congregando as áreas do Serviço Social, da Administração, das Ciências Sociais e das Ciências Contábeis; 01 multidisciplinar articulando as áreas do Direito e da Sociologia; 01 multidisciplinar envolvendo as áreas da Educação, da Psicologia e da Engenharia de Produção; 01 multidisciplinar atuando com as áreas do Direito e da Ciência Política; e 01 multidisciplinar promovendo a interlocução entre as áreas do Direito, da Psicologia e da Saúde Coletiva. QUADRO 17: OBSERVATÓRIO SOCIAL DO TRABALHO NO 3FTS2011 Categoria de Origem dos Depoimentos Município-UF Quantidade Sindicalista do Setor Bancário Londrina-PR Sindicalista dos Trabalhadores Rurais Duartina-SP TOTAL DE DEPOIMENTOS DO MUNDO DO TRABALHO 01 01 02 Foram realizados 02 Depoimentos do Mundo do Trabalho (DMT) na terceira edição do FTS. Tais relatos foram realizados por trabalhadores vinculados às gestões executivas de dois sindicatos diferentes, que representam trabalhadores de duas realidades distintas e com grande representatividade na atual configuração econômica brasileira, tendo em vista (a) a interiorização e o deslocamento da produção industrial e (b) o crescente aumento do setor de serviços no Brasil. Tal representatividade se estende, também, a duas ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 21 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) importantes realidades trabalhistas vivenciadas nos Estados de São Paulo e do Paraná, e que possuem grande impacto na economia brasileira: (1) a da produção de açúcar e álcool e do forte investimento em matrizes energéticas renováveis (trabalho rural) e (2) o do setor de serviços financeiros e da constante inovação tecnológica (trabalho bancário), ambos com fortes impactos para a saúde física e mental dos trabalhadores. FOTO 08 OBSERVATÓRIO SOCIAL DO TRABALHO: DEPOIMENTOS DO MUNDO DO TRABALHO NO 3FTS2011 Da esquerda para a direita: Dulcelina Aparecida Silveira de Oliveira (Diretora Adjunta do Sindicato dos Bancários de Londrina-PR e Região); Ismael Paulo (Presidente da Associação para a Defesa da Saúde no Trabalho e coordenador da mesa); e Abel Barreto (Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Duartina-SP). Como produto da terceira edição do evento, está previsto o lançamento do Dossier ―Saúde e Precarização do Homem que Trabalha‖, em dezembro de 2011, reunindo artigos científicos de 10 dos trabalhos apresentados nas SCP do 3FTS2011, na Revista Eletrônica da Rede de Estudos do Trabalho (RRET, ISSN 1982-9884), representando dois trabalhos de cada sessão de comunicação de pesquisas do evento. Também está previsto para o ano de 2012 a disponibilização dos anais das três edições do evento para acesso gratuito na internet, contendo os resumos expandidos dos ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 22 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) trabalhos apresentados nas SCP, bem como toda a programação do FTS, apoiadores e eventuais materiais divulgados em cada edição. FOTO 09 SESSÕES DE COMUNICAÇÃO DE PESQUISA DO 3FTS2011 Da esquerda para a direita, no alto: Sessão 01: “Trabalho, Saúde e Direito do Trabalhador”; e Sessão 02: “Trabalho, Saúde e Precariedade”; no centro: “Sessão 03: Trabalho, Saúde e Agroindústria”; abaixo: Sessão 04: “Trabalho, Saúde e Serviços”; e Sessão 05: “Trabalho, Saúde e Gestão” Foi firmada nova parceria com a Editora LTr, de São Paulo-SP, importante editora na área do Direito e da Saúde no Trabalho, e está em fase de organização executiva, o livro ―TRABALHO E ESTRANHAMENTO: Saúde e Precarização do Homem-que-Trabalha no Século XXI‖, reunindo textos dos conferencistas participantes da terceira edição do FTS, e de autores convidados. Além da parceria com a LTr, está sendo elaborada, também, parceria com o Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra (UC), em Coimbra e em Lisboa, Portugal, com a Universidade de Castilla em La Mancha, na Espanha, com a ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 23 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) Associação Latinoamericana de Abogados Laboralistas (ALAL) para o lançamento, distribuição e/ou divulgação do livro no Brasil, na América Latina, em Portugal e na Espanha, promovendo a difusão do conteúdo debatido no evento em alguns centros da América Latina e da Europa. A previsão de lançamento do livro é para agosto de 2012, durante a realização da quarta edição do FTS. FOTO 10 MESA DE CONFERÊNCIAS DE ENCERRAMENTO DO 3FTS2011 Da esquerda para a direita: Luiz Salvador (Presidente da Asociación Latinoamericana de Abogados Laboralistas; de pé, ao microfone); Ricardo Luiz Coltro Antunes (Professor e Pesquisador da Universidade Estadual de Campinas); Daniel Pestana Mota (Membro Colaborador da Rede de Estudos do Trabalho e coordenador da mesa). Importante salientar que cada edição do Fórum Trabalho e Saúde (FTS) compreende desafios e conquistas próprios, tendo em vista as diferenças subtemáticas que os distinguem um do outro. Evidentemente, a cada subtemática lançada um conjunto de fatores deve ser relevado, desde os conferencistas a serem convidados até os detalhes daí resultantes como planejamentos logísticos, gestão de custos, prospecção de parceiros institucionais, acionamento de agências de fomento, etc. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 24 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) Embora multidisciplinar em sua estrutura, e interdisciplinar em seu objetivo, o FTS acaba por atingir, em alguns momentos, públicos-alvo diversos, o que reflete num impacto direto no perfil de seus participantes, dificultando, assim, comparações entre suas edições, sobretudo por ser ele, ainda, um evento recente. É possível avaliar que entre sua primeira edição, em 2009, e a segunda, em 2010, houve não apenas um exponencial aumento no número de participantes inscritos como, também, a dispersão dos mesmos quando relevada a macrorregião administrativa brasileira de onde se originaram. A edição de 2011, por sua vez, com um número menor de inscritos que em 2010 (embora com maior número de participantes ouvintes) e maior do que em 2009, indicou que na medida em que o evento se tornou itinerante ocorreram dois fenômenos: (1) um substantivo aumento relativo de participantes da região em que o evento ocorreu e; (2) uma diminuição no número total de participantes quando comparado com o evento do ano anterior. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 25 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) Pelas fichas de Avaliação do Evento dos inscritos (entregues por 55 dos 80 participantes) é possível creditar parte da responsabilidade pela diminuição dos inscritos à divulgação material do evento, ou seja, por meio de cartazes e folders e de uma distribuição mais ampla de tais materiais, o que, evidentemente, demandaria mais recursos financeiros. FICHA 07: ―Investir mais na divulgação junto a outras universidades‖ | FICHA 26: ―... seria indicado identificar se a divulgação poderia ser direcionada a trabalhadores do SUS, principalmente da Atenção Básica, pois são os responsáveis pela saúde do trabalhador no Sistema Publico.‖ | FICHA 35: ―Sugiro divulgação antecipada e julgo IMPRESCINDIVEL a divulgação da programação das comunicações secundárias‖. | FICHA 43: ―Fórum interessante e merecia uma maior divulgação, tanto interna quanto externa...‖ | FICHA 48: ―... achei que houve uma falha na divulgação, pois no centro de estudos sociais aplicados muitos alunos que talvez se interessariam não ficaram sabendo no evento...‖. A ―Ficha 48‖ é particularmente emblemática porque ―traduz‖ uma argumentação que ficou patente entre muitos da comunidade interna da UEL. Importante salientar que folders impressos foram distribuídos no final das férias letivas de julho junto às Secretarias dos Departamentos que compõem o Centro de Estudos Sociais Aplicados (CESAUEL), em questão, e e-mails com toda a programação foi repassado aos Chefes de Departamentos e Diretores dos Centros de Ciências Biológicas (CCB-UEL), do Centro de Ciências da Saúde (CCS-UEL) e do Centro de Letras e Ciências Humanas (CLCH-UEL), além dos Coordenadores de Cursos de Pós-Graduação Lato e Stricto Senso, solicitando para ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 26 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) que o mesmo fosse divulgado amplamente para suas respectivas comunidades discentes e docentes. Cabe ressaltar, ainda, que e-mails foram enviados, também, quando da Chamada de Trabalhos, com meses de antecedência ao evento, a exemplo do que houve com as demais IESs que enviaram trabalhos ao 3FTS2011, oriundas de Recife-PE a Porto Alegre-RS e de Corumbá-MS ao Rio de Janeiro-RJ. A situação apontada acima sinaliza que a realidade comunicacional de determinadas regiões do Brasil precisa ser considerada pelo FTS nas demais edições do evento, permanecendo sua proposta itinerante. Mesmo se tratando de um evento especializado e diferenciado e, por isso mesmo, voltado a um público menos volumoso, porém com grande capacidade difusora, a experiência itinerante do FTS em 2011 demonstrou que há uma necessidade de avaliação quanto à capacidade comunicacional eletrônica e virtual (esta mais barata e rápida) da região na qual o evento possa eventualmente ser sediado. Mediante as considerações anteriores, três grandes dificuldades apresentaram-se para a organização do evento em 2011: (a) a ausência, na UEL (parceira responsável pela emissão de Certificados) e no ITEDES (parceiro responsável pela gestão financeira do evento), de mecanismos mais simplificados (e, por isso mesmo, mais rapidamente elaboráveis e ágeis) e acessíveis de inscrição online, emissão de boletos bancários e de registro e de emissão de certificados, tal como ocorreu nas edições anteriores ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 27 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) junto à UNESP e à FUNDEPE (Marília-SP); (b) certo grau de enrijecimento administrativo junto à UEL, à Fundação Araucária e ao IPEA, no que tange à tramitação de documentos (no caso da UEL), à interface online pouco ágil (no caso da Fundação Araucária) e, ainda, ao atraso da liberação de recursos financeiros (no caso do IPEA); e (c) pouca efetividade na comunicação eletrônica, online, como e-mails e links, por parte da comunidade interna da UEL, de determinadas organizações sindicais, de classe e/ou empresariais de Londrina-PR e do Estado do Paraná, ao contrário das experiências das edições anteriores do evento em Marília-SP e no Estado de São Paulo. Tais dificuldades são significativas para um evento que ocorre anualmente e que envolve pesquisadores e profissionais de primeira linha e instituições distintas, de naturezas tão diversas, necessitando, assim, de processos mais fluidos e ágeis, sem abrir mão de um controle eficiente dos recursos públicos utilizados e da transparência financeira e administrativa do evento como um todo. De um evento eminentemente regional, em 2009, o FTS vêm se consolidando como um evento de porte nacional não apenas em termos da pluralidade de seus participantes inscritos, oriundos, nesta última edição, de 04 das 05 macrorregiões administrativas brasileiras, mas, também, dos trabalhos apresentados nas Sessões de Comunicação de Pesquisa. Essa representatividade plural também se reflete em termos institucionais, uma vez que houve expressivo aumento no número de instituições promotoras de pesquisas científicas e de sistematização e análises de relatos de experiências. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 28 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) A participação de pesquisadores de universidades públicas federais vem dobrando a cada edição do evento, desde 2009, no que se refere às Sessões de Comunicação de Pesquisa, evidenciando a amplitude nacional e a relevância científica que o evento vem conquistando. No que tange aos pesquisadores de universidade estaduais, o número vem se estabilizando, mas abrindo espaços para Instituições de Ensino Superior (IES) privadas e/ou confessionais, de caráter local e/ou regional, demonstrando que o evento também estimula a divulgação científica no local que o sedia, proporcionando a interação entre os diversos centros de pesquisa e de intervenção participantes, distribuídos ao longo de grande parte do território nacional. Em 2011, o evento ainda contou com 02 trabalhos que se apresentaram ―multinstitucionais‖ (ou seja, com duas ou mais instituições envolvidas), sinalizando que o evento pode congregar não apenas espaços multidisciplinares como, também, abordagens convergentes, entre instituições distintas, em torno de um eixo temático comum. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 29 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) Tais dados denotam uma maior participação de instituições com vocação para pesquisa, nas Sessões de Comunicação de Pesquisa, no entanto, nas três edições do evento, contamos com a manutenção da participação, também, de outras instituições não orientadas para a pesquisa propriamente dita, o que demonstra o atingimento de mais um dos objetivos do FTS, que é o de aproximar dos pesquisadores os técnicos, os operadores e os gestores dos campos de atuação e de conhecimento das ciências sociais e humanas, jurídicas e da saúde. Uma característica que vem se destacando em relação ao FTS refere-se às modalidades de produção de conhecimento que o evento vem auxiliando a divulgar. O evento vem se destacando como importante vetor de discussão de pesquisas de ponta e aprofundadas na área temática de ―Trabalho e Saúde‖, com especial destaque, em 2011, para pesquisas integradas de Grupos de Pesquisa distintos vinculados a importantes centros de pesquisa nacionais. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 30 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) As informações aqui relatadas permitem concluir que o Fórum Trabalho e Saúde (FTS), efetivamente, tornou-se um evento de natureza científica, multidisciplinar em sua estrutura, interdisciplinar em relação a seus objetivos, e de amplitude nacional. O aumento constante da participação de pesquisadores, técnicos, operadores e gestores de vários Estados do país reflete não apenas o seu alcance, mas, também, a relevância das temáticas geradas pelo evento. O apoio financeiro de órgãos fomentadores, como a FUNDAÇÃO ARAUCÁRIA e o IPEA, contribuíram sobremaneira para a realização da atual edição do FTS, demonstrando a importância desse tipo de fomento para a garantia da qualidade do evento em edições futuras, sobretudo em função da peculiaridade de sua temática geral. A construção de parcerias institucionais e a cooperação entre pesquisadores, resultantes do espaço criado pelo FTS, vêm gerando frutos importantes, como a publicação de dossiês temáticos, da Revista da Rede de Estudos do Trabalho (RRET), periódico científico eletrônico e online sob o ISSN nº 1982-9884, reunindo dez trabalhos selecionados dentre os apresentados em cada edição do evento, desde 2010. O lançamento, novamente em 2012, do livro ―TRABALHO E ESTRANHAMENTO: Saúde e precarização do Homem-que-Trabalha‖, pela Editora LTr, de São Paulo, especializada em obras na área do Direito e da Saúde do Trabalho, reunindo textos dos conferencistas e dos organizadores do evento, com a possibilidade de seu lançamento e divulgação no Brasil, na América Latina e na Europa, também ilustra o papel que o FTS vem desempenhando no cenário científico nacional e dá sinais de que o evento esteja caminhando para se transformar em referência nas áreas que o circundam, tanto no Brasil como no exterior. Os textos que se seguem contemplam a produção científica do III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA, apresentada nas cinco Sessões de Comunicação de Pesquisa, realizadas na tarde do dia 11 de Agosto de 2011, nas Salas de Aulas do Centro de Estudos Sociais Aplicados (CESA) da Universidade Estadual de Londrina (UEL). ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 31 SESSÃO 01 Trabalho, Saúde e Direito do Trabalhador A GLOBALIZAÇÃO E A RESPONSABILIDADE EMPRESARIAL EM FACE DAS ATIVIDADES DE RISCO NAS RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL OLIVEIRA, L. J.; SANTAROSA, L. A.; DAMIÃO, D. R. R.; TEIXEIRA, C. F. A.; BATISTUTE, R. M.; SEDASSARI, S. C.; SPITI, C.; Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília (UNIMAR) [email protected] INTRODUÇÃO A responsabilidade do empregador em relação aos seus empregados aparece tipificada no artigo 7º, XXVIII da Constituição Federal, abrangendo o seguro contra acidente de trabalho, que na verdade trata-se do seguro previdenciário, envolvido pela responsabilidade objetiva, onde, independentemente da culpa do empregador, em ocorrendo o resultado danoso, como por exemplo, acidente de trabalho, terá o empregado direito aos benefícios previdenciários, desde que cumpridos os requisitos estabelecidos em lei, sem a necessidade de existir o do dolo ou da culpa no cometimento. No mesmo dispositivo constitucional, em sua segunda parte, aparece a responsabilidade subjetiva do empregador por danos ocorridos com seus empregados, sendo neste caso obrigatória a demonstração do dolo ou da culpa do empregador para que surja a obrigação do mesmo em indenizar. Sendo assim, de forma prevalecente, é possível afirmar que ao empregador é aplicada a teoria subjetiva em matéria de responsabilidade civil por REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) danos ocorridos em relação aos seus empregados. Em outras palavras, ele responderá indenizatoriamente por dolo ou por culpa. Acontece que com a dinâmica empresarial surgem novos procedimentos ou processos de produção ou de prestação de serviços capazes de trazer imanente um risco cotidiano no próprio desenvolvimento de determinadas atividades, ou, em dadas circunstâncias, atividades ditas como normais podem expressar temporariamente ou circunstancialmente um risco acentuado, produto do próprio desenvolvimento da referida atividade empresarial. Também, atividades que não são normalmente consideradas perigosas podem se tornar de grande risco, na medida em que se emprega uma intensidade de produção não compatível com aquilo que se espera empregar, tornando difícil salvaguardar a saúde física e mental daqueles que realizam tais atividades (trabalhadores). É evidente que neste último caso detecta-se a culpa do empregador, que ao acelerar o ritmo das ações realizadas pelos seus empregados, geralmente com o objetivo de elevar quantitativamente a produção, acentuará mais o risco daquela atividade. Tanto na doutrina como na jurisprudência são encontradas construções que apontam para a responsabilidade objetiva do empregador quando a empresa desenvolve atividade de risco, como por exemplo, produção de explosivos, que no caso implica em uma atividade de perigo permanente para as pessoas que laboram, ou, na guarda e condução de valores em dinheiro ou equiparado, como o caso dos que trabalham em carro forte, que também implica em um risco inerente à própria atividade. Outra linha doutrinária, já a alguns anos estudada, desenvolve a tese que todas as atividades em que os empregados recebem o adicional de insalubridade ou periculosidade implicam em atividades que em ocorrendo algum dano àqueles que nela laboram, deva ser aplicada a teoria da responsabilidade objetiva, por conta que o recebimento dos referidos adicionais já atesta a existência do risco. Agora, o que falar daquelas atividades que pela própria dinâmica empresarial ou as circunstâncias que a cercam em determinado momento (situação temporária), cria um risco imanente à mesma atividade? Vale citar, a título exemplificativo, o ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 34 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) caso de um professor, que dentro da normalidade, não exerce uma atividade perigosa ou que tenha um risco manifesto, mas que, lecionando em dada escola ou localidade, marcada estatisticamente por um elevando índice de práticas criminosas ou que naquele estabelecimento escolar constata-se um comportamento atípico dos alunos, com práticas reprováveis socialmente, implica na geração de um risco acentuado para todos que ali trabalham ou mantenham contato. Neste caso a atividade docente naquela localidade não passaria a ter o conteúdo risco na sua realização, que não é própria da atividade, mas das circunstâncias que a cercam. Caso assim seja entendido, não seria aplicada a responsabilidade objetiva no caso? Outra situação é aquela empresa que adota em sua organização produtiva procedimentos que requerem dos que ali trabalham uma acumulação de funções, para o fim direto de excluir postos de trabalho, reduzir custos e elevar a produção. Nestas circunstâncias ou condições de trabalho, deve-se analisar com mais afinco várias circunstâncias, ainda que não exista regulamento específico para aquela determinada atividade. As condições de trabalho devem ser analisadas levando-se em conta o meio ambiente onde o trabalhador executa o seu trabalho, a forma como ele executa o cumprimento de objetivos de cada tarefa e o respaldo ou apoio empresarial que recebe para a realização destas mesmas tarefas. Vale citar aqui os motoristas de transporte coletivo que acumulam a função de cobrador. Fica demonstrada, em hipótese como a exemplificada, que a acumulação de funções sobre a mesma pessoa, no caso o motorista, implica diretamente na geração de um risco manifesto para qualquer incidente que ocorrer naquela atividade, bem como pode também causar uma elevação do risco social, no que se refere à segurança pública. Fica assim delimitado o problema a ser enfrentado neste trabalho de pesquisa, que envolve um estudo quanto às formas de realização de tarefas ou atividades profissionais, seu acúmulo, intensidade, e outras variáveis, que pelo modo imposto à sua produção, crescentes em uma economia globalizada, são capazes de causar a responsabilização direta do empregador pelo risco que se tornou imanente naquela atividade. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 35 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) JUSTIFICATIVAS E RELEVÂNCIA DO ESTUDO A atividade empresarial necessita ser equacionada em termos de responsabilidade empresarial, muito embora a Constituição Federal tenha estabelecido como regra geral em termos de responsabilização da empresa, a ocorrência de dolo e de culpa do empregador, para que houvesse a responsabilização do empregador. E empresa, em um primeiro momento, deve assumir os riscos de sua atividade, envolvendo neste risco, a responsabilidade em relação aos seus trabalhadores diretos e indiretos. Várias linhas de raciocínio conduzem a esta conclusão, valendo citar a questão da hipossuficiência do empregado, o próprio risco empresarial e a função social que por ela deve ser cumprida. Não é possível falar em função social sem se cogitar sobre responsabilidade empresarial ao mesmo templo. Trata-se de algo objetivo, imanente à própria atividade empresarial. A inclusão da responsabilidade objetiva somente quando se tratar de seguro previdenciário não atende às várias atividades empresariais que gozam de um contínuo risco, bem como em relação às mudanças de procedimentos de produção ou prestação de serviços, que devido aos métodos adotados pela empresa, após processos globalizantes, transformam atividades que antes não era em atividade de risco. Não se quer aqui pautar pela prevalência da responsabilidade objetiva em qualquer circunstância. Quer se estudar de forma mais aprofundada as variáveis que podem transformar a concepção sobre a responsabilidade empresarial, em especial diante das relações de trabalho, deixando em parte a socialização do risco empresarial, consubstanciada no seguro previdenciário e passando para a responsabilidade da empresa a partir da análise do caso concreto, levando se em conta os principais fatores envolvidos naquela determinada produção industrial. Não é possível, a partir da constatação das mudanças de procedimentos que foram aplicados na produção, não estudar as implicações que as mesmas mudanças ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 36 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) produziram no campo da responsabilidade empresarial, ou, diante da socialização dos riscos empresariais, ocorridos a partir do momento em que a sociedade em geral contribui para a manutenção do sistema previdenciário, não querer fazer com que aquele que obteve vantagens diretas a partir da sua atividade empresarial, não devolva à mesma sociedade parte dos prejuízos a ela causados. Desta forma, fica plenamente justificado o presente projeto de pesquisa, que tem alcance não só no campo do Direito do Trabalho, Direito Civil e Direito Previdenciário, como também em outras searas científicas, como por exemplo, a Administração de Empresas e a Economia principalmente. A sua atualidade e necessidade complementam a justificativa já aqui demonstrada de forma explicativa. ORIGINALIDADE DO ESTUDO E HIPÓTESES Trata-se de um estudo multidisciplinar, envolvendo inclusive outras áreas de conhecimento, como por exemplo, a Administração de Empresas e Ciências Econômicas; Requer um alargamento interpretativo do artigo 170 da Constituição Federal, em especial no que se refere ao termo ―valorização do trabalho humano‖ e a nova atividade empresarial em especial a verdadeira função social empresarial; Pressupõe, através da compreensão do fenômeno atividade empresarial, que se limite ou que se redirecione o poder diretivo empresarial, no que se refere ás relações de trabalho, em especial envolvendo o estudo do fenômeno globalização e as mudanças que implicaram e estão implicando na produção industrial; ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 37 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) Exige-se um estudo do ambiente de trabalho, que na forma inversa, estará sendo estudada a postura e novas obrigações empresariais em termos de redução do risco da sua atividade, que pode implicar na obrigação da forma ou modo de produzir; Requer a compreensão de novos parâmetros, estabelecendo formas de medição de intensidade de atividades dentre outros aspectos, com a criação de novos limites para a atividade empresarial. OBJETIVOS: (GERAIS E ESPECÍFICOS) Estudar o fenômeno da globalização a partir das mudanças ocorridas nas empresas no que tange à forma de produzir; estabelecer os riscos que foram criados a partir dessas mudanças, que na maioria foram impostas no intuito de reduzir os custos empresariais para elevar a produção, com o aumento da competitividade; aprofundar os estudos sobre a função social empresarial, tornando possível criar novos limites ao poder diretivo empresarial; estabelecer uma nova forma de compreensão e de responsabilização da atividade empresarial, partindo-se do estudo do caso concreto, considerando a sua dinâmica de produção e o número de acidentes de trabalho produzidos; criar mecanismos de contenção e limitação das ações empresariais que importem em risco acentuado para os trabalhadores e sociedade em geral; envolver as entidades representativas da sociedade na discussão desse problema; ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 38 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) exigir do poder público uma postura em favor do cumprimento dos paradigmas constitucionais, em especial, a proteção do trabalho humano, através de ações e ou políticas públicas afirmativas. METODOLOGIA Haverá o emprego de métodos próprios da pesquisa em Direito, como o estudo de legislações, de doutrina, da jurisprudência, situando também o exame de fenômenos jurídicos no tempo e no espaço (método dedutivo). Poderão, caso surja a necessidade, ser feitos levantamentos de dados estatísticos junto a institutos de pesquisa com a posterior análise desses dados. RESULTADOS PARCIAIS O presente projeto de pesquisa teve o seu início em março de 2011. Foram realizadas 05 reuniões com o grupo de pesquisa, com a participação de todos alunos matriculados no Programa de Mestrado em Direito da Unimar, que se encontram cadastrados no projeto. Foram feitos levantamentos bibliográficos, com o aprofundamento dos estudos sobre o tema ―responsabilidade civil do empregados‖. Nas reuniões de discussão procurou-se objetivar em torno do conceito ―risco empresarial‖ e suas implicações, em especial quando se trata da responsabilidade civil do empregador no ambiente de trabalho, e concluiu-se que o alcance em termos de responsabilidade civil são mais extensos dos que os construídos doutrinariamente, podendo ser adotada nova concepção em termos de responsabilização do empregador. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 39 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) Procurou-se classificar as chamadas novas tendências da sociedade de risco globalizado, considerando as mudanças ocorridas no ambiente de trabalho, partindo-se da obrigação empresarial e preservar um meio ambiente equilibrado. Ao mesmo tempo, ainda estudando o tópico ―saúde ambiental do trabalho‖, procurou-se estabelecer as relações entre ambiente e saúde o trabalhador, o modo de produção adotado e as conseqüências resultantes, o desenvolvimento do ambiente de trabalho em face do atual modo de produção capitalista, as dificuldades enfrentadas para identificar as causas geradoras dos males para o trabalhador, neste último caso, o grupo resolveu desenvolver estudos separados levando-se em conta setores determinados da produção, sendo que os resultados destes estudos somente serão observados a contar do segundo semestre do corrente ano. Pretende-se ainda nesta primeira desenvolver estudos quanto à evolução do comportamento organizacional empresarial, levando-se em conta o fenômeno da globalização, considerando os conflitos surgidos com a preservação do meio ambiente de trabalho sadio. Na segunda fase, de acordo com os resultados parciais obtidos, o grupo estará caminhando para os riscos e a forma de compreender a responsabilização do empregador, considerando o meio ambiente do trabalho no mundo globalizado, de acordo com a reestruturação sofrida pelo processo de internacionalização empresarial. BIBLIOGRAFIA BÁSICA ALVIM, Arruda. A função social dos contratos no novo código civil. Disponível em: <http: //www.novodireitocivil.com.br>. Acesso em: 20.12.2009. ARAUJO, José Francelino. (coord.). Direito empresarial. Porto Alegre: Sagra Luzzatto, 1998. ARAUJO, Luiz Alberto David; VIDAL, Serrano Nunes Júnior. Curso de direito constitucional. 2. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 1999. CARVALHO, Karina Gabriele de. Responsabilidade social empresarial. Jornada trabalhista, v. 21, n. 999, Brasília, 2004. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 40 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) DIAS, José Aguiar. Da responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988: interpretação e crítica. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. LIPPERT, Márcia Mallmann. A empresa no novo código civil: elementos de unificação no direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. NAGIB, Slaibi Filho. Responsabilidade civil e o fato social no séc. XXI. Rio de Janeiro: Forense, 2004. SANTOS, Enoque Ribeiro. Responsabilidade civil subjetiva e objetiva da empresa em face do novo Código Civil. Síntese Trabalhista, v. 15, n. 175, Porto Alegre, 2004. SILVA, José. A. Curso de direito constitucional positivo. 17.ed. São Paulo: Malheiros, 2000. SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. A responsabilidade civil objetiva do empregador com relação aos danos pessoais e sociais no âmbito das relações de trabalho. Revista Trabalhista, v. 3, n. 12. Rio de Janeiro, 2004. STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. São Paulo: RT, 2004. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 41 OS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE NAS INDENIZAÇÕES POR ACIDENTE DE TRABALHO: CASOS NO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE DAMIÃO, D. R. R.; XAVIER, M. F. D.; OLIVEIRA, L. J. ; Mestrado em Direito da Universidade de Marília (UNIMAR) [email protected] INTRODUÇÃO O homem sempre buscou através do trabalho a sua realização na sociedade. No período marcado pela Revolução Industrial, as máquinas ocuparam lugares que antes pertenciam aos homens. Apesar dos avanços tecnológicos, precisava-se de alguém para manejá-la, o que ocasionou grandes problemas: o operário não estava preparado para enfrentar a máquina, não possuía treinamento para tal, e não dispunha de poder de barganha com seu empregador a fazer com que este lhe proporcionasse proteção (uso de equipamentos de proteção). Com isso, ocorreram muitos casos de mutilações decorrentes de acidentes de trabalho. Tais danos, morais, materiais e estéticos se deram nas mais diversas partes do corpo: pés, mãos, braços, pernas, cabeça. O número crescente de trabalhadores que se tornaram incapazes para as tarefas antes desenvolvidas em face das mutilações sofridas, trouxe a tona polêmicas sobre a justa reparação dos danos advindos dos acidentes e como também, da sobrevivência das famílias que antes contavam com os recursos adquiridos pelo trabalho do mantenedor do grupo. REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) Os casos reiterados sobre o mesmo tema acidentário se avolumavam, havendo a necessidade do trabalhador de buscar a indenização dos danos, o que fez surgir discussões sobre a atuação da Justiça do Trabalho, compondo a tríade processual na busca dessa reparação. Os reiterados casos de acidente de trabalho perpetuam-se no mundo contemporâneo, posto que em pleno século XXI, ainda tem-se notícias de trabalhadores submetidos a condições insalubres, periculosas e degradantes. São vários, reiterados e modernos os casos, de trabalhadores acidentados, pessoas que almejam a reparação dos danos na justiça especializada do trabalho. É certo que toda a gleba de leis trabalhistas não traça qualquer parâmetro para que o julgador, no momento de sua decisão, possa valer-se para arbitrar o valor do alegado dano. Vale salientar que o principal objetivo da ordem jurídica, é proteger o lícito e reprimir o ilícito. Devendo o direito aproximar, ao máximo possível, a vítima ao seu estado a quo. O princípio que domina a responsabilidade civil na atualidade é o da restitutio in integrum, ou seja, da reparação integral do dano causado. Todavia, como fazer a reparação integral de um dano permanente, muitas vezes ocorrendo à perda de parte do corpo? Não há norma que estabeleça valores monetários. Com esta falta de paradigmas, o magistrado, que pela sua essência seria mero aplicador de leis, se coloca envolto aos princípios constitucionais, trabalhistas e outros do direito comum, com aquele ramo, compatíveis. Não há um meio eficaz para se chegar ao valor exato da reparação do dano provocado por qualquer acidente de trabalho, eis que os valores ali colocados são subjetivos, sendo o sentimento variante de pessoa para pessoa. A este ponto, a interpretação do Direito deve ocorrer de acordo com algumas sistemáticas, por meio da hermenêutica jurídica que é a aplicação do domínio teórico explicativo popularmente dito ―ciência da interpretação‖. A interpretação jurídica é a atividade prática de revelar o real sentido da norma jurídica. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 43 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) Um dos métodos utilizados para a aplicação da norma jurídica é o da subsunção. Desprezados por alguns, este método importa em trazer a norma um sentido único, objetivo e válido para todas as situações em que a abstração incidir. No entanto, a subsunção deve ser ponderada, pois a Constituição Federal, por meio do sub-princípio da igualdade, diz que os aplicadores do ato devem tratar os desiguais desigualmente, no limite de suas desigualdades. Desta forma, não há como somente considerar a subsunção para se chegar à resposta jurídica para um determinado problema, pois a moderna dogmática prega a aplicação de normas principiológicas, considerando os meta-princípios e todos aqueles demais presentes no texto constitucional e em demais leis, como por exemplo, os princípios da dignidade da pessoa humana, proteção ao trabalhador, entre outros. Justamente na ausência de norma específica, o julgamento deve ocorrer por meio da ponderação, fazendo com que a subsunção seja complementar, através de uma moderna dogmática de interpretação das normas. Tal posição advém do pós-positivismo do direito, onde se pode verificar que com a junção equilibrada de regras e princípios, se obtém a maior chance de segurança jurídica. As regras jurídicas entendidas como normas positivas, contêm relatos mais objetivos, sendo restritas as situações específicas. Considerando os princípios, tendo em vista o seu grande poder de abstração, atingem uma maior gama de situações. Na argumentação jurídica, o intérprete deve ser criativo, posto que as regras, são mandados de definição, e os princípios são mandados de otimização, assim sendo, por terem maior carga valorativa, um fundamento ético, uma decisão política relevante. Os princípios devem ser utilizados, por serem a única forma de se chegar a uma resposta com segurança jurídica, quando se observar direito contrapostos. Para que os julgadores possam agir e valorar de forma equitativa, estes se utilizam de valores tácitos em forma de princípios normativos que ensejavam inspiração ao julgador no momento de interpretar a lei diante das decisões que suscitassem dúvidas quanto ao que estava previsto no ordenamento e o que era passível de reparação. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 44 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) Sendo visto como verdades fundamentais, logo não podem se distanciar dos postulados jurídicos que norteiam o direito do trabalho, com o risco de não sendo reconhecido, gerar grandes prejuízos aos que demandam em juízo, aproximando-se mais da ética, da justiça e da moral. Com a Constituição de 1988, os princípios foram elevados a categoria de norma, com força normativa que pressupõe uma função geral, no campo das idéias, impessoal e imperativo, o que faz com que a abordagem dada para a sua importância junto ao processo, seja revista e ampliada, adequando-se aos novos paradigmas do direito. Princípio é por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência. Os primeiros a reconhecerem e conceituarem princípios foram Crisafulli, vindo depois José Joaquim Gomes Canotilho que sugeriu alguns critérios diferenciadores entre princípios e regras. Normas subdividem-se em regras e princípios, onde as regras são normas que verificados determinados pressupostos, ordenam, vedam ou admitem balizadores definitivos, e os princípios são normas que para se efetivarem, exigem a realização de algo, de forma adequada e possível e em concordância com as possibilidades de fato e de direito. O esforço teórico busca abordar os conceitos de acidente do trabalho, onde toda ação promovida em conseqüência do trabalho a serviço de empregador, que venha provocar uma lesão física, ou perturbações de ordem funcional que cause a morte, perda ou redução da capacidade permanente ou temporária para o trabalho, se tem um acidente de trabalho, inicio da violação de um direito que levará o acidentado, vítima muitas vezes do sistema, a perseguir a indenização. Logo, percebe-se que não há como distanciar da fundamentação legal a aplicabilidade dos princípios que serão discutidos, proporcionalidade e razoabilidade. O termo proporcionalidade vem desde a antiguidade sendo base para a aplicação da justiça. Aristóteles colocava como sendo a proporcionalidade parte do conceito de justiça, onde ser justo era agir dentro dos princípios norteadores da dignidade. Tendo o ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 45 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) princípio da proporcionalidade surgido a partir do nascimento do Estado de Direito burguês na Europa, quando ocorreu a evolução dos direitos e garantias individuais do indivíduo, estes passaram a gozar de garantias que lhes asseguravam uma justiça nos limites dos seus direitos. O conceito de principio da proporcionalidade, não se encontra expresso de forma a ser diretamente abordado, para isso, se faz necessário observar o emprego dado ao termo, diante das variações terminológicas empregadas por diversos Estados. No ordenamento jurídico americano, emprega-se razoabilidade dando sentido ao que qualifica tudo quanto seja conforme a razão, os alemães se utilizam de forma indistinta proporcionalidade e proibição de excesso. O principio da proporcionalidade, surge da decorrência da passagem do Estado absolutista, onde o governante detinha poderes ilimitados, para o Estado de Direito, onde se pretendia controlar o poder de coação do monarca, que se designava de poder de polícia, de atuação ilimitada quanto aos fins que poderia perseguir e aos meios que poderia empregar. Diante dos abusos de poder, onde o Estado muitas vezes desrespeitava os direitos do cidadão, dentro das bases do movimento intelectual que surgia, originou-se o principio da proporcionalidade como instrumento de controle do excesso de poder. Marco histórico para o surgimento do princípio da proporcionalidade podese citar a Magna Carta inglesa de 1215, onde se estabelecia que o homem livre não devia ser punido por um delito menor, senão na medida desse delito, e por um delito gravoso, na medida da gravidade do delito cometido. O que leva ao entendimento do conceito dado como sendo este princípio base para se sopesar o justo na medida do direito à reparação, levando sempre em conta a proporção do dano em razão direta com o que se determinará justo para a reparação deste dano. Ou seja, quanto maior a lesão, na medida da proporção do dano sofrido, assim também, a reparação seguirá a mesma medida, com o fim de garantir a aplicação do direito, estando ele expresso ou não na norma. O termo proporcionalidade representa o pensamento literal, que corresponde ao de equilíbrio, estando presente a idéia implícita de relação harmônica entre duas grandezas. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 46 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) Neste sentido, se tem uma visão limitada do sentido literal da palavra. Mas em sentido amplo, se verifica uma abrangência maior, onde a devida adequação entre meios e fins e a utilidade de um para a proteção de um direito. Viu-se o emprego da expressão no ordenamento jurídico pela primeira vez, durante processo de julgamento de controle de constitucionalidade, pelo Supremo Tribunal Federal, no ano de 1993, ao ser deferido a medida liminar de suspensão dos efeitos da Lei paranaense no. 10.248 de 1993, que tratava da aferição do peso de botijões de gás liquefeito do petróleo, entregues ou recebidos pelo consumidor. Fica evidenciado pelo que foi abordado, que o princípio da proporcionalidade – ―mostra-se não só um importante – o mais importante, por viabilizar a dinâmica de acomodação dos diversos princípios‖ – o princípio fundamental, mas também um verdadeiro topo argumentativo, ao expressar um pensamento que, além do conceito de justo e do razoável, é de comprovada utilidade no equacionamento de questões práticas, no direito nos seus diversos ramos, como também em outras áreas. Onde se está diante de uma norma implícita na Carta Constitucional, de aplicabilidade em caso concreto, servindo de baliza no momento de sopesa os direitos cabíveis a cada parte envolvida na relação jurídica. Instrumento específico identificado e desenvolvido em cada experiência jurídicoconstitucional que permite a limitação do poder estatal. Princípio muito utilizado pelo julgador diante da incerteza do valor a ser atribuído em relação ao direito que tem a vítima em relação ao tamanho do dano sofrido ou do prejuízo causado, em relação ao quantum apresentado na lei. Já quanto à razoabilidade, elencam-se cinco significados para razoabilidade: "a) conforme a razão, racionável; b) moderado, comedido - como um preço razoável; c) acima de medíocre, aceitável, regular - uma atuação razoável; d) justo, legítimo -uma queixa razoável; e e) ponderado, sensato." Para outra parte da doutrina, tem-se a descrição de seis acepções para esse adjetivo: "a) logicamente plausível; racionável, como uma dedução; b) o aceitável pela razão; racional, quando, por exemplo, consideram-se as exigências feitas; c) que age de forma ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 47 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) racional, que tem bom senso; sensato, como uma pessoa razoável; d) o que é justo e compreensível por se basear em razões sólidas, como um julgamento, uma decisão razoáveis; e) não excessivo; moderado, módico, como os preços assim reputados; e f) que é bom, mas não excelente; aceitável, suficiente, bastante, como um vinho de qualidade razoável, um salário razoável." A razoabilidade no conceito dado pelos americanos, é tudo que qualifica quanto seja conforme a razão, tem um sentido amplo, designando a atividade de raciocínio ou dedução lógica de verdade necessária, designando também, o poder do intelecto de formular conceitos e estabelecer relações lógicas de modo a deduzir uma conclusão correta de uma premissa dada ou de fazer um julgamento objetivamente válido a respeito de fenômenos empíricos. Do termo, pode-se ter uma idéia de adequação, aceitabilidade, logicidade, traduzindo aquilo que não é absurdo e sim o que é admissível. Ainda se concebe o sentido de bom senso, prudência e moderação. A razoabilidade age como legitimadora dos fins que o legislador escolher para o seu agir diante de casos concretos. Ser razoável é respeitar os limites do poder que lhe são atribuídos pela legislação, com o fim de não ferir direitos constitucionais do indivíduo no momento de agir. No Brasil, não se encontra expresso na constituição o princípio da razoabilidade, sabe-se que ele se encontra implícito no texto da Carta Magna, sendo este utilizado pelos julgadores no momento de aplicar a lei em detrimento de uma ação que enseje interpretação diferente da norma escrita. O julgador tem que saber ponderar nas suas decisões, a fim de preservar o direito do empregado, reconhecido como o mais frágil da relação processual, muitas vezes penalizados pelas leis e pelo sistema, se vendo nas mãos de juízes que detém o poder de decisão e para tanto, não podem se distanciar dos direitos fundamentais contidos na Carta magna, utilizando-se dos princípios como balizador, no momento de julgar. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 48 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS O interesse em entender como os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade são utilizados no estado do Rio Grande do Norte implica numa abordagem metodológica que permita o acesso do fenômeno tal qual ele se apresenta na realidade e é formalizado. Neste sentido, optou-se pela estratégia do estudo de caso, método de pesquisa largamente utilizado nas ciências sociais aplicadas, em razão do seu poder de análise, não apenas, da questão em si, mas do seu entorno, com efeito, os casos são capazes de melhor compreender a extensão teórica na realidade empírica. Não obstante, serão tomados os cuidados metodológicos necessários para que se tenha a validade e confiabilidade da pesquisa, conforme prevê a doutrina. As técnicas de pesquisa que sustentaram a metodologia foram orientadas pelos princípios dialéticos, em face da necessidade de confronto da realidade com a perspectiva teórica. Desta forma, levantou-se os dados, a partir da pesquisa documental: documentos (sentenças e acórdãos), que puderam ser encontradas no acervo do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª região. RESULTADOS Neste item serão observados alguns julgados do Tribunal Regional do Trabalho do Estado do Rio Grande do Norte, onde se analisou a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade pelos Juízes e Desembargadores do Tribunal. Busca-se através da analise dos julgados a comprovação e confirmação do tema ora proposto. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 49 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) CASO 1: ACIDENTE DE TRABALHO COM RESULTADO MORTE (TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 21a REGIÃO - SEGUNDA VARA DO TRABALHO DE MOSSORÓ/RN - Processo:1076-2006-012-21-00-1 (RT)) Tratou-se o presente caso de reclamação trabalhista , onde a Autora pleiteou os direitos na qualidade de mãe do de cujus, que era empregado da Ré, falecido em decorrência de acidente de trabalho. No bojo da ação, afirmou a Autora, que a causa da morte do seu filho, foi a imprudência e negligência da empresa demandada, local onde o mesmo laborava. Afirmou que o de cujus exercia a função de tratorista, mediante contratação verbal. Destacou que houve uma violação as normas de segurança do trabalho. Pleiteou reparação de danos. O que se percebe dos fatos apresentados na inical, primeiramente é a competência da justiça do trabalho para julgar demandas onde figure como parte autora terceiro, ou seja, descendente, ascendente ou cônjuge. Em seguida, a responsabilidade por dano causado a empregado em virtude de acidente de trabalho com resultado morte. Finalmente, a presença dos pressupostos necessários á indenização, sendo a culpa, o nexo causal e o dano. Na ora de estabelecer o quantum indenizatório, o Juiz observou os valores que eram pagos ao de cujus pela atividade desenvolviva, mas não se afastou da verificação da extenção do dano sofrido. Na determinação do valor a ser pago a título de indenização para reparacão dos danos sofridos, percebeu-se que o julgador analisou valores reais, em conformidade com o que o de cujus recebia pela atividade desempenhada, dessa forma, fica evidente a ponderação no momento de determinar o quantum devido. Na aplicação em caso concreto do princípio da proporcionalidade e da razoabilidade, tem-se que o Juiz monocrático observou a extensao da lesão, na medida da ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 50 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) proporção do dano sofrido, assim também, a reparação seguiu a mesma medida, com o fim de garantir a aplicação do direito, estando ele expresso ou não na norma. O que se observa na sentença em análise, é a devida adequação dos valores em relação ao dano. A argumentação do julgador deixou claro que se faz necessário observar o tamanho do dano sofrido pelos familiares diante do fato ocorrido como forma de se tentar reparar a dor, o sofrimento, angústia, pela perda de um filho, sabendo ser este bem irreparável, forma expressa da razoabilidade. Também ficou evidente na presente sentença, a aplicação dos ditos princípios, no momento de se determinar os valores a serem pagos pela empresa ré a título de danos mateirais e danos morais, quando a própria norma não traz expressa a melhor forma de mensuração dos valores em detrimento ao tamanho do dano sofirdo, pois foram deferidas as seguintes indenizações: dano material, no valor de R$ 260.778,84 (duzentos e sessenta mil setecentos e setenta e oito reais e oitenta e quatro centavos), dano moral, no valor de R$ 200.000,00 (duzentos mil reis), honorários advocatícios na quantia de R$ 92.155,76 (noventa e dois mil centos e cinqüenta e cinco reais e setenta e seis centavos). CASO 2: AMPUTAÇÃO DE DEDO (TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 21a REGIÃO - RO nº 01683-2006-005-2100-3. Desembargador Relator: Ronaldo Medeiros de Souza) O segundo caso consite em ação a qual se pleiteou indenização por danos sofridos em acidente de trabalho, resultando na perda de um dedo, causando dano moral, material e estético. Na inicial, o recorrente/reclamante alegou, ter sido vítima de sinistro quando em serviço no estabelecimento da demandada. Narrou que foi designado por seu superior para verificar o funcionamento de um compressor. Ao tentar manipular a máquina, ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 51 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) esta se movimentou de forma extraordinária e travou sua mão, decepando-lhe um dedo. Pondera que não tinha aptidão nem treinamento para operar o compressor, pois fora contratado para a função de Motorista. A recorrida/reclamada, por seu turno, refutou a tese do obreiro, asseverando que este tentou acionar o compressor por sua própria iniciativa e puxou indevidamente a correia da máquina. Afirma que de maneira nenhuma determinou ao trabalhador que tentasse ligar o equipamento, tendo para isso chamado um eletricista, que estava a caminho da empresa quando ocorreu o acidente. O caso apresentado neste recurso, vem da ocorrencia de acidente de trabalho, estando presente o nexo causal e o dano, pressupostos necessários para ser devido a indenização. O que se observou no citado acordão, evidenciou a exata ocorrência de acidente de trabalho, deixando evidente o cabimento da postulação da ação para obtenção da reparação do dano sofrido por parte do empregado. Evidente também ficou a constatação da conduta negligente por parte do empregador, fato que só faz confirmar o direito a indenização por acidente de trbalho por parte do empregado. Os juízes do Tribunal, verificaram a extenção do dano, necessária para a precisa determinação do valor da indenização devida ao trabalhador pelas perdas advindas do acidente. Para determinar os valores a serem pagos a título de indenização por danos morais, materiais e estéticos, os juízes levaram em consideração valores abstratos, mas essenciais na vida do homem, tais como o moral, onde diante do dano sofrido, o trabalhador passou por constrangimentos junto aos amigos e familiares, em virtude da perda do dedo e da mobilidade da mão, valores como este, que não são mensuráveis em função de quanto deixou de adquirir, mas sim, o que a pessoa que foi experimentou do fato, além do que terá de suportar pelo resto de sua vida. Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade foram utilizados pelos juízes, na determinação dos valores justos à reparação dos danos sofridos pelo ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 52 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) empregado, levando em consideração a extensão do dano e os prejuízos que foram suportados pela vítima e seus familiares. Sendo tais princípios, normas abstratas, serviram de norteadores aos juízes na hora de sentenciar, quando não tinham uma norma escrita que servisse de fonte para o perfeito julgamento do caso. A este caso, o Tribunal reformou parcialmente a sentença de 1º grau, condenando a empresa demandada a pagar pensão mensal no importe de R$ 285,00 desde a data do acidente, com reajustes anuais, indenização por danos morais no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) e indenização por danos estéticos no montante de R$ 10.000,00 (dez mil reais). CASO 3: TRAUMATISMO DE CLAVÍCULA (TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 21a REGIÃO - Recurso Ordinário nº 144300-33.2009.5.21.0001 - Juíza Relator a: Simone Medeiros Jalil) No caso em comento, o reclamante, comprovou que sofreu acidente de trabalho durante a execução de suas atividades laborais. A reclamada emitiu a CAT em tempo bem posterior. Os documentos, trazidos aos autos pelo reclamante, demonstram que o traumatismo na clavícula evoluiu para uma artrose esterno-clavicular, que o manteve afastado do trabalho. Ainda que em quadro psicótico por motivos alheios ao seu labor, o ortopedista, sugeriu o afastamento definitivo do trabalhador por incapacidade permanente, em decorrência artrose pós-traumática (refere ao traumatismo na clavícula). Após ponderação quanto às apurações de responsabilidades, em face da razoabilidade e da proporcionalidade, o Tribunal conheceu dos recursos ordinários e no mérito, deram provimento parcial ao recurso da reclamada para reduzir a indenização por danos morais para o montante de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) e provimento parcial ao recurso do reclamante para condenar a reclamada a pagar ao autor indenização por danos ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 53 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) materiais no importe de R$ 17.971,20 (dezessete mil, novecentos e setenta um reais e vinte centavos). CONCLUSÕES DOS RESULTADOS Buscou-se, neste trabalho, a verificação de como os juízes do Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Norte, estão procedendo à aplicação do princípio da proporcionalidade e da razoabilidade nas decisões de ações por reparação de danos sofridos em virtude de acidente de trabalho. Para tanto, procurou-se enfatizar os conceitos abordados na introdução. Inicialmente, como forma de alicerce para o estudo, fez-se necessário o entendimento de algumas noções gerais de princípios em direito, como também, de acidente de trabalho. A partir dos conceitos estudados, viu-se que os princípios representam os valores fundamentais do sistema jurídico, predefinindo, orientando e condicionando a aplicação do direito. O princípio da proporcionalidade é entendido como parâmetro a balizar a conduta do legislador quando estejam em causa limitações a direitos fundamentais, a adequação representa a exigência de que os meios adotados sejam apropriados à consecução dos objetivos pretendidos. Pondera-se o direito em relação à extensão do dano como forma de garantir-se uma equânime distribuição de valores em relação ao dano. Na análise dos casos concretos, viu-se a plena aplicabilidade dos princípios em estudo, posto que quando os julgadores se colocaram diante da ausência de norma expressa norteadora de valores, fazendo surgir norma abstrata, em forma de princípios, foi realizado o justo julgamento das lides com a determinação dos valores indenizatórios pleiteados nas ações. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 54 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) Claro também ficou, a razoabilidade, quando se sopesou a extensão do dano e o valor adequado a título de indenização, uma vez que o que expressaram nas decisões foi que os valores aludidos viessem a minimizar a dor o sofrimento, angústia e tantos outros valores morais e materiais suportados pelas vítimas, sem que com isso, o julgador causasse perdas irreparáveis ao réu e enriquecimento sem causa ao autor da demanda. Ao final, levando-se em consideração a importância, a relevância e o gradual crescimento dos princípios para o mundo do direito, é necessário que os Juízes continuem na busca pelo seu aperfeiçoamento, ou, ao menos, obedeçam a suas regras de aplicação, com o fim de se ver decisões justas e equinânimes, nas ações de indenização por acidente de trabalho, expurgando do universo jurídico, idéias contrárias de valores atribuídos ao homem, no momento de mensurar o quanto vale uma vida, um braço, uma visão ou mesmo um dedo. BIBLIOGRAFIA a ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales, 1997 (a 1 . ed. do original Theorie der Grundrechte,1986). BARROS, SUZANA DE TOLEDO. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. Editora Brasília Jurídica, edição 2ª., ano 2000, p. 69. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. Coimbra: Editora Coimbra, 1994. DANTAS, San Tiago. Programa de Direito Civil. v. I. São Paulo, Forense, 2001. DE MELLO, Celso Antonio Bandeira. Elementos de direito administrativo. São Paulo: RT, 1980, p. 230. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 55 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda, Mini Dicionário da Língua Portuguesa, 4ª. Ed. Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 2001. (FERREIRA, 2001) GODOY, A.S. Estudo de Caso Qualitativo in Pesquisa Qualitativa em Estudos Organizacionais. São Paulo: Saraiva, 2006. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 56 O SOFRIMENTO DO SUJEITO NA ORGANIZAÇÃO: AS CONTRIBUIÇÕES DA PSICOLOGIA PARA A INVENÇÃO DE UM NOVO ESPAÇO DE TRABALHO MANFREDI, F.2; SÁ, F. S. de3; SIGNORINI, T.4; Departamento de Psicologia da Universidade Paranaense (UNIPAR) [email protected] INTRODUÇÃO O presente trabalho tratasse de um artigo, de revisão bibliográfica, elaborado como trabalho de conclusão de curso, apresentado ao curso de graduação de Psicologia da UNIPAR – Universidade Paranaense, campus de Umuarama-PR. As crescentes transformações inseridas no trabalho e na produção nas últimas décadas trazem consigo uma tecnologia avançada, que reflete mudanças na organização do trabalho. Com as modificações no sistema político, econômico e produtivo, o indivíduo depara-se com tarefas novas, que o desafiam constantemente, e o mesmo torna-se obrigado a adaptar-se a este novo contexto organizacional. Tal adaptação, porém, pode vir a acarretar sofrimento neste indivíduo, indivíduo que consequentemente afetará o todo da organização. Neste parâmetro, a Psicologia do Trabalho surge como um modo de auxiliar esta organização que tem indivíduos que podem estar sofrendo, e além desse aspecto, surge também, para contribuir no desenvolvimento da organização, já que o objetivo do psicólogo 2 Acadêmica do quinto ano do curso de Psicologia da Universidade Paranaense – UNIPAR, campus de Umurama/PR. Endereço, Rua Cambé, 4073, Edifício Isabela, apto 32, Zona II. Umuarama/PR, CEP:87502-160. E-mail:[email protected] 3 Acadêmica do quinto ano do curso de Psicologia da Universidade Paranaense – UNIPAR, campus de Umurama/PR. Endereço, Rua Cambé, 4073, Edifício Isabela, apto 32, Zona II. Umuarama/PR, CEP:87502-160. E-mail: [email protected] 4 Docente do curso de Psicologia da Universidade Paranaense – UNIPAR, campus de Umuarama/PR. Endereço, Rua 13 de Maio, 1964, Jardim Bella Vista. Umuarama/PR, CEP 87506-340. E-mail: [email protected] REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) neste contexto é promover na organização uma melhor qualidade de vida para os colaboradores, assim podendo ocorrer um crescimento saudável e produtivo na mesma. O campo da Psicologia do Trabalho é extenso e a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade são indispensáveis para se obter uma maior compreensão do objeto de estudo, este objeto de estudo e de trabalho está voltado para a saúde mental do homem que trabalha, juntamente com o significado e as relações de trabalho para este mesmo homem. Deste modo, no presente artigo, levanta-se uma discussão sobre alguns conceitos de trabalho, com o objetivo de facilitar a compreensão do leitor, também analisando as transformações ocorridas com o tempo e as possíveis formas que o mesmo se dá, que interferem na subjetividade deste trabalhador, que pode acarretar pontos positivos ou negativos a este indivíduo, como o prazer e a satisfação ou o sofrimento psíquico e insatisfação, perante este âmbito, o profissional da Psicologia deverá atuar com estratégias específicas a demanda, traçando planos de ação para uma eficácia na intervenção, que visará à promoção e prevenção de vida deste indivíduo que trabalha. Sendo assim, é pertinente iniciar pelo significa do trabalho, ou seja, o verbo trabalhar é originado do verbo tripalium referindo-se a um instrumento usado para tortura. Além de trabalho encontra-se a palavra atividade, mencionando a ação, que exerce, que age e a palavra práxis, que se refere a aquilo que se pratica rotineiramente. Deste modo, o conceito de trabalho já passou por várias transformações. No século XVIII a Revolução Industrial foi, sobretudo a passagem de um sistema de produção agrária e artesanal para a produção industrial, caracterizado pelas fábricas e maquinarias. Surgiu assim uma nova visão de trabalho, onde o modo de produzir inclui novas características, o sujeito passa a trabalhar não mais pela necessidade, mas pela obrigação, assim o sujeito passa a sobreviver apenas da venda de sua força de trabalho, submetendo-se as ríspidas normas impostas e a salários humilhantes. Neste momento, em específico da história, aconteciam transformações de um modo de vida, passa a existir um grande números de operários juntamente com o desenvolvimento dos meios de transporte, o crescimento das cidades, a comunicação e a valorização das ciências. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 58 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) No século XIX, ocorreu um conjunto de ações que marcam novamente o sistema de trabalho: na primeira revolução industrial o sistema desenvolvido foi o liberalismo econômico, porém a preocupação com o aumento elevado da produtividade fez com que o engenheiro Frederick W. Taylor desenvolve-se um método de administração que ficou conhecido como taylorismo, assim surge um novo sistema, o capitalismo monopolista. Para Taylor, o trabalho fundamenta-se na aplicação de métodos da ciência positiva, racional e metódica aos problemas administrativos, pois somente desta maneira se poderia alcançar à produção máxima com o mínimo de tempo e esforço. Outra característica posterior deste século foi o fordismo, criado pelo empresário Henry Ford, que acreditava que era preciso diminuir os custos no processo de montagem de seus produtos, para que assim a venda dos mesmos fossem favoráveis a todos, e a partir daí seria possível aumentar o crescimento de consumo, e consequentemente, os lucros seriam maiores. Com tantas modificações no âmbito do trabalho, há algumas décadas pontua-se uma crítica sobre o taylorismo/fordismo, onde os trabalhadores exerciam seu trabalho de forma fragmentada, com separação entre produção e execução, e a hierarquia severa teria levado a desmotivação, alienação dos trabalhadores e uma instabilidade que poderia ser a origem de considerações patogênicas, ou aspectos representáveis a nível psíquico. Através desta breve apresentação histórica, e tendo em vista que houveram outros autores e fatos importantes até os atuais, é possível perceber que o conceito de trabalho esteve, e ainda esta, sempre em movimento, conforme a história e o contexto em que vivemos, o trabalho além de passar pelas transformações de materiais provocadas pela atividade deliberada dos homens, com a finalidade de adaptar a natureza às suas necessidades, ele passa por extensão, modifica-se, ou seja, tudo depende de uma certa intencionalidade humana. O trabalho é de grande valor tanto para o capitalismo quanto para o marxismo, porém há diferenças nesta valorização, estas diferenças se dão pelo fato de que os capitalistas valorizam a margem do lucro, já os marxistas, valorizam a liberdade e a ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 59 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) criatividade do trabalhador na realização de seus afazeres, a intenção é que o trabalhador exerça suas tarefas e reconheça-se como indivíduo. Podemos perceber assim, que o valor e o sentido do trabalho variam de acordo com as relações da sociedade e seu momento histórico. Cabe ainda apontar que definir trabalho de acordo com a psicanálise recobre uma pluralidade de sentidos. Freud coloca e distingue tal pluralidade como: Trabalho social, onde pode, em alguns casos, não visar ao sustento, uma atividade realizada na realidade histórica por homens e mulheres, e através desse trabalho que passam a registrar-se no mundo, expressam-se nele, o têm como sua própria razão de ser, aonde a maioria dos indivíduos vem tendo pouco êxito no decorrer da história; em seguida Trabalho como atividade não pessoal no interior do parelho psíquico, Trabalho como produção inconsciente das formações do que dele se apresenta à consciência, e por último Trabalho como movimento do subjetivo que, parte do que nele se agita desde a sua estruturação psíquica, ou altera-se em sua modalidade inercial anterior, termina por expressar-se ao expressar, por ele, a pessoa mesmo no circuito do social. Deste modo, considerasse o trabalho como imprescindível à existência do homem, o trabalho é uma ação o qual participa o homem e a natureza e, portanto de manter a vida humana. O conceito de trabalho pode ser visto então, como um conjunto de atuações com significados próprios de transformação da natureza pelo homem que vem sendo modificado conforme as transformações existentes na sociedade. Apresenta-se o trabalho enquanto significado para o sujeito, que pode ser entendido como uma cognição subjetiva capaz de refletir (o) e de se fazer refletir (no) momento histórico da sociedade. Sendo assim, o trabalho é definidor de sentidos tanto pessoais quanto sociais. É criador de aspectos existenciais, contribui na estruturação da identidade e subjetividade do mesmo modo que provê subsistência, oferece ao trabalhador uma melhor acessibilidade, e deste modo, melhora sua qualidade de vida. O trabalho representa muitas vezes a identidade do sujeito, grupo ou social, o homem só é capaz de reconhecer o trabalho como algo integrador e de reconhecer a si ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 60 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) mesmo como indivíduo e ser social quando não compreende o trabalho como algo obrigatório e necessário à sobrevivência e aquisições, isso se traduz então no prazer impulsionado pelo desejo que o trabalho deve consequentemente representar ao homem. Um trabalho que possibilita um sentido é de extrema importância e utilidade para quem o realiza e apresenta três características principais: 1° variedade das tarefas executadas que permitam a utilização de várias competências, portanto faz com que o trabalhador se identifique com a realização das mesmas; 2° um trabalho com características não alienantes, onde o sujeito possa identificar-se, desde a sua concepção até a finalização, assim, passa a perceber o significado de seu trabalho, que contribuirá para sua autonomia na forma de como realiza suas tarefas; e 3° o feedback, que se caracteriza por ser um retorno sobre o trabalho desenvolvido, possibilita ao indivíduo as informações necessárias sobre possíveis ajustes para aprimorar seu desempenho. Deste modo, percebemos que o indivíduo tem de estar livre e potencializado para utilizar suas habilidades e competências no desenvolvimento de seu trabalho, para que assim identifique-se com o mesmo e esteja disposto para possíveis modificações. Contudo, na contemporaneidade podemos perceber que em muitas organizações o verdadeiro significado de trabalho tem sido perdido, e em seu lugar surge um processo intenso de desgaste físico-moral, que pode acarretar ao trabalhador uma perda de sua independência, tudo isso sobre uma forte supervisão. Assim o trabalho perde o valor de realização pessoal e passa a ser comandado por um superior. O trabalho tornou-se fortemente mortificado enquanto valor, acontecendo a abolição da criatividade para a maioria dos indivíduos, onde o caráter de trabalho segue o movimento de uma perspectiva desinteressante e massificante, voltada apenas para a produtividade. Um ponto que pode vir a acarretar perda do sentido no trabalho é a crescente fragmentação das tarefas, ou seja, cada indivíduo elabora uma parte do todo assim, não se conhece o produto final. É possível questionar também, como as outras instâncias, como família e lazer podem se fazer importantes para a estruturação da vida pessoal, o que se verificou foi que apesar de importantes e tendo uma certa autonomia, acabam sendo intercedidas pelo fator produtivo, onde o trabalho torna-se o fator principal. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 61 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) O desgaste físico-moral juntamente com a eliminação da criatividade e a forte supervisão, pode acarretar ao trabalhador uma série de doenças psicológicas, aspectos psicológicos esses que podem adentrar o ambiente de trabalho, merecendo análise e questionamentos, já que estamos falando de algo que dá sustentáculo ao sofrimento do sujeito, pois, existe uma relação mútua entre trabalho e sofrimento psíquico, sendo este último produzido ou suscetibilizado pela relação homem-trabalho. Desta forma, o empregador deve dispor de estratégias que permitam aumentar a estabilidade de seus empregados, valorizando a relação trabalhador-trabalho, assim diminuindo possíveis conflitos que possam surgir. Sendo assim, em relação ao sofrimento no trabalho, cabe destacar que, as transformações pelas quais as organizações foram afetadas conforme o momento histórico que viviam e de acordo com exigências, tanto mercadológicas quanto humanas, (colaboradores e suas relações existentes), trouxeram consigo diversos questionamentos, deste modo surgiu um novo reposicionamento entre trabalhador e empresa. Está cada vez mais evidente o sofrimento dos trabalhadores evocado pelo lugar de trabalho, ou seja, pela posição assumida pelo homem enquanto produção, este que pode se manifestar pelas mais variadas causas, na maioria das vezes, surge como um mecanismo de defesa para o indivíduo que o alerta que algo não vai bem. O homem passa a trabalhar não somente pela sua sobrevivência, mas pelo fato que, a essência do ser humano está no trabalho. Sua identidade está sendo moldada pelo seu trabalho, sentindo-se útil, valorizado, mesmo que com o sistema capitalista, passa a ser explorado e conseqüentemente o faz perder controle da sua liberdade de produção. A carga psíquica do trabalho aumenta quando a liberdade de organização do trabalho diminui, quando o meio de sobrevivência se torna mais que uma severa obrigação, o sujeito deixa de ser livre, e passa a ser manipulado por tal organização, assim pode incidir um bloqueio de energia pulsional, que se aglomera no aparelho psíquico do sujeito, que poderá provocar desta maneira insatisfação e conflitos. O sofrimento no trabalho esta associado com diversos fatores, entre eles os fatores históricos relacionados com a vida do indivíduo dentro e fora de seu trabalho. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 62 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) Apresenta-se de diversas maneiras, podendo-se explicitar: a) sofrimento singular: que é transmitido pela história psíquica do sujeito; b) sofrimento atual: este acontece quando o sujeito se reencontra com o trabalho; c) sofrimento criativo: quando o sujeito desenvolve soluções adequadas para melhorar a qualidade de sua vida e saúde; e d) sofrimento patogênico: o sujeito desenvolve saídas desfavoráveis para sua vida e saúde, ou seja, se caracteriza por ser inverso ao sofrimento criativo. Podemos assim perceber, que as maneiras de defesa de um indivíduo contra o sofrimento no trabalho, podem se desenvolver de variadas formas dependendo sempre de seu histórico de vida. O trabalho é um núcleo definidor do sentido da existência humana, devemos dentro deste, tentarmos torná-lo o mais prazeroso possível. Um posicionamento ineficaz das organizações frente às relações no contexto organizacional, modifica este sujeito na organização, o prazer e o desejo pelo trabalho diminui, dando espaço para o surgimento do sofrimento na organização. Podemos perceber o quão importante é o trabalho na vida dos indivíduos, tanto como modo de sobrevivência como subjetivação e representação social, porém, como já citado o trabalho pode perder com o tempo seu verdadeiro significado, assim abrindo espaço para o sofrimento dos trabalhadores, o trabalho deixou de ser uma atividade de realização individual que gera satisfação na medida em que é desenvolvido, torna-se assim desinteressante e passa a ser mercadoria criada pelo capitalismo da época, portanto volta-se apenas para o aumento da produtividade. A atividade intelectual, criativa e significativa é imprescindível no decorrer do trabalho para nutrir a integridade do aparelho psíquico dos indivíduos, caso essas atividades não sejam mantidas surge nos trabalhadores o sofrimento psíquico. Este que pode vir a aumentar de acordo com a rigidez da organização, caracterizando esta rigidez como sendo a situação mais prejudicial e patogênica para os trabalhadores. O sofrimento é vivenciado quando o desgaste aparece no local de trabalho, onde se mostra que há um descontentamento em relação ao mesmo, surge neste mesmo parecer o desânimo e aborrecimento. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 63 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) O sofrimento esta relacionado com o perigo, o sofrimento é visto como uma reação, uma manifestação da insistência em viver sob circunstâncias que, na maioria das vezes, não são favoráveis. A vida, nesse parâmetro, é árdua e proporciona sofrimentos diversos, frustrações e tarefas impossíveis. Há vários estudos focados em identificar os problemas que levam os sujeitos a sentirem o trabalho como uma necessidade ríspida, interferindo diretamente nas relações sujeito versus organização, deste modo, podendo gerar situações conflituosas e sofrimento no trabalho, no entanto os estudos sobre organização do trabalho, indivíduo e sofrimento ficam cada vez mais aparentes e explicados por inúmeras correntes de pensamento administrativo. Foi a partir da tais estudos, que começaram a surgir inúmeras sugestões de integração do indivíduo à organização, principalmente no sentido de elevar a autonomia individual, desta forma participará de decisões com o intuito de aumentar as tarefas dentro da organização, onde esse indivíduo possa sentir-se liberto, e consequentemente responsável por suas atitudes, assim refletirá numa prevenção de estresse e sofrimento. Partindo dessa nova visão de mundo dentro da organização, onde o indivíduo pode se sentir liberto, autônomo e responsável por suas atitudes, o papel do psicólogo neste contexto seria de dar auxílio as relações para que aja um crescimento de ambas as partes, ou seja, colaborador e organização. Os profissionais da Psicologia do Trabalho devem apresentar um olhar amplo e multifatorial, onde se utilizam de todas as ferramentas necessárias para um bom desenvolvimento da organização e de seus trabalhadores, se preocupando com a saúde e qualidade de vida de todos os colaboradores. Volta-se assim o trabalho para aspectos condizente com a saúde mental do sujeito que trabalha e as extensões deixadas de lado como o significado e as relações que o trabalho estabelece. Questões que se esquecidas poderão ocasionar sofrimento psíquico aos indivíduos, pois é através do significado de seu trabalho e das relações nele estabelecidas que o homem se constitui no mundo. O indivíduo tem de se sentir livre e disposto a utilizar sua criatividade na produção. Existe sempre uma transferência de subjetividade ao produto: pois ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 64 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) trabalhar é impor à natureza a nossa face, o mundo fica mais parecido conosco e, portanto, nossa subjetividade depositada ali, fora de nós, nos representando. Esta atuação deve estar voltada ao homem enquanto sujeito central, através da compreensão do significado humano do trabalho. Para ressaltar a importância deste homem que se encontra inserido no contexto do trabalho, principalmente no que diz respeito a este enquanto estrutura que sofre com os aspectos promotores de características organizacionais. A idéia de que o bem estar dos indivíduos esta relacionado com um ambiente agradável onde possam realizar seu trabalho, este ambiente agradável consequentemente auxilia os trabalhadores a desenvolverem um zelo pelo produto produzido. Diferente da idéia de sofrimento, que esta relacionada com a subjugação de seu trabalho, criase assim raiva do produto final. Sendo assim, cabe ao profissional da Psicologia identificar estes fatores, e caso os identifique como desfavoráveis, problematizá-los, possibilitando assim a abertura para a mudança. Empresa e trabalhador têm de estar engajados na busca de uma plena realização, pois o sofrimento do indivíduo surge pela sua insatisfação, tanto por não conseguir descarregar sua energia de acordo com sua personalidade no desenvolvimento de seu trabalho, pela rigidez apresentada pelo seu superior, como também dependendo de seus desejos e motivações. Entende-se que não da o devido valor a realidade psíquica é entregar-se a um conceito displicente do homem, que pode direcionar a conseqüências patológica. E, desta maneira, a Psicologia do Trabalho oferece como atributos pertinentes, considerações que vem de encontro a problematizar as manifestações subjetivas no trabalho, levando em consideração aspectos acerca do desejo e de aspirações relacionadas à saúde e estruturação psicológica, considerando o indivíduo como um ser biopsicossocial, proveniente de um meio que se inter-relaciona com as organizações do trabalho e suas consequentes contribuições sociais. O psicólogo do trabalho destina-se a intervenções que se relacionam a responsabilidade do zelo pelo equilíbrio emocional do trabalhador, enquanto composição ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 65 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) elementar da sobrevivência da organização que se encontra em constante construção. A tarefa do psicólogo é a de explorar, analisar e compreender como se da as mais variadas relações que se desenvolvem nas organizações e na vida do indivíduo, conhecendo o modo como cada um desenvolve seu trabalho, assim, subjetivando-se no contexto organizacional e pessoal. Devendo estar apoiado em seu campo teórico, sempre em busca de novos conhecimentos e práticas, para que assim possa desenvolver estratégias para a promoção, preservação e restabelecimento da qualidade de vida das pessoas. Diante da discussão teórica obtida, pode-se perceber que as modificações históricas contribuíram para a mudança do conceito de trabalho e também para suas formas de atuação. As crescentes transformações inseridas no trabalho e na produção nos últimos tempos permitiram um novo olhar sobre o indivíduo neste contexto. Começou-se a olhar o indivíduo como um todo, e não apenas fragmentado detentor de lucratividade. O trabalho passa a moldar o indivíduo, e consequentemente sua identidade reflete no mesmo. Quão importante o trabalho para a sobrevivência do indivíduo, quanto para a subjetivação do mesmo, além da representação social que assume. O profissional da Psicologia, diante deste contexto, deve trabalhar com uma metodologia variável, voltada não somente para a administração da empresa, mas com uma visão de promoção e prevenção de saúde, oferecendo propostas interventivas com um olhar biopsicossocial apoiadas em seu campo teórico. METODOLOGIA A metodologia utilizada baseou-se em um estudo teórico, caracterizado por investigações em livros e artigos, embasados na teoria psicanalítica com o intuito de fazer uma busca referente ao tema proposto, identificando suas causalidades e supostas intervenções. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 66 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) RESULTADOS Diante da discussão teórica obtida, pode-se perceber que as modificações históricas contribuíram para a mudança do conceito de trabalho e também para suas formas de atuação. As crescentes transformações inseridas no trabalho e na produção nos últimos tempos permitiram um novo olhar sobre o indivíduo neste contexto. Começou-se a olhar o indivíduo como um todo, e não apenas fragmentado detentor de lucratividade. O trabalho passa a moldar o indivíduo, e consequentemente sua identidade reflete no mesmo. Quão importante o trabalho para a sobrevivência do indivíduo, quanto para a subjetivação do mesmo, além da representação social que assume. As relações que permeiam o mundo do trabalho passam a refletir na saúde mental e coletiva dos colaboradores, esta relação tem de estar engajada em uma forte confiança e consideração, assim os indivíduos se sentem dispostos e livres para utilizarem sua criatividade na realização de suas tarefas. Pois se não existir essa relação os colaboradores podem se sentir presos e manipulados, trabalhando apenas com o objetivo de sustentabilidade financeira, o que poderá acarretar sofrimento ao indivíduo e consequentemente afetará a organização. O profissional da Psicologia diante deste contexto deve trabalhar com uma metodologia variável, voltada não somente para a administração da empresa, mas com uma visão de promoção e prevenção de saúde, oferecendo propostas interventivas com um olhar biopsicossocial apoiado em seu campo teórico. Por fim, cabe ressaltar que a contemporaneidade apresenta-se como cenário propício para o sofrimento do sujeito, daí a ênfase cada vez maior no eficaz trabalho do Psicólogo nesta situação, agenciando mudando e direcionando o homem ao seu bem estar. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 67 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) BIBLIOGRAFIA BRANT, L. C.; GOMEZ, C. M. O sofrimento e seus destinos na gestão do trabalho. Ciênc. saúde coletiva [online]. vol.10, n.4, pp. 939-952, 2005. 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Psicologia, Organizações e Trabalho no Brasil. Artmed: Porto Alegre, 2004. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 69 SAÚDE DO TRABALHADOR: OBRIGAÇÕES DO EMPREGADOR E ACIDENTE DE TRABALHO BENTO, F.; RIBEIRO, V. dos A.; Universidade Norte do Paraná (UNOPAR) [email protected] INTRODUÇÃO São diversas as obrigações dos empregadores, vinculadas à segurança do trabalho. Destacam-se as seguintes, previstas na Consolidação das Leis do Trabalho: I cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho; II - instruir os empregados, por meio de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais; III - adotar as medidas que lhes sejam determinadas pelo órgão regional competente [Delegacia Regional do Trabalho e outros]; IV facilitar o exercício da fiscalização pela Delegacia Regional do Trabalho; V - manter serviços especializados em segurança e em medicina do trabalho; VI - constituir Comissão Interna de Prevenção de Acidentes [CIPA]; VII - fornecer gratuitamente equipamento de proteção individual adequado ao risco e em perfeito estado de conservação e funcionamento; VIII realizar exame médico [admissional, demissional e periódico]; IX - manter material necessário à prestação de primeiros socorros médicos de acordo com o risco da atividade; X notificar as doenças profissionais e as produzidas em virtude de condições especiais de trabalho comprovadas ou objeto de suspeita. Além das obrigações previstas na CLT, temos ainda as regras estabelecidas em Normas Regulamentadoras [NR] do Ministério do Trabalho e Emprego, especialmente as que tratam dos programas de: I - controle médico e saúde ocupacional; II – equipamento de REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) proteção individual; III – comissão interna de prevenção de acidentes; IV – serviços especializados em engenharia de segurança e em medicina do trabalho. METODOLOGIA A metodologia do estudo é a pesquisa bibliográfica, representada pelo levantamento, seleção e arquivamento de informações relacionadas com os seguintes temas: ―acidente de trabalho‖, ―doenças profissionais e do trabalho‖, ―responsabilização do empregador nos casos de acidente de trabalho‖. RESULTADOS É comum na Justiça do Trabalho as ações em que o trabalhador ou seus familiares buscam responsabilizar o empregador por danos materiais e morais sofridos em razão de acidente de trabalho. Tornou-se constante a condenação de empregadores e/ou de tomadores de serviços [empresas que contratam prestadoras de serviços] a pagarem indenizações. Analisando a doutrina e as decisões dos Tribunais do Trabalho, constata-se a prevalência da ideia de que é da empresa a obrigação de comprovar a observância das normas de segurança e medicina do trabalho nos casos de acidente de trabalho. Constitui ônus da prova do empregador demonstrar nos processos judiciais a inexistência de culpa, ao providenciar todos os elementos preventivos exigíveis a fim de impedir acidentes de trabalho e doenças profissionais, em atenção ao que determina a legislação. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 71 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) O empregador, além orientar seus empregados e fornecer o equipamento de proteção individual, deve fiscalizar a correta utilização desses equipamentos. Se essa fiscalizar não ocorrer ou for deficiente, o empregador certamente será responsabilizado em caso de acidente de trabalho. Em várias decisões dos Tribunais Trabalhistas afirma-se que compete ao empregador não só orientar seus empregados a respeito das normas de segurança do trabalho e fornecer equipamentos de proteção adequados, mas também cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho, estando a empresa autorizada, inclusive, a despedir por justa causa o empregado que se recusar a observar as instruções a respeito do tema ou a utilizar os equipamentos de proteção individual fornecidos pela empresa. Diante desse quadro de imposição normativa, nas ações trabalhistas que envolvem pedido de responsabilização do empregador em razão de possíveis danos morais e materiais decorrentes de acidente do trabalho é necessário que a empresa demonstre satisfatoriamente que cumpre e faz cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho. Assim, além das ações que demonstrem o cumprimento da legislação de segurança do trabalho, a empresa deve estar preparada para demonstrar documentalmente a realização dessas ações. Recomenda-se que a empresa mantenha documentos específicos a cada empregado em sua pasta/arquivo respectivo, tais como: exames médicos; atestados médicos; registro de fornecimento de equipamento de proteção individual; comunicado de acidente de trabalho; documentos do Instituto Nacional do Seguro Social relativos à concessão de benefícios previdenciários [auxílio doença comum ou acidentário]; documentos que indiquem a experiência do trabalhador em outros empregos e/ou participação em cursos de formação etc. Recomenda-se, também, que a empresa tenha um arquivo com registros das ações gerais relativas à segurança do trabalho, com documentos que comprovem: as ações da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes; as normas internas; cursos patrocinados; ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 72 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) Semana Interna de Prevenção de Acidentes do Trabalho [SIPAT]; advertência e suspensões de todos os empregados que não cumpram as normas de segurança do trabalho etc. Em outro aspecto, a análise das súmulas do Tribunal Superior do Trabalho indica a adoção, por esse Tribunal, de orientações jurisprudenciais claramente protetivas ao empregado acidentado. É certo que a Justiça do Trabalho é orientada pelo princípio da proteção, e os acidentes de trabalho, em qualquer de suas principais espécies [acidente típico, doença do trabalho ou doença profissional], representam uma situação que reclama proteção especial ao empregado. A primeira Súmula protetiva é a de n. 46, que estabelece que as faltas ou ausências decorrentes de acidente do trabalho não são consideradas para os efeitos de duração de férias e cálculo da gratificação natalina. No caso dessa Súmula, temos que o afastamento do empregado em razão de acidente de trabalho representa uma suspensão do contrato de trabalho, equivalente à licença sem vencimento. Se o período do afastamento superar seis meses, o empregado perde a contagem do período aquisitivo em curso [CLT, artigo 133, inciso IV]. Essa perda do período aquisitivo, entretanto, não ocorre em razão de faltas ou ausências decorrentes de acidente do trabalho. Conforme interpretação do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª. Região, o correto, aqui, é considerar-se a soma do período aquisitivo de férias anterior ao evento acidente, e somá-lo ao período posterior, quando do retorno do obreiro, pena de se penalizar duplamente o obreiro, que não pode trabalhar em razão do acidente, e ainda perderia o período aquisitivo anterior ao acidente. Assim, mesmo nos afastamentos superiores a seis meses, dentro do mesmo período aquisitivo, o empregado acidentado não perderá o tempo já transcorrido desse período. Temos ainda a Súmula 378 que reconheceu a constitucionalidade da garantia de emprego prevista no artigo 118 da Lei nº 8.213/199, que assegura esse direito por período de 12 meses após a cessação do auxílio-doença ao empregado acidentado. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 73 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) Essa Súmula também elencou os requisitos para a aquisição do direito à garantia de emprego [afastamento superior a 15 dias; consequente percepção do auxíliodoença acidentário], ressalvando, entretanto, dessa caracterização objetiva, a constatação, após a despedida, de doença profissional que guarde relação de causalidade com a execução do contrato de emprego. A hipótese tratada na Súmula 378 comporta em reconhecer que as moléstias podem ser agravadas pela atividade profissional exercida pelo obreiro em favor do empregador, e existindo a causalidade entre a doença, o agravamento e a atividade, caracterizar-se-á a estabilidade provisória no emprego, mesmo que a doença se manifeste após a rescisão do contrato de trabalho. Já a orientação jurisprudencial 41 da Seção de Dissídios Individuais 1 do Tribunal Superior do Trabalho assegura a aquisição de estabilidade provisória decorrente de acidente ou doença profissional prevista em cláusula de instrumento normativo, mesmo após o término da vigência deste, desde que preenchidos, no caso concreto, todos os pressupostos para a aquisição do direito ainda na vigência do instrumento. Novamente o Tribunal dá destaque à figura da doença profissional, no mesmo sentido da Súmula 378, reconhecendo que os efeitos danosos da moléstia podem surgir apenas com o transcorrer do tempo. Por fim, temos a orientação 31 da SDC do Tribunal Superior do Trabalho. Essa orientação jurisprudencial afirma a prevalência do princípio da aplicação da norma mais favorável, quando em acordo coletivo o direito à garantia de emprego do acidentado for previsto de forma menos benéfica. Em síntese, além de cumprir e fazer cumprir as normas de segurança do trabalho, a empresa deve manter de forma acessível e organizada as provas de suas ações, para que possa se defender adequadamente nas ações trabalhistas que envolvem pedido de responsabilização do empregador em razão de possíveis danos morais e materiais decorrentes de acidente do trabalho. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 74 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) Destacamos, por fim, a importância das orientações jurisprudenciais do Tribunal Superior do Trabalho na proteção ao empregado acidentado, em situações absolutamente razoáveis, que foram se firmando na jurisprudência durante as últimas décadas. Consideramos que todas as hipóteses tratadas representam a adoção adequada do princípio da proteção. BIBLIOGRAFIA BENTO, Flávio. 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Livro de Súmulas, Orientações Jurisprudenciais- SBDI-1, SBDI-2 e SDC - e Precedentes Normativos. Disponível em: <http://www.tst.jus.br/jurisprudencia/Index_Enunciados.html>. Acesso em: 4 jun. 2011. DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 8 ed. São Paulo: LTr, 2009. MINAS GERAIS. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª. Região. Processo n. 00406-2003113-03-00-1 RO, Relator Júlio Bernardo do Carmo, Data de Publicação 26/07/2003. Disponível em: <http://www.mg.trt.gov.br>. Acesso em: 4 jun. 2011. RODRIGUES, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1993. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 75 ASSÉDIO MORAL INDIRETO E DIREITO SOCIAL: DA REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA À “JURIDICIALIZAÇÃO” DAS RELAÇÕES DE TRABALHO – UMA REVISÃO DA LITERATURA (2008 A 2011) VIZZACCARO-AMARAL, C. E.; Advocacia Trabalhista e Assessoria Jurídica da Prefeitura Municipal de Assis-SP (PMA) VIZZACCARO-AMARAL, A. L.; Departamento de Psicologia Social e Institucional, Centro de Ciências Biológicas, Universidade Estadual de Londrina (UEL) VIZZACCARO-AMARAL, S. A. ; Grupo de Pesquisa Estudos da Globalização, Faculdade de Filosofia e Ciências de MaríliaSP, Universidade Estadual Paulista (UNESP) [email protected] [email protected] [email protected] INTRODUÇÃO Este estudo preocupa-se com um aspecto importante das relações decorrentes de uma organização do trabalho intemporal e desterritorializada, que adoece e mata, tanto física como mentalmente, o homem-que-trabalha no século XXI, e que vem sendo caracterizado por nós como ―assédio moral indireto‖. Sua relevância e justificativa pautam-se no crescimento e agravamento de distúrbios psicopatológicos relacionados ao trabalho, que atingem tanto os trabalhadores quanto os seus familiares, e que chegam a levar, muitas vezes, o trabalhador à violência autoinfligida e, por vezes, à morte. Além disso, justifica-se, também, pelos custos resultantes desse processo de adoecimento que atingem a economia, a saúde pública e a previdência social no Brasil e no mundo. Tais fenômenos vêm sendo demonstrados a partir do aprofundamento de estudos acerca dos processos de subjetivação no trabalho e do registro REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) cada vez mais detalhado de dados por parte de governos e órgãos internacionais, como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT). À luz dos números e de situações mobilizadoras, podemos dizer que o Brasil se encontra num contexto bastante paradoxal no que tange às relações de trabalho. Por um lado, experimenta um desenvolvimento econômico sólido e sustentável, gerando trabalho e renda para a população e estabilizando as taxas de desemprego, mantendo-se firme como um país em desenvolvimento. Por outro, tais postos de trabalho criados dizem respeito a ocupações com baixa qualificação profissional, baixa escolaridade e baixa renda, elementos estes que se caracterizam como fatores de risco para as Morbidades Psiquiátricas Menores (MPMs) que, por sua vez, predispõem, juntamente com a pressão no trabalho e com o desemprego, ao suicídio e oneram, sem comentar acerca do desastre humano, familiar e social, a economia, a saúde pública e a previdência social, por meio da perda da mão-de-obra e do afastamento do trabalho, dos atendimentos na rede básica e ambulatorial de saúde e das aposentadorias especiais. Tal situação, por si só, justifica estudos nas mais variadas frentes e nos mais diversos campos de conhecimento, incluindo tanto a esfera do Direito do Trabalho e Processual do Trabalho quanto do próprio Direito Social, em prol de uma melhor compreensão das dimensões envolvidas nas relações de trabalho. Estudos recentes sugerem uma relação bastante forte entre o suicídio e o ambiente de trabalho. Essa relação fica ainda mais sugestiva se tomarmos os resultados dos estudos psicológicos realizados tanto no Brasil quanto no mundo. Alguns estudos defendem que determinados tipos de transtornos psíquicos podem ser potencializados, de maneiras específicas e complexas, pelas ferramentas gerenciais adotadas pelas organizações produtivas, sobretudo, após os anos de 1970. A partir de tais estudos, parece-nos pertinente investigar se a promoção de um ambiente de trabalho altamente competitivo e a proposição de metas desafiadoras, ainda que com a participação dos trabalhadores nos processos decisórios e nos lucros e resultados, características comuns às políticas de gestão organizacional atuais, não ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 77 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) seriam elementos danosos ao trabalhador, sobretudo, quando não-regulamentados ou por leis ou por acordos coletivos. Em princípio, no nosso entender, a participação no processo decisório e nos lucros e resultados, diante de todo o contexto que apresentamos anteriormente (de adoecimento psíquico e de suicídios), seriam mecanismos bastante sedutores, para os trabalhadores, numa economia de mercado, marcada pelo consumo e pela renovação constante de mercadorias. Seriam, a nosso ver, formas constantemente sugestivas, ainda que por meio da sedução material (participação nos lucros e resultados) e simbólica (a sensação de pertença ao grupo, de valorização pessoal frente ao coletivo e de autonomia relativa), da organização em relação ao trabalhador. Seria, portanto, uma forma de assédio sobre o trabalhador, ao menos no que tange a uma de suas acepções possíveis em nosso léxico. Como essa sugestão sedutora, ou assédio, é dirigido à conduta do trabalhador, por vezes se estendendo para fora do ambiente de trabalho, e envolve o comprometimento intelectual, social, afetivo e comportamental do mesmo, chegando a mobilizar aspectos psíquicos profundos, bem como a sua própria subjetividade, poderíamos supor que ele é dirigido, então, à própria moral do trabalhador, ao menos no que concerne à sua acepção de espírito humano (a sua parte imaterial). Considerando que o assédio moral, do ponto de vista jurisprudencial e doutrinário, no Direito do Trabalho, é caracterizado por quatro dimensões elementares: 1.) intensidade (da violência psicológica); 2.) duração (prolongamento do tempo da violência); 3.) finalidade (de ocasionar um dano psíquico ou moral); e 4.) efetivação (dos danos) e, considerando, também, os constantes estudos psicológicos e epidemiológicos, que relacionam as atuais formas de gestão organizacional e pessoal, caracterizadas pela valorização do fator humano, por meio da participação nos processos de gestão e do governo à distância, da participação nos lucros e resultados e na política de bonificação e premiação dos trabalhadores e/ou equipes que mais se destacam, com problemas de saúde, como as psicossomatizações e psiconeuroses, como os sintomas somatoformes e até mesmo o suicídio, trazendo impactos negativos para o trabalhador, para a economia, para a saúde pública e para ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 78 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) o sistema previdenciário, não poderíamos pensar, então, que essas atuais políticas de gestão, que tanto seduzem os trabalhadores, seriam formas diferenciadas de assédio moral no trabalho? Será que as novas formas de sedução das organizações podem ser pensadas como uma espécie de assédio moral ―indireto‖? O problema que levantamos neste trabalho parece-nos pertinente em meio aos números apresentados até aqui, sobretudo quando a própria OMS considera o suicídio, por exemplo, um ato de violência auto-infligida e quando, na França um trabalhador se suicida dentro do ambiente de trabalho, em média, todo dia, a cada ano, como vimos, anteriormente. A relevância desse tema, aqui no Brasil, respalda-se no afastamento do emprego de trabalhadores acometidos por transtornos mentais e comportamentais, adquiridos ou potencializados pelo trabalho, ocupando a terceira posição entre as causas de concessão de benefício como o auxílio-doença e a aposentadoria por invalidez, gerando um custo de R$ 35 bilhões ao ano para a Previdência Social e que são extraídos de tributos e taxas cobrados da população, como um todo. Nosso objetivo maior, em meio ao problema que levantamos, foi tentar compreender melhor os aspectos relativos ao assédio moral pós-reestruturação produtiva e investigar se, com as atuais políticas de gestão organizacionais e pessoais adotadas por organizações no mundo todo, e no Brasil, podemos pensar num assédio moral indireto, subsidiando as discussões em torno do assunto no Direito do Trabalho e Processual do Trabalho, revisando a literatura jurídica e científica entre os anos de 2008 e 2011. Para atingir nosso objetivo geral, elencamos outros quatro objetivos específicos: 1.) compreender o assédio moral à luz do campo do Direito do Trabalho e do Direito Social e em meio às relações de trabalho atuais; 2.) apresentar e analisar os elementos históricos e atuais que envolvem a reestruturação produtiva, a partir do desenvolvimento de modelos econômicos, políticos e produtivos e seus impactos nas relações de trabalho; 3.) investigar, em bases de dados eletrônicas (atualizadas mais rapidamente), referências quanto aos termos assédio moral e assédio moral indireto; e 4.) analisar as atuais políticas de gestão ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 79 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) organizacionais e pessoais e verificar se há elementos diferenciadores quanto ao assédio moral, avaliando a consistência do termo assédio moral indireto. A hipótese maior deste trabalho, em seu sentido lato, foi a de que, em função das transformações ocorridas pós-reestruturação produtiva, sobretudo a partir dos anos de 1970, no mundo, e de 1990, no Brasil, as novas configurações das relações de trabalho têm mobilizado elementos que, por um lado, seduzem material e simbolicamente o trabalhador, privilegiando a competitividade em prol dos resultados e, por outro, produzem novas formas de subjetivação e danos, muitas vezes irreversíveis, à saúde física e mental do trabalhador, podendo ser chamada de ―assédio moral indireto‖. Especificamente em relação à revisão da literatura, nossa hipótese foi a de que ainda que estivesse havendo maior produção de conhecimento científico acerca do assédio moral, pouco ainda tem sido o efeito nas jurisprudências dos tribunais, entre os anos de 2008 e 2011, e que um dos motivos que favorecem essa situação seja a incompreensão dos elementos envolvidos no que chamamos de ―assédio moral indireto‖. METODOLOGIA A metodologia aqui utilizada respalda-se no paradigma qualitativo, nos pressupostos dialéticos (com diálogos com a genealogia), em teóricos freudo-marxistas e genealógicos, na análise de conteúdo e na pesquisa bibliográfica e documental. Procuramos interagir vários autores, sistematizando as discussões, e lançamos mão da análise de conteúdo, ainda que de maneira limitada, de modo que criamos determinadas categorias de análise, a partir do referencial teórico do direito do trabalho e da psicologia do trabalho. Nossos estudos originais foram divididos em três etapas. Na primeira, apresentamos o resultado da pesquisa realizada em uma base de dados eletrônica física e de ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 80 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) acesso restrito (Juris Síntese IOB CD-Rom); na segunda, apresentamos o resultado da pesquisa realizada em uma base de dados eletrônica virtual (Scielo: Scientific Electronic Library Online: <http://www.scielo.br>); e, na terceira, a correlação das pesquisas documentais com a pesquisa bibliográfica. Neste trabalho, revisamos a literatura científica e jurídica entre os anos de 2008 e 2011, a partir de quatro referências: (1) uma literária, a partir do sítio eletrônico de uma grande livraria, que promove entregas em amplitude nacional (Livraria Cultura: <http://www.livrariacultura.com.br>) e da aquisição de alguns títulos; (2) uma científica virtual (―Scielo‖: <http://www.scielo.br>), gratuita e generalista, com base nas expressões ―assédio‖ (em todos os índices) e ―moral‖ (em todos os índices); (3) outra física e eletrônica (―CD Magister – Repositório Autorizado do STF, STJ e do TST‖, edição de Agosto/Setembro de 2011); e (4) outra, ainda, física e eletrônica (CD-Rom da ―Revista Síntese – Trabalhista e Previdenciária‖, nº 14, Volumes 60 a 258), estas duas últimas de acesso restrito, porém utilizadas por advogados, procuradores e magistrados como ferramenta de trabalho, por meio da expressão ―assédio moral‖, em todos os índices disponíveis. O ASSÉDIO MORAL INDIRETO A maioria das definições acerca do assédio moral é incompleta, isto porque ao identificar a figura do assediador, o mesmo é colocado sempre, ou na maioria das vezes, como o superior hierárquico nas organizações de trabalho. É o chamado ―mobbing‖ descendente, isto é, o abuso de poder do chefe em relação ao seu subordinado. Porém sabemos que o assédio pode ocorrer de forma horizontal, isto é, entre ―colegas‖ de trabalho (no caso de uma competitividade mórbida, sem limites, inveja), ou até mesmo de forma ascendente, chamado de ―mobbing‖ ascendente. Essa possibilidade é pouco provável, mas ela pode se configurar. Subalternos que tenham uma preferência pelo chefe anterior, e acabam ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 81 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) por empregar violência psíquica ao chefe atual, na maioria das vezes de maneira sutil, devido a posição na relação de trabalho, minando suas ações, fazendo com que o superior hierárquico se sinta incapaz de exercer seu poder gerencial sobre seus comandados, colocando uma situação de descontrole sobre a organização e, como conseqüência, fazendo com que este se afaste do cargo de gerência, é um exemplo em que o assediador é o subalterno. Pode ocorrer também, ainda no assédio ascendente, a questão da diferença de gênero ou mesmo a discriminação, situação, por exemplo, em que o(s) subalterno(s) tenha(m) como superior hierárquico uma mulher ou pessoa que seja homossexual, de crença religiosa diferente ou até mesmo de posição social mais elevada. Existem, ainda, outros dois pontos que podem gerar controvérsias acerca do tema. O primeiro deles é a questão do tempo. Isto porque, para alguns autores e juristas, a violência psíquica tem de ser sistemática e prolongada (alguns estipulam o período de seis meses). Porém, hoje, já existem jurisprudências configurando o assédio moral, identificando o ilícito em situações que a pessoa sofreu a violência psíquica, tendo seu direito de personalidade lesado (dano moral) por pouco mais de um mês. Podemos citar como exemplo, in casu, o RO-126/02, julgado pela 2ª Turma da 3ª Região, onde foi configurado o assédio moral, sendo que a violência psicológica sofrida pela vítima estendeu-se por pouco mais de um mês, gerando o dano moral por lesão causada à honra da trabalhadora. O segundo ponto nos remete à questão do resultado causado. Isto porque, para a doutrina e a jurisprudência há elementos caracterizadores do assédio moral tais como a ocorrência do dano psíquico e do dano moral, sendo que o primeiro se expressa por uma alteração psicopatológica comprovada e o segundo lesa os direitos de personalidade. Na nossa concepção, poderá configurar-se o assédio moral tanto quando a vítima sofrer ambos os danos ou somente um deles. Isto é, poderá ser vítima de assédio aquele que sofrer ou agravar um dano psíquico (diagnosticado clinicamente; são as alterações psicopatológicas comprovadas, onde a personalidade da vítima é alterada ou seu equilíbrio emocional venha a sofrer perturbações que se exteriorizam por meio de depressão, angústia, bloqueio, etc.) ou quando a vítima sofrer um dano moral, que como já dito, é a violação de ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 82 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) seu direito de personalidade (a esfera ética ou ideal do indivíduo, valores interiores, a honra), gerando conseqüências extrapatrimoniais, independente de prova, pois se presume. Ademais, o dano moral independe do dano psíquico, isto porque o trabalhador ao sofrer o assédio moral pode ter seu direito de personalidade lesado (dano moral) sem, contudo, ter sofrido qualquer perturbação no seu equilíbrio emocional, ou alteração na sua personalidade. Isto ocorre porque os indivíduos reagem de formas diferentes à violência psíquica empregada, uma vez que algumas pessoas possuem graus de tolerância maior que outros. Além disso, ―.... ao se admitir como elemento do assédio moral o dano psíquico, o terror psicológico se converteria em um ilícito sujeito à mente e à subjetividade do ofendido‖. Importante salientar também, que nossa Carta Magna protege tanto a saúde (integridade física e psíquica) do trabalhador quanto seu direito de personalidade. Portanto se exigirmos o dano psíquico efetivo para se caracterizar o assédio moral, teríamos um mesmo comportamento (o assédio, isto é, a violência psicológica), em que a definição do ilícito seria o grau de tolerância da vítima. Ao descrevermos o assédio moral e analisarmos os elementos de seu conceito, tais como a intensidade da violência, o prolongamento desta violência, e o nexo de causalidade destas violências com o aparecimento ou agravamento de danos psíquicos e/ou o dano moral sofrido, estamos nos referindo à figura do assédio moral (direto) e seus comportamentos configuradores. Tais comportamentos se configuram de maneira direta (mesmos as violências sutis, como gestos) ou as chamadas ―indiretas‖, dirigidas à vítima e que muitas vezes passam despercebidas. Desconstruindo a figura clássica do assédio moral, levantamos a possibilidade de se configurar o assédio moral indireto. Isto porque, com o processo de globalização, novas formas de tecnologia e gestão foram surgindo, forçando a legislação juslaborista a se adequar a estas transformações. Os fatores econômicos, onde se inclui as inovações tecnológicas, são fontes materiais do Direito do Trabalho, isto é, ditam a substância do próprio direito. A economia, o mercado e a intensificação da competição entre as ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 83 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) organizações, levam-nas a minimizar os custos, o que exerce forte influência no Direito do Trabalho. O neoliberalismo propõem a flexibilização das normas trabalhistas com reflexos em suas funções. A grande questão para nós é a dificuldade que o Direito encontra para coibir este tipo de assédio, o indireto. Nossa Carta Magna protege tanto a dignidade da pessoa humana, prevista no seu artigo 1 º, III, quanto à honra e o direito de imagem, prevista no seu artigo 5 º, X. A violência psíquica exercida no ambiente de trabalho lesando tanto a dignidade do trabalhador ou a sua honra ou imagem, ou até ambos configura o assédio, isto é a figura ilícita em questão. Com as novas formas de gestão nas organizações, inclusive com respaldo legal, devido à flexibilização das normas trabalhistas, e até com Leis específicas como a Lei nº 10.101 de 19 de dezembro de 2000, que dispõem sobre a participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados das empresas, prevista na Constituição Federal no seu artigo 7º, XI, inclusive com a participação do trabalhador na gestão da empresa, vistos até então como conquistas dos trabalhadores, vêm demonstrando um lado sombrio, como vimos anteriormente. Essas novas políticas de gestão das empresas, que visam auferir maior lucro, com menores custos, traduzem uma violência psíquica travestida (daí a expressão assédio moral indireto) pela qual passa o trabalhador, tendo este que ―vestir a camisa da empresa‖, desdobrando-se para atingir tais metas impostas pelas organizações e, pior, com o seu próprio ―consentimento‖. A atual reestruturação produtiva demarca uma mudança também nas formas de controle das relações de trabalho e do processo produtivo. Numa das formas aqui consideradas, há técnicas e estratégias que se caracterizam pela ação direta sobre o potencial produtivo do trabalhador que, intensificadas por meio de uma violência direta traduzida, identificamos por assédio moral direto. Noutra forma possível, há uma crescente dissimulação dessas técnicas e estratégias de controle sobre o trabalhador, obedecendo, como já foi dito, à própria mudança no processo produtivo e à natureza do trabalho capaz de sustentar esta mudança; tais estratégias podem ser intensificadas ao ponto de exercerem outro tipo de ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 84 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) violência, mais dissimulada, e que chamamos de ―tendência de descaracterização‖ do assédio moral via meios indiretos. A violência no trabalho persiste, hoje, quando se deseja extrair algum tipo de resultado que gere um dano provocado ao trabalhador. O que parece se esboçar, com as novas possibilidades de gestão do trabalho, é que tal violência adquire uma outra forma, não menos problemática que a anterior, mas que é geralmente mais intensa, simplesmente por ser quase imperceptível. Nos dias atuais, diferentemente do padrão de tempos passados, a violência contra o trabalhador se dissimula e se dilui em mecanismos dificilmente identificados como danosos. E o caráter dissimulado da violência obedece estratégias aparentemente ―boas‖ e ―bem intencionadas‖, como, por exemplo, a sedução que está alojada nas políticas de metas, nas participações no lucro da empresa, na co-gestão dos processos produtivos, nos planos de carreira, etc. E eis que encontramos um grande problema: qual o limite que separa tais políticas de um efetivo dano ao trabalhador? O assédio moral pressupõe a detecção de uma intensidade de violência psicológica, um prolongamento dessa violência no tempo, uma finalidade em se causar dano psíquico ou moral, e a efetivação desses danos. Se levarmos em consideração as conseqüências apontadas por pesquisadores ligados à psicopatologia, podemos perceber que as novas políticas de gestão de pessoas, inevitavelmente, produzem estados de sofrimento e o desenvolvimento de doenças nos trabalhadores. É que a estratégia da ―sedução‖ implica numa tonalidade essencialmente perversa ao processo, por tornar quase impossível detectar ações que são efetivamente danosas aos trabalhadores. E, pior ainda, fazer do trabalhador um agente de sua própria doença ao mesmo tempo em que retira da empresa a responsabilidade por tal resultado. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 85 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) ASSÉDIO MORAL E DIREITO SOCIAL: REVISÃO DA LITERATURA (2008 A 2011) Na revisão da literatura, há vasta literatura sendo disponibilizada no mercado editorial brasileiro, sobretudo no campo do Direito. Chamamos a atenção, todavia, para algumas obras literárias importantes que contemplam, no todo ou em parte, discussões multidisciplinares acerca do Assédio Moral, dentre as quais podemos listar a obra completa de Freitas, Heloani & Barreto (2008); o capítulo de Heloani & Barreto (2010, pp. 31-48), no livro de Glina & Rocha (2010), que discute aspectos da violência psicológica no assédio moral; o capítulo de Barreto & Heloani (2011, pp. 173-184), no livro de Alves, VizzaccaroAmaral & Mota (2011), que relaciona a ―rota‖ da humilhação no trabalho à morte e ao suicídio; o livro de Barreto, Netto & Pereira (2011), que aborda os significados sociais do suicídio no trabalho, a partir do assédio moral; o fragmento específico de Seligmann-Silva (2011, pp. 502-503), e seu livro completo que contempla a relação entre Trabalho e Desgaste Mental (SELIGMANN-SILVA, 2011). No que tangem à base de dados da ―Scielo‖, sete ocorrências contemplam os anos de 2008 a 2011: (a) a indicação bibliográfica da literatura sobre o assédio moral de Freitas (2008); (b) o artigo de revisão, acerca do assédio moral em trabalhadores da enfermagem, de Fontes, Pelloso & Carvalho (2011); (c) a resenha do livro de Freitas, Heloani e Barreto (2008) elaborada por Garcia & Tolfo (2011); (d) a visão dos operadores do Direito acerca do assédio moral no trabalho, compilada por Battistelli, Amazarray & Koller (2011); (e) o relato da adaptação e das características psicométricas de medidas de assédio moral no trabalho, elaborado por Ferraz & Martins (2011); (f) a identificação de assédio moral entre docentes de ensino superior no Brasil, realizada por Caran et al (2010); e (g) a sistematização da produção científica acerca do assédio moral em periódicos online, efetuada por Cahú et al (2011). ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 86 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) O sistema jurídico brasileiro possui previsão legislativa esparsa, com destinação e característica específica acerca do Assédio Moral, porém no setor público. Como exemplo a Lei estadual pioneira nº 3.921/02 do RJ e no âmbito municipal mais de 100 projetos tramitando, sem uma legislação federal específica. Entretanto, se pensarmos que a manutenção de um ambiente de trabalho hostil, onde se emprega a violência psicológica sobre os empregados fere sobremaneira o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, interpretando sistematicamente os direitos fundamentais previstos nos artigos 1º, III (―Dignidade da pessoa humana‖) e IV (―Valores sociais do trabalho‖) e 3º (―Sociedade justa, livre e solidária‖), da Constituição Federal, sob a ótica da dignidade da pessoa humana do trabalhador, de acordo com o princípio da máxima efetividade dos direitos fundamentais (Canotilho), conclui-se que a preservação dos valores sociais do trabalho é uma das formas de se garantir a dignidade da pessoa humana, bem como propiciar ao ser humano uma sociedade mais justa, com igualdades de oportunidades, para o seu pleno desenvolvimento físico e intelectual. Somando-se a isso, o legislador constituinte, a par dos direitos fundamentais e sociais, estes assegurados nos arts. 5º, X (―Honra e imagem‖), 6º (―Saúde e trabalho‖) e 7º (―Direitos dos trabalhadores visando a melhoria de sua condição social‖), da CF/88, elegeu o meio ambiente (art. 225 da CF) à categoria de bem de uso comum do povo, impondo assim ao empregador a obrigação de assegurar ao trabalhador um ambiente de trabalho hígido, assegurando-lhe, ao ser demitido, o direito a encontrar-se nas mesmas condições de saúde física e mental em que se encontrava quando da admissão, plenamente apto à absorção pelo mercado de trabalho, hoje tão voraz e seletivo, já que só conta com sua força de trabalho para obter o salário, a remuneração necessária à sua subsistência. Além da legislação constituinte, há dispositivos legais dentro da própria Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), como o artigo 483 (―Rescisão indireta‖) e até mesmo uma Lei preventiva, como a Lei nº 11.948, de 16 de junho de 2009 (―Constitui fonte adicional de recursos para ampliação de limites operacionais do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social‖), que indiretamente contribuem para o cerceio do ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 87 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) problema, ao sancionar, em seu art. 4º, os assediadores pela via econômica, limitando o capital público aos mesmos. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os dados revisados permitem considerar avanços importantes na temática do Assédio Moral na literatura brasileira, considerando o recorte temporal de 2008 a 2011, tanto no que tange a obras literárias generalistas quanto a produções de conhecimento científicos. Contudo, no âmbito jurídico, muito avanço ainda precisa ser conquistado, sobretudo no que concerne às formas ―diluídas‖ e difusas do assédio moral nas organizações de trabalho, como o que chamamos de ―assédio moral indireto‖. Devido às novas dimensões das relações de trabalho no século XXI, e partindo do princípio de que o Direito é uma ciência dinâmica, é importante a elaboração de uma legislação mais severa, porém cristalina, abrangendo todos os membros de uma empresa ou órgão público, independente da hierarquia, acerca de suas ações, incluindo comportamentos individuais ou coletivos e novas políticas de gestão, impondo como limites normas de respeito e comportamento ético, preservando a alma do indivíduo que é um bem jurídico que se impõem tutelar, para alertá-los e puni-los, se for o caso, contra um mal do século no direito trabalhista: o assédio moral. Tal demanda é particularmente necessária considerando que as lacunas legislativas contemporâneas acerca do assédio moral (seja ele direto ou indireto) acarretam tragédias individuais ao trabalhador e à sua família, numa dimensão privada, e ônus social e econômico, na esfera pública, onerando, por conseguinte, o sistema jurídico brasileiro, quando ―juridicializadas‖ as relações decorrentes da atual organização do trabalho. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 88 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) BIBLIOGRAFIA ALVES, Giovanni; VIZZACCARO-AMARAL, André Luís; MOTA, Daniel Pestana. Trabalho e saúde: a precarização do trabalho e a saúde do trabalhador no século XIX. São Paulo: LTr, 2011. ANTUNES, Ricardo L. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. 10. ed. 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ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 93 PROGRAMA DE FORMAÇÃO POLÍTICO SINDICAL DA ASSOCIAÇÃO DOS PROFESSORES DO PARANÁ (APP-SINDICATO): ASPECTOS PRELIMINARES5 ARAUJO, F. ; Programa de Mestrado em Educação da Universidade Estadual de Londrina (UEL) [email protected] INTRODUÇÃO Apresentam-se nesse estudo considerações preliminares acerca do projeto de dissertação que está em desenvolvimento junto ao Programa de Mestrado em Educação da Universidade Estadual de Londrina. Esta proposta pretende dar continuidade a pesquisa monográfica desenvolvida no programa lato sensu Ensino de Sociologia6 (2009/2010) intitulado ―A ciência do senso-comum: os limites da formação política da APP-Sindicato com base na apostila sobre comunicação sindical‖, no qual se buscou compreender o programa de formação político-sindical promovido pela entidade APP-Sindicato (Associação dos Professores do Paraná) em conjunto com a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e a Universidade Federal do Paraná, entre os anos de 2007 a 2009. Na ocasião, analisou-se no estudo monográfico, apenas a apostila ―Teoria e Prática da Comunicação Sindical‖ (2008) de autoria de Claudia Santiago e Vito Giannotti. Entretanto, o programa de educação e formação sindical proposto pela entidade é mais amplo, estendendo-se no tempo há mais de três anos é composto por quatro eixos temáticos, a saber: 1- concepção política e sindical; 2- formação de dirigentes sindicais; 3- planejamento e administração sindical e 4- temas transversais. Cada eixo é composto por 5 6 Pesquisa desenvolvida junto ao Programa de Mestrado em Educação, orientada pela Profª. Drª. Adreana Dulcina Platt. Centro de Letras e Ciências Humanas – Universidade Estadual de Londrina, ano de conclusão 12/2010. REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) uma série de fascículos que foram desenvolvidos pelas entidades citadas e discutido nos três anos de execução do Projeto de Formação pelas afiliadas da CNTE. O trabalho monográfico possibilitou compreender o plano no qual se estabelece a discussão acerca da comunicação sindical. Este debate é parte integrante do segundo eixo temático, o qual trata da formação de dirigentes sindicais. O referido estudo foi determinante na realização do projeto em questão, pois, a partir desta pesquisa, pode-se constatar que o terreno no qual se move a análise do fascículo intitulado ―Teoria e Prática da Comunicação Sindical‖ (2008) não é o do ―concreto pensado‖, a análise crítica e científica do objeto é sim o terreno do senso-comum. Nos objetivos agora propostos, busca-se aprofundar o trabalho iniciado, mediante a análise dos demais fascículos, procurando levantar os pontos problemáticos desta pedagogia de formação, para perceber como esta interfere na construção da consciência de classe, da politização e da própria perspectiva de construção de uma leitura crítica da realidade social. Sob este aspecto é que pontuamos o problema, qual seja verificar em que medida o programa de formação político-sindical da APP-Sindicato conduz a uma consciência emancipadora junto à categoria docente e, mais amplamente, aos trabalhadores em geral, classe à qual os fascículos se pretendem estar direcionados. Assim, o objeto de pesquisa busca detectar as potencialidades da iniciativa proposta pela APP-Sindicato, mas, também, os limites de sua pedagogia de formação, direcionada, em primeiro momento, às suas bases de professores e funcionários de escola. Com esse intuito, nos propomos à análise dos demais eixos temáticos de formação, uma vez que o programa vislumbra intervir criticamente na definição das políticas educacionais, bem como nos aspectos mais contingentes do mundo do trabalho, mediante a formação de novas lideranças, capazes de atuar como vanguarda da categoria e contribuir diretamente com a discussão da realidade da escola pública e os desafios postos aos educadores. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 95 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) METODOLOGIA Trata-se de uma pesquisa descritiva de delineamento de levantamento e análise documental. O percurso teórico-metodológico caminha no sentido de explicar a realidade sob a perspectiva de análise dialética, já que esta permite uma maior profundidade de reflexão e ação, pois não está no universo de pensamento que pretende preservar o status quo. Desse modo, pretende-se fazer recurso aos conceitos utilizados pelo campo da teoria marxiana, incorporando autores clássicos, bem como análises recentes no campo do materialismo histórico dialético. Assim, consideramos a necessidade de uma análise apurada acerca do referido objeto de pesquisa. Para tanto, é preciso captar a essência do objeto, de tal modo que ele se apresente como é, e não como se mostra na imediaticidade, que é própria do pensamento comum. Nesse sentido, verifica-se que a análise dialética cumpre com tal objetivo, pois ―[...] trata da coisa em si‖ que, no entanto, ―não se manifesta imediatamente ao homem‖. O pensamento dialético tem assim a função de distinguir entre representação – reprodução equivocada do real no plano da consciência - e conceito da coisa. Evidencia-se com o excerto citado que, a essência não se manifesta imediatamente ao homem. A essência se manifesta no fenômeno, sendo ela um fundamento sem o qual algo não existe. Para o pensamento dialético essência e fenômeno não podem ser compreendidos isoladamente. Com base no exposto, consideramos este percurso fundamental, uma vez que se pretende apreender o objeto em sua essência. Trata-se, pois, de apreender o objeto para além de sua dimensão fenomênica, isto é, há politização simplesmente pelo fato do curso existir, e avançar em direção à essência do problema; na prática, há também despolitização uma vez que a formação pretendida carece de rigor teórico e conceitual para dar conta da sociedade que pretende analisar e para educar aqueles a quem pretende formar para a práxis transformadora. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 96 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) JUSTIFICATIVA/ HIPÓTESES A relevância da pesquisa que se intenciona está no fato de buscar realizar a análise crítica de um programa de formação sindical, - pretendida como crítica à sociedade burguesa, em particular e, ao capital, em geral – que é promovido por uma das maiores organizações sindicais da América Latina, que conta hoje em seus quadros com trinta e cinco filiados. Durante nosso estudo monográfico pode-se constatar que no conjunto, o material aponta para uma série de limites conceituais, os quais interferem diretamente na formação da consciência política e no agir concreto daqueles que ela pretende formar. Verificou-se, também, em nosso estudo, que a proposta do programa está em trabalhar com aquilo que há de mais superficial na realidade. Constatou-se, de acordo com o fascículo analisado e intitulado ―Teoria e Prática da Comunicação Sindical‖ que, buscando criticar a estrutura de dominação na sociedade capitalista, o caminho adotado é o da construção de uma leitura superficial, dicotômica, marcada pela presença de conceitos operacionalizados arbitrariamente e que, na prática, terminam por ser esvaziados de seu sentido, como é o de ―hegemonia‖, extraído de Gramsci. Neste momento da pesquisa o objetivo é demonstrar que as debilidades, apesar do esforço positivo em que se constitui a iniciativa da APP-Sindicato, não estão restritas ao material analisado na monografia, mas é característica do próprio conjunto de apostilas, nas mais diversas temáticas que procura abordar. É por este caminho que nos propomos investigar as bases em que está assentada o projeto pedagógico da referida entidade sindical, uma vez que a intenção é formar lideranças políticas que adentram o campo educacional. Para a análise, o estudo opera inicialmente com duas hipóteses. A primeira delas é a de que sob aparência de construção do pensamento científico, o que se encobre no material é a predominância do senso-comum, despolitizador da categoria na qual se pretende construir o agir crítico. A segunda hipótese, decorrente da primeira, é de que contribui para esta politização despolitizadora, o atrelamento da formação à própria perspectiva partidária na ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 97 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) qual está envolvida a APP-Sindicato, o que a conduz a direcionar o material e a manipular a análise, como é o caso, por exemplo, da maneira como aborda o governo Lula e suas relações com a social-democracia européia e o projeto socialista. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA O capitalismo, em seu ―período tardio‖, como observou Lukács, impõe à classe trabalhadora sua concepção de mundo, elaborando sua hegemonia econômica, cultural e política, através de seu quadro de intelectuais orgânicos, técnicos e cientistas. Na medida em que, retomando aqui célebre referência de Marx e Engels em ―A Ideologia Alemã‖, ao afirmarem que a classe que domina material e politicamente precisa, também, dominar ideologicamente. Trata-se aqui do reconhecimento de que o intelectual orgânico é aquele capaz de elaborar e tornar coerentes os princípios e problemas colocados em prática por uma determinada classe constituindo com isso um bloco social e cultural capaz de sistematizar o sentido da ação de um determinado grupo social, propondo inclusive caminhos para a sua concretização. Esta possibilidade não é restrita à classe dominante, mas pode se fazer presente, também, junto àquelas camadas que buscam conquistar, de sua parte, a hegemonia político-econômico-social, como é o caso da classe trabalhadora. Assim, abre-se a possibilidade de conceber o dirigente sindical como intelectual orgânico do proletariado, cuja função educativa está na construção da consciência da classe trabalhadora. Sua atuação é, portanto, no interior do proletariado. Este processo de tomada de consciência da classe trabalhadora opõe-se ao processo de educação como algo espontâneo e não cultural, pois se assim fosse não haveria sentido sistematizá-lo ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 98 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) Portanto, a consciência crítica não se trata de um fenômeno espontâneo atrelado ao conhecimento vulgar, mas sim de apreensão da totalidade social e de suas contradições, no plano teórico, o chamado ―concreto pensado‖, isto é, a realidade apreendida pelo processo de reflexão teórica. A perspectiva que Gadotti herda de Lênin em ―Que Fazer?‖ remete diretamente ao nosso objeto de estudo. Ao buscar construir um projeto de formação, a APPSindicato busca romper com o culto à consciência espontânea. No entanto, a questão central a ser analisada não é o esforço desenvolvido e, sim, como ele é desenvolvido. Interessa-nos saber por quais caminhos são conduzidas as reflexões acerca da educação política necessária à emancipação da classe trabalhadora e, em particular, ao processo de formação política de professores e funcionários proposto pela APP-Sindicato. Pode-se considerar que a perspectiva teórica, tal como é desenvolvida pela APP-Sindicato, é capaz de impulsionar o trabalhador à reflexão da totalidade do complexo social, abarcando neste movimento as contradições do capitalismo? É capaz de o educador sindical da APP, face à atual ordem vigente, fornecer os elementos para desmistificar o mundo da práxis fetichizada, própria do pensamento comum? Transcender o campo imediato significa ir além do dado imediato próprio do senso-comum. Sendo assim, é somente problematizando as mediações que compõem a realidade que se pode superar a aparência dos processos e fenômenos sociais como sendo a realidade da estrutura social. Pensar a educação do trabalhador requer rever em que base está ancorada a sua pedagogia de formação e em qual filosofia política ela se sustenta. Para tanto, destaca-se a importância da posse da filosofia que, segundo Gramsci, é a teoria. A apreensão dos elementos conceituais pela classe trabalhadora conduz a formação da consciência de classe e conseqüentemente ao desejo de transformação social. Neste caso é que se verifica a importância aferida por Gramsci de colocar a classe trabalhadora em contato com os diversos dialetos do mundo, criando a possibilidade de romper com uma leitura restrita acerca da realidade. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 99 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) Esta postura analítica torna-se indispensável na compreensão do projeto de formação político-sindical da APP-Sindicato, uma vez que busca problematizar a linguagem utilizada em seus fascículos, evidenciando se o teor filosófico em questão cumpre com o objetivo do projeto proposto pela referida entidade, qual seja, formar novas lideranças políticas capazes de lutar contra os mecanismos de dominação da ordem instituída, a capitalista. Buscamos demarcar com profundidade esta discussão mediante a apropriação de conceitos gramscianos. O pensador italiano evidencia a importância de se ampliar o grau de comunicação com o mundo, desvencilhando-se de uma linguagem restrita. Gramsci alerta para a crítica a ―linguagem restrita‖, uma vez que ela não possibilita à classe trabalhadora compreender que ela participa de um processo cada vez mais universal que é o do desenvolvimento do capitalismo. A utilização de um grau restrito da linguagem implica em uma comunicação limitada com o mundo assim, a ―linguagem restrita‖ não pensa a universalidade do processo e sim a particularidade de uma determinada situação. Na medida em que o projeto da APP-Sindicato, sob a aparência de politizar, faz o combate à linguagem conceitual, como no caso do fascículo sobre Comunicação Sindical, analisado na monografia, não estaria à entidade incorrendo no mesmo erro, isto é, o de obstaculizar em vez de fazer avançar o campo reflexivo de suas bases? O domínio da teoria torna-se nesse âmbito elemento indispensável à emancipação da classe trabalhadora. Resta saber se o programa de formação da APPSindicato cumpre com tal objetivo. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABENDROTH, Wofgang. Conversando com Lukács. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1971. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 100 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) GADOTTI, Moacir. Concepção dialética da educação: um estudo introdutório. 8. ed. São Paulo: Cortez Autores Associados, 1992. GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere. edição e trad.: Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. Vol. 1. _______________. Cadernos do cárcere. edição e trad.: Carlos Nelson Coutinho. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000 Vol. 2. KOSÍK, Karel. Dialética da totalidade concreta. In: Dialética do Concreto. Trad.: Célia Neves de Alderico Toríbio. 2.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976. LÊNIN, V. I. Como iludir o povo: com slogans de liberdade e igualdade. Trad.: Roberto Goldkorn. 3. ed. Global editora: São Paulo, 1980. ______. Que Fazer? Rio de Janeiro: Editora HUCITEC, 1982. MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto Comunista. Rio de Janeiro: Zahar, 1982. ____________. A Ideologia Alemã. São Paulo: HUCITEC, 1982. PAULO NETTO, José. Para a Crítica da Vida Cotidiana. In: PAULO NETTO, José e CARVALHO, M. C. Brant, Conhecimento e Crítica. São Paulo: Cortez, 2000. SANTIAGO, Claudia; GIANNOTTI, Vito. Teoria e Prática da Comunicação Sindical. Programa de Formação da CNTE/APP-Sindicato. Curitiba - PR, 2008. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 101 SINDICALISMO, PRIVATIZAÇÃO E INTERNACIONALIZAÇÃO DA VALE S.A.: O CASO DO SINDICATO SINDIMINA/RJ CARVALHO, L. N. de; Programa Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF) Agência Financiadora: CAPES [email protected] INTRODUÇÃO Este trabalho é fruto da minha pesquisa de mestrado que tem como tema central as novas configurações de luta sindical frente a uma empresa privatizada na década de 1990 – a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD). A desestatização desta empresa ocorreu em 1997, em decorrência da Reforma do Estado (de cunho neoliberal). Nossas indagações iniciais foram: a privatização da empresa permitiu que ela alcançasse a eficiência e produtividade almejadas? Quais têm sidos os primeiros resultados e problemas surgidos depois da privatização? Estes problemas afetaram os trabalhadores da CVRD? Como os sindicatos vêm atuando frente a esses problemas? A partir da leitura dos relatórios do INSTITUTO OBSERVATÓRIO SOCIAL (IOS) pudemos depreender a seguinte hipótese: a desestatização permitiu que a CVRD alcançasse elevados patamares de produtividade e eficiência, mas, em contrapartida, acirrou os conflitos trabalhistas dentro dela (além de aumentar a degradação ao meio ambiente). Entendendo os sindicatos como instituições representativas dos interesses e defensora dos direitos dos trabalhadores e percebendo a necessidade de analisar os limites da ação sindical dentro da Vale, selecionamos como objeto de análise a relação entre o sindicato REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) Sindimina/RJ e a Vale S.A. (atual nome da Companhia Vale do Rio Doce). Cabe sinalizar que, de acordo com o IOS (2009), em 2007, contabilizavam-se cerca de 52 sindicatos que representavam a diversidade de categorias profissionais verificadas nesta empresa: mineiros, ferroviários, engenheiros, administrativos, técnicos, entre outros. O Sindicato dos trabalhadores das indústrias de prospecção, pesquisa e extração de minérios do Estado do Rio de Janeiro (Sindimina/RJ) é um sindicato fundado em 1989, que surgiu da necessidade de se buscar uma representação mais forte no estado do Rio de Janeiro frente a ainda Companhia Vale do Rio Doce (CVRD). Hoje representa os trabalhadores das empresas Areeiras, Companhia Baía Porto de Sepetiba (CBPS), Companhia de Pesquisas de Recursos Minerais (CPRM), Empresa de Mineração Tanguá (EMITANG), Indústrias Nucleares do Brasil (INB), Mineração Brasileiras Reunidas (MBR) e a Vale S.A. O leilão de privatização da CVRD ocorreu no dia 6 de maio de 1997 na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro. Participaram dele o Consórcio Valecom, articulado pelo Grupo Votorantim e o Consórcio Brasil, liderado pelo grupo CSN. Hoje a Vale S.A. é uma das maiores empresas brasileiras e uma transnacional, atuando em quatro continentes com uma elevada lucratividade. Nosso objetivo primordial é a descrição das características de ação do Sindimina/RJ com a finalidade de aferir se a ação sindical na contemporaneidade está conseguindo garantir e/ou manter os direitos dos trabalhadores frente a nova gerência da empresa, a nova face estrutural do capital e a flexibilização dos direitos do trabalho e, dessa forma, analisar quais foram os efeitos negativos e positivos da privatização nas relações de trabalho e qual tem sido o papel da justiça do trabalho na proteção dos direitos dos trabalhadores da Vale S.A. Se por um lado, crescem as queixas dos trabalhadores a respeito das condições de trabalho, principalmente em relação à saúde e segurança do trabalhador, por outro, alguns autores como Carlos Henrique Horn vem afirmando que a justiça do trabalho tem ‗estimulado‘ a resolução dos conflitos trabalhistas entre as partes sem a interferência da justiça, via negociação coletiva. Numa conjuntura econômica marcada pelo desemprego e ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 103 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) pela desregulamentação dos direitos do trabalho no Brasil, tal posicionamento contribuiria para o enfraquecimento do poder de negociação dos sindicatos? METODOLOGIA Este projeto de pesquisa foi primeiramente baseado nos relatórios do Instituto Observatório Social (IOS) de 2004, 2006 e 2008 que analisaram questões de cunho social, trabalhista e ambiental na Companhia Vale do Rio Doce. Nos relatórios, o IOS afirma que após a privatização da empresa, a mineradora se tornou extremamente lucrativa e produtiva, mas que um dos motivos para isto se encontra na precarização das relações e das condições de trabalho (com o aumento das terceirizações, demissões em massa e contenção do movimento sindical). Acreditamos que desde a privatização o sindicato foi perdendo gradativamente força de negociação e na tentativa de se fortalecer criou novas estratégias de luta tais como o envolvimento em movimentos sociais ou a tentativa de criação de redes sindicais, tanto no âmbito nacional quanto no internacional. Todavia, o enfraquecimento do movimento sindical atrelado ao crescimento da empresa transformando-se em uma transnacional levam alguns sindicalistas a buscarem métodos de negociação menos combativos, revelando um posicionamento que chamaremos de passivo. Tendo por objetivo geral aferir se as dinâmicas das relações de trabalho na Vale S.A sofreu alguma modificação após a privatização da empresa e por objetivos específicos analisar quais foram as mudanças e qual foi o posicionamento tomado pelo sindicato Sindimina frente à elas, decidimos fazer uso de um estudo de caso, de forma a aprofundar o conhecimento sobre o sindicalismo dentro da empresa Vale S.A. Este estudo nos dará bases para uma investigação posterior, mais sistemática e precisa, de análise da ação sindical de toda a categoria dos mineradores no Brasil. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 104 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) Para a análise de um posicionamento específico do sindicato, que chamaremos de ação sindical, utilizamos um quadro analítico inspirado na obra de Graciela Bensusán que ajudou a conduzir o exame sobre o tema. Sistematizamos as seguintes dimensões da ação sindical: ação direta; ação por meio legal; ação sindical interna e sindicato e sociedade. Para cada dimensão escolhemos variáveis/indicadores e possíveis metodologias e fontes. Apresentaremos a seguir uma síntese parcial dos dados (pois a pesquisa encontra-se em andamento). Por enquanto ainda não podemos apresentar dados consistentes acerca da dimensão ‗ação por meio legal‘ e ‗ação sindical interna‘. Falaremos das dimensões ‗ação direta‘ e ‗ação do sindicato junto à sociedade‘ (‗sindicato e sociedade‘). RESULTADOS PARCIAIS Na dimensão ‗ação direta‘ analisamos as variáveis: greves; mecanismos de manifestação coletiva (manifestações teatrais) e criações de redes sindicais. Na dimensão ‗sindicato e sociedade‘ foi analisada a variável ‗participação em movimentos sociais‘. A metodologia e fontes empregadas foram as entrevistas com dirigentes sindicais e fontes documentais. Segundo as entrevistas com os dirigentes sindicais, o Sindimina nasceu numa época onde as greves eram reprimidas violentamente e os sindicatos eram politicamente sem força (década de 1980). Em 1990 os benefícios começaram a diminuir – por acordos coletivos a Vale passou a ―comprar‖ os benefícios, como o reembolso educacional, mas segundo um líder sindical as assembléias eram forçadas e existia coação para que as propostas fossem aceitas. Em 2003 ocorreu uma crise devido ao fato da empresa ameaçar a jornada de trabalho dos trabalhadores do setor administrativo, aumento-a de 37,5 hs/semanais para 40 horas semanais. Ainda neste ano a mineradora ofereceu um aumento de 10% frente aos 29,5% exigidos pelos trabalhadores. O aumento reivindicado pelos funcionários referia-se à variação ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 105 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) do Índice Geral de Preços de Mercado (IGP-M) nos 12 meses terminados em junho de 2003. Em resposta a contraproposta da Vale, os empregados da Companhia Vale do Rio Doce encontraram uma maneira bem-humorada de protestar: distribuíram bananas aos funcionários da Vale na porta da empresa. Disseram que tiveram sorte de uma jornalista do Routers estar por perto e ter escrito uma reportagem sobre esta manifestação, porque geralmente a Vale não permite que publiquem notícias negativas sobre ela e que na ocasião da manifestação, por causa da reportagem, o preços das ações da Vale do Rio Doce caíram, gerando a demissão de um funcionário da empresa da área de comunicação. Em 2009 houve um ato de enfrentamento que contou com cerca de 1.500 manifestantes reunidos em frente à sede da mineradora e com a presença do presidente da CUT Nacional, Artur Henrique da Silva Santos. Mesmo intimidados por um grande número de policiais militares, os trabalhadores defenderam as bandeiras do emprego, salário e direitos trabalhistas. O ato foi considerado o maior e o mais importante desde a privatização da empresa em 1997. Com relação à questão das greves, no Brasil não é realizada uma greve desde a década de 1980, contudo, nas entrevistas, os líderes sindicais afirmaram que a greve no Canadá (2009/2010), que durou cerca de 1 ano, recebeu amplo apoio de muitos trabalhadores no Brasil, inclusive do sindicato Sindimina/RJ. Sobre a rede sindical, os trabalhadores da Vale S.A., dentre eles, líderes do Sindimina, constituíram no ano de 2007 um rede sindical, chamada de Rede Sindical dos trabalhadores da Vale no Brasil. Esta rede nasceu da necessidade de ação dos trabalhadores em nível nacional. Entre os fatores que motivaram a criação da rede de trabalhadores estão o de fortalecer a negociação, conhecer a realidade em diferentes fábricas da empresa e lutar pela melhoria das condições de trabalho. Outro estímulo era participar da organização de trabalhadores em nível internacional. As redes ou comitês nacionais eram considerados o primeiro estágio para a atuação em nível mundial. Assim, em 2008, no Canadá, os membros Rede Sindical dos trabalhadores da Vale no Brasil se reuniram com sindicalistas canadenses da Vale no Canadá para trocar ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 106 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) experiências e elaborar ações conjuntas. Debateram questões de saúde e segurança nos dois países e a realização do I Encontro Internacional dos Trabalhadores da Vale. Além da troca de experiências, o encontro viabilizou a discussão de estratégias e de ações unificadas com os sindicalistas do Canadá. A Rede também organizou, em 2009, as manifestações contra a onda de demissões e às declarações do antigo presidente da Vale, Roger Agnelli, que adotou um discurso favorável à flexibilização de leis trabalhistas (manifestação já mencionada acima). O fortalecimento da rede proporcionou que os trabalhadores pudessem negociar diretamente com a Vale. Em maio de 2009, a direção da CUT e a rede sindical receberam na sede da central, em São Paulo, membros da diretoria de recursos humanos da empresa para tratar de assuntos de interesse dos trabalhadores. A atuação da empresa frente à crise econômica e seus impactos sobre o emprego e salários dos trabalhadores foram as principais preocupações apresentadas pela CUT durante a reunião. O debate também incluiu temas como o fim da licença remunerada, participação nos lucros e resultados (PLR), acordo coletivo 2009 e a consolidação do diálogo social. Apesar dos inúmeros progressos essa rede foi dissolvida ainda em 2009 por conta de inúmeras crises políticas internas. Em 2011 começaram os debates para a criação de uma rede de trabalhadores da Vale mas que já abarcasse não só o Brasil mas os trabalhadores da Vale em todo o mundo. Na dimensão ‗sindicato e sociedade‘ podemos mencionar o I e o II Encontro Internacional dos Atingidos pela Vale. Estes eventos têm por objetivo articular e consolidar uma rede de movimentos sociais, organizações e centrais sindicais de diversos países, incluindo populações, comunidades e trabalhadores atingidos negativamente pela forma de atuação da Vale e dessa forma ser capaz de implementar estratégias coletivas de enfrentamento a empresa em escala global. O I encontro permitiu que fossem trocados e acumulados conhecimentos e experiências, procurando construir e disseminar informações com o objetivo de consolidar e fortalecer estratégias políticas comuns de enfrentamento da empresa. Segundo o Dossiê dos impactos e violações da Vale no mundo, documento produzido a partir do I encontro ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 107 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) internacional dos atingidos pela Vale, as organizações sindicais centralizaram seu olhar mais na questão trabalhista, mas também reconheceram que as atividades da empresa geravam inúmeras conseqüências ambientais e sociais fora do âmbito das relações estritamente laborais, alguns causando sérios problemas também para os trabalhadores. Este encontro simbolizou uma inovação e um mecanismo para quebrar os particularismos e fragmentações, juntando no mesmo espaço sindicatos, grupos de direitos humanos, advogados, movimentos sociais, ambientalistas, entre outros. O segundo encontro não teve o mesmo peso e nem a mesma divulgação do primeiro, mas também foi encarado com uma iniciativa importante de mobilização. O Sindimina/RJ também participou da ‗missão de solidariedade e investigação de denúncias‘ que esteve em Santa Cruz/RJ, em 2010, nas imediações da recéminaugurada Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA - joint-venture junto à Vale S.A.), juntamente com técnicos, pesquisadores, acadêmicos, parlamentares, personalidades atuantes nas áreas de direitos humanos, meio ambiente e saúde com o objetivo de prestar solidariedade às comunidades da região e coletar informações, depoimentos e investigar denúncias relacionadas à violação de direitos humanos e crimes socioambientais cometidos pela usina siderúrgica. CONSIDERAÇÕES FINAIS Como pudemos ver, o sindicato Sindimina/RJ está diversificando sua frente de atuação, demonstrando interesse não apenas pelas questões que envolvem os interesses dos trabalhadores representados por ele, mas por todos os problemas que a Vale S.A. vem causando a sociedade. Dessa forma sua ação política é ampliada e são criadas novas estratégias para questionar, divulgar e combater as irregularidades cometidas pela empresa. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 108 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) Se nos anos 1990 houve um arrefecimento das lutas sociais e políticas onde teve lugar uma forte ofensiva do capital, de ataque aos direitos dos trabalhadores, através das políticas neoliberais, na contemporaneidade vemos novas formas de mobilização que buscam combater os particularismos das lutas sociais, criando amplas frentes combativas contra um único ator, no caso, a empresa Vale S.A. Para Graça Druck, aceitar a ―fatalidade econômica‖ ou a inexorabilidade dos processos de flexibilização e precarização do trabalho, oculta as escolhas e a vontade política dos setores dominantes. Em nome duma ―modernização‖ e duma ―transformação‖ no mundo do trabalho, oferecem como única alternativa a adaptação dos trabalhadores a essas novas condições. Nesta medida o processo de despolitização dos sindicatos, expresso, essencialmente, na incapacidade de avançar com propostas políticas de conteúdo ofensivo e que, principalmente, aponte um caminho independente para a classe trabalhadora permite a reprodução dessa lógica e a intensificação da exploração. Buscar novas estratégias é um caminho para resistir ao modo de dominação que por vezes obriga os trabalhadores à submissão e à aceitação da exploração. BIBLIOGRAFIA BENSUSÁN, Graciela. Introdução: problemas de desenho e desempenho institucional. In: BENSUSÁN, Graciela (Org.) Instituições Trabalhistas na América Latina: desenho legal e desempenho real. Rio de Janeiro: Revan, 2006. DRUCK, Graça. Os sindicatos, os movimentos sociais e o governo Lula: cooptação e resistência. 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Documentos consultados Dossiê dos impactos e violações da Vale no mundo, 2010. Organizações Integrantes do I Encontro Internacional dos Atingidos pela Vale. Versão preliminar do documento sujeita a modificações. Rio de Janeiro, abril de 2010. Disponível em http://atingidospelavale.files.wordpress.com/2010/04/dossie_versaoweb.pdf Estudo preliminar sobre o perfil mundial da VALE. INSTITUTO OBSERVATÓRIO SOCIAL. São Paulo, 2009. Mapa de conflitos envolvendo injustiça ambiental e Saúde no Brasil. Fiocruz, Fase e Departamento de Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador do Ministério da Saúde. 2009. Disponível em http://www.conflitoambiental.icict.fiocruz.br/index.php Mapa Social, Trabalhista e Ambiental. Companhia Vale do Rio Doce. MAIO/2004. INSTITUTO OBSERVATÓRIO SOCIAL. Disponível em: http://www.observatoriosocial.org.br/arquivos_biblioteca/conteudo/1940CRVD2006perfil.pd. Missão de solidariedade e investigação de denúncia em Santa Cruz. Folder da missão. Rio de Janeiro: 2010. 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Escrito por CUT Nacional com colaboração de William Pedreira. 19/12/2008. <http://www.cut.org.br/content/view/12034/170/>, acesso em 20/08/09. Vale conclui acordo com a empresa Alemã para elevar fatia na CSA. http://portalexame.abril.com.br/ae/economia/vale-conclui-acordo-alema-elevar-fatia-csa536552.shtml. Acessos em 02jan2010. Entre as cinco maiores do mundo. Caderno Economia e país. Jornal O DIA, 19/06/2010. Moradores de Santa Cruz reclamam de fuligem jogada pela Companhia Siderúrgica do Atlântico. Disponível em http://www.soalagoas.info/2010/12/moradores-de-santa-cruzreclamam-de.html Representantes da Rede Sindical da Vale realizam encontro no Canadá. 26/08/2008. Fonte: CUT. Disponível em http://www.observatoriosocial.org.br/portal/index.php?option=content&task=view&id=3133 &Itemid=118 Rede Sindical da Vale avalia ato em frente à empresa em reunião no Rio de Janeiro. Fernanda SantClair, 18/02/2009. Disponível em http://www.observatoriosocial.org.br/conex2/?q=node/3000 Diretoria de RH se reúne com CUT e rede sindical em São Paulo. Fernanda Sant Clair SRI/CUT. 25/05/2009. Disponível em http://www.cut.org.br/destaque-central/30472/vale Unidades da Vale no Canadá encerram greve. Mônica Ciarelli e Sabrina Valle - O Estado de S.Paulo. 10 de julho de 2010. Disponível em http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100710/not_imp579094,0.php Greve na Vale pode ser alvo de inquérito do governo no Canadá. Disputa salarial em Voisey's Bay, que já dura 15 meses, deve ter interferência de uma comissão de inquérito industrial do governo. 22 de outubro de 2010. Caderno economia e negócio. Jornal O Estado de S.Paulo. Disponível em http://economia.estadao.com.br/noticias/negocios+industria,greve-na-valepode-ser-alvo-de-inquerito-do-governo-no-canada,40036,0.htm. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 111 TIRANDO O VÉU: A INFLUÊNCIA DO CAPITAL SOBRE AS ESTRUTURAS DAS DEMOCRACIAS MUNICIPAIS. SOUTO, V. M. M; Mestrado em Ciências Sociais da Universidade Estadual Paulista, Campus de Marília/SP (UNESP) [email protected] INTRODUÇÃO O presente artigo foi elaborado a partir das discussões na disciplina: Trabalho e globalização, do Mestrado em Ciências Sociais, e se propõe a levantar algumas considerações sobre a influência do Capital nas Democracias Municipais. Dessa forma, interessa-nos analisar sua configuração e como vem se materializando a dinâmica das políticas neoliberais na elaboração e planejamento das políticas públicas, assim, propomos analisar a natureza da incompatibilidade da democracia, e articular, a analise teórica com a experiência de construção de democracia participativa na cidade de Fortaleza/CE, tendo como foco: a articulação do Orçamento Participativo com o local trabalho. O artigo está composto de três seções: 1. O Capital: configurando sua influência nas mudanças estruturais das cidades, neste item procuraremos demonstrar como se materializaram as estruturas econômicas, social e política nas grandes cidades com o desenvolvimento do capital. Isto é, as causas da transformação e as novas técnicas do século XVIII, que deram origem às grandes cidades industriais. Logo após, retomaremos o fio condutor de nosso debate, que é entender e relacionar a dinâmica da cidade capitalista com os mecanismos de participação popular, procurando demonstrar até que ponto estes mecanismos de participação têm potencial de mudança de comportamento político e de produção de nova REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) cultura política. A saber: em que medida os espaços públicos de debates gerados com Orçamento Participativo têm contribuído na organização da classe trabalhadora? No item dois, Democracia: compatível ou incompatível com o capitalismo? O que nos interessa neste item é demonstrar se o capitalismo é - em sua análise final – compatível ou incompatível coma democracia, se por ―democracia‖ entendemos tal como o indica sua significação literal, o poder popular ou o governo do povo. Entendemos que não existe um capitalismo governado pelo poder popular no qual o desejo dos sujeitos sociais seja privilegiado em relação à acumulação capitalista. Segundo Ellen Wood, o capitalismo é estruturalmente anti-ético em relação à democracia, em princípio, pela razão histórica mais óbvia: não existiu nunca uma sociedade capitalista na qual não tenha sido atribuído à riqueza um acesso privilegiado ao poder. Capitalismo e democracia são incompatíveis também, e principalmente, porque a existência do capitalismo depende da sujeição aos ditames da acumulação capitalista e às ―leis‖ do mercado. A reprodução social da vida seja em condições básicas, ou dos requisitos de sobrevivência se realizam através da dinâmica mercadológica. Isso significa que o capitalismo necessariamente exclui cada vez mais esferas da vida cotidiana do parâmetro no qual a democracia deve prestar conta de seus atos e assumir responsabilidades. Toda prática humana que possa ser convertida em mercadoria deixa de ser acessível ao poder democrático. Dessa forma, nos interessa no decorrer do artigo relacionar o processo de construção e materialização do Orçamento Participativo na cidade de Fortaleza/CE, relacionando com incompatibilidade da democracia no capitalismo, e qual o vínculo de articulação dos processos de participação com o local de trabalho. No item três, O impacto das políticas neoliberais sobre as políticas públicas municipais (o caso de Fortaleza/CE) procurará refletir a partir das entrevistas com o coordenador do Orçamento Participativo e representantes dos Movimentos Sociais, em que medida as políticas neoliberais vêm influenciando no deslocamento dos recursos destinados às políticas públicas direcionadas às classes exploradas. Assim, no decorrer do trabalho abordaremos o tema da democracia participativa e sua íntima relação com a existência e as ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 113 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) lutas dos movimentos populares. Pois trata-se de uma tentativa de compreender e localizar o debate e a construção do processo de Orçamento Participativo na Cidade de Fortaleza/CE, gestão PT, dentro de um debate crítico que aponte seus limites e contradições. Para fins de conclusão, procuramos finalizar o artigo levando em consideração a articulação teórica com a prática política do processo de construção da participação popular na cidade de Fortaleza/CE. Trata-se de uma tentativa de articular o objeto de estudo da Dissertação de Mestrado, que tem como tema: O Orçamento Participativo em Fortaleza/CE: construção de uma nova cultura política?(Gestão PT – 2005-2008 e 2009-2012), onde problematizo a cultura política, tendo como centralidade o trabalho com a referência teórica do materialismo histórico. Abordamos no artigo entrevistas concedidas por representantes do poder público e movimentos sociais – MCP7 (Movimento dos Conselhos Populares), pois, devido extensão de um artigo não abordaremos a pesquisa em seus detalhes e em sua totalidade, limitando-nos aos aspectos que nos permita discutir e apontar pistas de como as políticas neoliberais têm influenciado no deslocamento das políticas públicas e da cultura política. CAPITAL: CONFIGURANDO SUA INFLUÊNCIA NAS MUDANÇAS ESTRUTURAIS DAS CIDADES Na análise propomos configurar como se materializou o desenvolvimento do capital sobre as estruturas: econômica, social e política nas grandes cidades. Pois, Friedrich Engels ao escrever a obra ―A Situação da Classe Operária em Inglaterra‖ (1845), procura demonstrar como a dinâmica do capital não revela somente um mundo urbano miserável e degradante, mas, que no bojo do desenvolvimento, o ―capitalismo industrial na Inglaterra‖ foi também o espaço das contradições internas dessas novas relações sociais. Engels apontava 7 Movimento dos Conselhos Populares – movimento que surge a partir das eleições municipais de 2004. Nasce no bojo da campanha e passa a ser a principal justificativa nos programas de televisão da candidata do PT de governar com os movimentos dos Conselhos Populares. Vale ressaltar que, após eleita, a Prefeita de Fortaleza Luizianne Lins (PT) segue outra orientação em suas articulações políticas. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 114 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) que os fenômenos urbanos, revelando como ocorria o processo de desenvolvimento, se configuravam transformado os vilarejos em uma pequena cidade e a pequena cidade em uma grande. Para ele, ―quanto maiores são as cidades, maiores são as vantagens da aglomeração‖, ou seja, ali é o local onde se reúnem todos os elementos da indústria: os trabalhadores, as vias de comunicação (canais, estradas de ferro, estradas), os transportes de matérias-primas, as máquinas e técnicas, o mercado, a bolsa. Partindo desse mesmo pressuposto, nossa análise não tratará somente das relações entre a cidade e campo, mas, através de uma abordagem dialética, buscará colocar no centro da reflexão as contradições e os conflitos que estão no cerne do desenvolvimento das sociedades capitalistas. A partir deste contexto histórico de desenvolvimento da sociedade capitalista, é possível verificar que a concentração populacional acompanha a dos meios de produção - há uma dinâmica de rompimento provocada pelo tecido urbano, isto é, ele se prolifera, estende-se, corrói os resíduos de vida agrária . Assim sendo, a dinâmica do capital vai se configurando em um conjunto de manifestações, daí o predomínio da cidade sobre o campo. Dessa forma, as cidades se desenvolvem a partir do processo histórico do avanço das relações sociais de produção e reprodução do sistema capitalista, que se configurou como o local onde a classe trabalhadora vende sua força de trabalho em troca de salários - a cidade é o local onde se reúnem os elementos históricos da sua formação industrial, daí o crescimento surpreendente das grandes cidades industriais. Isto nos leva a perceber que um dos elementos do processo migratório das regiões rurais para a cidade são os baixos salários naquelas regiões, consequentemente, caso haja concorrência entre a cidade e o campo, a vantagem está ao lado da cidade. Pois é nas grandes cidades que a indústria e o comércio se desenvolvem, ali estão os espaços em que aparecem de forma clara as manifestações e as consequências que elas têm para o proletariado. É aí que a concentração de bens atinge seu grau mais elevado, que os costumes e as condições de vida do bom e velho tempo são radicalmente destruídas segundo Engels. Isto é, tentando esclarecer o passado a partir do atual, o tempo livre para o lazer e os encontros perdem seu lugar para uma lógica perversa da produção e reprodução social da vida, a sobrevivência, a busca de objetivos para que rapidamente se passe a outro (objetivo), numa ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 115 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) busca incessante de produção de informações. A lógica do capital toma conta de todas as esferas da vida numa busca insaciável para não acabar nunca de buscar, assim sendo, o homem se torna um sujeito atomizado na dinâmica imposta pelo capital. Portanto, não se trata somente das relações entre cidade e campo na Antiguidade e depois na Idade Média, mas a tentativa de colocar no centro da reflexão do passado esta relação conflitual que se configurou na contemporaneidade, ou seja, é importante que se entenda que o desenvolvimento das políticas de Estado tem uma conexão direta com os interesses do capital. Pois, pensar nos processos participativos da cidade de Fortaleza/CE, a partir de uma gestão pública, é uma tentativa de entender que, com o avanço das políticas neoliberais, materializou-se na prática uma política de ―implementação‖ de demandas para as classes populares. Far–se-á necessário, portanto, no decorrer de nossa análise, trabalhar com o conceito ampliado de Estado8, a fim de investigar em que medida os espaços públicos de debates gerados com o Orçamento Participativo têm contribuído na organização da classe trabalhadora. Assim, nossa análise tem como ponto de partida a compreensão de que o capitalismo das ultimas décadas foi dominado pela face mais perversa do capital financeiro (capital portador de juros), isto é, pelo capital fictício. Dessa forma, interessa-nos entender a realidade que modificou os quadros econômico e político, pois o Brasil não ficou imune às forças que determinaram e movimentaram o mundo que se descortinou com a instalação dessa dominância, ou seja, é parte de nossa proposta de análise problematizar a cultura política9, tendo como centralidade o trabalho, e como referência teórica o campo do materialismo histórico, para o entendimento dos processos históricos na sociedade brasileira, e, como recorte epistemológico, a gestão pública municipal do PT – na cidade de Fortaleza/CE, procurando entender até que ponto a cultura política construída nos espaços do Orçamento Participativo tem relação com o local de trabalho, pois Rosa Maria Marques destaca que em qualquer sociedade capitalista o trabalho 8 A partir do conceito ampliado de Estado de Nicos Poulantzas, em que, para este autor, o Estado era: coerção e arrecadação - em nossa abordagem teórica – sob o olhar do Professor Jair Pinheiro, o Estado seria: coerção, arrecadação, assistência e planejamento. 9 O conceito de cultura política com o qual se trabalha neste artigo é relativo às possibilidades de transformação econômica e política. Isto é, dentro de um quadro de individualismo crescente alimentado pelo neoliberalismo, assim sendo, qual o potencial que o OP apresenta como uma nova forma de organização social que contribua para romper com a cultura individualista que estrutura o neoliberalismo. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 116 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) constitui o principal meio de integração social, e é a partir dele que uma pessoa passa a contribuir no conjunto da acumulação do capital, produzindo mais-valia. DEMOCRACIA: COMPATÍVEL OU INCOMPATÍVEL NO CAPITALISMO? A democracia é analisada sob uma perspectiva histórica. Assim, ao buscarmos compreender o conceito de democracia, pensamos ser necessária uma análise da esfera política a partir das determinações econômicas das relações sociais de produção do capitalismo, levando em consideração que a constituição organizativa da política está diretamente relacionada com a base econômica que regulamenta a produção capitalista. Dessa forma, nossa proposta, para além de tentar entender o conceito de democracia, procurará entender como historicamente se desenvolveu a democracia como forma de Estado e como regime político. Trabalharemos com entrevistas concedidas pelo Coordenador do Orçamento Participativo, representantes do governo municipal e MCP, que servirão como subsídios para o entendimento dos processos democráticos, e até que ponto o conceito de democracia se articula com a prática política da cidade Fortaleza/CE. Nossa proposta, para além de tentar entender o conceito de democracia, procurará entender como historicamente se desenvolveu a democracia como forma de Estado. Segundo Décio Saes, em qualquer tipo histórico de Estado (escravista, asiático, feudal, burguês), para que a democracia se materialize é preciso que um dado órgão, quando existente, intervenha de fato no processo de definição/execução da política de Estado. Isto é, não basta o Estado abrigar uma Assembleia, onde se reúnem todos os membros da classe exploradora ou os seus delegados, para que haja democracia. É necessário que a assembleia seja capaz de intervir efetivamente no processo decisório e, caso esteja reduzida ao desempenho de um papel decorativo, a forma assumida pelo Estado não é democrática. A partir das considerações acima, indicamos o ―mínimo denominador comum‖ que caracteriza, genericamente, a forma democrática de Estado, ou seja, o Estado democrático ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 117 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) pode variar tanto do grau de abrangência do órgão de representação direta da classe exploradora quanto o seu modo de intervir no processo de definição/execução da política de Estado. É importante ressaltar que a Assembleia pode conceder assento a todos os membros da classe exploradora (configurando-se, nesse caso, a existência de uma ―democracia direta da classe exploradora‖) ou limitar-se a abrigar alguns delegados ou representantes do conjunto da classe exploradora (a ―democracia da classe exploradora‖ assumindo, nesse caso, um caráter ―representativo‖). E pode intervir preponderantemente no início do processo de implementação da política de Estado (etapa formal do processo decisório, correntemente definida como etapa de ―criação da lei‖, ―legislativa‖) ou, ao contrário, intervir com a mesma eficácia na fase inicial e na fase terminal – ―executiva‖ – do processo de implementação da política de Estado (caso no qual a Assembleia age como um órgão ―legislativo – executivo‖, e não como um órgão meramente ―legislativo‖). Dessa forma, ressalto que, diante dos limites democráticos e do caráter de classe que representa o Estado, é necessário que se entenda como os processos democráticos se materializam nas disputas de políticas públicas. Embora a classe explorada tenha participação com seus representantes, a decisão final será sempre a favor da classe dominante. Como afirma Ellen Wood, toda prática humana que possa ser convertida em mercadoria deixa de ser acessível ao poder democrático. Mas desmercantilização, por definição, significa o final do capitalismo. Assim sendo, podemos perceber a incompatibilidade da democracia no capitalismo. O Estado precisa produzir toda uma visão de mundo, uma cultura, que garanta a sustentação e a legitimação das políticas para serem incorporadas, sejam em favor da classe explorada ou exploradora. Entende-se, dessa forma, que o capitalismo também transformou de outras formas a esfera política. A relação entre capital e trabalho pressupõe sujeitos livres para comprar e vender sua força de trabalho no mercado, isso reflete na definição de Estado para Thomas Smith como ―sociedade ou bem comum de uma multidão de homens livres reunidos e unidos por acordos comuns entre si‖, ou seja, a ascensão e formação do capitalismo foram marcadas pelo desligamento crescente dos indivíduos com a divisão social do trabalho, houve uma separação das obrigações e identidades costumeiras, corporativas, normativas e comunitárias. Portanto, pensar a ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 118 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) democracia tendo como fundamento a teoria marxista de Estado, isto é, uma coletividade composta em classes sociais contraditórias, preenche a função de assegurar a continuidade da dominação de classe, assim sendo, a democracia pode ser utilizada como mecanismo para indicar uma das formas que a organização pode assumir, bem como as condições gerais que a luta política pode assumir. Dessa forma, nos interessa relacionar a luta política com os o processo de construção do Orçamento Participativo na cidade de Fortaleza/CE. O IMPACTO DAS POLÍTICAS NEOLIBERAIS NA EXECUÇÃO E ELABORAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS MUNICIPAIS (O CASO FORTALEZA/CE) Desde os anos de 1980 a transição para o regime democrático foi acompanhada pelo desenvolvimento de novos valores e estratégias políticas que sustentam a renovação institucional no nível municipal. A Constituição de 1988 descentralizou a autoridade política, conferindo às administrações municipais recursos suficientes e independência política relativa para reestruturar o processo de produção de políticas públicas. Dessa forma, deu-se início a novos formatos institucionais em que a participação política se amplia através de perspectivas como descentralização da gestão pública, planejamento participativo, fortalecimento das esferas públicas locais, emergência e consolidação do espaço público. Daí a necessidade de entender os processos políticos na atualidade. Para Rosa Maria Marques, a Constituição de 1988 parece estar na ―contramão da história‖: enquanto nos países europeus se discute sobre o papel do Estado na economia, no campo social e na garantia dos direitos trabalhistas, no Brasil, pelo contrário, ampliava-se a ação do Estado no campo social. Mas, menos de dois anos foram suficientes para que as medidas neoliberais fossem adotadas – e exatamente pelo primeiro governo brasileiro eleito diretamente pela população brasileira. Assim sendo, uma ―ação efetivamente transformadora‖ no espaço urbano pressupõe discutir a cidade como um todo. Esse argumento é central em diversas críticas às experiências do OP. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 119 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) As práticas de participação popular, como as que constituem o caso ora em estudo, ficam apenas no debate e na deliberação de um pequeno percentual do Orçamento Público Municipal. Assim sendo, é importante entender os reflexos do local como totalidade da cidade capitalista, qual o significado e significante dos processos de participação na cidade de Fortaleza/CE, pois apontaremos pistas de como vem se materializando o processo de participação popular a partir de entrevistas concedidas pelo representante do governo municipal e pelo representante do Movimento dos Conselhos Populares (MCP). Assim podemos afirmar: Para o Coordenador do OP10, essa relação entre o Estado (gestão pública municipal) e sua articulação com os representantes eleitos para o conselho do Orçamento Participativo se materializa da seguinte forma: nem todo o Orçamento Público é debatido, pois, há uma articulação em três níveis: a) o eleitoral (apresentado durante o processo eleitoral no Programa de Governo - resultado do arco de aliança); b) política pública que se articula com o governo do Estado e governo Federal; c) demandas do Orçamento Participativo. Para o Coordenador, todo o Orçamento Público não deve ser debatido no OP. E sim a partir dos cruzamentos dos três níveis políticos, juntam-se as demandas do processo eleitoral com as políticas publicas estaduais e nacionais e as demandas do OP, o Orçamento da cidade deve refletir os diversos espaços das Conferências11 que têm a participação dos representantes da população. Daí a Secretária de Planejamento, ao planejar o Orçamento Público, deve cruzar estas demandas (do OP) com as demais que já estão comprometidas, e só depois desta articulação sai o que é destinado às demandas do OP, o que hoje corresponde a 500.000.000,00(quinhentos milhões) do Orçamento Público. O depoimento do Coordenador do OP ilustra bem as contradições do Estado com as demandas do processo de participação popular, ou seja, apenas uma pequena parcela do Orçamento Público é destinada, durante o planejamento, ao que foi debatido pela população. Analisando a entrevista acima, a partir do conceito de Estado de Nicos Poulantzas, em que, para este autor, o Estado era: coerção e arrecadação, em nossa abordagem teórica, o conceito utilizado de Estado se deu em 10 Coordenador da Comissão de Participação Popular (período 2009 aos dias atuais) Órgão ligado ao Gabinete da Prefeita - Administração do PT - Prefeitura Municipal de Fortaleza. Entrevista concedida em 15 de Janeiro de 2011. 11 Conferências: Municipal, Estadual e Federal. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 120 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) seu sentido ampliado, isto é, o Estado é coerção, arrecadação, assistência e planejamento. Dessa forma, podemos perceber que na disputa real dos recursos públicos por parte dos representantes do Orçamento Participativo e movimentos sociais, estes ficam apenas com pequena parcela que, a priori, foi submetida e planejada pelo governo como quantia disponível para as disputas das demandas do OP. Assim sendo, a disputa do poder político favorece as classes dominantes, já que não há uma disputa real de interesses antagônicos de classe nos espaços das assembleias do Orçamento Participativo. A participação se resume muitas vezes às classes populares exploradas. A classe dominante já tem seus interesses garantidos pelo Estado, afinal, segundo Décio Saes, o regime político são as condições sob as quais, num tipo particular de Estado e dentro dos limites estabelecidos pela forma de que este se reveste, se desenvolve a ação da classe dominante, com vistas a participar, juntamente com os funcionários estatais, do processo de ―implementação‖ da política de Estado. Daí a disputa dos recursos do Orçamento Participativo fica para as comunidades dominadas e exploradas na sociedade capitalista, já que a classe dominante já tem seus interesses e políticas garantidas pelo Estado. Já para Igor Moreira, do Movimento dos Conselhos Populares 12, a ideia e a mobilização inicial para a criação do MCP nasceu no bojo da campanha de 2004 13 (até antes se considerarmos a primeira tentativa em 2000). Consideramos, afirma Igor Moreira, que o processo fundamental para fazer viver o movimento foram as Assembleias Populares nos bairros (por volta de 80), regionais (6), e a Assembleia Popular da Cidade (com 3000 pessoas) em abril de 2005 que consideramos o marco de fundação do MCP. Nestas Assembleias discutíamos a concepção dos Conselhos Populares e a construção de programas de reivindicações imediatas para mobilizarmos a população. Logo quando o OP iniciou já tínhamos um (ou vários) programa de reivindicações e tratamos o OP como um dos canais para realizá-lo. Por isso, no primeiro ano, participamos maciçamente do OP. Mas, paralelamente, desenvolvemos outras táticas que, com o tempo, foram assumindo a proeminência, até o quase abandono do OP pelo movimento. Consideramos importantes os 12 Movimento dos Conselhos Populares – Igor Moreira foi um dos animadores do processo de construção do movimento e que continua dirigente até os dias atuais. 13 Campanha que elegeu a Prefeita do PT – Luizianne Lins ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 121 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) mecanismos de participação popular, como plano diretor participativo, conselhos, co-gestão, OP. Participamos ativamente do PDP14, conseguimos conquistas. Porém, a não efetivação das demandas do OP e das conquistas do PDP nos impelem para a ação direta como manifestações e ocupações. Hoje, priorizamos a criação dos conselhos gestores das seis e os conselhos das cidades, dos quais participaremos certamente. Continuamos lutando pela realização de demandas aprovadas no OP de que eventualmente algum conselho popular participa. Não creio que o OP tenha potencial organizador da classe trabalhadora, pois não consegue se constituir como organismo da mesma, suas instâncias estão mais para conselhos de política pública. O processo de educação obviamente é dialético, o OP tem esse potencial, mas como se deu em Fortaleza serviu muito para legitimar lideranças individualistas, às vezes, até contra os movimentos organizados nos bairros; neste sentido, foi obviamente deseducador, até pelo perfil destas lideranças. Por outro lado, a participação ativa da população para ver realizadas suas demandas é importante, desde quando as demandas aprovadas sejam de fato “implementadas”. Há também uma questão importante que é a clareza do método. Sem dúvida alguma, o OP possui um caráter democratizante na relação Estado e sociedade. No caso de Fortaleza, a disputa com o clientelismo político fragilizou o OP, seja pelo esvaziamento deste, seja pela captura do mesmo. Porém, não resta dúvida que, integrado com outros mecanismos de gestão participativa do orçamento público, pode ser um instrumento de disputa dos recursos públicos. Quanto à nova cultura política, entendemos que só o Poder Popular pode ser um marco de nascimento desta, presenciamos isto nesta nova geração de militantes populares que o MCP vem gerando. O OP só pode contribuir com isto na medida em que a gestão tenha uma concepção estratégica para fortalecer a construção do Poder Popular; quando não tem, as instâncias do OP e aqueles que as constroem acabam antagonizando com as instâncias do Poder Popular e seus militantes. Portanto, no depoimento de Igor Moreira, percebem-se as contradições na relação dos movimentos sociais com o Estado. Como afirma Ellen Wood , o capitalismo também transformou outras formas da esfera política, ou seja, com o desenvolvimento do capitalismo, 14 Plano Diretor Participativo – aprovado em 2009. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 122 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) há um deslocamento das políticas de Estado que tem uma conexão direta com os interesses do capital. Pensar nos processos participativos da cidade de Fortaleza/CE, a partir de uma gestão pública, é uma tentativa de apontar como o PT vem ao longo dos anos passando por um processo de ―transformismo molecular‖15 , e, ao mesmo tempo, demonstrar como vem se consolidando, com o avanço das políticas neoliberais, a prática política de ―implementação‖ das demandas populares, como demonstra Igor Moreira na entrevista quando afirma: “(…) a participação ativa da população para ver realizado suas demandas são importantes, desde quando as demandas aprovadas sejam de fato 'implementadas'. A crítica feita por Igor somava a necessidade de comprometimento com a realização do que era decidido no OP, assim como a cultura política que ainda permanece fortemente permeada por práticas clientelistas. Parte-se do princípio da cultura política local existente que esteve estruturada nas práticas de troca de favores, dessa forma, percebe-se que mesmo com a mudança da administração municipal, não há uma mudança das estruturas administrativas, e nem das relações entre os representantes do governo com as lideranças que se formaram na cultura clientelista. Outro elemento presente na entrevista é a questão do potencial do OP como mecanismo de organização da classe trabalhadora, e elevação do nível de consciência. Gramsci figura como um dos autores marxistas que mais destacou o papel da formação política na constituição dessa massa revolucionária. Expressão eloquente da tradição marxista, ele ocupou-se ao longo de sua vida da análise das relações entre as condições objetivas do modo de produção capitalista e a organização cultural que movimenta o mundo ideológico, objetivando apreender as determinações histórico-sociais a serem consideradas na preparação da revolução proletária. Assim sendo, fica evidente que os processos de participação popular, ao invés de gerarem espaços organizativos das classes populares, vêm gerando e fortalecendo a cultura individualista, ou seja, a cultura que ideologicamente estrutura e dá sustentação à lógica neoliberal. Numa outra direção, para Gramsci, a ―cultura‖ é algo bem diverso: é organização, disciplina do próprio eu interior, apropriação da própria personalidade, conquista 15 Para Gramsci ―transformismo molecular se realiza quando as personalidades políticas elaboradas pelos partidos democráticos de oposição se incorporam individualmente à ‗classe política‘ conservadora e moderada (caracterizada pela hostilidade a toda intervenção das massas populares na vida estatal, a toda reforma orgânica que substituísse o rígido ‗domínio‘ ditatorial por uma ‗hegemonia‘)‖. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 123 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) de consciência superior. E como nossa análise trata de uma abordagem teórica que se estrutura no materialismo histórico, os processos democráticos devem ser compostos por uma coletividade, em classes sociais contraditórias, ao contrário do modo como vêm se estruturando as práticas participativas na cidade de Fortaleza/CE, que têm contribuído para preencher a função de assegurar a continuidade da dominação de classe. Assim sendo, a democracia pode ser utilizada como mecanismo para indicar uma das formas que a organização pode assumir, bem como as condições gerais que a luta política pode assumir, ou seja, a participação fica muitas vezes restrita às classes populares que fazem a disputa entre si de uma pequena parcela do orçamento público que é direcionada ao OP, já que as classes dominantes já têm seus interesses garantidos pelo Estado. CONCLUSÃO Para concluir o artigo, levamos em consideração a articulação teórica com a prática política de organização das cidades a partir da dinâmica do capital. Assim sendo, procuramos apontar pistas do processo de construção da democracia participativa na cidade de Fortaleza/CE. Assim sendo, com este artigo, podemos delinear algumas pistas para entender o processo de participação popular na cidade de Fortaleza/CE, a não ―implementação‖ das demandas debatidas e aprovadas no OP, um dos elementos que vêm gerando o esvaziamento dos espaços do OP e o afastamento do Movimento dos Conselhos Populares. Outro elemento presente são as práticas da cultura política clientelista ainda presente na cultura política brasileira, e que vem se reproduzindo nos espaços de participação popular. Assim, podemos concluir apontando que o OP não vem contribuindo com a elevação do nível de consciência da classe trabalhadora. Outro elemento a considerar é a ausência de uma articulação dos mecanismos de participação com o local de trabalho, como processo de gerar uma cultura organizativa, assim sendo, é preciso questionar até que ponto o OP tem ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 124 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) potencial para mudança de comportamento político. O objetivo explicito, então, é mostrar que os processos democráticos devem ser compostos por uma coletividade, em classes sociais contraditórias, dentro do debate dos conflitos sociais e do desvelamento do caráter de classe do Estado, que preenche a função de assegurar a continuidade da dominação de classe. Dessa forma, a democracia pode ser utilizada como mecanismo para indicar uma das formas que a organização pode assumir, bem como as condições gerais que a luta política pode assumir. Ou seja, no caso de Fortaleza/CE, a participação fica muitas vezes restrita às classes populares que disputam entre si o percentual que a elas foi destinado pelo planejamento do governo municipal. Desse modo, não há uma disputa real do poder econômico e político, capaz de apontar para uma nova cultura política que rompa com o individualismo crescente alimentado pelo neoliberalismo. BIBLIOGRAFIA AVRITZER, Leonardo, WAMPLER, Brian. Públicos participativos: sociedade civil e novas instituições no Brasil Democrático In: Vera Schattan P. Coelho e Marcos Nobre (organizadores) – São Paulo: Ed. 34 Ltda; São Paulo /SP: 2004. ENGELS, Friedrich, A situação da classe trabalhadora em Inglaterra. Tradução: Anália C. Torres – Porto – Edições Afrontamentos: 1975.GRAMSCI, Antonio, Vol.1/ Antonio Gramsci; organização e tradução Carlos Nelson Coutinho – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004. LEFEBVRE, Henri; tradução de Maria Helena Rauta Ramos e Marilena Jamur. A cidade do capital. Rio de Janeiro: DP&A editora, 2001. MARQUES, Rosa Maria e FERREIRA, Mariana Ribeiro Jansen (Org). O Brasil sob a Nova Ordem – A economia brasileira contemporânea – uma analise dos governos Collor a Lula. São Paulo: Editora Saraiva: 2010. MARX, Karl. Contribuição à Crítica da Economia Política. São Paulo: Martins Fontes, 2002 (Prefácio e Introdução). ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 125 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) POULANTZAS, Nicos. O Estado, o poder, o socialismo. 4 ed. Rio de Janeiro: Graal. 2000. SAES, Décio. Estado e Democracia: Ensaios Teóricos. São Paulo: 2.edição UNICAMP, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas: 1998. SAES, Décio. Democracia. São Paulo: Editora Ática S.A: 1993.WOOD, Ellen Meiksins; tradução Paulo Cezar Castanheira. DEMOCRACIA CONTRA O CAPITALISMO – a renovação do materialismo histórico. São Paulo: Boitempo Editorial: 2003. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 126 SESSÃO 02 Trabalho, Saúde e Precariedade MECANISMOS DE CONTROLE EM CALLCENTERS: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E SUA RELAÇÃO COM A SUBJETIVIDADE DOS ATENDENTES DE CENTRAIS DE ATENDIMENTO; BRUNING, C.; SCHMITT RAGNINI, E. C.; Curso de Psicologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR) [email protected] INTRODUÇÃO Este artigo apresenta resultados e discussão de um estudo de caso em profundidade sobre as principais formas de controle presentes em uma central de atendimento telefônico de um banco nacional e sua relação com a subjetividade dos trabalhadores desta central. As relações de trabalho no âmbito da organização pesquisada se dão num processo produtivo demarcado pela precarização do trabalho decorrente da adoção de um modelo de gestão da produção ―toyotista‖, modelo que, ainda que desenvolvido na indústria, se encontra aqui sendo aplicado a uma organização prestadora de serviços. Este sistema de gestão da produção privilegia um sistema de trabalho que enaltece a gestão pela subjetividade, ou seja, que busca um trabalhador flexível, adaptável, comprometido com a empresa, que saiba trabalhar em equipe, que atenda às exigências de eficiência e eficácia e que se comporte de acordo com as regras da empresa. Fundamenta-se a discussão na Economia Política do Poder, que subsidia a análise das tecnologias de gestão e controle e das relações de trabalho estabelecidas na organização pesquisada. Entende-se que a vivência do sofrimento psíquico dos trabalhadores REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) tem relação com a dinâmica dos processos de controle e as relações sociais estabelecidas no contexto de trabalho e na vida. Para fins deste estudo, entende-se que o poder nas organizações, ou seja, a condição de determinados grupos presentes nas organizações fazerem valer seus interesses, apoia-se e se reforça no exercício da dominação e a partir de práticas autoritárias e disciplinares. Estas práticas têm por objetivo controlar o trabalhador em prol da eficácia e eficiência da organização, bem como garantir que a relação de dominação se perpetue. Estas práticas se expressam pelo uso de mecanismos como a influência, a identificação, a normatização, a vigilância, o controle do tempo, do espaço, do comportamento dos indivíduos, da coerção, entre outros. Entende-se o controle organizacional como uma estratégia de gestão organizacional que busca novas formas de expansão do capital através de aspectos tanto manifestos quanto ocultos no âmbito das relações de poder. Entende-se que a ideologia capitalista, desde o taylorismo e a organização científica do trabalho, tem por base o desenvolvimento de mecanismos de controle tanto do processo como das relações de trabalho. Estes mecanismos são utilizados pelos gestores e podem ser de cunho físico, psicológico, diretos e/ou sutis e se caracterizam por mecanismos de gestão, bem como e principalmente por mecanismos de poder. O controle é entendido como uma forma de instrumentalizar a gestão do processo de trabalho, traduzindo-se em vigilância constante tanto do processo de trabalho quanto do trabalhador, vigiando e disciplinando seus gestos, posturas, lugar, visando à máxima utilidade do tempo e o adestramento de seu corpo e emoções. Entende-se que o poder disciplinar se baseia em quatro principais mecanismos característicos que exercem controle sobre os indivíduos e seus corpos, sendo eles: a distribuição dos corpos no espaço, o controle do tempo, a vigilância constante e o registro contínuo. Um dos mecanismos através dos quais age o poder disciplinar em ordem de produzir corpos dóceis, produtivos e submissos é a distribuição das pessoas no espaço, colocando seus corpos em espaços individualizados, classificando-os e combinando-os, isolando o indivíduo em um lugar esquadrinhado, fechado e hierarquizado. Outra forma que a ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 129 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) disciplina assume é o controle do tempo, que estabelece uma relação de sujeição do corpo ao tempo, para que a produção ocorra da maneira mais rápida e eficaz possível. Neste controle o que importa é o desempenho da ação, sendo que a disciplina age sobre o corpo através da elaboração do ato e do gesto, temporalmente. O terceiro exercício do poder disciplinar encontra-se na prática da vigilância, que inclui ainda a sanção normalizadora e o exame. A vigilância, quando exaustiva, indiscreta, ilimitada e anônima, passa a ser percebida pelos vigiados, que, ao pensarem-se constantemente vigiados, acabam vigiando o próprio comportamento (auto-vigilância) e o dos demais. A sanção normalizadora acompanha a vigilância e age punindo e premiando os desvios e os acertos dos indivíduos, de maneira indiscreta, para que seja visível por todos e, portanto também disciplinar. Já o exame é a forma de periodicamente avaliar e analisar os indivíduos, fornecendo maiores informações sobre eles para o exercício do poder. Entende-se que quarta característica do poder disciplinar corresponde ao registro contínuo, pois a vigilância permite a produção de saberes sobre as pessoas vigiadas e essas informações devem ser continuamente registradas. Essa característica permite que, ao mesmo tempo que o poder disciplinar se exerça, ele produza saber a respeito de suas vítimas. Utiliza-se a classificação que divide em três níveis interdependentes o controle nas organizações, sendo eles: nível econômico; político-ideológico, e; psicossocial. O nível econômico como o que diz respeito às relações de produção e processo do trabalho quanto à posse e propriedade dos meios de produção, sendo a base de todo o sistema capitalista a separação entre comprador e vendedor da força de trabalho. Já o controle de nível político- ideológico relaciona-se com a superestrutura construída a partir das relações de produção, referindo-se à institucionalização, às normas e ideologias que legitimam a ação organizacional. O controle de nível psicossocial refere-se às relações entre os indivíduos, seja em instância individual ou grupal. O controle psicossocial é dividido em 7 categorias: físico; normativo; finalístico; político; simbólico-imaginário; por vínculos, e; por sedução monopolista. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 130 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) O controle físico teria como fundamento o domínio do corpo do indivíduo, agindo através da violência, da exploração de concessões e de impedimentos, de permissões e de proibições, pela definição de espaços, de movimentos, da delimitação de tempo e da natureza do trabalho. A expressão deste controle pode ser encontrada na vigilância, nas normas e formas de relacionamento social estabelecido pelas organizações. Como exemplos deste tipo de controle, tem-se: como se vestir, como se portar, qual o local e horário de trabalho, entre outros, que encontrem correspondência com a dominação sobre o corpo do indivíduo. O controle normativo diz respeito às regras, normas e regulamentações, explícitas ou implícitas que regulam o funcionamento e a ordem da organização, sendo o que define os procedimentos burocráticos, com suas atribuições de autoridade e responsabilidade, como as convenções que geram obediência e aceitação por imposição de natureza moral ou defensiva. Já o controle finalístico pode ser também entendido como controle por resultados, atua verificando e garantindo a realização da finalidade a que se propõe a organização. Baseia-se em sentimentos de cumplicidade e compromisso com a organização. Esse controle, na prática, se dá a partir do estabelecimento de objetivos e metas a serem cumpridos. O controle compartilhado ou participativo refere-se à construção e manutenção de convicções de envolvimento do indivíduo no processo decisório. O controle simbólico-imaginário diz respeito à adesão imaginária, através de um modelo de referências legitimado, utiliza-se de formas de competição interna, crenças, adesão por reconhecimento e prestígio, discurso conciliador, símbolos de sucesso e fracasso, entre outros. O controle por vínculos remete à concepção de um projeto social comum, a partir de contratos formais e psicológicos estabelecidos entre indivíduo e organização, baseia-se em interesse e necessidades de amor, ternura, libido, identificação subjetiva ou inconsciente, confiança na organização e transferências egóicas. Já o controle por sedução monopolista caracteriza-se pela unificação do discurso, que exclui a vontade e o discurso singular dos indivíduos e os torna apáticos. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 131 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) METODOLOGIA A metodologia utilizada é o estudo de caso de abordagem qualitativa. Foram utilizadas como técnicas de coleta de dados: observação, entrevistas e análise documental. Para a análise dos dados empregou-se a técnica de análise de conteúdo. Foram realizadas 17 entrevistas semi-estruturadas e não estruturadas, sendo que a escolha dos entrevistados deu-se pela disponibilidade que tiveram em ceder uma entrevista durante seu período de trabalho. Durante 5 meses foram realizadas visitas diárias à organização com o objetivo de observar as práticas organizacionais, a dinâmica dos indivíduos e dos grupos no local de trabalho, bem como realizar conversas informais com os atendentes e supervisores do callcenter. RESULTADOS Quanto ao controle do espaço, percebe-se na central de atendimento telefônico da organização estudada, que o espaço de cada atendente é delimitado pela organização, sendo que ele fica fixo à sua posição de atendimento (PA), até porque utiliza um fone de ouvido com fio ligado fisicamente à sua mesa, o que impede sua mobilidade. Esse controle permite que cada atendente seja facilmente identificado e localizado. Entende-se que, primeiramente, toda organização espacial estrutura mais ou menos diretamente e fortemente as comunicações, além de constituir-se como um mensageiro sobre a sociedade que a ocupa, seus valores e ideologia. A central de atendimento tem uma distribuição espacial que segue um modelo de escritório aberto. Tem-se uma grande sala onde se encontram ―ilhas de PA´s‖. PA´s são os postos de atendimento, nos quais se encontra cada atendente. A central de atendimento analisada possui várias ―ilhas‖, entre as ilhas de PA‘s existem corredores pelos quais as pessoas circulam. No caso da central de atendimento ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 132 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) estudada, apresenta-se ao fundo da sala onde ficam as ilhas de PA‘s, três salas com paredes envidraçadas, onde acontecem reuniões de monitoria, que serão discutidas adiante. O modelo de escritório aberto permite que os atendentes na central de atendimento estudada conversem livremente entre os colegas que se encontram próximos, e dificulta a comunicação com os demais, visto que estes estão fora do alcance do indivíduo, que, como visto, tem sua mobilidade reduzida. Cada ilha de PAs compreende uma equipe, cada equipe tem um correspondente gerente, a organização espacial garante que os atendentes consigam comunicar-se livremente, no entanto, somente com outros membros de sua equipe. Além disso, pela posição espacial em que se encontra o gerente, este sempre está apto a supervisionar e vigiar estas conversas. Essa estratégia garante o controle da palavra vigiada. Entende-se que a organização teme a palavra criadora, mas tem necessidade desta, pois a supressão total da palavra criadora leva à inércia. Assim, a palavra criadora e espontânea é permitida, porém de maneira vigiada, espreitando o discurso dos indivíduos, que enquanto for proveitoso será mantido e reforçado, mas a parir do momento em que for contraditório à organização será reprimida e anulada. Além disso, a palavra espontânea e informal, enquanto não contraditória aos objetivos e ideologia organizacional, é permitida, pois serve aos indivíduos de maneira que podem realizar algumas de suas necessidades e desejos sem que sejam prejudiciais à organização, pelo contrário, quanto mais o indivíduo encontrar satisfação dentro de uma organização, mais dependerá dela, e, portanto, submeterse-á com menor resistência. À organização interessa fundamentalmente as capacidades cognitivas e operatórias dos indivíduos, que são as necessárias à realização das atividades. Já os aspectos emocionais e afetivos dos sujeitos são tidos por ela somente como marginais. Disso surgiria o que se entende na psicanálise como a angústia de desmembramento, que é uma fonte de insatisfação e sofrimento para o trabalhador. Apresenta-se assim que a incongruência entre as necessidades de uma personalidade madura e as exigências da organização. O ser humano sadio deseja a satisfação de algumas necessidades, tais como autoexpressão, espontaneidade, criatividade, autonomia, reconhecimento, integridade do ego e ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 133 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) dignidade do autoconceito, que não encontram expressão na organização, ao contrário, são reprimidas, gerando frustração e resistência nos trabalhadores. Partindo-se do embasamento de teorias que defendem que organização só vai considerar seu próprio desejo, proposto como ideal comum a todos, para o qual devem visar todas as ações individuais, entendendo-se que a organização vai tentar evitar frustrações motivando o indivíduo ao mesmo tempo em que oferece um sistema de legitimidade definido e sistematizado. A organização permite que parte dos afetos individuais encontre satisfação, colocando-se como lugar e condição para realizações do indivíduo. Assim o indivíduo tornase mais dependente e consequentemente submisso aos desígnios da organização, pois dela depende para satisfazer seus desejos e necessidades. A organização se apresenta em duas formas, uma formal, que é como foi planejada pelos seus criadores ou dirigentes, sendo reflexo das normas, mecanismos de controle, organograma, estatutos, políticas, entre outros, que formam os postulados sociais, psicológicos e administrativos, e outra forma informal que corresponde aos comportamentos não previstos nestes postulados que os indivíduos vão adotar. Se de um lado o sistema formal visa atingir os objetivos da organização, utilizar racionalmente seus insumos disponíveis e controlar os comportamentos dos indivíduos de modo a torná-los previsíveis, o sistema informal nasce justamente das reações dos indivíduos em relação a este sistema. O sistema informal baseia-se em relações informais que se tratam de relações recíprocas de troca baseada em necessidades, convivência e afinidades. Podem surgir tanto visando novas formas de atingir os objetivos organizacionais que não se encontram previstos, como também servindo como meio de o indivíduo conseguir realizar algumas de suas necessidades não comportadas pelo sistema formal. Assim, no caso da central de atendimento telefônico estudada, percebe-se que o sistema informal é permitido e inclusive reforçado, a partir de festas, gincanas e convivências propostas pela organização. A partir do relato de atendentes percebe-se que um dos fatores de satisfação que encontram na organização é justamente este convívio amigável com os colegas proporcionado por estes mecanismos de controle. Das dezessete entrevistas realizadas, em quatorze foi citado como o ponto mais positivo em se trabalhar na organização a convivência ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 134 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) com os colegas. Analisando-se a organização espacial da central de atendimento pesquisada, percebe-se que ela permite que essa vinculação entre os colegas aconteça, além disso, o fato de estar ainda em implantação faz com que o número de ligações recebidas seja bastante reduzido, o que acarreta um tempo ocioso muito grande para os atendentes ao aguardar a próxima ligação. Este tempo é gasto ―conversando com os colegas‖, ―brincando e contando piadas‖ e ―compartilhando experiências‖, o que tem dupla função, assim como serve de meio de satisfação para os indivíduos, e de mecanismo de defesa contra o tédio, serve também à organização, que se coloca como um lugar de satisfação para os indivíduos. O sistema informal também surge visando novas formas de atingir os objetivos organizacionais que não se encontram previstos. As teorias que embasam esta investigação entendem que os trabalhadores ultrapassam os postulados do sistema formal a fim de alcançarem objetivos da própria organização. Na central de atendimento pesquisada percebe-se que este aspecto do sistema informal encontra-se presente. Nas entrevistas realizadas com frequência foi citado o fato de que o ―sistema é burro‖ e que se os funcionários se mantivessem presos ao que lhes é determinado, ―nenhum trabalho seria realizado‖. Esse fato é exemplificado nas palavras de uma atendente: ―Temos como norma, quando tivermos alguma dúvida ao atender um cliente, consultar nosso supervisor através do telefone, para que a consulta fique gravada, no entanto, os gerentes nunca estão em seus lugares e nunca atendem ao telefone, pois sempre estão andando pela central, o que fazemos então é levantar a mão e esperar que algum gerente esteja por perto e veja, para que venha nos ajudar, geralmente eles demoram e como tem um cliente do outro lado do telefone esperando ser respondido, acabamos perguntando para qualquer pessoa que esteja por perto, sempre tem algum atendente que sabe responder o que você está perguntando, mas como isso não fica gravado assumimos a responsabilidade de estar passando uma informação que pode não ser correta, às vezes até mesmo os gerentes passam informações incorretas, mas como falaram vindo até a gente e não pelo telefone isso não fica gravado e então não tem como provar que o erro não foi seu‖. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 135 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) O que a entrevista mostra é que burlando o sistema formal e assumindo para si um risco, os atendentes agem informalmente para realizar uma atividade que condiz com os objetivos da organização, ou seja, ele burla o sistema formal para cumprir um objetivo do sistema formal e prestar o serviço, que é atender ao cliente. Percebe-se também que a organização espacial tem papel fundamental na manutenção dessas ações informais, pois é a facilidade de acesso ao colega que permite que o atendente tire suas dúvidas com outros atendentes e não com seu gerente, como prescreve a norma. Além disso, a maneira como o espaço está organizado permite que o atendente levante e veja que o gerente não está onde deveria para auxiliá-lo. O controle do tempo na organização pesquisada reflete-se em vários mecanismos que envolvem controle físico, normativo e finalístico. Conforme teoria que embasa esta investigação, entende-se que o controle do tempo estabelece uma sujeição do corpo ao tempo para que se produza com o máximo de eficácia e rapidez, o que interessa é o desenvolvimento da ação. Sua função principal é de estabelecer os ciclos de repetição, e garantir a qualidade do tempo trabalhado, por isso se cerca de mecanismos que visam vigilância ininterrupta e elaboração temporal do ato. Na central de atendimento estudada, tem-se o controle quase total do tempo do indivíduo enquanto ele permanece na organização. A hora de entrada e saída, os horários para lanche e pausas de descanso são determinados pela organização. Os atendentes são controlados por um programa denominado TTV. Este programa contém a agenda diária e semanal de cada um, e deve ser consultadas todos os dias. Nela o atendente verifica os horários em que fará pausas no decorrer de seu trabalho. Com isso, percebe-se que decisões sobre a utilização do próprio tempo são retiradas do trabalhador, a organização passa a decidir por ele que horário deverá trabalhar, comer, descansar, falar com seu gerente, entre outros. O embasamento teórico no qual repousa esta análise defende que a organização, sendo recalcadora, retira do indivíduo seu poder de decisão. Neste caso, o indivíduo é separado de seu poder de decidir sobre seu próprio tempo. O controle do tempo na central de atendimento é justificado como uma necessidade do sistema, pois é ele quem automaticamente verifica, através de médias anteriores, quais os horários em que os ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 136 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) atendentes de cada equipe devem permanecer conectados em ordem de atender a demanda de ligações prevista para aquele horário. Ou o indivíduo aceita o controle legitimado por essa necessidade, ou tenta agir conforme suas necessidades, caso em que será repreendido pelo seu gerente, já que este será informado através do sistema. Aqui se percebe o caráter recalcante e repressivo da organização. A tentativa de recalcar e legitimar a ação organizacional através da aceitação da natureza das coisas mostra-se presente. Porém, quando não é eficaz, a organização passa a ser repressiva e pune os que não se submetem com advertências, ameaças e finalmente com a exclusão da organização. Nas entrevistas realizadas percebe-se que a maioria dos entrevistados, quinze de um total de dezessete, estão insatisfeitos com o controle sobre seu tempo de trabalho, acreditam que o controle é exagerado e sem sentido, sentem-se ―tratados como crianças‖ e diminuídos em sua autonomia. No entanto, ao responderem sobre o porquê aceitam este controle apesar da insatisfação, todos afirmam ser por medo de serem excluídos da organização. Dez, dos dezessete entrevistados responderam que têm planos maiores na organização, pretensão de serem promovidos e direcionar-se para suas áreas de interesse, e, portanto suportam a situação ainda que insatisfatória por acreditarem ―ser um começo‖. Além disso, nove das entrevistas relatavam a necessidade financeira do emprego e o medo de perder a estabilidade que ele proporciona. Pesquisas anteriores demonstram que o medo do mercado de trabalho é um sentimento que vincula e mantém um forte elo entre o indivíduo e a empresa, já que ele teme o que pode acontecer no mercado, frente às dificuldades e à escassez de trabalho. Entende-se, que a partir da possibilidade de satisfação de necessidades e desejos, o indivíduo se submete à organização e à alienação que ela provoca ao tomar dele o controle sobre sua mobilidade e seu tempo, durante o período em que permanece sob seu domínio. Quanto ao controle da ação tem-se que, o controle minucioso das operações do corpo se dá através da elaboração temporal do ato, correlacionando o ato ao corpo que o produz, e articulando o corpo ao objeto manipulado por ele. Tem-se assim a articulação do controle do espaço, do tempo e do movimento atuando sobre o controle da ação, que corresponde à natureza do trabalho designada pela organização. Parte-se da teoria que baseia ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 137 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) esta pesquisa para perceber aqui a definição de um esquema anatomocronológico do comportamento, de modo que a ação é decomposta em seus elementos mais simples, sendo definida a posição do corpo, inclusive dos membros, das articulações, dirigindo cada movimento do trabalhador, assim o controle visa transformar o movimento, a ação, de maneira a torná-la mais eficaz, e previsível, possível. Na central de atendimento estudada, percebem-se vários mecanismos de controle agindo neste sentido. Desde a obrigatoriedade da utilização de saudações iniciais e final pré-determinadas nas ligações, bem como a utilização de scripts para os atendimentos, as metas em relação ao tempo médio de atendimento, e as monitorias que são realizadas visam controlar a ação de maneira minuciosa, as ligações são monitoradas e os atendentes ganham ou perdem pontos conforme sua atuação nas ligações partindo do esquema acima apresentado que deve ser seguido. Essa decomposição minuciosa do ato, que envolve a utilização de scripts coloca palavras na boca do atendente, privando-o de tomar decisões sobre a forma de desenvolver seu trabalho. Assim o controle subtrai do trabalhador suas iniciativas e decisões sobre a forma (como) e a quantidade (quanto), de tempo, por exemplo, necessários ao seu trabalho, impondo apenas a opção de trabalhar ou não sob estas condições. Pesquisas anteriores escrevem que o uso de scripts pode ser considerado técnica mecanicista e reducionista de controle. Definem script como uma estrutura esquematizada de eventos que descreve uma sequência de atividades apropriadas para uma dada situação, e que teria a função de ser uma representação mental de uma interação durante o desempenho de um serviço, incluindo comportamentos esperados para o consumidor e para o atendente. Pode-se considerar que os scripts teriam função de apontar os desempenhos esperados em cada evento e as ações indicadas para expressá-los. Dessa maneira, o uso de scripts inibe a criatividade e a espontaneidade, já que propõe um modelo fechado e direcionado. Além disso, a situação de atendimento possui outros fatores como pressão, limites de tempo e certeza de vigilância e monitoria, que também inibem a atuação espontânea do indivíduo. Pode-se perceber na fala de uma das atendentes entrevistadas como a situação do controle da ação influencia seu comportamento e são fonte de insatisfação: ―Não consigo ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 138 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) falar tudo igualzinho está no script, mas tento me manter dentro da ideia que ele passa apesar de não usar exatamente as mesmas palavras. O fato de saber que posso estar sendo monitorada me faz sentir presa, fico com receio de falar algo errado ou indevido. Apesar de saber a maioria das informações que os clientes pedem, sempre procuro no sistema e digo conforme está escrito, para ter certeza. Isso é ruim, pois me preocupo mais em me livrar logo do cliente para evitar de cometer algum erro do que em ajudá-lo. Às vezes quando o cliente quer alguma coisa que não podemos fazer pela central, informo que é para ele procurar sua gerente na agência, conforme diz o script, apesar de saber de alternativas que poderia tomar para resolver seu problema. Ter um roteiro e ser monitorado faz com que a gente se sinta preso, sem isso meu atendimento seria muito melhor‖. Outro relato, no entanto, afirma como ter um roteiro pode ajudar: ―O script ajuda, quando não sei direito o que o cliente quer, é só seguir o roteiro que dá certo, o ruim é a obrigatoriedade de falar conforme um script, às vezes temos soluções melhores, mas não podemos usá-las, o ruim é ter que se restringir ao script, se ele for usado só como modelo, ou um guia, ajuda‖. O controle da palavra e da ação é também fonte de insatisfação, como se percebe no trecho de entrevista relatado abaixo: ―O pior do trabalho na central de atendimento é que a gente fica limitado ao que já está determinado, por exemplo, temos que atender de uma maneira cordial, chamar sempre de senhor, e dizer só o que estiver escrito no portal (sistema de informações), não podemos criar nem acrescentar nada, ás vezes atendo clientes de 18, 19 anos e tenho que chamar de senhor, é ridículo, mas chamo, porque se não chamar perco pontos na monitoria‖. Neste relato percebe-se a insatisfação do atendente em não poder exercer sua espontaneidade e bom senso, em não poder tratar um cliente mais novo por outro pronome que não ‗senhor‘. Além disso, percebe-se sua frustração em relação ao caráter repetitivo do trabalho, que não permite que ele participe com seu conhecimento, percepção e subjetividade na realização da atividade que ele mesmo desempenha. O que vai de encontro ao pensamento postulado em teoria que embasa esta investigação que defende a incongruência entre as necessidades de uma personalidade saudável e as exigências organizacionais. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 139 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) O que a utilização de scripts e a monitoria revelam é um controle no qual literalmente a organização coloca palavras na boca do indivíduo, ou seja, o indivíduo é falado pela organização, é abstido de sua própria palavra, experiência, conhecimentos, poder de decisão, espontaneidade e subjetividade enquanto relaciona-se com terceiros (clientes), como representante da organização. Ocorre que, enquanto atendente, o indivíduo é para a organização o seu representante e por isso só pode atuar da maneira como esta lhe permite. No entanto, para o cliente, o atendente não é a organização, é uma pessoa, e é tratado por ele como tal, assim torna-se relevante tratar sobre a relação cliente-atendente na central de atendimento. O atendente, na relação com um cliente, não deixa de ser uma pessoa integral, com sua subjetividade e personalidade, atuando na relação, no entanto, deve abster-se de sua subjetividade a assumir a objetividade e racionalidade da organização transcrita por seus scripts. Assim, ainda que o indivíduo sofra constrangimentos em nome da organização, ele não pode defender-se senão pelo discurso da mesma, para isso existem até mesmo scripts para situações adversas, como no caso de ser ofendido por um cliente, ou receber dele uma ―cantada‖. Através de relatos e observações é possível destacar que com frequência os clientes, quando insatisfeitos com a organização, projetam sua insatisfação no funcionário que lhe presta atendimento, situação que se mostra como fonte de frustração, pois o atendente recebe a agressividade dos clientes que é dirigida à organização, mas projetadas nele por ser ele seu representante naquele momento. Conforme ao denominado ―espedaçamento das imagens relacionais‖, termo utilizado pela teoria psicanalítica, pode-se indagar se o cliente também não faz parte dos outros através dos quais o indivíduo vai reconhecer-se na organização, e a partir dos quais vai espelhar sua auto-imagem. Assim, pode-se supor que o controle da palavra é gerador de sofrimento, pois possibilita sentimento de angústia de desmembramento por contradição de imagens relacionais, além de ir contra necessidades essenciais do indivíduo, como a integridade do ego e a dignidade do autoconceito. Percebe-se que o controle da ação, através da utilização de scripts, que a decompõe e delimita, e através da monitoria, que assume o papel da vigilância, são fonte de sofrimento e castração para o indivíduo, assim, de forma a serem aceitos com menor resistência, são legitimados através do ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 140 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) discurso da necessidade de segurança. Neste discurso tem-se que a organização precisa se certificar de que nenhum atendente está fraudando operações ou dando informações erradas que poderiam trazer muito prejuízo. Disso decorreria a necessidade de manter a palavra sob as rédeas da organização, tanto através dos scripts quanto através da vigilância, que tem papel principalmente preventivo e de controle. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os resultados permitiram identificar, partindo-se de modelo de análise propostos por outras teorias de origem psicanalítica e da Economia Política do Poder, que as formas de controle mais presentes na central de atendimento envolvem controle físico, normativo e finalístico. Os outros tipos de controle psicossocial também se mostram presentes na organização, mas não de forma tão significativa. Foi possível perceber que o controle físico, o normativo e o finalístico envolvem muito mais imposições da organização do que tentativas de conquistar e envolver os indivíduos em participar de seus objetivos, característica marcante de mecanismos de controle mais sofisticados, principalmente presentes no modelo de gestão toyotista, e grandemente disseminado nas práticas de gestão atuais. O fato da central de atendimento estar em fase de implantação permite hipotetizar que mecanismos de controle ligados ao sistema imaginário ainda não estejam tão presentes como os de caráter mais objetivo, pois aqueles dependem muito mais das interações entre subjetividades e objetividades nas organizações do que estes, que podem ser mais facilmente implantados, dado seu caráter impositivo. Os resultados apontam que os mecanismos de controle presentes na central de atendimento se relacionam com a subjetividade dos indivíduos, são percebidos como impostos e contraditórios às suas necessidades, e os sujeitos, que por vários motivos submetem-se a eles, apresentam em sua fala vivências de sofrimento e diferentes formas de resistência. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 141 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) BIBLIOGRAFIA ALCADIPANI, R. E ALMEIDA, A. Por fora bela viola, por dentro... : análise crítica sobre a gestão do espaço nas organizações através de um estudo de caso dobre a implementação de um escritório aberto no Brasil. C&S, v. 7- no. 19 – Set/ Dez. 2000. ARGYRIS, C.; “Personalidade e Organização, o conflito entre o Sistema e o Indivíduo”. Ed. Renes, Rj 1957. CARMO, P. S. A ideologia do trabalho. Ed. Moderna, SP, 1992. CARVALHO J. L. F. S. e VERGARA, S. C. Diálogos e Monólogos do Marketing de Serviços- De Volta à Conversa Com os Scripts Cognitivos. Revista Interdisciplinar de Marketing, v.1, n.1, Jan./Abr. 2002 ENRIQUEZ, E. Imaginário social, recalcamento e repressão nas organizações. 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ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 142 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) FISCHER, G. N. Espaço, Identidade e Organização. In: CHANLAT, J. F. O indivíduo na organização. Vol II. São Paulo: Atlas, 1996. FOUCAULT, M. Microfísica do Poder. Ed. Graal, RJ, 1981. FOUCAULT, M. Vigiar e punir- O nascimento da prisão. Ed. Vozes, Petrópolis, 1977. MOTTA, F. C. P. Controle social nas organizações. Revista de administração de empresasERA, SP, set- out. 1993. MOTTA, F. C. P. O que é burocracia. Ed. Brasiliense, SP, 1981. PETIT, F; DUBOIS, M. Introdução à psicossociologia das organizações , Ed. Instituto Piaget, Lisboa, 1998. SCHMITT, E. C. Controle social, vínculo e subjetividade: estudo de caso em uma organização multinacional. Curitiba: UFPR, 2003. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 143 MOTO-TÁXI: A VIDA E A MORTE SOBRE DUAS RODAS ABONIZIO, G. P.; Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina (UEL) [email protected] INTRODUÇÃO O presente trabalho é um recorte realizado a partir do Trabalho de Conclusão de Curso, o qual objetivou discorrer sobre um fenômeno que está presente no interior das relações de produção capitalistas. Trata-se do processo de informalização das relações de trabalho, o qual tem por base a ausência de qualquer contrato formal entre empregador e empregado e, consequentemente, a inexistência de garantias e direitos sociais conquistados pela classe trabalhadora. O objeto analisado é a atividade do moto-táxi, na cidade de Londrina, estado do Paraná. A expansão da atividade de moto-táxi é um fenômeno que pode ser visualizado na cotidianidade das cidades brasileiras. O caso de Londrina não é diferente, e a investigação empírica permite constatar, inclusive, o crescimento dessa atividade na cidade, tanto na região central quanto na periférica, o aumento de centrais16 de moto-táxi se torna uma evidência. Além disso, é corriqueiro passar em frente a uma central e ver alguma placa com a seguinte informação: precisa-se de moto-taxista. A pesquisa de campo foi realizada com quarenta profissionais desta profissão. O questionário aplicado objetivou mapear qual o perfil do moto-taxista e quais as características estruturais desta profissão. Assim, para o presente trabalho, além das variáveis que permitiram decifrar o perfil deste trabalhador e a estruturação desta atividade; destacam-se, nesse momento, aquelas 16 Central é o nome dado pelos motos-taxistas aos estabelecimentos que disponibilizam o serviço de moto-táxi. A central, basicamente, é um local alugado por uma pessoa que oferece telefone, rádios, estrutura para que os moto-taxistas trabalhem. O moto-taxista, por sua vez, paga a diária à pessoa que aluga o ponto e oferece toda a estrutura. REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) relacionadas à saúde do trabalhador do moto-táxi. Desse modo, as variáveis como, por exemplo, se já sofreu algum acidente de trabalho, intensidade dos acidentes envolvendo os moto-taxistas, relação entre a intensidade do acidente e a paralisação do trabalho e se desenvolveram alguma doença devido à profissão que realizam; são imprescindíveis, na medida em que a paralisação da atividade representa, para tal trabalhador, a suspensão de seu rendimento. Pois, na relação de trabalho estabelecida pelo profissional do moto-táxi está isenta de direitos trabalhistas, embora a pesquisa indique que cinco entrevistas contribuam com o INSS, amenizando, assim, os efeitos de qualquer adversidade advindas da profissão. Por fim, são apresentados outros resultados obtidos na pesquisa que permitem visualizar o grau de precarização que tais trabalhadores estão submetidos, uma vez que a ausência de uma regulação trabalhista potencializa que tais profissionais extrapolam os limites, por exemplo, da jornada de trabalho estabelecida pelo mercado de trabalho formalizado. Em suma, o estudo de caso aqui apresentado corrobora com o debate sobre a precarização defrontada pelos profissionais do chamado ―setor‖ informal, os quais têm a reprodução da sua força de trabalho denegrida, na medida em que tal reprodução é interrompida diante infortúnio de um acidente de trabalho ou o desenvolvimento de uma doença ocupacional. METODOLOGIA A pesquisa de campo foi realizada através da aplicação de um questionário contendo trinta e uma questões objetivas e subjetivas, as quais auferiram dados essenciais à compreensão da dinâmica da atividade do moto-taxi, em Londrina - Pr. A amostra foi composta por quarenta profissionais dessa atividade, os quais estão associados a alguma ―central‖. Desse modo, procurou-se descobrir qual o perfil desse trabalhador, por exemplo, estado civil, escolaridade, entre outros; além das características estruturais da atividade do ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 145 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) moto-táxi: tempo de serviço, número de corridas, jornada de trabalho, dias da semana trabalhado, tipos de serviços ofertados, mais aqueles relacionados à saúde deste trabalhador. RESULTADOS Entre os resultados obtidos através da aplicação do questionário sobre quarenta profissionais do moto-táxi, em Londrina-Pr, nos importa, neste primeiro momento, as questões relativas à saúde do profissional do moto-táxi. Em seguida explanaremos outras características estruturais desta profissão. Assim, a problemática do risco de acidente de trânsito na atividade do moto-táxi, torna-se imprescindível para tal análise, uma vez que a literatura, especialmente na área da saúde, aponta esse elemento como inseparável dessa profissão. A relevância da problemática do risco de acidente de trânsito pode ser observada através dos dados obtidos na pesquisa de campo, pois se procurou mapear, a partir da percepção dos trabalhadores do serviço de moto-táxi, quais são os maiores riscos da profissão, aquelas que vivenciam na sua cotidianidade. Entre os entrevistados, todos apontaram o acidente de trânsito e o assalto como os maiores riscos dessa profissão. Elementos que podem ser compreendidos como constitutivos dessa modalidade de profissão. Portanto, na medida em que tais trabalhadores sofrem tais adversidades e têm por condição de trabalho a ausência da proteção social e trabalhista, potencializa-se a precariedade de sua atividade. Nesse sentido, em um contexto de expansão da frota motociclista, com a violência no trânsito aliada à utilização da moto como instrumento de trabalho de quase três milhões de trabalhadores brasileiros, é que se faz necessário discorrer sobre as seqüelas psicossociais que incidem sobre os profissionais do moto-táxi. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 146 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) A variável já sofreu algum acidente de trabalho é um dos aspectos fundamentais para medir a dimensão da periculosidade, dos riscos que permeiam a atividade de moto-táxi. Dentre os moto-taxistas que responderam positivamente a essa questão, a média de acidentes sofridos é de 3,10 acidentes. Assim, o acidente de trabalho, particularmente o de trânsito, constitui um elemento presente e que se manifesta na atividade de moto-táxi. Porém, para compreender em que medida tal aspecto é nefasto para esses trabalhadores, deve-se medir a intensidade dos acidentes. Esta variável permitirá enxergar se houve um período longo de paralisação de suas atividades. Assim sendo, entre os dezenove moto-taxistas que já se acidentaram, houve predominância de acidentes leves de menor proporção: nove casos; sendo que os médios: oito casos, e graves: quatro casos. A questão do acidente se torna relevante, na medida em que a atividade de moto-táxi não comporta, no caso de Londrina, qualquer cobertura social e trabalhista, as quais poderiam ofertar alguma segurança para esses trabalhadores, diferentemente dos casos daqueles que contribuem para o INSS. Os efeitos decorrentes dos acidentes podem ser de ordem individual e social, pois, além de incidirem no trabalhador as seqüelas fisiológicas do acidente, socialmente têm um custo elevado, na medida em que sua unidade familiar se encontra desamparada de qualquer benefício. Nesse sentido, sendo a renda obtida pelos moto-taxistas ligada diretamente ao dia de trabalho, o fato de o acidente proporcionar uma situação de longo período de paralisação de sua atividade implica, diretamente, a interrupção sumária de seus rendimentos. Os dados a seguir demonstram a média de tempo em que os trabalhadores acidentados permaneceram sem trabalhar. Esses dados não obedecem a uma ordem homogênea, uma vez que a relação entre o grau de intensidade dos acidentes e os dias em que esses trabalhadores permaneceram sem trabalhar foi medida por meio da percepção de cada trabalhador, e não através um parâmetro médico. Assim, para os acidentes leves houve um tempo de paralisação de um a sete dias; nos médios de uma semana até um ano e, por fim, nos graves de dois meses até um ano. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 147 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) Desta maneira, as implicações de um acidente médio ou grave, o qual pode impedir que o trabalhador realize sua atividade por alguns meses, são de extrema perversidade, pois, na medida em que é eliminada parte dos rendimentos dessa família, o patamar de vida dela se torna prejudicado. Além disso, a convivência entre os familiares deve se tornar conturbada, cada vez que o tempo passa e não ocorre à volta do moto-taxista à sua atividade. Em suma, a sociabilidade desse acidentado torna-se degradada, na medida em que a sua inatividade resulta em dificuldades de ordem financeira e familiar. Outra variável mensurada e que pode caracterizar a atividade de moto-táxi diz respeito ao fato de que se esses trabalhadores já desenvolveram alguma doença devido à profissão que realizam. Porém, pensamos que, devido a algum receio em dar a resposta, ou alguma outra implicação, os dados indicaram que, no interior da amostra pesquisada, apenas um trabalhador disse ter desenvolvido alguma doença devido à profissão realizada, sendo ela queimadura de pele. Entre os outros trinta e nove entrevistados, nenhum respondeu positivamente. Observa-se, a partir da pesquisa empírica, que as questões relativas à saúde do moto-taxista são de suma importância, pois tanto o acidente de trânsito, quanto a doença ocupacional, em número menor, incide na paralisação imediata de sua profissão. Esse fato tem por desdobramento a ausência de seu rendimento, uma vez que ele não está protegido sob uma legislação trabalhista, assim impulsiona a precarização de reprodução social. Não obstante a problemática relativa à saúde do trabalhador do moto-táxi, outras características estruturais ilustram o grau de precarização que tais profissionais estão submetidos, por exemplo, a jornada de trabalho. Nesse sentido, um aspecto fundamental para se pensar as condições de trabalho vivenciadas pelos motos-taxistas refere-se à jornada de trabalho, uma vez que esse é um elemento que, dependendo da sua extensão, revela a dimensão da precariedade a que está submetido o moto-taxista. A atividade do moto-táxi é um empreendimento que, além de se configurar por ser uma atividade não tipicamente capitalista, ocorre, em geral, sem a devida proteção ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 148 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) social ao trabalhador. Isto faz com que os limites físicos do trabalhador moto-taxista sejam, por vezes, extrapolados, assim como suas condições psicológicas. Os dados obtidos acerca desta variável indicam uma preponderância de trabalhadores que excedem a jornada de trabalho estabelecida por lei. Dos quarenta entrevistados, 34 deles, ou seja, 85% desses profissionais realizam uma jornada de trabalho superior a dez horas diárias. Portanto, extrapolam, de maneira significativa, a legislação vigente. Objetivando aferir o grau de precarização da força de trabalho em questão, os dados, sobre a quantidade de dias da semana em que esses trabalhadores executam essa exaustiva jornada de trabalho, revelam que há o predomínio de seis dias trabalhados, embora 20% dos entrevistados trabalhem a semana completa. Desse modo, à luz dessas duas variáveis supracitadas, jornada de trabalho e dias da semana em que trabalha, constata-se a dimensão da precariedade que envolve tal atividade, pois, além de excederem os limites impostos pela legislação trabalhista a respeito da jornada de trabalho, 20% desses trabalhadores não gozam de, sequer, um dia de descanso. Na medida em que parâmetros da formalidade do trabalho se fazem ausentes na atividade do moto-táxi, em Londrina, pode-se compreender a submissão desses trabalhadores às condições de trabalho a eles apresentadas. Esses dados nos apresentam não uma escolha por parte desses profissionais, mas, sim, um engajamento preciso para que eles almejem o mínimo necessário para a reprodução de suas forças de trabalho e sustento de suas famílias. Com vistas a analisar a intensificação da força de trabalho dos mototaxistas, a variável a seguir, média de corridas realizadas por dia de trabalho, poderá contribuir para elucidar esse aspecto. A pesquisa indicou que dezessete moto-taxistas realizam em média 6 a 10 corridas; treze realizam entre 11 e 13 corridas; seis de 14 a 15 e quatro realizam entre 16 a 20 corridas. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 149 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) Comparando esses dados com a extensão da jornada de trabalho realizada por esses trabalhadores, temos a proporção de uma corrida por hora trabalhada. Portanto, aparentemente, o ritmo de trabalho executado pelos moto-taxistas não é dos mais intensos, algo que diverge da profissão do motoboy17. Assim sendo, a permanência desses trabalhadores nas centrais pode superar dez, doze horas diárias, porém, não necessariamente corresponde à execução de sua atividade. Isto é, a permanência desses trabalhadores nas centrais, em muitos casos, pode significar ―trabalho morto‖, desperdiçado, pois, nesse tempo, sua força de trabalho não é posta em atividade. No entanto, a remuneração recebida pelos moto-taxistas é proporcional à quantidade de corridas realizadas por dia de trabalho. Assim, o moto-taxista é compelido a permanecer o maior tempo possível nas centrais à disposição de ser chamado para a realização de uma corrida. Portanto, nessa profissão, ocorre a extensão da jornada de trabalho, na medida em que sua remuneração varia de acordo com a quantidade de corridas executadas. Assim, sua permanência nas centrais é estendida no sentido de auferir uma maior proporção corrida/dia, mesmo que isto exprima uma jornada de trabalho superior aos padrões vigentes. Caminhando com a análise, a fim de expressar os elementos que incidem na precarização dessa força de trabalho, a variável a seguir, realização de mais de uma atividade profissional durante o dia ou a semana, apresentará o grau de exploração desses trabalhadores, além de permitir enxergar quais são os alcances dessa profissão, no que diz respeito à remuneração. No interior da amostra consultada, trinta e três responderam não possuir mais de uma atividade profissional durante o dia ou a semana, e apenas sete disseram que sim. Alinham-se, como atividades desempenhadas pelos entrevistados, as seguintes: segurança de farmácia e eventos, entregador de pizza, produção e supervisor de montagem. Dentre esses trabalhadores, cinco possuem uma jornada de trabalho, no moto-táxi, com média de 8 a 9 horas por dia, e dois realizam jornada de 12 a 13 horas. 17 Motoboy é aquele motoqueiro que realiza entregas rápidas e, predominantemente, de pequenas mercadorias, por exemplo, comida, peças, documentos, remédios, etc. Geralmente, a quantidade de entregas a ser realizadas por esses trabalhadores, além do tempo de cada entrega, faz com que o ritmo de trabalho se torne extremamente intenso. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 150 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) Assim, tais trabalhadores, na medida em que buscam conjugar mais de uma atividade profissional, excedem a jornada de trabalho legal de maneira impressionante e, por conseguinte, vivenciam a precarização de sua força de trabalho. A despeito das atividades paralelas que esses trabalhadores dizem executar, observa-se que elas requerem níveis de escolaridade e de instrução mínimos. Portanto, verifica-se que a baixa qualificação da força de trabalho desses trabalhadores faz com que eles permaneçam em postos de trabalhos inferiores, com baixos rendimentos, e que não consigam se desvencilhar de atividades ―informais‖. A variável quanto você ganha “livre” com seu trabalho por mês é imprescindível para ser analisada, uma vez que o rendimento obtido pelos moto-taxistas pode ser caracterizado como sendo um dos elementos fundamentais no engajamento desses trabalhadores nessa atividade. No entanto, deve-se ressaltar que não é nossa intenção explicar, de modo mecânico, a adesão desses trabalhadores a tal atividade por meio da renda auferida por eles. Os dados auferidos por meio da pesquisa constataram que a renda livre obtida por mês foi para treze profissionais de menos de R$ 1.000,00; para doze foi entre R$ 1.000,00 a R$ 1.200,00; nove entre R$ 1.300,00 a R$ 1.500,00 e para três moto-taxistas mais de R$ 1.500,00. Portanto, o rendimento médio auferido na atividade de moto-táxi é de R$ 1.139,46, sendo que o menor valor respondido foi de R$ 550,00 e o maior, R$ 2.500,00. Desse modo, aliado ao tipo de família que esses trabalhadores possuem, além de suas queixas a respeito dos rendimentos ofertados pelo mercado formal, torna possível compreender que a relação escolaridade/rendimento constitui um elemento propulsor à inserção desses trabalhadores nessa atividade. Pois, como é sabido que a instrução desses profissionais é baixa, a possibilidade de eles galgarem um posto de trabalho, no mercado formal, com rendimentos mais elevados, é praticamente nula. Portanto, a possibilidade de auferir uma renda maior e que possibilite a aquisição das condições mínimas de sobrevivência faz com que tais trabalhadores se mantenham nessa profissão. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 151 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) O presente trabalho procurou analisar um fenômeno que está presente de maneira abrangente nas relações de trabalho capitalista, a informalidade. Assim, tomamos por objeto de estudo a atividade do moto-táxi, na cidade de Londrina, estado do Paraná. Tal pesquisa permitiu mapear o perfil deste profissional e as principais características que estruturam esta profissão. Desse modo, os resultados alcançados ilustraram que a condição de informalidade, ou seja, a ausência do contrato formal entre empregador e empregado, potencializa a precariedade das condições de trabalho que tais trabalhadores estão submetidos. Assim, os dados sobre a jornada de trabalho apresentam o modo como são rejeitados, tantos pelos empregadores e empregados, os direitos trabalhistas vigente. Essa situação de informalidade se torna cada vez mais um complicador, na medida em que na atividade do moto-táxi, o risco de acidente de trânsito é uma constante. E dependendo da intensidade do acidente, a paralisação da atividade, que garanta a renda deste trabalhador, sendo aumentada implica em uma deteriorização da vida social deste profissional. Pois, seus rendimentos são cortados de maneira sumária e, por conseguinte, o seu sustento se torna uma incógnita. Desta maneira, o presente estudo de caso abre caminho sobre o debate da formalização das relações de trabalho do profissional do moto-táxi, uma vez que devido ao grau de periculosidade que permeia está profissão, se faz necessário pensar as medidas necessárias para a proteção social deste profissional. BIBLIOGRAFIA CARVALHO, Ináia M. M.; SOUZA, Guaraci A. A. 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G.; Universidade de São Paulo (USP) [email protected] INTRODUÇÃO O objetivo geral deste trabalho foi realizar intervenções breves a partir de demandas em saúde mental identificadas por meio de um diagnóstico situacional. A partir do conhecimento sobre as condições de trabalho e a situação de saúde mental dos colaboradores da limpeza e serviços gerais, vinculados à organização estudada foi possível determinar eventuais demandas em saúde mental relacionadas à prática profissional e afinar as intervenções a serem realizadas. O projeto foi desenvolvido como atividade de estágio curricular obrigatório em Saúde do Trabalhador para graduação em psicologia e a supervisão foi feita dentro da abordagem junguiana corporal. Nos últimos 20 anos, o mercado profissional vem sofrendo muitas mudanças, tais como: altos padrões de exigência em termos de qualificação e qualidade profissional e metas de avaliação focadas no desempenho individual. Somam-se a esse fato as alterações psicossociais nas condições de vida em geral, sendo identificadas cada vez mais demandas psíquicas vinculadas às atividades profissionais tais como estresse em altos níveis, transtornos de ansiedade, entre outros. Dessa forma, os psicólogos têm atuado também com REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) este foco tanto em nível de promoção de saúde quanto na prevenção e recuperação da saúde mental no ambiente de trabalho. A universidade pesquisada terceiriza a prestação de serviço de limpeza, manutenção predial, segurança e jardinagem. A parceria entre universidade e empresa terceirizada iniciou-se em abril de 2009 com a meta de que o serviço de facilidades (Facilities) melhorasse consideravelmente e que a universidade reduzisse os custos gerais com manutenção predial em 10%. Dessa forma, ao assumir o contrato a empresa deparou-se com vários desafios como precariedade das instalações de alguns campi e baixa aprovação dos alunos com relação aos serviços prestados. Os profissionais selecionados para participar do projeto foram os atuantes no setor de limpeza e serviços gerais. As atividades ocorreram em dia e horário pré-acordados com empresa, sendo, portanto, critério de exclusão os profissionais que atuavam em horário diferente do proposto. A empresa terceirizada é uma multinacional com vasta experiência em prestação de serviços de facilidades e dispõe de uma equipe exclusiva para gerenciar o contrato da universidade. São seis profissionais que ficam baseados em dois diferentes campi, e um gerente de projeto que responde diretamente a diretoria da universidade. Tanto o setor de limpeza quanto o de serviços gerais contam com um supervisor. Dentro do grupo de profissionais da limpeza há ainda a subdivisão de cargos entre faxineiros e copeiros. Os faxineiros são divididos em pequenos grupos responsáveis pela limpeza das salas de aula, banheiros, corredores e áreas comuns dos prédios. Os copeiros atuam nas salas da administração da universidade, sala dos professores e reitoria. A empresa fornece material de trabalho como uniformes, luvas, material de limpeza, ferramentas para jardinagem, entre outros. Não existe a realização de atividades específicas na área de saúde do trabalhador, apenas os exames médicos obrigatórios. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 156 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) METODOLOGIA Inicialmente realizou-se uma entrevista com o gestor da área de facilidades da universidade, com o intuito de mapear o campo de trabalho, compreender as expectativas e solicitar autorização de acesso e início dos trabalhos. O projeto previu a realização de anamneses ocupacionais em grupos formados por profissionais pré-selecionados pela empresa terceirizada. Todos os profissionais participantes assinaram um termo atestando seu consentimento para participar livremente do projeto bem como explicitando o caráter científico do mesmo e as questões relacionadas à ética e sigilo. As anamneses tiveram finalidade diagnóstica para levantamento da história ocupacional e de demandas em saúde psíquica. Utilizou-se também um roteiro de identificação que foi aplicado individualmente. Ao todo foram entrevistados 19 profissionais em três grupos de anamnese ocupacional, sendo 13 profissionais da limpeza, dois jardineiros e quatro auxiliares de serviços gerais. As idades variaram entre 19 e 57 anos. Todos os profissionais da limpeza eram mulheres e os demais, homens. O grau de escolaridade variou entre a terceira série do ensino fundamental e ensino médio completo. Dentre os principais pontos encontrados nas anamneses, pode-se citar: • 78% alegaram não gostar de sua profissão; • Todos elogiaram a empresa em que atuam nas questões trabalhistas e na pontualidade dos pagamentos de salários e benefícios; • Todos elogiaram o contato com a chefia, dizendo sentirem-se à vontade para relatar problemas e reivindicar qualquer alteração; • 98% dos profissionais alegaram que sua condição profissional poderia ser melhorada por aumento de salário ou benefícios. Contudo, demonstraram entender que a questão salarial e os ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 157 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) benefícios estão atrelados ao contrato que a empresa tem assinado com a universidade; • Apenas um profissional mencionou ter planos para deixar a função e abrir o próprio negócio. É o profissional que apresenta o maior nível de instrução entre os entrevistados. • 100% dos profissionais alegaram sentirem-se desrespeitados pelos alunos e discriminados no exercício de suas funções; • 75% dos profissionais relataram não ter uma boa qualidade de sono. Os profissionais exemplificaram alguns dos atos realizados pelos alunos e classificados por eles como ―falta de respeito‖ ao seu trabalho, tais como: • Urinar no chão do banheiro masculino. • Urinar fora do vaso sanitário no banheiro feminino. • Subir no vaso sanitário e urinar em pé, sujando o local, no banheiro feminino. • Jogar lixo fora do cesto nos banheiros. • Jogar cigarros e lixo nos jardins e nas calçadas da universidade mesmo com a presença dos profissionais no local, realizando a limpeza. • Jogar restos de cigarro no chão dos corredores mesmo com a lei da proibição do fumo em locais públicos. Dois pontos presentes nos relatos durante a aplicação das anamneses chamam a atenção: a questão do sentimento de humilhação social e da baixa qualidade do sono. Ambos relacionam-se ao aumento do sofrimento psíquico. Frequentemente existe uma relação de ansiedade com insônia, ou seja, ansiedade levando à insônia e as noites mal dormidas gerando ansiedade na hora de ir para a cama. O ansioso geralmente leva maior tempo para adormecer e quando consegue pode apresentar muitos despertares no decorrer da noite. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 158 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) Além da insônia também consideramos a angústia gerada a partir da questão da humilhação pela desigualdade social como fator agravante do estado de saúde mental do indivíduo. No relato de uma profissional da limpeza, surgiu a alegação de que comumente é percebido por ela um comportamento descrito como ―nojo dos alunos em relação a ela‖ sempre que a profissional tomava o elevador para levar o lixo para fora da universidade. Segundo ela, quando notavam sua presença no elevador com o lixo, os alunos que antes ensaiavam adentrá-lo davam meia-volta e retornavam para o saguão de espera. Ao ser questionada sobre a razão do ―nojo‖ ser em relação a ela ou ao lixo, após pensar por alguns instantes, ela concluiu que se tratava de ―nojo― em relação ao lixo. Como resultados dos relatos das anamneses concluiu-se que tanto a questão da baixa qualidade do sono quanto da humilhação social são demandas importantes para saúde psíquica destes profissionais. O plano de intervenção foi colocado em prática como recurso para melhora do quadro de saúde psíquica dos participantes, tendo como foco as demandas psíquicas acima citadas. Foram realizados dois encontros, primeiramente para a realização da intervenção psíquica e posteriormente para devolutiva e fechamento do projeto. Durante o primeiro encontro duas atividades foram propostas aos participantes. A primeira, visando a investigação dos aspectos relacionados principalmente ao sentimento de humilhação e sofrimento psíquico associados à atividade laboral, solicitou-se que o grupo fosse dividido em dois subgrupos e realizassem desenhos de pessoas trabalhando: o primeiro grupo um desenho de uma pessoa feliz e o segundo de uma pessoa triste no trabalho. Após o término dessa atividade foi realizada a segunda parte da intervenção, o ensino de uma prática de respiração denominada ―Prática de Respiração Natural Completa‖. Essa atividade visou informar aos profissionais os benefícios em praticar-se corretamente a respiração completa, e promover relaxamento e consequentemente queda nos níveis de ansiedade. Visou também mostrar-lhes uma prática de relaxamento que fosse de fácil acesso e sem contraindicações médicas. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 159 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) A prática da respiração natural completa é amplamente utilizada por praticantes do Yôga como aliado ao combate a quadros de ansiedade e estresse. O tipo de respiração que o Yôga preconiza para o aumento da flexibilidade respiratória é a que utiliza toda a área pulmonar, empregando a musculatura abdominal e torácica como coadjuvante, ao invés de aproveitar apenas o diafragma como faz o homem ocidental. Durante o exercício da atividade, alguns participantes emocionaram-se. O segundo encontro foi utilizado para a realização da devolutiva sobre os trabalhados realizados anteriormente. A devolutiva foi dividida em duas partes: durante a primeira parte comentou-se os aspectos importantes presentes nos desenhos da pessoa feliz e da pessoa triste no ambiente de trabalho. A segunda parte teve a intenção de finalizar o projeto deixando aos participantes um símbolo que trouxesse acolhimento emocional. Dessa forma, realizou-se uma breve apresentação sobre o conceito de mandalas e seu uso terapêutico para relaxamento e meditação. RESULTADOS Considerando a presença de aspectos emocionais relevantes na atividade dos desenhos, ressaltou-se aos participantes aqueles aspectos com maior significação psíquica. Apesar de ter sido solicitado que os desenhos fossem realizados em grupo e de forma única, o grupo do desenho da pessoa feliz optou em realizar vários pedaços de desenhos, cada um em um canto da cartolina. Isso sugere a ideia de que não se trata de um grupo integrado. O desenho apresentava várias cores, denotando conter vida, felicidade. Mas em nenhum lugar do mesmo nota-se uma pessoa trabalhando. São cenas de felicidade num contexto fora do ambiente profissional, o que sugere que o grupo não encontra felicidade e prazer no desempenho de sua função laboral. Outro aspecto importante é a presença de uma macieira no canto superior esquerdo, repleta de frutos. Isso pode representar as inúmeras potencialidades ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 160 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) que o grupo tem, e que estão prontos a colocar em prática, mas não encontram espaço dentro da atual profissão. Não observa-se portanto a presença de grande satisfação deste grupo na execução de suas atividades profissionais. Com relação ao desenho da pessoa trabalhando infeliz nota-se um sinal de unicidade entre o grupo, que conseguiu realizar um desenho único. Contudo, é um desenho que traz uma imagem muito grande de um trabalhador comparado ao desenho bastante pequeno dos utensílios de trabalho no lado direito do desenho (vassoura, escovão, carrinho, etc). Isso remete à ideia de que o trabalho não é valorizado, posto que, encontra-se numa situação de menos valia em relação ao trabalhador. O desenho é pouco colorido, com exceção de predomínio de cor no corpo do trabalhador desenhado, com ênfase para as partes íntimas e a região dos seios. No canto inferior direito vê-se um desenho de ―uma chefe dando bronca na funcionária‖, e o braço com dedos imensos, também remete a uma situação de autoritarismo exacerbado. No canto inferior esquerdo são representados dois funcionários bem pequenos, ressaltando ainda mais os aspectos de menos valia e sentimentos de inferioridade que esse grupo compartilha, conforme já mencionado. O grupo recebeu com bastante atenção as informações passadas acima e também foi colocada a questão da humilhação social de forma que eles pudessem compreender a relação desta situação com questões mais amplas relacionadas à juventude contemporânea e perceber que a falta de respeito e os desvios éticos não se restringem nem ao ambiente universitário, nem aos funcionários da limpeza, atingindo a todos, embora em diferentes graus e de formas diversas, inclusive professores. O grupo ouviu o comentário com atenção. A apresentação sobre mandalas contou com grande atenção e interesse por parte dos participantes, que realizaram comentários em quase todas as fotos de mandalas apresentadas. A proposta foi convidá-los a exercitar o relaxamento e a introspecção desenvolvendo o hábito de colorir mandalas. Mostrou-se um livro de uso pessoal da estagiária com desenhos de mandalas para colorir e sua experiência como praticante dessa atividade. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 161 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) Ao final, os colaboradores foram convidados a experimentar em seus momentos de lazer a realização dessa atividade e cada participante recebeu um livro e uma caixa e lápis de cor. A análise dos resultados baseou-se na análise fenomenológica dos eventos observados na relação com os participantes antes, durante e após a intervenção. Entende-se que o objetivo de identificar possíveis demandas psíquicas e intervir pontualmente foi plenamente atingido. O projeto não enfrentou grandes dificuldades para ser implementado, apenas alguns problemas em relação à divulgação das datas pela empresa terceirizada, o que culminou na ausência de alguns participantes durante a intervenção e devolutiva. Acredita-se dessa forma que há espaço para melhorar essa organização, nas próximas etapas do projeto. Apesar dos participantes desse projeto verbalizarem a necessidade de ajuda técnica em relação às condições de trabalho, como salários e benefícios, receberam de forma positiva a intervenção sobre aspectos psicológicos. Os relatos dos participantes após o término do projeto apontam uma tendência de intensificação dos momentos de descontração e relaxamento nos intervalos das atividades profissionais utilizando recursos complementares como a prática artística para ampliação da consciência. Dentre os benefícios trazidos pela prática relatados pelos participantes destacam-se a possibilidade de realização das atividades de relaxamento durante o percurso rumo ao trabalho, a valorização do acesso ao conhecimento através da apresentação sobre mandalas e o sentimento de aumento da relevância de sua atividade profissional. Os profissionais finalizaram seus relatos verbalizando um sentimento de terem sido ―percebidos‖ enquanto indivíduos e profissionais. BIBLIOGRAFIA BAPTISTA, M.R., DANTAS, E.H.M.. Yoga no controle de stress. Fitness & Performance Journal, v.1, n.1., p.12-20, 2002. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 162 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) DAVIS, M., ESHELMAN, E.R., MCKAY, M. Manual de Relaxamento e redução do estresse. São Paulo: Summus, 1996. DEJOURS, C. Entrevista a Ana Gerschenfeld, Jornal P2 em 01/02/2010, Lisboa, Portugal. GONÇALVES FILHO, J. M. Humilhação Social: Um Problema político em Psicologia. Universidade de São Paulo, São Paulo, 1998. JUNG, C.G. O Homem e seus símbolos. São Paulo: Nova Fronteira. 2008 UNIFESP – Instituto do Sono - http://www.sono.org.br/sn_insonia.html, acessado em 11/06/2011 VIDAL, M. Mandalas Modernistas. São Paulo: Vergara & Riba, 2009 ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 163 INTERCORRÊNCIAS ENTRE A PERCEPÇÃO DOS EMPREGADOS E A FRAGMENTAÇÃO DO TRABALHO A PARTIR DE MODELO ADMINISTRATIVO EM UNIDADES DE SERVIÇO: UM ESTUDO DE CASO MOYSES, I. M.; GUEDES, O. de S.; Departamento de Serviço Social da Universidade Estadual de Londrina (UEL) [email protected] INTRODUÇÃO Este artigo, elaborado através de revisão bibliográfica e documental, referese aos resultados parciais da pesquisa de iniciação científica em andamento e aspectos teóricos construídos para a elaboração de trabalho de conclusão de curso em Serviço Social na Universidade Estadual de Londrina. O interesse pela temática abordada nasceu do necessidade em buscar subsídios teóricos para interpretar situações identificadas ao longo de um ano de estágio na Companhia de Saneamento do Paraná – Sanepar: a falta de integração entre as equipes de trabalho e a fragmentação do processo produtivo organizado para o tratamento da água. A referência à integração nesta pesquisa se dá a partir de uma perspectiva crítica; ou seja, não se refere à coesão da equipe com vistas ao cumprimento de metas que não são percebidas pelos sujeitos do processo de trabalho, sem a preocupação com os processos de alienação que dela decorrem. Ao contrário, interpreta-a como uma das mediações da alienação constitutiva do processo de trabalho. A partir destas referências, a crítica marxiana no que tange à alienação no processo de trabalho e a observação das dificuldades de integração entre as equipes de trabalho na Sanepar, observa-se a não identificação dos funcionários da empresa como membros de uma mesma equipe que em cooperação presta um serviço fundamental a uma REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) dada comunidade. Elege-se, então, como objeto de pesquisa, as intercorrências entre a percepção que os funcionários tem sobre sua inserção na empresa e a fragmentação do modelo administrativo dessa empresa. Na análise destas intercorrências, a pesquisa delimitase a compreender a alienação que se traduz como não reconhecimento, por parte de diferentes equipes de funcionários da empresa, de que elas são constitutivas desta prestação de serviços. METODOLOGIA A presente pesquisa apresenta uma abordagem de natureza qualitativa. Iniciou por uma revisão documental e bibliográfica a respeito da Companhia de Saneamento do Paraná para compreender a base da fragmentação das equipes através da análise da estrutura organizacional da empresa. Caracteriza-se como um estudo de caso, uma vez que parte da análise da trajetória de uma empresa que, na sua consolidação, fragmenta, em unidades diversas, os serviços que concorrem para a prestação dos serviços que oferece à comunidade. Dessa forma, abordará a empresa e sua estrutura organizacional; objetiva levantar elementos para compreensão dessa estrutura e a sua fragmentação em equipes, fato apontado pelos funcionários como fator negativo no desenvolvimento de suas atividades profissionais. Realizou-se, também, uma revisão bibliográfica sobre a alienação em sua tradução marxiana. Considera-se que o que os funcionários traduzem como falta de integração entre as unidades e que reclamam como um aspecto negativo, pois leva a desvalorização do trabalho que desenvolvem é, na verdade, uma das formas de alienação inerente ao processo produtivo no modo de produção capitalista. A partir desta premissa, referencia-se sobre as relações construídas no processo de trabalho e da alienação a elas inerente. Após este segundo percurso, retoma-se o objeto da pesquisa, a intercorrência entre a percepção dos funcionários e a fragmentação das atividades a partir do ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 165 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) modelo administrativo da empresa; bem como a análise da alienação, categoria central para análise das conseqüências dessa intercorrência. Encontra-se, em realização uma pesquisa de campo qualitativa com a colaboração de um sujeito de cada unidade de prestação de serviços da empresa que ora se amabaliza, mediante uma entrevista semiestruturada; com o objetivo de identificar aspectos da alienação presentes nessas intercorrências. RESULTADOS A Sanepar adota um modelo administrativo que divide a empresa em Unidades de Serviços. Cada unidade de serviço é independente uma da outra e cada área de atuação tem uma forma própria de desenvolver o trabalho. A empresa em Londrina possui as unidades que fazem a administração dos sistemas de água e esgoto do município e também os postos avançados de Unidades que tem sede em Curitiba, capital do Estado e sede da empresa. Esse modo de gestão faz com que as relações entre as equipes de trabalho apareçam sob a forma de diversas empresas e não em um sistema de cooperação. Assim, o funcionário da Sanepar, ao não situar o trabalho que desenvolve como parte de organização do trabalho em sistema de cooperação, tende a não compreender a dimensão deste sistema na unidade em que está alocado. Dessa forma, caminhar para o mesmo objetivo e se sentir realizado no trabalho desenvolvido pela empresa – o tratamento da água e esgoto – torna-se distante de seu horizonte profissional. Essa situação foi percebida, dentre outros momentos, durante a realização do Diagnóstico Institucional da empresa, através de relatos de funcionários que vivenciam essa falta de integração. Nessa atividade institucional da empresa os funcionários expõem opiniões e sugestões para o aprimoramento da Sanepar e dentre elas destacam o distanciamento entre as equipes de trabalho das suas Unidades. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 166 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) A cooperação constitutiva das relações entre os funcionários dessa empresa, não factível pela alienação constitutiva das relações de produção na sociabilidade capitalista, agrava-se por sua realização em um modelo administrativo fragmentado de tal forma que não permite aos funcionários situar o trabalho que desenvolvem dentro de uma estrutura de prestação de serviços que tem como finalidade atender a comunidade. Lotados em equipes distantes, os funcionários não se reconhecem como parte de uma mesma empresa e não situam o trabalho que desenvolvem no fruto do trabalho que dela decorre. Tendo ciência de aspectos desta análise marxiana e inserida numa equipe de recursos humanos dessa organização, impõe-se a necessidade: observar os níveis de alienação que estão presentes no não reconhecimento dos funcionários desta organização como sujeitos sociais prestadores de serviços que concorrem para um mesmo objetivo: coleta e tratamento de água e esgoto, o que, aliás, é de grande valor para toda a sociedade. Para tal análise é que se propõe, na continuidade desse trabalho, uma pesquisa qualitativa com a utilização do instrumento: entrevista semi-estruturada, com funcionários das diferentes unidades da empresa alocados em Londrina. BIBLIOGRAFIA HELLER, A. O Cotidiano e a História. Tradução de Carlos Nelson Coutinho e Leandro Konder. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1972. IAMAMOTO, M.; CARVALHO, R. Relações Sociais e Serviço Social no Brasil: esboço de uma interpretação histórico- metodológica. 11.ed. São Paulo: Cortez, 1996. LUKÁCS, G. As bases ontológicas do pensamento e da atividade do homem. In: NÚCLEO DE ESTUDOS E APROFUNDAMENTO MARXISTA. Ontologia social, formação profissional e política. São Paulo: PUC-SP, 1997. v.1. p. 08-44. MARX, K. Manuscritos Econômicos-Filosóficos. Tradução Alex Marins. 2004: Martin Claret. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 167 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) ________. O Capital: crítica da economia política. 3 ed. Tradução Regis Barbosa e Flávio R. Kothe. São Paulo: Nova Cultura, 1998 (Coleção Os Economistas, v. I tomo I). MÉSZÁROS, I. A teoria da alienação em Marx. Tradução Isa Tavares. São Paulo: Boitempo, 2006. NIERO, L. A. História do saneamento básico em Londrina. Londrina: Eduel, 2009. SANEPAR. Relatório Anual de Administração e Demonstrações Contábeis. Governo do Paraná: Curitiba, 2010. SCHUSTER, L. L. Zair. Sanepar ano 30: resgate da memória do saneamento básico no Paraná. Curitiba: 1994. SENNETT, R. A Corrosão do Caráter. Tradução Marcos Santarrita. Rio de Janeiro: Record, 2000. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 168 CONTRADIÇÕES DA TEORIA DO “TRABALHO IMATERIAL” NO CASO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO NO SETOR DE TELEATENDIMENTO (CALL CENTERS) MARCELINO, F.18; MALATESTA, S.19; Universidade Federal do Paraná (UFPR) [email protected] INTRODUÇÃO Para os teóricos do ―trabalho imaterial‖, como consequência da crise do Fordismo, o capitalismo teria entrado numa fase de profundas transformações na divisão do trabalho e na modalidade de valorização do capital. Uma nova forma social estaria se desenvolvendo, os chefes não seriam mais chefes e a tecnologia passaria ser a força produtiva essencial para a sociedade pós-industrial. É para atentar para os limites desta visão que escrevemos este artigo, problematizando este entendimento pelas formas do trabalho de teleatendimento ou Call Centers que expressam a condição contraditória desta atividade ao se encontrar imersa na realidade tecnológica de intenso fluxo informacional ao mesmo tempo em que está bem longe das promessas pós-fordistas reverberadas pelos ideólogos da sociedade de informação apresentando novas formas de subordinação do trabalho ao capital. A partir do fim dos anos 1960, o processo de reestruturação produtiva impulsionou no centro capitalista uma relativa diminuição dos empregos no setor industrial fabril por meio do desenvolvimento crescente da produtividade e da intensificação do trabalho diminuindo, cada vez mais, a participação dos operários manuais no processo de produção de 18 19 Graduado em Relações Internacionais e mestrando em Ciência Política pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Graduada e mestranda em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) mercadorias. Ocorre nesse processo um aumento das atividades dotadas de maior dimensão intelectual, quer nas atividades industriais mais informatizadas, quer nas esferas compreendidas pelo setor de serviços ou nas comunicações, entre tantas outras. Esses fenômenos trouxeram diferentes apreensões sobre o papel do trabalho, da informação e da tecnologia na sociedade contemporânea. Neste debate, a ―escola do trabalho imaterial‖ defende que a aceleração da tendência do capital de retirar do processo de produção um grande número de trabalhadores representa uma forma de ―libertação‖ do trabalhador do processo de trabalho abrindo o terreno para a expansão do ―trabalho imaterial‖ que envolve serviços e informações. Com o surgimento das novas tecnologias da informação, das redes telemáticas, da microeletrônica, etc. as fronteiras entre o trabalho manual e intelectual desapareceriam deixando a ―subsunção real do trabalho‖ num passado remoto. A chamada ―sociedade pós-industrial‖ seria o sinônimo dessas mutações que apontariam em direção à hegemonia do trabalho imaterial e do ―capitalismo cognitivo‖. Nesta nova situação, a atividade cognitiva, caracterizada como a manipulação de informações, torna-se o fator essencial na criação de novas relações sociais libertadas do controle capitalista além do trabalhador se re-apropriar de seus instrumentos de trabalho pelo uso de computadores, internet e telefonia digital. Entretanto, quando analisamos o trabalho dos teleoperadores dos Call Centers, que tipo de ―trabalho imaterial‖ está em jogo? Os Call Centers fazem parte do trabalho imaterial emancipado das redes flexíveis de informação pós-fordistas ou representam novas formas de expropriação da subjetividade do trabalhador profundamente ligadas com as inovações tecnológicas e gestões autoritárias de empresas que degradam o ―trabalhador pósfordista‖? Como as atividades dos teleoperadores apontam os limites da ―teoria do trabalho imaterial‖ e seus postulados básicos? ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 170 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) MÉTODO Este artigo trata de uma pesquisa bibliográfica sobre os elementos que fornecem um embasamento ativo para o estudo das atividades laboriais do setor de teleoperadoras e suas novas formas de subordinação ao capital. Estes elementos corporificam pressuposições distintas em relação à recente teoria do trabalho imaterial e procuram avançar no entendimento sobre os limites desta teoria na apreensão dos processos que envolvem a imaterialidade da precarização das teleoperadoras. Este tipo de estudo justifica-se por contribuir aos estudos contemporâneos sobre o trabalho e, ao mesmo tempo, desmistificar o modo fetichizado com que o trabalho imaterial é entendido pelos autores desta escola teórica considerando as condições de trabalho capitalista que estão se desenvolvendo pelos Call Centers do Brasil. Por abarcar inúmeras tendências e, principalmente, contradições e ambivalências ensejadas, essa atividade traz consigo uma possibilidade ímpar de análise de algumas das inúmeras transformações da economia nos últimos anos, em especial a ampliação do caráter informativo do trabalho. RESULTADOS Diversos autores, ao refletir acerca da configuração econômica atual, apontam o domínio do processo de pós-modernização econômica ou de informatização, isto é, um novo paradigma econômico marcado pela preponderância dos serviços na economia. A inserção neste novo paradigma foi resultado de um processo de reestruturação produtiva, da passagem do fordismo ao pós-fordismo. A partir de diversas rupturas com a base teórica marxiana, se constitui a partir desta máxima a ―escola do trabalho imaterial‖ que busca fornecer um novo material teórico para explicar o ―novo‖ tipo de trabalho no capital: o ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 171 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) trabalho que não produz uma mercadoria palpável, material, mas tem como resultado um serviço, uma informação etc. Nos seus apontamentos, a teoria marxiana foi declarada defasada em muitos de seus elementos centrais, pois o trabalho fabril estaria sendo substituído por outras formas de produção, em especial a produção comandada pelo trabalho imaterial. Autores da ―escola do trabalho imaterial‖ argumentam que estaríamos vivendo sob a perda total de substância da lei do valor devido à necessidade de gastar menos força de trabalho para produzir mercadorias e que a ―valorização‖ das mercadorias depende cada vez mais da ―informação‖ contida e passada por elas. O conhecimento recobriria uma grande diversidade de capacidades heterogêneas. Não se trata de ter um trabalho cujo valor é uma medida de um tempo homogêneo, que é medido em horas. Esse é um trabalho que não tem uma medida comum, ele é julgamento, intuição, senso estético, nível de formação e informação, faculdade de aprendizagem e adaptação a situações imprevistas. São heterogeneidades de atividades ditas cognitivas, que formam o capital imaterial do trabalho. O trabalho deixa de produzir hegemonicamente mercadorias palpáveis e materiais e passa a ter como resultado um serviço, uma informação etc. Nesta etapa produtiva, os fatores que gerariam valor seriam o ―componente comportamental‖ e a ―motivação‖, e não o dispêndio de tempo de trabalho. O que conta no mundo capital humano seriam as qualidades de comportamento, as qualidades expressivas e imaginativas, o envolvimento pessoal nas tarefas. Nesta linha, dois elementos constitutivos da hegemonia do trabalho imaterial seriam: 1) a independência da atividade produtiva em face à organização capitalista de produção devida à força de trabalho social e autônoma pós-fordista capaz de organizar o próprio trabalho e as próprias relações com a empresa e 2) o processo de constituição de uma subjetividade autônoma ao redor da ―intelectualidade de massa‖ já que o trabalho imaterial não se reproduz na forma de exploração, mas na forma de reprodução da subjetividade. O controle capitalista seria agora puramente formal: seria o trabalho que definiria o capitalista e não o contrário. Nas fábricas pós-fordistas os sujeitos produtivos se constituem de modo independente da atividade empreendedora capitalista. A intervenção do empreendedor capitalista não seria mais necessária tornando-se cada vez mais externo ao processo de ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 172 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) produção de subjetividade. Assim, para os teóricos do ―trabalho imaterial‖, a empresa atual também não tem mais a marca de imposições hierárquicas. Os trabalhadores são autônomos e se tornam empresários de si mesmos. O caráter comunicativo do ciclo do trabalho imaterial superou as antigas hierarquias e estimula a auto-organização dos trabalhadores deixando de lado a figura do capitalista. Para esta escola, esta nova socialibilidade pós-fordista é vista como uma liberdade ao trabalhador. Com o computador, a separação entre os trabalhadores e o trabalho reificado seria ―virtualmente abolida‖ e os meios de produção se tornam apropriáveis e suscetíveis de serem partilhados. A exploração hoje, por esta compreensão, é essencialmente a expropriação capitalista do poder cooperativo desenvolvidos no processo social pelas singularidades do trabalho cognitivo. Não é mais o capital a organizar a mão de obra, mas a mão de obra passando a se organizar em si. Entretanto, quando analisamos o setor de teleatendimento podemos encontrar esta ―libertação do trabalho‖ pelo uso intensivo de computadores e dispositivos virtuais que estimulam uma ampla circulação de informações sem o controle capitalista? Afinal, não haveria também uma degradação do ―trabalho imaterial‖ pelo capital com o surgimento de novos processos de trabalho, resultado direto do crescente desenvolvimento tecnológico? O teleatendimento faz parte do ―ciclo do trabalho imaterial‖ ou tem características de controle capitalista? Quando analisamos os trabalho nos Call Centers – que ninguém duvida que produz e circula informações além da ampla utilização de redes informáticas – podemos dizer que essa nova sociabilidade pós-fordista é operante? Em suma, por mais que os Call Centers sejam caracterizados por utilizarem tecnologias comunicacionais de ponta, esse tipo de trabalho pode ser analisado a partir das considerações da ―teoria do trabalho imaterial‖? Até que ponto o trabalho dos Call Centers demonstram os limites da teoria do trabalho imaterial, já que mistura fluxos de informações, novas tecnologias, gestão autoritária da empresa e desumanização do trabalho desenvolvendo diversas doenças da alma e do corpo? Podemos encontrar no setor de teleatendimento a produção de conhecimento ou de uma subjetividade pós-fordista autônoma ao redor da ―intelectualidade de massa‖ ou uma forma singular de organização capitalista do trabalho informacional hoje? ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 173 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) As Centrais de Teleatividades (CTAs) ou Centrais de Atendimento – assim reconhecidas tendo em vista a crescente utilização de outros instrumentos de interatividade e relacionamento entre os atendentes e clientes, como chat, web e e-mail –, denominação do mercado formado pelo conjunto das empresas de Call Centers – ou Contact Centers, novo termo também considerando as mesmas inovações técnicas informacionais –, é um setor econômico que observou um crescimento exponencial nas décadas de 1990 e 2000 devido a importância que vieram a representar após a reestruturação do processo produtivo capitalista. A reestruturação produtiva causou mutações no mercado de trabalho que formam na acumulação flexível três categorias ou grupos de trabalhadores. O grupo minoritário que forma o núcleo central é composto por empregados em tempo integral, aqueles que possuem posições estáveis na organização do processo de trabalho, com projetos de longo prazo, boas perspectivas de vantagens e relativa segurança no emprego. Naquilo que o autor denomina periferia, estão localizadas as duas outras categorias, portanto, subgrupos. O primeiro desses subgrupos consiste em empregados em tempo integral, mas detentores de habilidades facilmente disponíveis no mercado, por realizarem atividades menos especializadas na organização da empresa. A terceira categoria ou segundo subgrupo periférico possui uma flexibilidade numérica ainda maior por ser composto por empregados em tempo parcial, casuais, com contratos por tempo determinado, temporário, subcontratados que possuem uma segurança muito pequena no emprego, de maneira a ser este marcado pela enorme rotatividade. E é esta última categoria que Harvey identifica como aquela que tende a um crescimento contínuo desde então e na qual é possível situar os teleoperadores das CTAs, principalmente ao percebermos como central à flexibilização nas relações de trabalho os mecanismos de terceirização e subcontratação. As CTAs respondem por uma forte tendência de externalização da relação de serviço manifestada pelas empresas em todo o mundo ao longo da década de 1990. Tratase de um dos principais aspectos da alteração radical do meio ambiente institucional das empresas no sentido da emergência tendencialmente hegemônica da empresa em rede sob dominância financeira. Para Oliveira, as CTAs foram criadas para realizar uma série de ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 174 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) serviços anteriormente executados no interior das empresas. Elas ampliam a racionalização do trabalho na medida em que uma única unidade de trabalho atende as necessidades de um conjunto de empresas, como operadoras de telecomunicações, bancos, empresas de cartão de crédito, de viagens, operadoras de televisão a cabo, asseguradoras, cobrindo todo o território nacional. No Brasil essa expansão tornou-se acelerada ao final da década de 1990, quando se verificou o crescimento do número de empregos ofertados na área, resultado do ciclo de privatizações do setor de telecomunicações – representado, até então, pelo sistema Telebrás. Este segmento se coloca, logo que surge, mesmo em meio a um período de recessão e desemprego, como um dos maiores empregadores do país. Em 2005, segundo índices da Associação Brasileira de Telesserviços (ABT), havia a estimativa de o número total de teleoperadores de CTAs no Brasil ser de aproximadamente 675 mil distribuídos em cinquenta empresas, já então uma das maiores categorias profissionais brasileiras voltadas ao mercado de consumo, considerando o seu recente desenvolvimento. De acordo com a ABT, o crescimento do número de profissionais contratados por estas empresas tem ficado em torno de, em média, 10% ao ano. Atualmente o número de seus trabalhadores ultrapassa 1,2 milhão, com expectativa de, em 2011, a geração de 120 mil novos empregos, o que revela a enorme capacidade de geração de empregos, por ser segmento que cresce paralelamente ao mercado consumidor, especialmente quanto a sua regulamentação jurídica, e absorve grande contingente de mão de obra, predominantemente feminina, com pouca ou nenhuma experiência, normalmente jovens em início de carreira. Entre 1997 e 2001, a ABT assinalou o crescimento no ramo do teleatendimento como sendo de 198,01%, o que ocorreu de forma concomitante a uma significativa retração na oferta de emprego nas indústrias de 23,32% e elevação de 11,05% no setor de serviços, conforme dados do IBGE. O crescimento deste ramo deve considerar os efeitos físicos, mentais e morais das condições precarizadas sob as quais permanecem os teleoperadores. Deve-se frisar a completa ausência de controle por parte dos trabalhadores sobre o processo de trabalho, ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 175 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) fator reproduzido pela própria inexigibilidade de experiência anterior, já que o trabalhador, em não tendo autonomia, está obrigado a manter os procedimentos e intenso ritmo de trabalho imposto pela empresa contratante. Também se verifica, nestas relações de trabalho, pausas insuficientes, monitoramento eletrônico dos atendentes com caráter punitivo, ritmo e formas de gerenciamento de trabalho que estimula a concorrência entre os colegas, forte pressão temporal da parte dos supervisores, com necessidade de superar ou manter os ritmos acelerados, bem como imposição de tempo médio de atendimento (TMA), metas (número de vendas diárias e mensais) elevadíssimas de produtividade, das quais o trabalhador não participa da elaboração, ruído excessivo no ambiente de trabalho, movimentos repetitivos, inadequação do imobiliário e equipamentos nos postos de atendimento (PAs), dentre muitos outros fatores que podem desencadear graves perturbações e sofrimentos nos trabalhadores. Assim, se impõe a questão: afinal, existe operando no teleatendimento uma subjetividade pós-fordista autônoma ao redor da ―intelectualidade de massa‖ ou uma nova forma de organização capitalista do trabalho informacional? Existem hierarquias entre decisão e execução nas empresas de Call Centers, este tipo de trabalho incentiva uma ―riqueza das individualidades‖? Existe um trabalho autônomo e autodeterminado ou um trabalho que ―se desmancha no ar‖? O panorama apresentado acaba por se contrapor aos elementos característicos do sistema capitalista flexível, diferenciado do sistema fordista/taylorista pela ausência de rigidez ou controle fixo, fatores considerados como típicos da indústria fordista. Justamente esta flexibilidade, alardeando o surgimento de novos padrões de produção capitalistas, não se verifica no processo de organização das relações de trabalho nos Call Centers, com sua rotina exaustiva e pesada. Trabalho que, a despeito de ter seu surgimento vinculado às normas do sistema de acumulação flexível, revela manter profundas semelhanças com o taylorismo/fordismo, dada coerção e o controle impostos a esses trabalhadores, na medida em que estes permanecem vigiados, porém por sistemas de controle aprimorados com o advento da tecnologia. Ocorre uma mercantilização da informação, esta é objetivada em valor de troca, o que possibilita sua quantificação, logo, transformação em mercadoria. Isto se ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 176 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) concretiza através da informatização ou alto desenvolvimento tecnológico, facilitando o controle do capital sobre o trabalho. Nos Call Centers, a hierarquia da empresa se duplica, já que o teleoperador deve ser obediente aos supervisores e coordenadores, que acompanham todos os contatos para garantir a obediência rigorosa ao script, e também ao cliente, ―garantindo sua satisfação‖ ao ser gentil, educado e bem-humorado: ter o sorriso na voz – inclusive essa exigência é fator preponderante utilizado para justificar a incorporação majoritária de mulheres como mão de obra, segundo compreensão de que estas ―habilidades‖ seriam socialmente adquiridas no espaço doméstico. Isso num ritmo acelerado, em pouco tempo, procurando muitas vezes convencer os clientes de forma cínica a comprar algo ou receber algum serviço ou taxa, além de resistir aos desaforos alheios dos clientes e dos supervisores. Sua autonomia é exercida na interatividade com o cliente, na diversidade, na variabilidade de cada "caso" fazendo com que a subjetividade e as emoções do operador desempenhem um papel importante nesse processo, tanto que quando destratados pelo cliente os operadores se sentem pessoalmente atingidos tornando-se fonte de stress, por mais que o operador seja ―a empresa‖ para o cliente e não um sujeito. Assim se verifica uma supervisão hierárquica rígida marcada pela coerção a partir do próprio fluxo informacional, do qual o operador é prisioneiro, combinando complexas relações entre chefe-subordinado, operador-cliente e operador-operador. Como estratégia para manter a alta rotatividade sem grandes custos operacionais, as empresas efetuam pré-contratações coletivas, fazem o treinamento de todo grupo (sem, é claro, remuneração e contrato assinado) e o mantém na espera. Vários meses podem transcorrer entre a pré-contratação e a contratação definitiva. Esta servirá para substituir o operador já desgastado, com ―prazo de validade‖ vencido. O novo operador costuma ser batizado de ―colaborador‖ ou ―parceiro‖, de modo a parecer que a empresa tem um enorme apreço por seus trabalhadores. Como corolário, esse novo operador não é um trabalhador que precisa (não deve) lutar coletivamente contra a lógica interna de funcionamento exploratório da empresa, encontrando enormes barreiras para desenvolver qualquer identidade conflitiva e politizada devido aos ritmos de rotatividade e gerenciamento ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 177 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) do trabalho. Assim, os teleoperadores parecem muito próximos com o que se entende como o proletariado, constantemente desafiado pelo novo sistema de exploração e dominação: o assalariado que produz e valoriza o ―capital‖ e é jogado na rua tão logo se torne supérfluo para as necessidades de valorização de ―Monsieur Capital‖, ainda que no âmbito de uma despolitização nas relações sociais na produção e inviabilização considerável, mas não definitiva, das formas coletivas de ação social na mundialização capitalista, em uma proletarização marcada por tentativas individuais de progresso social. Não se apresentando, portanto, como um trabalho que estimula a produção de conhecimento ou de uma subjetividade proletária rica e autônoma, a organização do trabalho teleoperativo desencadeia o processo de extrema proletarização dos operadores, e não de libertação do processo de trabalho capitalista. Uma organização marcada, como analisado, por um rígido controle sobre a realização da atividade pelo teleoperador, seja em relação aos tempos de intervalo e locomoção na empresa – são muitas vezes proibidos, durante a jornada, de andar nas CTAs fora dos intervalos ou sem autorização, inclusive de restrições nas idas ao banheiro, quando necessário –, seja nos próprios atendimentos, e com as atividades de cada operador sendo monitoradas quase em tempo real. Mensura-se o tempo médio de atendimento (TMA) e a duração de uma ligação. As pausas, em número são regulamentadas por lei, mas é o supervisor que determina quando serão concedidas, tendo como parâmetro a demanda e o fluxo das ligações e não as necessidades do trabalhador. Observa-se o controle, sob a forma de script, até mesmo da comunicação com o consumidor, de maneira a exercer vigilância constante sobre cada teleoperador e, consequentemente, sobre a realização ou não de metas e tempo de atendimento, o que, ao final do mês, é considerado para um possível valor complementar ao salário, cuja parcela fixa é muito baixa. O trabalho no setor de teleatendimento acaba sendo rigidamente condicionado pela articulação de tecnologias do século XXI com condições de trabalho do século XIX, mesclando estratégias de intensa e brutal emulação do teleoperador, ao modo da flexibilidade toyotista com técnicas gerenciais tayloristas de controle sobre o trabalhador, serviço em grupo com relações trabalhistas individualizadas, estimula ao mesmo tempo ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 178 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) cooperação e concorrência entre os teleoperadores, dentre outros processos que ampliam as formas mais complexificadas de estranhamento e alienação contemporânea do trabalho. Quando analisamos a proletarização não-operária dos teleoperadores colocados numa lógica laborial que combina novas tecnologias telemáticas de informação com gestão da hierarquia rígida do trabalho pelo chefe, pelo cliente e por outros teleoperadores, percebemos que as ―teorias do trabalho imaterial‖ não apenas são insuficientes para apreender este processo, como também mistificam os processos de trabalho que envolve a produção, processamento e circulação de informações virtuais. No caso dos Call Centers não encontramos a libertação criativa do trabalhador, mas um processo de proletarização virtualizada devida às degradantes condições de trabalho, em parte resultado das possibilidades abertas pelas novas tecnologias apropriadas pela gestão capitalista do trabalho. Além das comuns demissões em massa e de forma arbitrária realizadas por estas empresas que funcionam baseadas numa política de rotação periódica de trabalhadores, para se livrarem de encargos trabalhistas e de embriões de organização que possam colocar em jogo estas novas formas de exploração do trabalho pelo capital, dotado de intensiva utilização de tecnologias informacionais. A ameaça do desemprego estimula esta forma de trabalho ao esgotar o trabalhador, exigindo submissão ao chefe e ao cliente, sem qualquer canal de discussão sobre as condições coletivas de trabalho. Esta pressão constante se traduz em casos de esgotamento da saúde física e psíquica como LER, euforia, depressão e até suicídios. O forte controle do tempo de ligações, conversas, pausas, movimentos e gestos, além da gravação das ligações, escuta e supervisão em tempo real, controle de vendas, política de metas e assédio moral para exceder o nível de vendas, não deixa dúvida que o trabalho de teleatendimento não representa uma ―libertação‖ como coloca o discurso pós-fordista de idealização do trabalho informacional pós-fordista, mas uma nova forma de gestão da força de trabalho que utiliza incrementos tecnológicos de ponta com uma subsunção formal do trabalho típica do século XIX. Os Call Centers são o avesso da teoria do trabalho imaterial pela condição precária dos trabalhadores numa estrutura que tem como objetivo centralizar o recebimento e processamento de ligações telefônicas, distribuindo-as automaticamente aos ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 179 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) atendentes e possibilitando o atendimento aos usuários, realização de pesquisas de mercado por telefone, vendas e outros serviços por telefone, chat, web ou e-mail. Isto é, a mistura entre alta tecnologia e produção/circulação de informações não supera a subordinação do trabalho ao capital, mas complexifica suas relações como na utilização de softwares que monitoram e/ou gravam as ligações telefônicas e controlam o fluxo das chamadas mantendo um controle do trabalhador contínuo. Ao contrário do que os ―teóricos do trabalho imaterial‖ poderiam esperar, o teleatendimento não é um trabalho ―pós-subsunção do trabalho‖, mas uma complexa mistura entre avanço tecnológico e atraso na divisão social do trabalho, repetição automatizada do atendimento e adaptabilidade à ―excelência dos serviços‖, uso intensivo das capacidades comunicacionais (em especial a escuta) com interações que não estimulam a produção de conhecimento e nem de sociabilidade. Entretanto, ao contrário do delírio dos ―teóricos do trabalho imaterial‖, o teleatendimento não é uma exceção ao processo contraditório de incremento informacional do trabalho no capitalismo contemporâneo. É, nos termos marxianos, uma subsunção formal do trabalho, só que profundamente inserida no contexto do capitalismo digital financeirizado, criando uma espécie de ―teleoperário‖. Em suma, o teleatendimento - e tantas outras atividades como os trabalhadores dos fast-food e dos supermercados - não representam um desvio das contradições próprias do ―trabalho imaterial‖ na produção capitalista, mas é o surpreendente laboratório no qual se projeta o futuro ―trabalho imaterial‖ no capitalismo contemporâneo. BIBLIOGRAFIA ANTUNES, Ricardo. Os Sentidos do Trabalho: ensaios sobre a afirmação e a negação do trabalho. 2 ed. 10 reimp, rev. e ampl. São Paulo: Boitempo,2009. ANTUNES, Ricardo; BRAGA, Ruy (orgs.). Infoproletários: degradação real do trabalho virtual. São Paulo: Boitempo, 2009. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 180 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) BRAGA, Ruy. Uma Sociologia da Condição Proletária Contemporânea. Tempo Social: Revista de Sociologia da USP. vol.18, nº1, jun/2006, p. 133-152. FREITAS, Taís Viude de. Um Olhar para a Divisão Sexual do Trabalho no Setor de Teleatendimento. Anais VII. Seminário Trabalho: UNICAMP, 2010. GORZ, André. O imaterial: conhecimento, valor e capital. São Paulo: Annablume, 200 HARVEY, David. Condição Pós-Moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 8 ed. São Paulo: Loyola, 1999. MENDES, Josiane. A Terceirização na Área de Teleatendimento Telefônico em Curitiba: análise da continuidade do taylorismo/fordismo no trabalho flexível dos call centers. Universidade Federal do Paraná. Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes (dissertação). Curitiba, 2005. NEGRI, Antonio; HARDT, Michael. Império. Rio de Janeiro-São Paulo: Editora Record, 2001. NOGUEIRA, Claudia Mazzei. O Trabalho Duplicado: a divisão sexual no trabalho e na reprodução: um estudo das trabalhadoras do telemarketing. São Paulo: Expressão Popular, 2006. OLIVEIRA, Sirlei Márcia de. 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Sites Consultados: http://www.abt.org.br; http://www.callcenter.inf.br; ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 181 O TRABALHO PRECÁRIO E A SAÚDE PRECARIZADA DA MULHER: UMA ABORDAGEM SOBRE AS CONDIÇÕES SOCIAIS DAS TRABALHADORAS NAS UNIDADES DOMÉSTICAS DE PRODUÇÃO DE CONFECÇÕES DE VESTUÁRIO E ACESSÓRIOS EM TORITAMA-PE GEHLEN.V. R. F.; RAIMUNDO, V. J.; VASCONCELOS, R. C.; ALENCAR, M. C.; Programa de Pós-Graduação em Serviço Social/GRAPP, Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Agência Financiadora: PIBIC-UFPE/CNPq [email protected] INTRODUÇÃO Este estudo apresenta os resultados de uma pesquisa sobre a precarização do trabalho e da saúde no setor de confecções e vestuário, especificamente, nas unidades domésticas de produção no município de Toritama, na região do Agreste pernambucano, no que concerne ao Pólo de Confecções, desenvolvida em 2008\2009 e 2010, através do PIBIC/CNPq/UFPE. A discussão da precarização do trabalho e da saúde se deu a partir da articulação com os estudos das relações sociais de gênero, em que utilizou uma abordagem da psicodinâmica do trabalho, revelando seu caráter interdisciplinar. A pesquisa tem como objetivo a análise dos processos sociais que construíram, para mulheres e homens, as formas de precariedade social e de precarização da saúde no trabalho, em empregos nas unidades domésticas de produção de confecções, como também as práticas realizadas pelas pessoas trabalhadoras, para resistir ou se adaptar a estas dinâmicas e assim, construir ―sua saúde‖ no trabalho. Para isso, a abordagem teórica REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) contemplada nesse estudo é a dialética, na perspectiva histórica, e que traz o enfoque crítico às relações sociais de produção da sociedade capitalista. Nessa pesquisa a saúde é entendida não como um estado, mas como uma construção social, um processo dinâmico que insere o corpo, a pessoa, as marcas do trabalho, as condições de vida, o prazer e o sofrimento, tudo o que faz uma historia individual em sua singularidade, mas também os aspectos coletivos por influência das múltiplas lógicas no centro das quais ela se insere. Ao estudar a saúde partiu-se do enunciado de que o mundo do trabalho tem dois sexos, apesar de que os sintomas psicofísicos são semelhantes nos homens e nas mulheres. Contudo, os impactos sobre a saúde de cada sexo são diferentes devido à dupla ou tripla jornada de trabalho da mulher, a discriminação e a repressão sexual. A inserção da análise de gênero nos estudos e pesquisa na área da saúde no trabalho pode contribuir na compreensão do processo saúde-doença e elucidar os diferentes impactos que a exposição aos riscos semelhantes como químicos, ergonômicos e stress nos locais de trabalho. Na trajetória da pesquisa entendeu-se que a importância crescente das diversas atividades implantadas em áreas rurais nos países em desenvolvimento vem sendo marcada por uma intensificação das desigualdades sociais em suas áreas urbanas. Estudos que enfatizam a reestruturação da produção e do consumo sob a influência da globalização destacam a criação de áreas regionais duais, no caso em estudo, o Estado de Pernambuco, onde se destacam na Mata Sul, o Pólo de Suape; e no Agreste, o Pólo de Confecções. Nessas áreas a especialização funcional leva certos fragmentos das cidades a integrar-se na economia global, enquanto outras são totalmente excluídas tornando-se diretamente ligadas à economia da pobreza. Como um componente da reestruturação política, a descentralização tem sido vista como resultante da crescente segmentação institucional e da separação entre municípios pobres e ricos, uma tendência que ameaça a governabilidade das cidades e intensifica a desigualdade sócio-territorial. Um foco sobre o processo de diferenciação social e sócio-territorial como efeito da ampliação da exclusão social e do empobrecimento na cidade e fora da cidade ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 183 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) coloca esta dualidade em questão. As transformações sociais influenciam como a cidade é construída, percebida e vivenciada através da justaposição de diferentes espaços: produção, comercialização, consumo e residência, que reforça a fragmentação urbana em múltiplos territórios desiguais. Essa perspectiva enfatiza as mudanças ocorridas nas práticas sócioculturais e nas vivenciais de diferentes grupos, em termos de suas estratégias de trabalho. São práticas adaptativas que propiciaram o surgimento de formas de produzir e vivenciar o trabalho precário, nele incluindo a sociabilidade e construção da identidade, em resposta a emergência de valor e modelo ―global‖ de consumo, e a violência e erosão das redes de seguridade sociais que acompanham o processo de desintegração social levando à precarização do trabalho e conseqüentemente, da saúde. A deteriorização das condições de trabalho e renda e a intensificação das desigualdades sociais e da pobreza são indicadores claros das mudanças que vem ocorrendo no trabalho e nas atividades econômicas ligadas à globalização. O mercado de trabalho e as relações sociais de trabalho são áreas da vida social que mais transformações têm sofrido devido às lógicas estruturais da economia global. A modernização capitalista instala uma nova matriz de desenvolvimento que tem transformado radicalmente a estrutura econômica e social do mundo desde 1970. A concepção de trabalho tem se modificado, produto das alterações da sociedade e de novos fenômenos laborais como respostas a tais mudanças. A fórmula neoliberal se impõe com a informalização dos empregos passando os encargos dos postos de trabalho para o setor de serviços. A vulnerabilidade aparece em um interstício de um contínuo de inclusão-exclusão e permite explicar melhor o fracionamento que hoje sofre a sociedade, já que às antigas iniqüidades sociais se somam as novas, produzindo uma dinâmica social que vai além do dualismo incluído-excluído. Em uma acepção mais ampla o conceito de vulnerabilidade remete à idéia de uma inclusão parcial em diversas esferas da vida política, econômica, social e cultural com sua implicação de risco e insegurança do futuro. O conceito de precarização tem sido parte de um amplo debate na América Latina e também nos países desenvolvidos, tendo em vista a modernização global e as formas ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 184 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) e as características dos processos de produção. O termo “precarização” pode ser encontrado nos estudos de Robert Castell, em especial, no livro ―As Metamorfoses da Questão Social”, onde ele reconstrói, historicamente, a transformação das estruturas de integração social, com um interesse especial na capacidade integrativa do emprego e instituições relacionadas ao trabalho. O foco na integração e seu oposto, a exclusão social, fornece a uma perspectiva crítica para estudar as mudanças a partir de uma situação, onde as relações assalariadas são determinadas pelos arranjos institucionais das revoluções neoliberais, nas quais, de certo modo, se retorna a ideologia individualística do inicio do século XIX. No entanto, o termo precarização tem uma conotação especial que vai além de sua descrição sociológica, o primeiro relaciona-se aos aspectos da experiência do novo mundo do trabalho e seus impactos nas vidas dos indivíduos e das sociedades. Este significado está implícito em desde a desintegração das redes de apoio social, resultado da desregulação do mercado de trabalho e o desmantelamento de instituições da sociedade assalariada, criando um aumento no sentido de precariedade. Pode-se observar no setor têxtil, especificamente, no setor de confecções, um setor estruturado pela precarização social que toma caminhos diferentes segundo o gênero, a classe e a origem das pessoas trabalhadoras. Este é o fio condutor que foi tecido no curso desta pesquisa por entender que a organização dos processos e dos métodos de trabalho não são alheios ao gênero das (dos) trabalhadoras (es). Por exemplo, os empresários criam trabalhos a tempo parcial só quando podem contratar mulheres; a mão-de-obra feminina não funciona como secundária ou substituta, mas como preferencial para muitas ocupações. Por outro lado, estudos sobre a participação das mulheres nos setores produtivos tipicamente masculinos têm mostrado, repetidamente, as dificuldades de sua integração, não só pelas qualificações ou titulações profissionais, mas também pela existência de uma cultura de trabalho industrial fortemente marcada por valores especificamente masculinos. Nesta perspectiva, inúmeros são os estudos que manifestam a diversidades de valores que as mulheres privilegiam quando entram no mercado de trabalho: preferência por ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 185 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) empregos que permitem o desenvolvimento das relações pessoais, preferência pela cooperação frente à competitividade, da atenção as necessidades frente à orientação puramente produtivista. Em relação às indústrias de confecção, o novo modelo de produção flexível, em especial as unidades domésticas de produção de confecções, onde a mão-de-obra é predominantemente feminina, vem expondo as pessoas trabalhadoras a condições ambientais desfavoráveis, como excesso de calor, ruído e baixa iluminação que, somado as condições climáticas da região do agreste tem grande influência na saúde. Esses fatores causam desconforto, aumentam o risco de acidentes e provocam danos consideráveis a saúde de homens e de mulheres, especialmente a temperatura do ambiente de trabalho. A sobrecarga térmica influencia no rendimento do trabalho humano, uma vez que, quanto mais quente for o local onde se desenvolve as atividades laborais, tanto menor será a tolerância das pessoas trabalhadoras a atividade física e mental. METODOLOGIA A construção teórica repousa na articulação de vários campos da sociologia – do trabalho, da saúde no trabalho, das relações sociais de sexo e gênero - e diferentes problemáticas, como as transformações da organização do trabalho, da saúde no trabalho e a ação das relações sociais de gênero. As abordagens de outras disciplinas entre as quais a ergonomia e a psicodinâmica do trabalho, dentro da perspectiva de análise da saúde no trabalho como efeito e expressão das relações sociais e de sua articulação na esfera produtiva e reprodutiva, pretendem desvelar as ligações entre a divisão sexual do trabalho e a saúde psíquica e mental. Tal abordagem permite a compreensão do conteúdo das experiências vivenciadas pelas mulheres e pelos homens que interferem na vida do trabalho e na relação do corpo e da saúde. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 186 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) A análise da saúde no trabalho, como objeto transversal, não deve se limitar a uma análise que se fundamente sobre o único universo profissional. Com isso foram realizadas 10 entrevistas, caracterizadas como informais e conversações orientadas, quando possível, gravadas, e realizadas com as mulheres e os homens, que trabalhavam nas confecções domésticas. Junto às pessoas que ocupavam postos diferentes foram conduzidas 03 entrevistas semi- diretas – uma com representante de sindicato, uma com a representante do Ministério Público da cidade e uma com funcionário do Conselho Regional de Assistência Social – CRAS, da Prefeitura. Este estudo fez uma opção pela abordagem qualitativa, mesmo entendendo que as pesquisas quantitativas e qualitativas não se opõem necessariamente. Elas podem até mesmo se complementar. Sem entrevistas biográficas e sem observação torna-se difícil desembaraçar os fios que permitem compreender como se constrói a saúde no trabalho e suas implicações para a população precarizada. Colocar em palavras a experiência vivenciada, e contar a prática, pode representar um trabalho que antes de ser um compartilhamento de experiência, é difícil, sobretudo em questão relacionada à saúde. No entanto, foi preciso iniciar um processo de desvelar as questões de saúde e de gênero, para isso realizou-se entrevistas semi-diretas, informais e conversas orientadas, que constituíram um dos modos de coleta de dados possíveis. As entrevistas com as pessoas trabalhadoras foram realizadas no lugar de trabalho, durante o período de almoço ou lanche, onde os entrevistados (as) descreviam, dentro do possível, suas vidas de trabalho. Em alguns casos específicos as entrevistas ocorreram em outros lociais. A confiança entre entrevistadora/entrevistado/a foi facilitada por ter sido introduzida nas unidades domésticas de produção pelo centro de assistência social da Prefeitura em Toritama - PE. As observações durante o processo de trabalho foram feitas com permissão dos donos da facção/unidades domésticas. Na análise do trabalho utilizando os instrumentos da ergonomia, pode-se determinar às atividades reais, o campo da inteligência do conjunto das ações, a concepção, a experimentação até a realização e das tarefas que estão relacionadas ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 187 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) com o que foi prescrito pela empresa ao empregado. A contribuição da problemática da divisão sexual do trabalho a esta abordagem é demonstrar como o modo de operar, a tarefa e a atividade de trabalho se diferenciam, entre os homens e as mulheres. Procurou-se observar as posturas, os movimentos, os ruídos, as comunicações, os instrumentos no local de trabalho, e as descrições dos espaços de trabalho, as pausas, a iluminação, e os tempos de trabalho. Foi utilizado um caderno tanto para tomar notas como guia de observação. Outra questão importante foi a construído um guia de entrevistas, para os homens e para as mulheres, a partir de temas relacionados com o emprego, a saúde, e família. Foram consideradas também, as condições de trabalho e de vida na esfera reprodutiva, para os homens como para as mulheres, introduzindo temas sobre o trabalho doméstico e as condições do habitat. RESULTADOS No setor de confecção o processo produtivo e a pouca exigência técnica contribuem para que os mais diferentes indivíduos, não importando idade ou maiores conhecimentos técnicos, sejam inseridos no processo de produção. De acordo com o Plano Diretor de Toritama (2005), 80% da produção de confecções do município são feitas em pequenas produções familiares, estando elas dispersas pela cidade e pela zona rural. O município possui muitas residências que são adaptadas ao uso misto: parte da unidade familiar é transformada em unidade produtiva também chamada de facção, e outra parte menor é reservada à habitação familiar, lugar para morar. A facção é onde se realiza apenas uma ou mais de uma das etapas da produção da confecção de jeans, como o corte e a costura das peças. Nesses casos, as peças cortadas, ou cortadas e costuradas, seguem para outras facções ou empresas, onde passam por outras etapas da produção, como ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 188 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) caseamento, lavagem e tingimento. A produção, confecção e comercialização das peças em jeans ocupam, além dos cômodos das residências, as vias públicas. Com uma população de 21.800 habitantes Toritama tornou-se um dos maiores pólos de confecção de jeans do Brasil. O município produz atualmente cerca de 60 milhões de peças por ano, o equivalente a 14% da produção nacional. Existem na cidade 2.196 indústrias, quase todas dedicadas à produção de jeans. Desse total, cerca de 2.000 trabalham na informalidade, sendo 89% delas administradas por unidade familiar. Livres do labirinto burocrático e fiscal, as unidades domésticas empregam cerca de 20 mil pessoas, quase 92% da população do município. A "febre do jeans" atingiu até mesmo a zona rural, outra área do trabalho informal. Dos 21.800 habitantes do município, restaram apenas 1.673 pessoas no campo. O desenvolvimento econômico no setor de confecções fez de Toritama uma das maiores cidades produtoras de jeans do país, mas a sua população sofre com a falta de infra-estrutura e investimentos que melhore a qualidade de vida da população e as condições de trabalho. Observa-se, também, um descaso com o meio ambiente através da degradação e do impacto que o tratamento dado aos tecidos usados na confecção provoca no rio Capibaribe, que corta o município de Toritama. Outro fator ambiental que vem influindo na saúde das pessoas residentes no município é a qualidade atmosférica do ar, devido à queima de madeira nas caldeiras que lavam e tingem o tecido de jeans. De acordo com a cor da moda, as lavanderias tingem o material para a confecção de calças jeans e ao despejarem os resíduos nas águas do rio, elas tornam-se verde, azul ou marrom. Essas unidades domésticas estão condicionadas ao imperativo do mercado, empregando os membros da própria família e outras pessoas trabalhadoras. Sob a égide da flexibilização, o capital transfere para as pessoas trabalhadoras menos qualificadas, para as pequenas empresas, cooperativas e unidades de produção doméstica uma parcela da produção sem manter vínculos de trabalho formal. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 189 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) Desta forma, ao realizar a pesquisa de campo no município de Toritama, foram visitadas dez unidades domésticas de produção de confecções, sendo sete situadas no centro urbano e três na periferia da cidade, onde foram entrevistados quatro empregados, sendo três mulheres e um homem. Dos entrevistados, quatro eram proprietárias e dois proprietários de unidades domésticas de confecção. Na conversa inicial com os trabalhadores foi percebido que eles não ficavam à vontade e, temerosos em dar respostas, que por ventura viessem a comprometer o seu trabalho, então foi marcado outro local para as entrevistas. Os proprietários (as) facilitaram as entrevistas, embora marcando dias diferentes, e explicaram as divisões das tarefas e das atividades que as pessoas desenvolviam na unidade doméstica de produção de confecção. Nas entrevistas realizadas com as mulheres, algumas especificaram as condições de trabalho familiar na unidade e evidenciaram a precarização da saúde. A facção de algumas começou no terraço de casa, depois foi se expandindo até que ela construiu um grande galpão no térreo e sua casa no andar de cima. Contou com a ajuda da família, de sobrinhos e vizinhos. Atualmente, em sua facção ela emprega onze trabalhadores (as) cinco mulheres, contanto com ela, entre eles dois são adolescentes da família, de dezesseis e dezessete anos. A facção recebe a peça cortada e fazem o processo de costura e prega de bolsos. Uma segunda facção é responsável por travetar e casetar. Depois as peças são levadas para a lavanderia, e posteriormente para uma terceira facção para fazer o acabamento, a ―limpeza‖ dos fios da peça. E por último, ela vai para uma empresa responsável pelo bordado. No período de alta estação é comum os trabalhadores prolongarem sua jornada para dar conta da produção, mas as mulheres compensam as horas extras com um lanche, uma refeição. Quanto aos problemas de saúde, como tendinite, problemas respiratórios, visão, acidentes no trabalho, muitas delas já perfuraram os dedos algumas vezes na máquina de costura, e se acontece algo com quem trabalha com ela, tem na unidade, uma caixa de primeiros socorros, pois sempre são acidentes tratáveis e ninguém ―quer perder hora de produção‖. Em relação as suas perspectivas, afirmam que querem comprar mais 10 máquinas de corte reto, atualmente possui 6 máquinas. Uma das costureiras demonstrou ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 190 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) caráter empreendedor, pois só estudou até a 5ª série do ensino fundamental e hoje tem seu próprio negócio. Essas pessoas trabalhadoras são compelidas, no início, para o trabalho informal, por não possuírem qualificação e experiência profissional, requisitos exigidos pelas fábricas de confecção local. O ―fetiche‖ da autonomia, do lucro e da falsa liberdade esconde a falta de proteção, a insegurança e a não-garantia dos direitos sociais e trabalhistas. Entre as pessoas trabalhadoras entrevistadas nenhuma contribuía com a Previdência Social, nem tinham plano de saúde, além de ter baixo nível de escolaridade. Demonstravam desconhecimento dos direitos sociais e trabalhistas que um trabalhador em regime formal e contribuinte possuem como: seguro-desemprego, FGTS, salário mínimo, salário maternidade, jornada de oito horas diárias e 44 horas semanais, férias remuneradas, décimo terceiro salário, repouso semanal remunerado, auxílio acidente, auxílio desemprego, aposentadoria. As entrevistadas também se queixaram de dores nas articulações principalmente no ―punho‖ e na coluna. Em sua grande maioria, os estabelecimentos não possuem uma infra-estrutura adequada que garanta as condições de trabalho das pessoas trabalhadoras. As cadeiras são desapropriadas e desconfortáveis, o calor é sufocante, a iluminação é precária e o ar, muitas vezes, é cheio de penugem e pó dos tecidos, resíduos das peças. Como essas pessoas trabalhadoras dependem das demandas das grandes e médias empresas capitalistas, no período de baixa estação ficam desocupados. A confecção – produção – comercialização do jeans ou vestidos e blusas são etapas, na maioria das vezes realizadas por diversas pessoas trabalhadoras especializadas em desempenhar determinada função. De forma geral, o primeiro trabalhador corta, o segundo monta, o terceiro lava, o quarto costumiza (desfiado, bordado, sobretinto, rasgado, corroído), o quinto passa, outro borda, e o último vende. Todas essas etapas feitas pelas pessoas trabalhadoras não têm relação direta com o médio ou grande proprietário, é produção terceirizada podendo-se observar que a ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 191 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) exploração dos trabalhadores pelo capital se realiza aqui mediada pela exploração do trabalhador pelo trabalhador. Esses exemplos retirados das entrevistas mostram uma pequena demonstração da realidade enfrentada por essas pessoas trabalhadoras que são exploradas, tem suas condições de trabalho precarizada, desprotegidas e iludidas pelo lucro rápido. O salário por peça transmite uma falsa liberdade ao trabalhador, e o valor de cada peça já contém o tempo de trabalho socialmente necessário que determina o valor do trabalho empregado. Desta forma, para ganhar mais, o trabalhador intensifica a jornada de trabalho, permitindo ao capitalista elevar o grau normal de intensidade, rebaixando, assim, o preço do trabalho, prejudicando todos os trabalhadores, e além do mais, ser responsável pela qualidade do produto. O “patrão-trabalhador‖, o dono da facção ou unidade doméstica, ou seja, o pequeno patrão tem obrigações de empregador e encargos de indústrias, pois os empreendimentos familiares assumem os custos da produção como pagamento aos trabalhadores, água, energia elétrica, compra e manutenção das máquinas e às vezes aluguel de espaços para ampliar a produção. Desta forma, a empresa capitalista, que terceiriza, reduz os custos e aumenta a produtividade e os lucros a custa dos terceirizados. Toda essa mudança no mundo do trabalho e da produção, entre os anos 1980 e 1990, implantou novas tecnologias e também ―ressuscitou‖ ou intensificou outras formas de trabalho, advindas com o fenômeno da terceirização, como o trabalho em domicílio, executado na residência da própria pessoa trabalhadora, como é o caso das unidades domésticas de confecção, cujo trabalho se caracteriza por jornadas de trabalho mais longas, que se estendem, às vezes, pela noite e aos finais de semana e feriados; em locais de trabalho improvisados; na ausência de proteção social; na diminuição do poder de reivindicação e de negociação; na superexploração do trabalho da mulher; na incorporação do trabalho infantil; e em baixos salários. Além de ocasionar uma invasão ao ambiente familiar, transformando o espaço doméstico em espaço de produção, também utiliza da mão-de-obra de toda a família ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 192 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) incorporando o trabalho não-pago, utilizando-se do trabalho infantil, que sendo uma produção doméstica escapa ou oculta da fiscalização do Conselho Tutelar e dos órgãos responsáveis pela segurança do Trabalho e Higiene. No entanto, fato de ser patrão ou patroa não faz da pequena unidade doméstica de confecção uma empresa capitalista. O ―patrão-trabalhador‖ utiliza a própria força de trabalho na produção demonstrando a falsa autonomia das pequenas unidades familiares. Além de depender da matéria-prima das empresas contratantes e do pagamento ser feito por peça, revelando a subordinação ao capital, as jornadas de trabalho dependem da quantidade de peças que são demandadas e a urgência para entrega. Para aumentar sua remuneração o trabalhador explora a sua própria força de trabalho e sua saúde com jornadas extenuantes de trabalho. Apesar das novas configurações do capitalismo, as relações de exploração inerentes a esse modo de produção, permanecem impondo um desenvolvimento que sobrecarrega e explora todas as pessoas trabalhadoras. Na tentativa de apreender o que vai além da materialidade do trabalho sem desvincular-se dele na realidade destas pequenas unidades domésticas, considerou-se o campo empírico, no qual se observou que há um isolamento social, decorrente das longas jornadas de trabalho e da carga laboral a que se submetem as mulheres e os homens para a manutenção das suas condições mínimas de sobrevivências, o que leva ao sofrimento psíquico. O trabalho informal, sem carteira assinada, como ele é realizado nas unidades domésticas de confecções, não consta nas estatísticas públicas por não estar legalizado junto aos órgãos públicos e continua existindo invisível, como mostra o estudo realizado e a coleta de testemunhos das pessoas trabalhadoras no setor. Evidenciou-se, também, a articulação dessas unidades domésticas de confecção com a esfera dita formal, do emprego declarado, nas empresas que terceirizam suas atividades, a particularidade do setor têxtil residindo desta forma, na dimensão estruturante do trabalho ―ilegal‖. Esta porosidade entre o mundo do trabalho dito formal e informal que foi observado na pesquisa leva a colocar a questão da imbricação estreita das atividades formais e ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 193 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) informais, o trabalho ―ilegal‖, como outros tipos de informalidades, está articulado à economia formal, dela dependendo estreitamente, e por ela sendo configurado. A análise das entrevistas e a observação in situ colocam em evidencia os efeitos estruturantes da divisão sexual do trabalho no trabalho dito informal ou ―ilegal‖. Mantendo-se as características do modelo atual, o desemprego/desocupação terá continuidade, condicionando o crescimento do trabalho informal e paralelamente às pequenas unidades domésticas tenderão a crescer. Essas formas de atividade são necessárias ao sistema porque, além de viabilizar a sobrevivência de homens e de mulheres trabalhadores, propicia um grande intercâmbio de bens e serviços entre os dois setores da economia capitalista, o formal e o informal. O fenômeno existente em Toritama está inserido nesse contexto, de vez que o espaço não se encontra isolado, ele é parte de um quadro maior de relações econômicas, sociais e políticas. É através da crescente precarização do trabalho e da pobreza de região como a nordestina, que se pode encontrar a explicação para o crescimento da atividade das unidades domésticas de confecção. A compreensão das ligações entre as dinâmicas da precarizaçao do emprego e do trabalho e a precarização da saúde foi construída a partir da problemática da articulação das relações sociais através da análise das práticas das pessoas trabalhadoras nas unidades domésticas de produção de confecção. Igualmente procurou-se tornar visíveis os efeitos estruturais da divisão sexual do trabalho na saúde das pessoas trabalhadoras. Cabe às Ciências Sociais e Humanas e, em particular, ao Serviço Social, além de analisar as condições sociais e econômicas do trabalho, buscar compreender as conseqüências deste sofrimento para estas pessoas, que pode ser considerada uma das expressões da Questão Social na contemporaneidade. BIBLIOGRAFIA ALENCAR, M. Trabalho Precário e seus Rebatimentos na Saúde das Pessoas Trabalhadoras das Unidades Domésticas de Produção em Toritama. Trabalho de ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 194 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) Conclusão de Curso. Orientadora: GEHLEN, Vitória. Departamento de Serviço Social. Recife, UFPE, 2009; ANDRADE, M. C. Estado, capital e industrialização do Nordeste. Rio de Janeiro, Zahar, 1981; CASTELL, R. As Metamorfoses da Questão Social: Uma crônica do salário. Editora Vozes, 5ª, edição, 1998; COUTO, H. A. Ergonomia Aplicada ao Trabalho Humano em 18 lições. Belo Horizonte: Ergo Editora, 2002; DEJOURS, C. A Loucura no Trabalho. Estudo da Psicopatologia do Trabalho. 5ª ed. São Paulo: Cortez Oboré Editorial, 1998; _____________, C. Subjetividade, Trabalho e Ação. 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Departamento de Serviço Social. Recife, UFPE, 2008. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 196 RELATO DO ATENDIMENTO PRESTADO A UM TRABALHADOR COLETOR DE LIXO NO SERVIÇO DE SAÚDE MENTAL DE UM MUNICÍPIO DO CENTROOESTE PAULISTA LALUNA, N. C.; Faculdade de Medicina de Marília (FAMEMA) CHAPADEIRO, B. R.; Mestrado em Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia e Ciências de Marília-SP, Universidade Estadual Paulista (UNESP) [email protected] INTRODUÇÃO O estabelecimento do nexo causal entre certas condições de trabalho e a emergência de transtornos mentais específicos ainda parece ser o problema crucial no campo da Saúde Mental e Trabalho (SM&T) no Brasil. O estabelecimento desse nexo, no entanto, torna-se uma questão decisiva, afetando a vida de muitas pessoas hoje acometidas de graves transtornos mentais e que sofrem por ainda atualmente não saber a quem recorrer e como fazer valer os seus direitos. Elas acabam caindo nos hospitais e serviços de psiquiatria, com diagnósticos de doenças comuns, sendo submetidas a tratamentos baseados em grande quantidade de medicamentos, caracterizando, muitas vezes, ―uma verdadeira camisa de força química‖. Atuar no campo da SM&T é preocupar-se em selecionar os fenômenos a serem estudados e que tornem possível a identificação de aspectos que potencialmente terão repercussões na vida do homem que trabalha. Dessa forma, torna-se imprescindível e necessária a articulação interdisciplinar para realizar diagnósticos, propor medidas preventivas ou soluções nos ambientes de trabalho e verificar os nexos causais entre os problemas de saúde e o exercício das atividades laborais visando escapar dos reducionismos. REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) Cada vez mais é nítida a centralidade alcançada pelo trabalho no neoliberalismo, que teve seus efeitos na alteração radical da estrutura da sociedade brasileira. Identificados por alguns teóricos como ―nova classe média‖, ―avanço da classe C‖, ―emergência da gente diferenciada (sic)‖ ou ―de batalhadores sociais‖, o evento da mobilidade social atualmente constatado emerge fundamentalmente assentado no dinamismo do mercado de trabalho. Porém quando o ―trabalhar‖ assume um ritmo alucinado atuando na dinâmica psicossocial do trabalhador assalariado, são suscitados sofrimentos e desgastes humanos. Infelizmente, conforme citamos acima, o nexo causal do transtorno mental com o trabalho ainda é precário nos serviços de saúde especializados e em muitas vezes o trabalhador adoecido é levado a serviços de saúde mental como os CAPS (Centros de Atenção Psicossocial) que em muitos casos, também não possuem em sua cultura e prática institucional do ―olhar‖ voltado para a questão existente entre as condições e organização do trabalho com a gênese de determinada patologia apresentada por usuários do serviço. No portal do Ministério da Saúde encontramos que os ―projetos dos CAPS devem, muitas vezes, ultrapassar a própria estrutura física, em busca da rede de suporte social, potencializadora de suas ações, preocupando-se com o sujeito e a singularidade, sua história, sua cultura e sua vida cotidiana‖. No entanto, não é o que encontramos na filosofia de muitas unidades, onde o tratamento nosológico fica restrito ao território do serviço (reuniões, oficinas terapêuticas, e demais atividades) sendo que no prescrito, o serviço deveria levar a discussão para um campo que deve necessariamente ultrapassar o indivíduo, alcançando o campo social e, sobretudo, colocar o trabalho no seu centro, vide que esta é atividade a qual o homem passa a maior parte do seu tempo dedicando-se a ela. As formas de abordagem dos transtornos mentais e do comportamento compõem o desafio crucial exposto neste texto. A crítica por nós sugerida como meio de repensar nossa própria práxis vem de encontro com as recentes pesquisas no campo da SM&T: de que forma a prevenção, o diagnóstico e o tratamento de tais psicopatologias nos serviços de saúde mental, em especial os CAPS, buscam efetivamente o acompanhamento clínico e a reinserção social dos usuários pelo acesso ao trabalho, ao lazer (ócio), ao exercício ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 198 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) dos direitos civis e ao fortalecimento dos laços familiares e comunitários se há priorização de certas categorias em detrimento de outras na compreensão do que seria a totalidade dos transtornos. Em unidades de CAPS espalhados pelo país, os levantamentos de hipóteses diagnósticas de psicopatologias abrangem muitas vezes as categorias ―família‖, ―história de vida e de surgimento do transtorno‖, ―escolaridade‖ e a ―queixa‖, sendo posta de lado a categoria ―trabalho‖ que como dissemos acima, tem um lócus central no mundo do capital, que é o mundo da sociedade do trabalho assalariado. É fato que existem numerosas ligações tecendo a interface família/ trabalho que se constitui num terreno amplo para quem atua na área de Saúde Mental. A trama complexa dessa interface, numa visão preliminar, deixa entrever uma via de mão dupla: de um lado, há o fluxo em que a subjetividade desloca experiências familiares para o mundo do trabalho; e de outro, a corrente que transporta para a vida familiar determinações emanadas do trabalho. Porém, os dois fluxos se entrecruzam muitas vezes, ao mesmo tempo em que dão lugar a dinâmicas pelas quais se realimentam reciprocamente. No estágio atual da organização dos serviços de Saúde no Brasil, ainda predomina a verticalidade que separa os setores de Atenção à Saúde Mental (CAPS) dos de Saúde do Trabalhador (CERESTs), assim como a que separa os que realizam atenção à saúde infantil e os que atendem ao pai ou à mãe trabalhadora. Nesse sentido, seríamos deveras repetitivos se disséssemos que dentro desta estrutura, urge que se criem formas de integrar as ações preventivas que englobem as questões do local de trabalho, as do trabalhador, as da saúde psicossocial da família, bem como de outras instâncias que envolvem o ser social. METODOLOGIA E DESENVOLVIMENTO Neste tópico apresentaremos o relato de um caso atendido nas dependências do sistema de saúde situado em município do Centro-Oeste Paulista visando efetuarmos o ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 199 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) nexo causal entre a atividade ocupacional do paciente e o transtorno mental evidenciado no mesmo. Sr. José – nome que utilizaremos para preservar a identidade do paciente -, 58 anos, nascido e criado na zona rural, proveniente de família numerosa e de ―baixa renda‖. Quando criança, via a mãe beber cerveja preta para amamentar os irmãos mais novos – faz parte do folclore popular o pensamento de que desta forma a mulher produziria uma maior quantidade de leite para a amamentação – e sempre bebia o que restava da cerveja da mãe. Sr, José nos relata ter tido uma infância sofrida, em ambiente com precárias condições de higiene, pouco ou nenhum afeto dos pais e a precoce entrada para o mundo do trabalho visando auxíliar na renda familiar, motivo o qual abandonou os estudos, tendo completado somente a 4ª série do Ensino Fundamental. Aos 14 anos aproximadamente, Sr. José passa a ter um maior contato e a fazer uso regular de álcool e cigarros. Sr. José refere ter estabelecido vínculo com outros trabalhadores rurais onde também trabalhava e sempre após o horário de trabalho reuniam-se com freqüência em bares para conversas e jogatinas. Casou-se aos 24 anos e teve 6 filhos. Aos 28 anos, ingressa no trabalho como coletor de lixo do município, e expressa este não ser ―o emprego que desejara‖, porém fazia-se necessária a sua subsistência bem como de sua família. Em seu trabalho como coletor de lixo ampliou seu círculo social e passou a sentir o peso e a pressão de se trabalhar com, em suas palavras, ―o que ninguém mais quer: o lixo‖. Conta que inicialmente foi difícil adaptar-se ao cheiro dos resíduos, e denuncia faltar luvas e uniformes para os trabalhadores, o que considera uma precarização das condições do trabalho coletor de lixo. Passa a fazer uso descontrolado de bebida alcoólica (BA) com os colegas de trabalho alegando ser esta a forma que os trabalhadores coletores de lixo se utilizam para expelir o mau cheiro e a sujeira impregnados no corpo, dando-lhes a falsa sensação de limpeza que os permita suportar o trabalho árduo e penoso do resto do expediente. Sr. José começa a fazer uso de BA diariamente, inicialmente logo após o término do expediente, mais adiante no próprio local e horário de trabalho: ―Às vezes dava tempo de ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 200 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) tomar um `rabo-de-galo‘ nos bares, entre pegar um saco de lixo e outro, mas também sempre tinha com agente uma garrafa `da boa‘ no caminhão‖. Aos finais de semana invernava no bar, apenas fazendo uso de BA e comendo petiscos, às vezes amanhecia no bar de domingo para segunda feira e ia direto para o trabalho. Relata ter ampliado ainda mais seu círculo social nos bares que frequentava, onde teve relacionamentos extra-conjugais. Mais recentemente – 2000 – diz ter experimentado outras drogas tais como: maconha, cocaína, crack e o ―mesclado‖ (maconha+crack+cinza de cigarro), esta última, tendo feito uso contínuo em concomitância com o álcool. Sr. José passa a apresentar quadros de agressividade ocasionados pelo álcool e por este motivo relatou ter tido problemas com a família, chegando a, na maioria das vezes, agredir verbalmente mulher e filhos, porém ocorrendo também episódios de agressão física e violência sexual com os filhas. A bebida sendo utilizada como meio de direção da agressividade para o exterior, fica evidenciada quando o paciente diz provocar brigas com transeuntes, fato este que se torna objeto de preocupação de sua família, que temia que em tais situações Sr, José pudesse ser espancado e morto. Durante suas passagens pelos serviços de saúde do município, há constatações no prontuário do Sr. José de que este haveria deixado de cuidar de sua higiene pessoal e de se preocupar com a própria alimentação. Passa a apresentar sintomas psicóticos de persecutoriedade relatando ser constantemente vigiado por seus vizinhos ou pela polícia, e com isso levantava à noite assustado preocupado que seus perseguidores pudessem matá-lo. Apresentou Delirium Tremens, sintoma associado ao alcoolismo crônico que caracteriza-se por um estado tóxiconfusional breve que se acompanha em perturbações somáticas. É descrito usualmente como uma conseqüência de abstinência absoluta ou relativa de álcool em usuários gravemente dependentes com uma longa história de uso. Como sintomas do Delirium Tremens ocasionado pela dependência do álcool temos as alucinações e ilusões vívidas afetando qualquer modalidade sensorial - Sr. José enxergava pequenos animais locomovendose por seu corpo -, perda da noção de tempo e espaço, dispepsia e tremores, os quais o paciente alegava fazer ingestão de álcool logo pela manhã visando a extinção do sintoma. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 201 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) Com o tempo, o paciente apresentou-se tolerante à substância, dizendo que altas doses de álcool já não surtiam mais efeito. O Sr. José queixava-se constantemente de dores intensas na coluna lombar devido ao esforço físico de seu trabalho e fraqueza decorrente da má alimentação e de sua precária condição de saúde devido ao uso de álcool. Por conta do crescente uso e dependência do álcool, Sr. José perdeu dias de serviço, passou por diversas sindicâncias, teve perdas materiais consideráveis para pagar dívidas ou por destruição nos episódios de heteroagressividade. Existem passagens no prontuário do Sr. José que relatam períodos em que o mesmo manteve-se em abstinência por meses ou mesmo anos, porém sempre com motivos para a recaída. Gradativamente seus familiares passam a não mais acolhê-lo, levando-o ao Pronto-Socorro (PS) do município e afastando-se dele nos episódios de embriaguês. Atualmente o Sr. José está separado da esposa, e mantém contato apenas com uma de suas filhas, a qual ele reside na casa dos fundos. O Sr. José foi diagnosticado como alcoolista crônico pelos diversos profissionais que o atenderam nas recorrentes passagens que teve no PS do município desde o ano de 1995. Foi encaminhado a realizar múltiplos tipos de tratamentos: internações psiquiátricas, intervenções medicamentosas, acompanhamentos ambulatoriais e tratamentos em Centros de Atenção Psicossociais (CAPS), aos quais teve pouca aderência. Após uma série de internações em um hospital psiquiátrico o Sr. José procurou o CAPS espontaneamente com a intenção de continuar o tratamento e manter-se em abstinência. Para realização destes tratamentos conseguiu afastamento médico do trabalho. Relata em um dos contatos que seu maior medo era o retorno ao trabalho, pois tal ambiente poderia fazê-lo ter uma recaída, considerando sua ocupação, portanto como fator de risco de seu quadro psiquiátrico. Já esteve abstinente no trabalho em outros momentos e afirma que os demais trabalhadores coletores de lixo o incentivam ao retorno do uso do álcool. Em outro momento Sr. José se dizia em plena condição de retornar ao trabalho, evidenciando pouca crítica em relação à sua síndrome de dependência do álcool e de múltiplas drogas, tecendo comentários como: ―espero morrer ao lado do litro‖ e ―não há tanto problema em fumar maconha, pois é ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 202 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) uma erva natural‖. Relata esporadicamente ter ―pane mental e idéias erradas‖ relacionadas ao fato de ―estar ficando velho‖ e não ter muitas expectativas para sua vida futura. Às vezes pensa em voltar a beber por assumir não encontrar outra fonte de prazer, respaldado pela filosofia popular de que ―todos irão morrer algum dia e ao menos ele morrerá fazendo algo que lhe causa bastante satisfação‖. Em casa, para manter-se abstêmio, fez a substituição do álcool pelo uso de cafeína e tabaco. Chegou a beber três garrafas de café por dia. Nos momentos de ―fissura‖ vontade intensa de uso de álcool e drogas -, controlava-se se exercitando, ouvindo música e comendo doces, conforme orientações dadas pelos profissionais do CAPS. Encontrava-se empenhado em manter-se abstinente, porém em 2010 teve notícia de que somente poderia aposentar-se após quatro anos, quando sua expectativa era de aposentar-se ao final deste mesmo ano. Sr. José tinha a esperança de ―pendurar a chuteira, poder beber socialmente e fazer uso esporádico do `mescladinho‘‖. Alguns dias após tomar ciência da condição atual de sua aposentadoria Sr. José teve outra recaída fazendo uso de álcool e outras drogas. Foi novamente internado por dois meses recebendo alta com uso medicamentoso de clorpromazina 75mg (0-0-1). Retornou ao CAPS para mais uma tentativa de controlar sua dependência. Durante as atividades em grupos e contatos individuais foi sugerido ao paciente que tentasse mudar de setor de serviço, indo trabalhar em outra unidade para maior segurança de sua saúde. Sr. José investigou a viabilidade de tal manobra, porém até seu último contato com o CAPS tal probabilidade ainda não havia sido confirmada, pois encontrara barreiras burocráticas em uma série de laudos médicos e permissões de chefias. O plano terapêutico do Sr. José foi diminuído de intensivointegral (presença diária em período integral) para semi-intensivo (presença de três dias na semana), quando o mesmo relatou sentir-se apto a voltar ao trabalho. Contudo, os atestados médicos do tratamento semi-intensivo encontraram nova barreira burocrática no trabalho do Sr. José não sendo aceitos, pois as ―normas da instituição‖ previam somente o atestado médico mensal. Desse modo o Sr. José fez um combinado com seu terapeuta de referência de que ele passaria mais um mês no plano terapêutico intensivo-integral e logo iria direto ao ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 203 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) plano de cuidados não-intensivo (uma vez na semana), que diz do comparecimento de pacientes dependentes de múltiplas drogas ao grupo terapêutico semanalmente. Sr. José compareceu o último mês no plano combinado, tendo algumas faltas nesse período e logo em seguida abandonou o tratamento. RESULTADOS O pensador italiano Antônio Gramsci em seu escrito clássico ―Americanismo e Fordismo‖ de 1934 nos expõe as transformações ocorridas no mundo do trabalho na segunda modernidade do capital com o advento da modernidade-máquina que tem o modo de produção fordista-taylorista como expressão magistral. O fordismo como mecanismo de acumulação e base para o surgimento de um ―novo tipo de trabalhador‖ demandado pela racionalização da produção e do trabalho, ganharia força através da combinação do proibicionismo com a regulação puritana do consumo de bebida alcoólica e dos hábitos sexuais. Ou seja, proibindo o libertinismo. Seguindo esta lógica, pode-se pensar que a ideologia puritana proposta pela iniciativa privada ganha a adesão do Estado plutocrático do começo do século XX e se arrasta até os dias atuais perpetuando a intrínseca filosofia: Quem trabalha recebendo salário, com horário fixo, não deve ter tempo de se dedicar à busca por álcool e iludir as leis. Para o novo modelo de acumulação surgido no início do século passado, o operário que vai ao trabalho depois de uma noite de extravagância não é um bom trabalhador, pois a exaltação passional não estaria de acordo com os movimentos cronometrados dos gestos produtivos da automação. O que observamos de certo, é que o capitalismo é e sempre foi uma contínua luta contra a animalidade do homem, um processo ininterrupto de sujeição de instintos naturais a complexas e rígidas normas e hábitos de ordem, de exatidão, de precisão, que tornam possíveis as formas sempre mais complexas de vida coletiva, ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 204 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) conseqüência necessária, portanto do desenvolvimento do capital. As classes superiores pregam, ainda atualmente, o proibicionismo do uso do álcool às classes que vivem do trabalho, ao passo que, para elas próprias, defendem o liberalismo. A partir das reflexões de Gramsci sobre a problemática da questão relacionada ao álcool vinculado ao trabalho em uma dimensão macro-política-social, nos interessa com o presente trabalho, investigar a aparente conexão existente entre o caso do Sr. José, um trabalhador coletor de lixo e seu uso de bebidas alcoólicas, configurando-se em um quadro psiquiátrico; e qual seria, portanto a intervenção do Estado no campo dessa discussão. ―E eis que a luta contra o álcool, o agente mais perigoso da destruição das forças de trabalho, se torna função do Estado‖. De acordo com a Classificação Brasileira de Ocupações, os coletores de lixo ou Gari, ou ainda vulgarmente conhecidos como ―lixeiros‖, são os profissionais responsáveis pelo recolhimento de lixo acumulado em logradouros públicos e outros locais, despejando-os em veículos e depósitos apropriados, a fim de contribuir para a limpeza destes locais. Os coletores de lixo estão sujeitos a altos riscos de acidentes de trabalho e a uma alta carga de trabalho que exige desses profissionais grandes esforços físicos e mentais, trazendo desse modo, danos a sua saúde e a um baixo rendimento no trabalho. Sobre as cargas de trabalho encontradas nos coletores de lixo, constatou-se que esses trabalhadores estão expostos a uma carga psíquica constante relacionada a uma atenção permanente exigida nas tarefas, a insegurança, a falta de perspectiva, um ritmo diário de trabalho que se torna desgastante, a falta de reconhecimento, falta de valorização, irritação em relação ao ruído constante, assim como desgastes físicos e emocionais, devido a exposição ao perigo e exigência da responsabilidade na tarefa. O hábito de ingerir bebidas na esfera do trabalho dos coletores de lixo, soa como algo mais que um problema de saúde, ou mesmo um estimulante, mas sim um mecanismo de defesa de fuga da realidade vivida no contexto do trabalho e as demais instâncias abarcadas por ele. Esta anestesia contra o sofrimento psíquico corresponde muitas ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 205 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) vezes a uma verdadeira evitação de tomada de consciência, isto é, uma fuga da percepção de uma realidade que é penosa para o sujeito. Podemos também relacionar o consumo de álcool com o tipo de trabalho realizado, o produto com o qual os coletores de lixo trabalham e o local onde trabalham. Essas condições suscitam sentimentos e valores como os apresentados pelo Sr. José, reconhecimento do trabalho, necessidade de desintoxicar, de limpar-se do cheiro do lixo e do próprio lixo, passando a vivenciar o consumo de álcool como ―remédio que limpa por dentro‖, ―afasta o constrangimento e a vergonha de exercer tal função‖. Parece tratar-se muito mais de uma procura feita em termos simbólicos: beber para se ter coragem de enfrentar a vida difícil, o trabalho cheio de perigos e não apenas o trabalho da próxima jornada. O álcool na função dos coletores de lixo funcionaria então como uma proteção contra o olhar do outro e contra a falta de significado deste trabalho considerado pelos próprios como ―sujo e vazio‖, já que dele nada é produzido materialmente. A limpeza que seria o produto do trabalho não é vista e nem valorizada pela sociedade – o que reforça a tese popular do que seriam os chamados ―trabalhadores invisíveis‖. É claro que não podemos ir contra o que dissemos até agora se configurarmos o trabalho como instância causal isolada e única, não se tratando, portanto de promover tal reducionismo, mas sim, de chamarmos atenção também para aspectos não examinados tradicionalmente nos estudos sobre alcoolismo. O álcool anestesia os sentidos dos trabalhadores, ao mesmo tempo que é capaz de limpar o cheiro de lixo e todas as contaminações por bactérias, vírus, a que estão sujeitos no cotidiano. A descontaminação seria como uma purificação, de forma que, ao se lavarem ―por dentro‖, eles passariam novamente a se reconhecer. Acreditam também que o álcool exerce ação estimulante, necessária em função do ritmo de trabalho que executam, dando-lhes resistência para agüentar as condições de trabalho a que estão submetidos. Outro fator importante também relatado seria a função de complemento vitamínico, em substituição ao alimento – reforçando a tese da amamentação por parte da mãe do Sr. José -, pois não possuem condições monetárias para uma alimentação adequada. Santos também verifica em ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 206 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) seu estudo que o alto consumo de álcool entre os coletores de lixo aumentam os índices de acidentes de trabalho. Quando um trabalhador torna-se paciente psiquiátrico ao fazer uso de mais de uma droga psicoativa o diagnóstico dado pelo CID 10 é de Transtornos Mentais e de Comportamento decorrentes do uso de múltiplas drogas e do uso de outras substâncias psicoativas (F19), ou seja, no caso do Sr. José, trabalhador coletor de lixo apresentado no tópico anterior, este fazia uso regular de álcool e do mesclado, evidenciando um diagnóstico médico correto para seu caso. Contudo, optamos por dar ênfase ao diagnóstico de alcoolismo crônico do Sr. José pareando-o a um transtorno mental e do comportamento relacionado ao trabalho conforme descrito acima, levando em conta o tempo em que esteve exposto ao contato com o álcool, e as explicações dadas pelo paciente para sua utilização – suportar a rotina estressante da atividade - e cuja substância foi a ―droga gatilho‖ para o consumo de outras substâncias tais como maconha, cocaína, crack e mesclado. Nos estudos sobre o alcoolismo, este é tratado como um transtorno heterogêneo e com uma etiologia multifatorial. Desse modo, o trabalho, como vimos, é considerado um desses multifatores psicossociais de risco para o alcoolismo crônico. De acordo com o Ministério da Saúde, o consumo coletivo de bebidas alcoólicas associado a situações de trabalho - muito bem evidenciado em nosso estudo de caso - pode ser decorrente de prática defensiva, como meio de garantir inclusão no grupo, ou como forma de viabilizar o próprio trabalho, em decorrência dos efeitos farmacológicos próprios do álcool tais como os descritos pelo Sr. José em relação à sua ocupação: calmante, euforia, estimulante, relaxante, indutor do sono, anestésico e antisséptico. Uma freqüência maior de casos (individuais) de alcoolismo tem sido observada em determinadas ocupações, especialmente aquelas que se caracterizam por serem socialmente desprestigiadas e mesmo determinantes de certas rejeições, como as que implicam contato com cadáveres, lixo ou dejetos em geral. Corroboram-se os relatos proferidos por Sr. José com o que nos é demonstrado na literatura especializada. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 207 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) O tratamento do alcoolismo crônico relacionado ao trabalho deve ser pensado então de uma maneira singular, analisando as condições específicas de cada paciente e não configurando o trabalho como instância causal isolada e única. Embora existam numerosos estudos estabelecendo a ligação entre o comportamento anti-social e hiperatividade e o futuro uso abusivo de álcool, não existe um único tipo de personalidade que seja predisposta ao alcoolismo. O que nos aproxima ainda mais da tese defendida neste trabalho de que, havendo evidências epidemiológicas de excesso de prevalência de alcoolismo crônico em determinados grupos ocupacionais, essa ocorrência poderá ser classificada como doença relacionada ao trabalho, e enquadrada no Grupo II da Classificação de Schilling. Uma interpretação limitada do modelo ‗doença‘ pode levar os profissionais da saúde a ignorar a forma como os fatores psicossociais contribuem para as recaídas no curso da doença. A importância destes fatores fica clara no caso apresentado, quando o consumo do álcool foi relacionado ao trabalho no tratamento feito pelo paciente no CAPS, contudo de uma maneira paliativa, apenas com o incentivo de mudança de setor no trabalho e não como tentativa de compreender o nexo existente na cultura dos trabalhadores coletores de lixo com o alcoolismo, ou mesmo na proposição de mudanças na situação de trabalho vide que as informações sobre as condições de trabalho do Sr. José foram consistentes com as evidências epidemiológicas disponíveis. Os critérios diagnósticos podem ser adaptados daqueles previstos para a caracterização das demais síndromes de dependência, segundo os quais três ou mais manifestações devem ter ocorrido, conjuntamente, por pelo menos um mês ou, se persistentes, por períodos menores do que um mês. As manifestações devem ocorrer juntas, de forma repetida durante um período de 12 meses, devendo ser explicitada a relação da ocorrência com a situação de trabalho. No caso do Sr. José tivemos as seguintes situações de trabalho que devem ser explicitadas: forte desejo ou compulsão de consumir álcool em situações de forte tensão presente ou gerada pelo trabalho; comprometimento da capacidade de controlar o comportamento de uso da substância evidenciado por esforços infrutíferos para reduzir ou controlar tal uso; estado fisiológico de abstinência quando o uso do álcool foi reduzido ou ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 208 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) interrompido durante o tratamento; evidência de tolerância aos efeitos da substância de forma que houve necessidade de quantidades crescentes para obter o efeito desejado, mesmo que segundo o paciente, nem tais doses maiores lhe causam mais efeito; preocupação com o uso da substância, manifestada pela redução e/ou abandono de importantes prazeres ou interesses alternativos por causa de seu uso e/ou pelo gasto de uma grande quantidade de tempo em atividades necessárias para obter, consumir ou recuperar-se dos efeitos da ingestão do álcool e; por fim, um uso da substância, a despeito das evidências das suas conseqüências nocivas e da consciência do próprio paciente a respeito do problema. O alcoolismo crônico do Sr. José, caracterizado como síndrome de dependência do álcool, foi associado a outros transtornos mentais já descritos acima, tais como o Delirium Tremens, o transtorno psicótico induzido pelo álcool, o transtorno do humor induzido pelo álcool, o transtorno de ansiedade induzido pelo álcool e o transtorno do sono induzido pelo álcool. CONCLUSÃO Há estudos de psicanalistas que tem observado repetidamente traços estruturais de personalidade dos pacientes alcoolistas, como fragilidade de ego e dificuldade em manter a auto-estima. Podemos assinalar que o Sr. José, assim como os demais trabalhadores coletores de lixo, utilizam a bebida alcoólica para substituir estruturas psíquicas que faltam, e assim, restaurar em algum nível sua auto-estima levada pelas condições de vida de histórias tristes e de um trabalho que confirmam seu pouco ou nenhum conteúdo e significado. Quando o Sr. José relata que ―trabalha com o que ninguém mais quer: o lixo‖, ele refere-se ao lixo como dejetos e objetos descartáveis que não servem mais às pessoas e ao seu próprio trabalho como coletor de lixo, em que sua atividade está ligada ao ―resto‖, ou ―o que ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 209 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) sobrou‖ do trabalho em nossa sociedade, ou seja, um trabalho ―que ninguém mais quer‖, que tem, portanto, um significado marginal no mundo do capital. Podemos inferir que o Sr. José tem uma enorme dificuldade de lidar com sua realidade, tanto externa (condições precárias de vida) quanto interna (dores psíquicas que traz consigo desde a infância) utilizando-se assim, do mecanismo de defesa da negação que o faz pelo uso do álcool e das outras drogas que trazem a sensação de onipotência e euforia. Infelizmente estes efeitos prazerosos duram apenas o tempo de intoxicação, fazendo com que Sr. José busque cada vez mais o uso indiscriminado e em doses maiores para alcançar o resultado desejado que se traduz pelo desejo de gratificação imediata: o princípio do prazer. Este mecanismo é utilizado na falta de alternativas mais maduras de seu ego pouco estruturado devido a danos estruturais em sua personalidade, ou seja, toda privação de afetos e impossibilidade de simbolização que viveu em sua ―infância sofrida‖. A literatura nos diz que em casos particulares de trabalhadores alcoolistas, circunstâncias como as descritas pelo CID-10 poderiam eventualmente desencadear, agravar ou contribuir para a recidiva da doença, o que não nos parece ser o caso do Sr. José visto que em sua história, o uso do álcool antes da entrada no mundo do trabalho como coletor de lixo tem episódios esporádicos e pontuais, o que admitimos ter relevância em aspectos de sua personalidade frágil, porém, mais uma vez fica evidenciado fortemente que certas condições adversas de trabalho podem favorecer a emergência de transtornos mentais específicos. Não nos restam dúvidas de que o destino de trabalhadores como o Sr. José dependerá de nossa capacidade de somar esforços para enxergarmos além do diagnóstico clínico habitual. O difícil prognóstico pode desanimar ou passar despercebido pelas equipes de saúde com relação ao tratamento dos alcoolistas acentuando-se toda a problemática do trabalho social. Quando se reconhece que estes trabalhadores como o Sr. José estão doentes, o máximo que tem sido feito é classificar seu quadro como ―doença comum‖, ou seja, como um problema de saúde que não decorre do trabalho. Desta forma, o presente trabalho evidencia essa deficiência nos serviços de saúde mental atuais, pois como vimos, o tratamento do alcoolismo crônico envolve múltiplas ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 210 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) estratégias terapêuticas que implicam, muitas vezes, em mudanças efetivas nas situações de trabalho. Suspeita ou confirmada a relação com o trabalho, como o caso do Sr. José, as equipes de saúde devem ter em suas dinâmicas: informar ao trabalhador-paciente o nexo causal de seu problema com o trabalho; examinar os expostos, visando identificar outros casos, e, quando muito, resgatar a história de vida dos trabalhadores, da forma mais detalhada possível; notificar o caso aos sistemas de informação em saúde (epidemiológica, sanitária e/ou de saúde do trabalhador), por meio dos instrumentos próprios, à DRT/MTE e ao sindicato da categoria; providenciar a emissão da CAT, caso o trabalhador seja segurado pelo SAT da Previdência Social; realizar estudos ergonômicos, avaliando as atividades reais de trabalho, ou seja, tentando compreender como os trabalhadores efetivamente se organizam para dar conta de suas responsabilidades verificando, inclusive, a percepção que eles próprios têm sobre as causas do seu adoecimento; tentar identificar os mediadores que permitam compreender concretamente como se dá a passagem entre a experiência vivida e o adoecimento; complementar as informações com exames médicos e psicológicos necessários e; acima de tudo, orientar o empregador para que adote os recursos técnicos e gerenciais adequados para eliminação ou controle dos fatores de risco. Esse trabalho teve como objetivo evidenciar as dificuldades enfrentadas pelos trabalhadores brasileiros na obtenção do nexo causal entre seus problemas de saúde e suas condições de trabalho de forma a denunciar o que ocorre hoje, na principal economia capitalista do mundo onde vive-se para ser explorado pelo o capital. Tentamos deixar claro que tais dificuldades podem ser redobradas quando a queixa refere-se à saúde mental. Esperamos que as reflexões surgidas a partir de um relato de caso que trouxemos aqui possam contribuir para que o processo avance e para que a questão do álcool deixe de ser uma função do Estado regulador apenas para garantir o reingresso do trabalhador ao sistema de produção, mas sim, que este problema seja entendido em sua totalidade enquanto um dos fenômenos psicossociais que resultam dos atuais modos de produção capitalistas que deixam evidentes a precarização do trabalho como sendo também a precarização do homem que trabalha no sentido de desefetivação do homem como ser genérico capaz de dar respostas às situações- ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 211 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) problemas oriundas de seu cotidiano, algo que contribui tão somente para a degradação da vida humana. BIBLIOGRAFIA ALVES, G. A. P. Trabalho e Subjetividade – o espírito do toyotismo na era do capitalismo manipulatório. São Paulo: Boitempo, 2011. BRASIL, Ministério da Saúde. Doenças relacionadas ao trabalho: manual de procedimentos para os serviços de saúde. Brasília, 2001. DONOVAN, J. M. An etiologic model of alcoholism. Am J Psychiatry 143:1-11, 1986. FREUD, S. Além do Princípio do Prazer. In: Edição Standard brasileira das obras completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1999 (1920). GABBARD, G. O. Psiquiatria Psicodinâmica na prática clínica. Porto Alegre: Artmed, 2006. GRAMSCI, A. 1 Americanismo e fordismo. 2 Quaderni Del carcere. 3. Tradução: Gabriel Bogossian. 4 Notas Alvaro Bianchi. São Paulo: Editora Hedra, 2010. KAPLAN, H. I.; SADOCK, B. J.; GREBB, J. A. Compêndio de psiquiatria. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. LIMA, M. E. A. Transtornos mentais e trabalho: o problema do nexo causal. Revista de Administração da FEAD-Minas, volume 2, nº 1, jun. 2005. MADRUGA, R. 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ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 213 OBJETIVIDADE/SUBJETIVIDADE DOS TRABALHADORES DA EDUCAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR PRIVADO DA REGIÃO DE CAMPINAS-SP JULIO, M. de O. ; Instituição Paulista de Ensino e Cultura de Tupã-SP (IPEC) [email protected] INTRODUÇÃO O desenvolvimento desta atividade de pesquisa tem por objetivo compreender a relação entre objetividade/subjetividade e o adoecimento mental/psicológico dos docentes do ensino superior privado - IESP – na região de Campinas – SP. A região de campinas apresenta um considerável número de instituições de ensino superior, contingente de trabalhadores da educação e a atuação do sindicato da categoria – SIMPRO. A pesquisa busca verificar a relação entre adoecimento psicológico e o trabalho docente com a manifestação de obstáculos ao desenvolvimento humano-pessoal e de classe. Situação que determina degradação da saúde do trabalhador da educação. A pesquisa assume importância por contribuir para uma ampla reflexão ao mundo do trabalho e do contexto educacional brasileiro, das demandas que emergem com o desenvolvimento de uma economia capitalista cada vez mais integrada aos mercados mundiais e seus impactos sobre a saúde do trabalhador da educação em suas condições objetivo/subjetivas. A pesquisa em andamento permite apresentarmos alguns dados que possibilitam uma compreensão parcial das condições objetivas dos profissionais da educação. A relação objetividade/subjetividade manifesta-se com a organização do trabalho flexível a partir da reestruturação produtiva com base no toyotismo que vislumbra um novo e complexo quadro de organização e exploração do trabalho que atinge diretamente a subjetividade do trabalhador, agora sob a forma de um REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) paradigma universal de organização e exploração do trabalho cujas condições existenciais da categoria docente e da classe trabalhadora decorrem da organização e das relações de trabalho relacionados a contratos, salários, jornada, objetivos e metas de trabalho, cobranças e responsabilidades, expectativas de vida frustradas, perspectivas políticas, sociais e profissionais, fetiches sociais e de consumo. A observação da atuação do sindicato dos profissionais da educação na grande São Paulo - SINPRO SP- apresentou um quadro de intensa luta entre os trabalhadores da educação e a burguesia das instituições de ensino superior privadas, com o desdobramento de greves por inúmeros problemas sofridos pelos profissionais da educação aos quais podemos exemplificar: a greve da PUC em 2010 por salários atrasados e não cumprimento das obrigações legais de reajuste salarial; UNICASTELO por pagamento de salários atrasados, FGTS, férias; UNIB não pagamento do décimo terceiro salário de 2009, entre outras. O quadro não se restringe às grandes capitais, grandes e pequenas instituições fraudam todos os direitos do trabalhador da educação. Em entrevista aos profissionais da educação em pequenas instituições de ensino foi possível obter algumas impressões. È comum e rotineiro o não cumprimento dos direitos trabalhistas sob a pena da perda do posto de trabalho em caso de resistência. O profissional da educação é forçado a assinar documentos e recibos falsos e é ameaçado até mesmo quando busca obtém titulação. Com a visita das comissões do Mec, há a preparação de um grande ensaio e cenário fraudulento para recebê-los. Professores com titulação tem seu quadro de aulas reduzido ao mínimo possível. A titulação serve apenas para constar no quadro de docentes e obtenção de pontuação para reconhecimento dos cursos de graduação. Em muitos casos os professores são demitidos, há exemplos de professores que ficam com duas aulas semanais e salários muito inferiores ao piso mínimo estabelecido entre os sindicatos das mantenedoras e os sindicatos dos trabalhadores da educação. Para efeito de contenção de despesas, as aulas são atribuídas aos docentes com a titulação mínima, especialistas, recebendo baixíssimos salários. Outra situação ocorre quando se compara distintas formações no quadro destas instituições, com ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 215 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) diferenciações salariais e benefícios. Professores que atuam em áreas de pouca demanda do mercado de trabalho recebem remuneração muito inferior a aqueles que possuem qualificação com maior procura no mercado de trabalho. Podemos exemplificar o caso dos professores do curso de Direito em oposição aos profissionais das áreas de Filosofia, Pedagogia, Sociologia, entre outros. Nas pequenas e médias cidades, os que atuam no campo do Direito são contratados entre os profissionais que já possuem uma posição profissional estável e consolidada, como juízes, advogados de renome e outros. Nestes casos, a titulação acadêmica não é interessante para estes profissionais, pois desfrutam de prestígio social e salarial que dispensa a titulação. No caso de docentes de áreas específicas como pedagogos, sociólogo, filósofos, a titulação é essencial para a conquista de postos de trabalho e desempenho das atividades profissionais. No exemplo dos profissionais da área do Direito, a remuneração é superior e isso aparentemente se justifica pela condição de profissionais liberais. Os demais, professores por profissão, recebem salários inferiores como condição de ―proletários da educação‖, mesmo que possuam igual ou superior titulação se considerados aos primeiros. Os profissionais liberais – principalmente em instituições de pequenas e médias cidades - são contratados com o objetivo de promover uma forma de ―marketing‖ do curso por sua posição e reconhecimento social, recebendo remuneração ―por fora‖. Os ―proletários da educação‖, contratados para permitir à instituição a apresentação ao MEC de títulos acadêmicos. Formalmente, perante a lei, todos estão em condições de igualdade salarial e contratual, mas na prática há uma estratificação hierárquica com diferentes condições salariais e contratuais. O conjunto de fraudes de toda ordem, são praticados contra parte da categoria dos profissionais da educação com menor capacidade de negociação e barganha com as empresas capitalistas de educação, enquanto aos profissionais liberais que exercem a atividade docente tem seus direitos respeitados, pois há uma procura por estes profissionais que não são remunerados pelo seu trabalho, mas pela capital social e profissional acumulado durante o exercício de suas atividades profissionais e sociais. Outro fator que agrava as condições objetivas dos profissionais da educação refere-se à crescente queda da qualidade de formação dos alunos que ingressam no ensino ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 216 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) superior privado. Em sua grande maioria, oriundos das escolas públicas que sofreram um intenso processo de degradação do ensino fundamental e médio. Muitos deles ingressam sob a condição de semi-alfabetização. Gerando um quadro de frustração por parte dos profissionais da educação no ensino superior. As condições arroladas aqui apontam para a compreensão do quadro de constituição da subjetividade docente e a tendência de adoecimento em virtude das precárias condições salariais, contratuais e de trabalho. Como salientou Marx, o trabalho é a essência da condição de humanidade, sua segunda natureza, a exploração capitalista do trabalho docente que submete a categoria profissional sob condições degradantes de salários, contratos, condições de trabalho e perspectivas profissionais e de vida tendem a levar ao agravamento do quadro de saúde do trabalhador da educação por atingir a subjetividade como condição existencial humana. METODOLOGIA Esta pesquisa propõe a análise sob a perspectiva da Sociologia do Trabalho com embasamento no método dialético. A coleta de dados propõe a abordagem por amostragem de instituições de ensino superior privado delimitadas à região de Campinas SP. A coleta de dados organizada sob a forma de entrevista e questionários aplicada a professores e alunos, coordenadores pedagógicos, profissionais liberais, sindicalistas, profissionais da saúde. RESULTADOS ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 217 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) Até o presente momento, desenvolvemos apenas atividades preliminares de análises documentais e entrevistas, apontando para algumas tendências arroladas neste ensaio que norteiam a organização e desenvolvimento da pesquisa. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVES, Giovanni. Trabalho e Mundialização do capital. São Paulo: ed. Práxis, 1999. ______.O novo e precário mundo do trabalho. São Paulo: ed. Boitempo, 2000. ______.Dimensões da globalização. São Paulo: ed. Práxis, 2001. ______, A condição de proletariedade: a precariedade do trabalho no capitalismo global. São Paulo: Práxis, 2009. AZEVEDO, Mario Neves de. Universidade e neoliberalismo: o banco mundial e a reforma universitária na Argentina. Londrina: Praxis, 2004. 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ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 218 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) LUCÁCS, Gyorgy. Ontologia do ser social: os princípios ontológicos fundamentais de Marx. São Paulo: Ciências Humanas, 1979. MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. São Paulo, Nova Cultura, 1988. Vol.1. ___________. Manuscritos econômico-filosóficos. Lisboa, Edições 70, 1975. ___________; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. São Paulo: Martin Claret, 2006. ________.Manifesto do Partido Comunista. São Paulo: ed. Brasiliense, 1990. MÉSZÁROS, I. Produção destrutiva e estado capitalista. São Paulo: Ensaio, 1996. RISTOFF, Dilvo.; GIOLO, Jaime.(org). Educação Superior Brasileira: 1991-2004: São Paulo. – Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2006. 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Destaca-se a relevância deste setor econômico pela posição de seu volume de exportações junto a soja, madeira, carne de frango, açúcar, carne bovina, álcool e laranja, atendendo especialmente o mercado consumidor da União Européia. A produção de carne bovina impulsiona a atividade de curtumes de couros bovinos e se espalha pelo território brasileiro de acordo com as áreas produtoras de gado de corte. As unidades brasileiras processadoras de couros se concentram especialmente na atividade denominada ―wet blue‖, sendo o cromo o principal componente químico empregado. O ―wet blue‖ é um dos processos básicos da ação de curtimento e permite a conservação das peles bovinas por longos períodos para posteriores tratamentos. Deste modo, pode ser transportada até para outros países para realizar etapas de acabamento, tal como, a coloração. A produção do ―wet blue‖ determina a contaminação ambiental com o cromo, especialmente dos mananciais de água. REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) Além da degradação ambiental decorrente dos processos de transformação da indústria de curtimento de couros, os impactos à saúde são indicados em alguns estudos nacionais e internacionais. A analise do impacto ao ambiente e a saúde dos trabalhadores mexicanos de curtumes que utilizam o cromo indica que não existe capacitação para os trabalhadores e desrespeita-se normas de higiene e segurança no trabalho. As alterações determinadas pela exposição ao cromo ocasionam alterações otorrinolaringológicas, dermatológicas e oftalmológicas. Alguns estudo envolvendo a análise de aspectos da saúde de trabalhadores de curtumes indicam a elevação da pressão arterial como componente do padrão de desgaste à saúde destes trabalhadores. Na literatura especializada em saúde ocupacional não há registro da associação entre a Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) e o trabalho em curtumes, mesmo havendo exposições a ruído industrial e calor, fontes reconhecidas como determinantes de hipertensão. Contudo, em um estudo longitudinal iniciado em 1993 e que se estendeu até o ano de 2000, a associação entre o trabalho em curtumes e HAS foi observado, comprovando o nexo causal entre saúde e trabalho. De acordo com a pesquisa, ao comparar os níveis de HAS dos trabalhadores de curtumes com outros grupos que também são expostos a pressão sonora e calor, tal como trabalhadores da metalurgia, a incidência de HAS continua se apresentando aumentada. Além da HAS, outro estudo destaca que o trabalho em curtumes, principalmente em razão da exposição a solventes orgânicas volatilizados, causa lesões nas fossas nasais e propicia lesões cardiovasculares, atua no Sistema Nervoso Central determinante oscilações de humor, irritabilidade, cefaléia e náuseas. Outra afecção comum entre trabalhadores de curtumes envolve a asma ocupacional, detectada em alta prevalência em trabalhadores paquistaneses. A análise do desgaste à saúde de trabalhadores expostos a metais pesados e solventes orgânicos é um campo amplamente abordado pela toxicologia ocupacional. Já foi claramente demonstrado o nexo causal entre a exposição a estas cargas ocupacionais e os respectivos agravos. O chumbo apresenta correlação positiva entre sua exposição ocupacional ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 222 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) e ocorrência de alterações hematológicas, psiquiátricas e respiratórias. Destacam-se as alterações cognitivas e psicomotoras como as principais perturbações da esfera psiquiátrica. A exposição ao benzeno presente em colas utilizadas por trabalhadores da indústria de calçados de Franca (SP) na montagem de calçados determinou alterações hematológicos que podem determinar, inclusive, a anemia aplástica e a leucose. Além da indústria de calçados, a siderurgia e a petroquímica também utilizavam largamente o benzeno. Vale salientar que além dos trabalhadores a população circunvizinha a área industrial onde é utilizado também pode sofrer seus efeitos deletérios sobre a saúde. De acordo com a NR 15, a partir de 1997 o benzeno passou a ser substituído nas atividades industriais e, naquelas situações onde sua substituição não é viabilizada – como no caso da transformação de derivados de petróleo – regulamentou as condições limites de exposição dos trabalhadores. Enfatiza-se que entre tantos resultados positivos, a proibição da utilização do benzeno na produção de álcool anidro evitou a exposição de trabalhadores, assim como a circulação de centenas de caminhões transportadores pelas estradas. Na preparação de couros (curtumes) diversas cargas ocupacionais químicas são utilizadas nas etapas produtivas. Destacam-se entre eles o cromo utilizado na tanagem dos couros e o tolueno – substituindo o benzeno – aplicado no acabamento das peles bovinas. A exposição ocupacional ao cromo e ao tolueno exige, de acordo com a NR 7 o monitoramento pelo Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional por envolveram, principalmente, prejuízos ao aparelho respiratório e aos tecidos cutâneos. De acordo com a NR 15 determinam pagamento de insalubridade em grau médio. Além das cargas ocupacionais químicas, no curtume de couros uma parcela de trabalhadores está exposta ao contato com o sangue e os tecidos bovinos o que caracteriza uma carga ocupacional biológica. Estes trabalhadores responsáveis por descarregar os veículos transportadores de couro e depositar as peças de couros nos tanques de processamento (fulões) desenvolvem atividades insalubres em grau máximo, de acordo com a NR 15. A baixa mecanização das etapas produtivas e, a conseqüente predominância de atividades manuais no manejo das peças de couro direcionadas para o curtimento, implica ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 223 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) exposição aumentada para o conjunto de trabalhadores. A análise de trabalhadores suecos envolvidos com o curtimento de couro indica o risco aumento de desenvolvimento de câncer, em comparação com a população em geral e parece propiciar um incremento nos casos de câncer de próstata. OBJETIVO Esta pesquisa teve o objetivo de avaliar as características da organização do trabalho, as condições de execução e a insatisfação decorrente do processo produtivo de uma indústria de curtimento de couros bovinos. METODOLOGIA A intervenção foi realizada utilizando a entrevista semidirigida com grupos focais de trabalhadores. Esta técnica de entrevista de grupo foi utilizada em virtude do volume de informações que é produzido quando um assunto é coletivamente abordado e, também pela possibilidade de validar algumas informações nos espaços de discussão entre os grupos de trabalhadores entrevistados. Assim, uma impressão produzida por um grupo pode ser discutida nos grupos subseqüentes e ocorrer a avaliação de sua pertinência. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 224 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) RESULTADOS As entrevistas semidirigidas com os trabalhadores permitiram a constituição do quadro apresentado abaixo. Foi dividido em três campos distintos denominados organização do trabalho; condições de trabalho e insatisfação. A ausência de uniformes para a execução das atividades cotidianas de trabalho foi destacada pelos trabalhadores entrevistados como uma situação da organização de trabalho que gera desconforto. Além do desgaste de vestimentas pessoais em razão de sua utilização no cotidiano de trabalho elenca-se a preocupação com a exposição do ambiente doméstico as cargas químicas, a partir da lavagem das vestimentas. Desse modo, poderia-se considerar a oferta de uniformes aos trabalhadores e o estabelecimento de uma estrutura para a lavagem dos mesmos como forma de interromper a exposição do ambiente doméstico as cargas químicas de trabalho. A demanda que envolve a extensão da jornada de trabalho foi considerada um ponto crítico para os trabalhadores que iniciam o processo de curtume, pois, ela interfere no desgaste das capacidades físicas do trabalhador e nas relações estabelecidas no espaço de sociabilidade. As exigências físicas são elevadas quando surge maior oferta de couro para processamento industrial, pois reconhecendo a urgência do tratamento do couro, os trabalhadores necessitam dedicar-se ao início do processamento mesmo que estejam no final de sua jornada de trabalho. Assim, associa-se à exigência física uma carga psíquica ligada a urgência de seu ato produtivo. Conforme destacado por alguns trabalhadores, outros setores industriais têm a possibilidade de controlar a intensidade do trabalho e respeitar a extensão da jornada ao deixar que uma parcela do trabalho possa ser realizada no próximo dia de trabalho. Ainda deve-se destacar que a oscilação da demanda produtiva implica em reduzir a possibilidade do trabalhador capacitar-se profissionalmente (algum ciclo de educação) em razão da perturbação dos horários de término do turno de trabalho. Desse modo, o dimensionamento mais preciso dos fluxos de matéria-prima, em associação com ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 225 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) ajustes na alocação de trabalhadores ao longo da jornada produtiva poderia contribuir para minorar os impactos dessa característica da organização do trabalho sobre a saúde dos trabalhadores. A essa característica da organização do trabalho associa-se o questionamento de que em algumas funções as condições de trabalho são toyotistas e em outras são tayloristas. Assim, nas condições de trabalho toyotistas as ações tendem a ser polivalentes e causam incrementos elevados de exigência ocupacional; o trabalhador ―é braço para toda obra‖. Já nas condições de trabalho tayloristas há maior possibilidade de controlar a intensidade do trabalho regulando o desgaste do corpo pela velocidade do trabalho executado. Estabelece-se dessa forma uma relação assimétrica entre setores produtivos e por isso é questionada a ocorrência da cooperação como fundamento que ofereceria coesão as relações interpessoais no trabalho. Surge o relato de empoderamento de alguns setores produtivos que possuem maior efetividade para a resolução de suas necessidades e de políticas assimétricas para o estabelecimento de benefícios salariais. Tais condições criam prejuízos para a psicodinâmica do reconhecimento e dificultam que os trabalhadores se reapropriem dos investimentos psíquicos realizados no cotidiano de trabalho. Quando a organização de trabalho não reconhece igualitariamente os esforços produtivos, inicia-se o colapso do engajamento as metas organizacionais e são exigidos níveis crescentes de controle e punições no trabalho. A conseqüência desta ordem pode ser reconhecida na elevada competitividade interpessoal e no boicote aos projetos coletivos de uma organização do trabalho. A caracterização da diretoria da empresa como punitiva ilustra a redução da hierarquia organizacional ao controle do trabalho e distancia-se da constituição de uma referência para mediar conflitos e urgências do cotidiano produtivo. Em virtude dessa percepção sugere-se o estabelecimento de um espaço de interlocução com a diretoria empresarial onde projetos para a reestruturação de etapas produtivas pudessem ser discutidos e geridos. O gerenciamento reduzido a práticas punitivas, também implica num alinhamento dos trabalhadores a processos ideológicos ligados a cultura da masculinidade viril. Neste ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 226 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) arranjo cultural da organização, as falhas são consideradas fracassos individuais e que não mantém nenhuma ligação com estruturas organizacionais. A empresa passa a apresentar reduzida capacidade de tirar lições de suas próprias falhas e, o arranjo da cultura da masculinidade viril determina a repetição constante de problemas anteriormente vivenciados. Descaracteriza-se a possibilidade de constituir uma empresa qualificante, onde as falhas são tomadas como perspectivas de aprendizagem e de desenvolvimento organizacional. Completa-se tal quadro com o restrito investimento em treinamento profissional, conforme apontamento pelos entrevistados. Destacaram que o aprendizado do processo produtivo desenvolve-se no cotidiano de trabalho; no modelo de ―aprendizado testemunha‖. Importante enfatizar que, em virtude da complexidade dos riscos ocupacionais em um curtume, o ―aprendizado testemunha‖ pode impulsionar a exposição a riscos de acidentes do trabalho. Isso ocorreria especialmente com trabalhadores iniciantes, devido à configuração ainda deficitária das percepções de risco no ambiente e na execução do trabalho. A partir desse ponto procede-se a discussão da articulação entre as condições de trabalho e a insatisfação no trabalho. A identificação de "cargas de trabalho" a partir do discurso dos trabalhadores auxilia na descrição das condições de trabalho que são enfrentadas cotidianamente pela CIPA e pelo SESMT, conforme apresentado no Quadro 2 (página seguinte). Os prejuízos a ventilação e a dispersão de vapores e gases foram destacadas pelos trabalhadores como fontes constantes de desconforto e de preocupação relativa à ocorrência de agravos à saúde. Considera-se a ênfase da prevenção secundária dos riscos no ambiente de trabalho em detrimento das perspectivas de prevenção primária. Esta última é considerada a condição recomendada em patologia do trabalho, pois, as adequações estruturais e de equipamentos industriais exigidas para sua efetivação eliminariam as fontes de risco ou reduziriam a exposição ocupacional. Já a prevenção secundária se concentra na utilização de Equipamentos de Proteção Individual (EPI) e articulasse a um conjunto de situações pouco eficientes para a prevenção do agravo ao quadro geral de saúde do trabalhador. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 227 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) A reduzida eficiência das ações de prevenção secundária envolve desde a inadequação dos EPIs à atividade desenvolvida, até mesmo a proteção focal de um conjunto de trabalhadores sem avaliação da propagação do risco no ambiente de trabalho. No caso da dispersão de gases, o uso de máscaras como meio principal de prevenção é prejudicada pela limitação de aspiração de oxigênio em momentos de intenso esforço físico. Como esta é uma situação constante em alguns postos produtivos, os trabalhadores reclamam de inadequação do EPI e apontam para a limitação de sua funcionalidade em razão da sensação de sufocamento. Ainda, esta prática de prevenção secundária não reduz a exposição do coletivo de trabalhadores da dispersão de gases pelo ambiente. Por isso representa uma medida paliativa e tem sua orientação preventiva limitada. A utilização de maquinários antigos e a existência de entraves a reposição de peças danificadas ocasionam algumas distintas situações contributivas ao risco ocupacional. O maquinário antigo demanda exigências ergonômicas intensas para sua utilização e contribuiria para a sobrecarga laboral. Ainda, pode ser elencado como fonte potencial de risco, pois, para o seu funcionamento, uma série de ―macetes‖ ou práticas adaptativas necessitam ser utilizadas para mantê-las em funcionamento. Então, nota-se a presença de uma cultura reativa para manter em funcionamento o maquinário industrial. Na cultura reativa não são tomadas medidas proativas para evitar o colapso do maquinário e faltam peças de reposição para manutenção industrial. Por esta razão, além das práticas adaptativas representarem um risco complementar de acidentes do trabalho, também criam cargas psíquicas que elevam a tensão entre patamares hierárquicos. Cargas psíquicas elevadas também estão presentes nas funções de controle e suprimento de materiais. A cultura reativa da organização de trabalho mantém um estoque de peças muito reduzido e por isso alguns setores tem dificuldades de sanar suas necessidades. Assim, ocorreria vazamentos em calhas que não são sanados e até mesmo sobrecargas nos tanques de resíduos em razão de limitação da manutenção de equipamentos para o bombeamento de resíduos. A visão produzida pela cultura reativa se expande até as ações ambientais de controle e tratamento de efluentes. Estão concentradas as responsabilidades ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 228 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) relativas às ações ambientais em um trabalhador que, caso necessite se ausentar momentaneamente ou mesmo se afastar por um maior período de tempo, determinaria prejuízos funcionais à organização. É plausível considerar que a dependência relativa de um setor a um trabalhador é indicativa de necessidade de instrumentalizar novos componentes para suprir as necessidades da mesma função. A insatisfação no trabalho indicou a demora na reposição de botas, a reduzida prática da ginástica laboral e a ausência de pintura em paredes como situações que contribuem para a percepção pejorativa das ações de gestão do trabalho. Indica-se ainda, o anseio dos trabalhadores em obter aprovação para revestir com pisos cerâmicos, áreas de paredes que necessitam de intensa manutenção da higiene. As dificuldades para obter o atendimento as demandas acima apresentadas foram destacadas como ilustrativas do esvaziamento de capacidades hierárquicas para a resolução de demandas organizacionais. As demandas organizacionais também abrangeriam o espaço ampliado da comunidade e produziriam uma imagem pejorativa da empresa que impregnaria a identidade dos trabalhadores. Em razão do impacto ambiental causado por suas atividades e da ausência de projetos que resgatem a percepção de sinergia entre os interesses da empresa e da comunidade, os entrevistados indicaram a urgência da delimitação de uma ação que projetasse a empresa no campo da responsabilidade socioambiental. Esta proposição gerou um paralelo entre as características da nova unidade produtiva do estado do Paraná e a representação social pejorativa que a empresa constituiu na comunidade local. A partir da atividade inicial de caracterização da organização do trabalho, das condições de trabalho e insatisfação é possível traçar algumas proposições para o seguimento da atividade de desenvolvimento organizacional. A primeira proposição refere-se a técnica de intervenção denominada ―can opener‖ que possibilitaria mobilizar os trabalhadores a pensar medidas que poderiam ser aproveitadas pela empresa para aprimorar as ações em segurança no trabalho. Sua realização conta com a apresentação aos trabalhadores de fotografias que retratem ambientes de trabalho e fontes potenciais de risco. Esta técnica permite avaliar em que grau a percepção dos ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 229 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) trabalhadores está dirigida as medidas organizacionais ligadas à segurança no trabalho e, se pautam sua percepção em medidas de prevenção primárias, secundárias, individuais ou coletivas. A segunda proposição envolve a divulgação das informações produzidas pela caracterização organizacional ao coletivo de trabalhadores, num momento concomitante com a efetivação de alguma mudança indica neste trabalho. Poderia envolver a oferta de uniformes e sua respectiva lavagem, a criação de uma via ascendente de interlocução com a área administrativa ou qualquer outra condição que fosse indicativa da constituição de uma diretriz de mudança na organização de trabalho. Uma terceira proposição abrangeria o planejamento de algumas alterações na estrutura do pátio industrial, tal como o revestimento de algumas áreas com pisos cerâmicos ou adaptações ligadas a ventilação ambiental. Esta intervenção poderia produzir um efeito positivo de reconhecimento organizacional dos esforços empregados no cotidiano laboral e fomentar o engajamento dos trabalhadores aos objetivos organizacionais. Concluí-se que tal medida poderia permitir a ruptura da percepção cristalizada da hierarquia institucional como punitiva e contribuiria para potencializar a capacidade de resolução de entraves organizacionais. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AUGUSTO, L.G.S.; NOVAES, T.C.P. Ação médico-social no caso do benzenismo em Cubatão, São Paulo: uma abordagem interdisciplinar. Cadernos de Saúde Pública, v.15, n.4, p.729-738, 1999. CONSTANTINI, A.S.; PACI, E.; MILIGI, L.; BUIATTI, E.; MARTELLI, C.; LENZI, S. Cancer mortality among workers in the Tuscan tanning industry. 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ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 232 SAÚDE MENTAL E ESTILO DE VIDA DE PESCADORES DO PANTANAL FIGUEIREDO, V. C. N.; GALVÃO, L. F.; MELO, W. F. de; MENDES, D. D. A. C.; Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, Campus do Pantanal (UFMS) [email protected] INTRODUÇÃO Esta pesquisa é parte integrante do grupo de pesquisa Saúde Mental e Saúde Coletiva dos grupos ocupacionais específicos da região de fronteira Brasil/Bolívia, da UFMS/CPAN, e foi realizada em meados de 2008. A proposta pela qual se buscou nortear o referencial teórico está aqui fundamentada, na problemática que se instaura nas comunidades que mantém um estilo de vida tradicional, em que o alcance do capital financeiro tem desapropriado um estilo peculiar de vida, incluindo valores tradicionais em detrimento das transformações sócio-econômicas, que surgem como produto de uma nova ordem econômica: a neoliberal. Historicamente, o pescador artesanal vem sofrendo as consequências dessas transformações, na qual a acumulação de capital tende a concentrar-se nas mãos de grandes proprietários de terras, empresários do turismo e comércio de pescado, para os quais são destinados o produto final da pesca artesanal. Em Mato Grosso do Sul, a pesca profissional e artesanal é uma atividade tradicional de grande importância econômica, social, ambiental e cultural para a região, e REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) estratégica para a conservação e manutenção dos recursos pesqueiros e do próprio Pantanal, em toda a Bacia do Alto e Médio Paraguai. Essa atividade é de fundamental importância para as comunidades ribeirinhas, como são conhecidos os moradores das margens dos rios, por ser seu principal meio de subsistência. A pesca artesanal obteve ascensão devido à adaptabilidade dessas comunidades, que sobreviveram por longos períodos às margens dos rios e, não podendo romper de imediato com suas tradições, se viram obrigadas a se especializarem na pesca artesanal para se manterem vivas. Entretanto, o turismo de pesca, em meados da década de 1980, tem impulsionado o desenvolvimento econômico local, mas ao mesmo tempo vem travando uma larga competição pelo pescado entre o pescador profissional/artesanal e o amador/turista. Tal competição pelo pescado, motivado por interesses políticos e econômicos, tem desfavorecido a atividade artesanal, devido à disparidade de tecnologias para a captura do pescado. Na região de Corumbá-MS, a pesca artesanal, enquanto atividade laboral e profissional proporciona às comunidades ribeirinhas, uma exploração gradual dos recursos naturais, adotadas devido uma dependência direta destes recursos, cuja atividade é estabelecida através de uma estreita relação com a sazonalidade do ambiente pantaneiro. O que caracteriza o pescador artesanal não é somente o viver da pesca, mas, sobretudo a apropriação dos meios de produção (embarcações, geralmente talhado em madeira pelos próprios pescadores e os instrumentos de pesca/petrecho) e o domínio e, profundo conhecimento tradicional e/ou ecológico sobre a dinâmica ambiental pantaneira, o qual se dá pelo aprendizado na experiência, o que o leva, a saber relacionar os fenômenos naturais e a tomar decisões necessárias relativas à captura. Os pescadores profissionais e artesanais, foco dessa pesquisa, estão cadastrados na Colônia Z1 de Pescadores Profissionais e Artesanais, e são, de modo geral, indivíduos de baixa renda, e em sua maioria dedicados exclusivamente à atividade pesqueira, ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 234 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) as quais fazem parte quase que toda a composição familiar, desde os filhos até os de mais idade e experiência na atividade. Na região pantaneira, várias são as modalidades de pesca praticadas, que variam em função do tipo de peixe procurado e do local escolhido para a atividade no rio, porém, todas exigem grande dispêndio de energia física. A prática dessas atividades é extremamente exaustiva, mas também perigosa pela união de diversos fatores dos quais se destacam: exposição contínua à radiação solar, sem a devida proteção; esforço físico constante e repetitivo no emprego das remanadas para deslocar a embarcação (canoa, como é conhecida a embarcação de madeira e, sem motor de popa), muito utilizada quando a pesca é realizada individualmente. Ausência de equipamentos de segurança, como o colete salvavidas. Enfim, vários são os fatores de risco, inclusive de acidentes que podem estar relacionados com as condições de trabalho e exercício da pesca artesanal no município de Corumbá-MS. Portanto, a investigação diagnóstica deve compreender a busca de evidências epidemiológicas que revelem a incidência e/ou prevalência de alguns quadros psicopatológicos em determinadas categorias profissionais, através do estudo do trabalho real, identificação dos mediadores (os quais permitem a compreensão concreta de como se dá a passagem entre a experiência vivida e o adoecimento) e com informações decorrentes da aplicação de testes psicológicos e escalas de saúde. Assim, é possível notar a importância desta pesquisa para que sejam verificadas as condições do estado de saúde e/ou adoecimento dessa população, cuja atividade exercida pelo trabalho artesanal, em detrimento do sistema de produção pode estar levandoos, possivelmente, ao adoecimento físico e sofrimento mental. Como objetivos, incluíram-se a tentativa de estabelecimento do nexo causal e a identificação do atual estado de saúde da população de pescadores artesanais. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 235 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) METODOLOGIA A metodologia adotada foi à epidemiológica, na qual se buscou verificar a prevalência de transtornos psiquiátricos comuns, incluindo estados depressivos, consumo de álcool e tabaco, disposição e/ou capacidade para o trabalho, bem como a incidência de lesões auto-referidas pelos próprios pescadores, e provocadas, possivelmente como conseqüência do trabalho artesanal. População de estudo: composta por uma amostra de 32 sujeitos, sendo 16 para ambos os sexos. Todos pescadores profissionais e artesanais e cadastrados na Colônia Z1 de Pescadores Profissionais e Artesanais de Corumbá-MS. Instrumentos: testes psicológicos e/ou escalas validadas no Brasil, pela OMS, tais como o ICT - Índice de Capacidade para o Trabalho (Tuomi et al, 2005), apud (Figueiredo, 2008), que retrata a avaliação que o próprio trabalhador faz sobre sua capacidade para o trabalho; O AUDIT - Alcohol Use Disorders Identification Test, foi criado pelo Ministério da Saúde (Babor e Huggins-Biddle, 2001), apud (Figueiredo, 2008), e é utilizado como instrumento simples de investigação de uso problemático de álcool, e é composto por dez questões que permitem identificar quatro padrões de uso de álcool: uso de baixo risco (de 0 a 7 pontos), uso de risco (de 8 a 15 pontos), uso nocivo (de 16 a 19 pontos) e provável dependência(de 20 ou mais pontos). O SRQ - 20: Self Reporting Questionnaire, com a finalidade de rastrear transtornos mentais comuns. Validado no Brasil por Mari e Willians (1986), é um instrumento estruturado e pode ser aplicado por um entrevistador ou auto-aplicado, sendo sua versão mais utilizada composta por 20 questões (Ludermir, 2000; Ludermir e Melo Filho, 2002; Araújo et al., 2005; Costa e Ludermir, 2005), apud (Figueiredo, 2008), – quatro sobre sintomas físicos e dezesseis sobre psicoemocionais. As respostas possibilitam o estabelecimento de um escore, com ponto de corte de 5/6 para homens e de 7/8 para mulheres, acima do qual o sujeito é considerado portador de Transtorno Mental Comum, ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 236 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) indicando sofrimento psíquico relevante, como: insônia, fadiga, irritabilidade, queixas somáticas, esquecimento e dificuldade de concentração. O Questionário de Tolerância de Fagëstron, o qual tem como objetivos identificar e medir a dependência nicotínica (Heatherton et al., 1991), apud (Figueiredo, 2008). É composto por três questões que avaliam o fumo matinal considerando-se como indicador de síndrome de abstinência. Duas questões têm quatro alternativas para resposta com pontuação variando de 0 a 3, quatro questões têm duas alternativas para resposta variando de 0 a 1, com um escore final que varia de 0 a 10 pontos que pode ser categorizado em diferentes graus de dependência, sendo que quanto mais elevada a pontuação mais alta a dependência. RESULTADOS Os resultados parciais apontaram prevalência de cerca de 50% de transtornos mentais comuns para o sexo feminino e masculino; presença de 6,25% (sexo masculino) e 0,0% (sexo feminino) de uso nocivo de bebida alcoólica; (sexo masculino) 37,50% fumam até 15,5 cigarros/dia há pelo menos 20,5 anos; (sexo feminino) 25% fumam até 11 cigarros/dia há pelo menos 23,3 anos; lesões auto-referidas (sexo feminino) 25%, (sexo masculino) 18,75% sofrem com dores constantes nas costas; sobre a capacidade para o trabalho o sexo masculino apontou a média de 7,37 pontos, já o sexo feminino apontou 7,31 pontos. Esses resultados refletem uma realidade epidemiológica mais grave para os pescadores artesanais, enfatizando a preocupação central do estudo: a saúde mental dos pescadores profissionais e artesanais, grupo social de grande relevância na região. Portanto, a Psicologia do Trabalho, à luz da epidemiologia, é fundamental para a verificação e identificação da prevalência de possíveis agravos à saúde do trabalhador, além de servir de base para a formulação de propostas de prevenção, que embasem programas ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 237 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) de atendimento e políticas públicas voltadas à esta categoria profissional, enquanto compromisso social da Psicologia (Figueiredo, 2008). Por outro lado, nestas comunidades que mantêm um modo de vida tradicional e, portanto, artesanal, é possível estabelecer uma relação de causalidade (nexo) entre a utilização de seu trabalho, mais empregado para sua sobrevivência, com o sistema de produção ao qual estão inseridos, e dentro dos quais são explorados pela não-adaptação de crenças, valores, costumes e também de práticas. É relevante destacar que a epidemiologia destes grupos populacionais específicos da região de fronteira, como é o caso dos ribeirinhos tem sido muito pouco pesquisada. BIBLIOGRAFIA BEZERRA, B. P.; Tese: A saúde mental no nordeste da Amazônia: estudo de pescadores artesanais. UNIFESP/EPM. São Paulo, s.n, 2002. [86] CANIATO, A. M. P.; TOMANIK, E. A. (org). Compromisso Social da Psicologia. In: Rey, F. G. Os desafios teóricos da Psicologia Social e suas implicações para as ações e o compromisso social. Porto Alegre: ABRAPSOSUL, 2001. CATELLA, A. C. A Pesca no Pantanal Sul: situação atual e perspectivas. Corumbá: Embrapa Pantanal, 2003. 48 p. (Embrapa Pantanal. Documentos 48). FIGUEIREDO, V. N. C. Implantação do Laboratório de Psicologia do Trabalho e Saúde Coletiva. In Projeto de pesquisa (dados preliminares). UFMS/CPAN. Corumbá, 2008. LIMA, M. E. Os problemas de saúde na categoria bancária: Considerações acerca do estabelecimento do nexo causal. Boletim da Saúde 2006; 20(1):57-68. SILVA, C. J.; SILVA, J. A. F. No ritmo das águas do Pantanal. São Paulo: NUPAUB/USP, 1995. p. 117-85. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 238 TRABALHO E SAÚDE NOS CANAVIAIS DA MATA SUL DE PERNAMBUCO: A MODERNIZAÇÃO DA ZONA CANAVIEIRA NA MATA SUL DE PERNAMBUCO E A PRECARIZAÇÃO DA SAÚDE DO TRABALHADOR RURAL SANTOS, C. W.; GEHLEN, V. R.; CARVALHO, F. A.; SANTOS, M. O.; MENDONÇA, E. R.; Departamento de Serviço Social/GRAPP da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Agência financiadora: CNPq [email protected] INTRODUÇÃO Este trabalho baseia-se em relatos de experiência, que ainda estão em andamento, do projeto intitulado: Observatório do Desenvolvimento: Monitoramento e Avaliação do Programa de Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais na Zona da Mata Sul de Pernambuco – Edital n° MDA/SDT/CNPq – Gestão de Territórios Rurais, n° 05/2009, que tem por objetivo, analisar a atuação do Programa de Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais do MDA/SDT na Zona da Mata Sul de Pernambuco, mediante a elaboração de sistema de monitoramento e avaliação com utilização de indicadores de sustentabilidade e envolvimento dos atores locais. O contexto de desenvolvimento do projeto é a Zona da Mata Sul de Pernambuco, esse território é composto por 43 municípios, ocupando uma área de 8.738 km2, correspondente a 8,9% do território estadual. Anteriormente, a maior parte desta área era referida como "região canavieira". O que representa uma das regiões de maior potencial econômico do Nordeste, pelos recursos naturais disponíveis (água, solo, etc.), pelas vantagens locacionais (em torno da Região REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) Metropolitana do Recife), com razoável infra-estrutura econômica (estradas, portos marítimos, aeroportos) e abundante contingente de mão-de-obra. Assim como em outros setores da economia, as atividades agrícolas também vêm passando por um processo de reestruturação produtiva, ainda que com menos intensidade, técnicas modernas vem sendo incorporadas ao manejo das lavouras em Pernambuco. As relações de trabalho na cultura da cana-de-açúcar vêm sofrendo mudanças no atual processo de modernização das usinas de açúcar e de álcool, através da mecanização do corte da cana. Os efeitos mais visíveis e contraditórios desse processo de mudança sobre os trabalhadores rurais são a modernização e a exclusão, consideradas como as definidoras da situação de instabilidade e miséria da força de trabalho da área canavieira. A intensificação do capitalismo no campo, através da revolução tecnológica, processou-se de forma socialmente excludente e espacialmente seletiva, mantendo intocáveis as estruturas sociais, territoriais e políticas, privilegiando com isso determinados segmentos sociais, econômicos e os espaços suscetíveis de uma reestruturação sustentadas pelas inovações científico-técnicas e pela globalização da produção e consumo. Desse modo, o trabalho no campo, sob a égide das relações capitalista de produção, passa a ser marcado pela extensão da jornada de trabalho, intensificação do seu ritmo, pagamento por produção, decréscimo real do valor do salário e descumprimento de direitos trabalhistas. Submetidos a essas novas condições, o trabalhador rural rompe com o tempo natural e passa a ser regido pelo tempo do capital, pelo tempo que é valor. O trabalho, porém, é muitíssimo mais do que isso. É a condição básica e fundamental de toda a vida humana. Em tal grau que, até certo ponto, podemos afirmar que o trabalho criou o próprio homem. Os cortadores de cana nesse território trabalham cerca de oito horas diárias, sob radiação solar, dificuldades de acesso a água para hidratação, com ferramentas cortantes, pesadas e pontiagudas, distante do domicílio, alojamento precário, alimentação inadequada, além das relações de trabalho precárias e rigidamente hierarquizada. O processo saúdetrabalho passa a ser analisado como conseqüência da relação social de produção, determinada socialmente pela dialética entre capital e trabalho. Nesta perspectiva, a sujeição dos trabalhadores às condições impostas pelo capital assume um caráter de exploração da mais- ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 240 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) valia. Neste relato, a categoria trabalho é entendida como estando vinculada aos padrões sociais, ambientais, econômicos e políticos vigentes na sociedade mais ampla. No cenário de reorganização do capital, as novas tecnologias de informatização e automação trazem consigo a intensificação do processo de trabalho, que acarreta mais sofrimento para o trabalhador. A saúde do trabalhador entende o processo saúde/doença como um processo histórico-social expresso no corpo, onde o processo de trabalho é incorporado como categoria central e objeto fundamental na análise da relação trabalho e saúde. METODOLOGIA Visando atender aos objetivos do Regulamento do Edital MDA/SDT/CNPq – Gestão de Territórios Rurais, n° 05/2009 a presente pesquisa estrutura sua metodologia de trabalho na ―Avaliação por Triangulação de Métodos‖ de onde derivaram três eixos de monitoramento e avaliação que são integrados à proposta de Sistema de Gestão Estratégica do PDSTR: Análise da Política Pública, tendo como objeto principal a atuação do Programa de Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais (PDSTR) na Zona da Mata Sul de Pernambuco; Análise do Plano de Desenvolvimento Sustentável, tendo como objeto principal a implementação do Plano Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentável da Mata Sul/PE e a Análise da Efetividade (efeitos/mudanças), tendo como principal objeto as condições de ―estado-pressão-resposta‖ apresentadas nos territórios rurais em estudo, tendo como principais indicadores o Índice de Condições de Vida (ICV) e o Índice de Desenvolvimento Sustentável (IDS). A partir desses eixos, vários métodos estão sendo utilizados visando coletar informações e produzir dados relacionados aos primeiros cinco componentes do Sistema de Gestão Estratégica, a saber: territórios, atores, planos, projetos e colegiado. Esses métodos integram um amplo sistema de monitoramento e avaliação da Gestão Social do Território Rural da Mata Sul de Pernambuco. Segue-se uma explanação das referências ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 241 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) teóricas da proposta metodológica deste projeto, conceituando a Avaliação por Triangulação de Métodos, e os métodos de análise propostos para cada eixo de monitoramento e avaliação. A avaliação pode ser entendida como um processo essencialmente humano e possui muitas noções. Em um sentido amplo avaliar significa julgar, estimar, medir, classificar, analisar criticamente alguém ou algo. Enquanto técnica e estratégia investigativa, a avaliação se constitui como um processo sistemático de fazer perguntas sobre o mérito e relevância de uma proposta, projeto, programa ou política pública, e para que ela ocorra é necessário o atendimento de quatro critérios básicos: a dimensão da utilidade; a dimensão da viabilidade; a dimensão da ética; a dimensão da precisão técnica; diante da necessidade crescente que a sociedade e o poder público têm de estabelecer mecanismos de Controle Social sobre as políticas públicas e seus programas de intervenção. A Avaliação por Triangulação de Métodos tem se tornado um importante arcabouço metodológico capaz de orientar dinâmicas de investigação e de trabalho que integram a análise das estruturas dos processos e dos resultados, a compreensão das relações implicadas na implementação das ações e a visão que os diferentes atores constroem sobre todo um projeto ou política pública em implementação. Dentro do eixo ―Análise da Política Pública‖ estão sendo utilizados dois tipos de procedimentos metodológicos com indicadores próprios para analisar e avaliar a atuação do Programa de Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais (PDSTR) da Mata Sul de Pernambuco. O primeiro método analisa e avalia como estão estruturadas as políticas de desenvolvimento e em que grau de ―maturidade‖ estas se encontram. O segundo tipo visa avaliar em que medidas (quantitativa e qualitativa) as políticas estão sendo sustentavéis. É importante o conhecimento sobre o conceito de políticas publicas para que estes métodos sejam efetivos. Estas podem ser compreendidas como ações de iniciativa governamental de interesse público, construídas em coletividade e que depende de quatro fatores para sua efetivação, que são: base na legislação, aparato institucional com recursos e infra-estruturas suficientes, planejamento e controle social. Os procedimentos metodológicos para análise e avaliação da política pública engloba três elementos considerados inerentes a visualização de sua lógica: O ciclo de análise e avaliação com sua divisão em ―passos‖, os processos ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 242 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) analíticos, e os instrumentos de análise. Assim, os procedimentos metodológicos dividem-se em fases e que dentro de cada uma delas ocorrem outros processos cuja execução depende da utilização de recursos necessários. O primeiro passo (fase) é denominado Análise do Arcabouço Legal que é caracterizado pelo conjunto de atividades de análise documental da legislação e aparatos legais ligados à questão principal na política. O segundo passo é a Análise do Aparato Institucional caracterizando-se pela análise e verificação de condições de existência do órgão gestor responsável pela execução da política pública, observando se as demandas reais da gestão estão sendo supridas de maneira satisfatória. A Análise do Modelo de Planejamento e Gestão é o terceiro passo e caracteriza-se pela análise da atuação do órgão gestor mediante planejamento, programas específicos para a concretização da política. O quarto passo é a Analise do controle Social, nessa fase o conselho ou órgão colegiado é avaliado, analisando ainda sua funcionalidade. O quinto e último passo é denominado Análise do Contexto e Avaliação da Política onde são descritos o contexto político, social, ambiental e econômico frente a política pública analisada. A análise do Plano de Desenvolvimento Sustentável é um dos pormenores da Avaliação por Triangulação de Métodos adotada nesta proposta. Constitui-se num procedimento metodológico cujo objeto principal é o Plano Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentável da Mata Sul/PE e sua implementação. É uma análise que apresenta uma sistemática de monitoramento e avaliação do plano quanto a sua eficácia, ou seja, se analisa e se demonstra para os atores interessados de forma quantitativa e qualitativa o quanto o Plano de Desenvolvimento Sustentável tem sido implementado através de indicadores de desempenho. Na análise da efetividade (efeitos/mudanças) ocorre o monitoramento e avaliação tendo como principal foco as análises das mudanças qualitativas e quantitativas decorrentes das políticas, programas ou projetos sobre as condições de vida da população ou sobre o estado das condições do meio socioambiental. Para essa abordagem uma série de indicadores estão sendo definidos com base no diagnóstico situacional elaborado nas etapas anteriores do estabelecimento do Plano de Desenvolvimento Sustentável do Território para uma avaliação entre o antes e o depois da implementação das políticas. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 243 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) RESULTADOS Os resultados da pesquisa são parciais, pois o projeto ainda não conclui seu tempo de execução. Porém, podemos inferir em determinados pontos de acordo com as visitas na Zona da Mata Sul de Pernambuco. Ao todo foram visitados 10 municípios e suas zonas rurais. As configurações em relação ao trabalho são muito parecidas nos municípios, contudo, se intensificam de acordo com as relações estabelecidas naquela região. Dos dez municípios visitados, nove, as relações de trabalho que se estabelecem são em torno dos grandes canaviais. Em apenas um, a agricultura familiar é, majoritariamente, a forma de sobrevivência da população. As pessoas trabalhadoras das regiões canavieiras são em sua maioria, homens, de todas as idades, analfabetos e politicamente desarticulados. As condições de trabalho são totalmente precarizadas, isso porque, a jornada de trabalho nos grandes engenhos, são superiores a oito horas; não possuem equipamentos adequados para o corte, carregamento e estoque da cana de açúcar; trabalham sobre a forte radiação solar; expostos a animais que ficam entre as canas; inalam as fuligens liberadas na queimada da cana, pois esse método continua sendo o mais usado para facilitar no corte e para perda mínima da cana. Na maioria das vezes foi possível observar que os trabalhadores moram dentro dos engenhos, as casas pertencem aos donos desses engenhos, não podendo o morador realizar nenhum tipo de melhoria nas casas, ficando a disposição dos administradores essa atividade. Após um dia inteiro de trabalho essas pessoas ao chegarem em ―suas‖ casas, não dispõem de boas acomodações e infra-estrutura que permita descansar ou repousar para uma nova jornada no próximo dia. Não existe banheiro na maioria das casas sendo apenas um para um grupo de oito famílias. A exploração do capital sobre esses trabalhadores é visível, nas suas mais diversas formas, na seno precarizado só o trabalho, mas também suas condições de vida e reprodução social. O sofrimento dos trabalhadores não se resume apenas ao físico, mas também, psicológico, pois vivem sob uma forte relação de hierarquia, além dos ganhos ainda serem por tonelada/cortada, aumentando assim a carga laborativa, já que o discurso é que, ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 244 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) quanto mais se corta, mas se ganha. Além das condições de trabalho não se ajustarem a uma realidade ideal, os cortadores de cana-de-açúcar no território da Zona da Mata Sul de Pernambuco, não dispõem de serviços sociais públicos, como educação, saneamento básico, saúde e lazer. A condição educacional é precária, faltam escolas e professores qualificados para aquela realidade, por isso o número de analfabetos é expressivo, pois, para estudar é necessário ir à cidade, ou ―rua‖ como gostam de chamar as famílias rurais, mas a necessidade do trabalho é imediata, onde muitos não conseguem conciliar. A total falta de saneamento básico em todas as zonas rurais visitadas, além da falta de coleta de lixo, que expõe a população e o meio ambiente a um risco constante. Com a falta de coleta o lixo é acumulado em cada uma das casas, posteriormente, os moradores ateiam fogo, gerando uma fumaça cheia de toxinas sendo prejudicial à saúde, infectando o solo, ar e água. Não existe hospital nessas áreas, quando acontece algum acidente de trabalho, por exemplo, é necessário se deslocar até o município mais próximo, os postos de saúde da família são escassos e atendem mais de uma zona rural. Outro ponto que se pode observar na pesquisa é a respeito das famílias que moram próximo às usinas ou engenhos. Essas famílias sofrem com problemas advindos da produção, devido sua exposição a fatores que afetam a saúde. As chaminés soltam no ar toda fumaça da produção, gerando a fuligem que cai do céu como chuva, sobre a população que desenvolve problemas respiratórios e outras perturbações físicas. Esses resultados são parciais, como já foi dito, mas expressão da realidade que foi observada nesse período de pesquisa. É importante evidenciar as precárias condições de vida e trabalho desses cortadores de cana, pois são penalizados e não conseguem visualizar no trabalho sua maior criação. O trabalho é criação, é motor de civilização e fonte de realização das potencialidades da natureza social do homem que ao criar o trabalho é recriado e modificado pela atividade a que deu vida. A necessidade de continuar estudando e investigando, esses processos de trabalho, podem ser um importante mecanismo para as Ciências Sociais e demais áreas do conhecimento para contribuírem na exposição da realidade vivenciada em que se configura o trabalho no território onde predomina a produção canavieira. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 245 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) BIBLIOGRAFIA ALESSI & SCOPINHO, 1994. A Saúde Do Trabalhador Da Cana-De-Açúcar. In Saúde E Trabalho No Sistema Único De Saúde. São Paulo, Hucitec, 1994. ANDRADE, M. C. Estado, capital e industrialização do Nordeste. 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In: Antunes, R. (org). Riqueza e Miséria do Trabalho no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2006. RIGOTTO, Raquel M. Saúde ambiental e Saúde dos trabalhadores: uma aproximação promissora entre o verde e o vermelho. Rev. Bras. Epidemiol. Vol 6, Nº4,pág 388 a 404, 2003. BELLONI, Isaura; MAGALHÃES, Heitor de; SOUZA, Luiza Costa. Metodologia de avaliação em políticas públicas. 4 ed. São Paulo: Cortez, 2007. MINAYO, Maria Cecília de Souza. Introdução: conceito de avaliação por triangulação de métodos. In: MINAYO, M.C.S.; ASSIS, S.G.; SOUZA, E.R. (org.). Avaliação por ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 246 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) triangulação de métodos: Abordagem de programas sociais. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2005. p.19-51. MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo – Rio de Janeiro: HUCITEC-ABRASCO, 1994. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 247 A ESTRATÉGIA DA CARTEIRA DE SAÚDE DO TRABALHADOR DA CANA-DEAÇÚCAR MORAES REGO, E. F.; CORREA Fº., H. R.; Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) [email protected] INTRODUÇÃO O Brasil é o maior exportador mundial de cana-de-açúcar e sua indústria é o agronegócio que mais cresce nos últimos anos. Entre as safras 2003/2004 e 2010/2011 a produção de cana-de-açúcar destinada ao setor sucroalcooleiro cresceu 82%, passando de 357 milhões de toneladas para 651 milhões. Em 2006 - ano da criação da unidade de pesquisa Agroenergia vinculada à Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) a produção foi de mais de 425 milhões de toneladas de cana-de-açúcar em seis milhões de hectares de terra. No período, a produtividade subiu 20%, saindo de 66 toneladas por hectares para 80 toneladas por hectare. A produção de etanol saltou de 12 bilhões de litros para 28 bilhões de litros (aumento de 94%) e a de açúcar passou de 22 milhões de toneladas para 38 milhões de toneladas (expansão de 53%). Essa tendência de crescimento continua ao longo dos anos. As exportações de etanol registraram crescimento de 402% entre 2003 e 2009, quando evoluíram de 60 milhões de litros para 3,2 bilhões de litros. Os embarques de açúcar subiram 12 de milhões de toneladas para 24 milhões de toneladas (88%). Estima-se que até 2012 a produção anual de etanol no Brasil seja de 35 bilhões de litros. A área plantada com cana-de-açúcar principais Estados produtores da região centro-sul do Brasil atinge 7,722 milhões de hectares na atual safra 2010/2011. Os dados são do projeto Canasat de REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) mapeamento da cana-de-açúcar por imagens de satélite, do Instituto Nacional de Pesquisas Especiais (INPE), que acompanha o avanço da cultura na maior região produtora do mundo desde 2005/2006. O levantamento apontou que as lavouras de São Paulo parecem ter chegado ao limite de avanço, após uma onda de crescimento da cultura no maior Estado produtor do país desde 2003. Em 2010/2011, a área paulista de cana disponível para a colheita atingiu 4,996 milhões de hectares. Em 2009, o governo paulista limitou a expansão da cultura através do Zoneamento Agroclimático para a cultura no Estado. Na safra atual, Minas Gerais tem a segunda maior área de cana, com 726,34 mil hectares, seguido de Goiás com 630,65 mil hectares e Paraná com 630,15 mil hectares. A cana-de-açúcar sempre influenciou a economia e a história do país e o setor foi fortemente impulsionado com criação do Pró-Álcool, de 1972 a 1995, pela da alta do petróleo e conseqüente crise internacional dos anos 70. O governo brasileiro incentivou o aumento da área plantada de cana e a estruturação do complexo sucroalcooleiro, oferecendo subsídios e incentivos. O Instituto do Açúcar e do Álcool, por exemplo, foi responsável pelo comércio e exportação do produto, subsidiando a centralização industrial e fundiária em prol da ―modernização‖ do setor, proporcionando terras férteis, meios de transporte, energia, infra-estrutura. O aumento da área plantada, como em São Paulo que já chegou ao seu limite, caracterizando monocultura - para a produção de agrocombustíveis - tem trazido sérias conseqüências. Uma delas é a ampliação da grilagem de grandes áreas de terras públicas pelas empresas produtoras, além de ―legalizar‖ as já existentes. O ciclo da grilagem no Brasil costuma começar com o desmatamento, utilizandose de trabalho escravo, depois vem pecuária e a agricultura, que atualmente, com a expansão da produção de etanol, completa-se com a monocultura da cana. Neste ciclo, a agroindústria energética está baseada na exploração de mão-de-obra barata e até mesmo escrava. Os trabalhadores são remunerados por quantidade de cana cortada e não por horas trabalhadas. Em São Paulo, maior produtor do país, a meta de cada trabalhador é cortar entre 10 e 15 toneladas de cana por dia e recebem R$2,92 por tonelada de cana cortada e empilhada. Segundo dados do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Cosmópolis, atualmente o piso salarial é de R$ 475,00 por mês equivalente a uma média de 10 toneladas de cana cortada por ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 249 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) dia. Para isso, são necessários 30 golpes de facão por minuto, durante oito horas diárias. Atualmente, a cana de açúcar transgênica, mais leve e com maior nível de sacarose, representa ainda maior exploração dos trabalhadores, pois que ―antes 100m² de cana somavam 10 toneladas, hoje são necessários 300m² para somar 10 toneladas‖, segundo pesquisa do Ministério do Trabalho e Emprego, mas que significam mais lucros para os usineiros. Segundo a pesquisa da Fundacentro, um órgão do Ministério do Trabalho e Emprego, ―O açúcar e o álcool no Brasil estão banhados de sangue, suor e morte‖, pois a exploração humana no trabalho nos canaviais tem causado sérios problemas de saúde e até a morte dos trabalhadores. Entre 2004 e 2007 foram registradas 21 mortes por exaustão no corte da cana. Em 2005, outras 450 mortes de trabalhadores foram registradas pelo MTE nas usinas de São Paulo. As causas destas mortes são assassinatos, acidentes de trajeto, doenças cardíacas, câncer, além de casos de trabalhadores carbonização durante as queimadas. O trabalho escravo é comum no setor e em geral os trabalhadores são migrantes do nordeste ou do Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, aliciados por intermediários ou ―gatos‖, que selecionam a mão-de-obra para as usinas. Em 2006, a Procuradoria do Ministério Público fiscalizou 74 usinas no estado de São Paulo e todas foram autuadas. Em março de 2007, fiscais do MTE resgataram 288 trabalhadores em situação de escravidão em seis usinas de São Paulo. As condições a que são submetidos os trabalhadores migrantes em São Paulo no período da safra caracterizam super-exploração e padrão subhumano, favorecendo a ocorrência de eventuais mortes no setor. São em torno de 50 mil migrantes somente na cana, segundo a Pastoral dos Migrantes e as condições de vida e trabalho dessas pessoas violam sistematicamente os direitos humanos. Para a grande maioria dos migrantes essa situação inicialmente sazonal, torna-se permanente por falta de alternativas de emprego em suas regiões de origem e assim sendo, na entressafra, um número mais reduzido de mão-de-obra é utilizado para o preparo da terra, plantio e aplicação de agrotóxicos. A monocultura latifundiária, pelo seu caráter sazonal, caracteriza um modelo baseado no desemprego ao final da safra; o que leva os trabalhadores a submeterem-se a condições precárias de trabalho. O ciclo de vida no estado de ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 250 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) São Paulo inicia-se com os trabalhadores sendo aliciados por ―gatos‖ ou ―turmeiros‖, que, em geral, são também os donos dos caminhões ou ônibus que realizam o transporte, de caráter clandestino, em conhecidas ―excursões‖, que são caras e que já endividam o migrante antes mesmo de iniciar o trabalho no canavial e receber seu primeiro salário. Os trabalhadores migrantes chegam aos municípios canavieiros, ―cidades-dormitórios‖, para viverem em cortiços, barracos ou ―pensões‖. Apesar da situação precária, os custos com moradia e alimentação são muito acima da média paga pela população em geral. Algumas usinas oferecem alojamentos, em geral nos arredores dos canaviais, muitos longe do perímetro urbano. Já as ―pensões‖ são barracos ou galpões improvisados, superlotados, sem ventilação ou condições mínimas de higiene e, por não cumprirem o Código de Vigilância Sanitária, existem na clandestinidade simulando casas de família. A precarização do modelo de arregimentação, contratação, moradia, alimentação e transporte para os canaviais, é reforçada pela incorporação tecnológica, pois o trabalho humano torna-se exaustivo e de caráter exploratório, ao destinar aos trabalhadores o corte da cana em condições mais difíceis, onde o terreno não é plano, o plantio é irregular e a cana de pior qualidade, ao passo que as áreas planas e contínuas ficam reservadas para as colheitadeiras. Estas, causam maior compactação do solo e prejudicam as mudas que deveriam rebrotar, superexplorando o trabalho humano, já que impõe severas exigências como o corte rente ao solo (para aproveitamento da concentração de sacarose) e a ponteira da cana bem aparada. O pagamento por produção é um agravante na superexploração da mão-de-obra escravizada, pois, metros e metros de cana precisam ser cortados para atingirem um valor salarial melhor, apesar dos próprios trabalhadores não conseguirem prever o pagamento do final do mês já que nem sabem converter o valor da cana cortada para o da tonelada. A maioria não tem controle da pesagem ou metragem de sua produção diária, que é exercida pela usina, o que propicia a manipulação e fraude dos dados, e a pagar menos do que de direito. Denúncias chegam aos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais locais. Não bastasse a condição de cortar a pior cana e nos piores terrenos por ―perder‖ a tarefa mais leve para o maquinário sofisticado de alta tecnologia, esta mecanização ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 251 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) da colheita da cana-de-açúcar vem aumentando e preocupando os trabalhadores, já que o desemprego torna-se sua principal e imediata conseqüência, apesar da tendência de ser mantido o corte manual, pois que mais de 60% da colheita da cana é assim feita no Brasil e com baixos salários e precariedade de condições de trabalho, o que representa maior lucratividade das empresas; que tende então a menos investir em maquinário, aumentando a exigência humana na produção. Estudo da Universidade Metodista de Piracicaba e do Centro de Referência de Saúde do Trabalhador, revela as condições físicas em que fica o cortador de cana: em 10 minutos o trabalhador derruba 400 quilos de cana, desfere 131 golpes de podão, faz 138 flexões de coluna, num ciclo médio de 5,6 segundos cada ação. O trabalho é feito em temperaturas acima de 27ºC com muita fuligem no ar e ao final do dia terá ingerido mais de 7,8 litros de água, em média, desferido 3.792 golpes de podão e feito 3.994 flexões com rotação da coluna. A carga cardiovascular é alta, acima de 40%, e em momentos de pico os batimentos cardíacos chegam a 200 por minuto. O estudo mostra ainda que nesta atividade, cerca de 30 fatores podem causar um acidente de trabalho, o que é confirmado pelo elevado índice de acidentes e mortes pela exaustão. Esta é uma das atividades econômicas com maior número de registros de acidentes de trabalho no país, mesmo levando em conta que são apenas de trabalhadores formais (com registro em carteira de trabalho), não contabilizando os acidentes ou as doenças de empregados informais, que são maioria. As 21 mortes registradas por exaustão no corte da cana ocorreram durante ou imediatamente após a jornada de trabalho. Antes de morrer, os trabalhadores apresentaram câimbras, tontura, dores de cabeça e, em alguns casos, sangramento nasal, sinais sugestivos de excesso de trabalho. Além das mortes ocorridas nos canaviais, há aquelas não registradas como decorrentes do trabalho, pois que ocorrem tardiamente, em conseqüência de doenças crônicas, como o câncer; levando à morte física e/ou falência social de muitos trabalhadores. Outras situações freqüentes são aquelas em que o trabalho penoso do corte de cana, precipita, acelera ou agrava doenças que os trabalhadores são portadores e desconhecem-na, pois não apresentam diagnóstico prévio, como a doença de chagas e esquistossomose entre outras, adquiridas nas regiões de origem ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 252 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) dos migrantes, onde são endêmicas. Os movimentos repetitivos no corte da cana causam tendinites e problemas de coluna, descolamento de articulações e cãimbras ou ―birolas‖ que são provocadas por perda excessiva de potássio, seguidas de tontura, dor de cabeça e vômito e desidratação aguda. Muitos trabalhadores usam medicamentos (como injeções chamadas de ―amarelinhas‖) e drogas (como crack e maconha) para aliviar a dor e estimular o rendimento. Para cortar 10 toneladas de cana por dia, o trabalhador precise repetir cerca de 10 mil golpes de facão. Na busca de aumentar o salário e por ser o ganho definido pela produção de cana cortada, muitos disputam o status de maior cortador, nem que isso implique em abdicar das pausas para descansar, tomar água ou comer. Assim, os campeões da cana um dia; tornam-se, no futuro, os doentes, demitidos ou afastados pelas doenças ósteomusculares relacionadas ao trabalho, DORT, popularmente conhecidas por LER, lesões por esforço repetitivo, um grave problema da saúde pública. São também freqüentes os ferimentos e mutilações causados por cortes de facão, principalmente nas pernas e nas mãos, acidentes estes raramente notificados pelas empresas, aos órgãos competentes que não tem o controle ou mapeamento real da situação. Muitos trabalhadores doentes ou mutilados, apesar de impedidos de trabalhar, não conseguem aposentadoria por invalidez. A má qualidade dos equipamentos de proteção especial, os EPIs, facilita a ocorrência destes acidentes de trabalho. A luva arrebenta a mão do trabalhador e os mais novos na atividade em geral perdem as impressões digitais dos dedos e escoriam os membros superiores, por abraçarem a cana para o corte Os óculos protetores produzem dor de cabeça, porque embaçam com o suor, forçando a vista, ou seja, não foram feitos para o corte da cana. A fuligem causada pela queima da cana provoca muita coceira. Os sapatões nem sempre repostos após desgaste, expõem os pés, inclusive a cobras e escorpiões. Com as denúncias das condições de trabalho e dos casos de morte por exaustão nas lavouras de açúcar, o Ministério Público do Trabalho tem intensificado as fiscalizações das empresas; e as parcerias formadas, como o ―Fórum da Cidadania, Justiça e Cultura de Paz de Piracicaba e Região‖ que vem estabelecendo ―Propostas para a ação integrada de Órgãos Públicos e Organizações Não Governamentais junto ao Setor Sucro-Alcooleiro, objetivando melhoria das Condições de Vida e Trabalho dos Cortadores de Cana na região de Piracicaba‖. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 253 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) METODOLOGIA E RESULTADOS Diante das denúncias de irregularidades nos alojamentos e moradias urbanos e rurais, do uso indevido dos equipamentos de proteção individual inadequado e das ferramentas, do não cumprimento dos direitos trabalhistas, das más condições de transporte do alojamento aos canaviais e vive-versa, dos elevados índices de acidentes de trabalho e de doenças ocupacionais, da invalidez permanente de muitos trabalhadores sem amparo social e culminando com a morte por exaustão de um trabalhador; no dia 11 de abril de 2007, o Fórum da Cidadania, Justiça e Cultura de Paz de Piracicaba e Região, acolhendo proposta da SubDelegacia do Ministério do Trabalho e Emprego de Piracicaba juntamente com o CEREST – Centro de Referência em Saúde do Trabalhador de Piracicaba, em plenária na Câmara de Vereadores de Piracicaba, convidou os envolvidos com o trabalho da cana para viabilizarem um programa de atenção ao trabalhador rural tendo em vista as condições de super-exploração e violação dos direitos humanos a que são submetidos os trabalhadores migrantes do corte de cana em São Paulo. O Fórum constitui-se num grupo com representações dos setores envolvidos, como os trabalhadores rurais e as entidades sindicais na região, Pastorais do Migrante e da Criança, Federação de Empregados Rurais Assalariados do Estado de São Paulo, Associação dos Fornecedores de Cana de Piracicaba; representantes de usinas, Conselho Regional dos Corretores de Imóveis, Conselhos Municipais de Saúde, Universidades como a Metodista de Piracicaba, a Procuradoria Regional do Trabalho de Campinas, a Direção Regional de Saúde de Piracicaba, as Vigilâncias Sanitárias dos seus 26 municípios e, com adesões maciças de outras representações, sejam patronais, trabalhadoras ou públicas e de outros municípios do Estado e de outros, como Rio de Janeiro. O Fórum objetiva a criação de uma rede de informação que possibilite o acesso rápido às irregularidades constatadas; o contato direto de seus membros viabilizando a fiscalização e divulgação na mídia e; estabelecer ação conjunta e planejada frente às irregularidades com as providências cabíveis e, a criação de um programa de promoção e prevenção à saúde do ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 254 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) trabalhador rural migrante do setor sucroalcooleiro em Piracicaba e Região, depois extensivo a todo estado de São Paulo, garantindo dignidade e equidade com base nos direitos humanos. A aplicação, cumprimento e fiscalização deste programa, de atenção à saúde do trabalhador rural tem fundamento legal através da Procuradoria Regional do Trabalho de Campinas, da Sub-Delegacia Regional do Trabalho de Piracicaba, do Grupo Regional de Vigilância Sanitária de Piracicaba, do Grupo Regional de Acompanhamento e Implantação da RENAST (Rede Nacional de Atenção à Saúde do Trabalhador) – GRIAR e das Vigilâncias Sanitárias Municipais dos 26 municípios e seus Programas de Saúde do Trabalhador. Após a análise das irregularidades e mapeamento dos riscos a que estão expostos, foram definidos três módulos de ação e intervenção nas condições de vida, saúde e trabalho dos migrantes trabalhadores no corte de cana-de-açúcar de Piracicaba e região: moradia, saúde propriamente dita e transportes. Cada frente de ação teve designado um grupo de planejamento e intervenção e a mim coube a coordenação da saúde propriamente dita dos migrantes trabalhadores na canade-açúcar, integrando a educação e a vigilância à Saúde do Trabalhador. Como metodologia; antes de estabelecer diretrizes à saúde do trabalhador canavieiro, foi necessário conhecer o fluxograma desde sua origem e contratação até sua chegada, instalação e início da atividade laboral, a fim de que se pudesse compreender as reais possibilidades e limitações desta população que, em algum momento está tendo sua primeira experiência na cana-de-açúcar em sistema de trabalho sucro-alcooleiro, muito diferente da cultura da cana-de-açúcar de subsistência que conheciam. O recrutamento de trabalhadores inicia-se com a ampla divulgação por parte das usinas do processo seletivo de interessados em vir para o corte de cana no estado de São Paulo. As condições de extremo subdesenvolvimento das regiões mais comuns de emigração, como o norte de Minas Gerais e o nordeste, principalmente da Bahia, onde vivem a miséria da fome e seca aliadas a baixíssimos salários quando há algum trabalho árduo e sofrido; transformam a propaganda do trabalho canavieiro em São Paulo em verdadeiras apologias de vida confortável, sadia e feliz. Cada um que volta ao fim da safra, chega à sua origem com enormes carregamentos de eletro-eletrônicos como televisões, aparelhos de som, computadores que nas origens jamais conseguiriam comprar; o que ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 255 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) deslumbra aqueles que nunca vieram experimentar o duro sacrifício da vida ingrata, solitária e mendigante, a que se submetem em troco de um bem de consumo ilusório de vida melhor. Por todas as cidades são pendurados cartazes anunciando a ―realização de um processo de seleção para a safra‖ citando o endereço que os interessados devem procurar e a lista de documentos a serem apresentados – registro de nascimento - RG, cadastro de pessoa física – CPF, carteira de trabalho e certidão de nascimento ou casamento. No endereço citado encontra-se o fiscal agrícola, conhecido por ―turmeiro‖ ou ―gato‖. É importante ressaltar que o fiscal jamais procura o trabalhador. Diante do fascínio e sonho de vida melhor em São Paulo; é sempre o trabalhador que procura o fiscal. Procedida a seleção, que, em geral resume-se à entrega dos documentos solicitado, inicia-se a segunda etapa, que é a viagem da origem para São Paulo. Como nestas cidades bem interioranas não existem transportes coletivos interestaduais, o ―turmeiro‖ oferece condução, que é própria, por preços muito elevados, mas que para aqueles que desejam emigrar, configura como única alternativa e solução ―salvadora da pátria‖. Os migrantes sentem-se como que ajudados e gratos, sem perceber que, ainda na sua cidade de origem, a exploração e escravidão já se iniciaram, com o primeiro mês de trabalho comprometido para pagar a caríssima passagem de vinda para São Paulo. Ao chegarem a São Paulo depois de mais de um dia de viagem, são levados aos alojamentos ou moradias que os ―turmeiros‖ já intermediaram a locação, em preços também elevados – por pessoa – totalizando um valor de aluguel bem acima do que seria se alugado para um coletivo familiar. Uma vez estabelecido na moradia ou alojamento e iniciado o trabalho no canavial nas condições e ocorrências já citadas acima, tem-se o cotidiano dos migrantes de durará o período da safra de forma rotineira e repetitiva de casa – canavial, canavial – casa; rotina esta quebrada apenas e ingratamente pelo sofrimento físico, psíquico e social que a submissão e desgaste do trabalho acarretam, ou seja, a ida aos pronto-socorros mais próximos ou por acidente de trabalho ou por doença originada no ambiente de trabalho. Os acidentados são levados aos hospitais individualmente pelo ―gato‖ que possuem um veículo, em geral velho, já para esta finalidade, pois na maioria são representados por ferimentos corto-contusos, ou seja, cortes pelos facões, e por causa do sangramento, são levados de imediato à instituição ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 256 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) mais próxima de assistência. Os adoecidos, já são levados em grupos, pelo ―gato‖ que, ao final da jornada de trabalho do dia, lota o carro e leva-os naquele mesmo hospital para atendimento clínico. Em geral, são migrantes que, ou não se adaptaram à brusca mudança climática e às péssimas condições de moradia, com quadros de gripes, pneumonias e outras afecções respiratórias; ou sentindo a brutalidade do serviço, com lombalgias e dores ósteomusculares nas diversas partes do corpo, como membros superiores. Ao dar entrada nos serviços de saúde, o trabalhador migrante desconhece toda a dinâmica do sistema de saúde local e; por humildade e timidez, somando-se também à diversidade e choque culturais e linguísticos, tem dificuldade de comunicação e expressão de suas sensações físicas, psíquicas e sociais. Os serviços de saúde recebem-nos em regime de universalidade, porém sem nunca tê-los visto antes e sem possibilidade de conhecer as condições de vida e saúde prévias; num contexto de urgência – emergência em que apenas a queixa principal é abordada e aliviada. A alta demanda de atendimentos nos pronto-socorros, na maioria das vezes fazendo o papel da rede básica de atenção primária, para poucos profissionais de saúde é um fator limitante para a integralidade do atendimento. Com base na rotina dos trabalhadores e nos dados epidemiológicos, foi possível estabelecer metas e propor um novo fluxograma de ações voltadas à prevenção, promoção, assistência e reabilitação destes migrantes. Na magnitude do Sistema Único de Saúde, podemos dividir as ações em dois grupos: de Promoção e Prevenção e de Assistência e Reabilitação, tendo no primeiro grupo, o trabalhador como protagonista e no segundo, o serviço executante. Quanto à promoção e prevenção, é condição fundamental a busca do conhecimento e retrato vivo da saúde do trabalhador de forma integral, pois que ele vem de terras distantes com características epidemiológicas singulares e adversas especialmente quanto à morbidade. Doenças endêmicas do nordeste migram junto com os trabalhadores para São Paulo, onde se agravam, especialmente pelas condições exaustivas e consumptivas de trabalho. Destacam-se dois fundamentais pilares de ação: aquele baseado no trabalhador migrante enquanto indivíduo que tem identidade própria e, portanto características físicas, psíquicas e sociais específicas. Somente com um Programa de Controle Médico e Saúde Ocupacional bem executado e de forma rigorosa, pode-se delinear o perfil de saúde ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 257 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) que cada cidadão apresenta e traz da sua cidade de origem. Em certa ocasião foram realizados exames de fezes no meio da safra de um grupo de migrantes de certo alojamento da região e, foram diagnosticados em torno de 25 casos de esquistossomose e doença de Chagas, o que poderia ter sido evitado se antes do início da atividade fossem realizados exames admissionais, como de fezes para investigação desta doença tipicamente endêmica nas origens dos migrantes, assim como Chagas, entre outras. Outro caso de destaque, ocorrido no município de Santa Maria da Serra, foi de um trabalhador com síndrome de consumo acelerada pelo desgaste físico ocupacional e que teve diagnosticado um câncer no rim já em estágio avançado. Desta forma, no fluxograma proposto; na primeira semana de moradia /alojamento em São Paulo, toda a turma sem exceção deve ser cadastrada em uma unidade privada de cumprimento deste PCMSO, pois que os exames admissionais, periódicos e demissionais, segundo a Norma Regulamentadora NR 7 do Ministério do Trabalho e Emprego, cabe à empresa oferecer e assumir este serviço. Faz-se aqui a ressalva que, pelo caráter de universalidade do SUS, esse não pode deixar de atender este demanda, caso venha a se constituir como necessidade pública. Pelo princípio constitucional de ―saúde é um dever de todos e obrigação do Estado‖, estes exames deveriam ter cobertura na rede ainda na atenção primária, pela própria garantia da realização e legimitidade dos mesmos e, referenciado aos CERESTs, seus resultados. O outro pilar importante na garantia da promoção e prevenção dos migrantes baseia-se no coletivo no qual estes trabalhadores compõem um grupo exposto às mesmos riscos, sejam físicos, sejam acidentais ou de quaisquer outras naturezas. Os riscos implicam em ocorrências súbitas, agudas e inesperadas em decorrência das condições de trabalho e exposição e suas conseqüências, muitas vezes de proporções graves e com seqüelas definitivas como a invalidez e até a morte. No fluxograma proposto; também na primeira semana em São Paulo, a turma deve ser cadastrada em uma unidade básica, pública, de referência ambulatorial para atendimento, preenchimento e entrega da “carteira de saúde do trabalhador rural”, beneficiando as ações de assistência, especialmente na urgência e emergência que impõe atos precisos e imediatos; tem-se que todas as informações referentes ao conhecimento prévio das condições de vida e saúde do paciente, são de extremo valor no ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 258 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) êxito das manobras e condutas a serem tomadas. E na reabilitação, as informações da vida pregressa e social contidas na carteira prestam valiosa colaboração no seu sucesso. Quanto à assistência e reabilitação, os serviços tornam-se o foco determinante do sucesso da atenção à saúde dos trabalhadores: outra unidade, de pronto-socorro, deve ser referenciada e protocolada, para os atendimentos dos acidentes de trabalho e das consultas de emergência e urgência. Através da apresentação obrigatória da carteira de saúde do trabalhador rural seja em qual for unidade de atendimento, as informações e condições de saúde de todos os trabalhadores migrantes passam a ser divididas e conhecidas por quaisquer profissionais ou unidade que venha a prestar o socorro, especialmente imediato; tal qual uma gestante que realiza Pré-Natal em um estado da federação e tem parto em outro estado, em função de eventual trabalho de parto em viagem. O obstetra da maternidade que realiza o parto, pelo cartão de pré-natal vindo da cidade de origem, tem todas as informações pertinentes e necessárias ao bom atendimento e garantia de vida da gestante e do bebê. Da mesma forma, o trabalhador migrante hipertenso ou diabético, ou portador de qualquer patologia que possa representar fator precipitante ou agravante de uma condição de risco, como a ocorrência ou recorrência de quadros infecciosos recentes ou alérgicos, também tem estas informações disponíveis ao profissional do atendimento de urgência e/ou emergência. A rede do SUS deve estar bem definida, com uma unidade de atendimento de urgência e emergência referenciada com nível de complexidade suficiente e capaz de receber e atender estes trabalhadores, assim como de reabilitação dos casos ocupacionais, que, em geral é realizada pelo CEREST da abrangência ou outra unidade mais próxima na área geográfica do alojamento/moradia do que o CEREST. O SUS bem definido em sua rede hierarquizada de ações e na sua malha geográfica interligada de serviços garante a universalidade, integralidade e equidade do atendimento, conforme proposto pelo Programa de Atenção à Saúde do Trabalhador Rural do Fórum de Cidadania, Justiça e Cultura de Paz de Piracicaba e Região. O Programa de Atenção à Saúde ao Trabalhador Rural baseia-se ainda nas seguintes premissas a serem rigorosamente cumpridas: 1- Exame médico Pré-admissional e demissional com ênfase na avaliação; 2 Exames clínicos periódicos trimestrais, incluindo avaliação cardiopulmonar, peso e pressão ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 259 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) arterial; 3 - Implementação de programas de vacinação; 4 – Levantamento de acidentes por animais peçonhentos e, plano de atendimento em casos de acidentes; 5 – Notificação obrigatória de doenças e acidentes de trabalho, através da CAT (Comunicação de Acidentes do Trabalho) e do RAAT (Relatório de Atendimento de Acidentes do Trabalho); 6 – Disponibilizar durante toda a jornada de trabalho transporte / ambulância com sistema de radio comunicação e pessoal treinado nas frentes de trabalho (Auxiliar ou técnico de enfermagem); 7 – Disponibilizar para todo estabelecimento, material de primeiros socorros e pessoal capacitado para cada grupo de 10 ou mais trabalhadores; 8 – Criação de um sistema de referência através de contrato entre a empresa - usina ou fornecedor - e uma Instituição prestadora de saúde do trabalhador - hospital. A carteira de saúde do trabalhador da cana-deacúcar é uma estratégia que deve ser incorporada à rotina dos migrantes de forma ―vital‖ como o alimento ou o ar; ou seja, ao vestir-se pela manhã, ao acordar, ela deve ser colocada no bolso e acompanhá-lo onde for; ao entrar no ônibus rural, todos devem entregá-la ao motorista que faz sua guarda, até que voltem ao transporte para o retorno ao alojamento; neste momento recebem-na de volta e, de novo, conduzem-na consigo aonde forem. Isto significa que, mesmo que o migrante, por exemplo, seja vítima de um desmaio súbito, ele está identificado, e, suas condições de saúde e de risco ocupacional estão descritas na carteira de saúde seja porque está no seu bolso – hora livre -ou porque está no ônibus – hora de trabalho. Aqui são descritas as informações contidas na carteira de saúde do trabalhador rural que, fundamentalmente beneficiará a qualidade de vida do migrante trabalhador no Estado de São Paulo, mas também a efetividade do trabalho dos profissionais de saúde garantindo rapidez e segurança nas ações e serviços. A Carteira apresenta em sua capa os dados de identificação do trabalhador destacando a atividade rural da cana-de-açúcar. Compõem os seguintes dados: nome, data do nascimento, idade, nome da mãe, o registro de nascimento, o número de inscrição do PIS/PASEP, a naturalidade e a unidade de federação, estado civil, número de filhos, o endereço de origem com município e unidade de federação, a atividade laboral anterior, o grau de escolaridade, o nome da empresa contratante e nome do alojamento atual. A contra capa da carteira, o contempla os dados relativos ao PCMSO, com espaço para as ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 260 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) datas das avaliações admissional, periódicas em número de três, e demissional. Ainda nesta página a carteira contempla espaço para a classificação sanguínea e o fator Rh e o resultado dos seguintes exames, que obrigatoriamente devem ser feitos na admissão, demissão e conforme critério do médico que avalie o trabalhador: hemograma completo; exame parasitológico de fezes com pesquisa de schistossoma e taenia, popularmente conhecida como solitária; exame de urina com pesquisa dos elementos anormais e sedimento; exames específicos para certas doenças como sífilis, chagas, hepatite A e C e glicemia em jejum; eletroencefalograma, raio-X de tórax, espirometria ou outros exames conforme critério do médico examinador e das características individuais de cada trabalhador. A terceira página reserva um espaço para as informações pertinentes à saúde bucal do trabalhador; tabela de valores aferidos do peso, pressão arterial, freqüência cardíaca e temperatura axilar, além da estatura e assinatura do profissional responsável pela verificação destes sinais vitais. Um espaço para observações clínicas e intercorrências no período atual e outro para informações referentes à história patológica pregressa e familiar, ou seja, aos antecedentes de saúde do trabalhador e seus parentes co-sanguíneos completam esta página separando os antecedentes pelos grupos de doenças ou agravos de maior expressão como as doenças comuns da infância (sarampo, catapora, caxumba entre outras), diabetes mellitus, hipertensão arterial, cardiopatias, doenças do aparelho respiratório, ósteo-musculares, reumáticas, vasculares, gastrointestinais, doenças sexualmente transmissíveis e outras, além da vigência de etilismo e/ou tabagismo, ou seja, consumo de álcool e fumo. A capa de verso, ou última página da carteira apresenta espaço para o quadro de vacinação obrigatória do calendário de todo cidadão brasileiro e outro para eventuais e específicas vacinas como febre amarela entre outras. Completando as informações colhidas do trabalhador, tem-se ainda espaço para a ocorrência de acidentes com animais peçonhentos e outras informações dignas de nota. A Carteira de Saúde do Trabalhador Rural foi apresentada e recebeu moções de apoio e aplauso aprovadas, com 235 votos na 5ª Conferência Estadual de Saúde de São Paulo, no dia 06 de outubro de 2007 a qual foi enviada aos Senhores Secretário de Saúde do Estado e ao Governador do Estado e com 660 votos na 13ª Conferência Nacional de saúde no dia 17 de ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 261 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) novembro de 2007 tendo sido encaminhada ao Senhor Ministro da Saúde; reforçando a importância desta carteira como valioso instrumento de qualidade de vida do trabalhador migrante que chega desconhecido e solitário no estado de São Paulo e como proposta de humanização do atendimento a esta população escravizada na cultura da cana-de-açúcar. BIBLIOGRAFIA ALESSI, N.P.; SCOPINHO, R. A. A saúde do trabalhador do corte de cana-de-açúcar. In: SAÚDE E TRABALHO NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE, São Paulo: Ed. Hucitec, 1994. ALESSI,N.P., NAVARRO,V.R., Saúde e trabalho rural: o caso dos trabalhadores da cultura canavieira na região de Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil. Cad. Saúde Pública vol. 13 supl. 2 Rio de Janeiro 1997 ALVES, F. J.C., Modernização da agricultura e sindicalismo: lutas dos trabalhadores assalariados da região canavieira de Ribeirão Preto. 1991. 347 f. Tese ( Doutorado em Economia) - Instituto de Economia. Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1991. _____. Por que morrem os cortadores de cana? Saúde e Sociedade, v. 15, n. 3, p. 90-98,set – dez. 2006. Disponível em:http://www.scielo.br/pdf/saucoc/v15n3/08.pdf BACCARIN, J.G.; JUNIOR, J.C.B., Boletim formal de ocupação sucroalcooleira em São Paulo. UNESP. Jaboticabal. São Paulo. http://www.pastoraldomigrante.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=715 :boletim--ocupacao-formal-sucroalcoooleira-em-sao-paulo1&catid=40:artigos&Itemid=132 12 maio 2010 BRAGANTINI, C.A et al Fórum da Cidadania, Justiça e Cultura de Paz: uma experiência de Vigilância em Saúde do trabalhador canavieiro na região de Piracicaba/ SP www.cerest.piracicaba.sp.gov.br/site/images/Expoepi_enviado_-final1.pdf 15 outubro 2009. CAVALIERI, L.; Migração e reprodução social: tempos e espaços do cortador de cana e de sua família. São Paulo. USP. 2010 ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 262 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) FERNANDES, M.P.R.; LOURENÇO, E.A.S. Processo de trabalho e saúde na agroindústria canavieira: os desafios para o Sistema Único de Saúde (SUS) e sindicatos dos trabalhadores. GOMES, M. A investigação das mortes nos canaviais no estado de São Paulo, Boletim Informativo da Procuradoria Regional do Treabalho da 15ª Região 2005 JUNGMAN, M. Relatório denuncia mortes de trabalhadores de canaviais por exaustão. Agência Brasil – www.ecodebate.com.br/.../relatorio-denuncia-mortes-de-trabalhadores-decanaviais-por-exaustao/ 15 agosto 2008 LATT, E.F.; VILELA, R.A.G. A análise ergonômica do trabalho no corte da cana-deaçúcar: proposta para redução do desgaste físico do trabalhador Piracicaba: UNIMEP, 2007 LATT, E.F.; Trabalho e risco no corte manual de cana-de-açúcar: a maratona perigosa nos canaviais Piracicaba. UNIMEP, 2010. LOURENÇO, E.A.S., Na trilha da Saúde do Trabalhador: a experiência de Franca / SP Franca: UNESP, 2009 LUZ,V.G. et al. Estudo longitudinal de aspectos nutricionais em cortadores de cana no interior de São Paul www.cerest.piracicaba.sp.gov.br/.../ABRASCO_ESTUDO_LONGITUDINAL _DE_ASPECTOS_NUTRICIONAIS_EM_CORTADORES_DE_C... 09 setembro, 2009 RESTREPO, A.J. et al, Os Agrocombustíveis no Brasil. Informe da missão de Investigação sobre os impactos das políticas públicas de incentivo aos agrocombustíveis sobre o desfrute dos direitos humanos à alimentação, ao trabalho e ao meio ambiente, das comunidades campesinas e indígenas e dos trabalhadores rurais no Brasil. Maio, 2008 SYDON, E.; MENDONÇA, M. L. ; MELO, M., Biocombustível e a Indústria da Cana In: www.boelllatinoamerica.org/download_pt/Biocombustiveis2008_paper_dh_e_a_industria_da _cana_rev.pdf ] 2008. Acesso em: 7 abril 2011. _____.Direitos Humanos e a Indústria da Cana. In: HTTP://www.social.org.br/. Acesso em : 7 abril 2011. SOUZA, N.A. Sindicato dos Trabalhadores de Flórida Paulista denuncia morte por exaustão no corte de cana. 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O argumento que ser quer aqui sustentar é o de que os princípios da divisão do trabalho que foram brilhantemente tecidos por Smith no século XVIII só foram efetivamente organizados na forma da administração gerencial com o surgimento da teoria da administração clássica no século XX, com Taylor. Embora o toyotismo mais tarde tenha superado o taylorismo, pela criação de mecanismo que possibilitaram o aumento da produção, essa superação aconteceu por incorporação, de modo que, dependendo do caso, técnicas de gestão e de produção típicas do taylorismo são mantidas no toyotismo se tal técnica se mostrar mais eficiente, por mais retrógados que estes processos possam parecer. É possível afirmar que teoria da administração clássica tenha mantido sua atualidade, razão pela qual o conhecimento de seus princípios torna-se imprescindível para compreender os processos de trabalho de hoje. A teoria da administração clássica será cotizada à luz de dados empíricos coletados durante a realização da pesquisa ―Processo de trabalho em frigoríficos da região oeste do Paraná: trabalho, educação e saúde‖, desenvolvida pelo Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Trabalho, Estado, Sociedade e Educação – GP TESE no período 2008-2010. REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) O grupo esteve neste período instituído na Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, e é liderado pela professora Dr. Georgia Sobreira dos Santos Cêa. A pesquisa contou com o financiamento do CNPq. A aplicação de medidas gerenciais que buscam aumento da produtividade por meio do acirramento das exigências em termos de ritmo e movimentos mais intensos tem provocado efeitos nefastos à saúde dos trabalhadores. Estes fatores são identificados nos operários do setor avícola, o que ficou constatado na pesquisa supracitada. METODOLOGIA As fontes utilizadas para a realização deste estudo são de origens distintas, porém convergem num mesmo objetivo: compreender as conseqüências dos modelos gerenciais adotados pela indústria do frango e analisar os impactos causados por estes processos à saúde dos trabalhadores do setor. A inquietação em torno do tema nasce com a minha condição de docente da disciplina de Teoria das Organizações e Gestão Escolar – TOGE – ministrada no curso de pedagogia. A disciplina tem por objetivo apresentar aos acadêmicos os princípios da Administração Gerencial visando compreender as influências da administração de empresas na gestão do trabalho pedagógico. O estudo aprofundado das teorias administrativas possibilitou tecer alguns comparativos com a gestão em vigor na indústria do frango, objeto de estudo da pesquisa ―Processo de trabalho em frigoríficos da região oeste do Paraná: trabalho, educação e saúde‖. O que se observa é que em muitos aspectos a Teoria da Administração Clássica desenvolvida por Taylor é ainda o pensamento orientador da gestão do trabalho na avicultura industrial. Os dados empíricos foram coletados na pesquisa ―Processo de trabalho em frigoríficos da região oeste do Paraná: trabalho, educação e saúde‖, os quais foram ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 265 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) obtidos por meio questionários e entrevistas feitas com operários da indústria avícola; entrevistas feitas com representantes sindicais e a diretores de entidades representativas dos trabalhadores do setor. Tais dados possibilitam um panorama do processo de trabalho que é realizado nos frigoríficos de aves e das conseqüências nocivas que tais processos acarretam à saúde destes sujeitos. O exercício que se busca realizar no percurso destas páginas consiste na cotização entre os dados empíricos e as teorias da administração, identificando aspectos de proximidade entre ambos. A Teoria da Administração Clássica inaugurou uma nova concepção de organização do trabalho, por meio do entendimento de que o processo do trabalho não deve ser inerente ao homem, mas ao sistema. O homem, nesta concepção, é entendido como um recurso como outro qualquer – matéria-prima, maquinários, etc.. Por esta concepção, não cabe ao trabalhador definir como procederá enquanto trabalhador na produção, mas o contrário se estabelece: é a produção que diz ao trabalhador como ele deverá proceder. Depois da Teoria Clássica da Administração, outras teorias administrativas surgiram, dentre as quais: a Escola de Relações Humanas; o Behaviorismo; a Abordagem dos Sistemas Abertos. Em todas elas, há em comum a crítica à rigidez da teoria clássica, que concebe o homem como uma máquina. Deste modo, pode-se inferir que em muitos setores produtivos a Teoria da Administração Clássica foi superada, e outros mecanismos para aumentar a produção foram adotados. Entretanto, o que se observa na indústria avícola é que os preceitos de Taylor assumem a centralidade enquanto teoria orientadora do processo produtivo. RESULTADOS Quando Smith publica ―A Riqueza das Nações‖, em Londres, no ano de 1776, inaugura um novo entendimento a respeito da natureza do trabalho e da riqueza social. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 266 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) A grandeza de sua obra o levou a ser considerado o pai da economia política. Smith entende não somente que a riqueza é produzida socialmente, como também afirma que quanto maior a divisão do trabalho e quanto mais especializada cada tarefa for, maior a produtividade. Aumentando a produtividade, tem-se a possibilidade de reduzir os custos da produção a tal monta que até mesmo as pessoas mais pobres podem desfrutar dos bens socialmente produzidos. Mas não problematiza o fato de que a mesma é acumulada por poucos, e assume com naturalidade a distinção com que tal riqueza é apropriada por sujeitos oriundos de distintos extratos sociais, os quais ele denomina de Diversas Categorias de Povo. No que refere ao nosso objeto de análise (a avicultura industrial), é interessante observar que Smith assevera que a natureza da agricultura não comporta tantas subdivisões do trabalho, nem uma diferenciação tão grande de uma atividade para outra, quanto ocorre nas manufaturas. A análise de Smith ainda é pertinente. Assumindo como referência a indústria avícola, é possível identificar no processo de produção do frango duas fases bastante distintas e com características muito específicas. A indústria do frango terceiriza uma parte importante do processo (a cria e engorda de aves) a avicultores que recebem por este serviço segundo a produtividade auferida. Nesta fase não há fragmentação do trabalho: todos os cuidados necessários ao desenvolvimento do processo são realizados por um número muito reduzido de pessoas, geralmente membros da família. Depois da ave criada, pronta para o abate, ela é enviada à indústria, onde acontecem os procedimentos que a transformam em produto para consumo. Na fase industrial o trabalho é totalmente fragmentado, cada trabalhador executa uma função pequena e bastante específica do processo, e dele o que mais se valoriza é a rapidez e a precisão com que os movimentos são executados. Ao defender a necessidade do aumento da produção, o autor indica os fatores que o promovem: destreza dos trabalhadores; poupança de tempo ao evitar que o trabalhador tenha que passar de um tipo de trabalho para outro; e incorporação de tecnologia na forma de máquinas que facilitam e abreviam o trabalho. O aumento da destreza se faz mediante a especialização. O trabalhador não precisa conhecer o processo do trabalho do qual participa, precisa tão somente saber fazer ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 267 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) exatamente o que cabe à sua função específica. Deste modo, por meio da repetição, seus movimentos tornam-se mais precisos, e seu trabalho é realizado mais rápido, e se sua produtividade aumenta na sua função específica, e, ocorrendo o mesmo com o trabalho desempenhado pelos demais trabalhadores nos demais setores, tem-se assim o aumento geral da produtividade naquela empresa. No que toca à especialização ainda, Smith afirma que o trabalhador que exerce de forma especifica uma única atividade no processo de produção deixa de perder tempo com a troca de atividade, assim como também consegue manter-se concentrado na realização dos movimentos da sua atividade. A utilização de maquinários facilita e abrevia o trabalho, e a incorporação dos mesmos à produção pode ser identificada, segundo Smith, na própria divisão do trabalho, pois anulada a dispersão do pensamento, o trabalhador pode concentrar-se única e especificamente na atividade que lhe cabe. Sendo assim, todos os seus pensamentos ficam voltados para a produção, e podem assim criar formas de melhorar a produção. Sintetizando as informações fornecidas pelos trabalhadores da indústria avícola, pode-se dizer que o trabalho realizado nas empresas frigoríficas apresenta como características a repetitividade de movimentos, invariabilidade do trabalho e o ritmo de trabalho imposto pela máquina, atendendo ao que fora idealizado por Smith. Embora tais fatores resultem em aumento de produção, não instiga o espírito inventivo dos operários no sentido de que estes criem ou sugestionem formas de melhorar a produção. O que mais comumente se identifica é que tais fatores afetam negativamente a saúde física (como efeito das posturas inadequadas; do uso de força física; do trabalho muscular estático; da pressão mecânica; da exposição a temperaturas altas e baixas – dependendo do setor20, da convivência com odores fortes; do barulho excessivo; do contato com ambientes úmidos por longos períodos de tempo – mesa de trabalho; chão – do manuseio de instrumentos pérfuro-cortantes) 20 A temperatura ambiente no interior da indústria avícola varia de acordo com a etapa da produção, chegando a ultrapassar 20° graus Celsius negativos, em determinadas sessões. Na etapa da depenagem, os trabalhadores manuseiam aves imediatamente retiradas de tanques com água a temperatura média de 58 a 62° C, com borbulhamento e renovação contínua, sendo que as aves ficam submersas no tanque por um período médio de 58 segundos, com o objetivo de facilitar a depenagem. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 268 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) e a pressão por produtividade interferem na motivação, na atitude e no comportamento destes no sentido de afetar a saúde mental21. Taylor, em sua obra ―Princípios da Administração Científica‖ advoga enfaticamente em torno da necessidade social de se combater a ineficiência. Ele afirma que dentre todos os prejuízos que podem ser identificados na sociedade, sejam elas provocadas pela natureza ou pelo homem, o que mais provoca a ruína humana é o desperdício das forças humanas, causado pelo uso inadequado e ineficiência da gestão de tais recursos. A única forma, segundo este intelectual, de se resolver o problema da ineficiência do uso das forças humanas é tornar o trabalho humano totalmente controlável pela gestão. No passado, diz o autor, o homem estava em primeiro lugar; no futuro, o sistema terá primazia. O que se observa na indústria avícola é que tal formato organizativo está muito bem instituído. Comumente as grandes empresas frigoríficas possuem plantas industriais que ocupam uma grande área geográfica, são empregadoras de consideráveis contingentes de força de trabalho, que atuam 24 horas por dia, seis dias por semana, em diferentes turnos. Em geral, o processo de trabalho em frigoríficos se divide em quatro grandes etapas: 1) Preparação do animal para o processamento: os animais, tratados em aviários, que possuem granjas e incubatórios, são recebidos vivos e depois são abatidos e encaminhados para as outras etapas da produção. 2) Evisceração dos animais: são retiradas as vísceras dos animais e eles são preparados para serem cortados em diferentes partes. Cada parte dos animais abatidos é chamada de peça. 21 Os danos à saúde mental dos trabalhadores incluem depressão, baixa estima, isolamento, síndrome do pânico, etc., e muitas vezes esses danos decorrem de situações de assédio moral no trabalho. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o assédio moral no ambiente de trabalho é um comportamento irracional, repetido, em relação a um determinado empregado, ou a um grupo de empregados, criando um risco para a saúde e para a segurança. Pode-se entender por ‗comportamento‘ as ações de um indivíduo ou um grupo. Um sistema de trabalho pode ser utilizado como meio para humilhar, debilitar ou ameaçar. O assédio costuma ser um mau uso ou abuso de autoridade, situação na qual as vítimas podem ter dificuldades para se defender. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 269 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) 3) Espostejamento e embalagem: os animais são cortados em peças, em vários setores. As peças dos animais saem do espostejamento já embaladas e pesadas e depois são encaminhadas para a estocagem. 4) Estocagem e expedição: as peças dos animais são estocadas, embaladas e despachadas para as empresas que comercializam alimentos industrializados. Cada uma dessas etapas é dividida em vários setores, envolvendo milhares de trabalhadores na produção. Como exemplo, apresentamos, resumidamente, a divisão do setor de abate de aves da seguinte forma: recepção de aves (recebimento, pendura, insensibilização e sangria das aves), depenagem (escaldagem, retirada das penas e corte das patas das aves); evisceração (retirada das vísceras e miúdos da carcaça); chiller (resfriador, onde ocorre o resfriamento da carcaça); sala de corte (cortes selecionados do frango – asa, coxa, sobrecoxa, peito); embalagem (processamento dos miúdos e embalagem dos frangos e/ou partes das aves); congelamento; expedição (carregamento e estocagem dos produtos) e fábrica de farinhas (processamento das penas e vísceras em farinhas para a produção de ração). O fracionamento do trabalho em tarefas muito específicas, conforme projetado teoricamente por Taylor ganha concretude material na indústria avícola. Buscando atribuir à sua teoria uma preocupação que envolva também o bem-estar dos trabalhadores, Taylor defende que a administração deve visar a máxima prosperidade do patrão, assim como também a do empregado. Diz Taylor que os interesses de patrões e empregados não são antagônicos. Argumenta assim que a introdução de mecanismos de gestão torna possível o aumento da produção (o que vai ao encontro dos interesses dos patrões) e que tal aumento de produção possibilita aumento dos salários (o que vai ao encontro dos interesses dos empregados); e apresenta como dado empírico desta constatação o fato de que empresas que adotaram o gerenciamento científico dos processos de trabalho, possibilitando maior eficiência, pagam a seus empregados salários 30 a 100% maiores que os concorrentes que não utilizam os mesmos princípios gerenciais. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 270 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) O que Taylor não menciona é que o aumento da lucratividade, gerada pelo aumento da produção, que tem sua origem no aperfeiçoamento dos mecanismos de gestão, não são revertidos na mesma proporção aos trabalhadores. Podemos utilizar como exemplo desta afirmação os números da lucratividade de uma das empresas avícolas: no primeiro semestre de 2007 obteve um lucro líquido de R$ 205,5 milhões, e foi por quatro anos consecutivos (2001, 2003, 2004 e 2005) eleita a marca mais valiosa do setor de alimentos brasileiro. No mesmo período, os salários médios pagos aos trabalhadores da indústria giravam em torno de R$ 520,00 (pouco mais de 1 salário mínimo), valor do qual ainda eram efetuados os descontos: plano de saúde, contribuição sindical, vale-transportes, refeições e INSS). Um dos problemas que Taylor identifica como sendo o mais pernicioso no sentido de obstaculizar a eficiência é o fato de que as empresas lidam com uma forte organização dos trabalhadores, e desta forma estes trabalhadores conseguem impor alguns limites de produtividade, os quais Taylor denomina de ―cera‖ ou ―vadiagem‖. Os trabalhadores no tempo de Taylor faziam ―cera‖ porque isso lhes era possível. Os operários altamente qualificados detinham ainda o domínio de fases centrais dos processos produtivos. A produtividade andava, de certa forma, conforme o ritmo ditado pelos trabalhadores. E como Taylor se propôs a acabar com a ―vadiagem‖ no processo de trabalho? Combatendo, o que segundo ele, seriam aos três maiores dilemas das empresas sua época: primeiramente, o entendimento de que o maior rendimento dos trabalhadores auxiliados pelas máquinas geraria o desemprego; em segundo, a ineficiência dos sistemas de administração, que da forma como funcionavam, tornava possível que o trabalhador fizesse ―cera‖; e por fim, em terceiro lugar, por compreender que os métodos empíricos ineficientes, que permitiam aos trabalhadores desperdiçar parte do esforço. Os argumentos utilizados para sustentar tais teses são assim especificados: primeiramente, Taylor defende que a maior produtividade não gera desemprego porque ela promove a abundância da oferta de produtos do mercado, o que gera queda dos preços, com aumento de consumo, aumento da demanda, o que gera necessidade de produzir ainda mais. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 271 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) Embora a indústria avícola se utilize de elevados níveis de incorporação tecnológica, as mesmas não podem de fato ser responsabilizadas pelo desemprego. As vagas nos frigoríficos são constantes não devido à forte organização dos trabalhadores que diminuem forçosamente a produção gerando a necessidade de contratação de mais trabalhadores, mas porque o trabalho no setor de cortes é tão penoso e desgastante que muitos saem da empresa por não suportarem a rotina. No setor frigorífico, é nítida a combinação entre desenvolvimento tecnológico e organizacional e a permanência de procedimentos e técnicas de marca taylorista-fordista, caracterizados pelo desempenho do trabalho simples, com pouco ou nenhum conteúdo tecnológico. No que refere ao segundo dilema, o autor explica que são dois os fatores que levam os trabalhadores a fazer “cera‖, quais sejam: uma tendência natural de todo o ser humano em querer fazer o menor esforço (ao qual o autor denomina de ―indolência natural‖). Já a ―indolência sistemática‖ ocorre quando os trabalhadores assumem a ideia fixa de que é preciso diminuir o rendimento das máquinas que dirigem. A solução para este problema já foi apontada anteriormente pelo autor: faz se necessário que o sistema assuma a centralidade do processo, e não mais a vontade humana. Para isso, o sistema deve organizar o processo de trabalho de uma forma tal que os espaços de decisão dos trabalhadores tornem-se mínimas, ou melhor, que sejam anuladas. Caberá ao trabalhador, nesse contexto, apenas exercer e executar funções pré-definidas, sem a menor autonomia para decidir como e quando fazer. Isso significa que de Smith a Taylor, o processo de trabalho não havia ainda sofrido a simplificação capaz de retirar do trabalhador o controle do exercício do trabalho – eis a preocupação de Taylor. O autor certamente não sofreria de preocupação ao analisar a organização do trabalho na indústria avícola, pois nela, as etapas de produção requerem dos trabalhadores conhecimentos tão simples que qualquer pessoa é capaz de executar tais atividades. Daí tem-se também a impossibilidade de que os trabalhadores possam fazer ―cera”. Apesar disso, é recorrente a ideia de que a implementação das transformações tecnológicas e organizacionais no setor frigorífico demandaria mudança no ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 272 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) perfil da mão-de-obra, exigindo dos operários da produção maior conhecimento, habilidade e atitudes apresentando melhor escolaridade e qualificação obtida por meio da intensificação dos programas de treinamento e capacitação. No que refere ao terceiro dilema de Taylor, o que trata da ineficiência dos métodos empíricos utilizados até então, Taylor afirma que os operários foram habituados a aprender o modo de executar o trabalho por meio da observação dos companheiros vizinhos. Existem inúmeras maneiras de executar a mesma tarefa, e o trabalhador a executava até então do modo como havia aprendido por observação. Entretanto, os métodos científicos de estudo do tempo e do movimento são capazes de indicar de que modo o exercício de determinado movimento pode ser feito com maior precisão e rapidez. A busca pelo movimento perfeito, o único e preciso não acontece empiricamente, na intuição, na transmissão de conhecimentos de trabalhadores mais experientes para os menos experientes. O movimento perfeito é forjado por meio de estudos que indicam qual é a melhor posição do trabalhador, qual é o melhor instrumento a ser utilizado para cada função, além de outros aspectos ergonômicos, como altura dos objetos a serem manuseados pelos trabalhadores, e a postura que os mesmos devem assumir (se em pé ou sentado, por exemplo). O trabalhador ideal no prospecto de Taylor é o sujeito que passou pelo leito de Procusto e está totalmente ajustado às exigências produtivas. A análise das condições de trabalho da indústria avícola evidencia a ―repetitividade‖ de movimentos, força excessiva e compressão mecânica como fatores inerentes à atividade desenvolvida pelos operários. O trabalho repetitivo foi convencionado como sendo quando uma atividade é completada num ciclo de tempo inferior a 30 segundos ou trabalhos que contenham movimentos repetitivos que ocupem mais de 50% do tempo total. A existência de fatores biomecânicos são capazes de causar a LER – Lesão por Esforços Repetitivos. Nessa perspectiva, a ―repetitividade‖ de movimentos está presente nos diferentes setores dentro dos frigoríficos, com o agravante da exigência de metas a serem cumpridas: eviscerar 14 frangos/minuto, incluindo puxar repetidamente para retirar e separar os miúdos; cortar 25 asas de frango por minuto; retirar 19 pontas de asas por minuto; refilar ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 273 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) filés em até 10 segundos, com o manuseio de faca muito afiada, e o fiscal do controle de qualidade tinha que tocar 9 mil aves/hora, com três inspeções cada ave (interna, externa e geral), totalizando 2.700 movimentos/hora. A velocidade dos movimentos exigidos foi avaliada como sendo muito rápido e fora das possibilidades humanas. Os dados apresentados até aqui permitem compreender que o processo de trabalho desenvolvido pela indústria avícola atende em muitos sentidos aos anseios de dois importantes teóricos: Adam Smith e Frederick Taylor. É como se a realidade dos processos existentes na indústria do frango hoje materializasse os sonhos desses dois autores. Entretanto, há que se considerar que espaços de resistência a esta lógica sejam construídos. A classe capitalista tem conseguido impor mecanismos de desestruturação do papel histórico desempenhado pelos sindicatos de trabalhadores. No caso específico da luta em defesa da saúde dos trabalhadores, a situação parece ganhar contornos ainda mais complexos, visto que, tradicionalmente, as questões econômicas, cuja luta salarial é a mais expressiva, são aquelas que direcionam a ação sindical. Nesse sentido, além do abalo do sentido histórico do movimento sindical nesse contexto sócio-econômico de flexibilização e informalização das relações capital-trabalho, deve-se considerar a séria deficiência estrutural que acompanha a trajetória do sindicalismo brasileiro, fomentada pelo conservadorismo da classe dirigente. Trata-se da quase impossibilidade de organização dos trabalhadores nos locais de trabalho, estratégia que se impõe em qualquer projeto que pretenda transformar condições e ambientes de trabalho. Esta é a tarefa fundamental que cabe o sindicalismo assumir, rompendo com uma timidez e acomodação que o acompanha mais recentemente desde a brecha aberta pela Constituinte. O não enfrentamento dessa questão pode colocar sob risco qualquer política sindical neste campo. Até propostas sedutoras muitas vezes apresentadas pela iniciativa do Estado, como a negociação coletiva, são inócuas se este crônico óbice não for superado com empenho. Diante desse impasse histórico, a compreensão de que o desafio maior do mundo do trabalho e dos movimentos sociais que têm como núcleo fundante a classe trabalhadora é criar e inventar novas formas de atuação autônomas capazes de articular ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 274 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) intimamente as lutas sociais, eliminando a separação, introduzida pelo capital, entre ação econômica, de um lado (realizada pelos sindicatos), e ação político-parlamentar, do outro pólo (realizada pelos partidos). Essa divisão favorece o capital, fraturando e fragmentando ainda mais o movimento político dos trabalhadores. A partir dessas reflexões é que julgamos pertinente destacar alguns processos coletivos envolvendo os trabalhadores de frigoríficos da região oeste do Paraná, na luta pelo direito à recuperação e preservação de sua saúde, luta essa que tem como horizonte o que por ora se mostra como inatingível, mas que de fato constitui o essencial dos confrontos e enfrentamentos protagonizados por essa parcela de trabalhadores. BIBLIOGRAFIA ANTUNES, R. O caracol e sua concha: ensaios sobre a nova morfologia do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2005. DELWING, E. B. Análise das condições de trabalho de uma empresa do setor frigorífico a partir de um enfoque macroergonômico. 2007. 131f. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção). Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2007. LACAZ, F. A. C. Saúde do trabalhador: um estudo sobre as formações discursivas da academia, dos serviços e do movimento sindical. 1996. 432 f. Tese (Doutorado em Ciências Médicas). Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas. LIMA, F.P.A. Noções de organização do trabalho. In: OLIVEIRA, C.R. e col. Manual prático de LER. Belo Horizonte: Health, 1998. NELI, M. A. Reestruturação produtiva e saúde do trabalhador: um estudo com os trabalhadores de uma indústria avícola. Ribeirão Preto, 2006. 100f. Dissertação (Mestrado) Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo. SMITH, Adam. A Riqueza das Nações: Investigação sobre sua Natureza e suas Causas. Volume I. Tradução de Luiz João Baraúna. 3. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1988. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 275 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) SOLO STOKS. Sadia S. A. Disponível em: http://www.solostocks.com.br/empresas/alimentos-bebidas/sadia-s-a-66240. Acessado em: 15/10/2011. TAYLOR, Frederich Winslow. Princípios de administração científica. Tradução de Arlindo Vieira Ramos. 7. ed. São Paulo: Atlas, 1986. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 276 SESSÃO 04 Trabalho, Saúde e Serviços A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO NOS CENTROS DE REFERÊNCIA EM SAÚDE DO TRABALHADOR (CEREST) PENARIOL, M. P.; COSTA, E. M.; YASUI, S.; Curso de Psicologia da Faculdade de Ciências e Letras de Assis, Campus da Universidade Estadual Paulista (UNESP) [email protected] INTRODUÇÃO As metamorfoses sofridas pelo sistema capitalista no final do século XX, que são oriundas de uma crise estrutural do capital, deixaram distante o sonho do homem sem trabalho. O que se teve foi uma intensificação da exploração do trabalho, a precarização dos trabalhos já existentes, a expansão das terceirizações, as perdas de direitos trabalhistas e uma infinita quantidade de modificações que vem atentando para a saúde da classe-que- vive-dotrabalho. Dessa forma, a presente pesquisa versa sobre a saúde do trabalhador, em especial em relação as políticas públicas brasileiras que tem se atentado para esse fator de adoecimento. A história da saúde pública está intimamente ligada ao surgimento das cidades, ao progresso das ciências- principalmente médicas-, a criação dos Estados - nação e as mudanças do sistema de produção. O surgimento do campo em saúde do trabalhador ocorre no contexto da Revolução Industrial e a Medicina de Fábrica, a partir do Factory Act, em 1833, na Inglaterra. A Medicina de Fábrica contava com a participação de médicos no interior das unidades com o objetivo de detectar processos danosos à saúde, bem como o auxílio ao industrial para resgatar o trabalhador à linha de produção. Tal processo é o que seria posteriormente chamado de Medicina do Trabalho. Após a Segunda Guerra Mundial, o objeto REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) de análise da Medicina Ocupacional desloca-se do indivíduo para as organizações do trabalho, estas que eram prováveis fontes de adoecimento. Os primeiros estudos da psicologia que tinham como objeto de estudo o trabalhador, na sua condição fabril principalmente, acompanharam uma tendência geral daqueles que estavam ocorrendo nas psicologias experimentais e educacionais. As pesquisas nas organizações eram feitas com o objetivo de selecionar os mais aptos para trabalhos específicos e para o desenvolvimento de estratégias que pudessem ocorrer a nível individual do trabalhador a fim de aumentar sua eficiência produtiva. Entre as décadas de 60 e 70 a psicologia recebe duras críticas em relação a sua forma de atuação nas organizações. A partir de teóricos da psicodinâmica do trabalho, da clínica da atividade e da ergonomia da atividade, a relação existente entre adoecimento e trabalho obteve maior visibilidade no campo das discussões. É imprescindível ressaltar as transformações do âmbito do trabalho quando se aborda a questão de saúde do trabalhador. Como exemplo de algumas dessas modificações pode-se citar os processos de urbanização e industrialização do Brasil. O primeiro o qual possibilitou um grande fluxo de pessoas nas cidades em busca de trabalho e o segundo, após 1950, que discorre sobre a expansão da industrialização e seus investimentos. É a partir desse momento, décadas de 60 e 70, que surge o movimento de saúde do trabalhador no Brasil. Também, nestas décadas, vale ressaltar sobre a potente influência dos movimentos trabalhistas e sindicais que lutavam por direitos trabalhistas e dentre eles a questão da saúde do trabalhador. O movimento de Saúde do Trabalhador, no Brasil, surge como influência da Medicina Social latino-americana dos anos 1960 e início dos anos 1970, que ampliou o quadro interpretativo do processo saúde-doença, inclusive em sua articulação com o trabalho e da experiência italiana com a reforma sanitária daquele país e do Movimento Operário Italiano. Em um levantamento realizado, em 2007, foi constatado que naquele período existiam 15 mil psicólogos atuando no Sistema Único de Saúde (SUS), nos mais ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 279 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) distintos serviços: Unidades Básicas de Saúde (UBS), Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), Hospitais Gerais, Centro de Referência à Saúde do Trabalhador (CEREST), entre outros. Ainda segundo a autora, mais de 80% dos psicólogos da pesquisa concentravam suas atividades no atendimento clínico individual. Por se tratar de uma política pública de saúde, há uma demanda intensiva por parte dos usuários frente ao número de profissionais que atuam no serviço. Especificamente, escolheu-se como objeto desse estudo o Centro de Referência à Saúde do Trabalhador (CEREST), pois segundo os documentos oficiais do Ministério da Saúde, essa instância não tem como objetivo o tratamento de doenças relacionadas ao trabalho. Os Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (CERESTs) foram implementados no Brasil, em 2004, pela Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador (RENAST), através das Portarias do Ministério da Saúde 1679/GM (19/07/2002) e 2437/GM (07/12/2005), para fortalecer as ações relacionadas à saúde do trabalhador no país. No entanto, para compreender esse contexto de implementação deve- se considerar questões anteriores a esse processo, tais como a promulgação da Constituição de 88, a concepção do Sistema Único de Saúde (SUS), a elaboração da Lei Orgânica de Saúde em 1990, movimentos sociais na década de 70, dentre outros acontecimentos. Pois, todos esses fatores foram determinantes para o entendimento em saúde do trabalhador e, posteriormente, a criação do CEREST. Os 178 Centros de Referência em Saúde do Trabalhador, presentes nos 27 estados brasileiros, são unidades especializadas do SUS que visam promover ações para melhorar as condições de trabalho e a qualidade de vida do trabalhador por meio da prevenção e vigilância. A atuação do CEREST se dá por meio da promoção do bem-estar do trabalhador com ênfase nas ações preventivas, bem como prestando assistência e orientando os trabalhadores acometidos por doenças e acidentes relacionados ao trabalho. As atividades dos CERESTs necessitam estar articuladas com os outros serviços da rede do SUS, que devem orientar e oferecer assistência, para que os agravos à saúde relacionados ao trabalho possam ser atendidos em todos os níveis de atenção, de forma integral e hierarquizada. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 280 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) Existem dois tipos de CERESTs: estaduais e regionais. No entanto, nos delimitaremos nas funções dos CERESTs regionais já que estes são objetos de nosso estudo. Ao CEREST Regional, dentre suas atribuições, compete papel de suporte: para a rede de serviços do SUS, efetuar o atendimento de forma integral e hierarquizada, aos casos suspeitos de Doenças Relacionadas ao Trabalho, para estabelecer a relação causal entre o quadro clínico e o trabalho; efetuar o diagnóstico e o tratamento das Doenças Relacionadas ao Trabalho, o que inclui a realização de exames complementares e vistorias sanitárias aos locais de trabalho; efetuar registro, notificação e relatórios sobre os casos atendidos e o encaminhamento dessas informações aos órgãos competentes visando ações de vigilância e proteção à saúde e suporte técnico às ações de vigilância, de média e alta complexidade, nos ambientes de trabalho, de forma integrada às equipes e serviços de vigilância municipal e/ou estadual. De acordo com a Portaria GM/MS nº 2.437 de 7 de dezembro de 2005, a equipe de profissionais dos CERESTs regionais é composta por pelo menos 4 profissionais de nível médio (sendo 2 auxiliares de enfermagem) e 6 profissionais de nível universitário (sendo 2 médicos e 1 enfermeiro). No caso dos CERESTs estaduais, a equipe é integrada por 5 profissionais de nível médio (sendo 2 auxiliares de enfermagem) e 10 profissionais de nível superior (sendo 2 médicos e 1 enfermeiro). OBJETIVOS Pretende-se constatar quais as ofertas de assistência que a política nacional em saúde, no Brasil, oferece à população e como o psicólogo atua nessa política. E, também, averiguar os impactos dessa política em saúde na saúde do trabalhador, partido do conhecimento da estrutura e funcionamento do CEREST. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 281 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) Especificamente, pretende-se refletir as formas de atuação do psicólogo e entender o modo pelo qual esse profissional pode contribuir para as garantias de direito à saúde do trabalhador, a partir das atribuições do CEREST. Além, de verificar o trabalho prescrito e o real do psicólogo neste local. METODOLOGIA A metodologia adotada nesta pesquisa dividiu-se em dois momentos: embasamento teórico e estudo de campo. O primeiro momento versou em um levantamento teórico a respeito do tema abordado, bem como a conceituação de aspectos teóricos, por meio de revisão e análise bibliográfica. Inicialmente, foram realizadas leituras em busca de um conhecimento tanto em saúde pública quanto em saúde do trabalhador. O segundo momento, denominado estudo de campo, fundamentou-se na aplicação de três de questionários autoaplicáveis em psicólogos membros das equipes de distintos CERESTs regionais do estado de São Paulo – Brasil. Foi proposto para os partícipes o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido com o intuito de informar os objetivos do trabalho e afirmar o sigilo de seus nomes e as respectivas cidades as quais atuam para a preservação de suas identidades. O roteiro do questionário procurou compreender o trabalho real dos psicólogos nos CERESTs, além da articulação deste profissional com a equipe do CEREST e com a rede assistencial das respectivas cidades. A elaboração dos questionários foi composta por 21 questões abertas e fechadas, divididas em etapas: campo de identificação (nome, sexo, idade), formação profissional (formação acadêmica, cursos de especialização na área da saúde e/ou saúde do trabalhador, locais de atuação profissional), específicas sobre o CEREST (relação do CEREST com o SUS, definição do CEREST e seus objetivos, aplicabilidade na prática) e o ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 282 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) trabalho do psicólogo neste local (práticas do psicólogo, atendimento dos trabalhadores, trabalho da equipe, relação trabalho e adoecimento). RESULTADOS Com a pesquisa de campo, observou-se que dentre os profissionais de nível superior encontram-se, principalmente, os psicólogos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, assistente social, sociólogos, dentre outros. Com base no conhecimento teórico adquirido, através do levantamento bibliográfico, e dos dados coletados, seguir-se-á uma breve análise dos fatores relevantes que influenciam a atuação do psicólogo no CEREST. Dentre os três sujeitos encontram-se dois psicólogos do sexo masculino e uma do sexo feminino. As idades dos participantes variam dos 28 aos 55 anos. Sobre cursos de especialização sejam eles por meio de pós graduação, aprimoramento ou outros, dois dos participantes efetuaram tais cursos. Por fim, dois ministram cursos relacionados à saúde do trabalhador. Essas informações foram relevantes para que a análise dos dados se concretizasse. Em relação à formação dos psicólogos que trabalham nos CERESTs pesquisados, um deles mencionou que durante a graduação teve contato com conteúdos que tratavam de saúde pública e/ou coletiva e saúde do trabalhador. Os outros dois psicólogos entrevistados disseram não terem visto nenhuma temática relacionada ao trabalho atual, porém um deles fez especialização em saúde mental e saúde do trabalhador. A hipótese levantada para tal fato seria a de que os dois psicólogos se formaram a mais de vinte anos, ou seja, período anterior à consolidação do SUS e da expansão de publicações na área de saúde pública e de saúde do trabalhador. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 283 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) No que tange o entendimento sobre o CEREST e seus objetivos, observouse que os psicólogos que adquiriram conhecimento por meio da graduação e/ou especialização, possuem uma maior compreensão sobre rede assistencial em saúde do trabalhador, bem como sua aplicabilidade prática. O psicólogo entrevistado que não obteve qualificação na área apresentou o CEREST como um órgão de tratamento especializado, diferindo-se das definições propostas pelos outros psicólogos participantes da pesquisa. Por último, sobre a prática dos psicólogos no CEREST, notou-se que há divergências no exercício da profissão: um segue com a atuação de acompanhamento psicoterápico e os outros dois, desempenham além de assistência, produção de conhecimento, atividades educacionais com o intuito de promoção e prevenção em saúde do trabalhador, por meio de palestras, cursos, entre outras atividades. Os psicólogos entrevistados possuem um conhecimento consistente sobre a proposta e os objetivos do CEREST. Porém, em virtude da carência na formação específica em saúde pública/coletiva e saúde do trabalhador, uma precariedade da rede assistencial de saúde das respectivas cidades e a falta de uma relação interdisciplinar e cooperativa entre os diversos funcionários do CEREST pode-se inverter a proposta desse serviço, transformando-o em um ambulatório de especialidade, ao invés de um suporte à rede assistencial do SUS. CONCLUSÃO Ao estudar o campo da saúde pública, conclui-se que o psicólogo tem um papel muito importante nesse campo de atuação. Isso ocorre, pois, a saúde em se tratando de um conceito complexo necessita do trabalho dos mais variados campos profissionais. Essa categoria tem a capacidade de atuar nos CEREST a expandir o conceito de trabalho, devido sua formação. Como isso, tem-se a possibilidade de transcender a noção de que o trabalho é ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 284 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) apenas um posto de emprego e forma de subsistência, passando a entendê-lo como uma forma dos homens se constituírem como pessoas humanas. O psicólogo no CEREST enriqueceria muito seu trabalho utilizando-se dos conhecimentos produzidos pela saúde coletiva, principalmente da clínica ampliada que enxerga o sujeito de forma integral. Dessa forma, devido a essência do CEREST não ser de tratamento das patologias oriundas do processo de trabalho, mas o de dar apoio e capacitação para toda rede assistencial em saúde. Com isso o trabalho matricial em equipes multidisciplinares é praticamente uma regra. BIBLIOGRAFIA BRASIL. Constituição Federal. Brasília: Senado Federal, 1988. BRASIL. Lei 8080, de 19 de setembro de 1990. Diário Oficial da União, 20/09/1990. Brasília, 1990. BRASIL. Ministério da Saúde. Centro de Referência em Saúde do Trabalhador. MS, Brasília, 2005. Disponível in: www.saude.gov.br. Acesso em 22 de setembro de 2010. Disponível em: www.portal.saude.gov.br/portal/saude/visualizar_texto.cfm?idtxt=30427&janela=1 Acesso em 22/09/2010. BRASIL, Ministério da Saúde. Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador: 3ª CNST: ―trabalhar sim! Adoecer, não!‖: coletânea de textos/ Ministério da Saúde, Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério da Previdência e Assistência Social, 3., MS, Brasília, 2005. BRASIL. Ministério da Saúde. Política Nacional de Promoção da Saúde. MS, Brasília, 2005. Disponível in: www.saude.gov.br. Acesso em 10 de setembro de 2010. Disponível em: www.portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/ManualRenast07.pdf Acesso em 10/09/2010. BRASIL. Ministério da Saúde. Política Nacional de Saúde do Trabalhador. MS, Brasília, 2004. Disponível in: http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/proposta_pnst_st_2009.pdf . Acesso em 13 de maio de 2011. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 285 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) BRASIL. Ministério da Saúde. Política Nacional de Segurança e Saúde do Trabalhador. MS, Brasília, 2004. BRASIL. Ministério da Saúde. Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador, Manual de Gestão e Gerenciamento, São Paulo, 2006. BRASIL. Ministério da Saúde. Saúde do Trabalhador: programa de qualidade de vida e promoção à saúde. MS, Brasília, 2008. Disponível in: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/saude_trabalhador_vida_promocao_saude.pdf. Acesso em 09 de maio de 2011. DIAS, R. C. S. Percepção dos gestores de saúde sobre o Centro de Referência em Saúde do Trabalhador – CEREST. Assis: Universidade Estadual Paulista (Tese de Mestrado), 2010. MENDES, A.M. (Org). Psicodinâmica do trabalho: teoria, método e pesquisas. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2007, p. 37. MINAYO-GOMEZ, C.; THEDIM-COSTA, S. M. da F. A construção do campo da saúde do trabalhador: percurso e dilemas. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 13 (Supl. 2), p. 21-32, 1997. OLIVEIRA, J. R. S. et al. Fadiga no trabalho: como o psicólogo pode atuar? Psicologia em Estudos (Maringá), vol.15, n.3, pp. 633-638, 2010. OLIVEIRA, R. G. (Org.) Qualificação de gestores do SUS. / Organizado por Roberta Gondim de Oliveira, Victor Grabois e Walter Vieira Mendes Júnior. – Rio de Janeiro, RJ: EAD/Ensp, 2009. ROSEN, G. Uma história da saúde pública. São Paulo: Editora Unesp, 2006. SPINK, M.J.P. (Org). A psicologia em diálogo com o SUS: prática profissional e produção acadêmica. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2007. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 286 A ATUALIDADE DO DEBATE SOBRE OS TRABALHADORES EM SAÚDE NO CONTEXTO DO SUS: ALGUNS APONTAMENTOS. BETTIOL LANZA, L. M.; Departamento de Serviço Social da Universidade Estadual de Londrina (UEL) [email protected] INTRODUÇÃO A questão do trabalho em saúde nos impulsiona para um debate que, para além da realidade da saúde pública brasileira se assenta na própria configuração do mundo do trabalho. Quando a saúde foi identificada desde 1970 por analistas financeiros como uma área altamente lucrativa e que deveria ser explorada pelo mercado, o Brasil sob o julgo da Ditadura Militar (1964-1985) seguiu fielmente essa orientação e incentivou a expansão do mercado privado em detrimento de serviços públicos de qualidade, quadro revertido somente em 1988 com a Constituição Federal que consagrou a saúde como ―direito do cidadão e dever do Estado‖. Os trabalhadores em saúde tiveram uma participação substancial nesse processo como integrantes do movimento da reforma sanitária brasileira que impulsionou os debates sobre a saúde no Brasil, como parte de uma mudança da sociedade como um todo, e posteriormente, na própria gestão do SUS e na sua reflexão, em que nas variadas esferas de governo, nas universidades, nas Conferências, na militância em defesa da saúde, esses sujeitos foram desafiados a fazer o sistema funcionar. Todavia é conhecido que o momento político a que se refere à regulamentação do SUS, é caracterizado pela presença de governos liberais, primeiro no governo Collor/Sarney (1990-1994) e com mais ênfase, nas duas gestões de Fernando REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) Henrique Cardoso (1995-1998; 1999-2002), o último responsável por um conjunto de medidas relacionadas à reforma administrativa do Estado. As políticas dos referidos governos abriram possibilidades para expandir a desvalorização do trabalho humano no Brasil, com aumento da precarização do trabalho em todos os postos de trabalho, incluindo a saúde. O termo precarização tem sido utilizado para designar postos de trabalhos desprotegidos pela legislação trabalhista, com baixos salários e nenhum direito efetivo, além do trabalho formal precário. Os reflexos dessa conjuntura, no contexto da saúde, nos remetem a um cipoal de questões complexas, sempre lembradas; pouco enfrentadas. Nesse sentido, itens como oferta de vagas, nível salarial, planos de carreira, cargos e salários, reconhecimento social; são gradativamente tencionadas pelos seus opostos e a defesa de uma carreira pública é minada pela forma como os gestores respondem à questão da força de trabalho em saúde. A falta de um financiamento a altura das necessidades de saúde, entendidas aqui como aquelas que ultrapassam a epidemiologia e avançam para ações efetivas de promoção e prevenção a saúde; a gestão parcial e fragmentada do sistema e a ausência de investimento na sua força de trabalho quer seja no nível da formação, quer seja no nível das condições objetivas de trabalho, têm se revelado uma perversa equação em que, no cotidiano dos serviços de saúde, são os trabalhadores e dentre eles os trabalhadores em saúde que recebem o pior resultado, já que os usuários muitas vezes sem conhecer a realidade da política de saúde no Brasil atribuem a esse profissional parte de suas angustias, decepções e responsabilidade pelo serviço que recebe ou não. Todavia, essas análises são bastante conhecidas e já foram alvo de estudos e pesquisas debatidas socialmente, mas não traduzem de fato uma solução efetiva. Do outro lado, a área da saúde continua arrebanhando inúmeros jovens e adultos para as escolas de nível superior e técnico, muitas vezes na justificativa de um mercado de trabalho em expansão, ocultando em alguns casos não só a realidade por que passa a saúde pública, mas também a força de trabalho dessa área. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 288 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) Em contrapartida, temos assistido a composição de um cenário em sentido contrário em que à ação do setor público diante da realidade do trabalho em saúde, tem desprivilegiado seus trabalhadores e influindo em uma direção privatizante e nociva a perspectiva da saúde como direito do cidadão e dever do Estado. METODOLOGIA Esse texto relata a experiência local do município de Londrina no que diz respeito à gestão da força de trabalho em saúde, mediante as respostas orientadas pelo governo aos problemas da área e incorpora parte da crítica do Fórum Popular em defesa da Saúde Pública de Londrina e Região, importante ator político no enfrentamento de tal temática. Para isso, em um primeiro momento será relatado um breve panorama da realidade do SUS local e em seguida, se analisará as iniciativas públicas tendo como recurso metodológico a pesquisa documental, mediante a análise dos Projetos de Lei aprovados pela Câmara Municipal e matérias disponibilizadas em mídia escrita por jornais locais. AS RESPOSTAS LOCAIS AOS DESAFIOS DO SUS: UM OLHAR SOBRE O “PACOTÃO DA SAÚDE” DE LONDRINA NA PERSPECTIVA DA GESTÃO DA FORÇA DE TRABALHO EM SAÚDE. Desde o governo FHC a discussão da Reforma do Estado e o papel desses na administração direta dos serviços sociais, foi objeto de debate e propositivas de corte liberal, ao instituir a possibilidade de outros entes participarem da gestão dos serviços tidos como não exclusivos do Estado, como a saúde. Vemos a partir de então, várias experiências ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 289 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) de gestão por OS - Organizações Sociais e OSCIPS espalhadas pelo Brasil, e analisadas por diferentes autores em que o caso de São Paulo e Rio de Janeiro são os mais ilustrativos e apontam vários problemas vinculados a aspectos jurídicos, a gestão da força de trabalho, ao controle social e a transparência das ações. Na esteira das denuncias e das incongruências desses modelos, surge o debate das Fundações Estatais de Direito Privado que divide as opiniões de defensores do SUS e acalora o debate em torno do aprimoramento do sistema mediante mudanças na gestão. Vários estudiosos têm apontado que o SUS ideal – preconizado pela reforma sanitária com base nos princípios da universalidade, equidade, integralidade, descentralização e participação social - é constantemente tencionado pelo SUS real e pelo seu processo de desvirtuamento na medida em que reforça a seletividade e a focalização, o modelo hegemônico de saúde: curativo, biomédico e medicamentoso, e a tecnificação e burocratização do sistema. Sendo assim, alinha-se com o contexto da economia global e das reformas sanitárias propostas pelos organismos internacionais, com forte tendência a liberação da saúde como bem de consumo, por seu potencial de rentabilidade e capacidade de desenvolvimento econômico. Essas primeiras indicações como pontos para refletir sobre o SUS podem identificar como esses aspectos se entrecruzam na perspectiva de tentativa de desmonte de uma conquista da sociedade brasileira, que é o SUS e indicam um horizonte temerário para a política de saúde no país e para seus trabalhadores. Nesse sentido, trazemos para a reflexão a experiência do SUS local de Londrina PR, em que, mediante uma anunciada e proclamada ―crise da saúde pública‖, detonada pelas mais variadas ordens de problemas, que começou com o escândalo em 2010 de desvio de verbas envolvendo o CIAP - empresa terceirizada responsável por vários serviços de saúde, inclusive a Saúde da Família - até uma epidemia de dengue em 2011; a resposta do governo de Homero Barbosa Neto (PDT), prefeito municipal de Londrina, conhecida popularmente como o ―Pacotão da Saúde‖, demonstra como as soluções ou saídas parciais para os graves problemas da saúde pública brasileira desconsideram o trabalhador em saúde enquanto sujeito fundamental para o desenvolvimento da gestão da saúde pública. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 290 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) Em 2010 denúncias de desvio de verbas dentro do CIAP, levaram ao descortinamento das condições de trabalho dos profissionais de saúde vinculados à empresa, bem como a precariedade dos serviços prestados, tendo inclusive a suspensão de alguns deles por conta dos problemas relacionados à empresa em questão. Um levantamento feito em 20010 sobre a presença da temática da saúde na mídia escrita, especialmente no Jornal Folha de Londrina, revelou que de julho a setembro do mesmo ano, problemas vinculados ao SUS local apareceram pelo menos duas vezes ao mês com novas denúncias e pautas para reforçar a perspectiva de ―crise‖. A análise das manchetes do jornal apontou para antigos gargalos da saúde pública, como os agendamentos para especialidades com prazos de mais de um ano, a demora nos atendimentos, as filas, os planos de saúde privados, fechamento de serviços mediante demora de repasse do SUS, gestão compartilhada do SUS local, suspensão de atendimentos, superlotação em hospitais e rotatividade de gestores locais. O SUS local vive um modelo de gestão em que a responsabilidade pelos serviços de saúde está vinculada a Autarquia Municipal de Saúde e ao Consórcio Intermunicipal de Saúde do Médio Paranapanema (Cismepar) e revela um amplo investimento no nível secundário em detrimento de um serviço de atenção primária insuficiente e precário. Ainda, a cidade possui um pólo de desenvolvimento da saúde privada com ampla oferta de serviços de saúde particulares como clínicas e hospitais, bem como um rol de médicos especialistas disponíveis ao mercado. Diante desse quadro desanimador, em 2011 a cidade passa a vivenciar um surto de dengue que agrava a perspectiva da saúde pública de Londrina. O debate alcança a sociedade civil organizada, usuários, trabalhadores e militantes da saúde e força os poderes executivo e legislativo a propor soluções imediatas para um problema que, como se evidenciou se arrasta por anos. Como resposta o executivo encaminha cinco projetos de lei que passam a compor o ―Pacotão da Saúde‖ com a justificativa de melhorar o atendimento aos usuários da saúde. Desses, dois estão vinculados diretamente ao combate de endemias e propõe ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 291 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) gratificações para os agentes de endemias (R$100,00) e para os coordenadores (R$280,00) e aumento do vale alimentação de R$7,50 para R$8,00/dia. Nota-se que o ―tom‖ dos projetos está vinculado ao incremento financeiro, reafirmando a precárias condições de trabalho existente, sobretudo no que diz respeito à questão salarial. O salário dos agentes de endemias (cerca de 230) era de R$ 515,00 e parte desses trabalhadores eram terceirizados. Outro Projeto de Lei na esteira do anterior (PL 69/2011) concede gratificação financeira a servidores do PAM - Pronto Atendimento Municipal, PAI – Pronto Atendimento Infantil e algumas unidades de saúde do município mencionadas, como as referenciadas do Jardim Leonor, Maria Cecília e União da Vitória. O teto da gratificação é de no máximo 25% do salário do servidor e será concedida mediante a avaliação de três requisitos: produtividade médica, desempenho e assiduidade. Pode-se refletir que a opção pela terceirização de um lado e a precarização da força de trabalho de outro, contribuem também para que o SUS local enfrente tais questões e mediante momentos de crise, como o atual, entre em vigor ações pontuais e específicas que escondem aspectos como a efetivação de um trabalho contínuo de prevenção e educação em saúde e a necessidade de construir um plano público de carreira, cargos e salários que valorize os trabalhadores na saúde. O PL 65/2011 diz respeito à criação de vagas para extensão do horário de atendimento dos serviços de saúde. Estão previstos a criação de 130 cargos que absorveram aprovados em concurso público já realizado e estarão distribuídos em 75 vagas para auxiliares de enfermagem, 30 para enfermeiros e 25 para técnicos administrativos. Para o executivo, ao ampliar vagas pretende-se reduzir o número de horas extras e concomitantemente o estresse dos trabalhadores que acabam se sobrecarregando no cotidiano dos serviços de saúde. Por fim, a última medida e dentre todas, a mais polêmica é a do projeto de Lei 67/2011. O executivo destina nesse projeto R$ 5.474 milhões para contratar, no período de sete meses, ―pessoa jurídica prestadora de serviços de saúde‖, para auxiliar nos plantões médicos em serviços de saúde na cidade de Londrina, citados especialmente o PAM, PAI e ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 292 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) unidades de saúde de horário de funcionamento diferenciado. Por meio de licitação, a prefeitura pagará por seis horas de plantão, o equivalente a R$83,33/h, ou seja, R$500,00. Valor muito diferente dos R$38,00 que os profissionais de saúde do município recebem atualmente. A prefeitura justifica a discrepância dos valores por conta dos impostos e despesas das empresas e, portanto, no final das contas, o valor ficará praticamente o mesmo e quanto ao contrato de terceiros, segundo o executivo, já foram realizados três concursos públicos para médicos no município, mas não houve aprovados suficientes, já que os níveis salariais são baixos e posterior a essas ações a prefeitura promete discutir um plano de cargos, carreira e salários para a área da saúde. Nota-se que a gestão do trabalho em saúde desenvolvida pelo município já dava sinais de estrangulamento, quer seja pelos problemas com a empresa CIAP, em quem além de onerar os cofres públicos, deixou um contingente expressivo de trabalhadores em saúde na insegurança e incerteza frente aos seus salários e manutenção dos contratos de trabalho; ou pela falta de interessados em compor as vagas para concurso público na área, disponíveis em Londrina por conta dos baixos salários. No entanto, os problemas foram se avolumando e confluíram em um quadro de crise em que a população usuária dos serviços tem sentido as conseqüências na precariedade e ausência de serviços de saúde. Desde a década de 1980 os trabalhadores em saúde tomaram para si o desafio de construir uma carreira pública capaz de, enquanto partícipes da política de saúde brasileira, serem reconhecidos em suas condições de trabalho e capazes de inferi na gestão da saúde. Todavia, com o SUS houve um aumento expressivo de trabalhadores e que, atrelada às mudanças operadas na política econômica do país, foi se efetivando uma massa de trabalhadores em saúde altamente precarizados, como é o caso das contratações para a Saúde da Família, mediante ―cooperativas de trabalho‖ ou similares e que tem desafiado os trabalhadores e gestores da política em questão. Portanto, são motivo de preocupação as posturas dos trabalhadores em saúde mediante o atual contexto dessa força de trabalho e expõe além das complexas análises ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 293 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) mediante as mudanças no mundo do trabalho, uma atuação fragilizada enquanto sujeitos sociais não só técnica, mas politicamente envolvidos nesse processo. Sendo assim, ao trabalhador de saúde reservam-se um papel ativo de vigilância, reflexão e defesa mediante as ofensivas contra o SUS. Alguns autores questionam se os trabalhadores, assim como os gestores e usuários do SUS, têm priorizados espaços, como os conselhos, as conferências, para articular alianças para a sustentabilidade do sistema. É no contexto do SUS e de suas múltiplas frentes de ação que a questão dos trabalhadores de saúde eclodirá, e com ela a preocupação de visualizar esses sujeitos como cidadãos e portadores de demandas legítimas e urgentes: a formação permanente e qualificada e condições dignas de trabalho, pois só assim é possível que os trabalhadores em saúde possam cumprir seu papel no desenvolvimento e aperfeiçoamento da política de saúde brasileira. CONSIDERAÇÕES FINAIS O SUS vive atualmente um paradoxo em que a grandeza de um sistema único de saúde, sustentada em dois princípios fundamentais para efetivar a proteção social aos cidadãos brasileiros - a universalidade e a integralidade – passa a conviver com vários problemas vinculados ao financiamento, modelo de atenção e gestão do sistema, dentre outros. Embora, seja reconhecido por seu alcance social na questão do acesso, questões como a qualidade dos serviços prestados tenciona a efetividade do SUS, desencadeando e propagando uma ―crise do sistema‖. Sendo assim, os gestores nas mais diferentes esferas de governo, passam a debater as saídas para esse quadro e afloram inúmeras assertivas sobre os caminhos ou estratégias que poderiam recuperar a credibilidade e eficiência do sistema. Dentre essas ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 294 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) possibilidades, a idéia muito debatida da transferência da administração direta do sistema para as OS, OSCIPs e Fundações Estatais de Direito Privado. Diante desse quadro, emergem questões cruciais para a sobrevida do sistema tal qual ele foi pensado no quadro da reforma sanitária brasileira e nesse sentido, a questão da força de trabalho em saúde, indicam a urgência de ativar a capacidade desses trabalhadores de influir e politizar o debate em torno da saúde pública brasileira. Nesse sentido, é preocupante a perspectiva da condução de alternativas, como a do caso de Londrina PR, em que se desconsideram os trabalhadores em saúde em dupla dimensão: quando não acolhem seus saberes vivenciados no cotidiano dos serviços, trazendo-os mais próximos da gestão compartilhada da política de saúde ou ainda, quando desconsideram as suas demandas enquanto parte da classe que vive do trabalho e reforçam mecanismos temporários de controle desses trabalhadores em detrimento de uma efetiva política de recursos humanos para a área da saúde. Embora reconheçamos que a reflexão sobre o SUS possua muitos flancos, direções e perspectivas defende-se que para além de saídas momentâneas, a retomada da discussão em torno da formação, qualificação e poder político dos trabalhadores em saúde. BIBLIOGRAFIA CAMPANUCCI, Fabrício da Silva. A Atenção Primária e a Saúde do Homem: uma análise do acesso aos serviços de saúde. 2010. Trabalho de Conclusão de Curso de Serviço Social, Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2010. COMELLI, Loriane. Saiba o que muda com o “Pacotão da Saúde”. Disponível em http://www.bonde.com.br/?id_bonde=1-3--106620110226&tit=saiba+o+que+muda+com+o+pacotao+da+saude. Acessado em 03/02/11 às 13:08 ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 295 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) CORREIA, Maria Valéria Costa. A saúde no contexto da crise contemporânea do capital: o banco mundial e as tendências da contra-reforma na política de saúde brasileira. Revista Temporalis, ano VII, n. 13, p. 11-38, jan.-jun, 2007, pp.11-38. GRANERMANN, Sara. Fundações Estatais: projeto de Estado do capital. In: BRAVO, Maria Inês Souza [et al.] Política de saúde na atual conjuntura: modelos de gestão e agenda para a saúde. Rio de Janeiro: UERJ, Rede Sirius, 2007 JUNQUEIRA, Virginia. Organizações Sociais e as Fundações Estatais de Direito Privado: duas faces da contra-reforma de estado na saúde. Revista Temporalis, ano VII, n. 13, p. 1138, jan.-jun, 2007, pp.11-38. LIRA, Izabel Cristina Dias. Trabalho informal como alternativa ao desemprego: desmestificando a informalidade. In: SILVA, Maria Ozanira da; YASBEK, Maria Carmelita. Políticas Públicas de Trabalho e Renda no Brasil Contemporâneo. 2ª Ed. São Paulo, Cortez; São Luís, MA, FAPEAMA, 2008. MACHADO, Maria Helena. 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Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST-Piracicaba-SP) [email protected] INTRODUÇÃO A área de Saúde do Trabalhador no Sistema Único de Saúde (SUS) é um conjunto de práticas sanitárias que articula ações de assistência, reabilitação, vigilância, prevenção e promoção à saúde, e tem como especificidade a intervenção na relação processo saúde-doença dos trabalhadores. Sua operacionalização se dá por meio de serviços municipais como os Programas de Saúde do Trabalhador (PST) e Centros de Referências em Saúde do Trabalhador (CEREST). Organizados na forma de Rede Nacional de Atenção Integral em Saúde do Trabalhador (RENAST), tem também o apoio técnico, legal e financeiro do Ministério da Saúde. Preconizada desde sua origem para uma ação interinstitucional, aliada ao movimento sindical, enfrenta duas ordens principais de obstáculos: (1) a fragmentação institucional entre áreas afins como a do Trabalho e a da Previdência Social, o que contribui para a ineficácia de uma política de Estado na intervenção preventiva nos determinantes dos agravos à saúde decorrentes dos processos patológicos de trabalho; (2) sofre pressões de REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) políticas hegemônicas de setores capitalistas que estabelecem o controle gerencial interno das empresas sobre as questões que afetam a saúde e a segurança da classe trabalhadora. Neste sentido, contrapõem-se aos tradicionais núcleos da Medicina do Trabalho e da Saúde Ocupacional, enquanto um movimento social e político contrahegemônico a um paradigma fortemente marcado pela visão unicausal das doenças e agravos, associado ao avanço da atenção médica individual como prática de mercado e a serviços de medicina de grupo de empresas para controle e reprodução da força de trabalho, de acordo com os interesses do capital. A alteração deste cenário depende da superação de velhas dicotomias entre as vigilâncias epidemiológica e sanitária, entre vigilância e assistência, entre práticas coletivas e individuais, ampliando os objetos de ação, os recursos mobilizados e o espaço de atuação para além dos limites do setor saúde. Como produto, almeja-se extinguir a naturalização social da ocorrência evitável de epidemias de acidentes de trabalho e doenças relacionadas ao trabalho. No âmbito dos serviços de Saúde do Trabalhador são raras as experiências que conseguem alcançar este status de atenção integral, articulando a assistência e a reabilitação aos diversos níveis de complexidade de uma atenção verdadeiramente integral vigilância, prevenção e promoção à saúde dos trabalhadores. Este estudo relata o programa terapêutico de reabilitação profissional desenvolvido por equipe multidisciplinar do CEREST - Piracicaba, por meio da caracterização de seus aspectos constitutivos fundamentais e da lógica da sua intervenção. São descritos as várias fases da programação desenvolvida, os métodos empregados e os fundamentos teóricos que norteiam o equacionamento entre a situação/problema e a consecução dos objetivos pretendidos. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 298 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) METODOLOGIA O pressuposto teórico deste programa é o modelo social de incapacidade, concepção que reflete as transformações históricas, políticas e sociais das sociedades capitalistas ocidentais, ao longo dos últimos dois séculos, bem como, o acúmulo do conhecimento científico ordenador das idéias às práticas. Destes construtos paradigmáticos emanam as decisões das políticas públicas e da organização estatal dos serviços de atenção à população com incapacidades. A concepção socioambiental norteadora deste programa entende a incapacidade como um fenômeno de relação que não se realiza num vácuo social, ao contrário, as determinações estruturais e sociometabólicas do capital são preponderantes no seu estabelecimento e superação. É a sociedade, com suas maneiras singulares de organizar a produção e o trabalho, que vai imprimir, nas relações sociais, as atitudes de acolhimento ou discriminação, e nas relações institucionais, o acesso a serviços públicos pautados pela proteção social ou pela segmentação da desvantagem e da exclusão. Nesta perspectiva, entende-se que no processo individual de incapacitação dos trabalhadores interagem os aspectos físicos, afetivos e sociais, demandando uma atenção terapêutica interdisciplinar, desenvolvida por uma equipe técnica composta de médico, assistente social, psicólogo, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional e socióloga. Trata-se de uma construção desenvolvida na prática cotidiana de discussão dos casos, estabelecendo-se conexões recíprocas destes diferentes campos profissionais integrantes da equipe, articuladas estrategicamente para o enfrentamento da complexidade do objeto, cujo resultado é um saber disciplinar amalgamado e novo, mas que permanece no campo comum da Saúde do Trabalhador. Os seus produtos expressam-se nas diferentes fases do processo de reabilitação profissional dos adoecidos, na avaliação inicial da incapacidade, compreensiva e integral, no desenvolvimento dos grupos interativos voltados para o resgate da capacidade de trabalho, na avaliação final, após o termino da programação, quando a equipe conclui pelo retorno ao ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 299 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) trabalho ou pela sugestão de aposentadoria e, finalmente, quando se realiza em conjunto a avaliação técnica de compatibilidade da função de retorno ao trabalho. A prática interdisciplinar também está presente no trabalho interinstitucional, cujos resultados serão descritos mais adiante. Tal como visto, a área de atenção à saúde dos trabalhadores insere-se no campo das práticas em saúde coletiva. Com base no arcabouço teórico deste campo do conhecimento e militância histórica por cidadania e justiça social, a Equipe de Reabilitação Profissional reconhece o trabalho como um essencial operador de saúde mental, central na constituição do sujeito, pois permite a sua humanização, o seu lugar na esfera pública e a sua construção identitária. Este reconhecimento admite a existência da subjetividade no trabalho considerando os significados que os indivíduos atribuem a determinadas situações, as expectativas, as representações, os sentidos deslocados às tarefas realizadas, a maneira como cada pessoa responde a partir de sua história de vida, dentre outros. Também se entende que o trabalho pode se transformar em um mecanismo de sofrimento mental e gerar transtornos psíquicos, na medida em que são negadas ao indivíduo as possibilidades de desenvolvimento criativo, de autonomia, de laços de cooperação e ética no âmbito das relações trabalhistas. Considera-se que a gênese do sofrimento mental relacionado ao trabalho está condicionada a distintas situações de trabalho tais como: a estrutura hierárquica organizacional, as relações de violência psicológica entre equipes, a exposição a agentes tóxicos, a divisão de tarefas, as políticas de gestão de pessoas, as situações de risco físico, além dos aspectos sociais, econômicos e dos processos psicossociais que marcam as experiências de vida dos indivíduos. São aspectos que reafirmam a complexidade que perpassa o entendimento do que representam esses agravos, de como identificar e oferecer o suporte adequado nos casos de agravos mentais relacionados ao trabalho. A experiência de atendimentos grupais aos trabalhadores no CEREST – Piracicaba é um exemplo de busca de constantes adequações e aprimoramento das propostas terapêuticas que atendam de modo efetivo as necessidades dos usuários em situação de ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 300 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) afastamento laboral. Isto porque há o entendimento de que o sofrimento físico e mental relacionado ao trabalho se manifesta de distintas formas, variáveis contextos organizacionais e em diferentes categorias profissionais. Uma das recentes intervenções utilizadas no Programa de Reabilitação Profissional no CEREST – Piracicaba é o método elaborado por Dulce Sauaya intitulado História Vital do Trabalho (HVT). Trata-se de um dispositivo que tem por característica a intervenção psicossocial, uma vez que considera os aspectos da trajetória/vivência de trabalho e suas repercussões na vida psíquica e compreende o indivíduo como um sujeito detentor de uma saber social/histórico. A HVT propõe incentivar a narrativa do percurso de trabalho do sujeito-trabalhador, oferecendo a ele a possibilidade de atribuir sentidos às experiências passadas de trabalho e evocar um processo de subjetivação e re-significação do afastamento. Verificou-se que a utilização deste método no grupo terapêutico possibilitou a alguns trabalhadores o acolhimento de medos e inseguranças, para outros houve a resignificação do processo de adoecimento, na medida em que contribuiu para amenizar os processos de identificação com o papel ―doente-inválido‖, favoreceu a vivência de sentimentos de solidariedade e coletividade, permitiu o compartilhamento e o resgate de vivências tidas como satisfatórias na vida laboral, a diminuição de sentimentos de tristeza e desvalia com o resgate dos conhecimentos e capacidades adquiridas a priori ao afastamento. Também foram verificadas legítimas tentativas de retomada da vida social buscando combater o sentimento de solidão e isolamento que, via de regra, é mobilizado pela condição de afastamento do trabalho. Faz-se necessário esclarecer uma etapa que antecede o início do grupo terapêutico caracterizada pela realização de entrevistas individuais. Esta primeira etapa visa identificar possíveis sintomas de um agravo mental e estabelecer um fluxo de atendimento adequado à situação. A realização das entrevistas favorece o desencadeamento de encaminhamentos, quando necessários, para serviços auxiliares da rede de assistência do município. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 301 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) Outro aspecto constitutivo do programa é a intervenção nas empresas para a melhoria das condições laborais e a identificação de funções compatíveis às limitações dos trabalhadores reabilitandos. O referencial utilizado para a avaliação do ambiente de trabalho como prática de intervenção nas empresas é o método da Análise Ergonômica do Trabalho (AET) de origem franco-fônica, que consiste em quatro etapas de análises: (1) demanda; (2) tarefa; (3) atividade e (4) diagnóstico, de modo a aprofundar os conhecimentos sobre o fazer dos trabalhadores em situação de trabalho, priorizando a análise da atividade em resposta à tarefa prescrita pela organização e entendendo o trabalhador como ator principal desse processo. A análise ergonômica está centrada no campo da subjetividade, uma vez que o ergonomista utiliza-se de técnicas de registro de observações do ambiente laboral para a descrição da atividade, com a função de verificar se as informações colhidas no real do trabalho são representativas e revelam o ponto de vista dos trabalhadores. Para a identificação dos riscos e de sobrecargas de trabalho utiliza-se o instrumento Ergonomics Workplace Analisys (EWA) - desenvolvido pelo Instituto Finlandês de Saúde Ocupacional e adaptado pelo grupo de pesquisa Simucad - Ergo&Ação (2002) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). O EWA agrega diferentes conhecimentos em sua base teórica: fisiologia do trabalho, biomecânica ocupacional, aspectos psicológicos, higiene ocupacional e o modelo sócio-técnico da organização do trabalho. Em seqüência a esses procedimentos é incorporada a etapa de validação ou autoconfrontação, de modo a possibilitar a criação de um espaço para discussões entre trabalhadores e ergonomistas, visando ao enriquecimento da compreensão das atividades e situações de trabalho. Em posse desses dados as negociações com as empresas e demais atores envolvidos (reabilitandos, sindicatos CEREST, INSS) voltam-se para o processo de retorno ao trabalho. Cada um dos atores, com suas respectivas representações, discutem as intervenções e características desejáveis para o local de trabalho com potencial ao retorno, bem como a compreensão dos requisitos técnicos da tarefa e conhecimentos necessários para ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 302 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) o desenvolvimento da reinserção. As negociações não refletem apenas a busca por uma função compatível, considerando as potencialidades e limitações dos trabalhados, mas também por um retorno gradativo e saudável. Em concomitante com as intervenções da equipe do CEREST, há o estabelecimento de um fluxo de ações interinstitucionais que visam favorecer um processo de retorno ao trabalho digno e seguro. Em Piracicaba, tais ações vêm se concretizando a partir da participação de alguns profissionais do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) como: médico-perito, assistente social e terapeuta ocupacional. No que se refere à aproximação e ao diálogo estabelecido com a equipe de Reabilitação Profissional do INSS de Piracicaba foram concretizados alguns importantes treinamentos a partir da compreensão do modelo social de incapacidade, um fluxo contínuo de reuniões para discussão dos casos inseridos e acompanhados pelo Programa de Reabilitação do CEREST, a suspensão da perícia médica durante o período da assistência terapêutica. Além disso, na etapa de negociação do retorno ao trabalho, há uma análise criteriosa acerca das condições do trabalhador e da oferta e condições da função. Essa parceria tem concretizado um fluxo facilitador entre as duas instituições que operam com lógicas muito distintas: a lógica da prevenção e do cuidado do SUS e a lógica da reparação da Previdência Social. Esta interface tem se constituído em uma postura única de negociação com as empresas, fortalecendo a Reabilitação Profissional enquanto uma política pública de Estado. Outras instâncias que se articulam são o Ministério do Trabalho e o Ministério Público do Trabalho, constituindo-se como parceiros do projeto, e também oferecendo à equipe a possibilidade de um lócus de exercício de interdisciplinaridade e defesa dos interesses coletivos. Atualmente, conta-se com o apoio de ambas as instituições nos processos de levantamento de situações de risco/adoecimento no trabalho e no estabelecimento de acordos que garantam melhores condições de proteção à saúde. A participação dos representantes sindicais também oferece uma ampliação das ações previstas pelo CEREST no processo de denúncias às situações de risco à saúde bem como, na etapa de reinserção e acompanhamento dos trabalhadores reabilitados. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 303 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) O estabelecimento de um diálogo com a empresa é efetivado no processo de negociação de retorno, porém em algumas empresas o fluxo de negociação pode anteceder tal etapa. Nesse momento são apresentados à empresa o percurso do programa de reabilitação e a análise técnica da equipe. Destaca-se que a presença do trabalhador no momento de definição e avaliação do setor e da função têm se mostrado favorável e positiva, uma vez que o trabalhador percebe a importância da participação ativa no processo de retorno. RESULTADOS Os resultados qualitativos revelam o impacto positivo do programa terapêutico em andamento no resgate da autonomia, da auto-estima e da capacidade de resignificar o futuro dos trabalhadores assistidos. Formas adaptativas de reaquisição da motricidade (que os pacientes de LER/DORT acreditavam ter perdido) emanam espontaneamente do trabalho grupal, concretizando novos modos de fazer, com minimização da dor e do sofrimento. O índice de retorno ao trabalho tem permanecido por volta de 10% dos casos que concluíram o programa, consonante com a literatura internacional sobre a temática, e o principal obstáculo tem sido a permanência dos determinantes patológicos do trabalho que geram o adoecimento. As ações de vigilância e intervenção são complexas, morosas e insuficientes, uma vez que a demanda é uma transformação radical nas formas de organizar a produção e o trabalho. Além disso, existe o despreparo das empresas para receber esses trabalhadores tanto no que se refere a aspectos relativos à adequação de postos, como na falta de difusão desta nova cultura organizacional aos funcionários da empresa. Os recursos das instituições fiscalizadoras produzem melhorias pontuais das condições de trabalho, mas não conseguem alçar os núcleos duros das organizações ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 304 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) empresariais, em especial a patogênia do modo de organização capitalista toyotista e do sociometabolismo da barbárie do capital em escala mundial. É notório que nossos maiores obstáculos são as políticas econômicas e sociais que não apóiam a valorização da vida e da saúde como bens não negociáveis. A sustentação do programa apresentado, diante da atual configuração do mundo do trabalho, ainda nos oferece muitos questionamentos, sendo o principal deles: Como intervir na intensificação do trabalho que potencializa os acidentes de trabalho, as LER/DORT e o sofrimento psíquico? Este é o grande dilema imposto à equipe de reabilitação profissional. Com um agir articulado que se realiza objetivamente nos limites possíveis de uma prática reformista, os retornos ao trabalho tem sido promovidos por critérios de empoderamento dos sujeitos/trabalhadores para o enfrentamento, acreditando-se que este estado de coisas não se desenvolverá de modo perene e sem resistências, e que esta é uma luta cotidiana de todos nós. BIBLIOGRAFIA AHONEN, M.; LAUNIS, M.; KUORINKA, T. (Ed.) Ergonomics Workplace Analysis. Helsink: Finnish Institute of Occupational Health/Ergonomics Section, 1989. ALVES, G. Trabalho e Subjetividade – o espírito do toyotismo na era do capitalismo manipulatório. São Paulo: Boitempo, 2011. BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.728, de 11 de novembro de 2009c. Dispõe sobre a Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador (RENAST) e dá outras providências. 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Trata-se de uma trabalhadora que chegou até o CEREST, por orientação de médica particular, para tratamento de sintomas de ansiedade e verificação do nexo causal entre os problemas de saúde (físico e mentais) e as condições de trabalho. METODOLOGIA Para análise do caso, utilizamos o método apresentado por Beth Lima, abordagem que norteia ações para estabelecimento do nexo causal trabalho – saúde mental, do Centro de Referência. A autora propõe o cumprimento de algumas etapas para compreender a trajetória pessoal do trabalhador e o papel das condições concretas no aparecimento do transtorno mental apresentado, privilegiando sempre a percepção dos trabalhadores quanto às vivências do ambiente de trabalho e sintomas. REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) A HISTÓRIA DE MARIA Uma mulher, de classe média baixa, 33 anos de idade, mãe de dois filhos adolescentes, fruto de um casamento de 22 anos. Aos 11 anos, fora autorizada a se casar pela mãe, com o marido com quem vive até hoje. Trabalhou como faxineira em república de estudantes e veio a ―conquistar‖ o cargo de auxiliar operacional em uma empresa do ramo alimentício no município de Marília. A trabalhadora relata que ―deu o sangue‖ à empresa. Trabalhando no período noturno, passou 07 anos, dedicando suas noites às tarefas de auxiliar operacional e dormindo no período da manhã e início da tarde. Boa parte da educação dos filhos é de responsabilidade de sua mãe que reside na mesma casa. ―Não vi meus filhos crescerem‖, relata a trabalhadora. CONTEXTO DE TRABALHO Participações constantes em reuniões, recordações sobre o calor dentro do prédio onde está instalada a empresa, cobranças por alta produção em curto tempo, são relatadas. Descreve sobre o orgulho de pertencer à empresa, o reconhecimento através dos benefícios: divisão de lucros, sorteios de bons prêmios em festas de fim de ano, plano de saúde e outros direitos trabalhistas garantidos. Aponta também, as mudanças ocorridas nos cargos de diretoria, no quadro de funcionários, na forma de produção, sobre a sensação de ser pressionada, temor em ser demitida, pelas cobranças de superiores hierárquicos, além de choro e angústia em meio à linha de produção. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 308 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) Nos relatos da paciente não há problemas familiares, matrimoniais ou financeiros. Não há uso de álcool ou drogas. Não existe qualquer outro evento ou história traumática. Apenas o trabalho é apresentado como fonte de sua angústia. O TRABALHO COMO AUXILIAR OPERACIONAL / APOIO DE LINHA Embora registrada como auxiliar operacional, as ações exercidas pela trabalhadora são relativas ao que chamam na empresa como ‗apoio de linha‘, que não consta na lista da Classificação Brasileira de Ocupações. O ‗apoio de linha‘ desempenha inúmeras tarefas realizadas conforme a necessidade da(s) linha(s) de produção. Os funcionários apoios de linha são responsáveis pelo planejamento das substituições ou substituição propriamente dita dos operadores/auxiliares de operação para que estes possam ir ao banheiro, tomar água e/ou almoçar, são responsáveis pela organização e limpeza da linha de produção, retirada de plásticos das embalagens, ou do produto produzido, em caso de problemas nas máquinas, e ainda, realizam a pesagem das ‗perdas‘ da linha. Como as atividades ocorrem de acordo com a exigência das linhas operacionais, todas as ações são realizadas em um curto período de tempo e exigem atenção e raciocínio rápido pela necessidade do cargo, de solucionar problemas durante todo o turno. Além disso há cobrança de produção por parte dos superiores imediatos, mas o cargo apoio de linha, hierarquicamente não é superior aos demais cargos, não podendo solicitar qualquer coisa aos demais trabalhadores da linha. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 309 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) SURGIMENTO E EVOLUÇÃO DOS SINTOMAS Maria identifica 2009, como o ano em que começa a sentir dificuldade de ir ao trabalho por não se sentir bem no local e sentir fortes dores em ombro, braço e antebraço, um ano depois, sintomas como taquicardia, sudorese, dor de estômago, hipertensão, passam a ser investigados como relacionados à doenças orgânicas, com encaminhamentos à clínico geral, cardiologistas, gastroenterologistas, sem diagnóstico de qualquer patologia que justificasse os sintomas apresentados. Com o passar dos meses tornava-se mais difícil comparecer a empresa, ―Quando pensava que teria que ir trabalhar, sentia um frio na barriga, começava a tremer, me dava uma coisa ruim, parecia que meu coração ia sair pela boca‖, relata Maria. Ela também passa a apresentar: sensibilidade extrema a barulho, momentos de crise de ansiedade e temor quanto à repetição de novas crises, além de ―brancos‖: esquecia tarefas, palavras, caminhos. Em consulta com médica clínica geral particular, suspeitou-se da relação do quadro apresentado ao ambiente de trabalho encaminhando-a para o CEREST, para avaliação psicológica no fim de 2010. Já nas primeiras entrevistas da avaliação psicológica da trabalhadora, esta relaciona seus sintomas ao trabalho, através da escuta observa-se relação entre o sofrimento psíquico e a atividade laboral e esta passa a ser atendida em psicoterapia no CEREST. No decorrer dos atendimentos observa-se que o quadro definido como Síndrome do Pânico, na verdade é um Transtorno Fóbico-Ansioso que se caracteriza um quadro ansioso, desencadeado essencialmente por situações determinadas que ao serem analisadas não apresentam qualquer perigo real. Mesmo assim, tais situações são evitadas, ou suportadas com temor. A simples rememoração da situação fóbica desencadeia ansiedade antecipatória. A extrema angústia reflete em dificuldade de concentração e perda de capacidade de executar tarefas domésticas como lavar louça, arrumar a casa. Observa-se, durante as sessões de psicoterapia, por relatos ou execução de tarefas como desenho com tintas – tarefa proposta durante alguns atendimentos – que a paciente realiza qualquer ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 310 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) atividade como se estivesse na empresa, no mesmo ritmo exigido pela linha de produção da qual estava afastada. Maria também apresenta dor ao executar tarefas, devido à Síndrome do Túnel do Carpo (motivo pelo qual fora submetida a intervenção cirúrgica) e Cervicobraquialgia. Fora pelos sintomas físicos que a Maria deu entrada à solicitação de auxílio doença no INSS. E as avaliações médicas na empresa ou exames periciais realizados no INSS, eram vivenciadas e com intensa angústia para a trabalhadora. Pelas dificuldades enfrentadas em termos trabalhistas, uma vez que o INSS não reconhecia a necessidade de mantê-la afastada do trabalho, seja por motivos físicos ou mesmo com a alegação de transtorno mental, por orientação do CEREST Regional Marília a mesma ajuda jurídica, sendo afastada sob liminar judicial. Com a liminar, o serviço médico ambulatorial e o setor de recursos humanos da empresa, passaram a solicitar com freqüência o retorno ou justificativa das faltas da funcionária; cada contato da empresa é relatado com mais angústia. Até que relata que em um momento de crise de ansiedade a trabalhadora viu, pela primeira vez, um vulto, vestido com uniforme semelhante ao do trabalho. Nas crises seguintes passou a visualizar uma pessoa – um encarregado da firma – além de ouvir vozes solicitando horário para tomar água ou ir ao banheiro, exatamente como ouvia durante suas atividades laborais. Embora a trabalhadora, fosse acompanhada desde o início do tratamento no CEREST por psiquiatra da rede particular de saúde, foi solicitada uma segunda avaliação psiquiatrica, com outra profissional, pois a medicação prescrita não controlava os sintomas fóbicos ansiosos e as alucinações. Na segunda avaliação, a indicação de internação em hospital psiquiátrico para controle da ansiedade e observação diária das reações a nova medicação de antipsicótico. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 311 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) SOBRE O ESTABELECIMENTO DO NEXO E AÇÕES SEQÜENTES. Conforme relatado, no início do trabalho, o estabelecimento do nexo da patologia com o trabalho requer o cumprimento de determinadas etapas, que irão respaldar a prática do trabalho com saúde ocupacional. Inicialmente buscou-se evidências epidemiológicas quanto a ocorrência da patologia fóbico-ansiosa na categoria profissional da trabalhadora, não havendo nenhum nexo definido, buscou-se através de uma ―busca ativa‖, identificar outros quadros semelhantes em profissionais com a mesma função. Assim, foram realizadas 20 entrevistas, neste grupo há trabalhadores da mesma função, ou simplesmente pertencentes à empresa. Destes, entrevistamos inicialmente quatro trabalhadoras do período noturno da empresa, em tratamento na rede pública em dispositivos de saúde mental, por patologias ansiosas/depressivas com o intuito de verificar evidências epidemiológicas ou mesmo, para constatarmos o clima organizacional da empresa. Em cada entrevista, buscou-se realizar um resgate da história de vida dos trabalhadores, com foco na percepção que eles têm sobre a causa de seu adoecimento e/ou do ambiente de trabalho. Houveram muitas recusas em responder à entrevista, recusa justificada pelos demais entrevistados como possível temor de que informações fossem divulgadas ou que a empresa saiba que concederam entrevista. Ressalta-se em todos os relatos pontos comum. Em todas as entrevistas há relatos de choro das funcionárias, durante o trabalho na linha de produção devido a ―broncas‖ ou ―cobranças‖ de seus superiores hierárquicos, relatam sentir-se pressionados pela manutenção da meta produtiva, independente do número de funcionários de uma linha de produção estar completo ou não, ou mesmo, de haver funcionárias com prática nas tarefas necessárias ao funcionamento da linha. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 312 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) Relatam que o horário de almoço, banheiro e água, não são fixos e dependem de variáveis como: substituição dos funcionários, funcionamento da linha de produção. Estes apontamentos nos permitem avaliar que o relógio biológico dos trabalhadores ou o conforto no local de trabalho variavam conforme a necessidade de produção da empresa. Observa-se através das entrevistas que todos os funcionários efetuam múltiplas tarefas, em linhas variadas, com ritmos diferentes em um mesmo dia, e assim são solicitados a mudar de linha de produção, sem necessariamente ter habilidade para execução de novas tarefas. As convocações para realização de banco de horas são sentidas pelos entrevistados como ameaçadoras, pois este julgam que negar-se a realizar hora extra pode gerar risco de demissão. Afirmam que quando se negam a realizar hora extra e/ou banco de horas para um primeiro superior hierárquico, a convocação é realizada novamente, e em seguida, por outro superior. Alegam também que o registro dos nomes que comparecerão e dos que não irão comparecer para realizar hora extra pode ser utilizado como fonte de dados sobre o funcionário e influenciar a demissão em caso de necessidade da empresa. Em todas as entrevistas, há relatos de culpabilização do acidentado em caso de acidente de trabalho e somado a isso, observamos que poucos entrevistados relacionam acidentes de trabalho com o ritmo intenso, mudanças constantes de máquina, longos períodos, às vezes ininterruptos, operando máquina. Dois entrevistados relatam vivenciar como ―pressão‖ os contatos realizados pela empresa, para que retornassem ao trabalho ou que justificassem as ausências em caso de afastamento do trabalho por decisão judicial. Nestas situações afirmam receber solicitações de documentos que comprovem a necessidade de afastamento e que esta não comprovação pode gerar abandono do emprego e demissão por justa causa. Nas entrevistas, os trabalhadores citam o afastamento de companheiros de trabalho adoecidos físico e mentalmente. E os ex-funcionários relatam dificuldade: de lembrar o período em que trabalharam, de passar próximo a empresa, ver o ônibus de funcionários desta pelas ruas, porque esses eventos lhe causam sensação de angústia. O que parece ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 313 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) evidenciar que o processo produtivo da empresa, causa sofrimento aos profissionais que lá trabalham. RESULTADOS Na busca pela identificação dos mediadores da passagem entre a experiência vivida e o adoecimento, observa-se através dos relatos, que: pelas muitas atividades desenvolvidas em ritmo intenso, ou pelas dificuldades de autonomia quanto à: idas ao banheiro, saída para o almoço ou para beber água, ou mesmo pela sensação vivenciada pela estratégia de gestão utilizada para a realização do banco de horas e/ou horas extras, os trabalhadores referem sentir-se pressionados. Atualmente equipe do CEREST dedica-se a avaliação do material coletado durante a visita de inspeção à empresa (fotos, vídeos, documentos), para emissão de relatório técnico, bem como análise ergonômica do trabalho e solicitação de mudanças cabíveis. Quanto a realização de exames complementares, como uma das etapas necessárias ao estabelecimento do nexo, dentre os entrevistados, os que apresentam alguma patologia supostamente ou já relacionada à atividade desenvolvida, relataram diagnósticos médicos, ou mesmo uso de medicamentos por patologias psíquicas ou osteomusculares. O caso específico tratado neste trabalho, passou por avaliação da médica clínica geral da rede particular e do CEREST, avaliação de dois psiquiatras e ortopedista da rede particular, este ultimo que a submeteu a cirurgia do túnel do carpo bilateral, e Maria também passou por avaliação do ortopedista do CEREST. Há um consenso quanto à afirmação de que o trabalho fora determinante no adoecimento físico e mental da trabalhadora. Atualmente Maria, encontra-se internada no hospital psiquiátrico do município, por decisão própria e da família, e retorna à sua residência durante os fins de semana, a medicação tem agido no controle dos sintomas, e a trabalhadora relata que agora ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 314 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) ouve as vozes, mas estas lhe dizem que não adianta solicitar água ou banheiro porque Maria não as escuta. A trabalhadora já está há 15 dias internada e deverá permanecer por mais 15 dias, conforme orientação da psiquiatra e aguarda a resolução do seu caso na justiça. Um ponto a ser ressaltado é que a trabalhadora, não cogitou pedir demissão, pois não considera isso justo. Seus relatos coincidem com todos os outros colhidos, e foram reafirmados a cada etapa cumprida, na verificação do nexo entre o adoecimento de Maria e as condições de trabalho. O caso descrito motivou a equipe do Centro de Referência na investigação deste nexo, e percebe-se a importância do cumprimento de cada etapa do método proposto para respaldar a declaração de que a patologia fora provocada pelo trabalho. Mas o ponto central deste método, para os profissionais de saúde mental é a escuta. Oferecer aos trabalhadores a oportunidade de falar, permite visualizar a situação organizacional, a estratégia de gestão, permite a expressão dos prazeres e sofrimentos vivenciados no trabalho, reafirmando que a escuta é a ferramenta fundamental para a elaboração do nexo causal entre sofrimento mental e trabalho. BIBLIOGRAFIA LIMA, Maria Elizabeth Antunes. Transtornos mentais e trabalho: o problema do nexo causal. Rev. Adm, FEAD Minas., Belo Horizonte, v. 2, n. 1, p. 73 – 80, jun. 2005. LIMA, Maria Elizabeth Antunes. A polêmica em torno do nexo causal entre distúrbio mental e trabalho. Psicologia em Revista, Belo Horizonte, v. 10, n. 14, p. 82 – 91, dez. 2003. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 315 SOFRIMENTO PSÍQUICO DO AGENTE COMUNITÁRIO DE SAÚDE: INTERFACES ENTRE PROCESSO DE TRABALHO, FORMAÇÃO E GESTÃO RIBEIRO, S. F. R.; HELOANI, J. R. M.; Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) Agência Financiadora: CAPES [email protected] Muitas áreas e teorias do conhecimento têm voltado suas pesquisas para o sofrimento do trabalhador, estudando quais seriam as questões envolvidas no que se tem denominado de Saúde do Trabalhador. Dentre elas a teoria do estresse, a epidemiologia, a ergonomia, a psicologia social, a psicodinâmica do trabalho. Neste estudo, optou-se pelas duas últimas, considerando-as apropriadas na integração da dimensão social e subjetiva do problema. Complementarmente, utilizaram-se aportes teóricos foucaultianos e de autores da saúde coletiva. O objetivo deste texto foi discutir o sofrimento psíquico do Agente Comunitário de Saúde sob a influência de sua atividade próxima ao local de trabalho, nas interfaces com processo de trabalho, formação e gestão. Esta discussão faz parte de uma pesquisa, em andamento, cujo contexto foi a Saúde da Família (SF). Segundo o discurso oficial, é a principal política para viabilizar a atenção primária à saúde em todo território nacional, com uma proposta de alterar a lógica da oferta, operando não mais enquanto equipamento-centrada, mas num processo usuário-centrado, enfatizando a importância da equipe e seu processo de trabalho, tendo como elementos centrais: (I) vigilância a saúde, mediante os determinantes psicossociais do processo saúde-doença; (II) a integralidade das práticas, numa abordagem do cuidado em seus múltiplos aspectos; (III) estabelecimento de linhas de cuidado pertinentes à complexidade e necessidade de recursos sanitários, educativos, culturais e assistenciais, e (IV) territorialização e adscrição da clientela. A equipe mínima da Saúde da Família compõe-se pelos profissionais: enfermeiro, médico generalista, auxiliar de REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) enfermagem, agentes comunitários de saúde. Quando ampliada, conta com: um dentista, um auxiliar de consultório dentário e um técnico em higiene dental. O trabalho do Agente Comunitário de Saúde na Saúde da Família é de ordem técnica, no cuidado e na assistência a população e político, na organização da manifestação popular, compreendido como o elo entre a população e a equipe. Segundo o Ministério da Saúde, o Agente Comunitário de Saúde é a única categoria da qual se exige que more no território no qual se localiza a unidade da Saúde da Família. Estudando alguns equipamentos de saúde, estudiosos denominaram as diversas tecnologias utilizadas em saúde como leves, leve-duras e duras, sendo que as primeiras envolvem primordialmente as relações humanas e as outras os conhecimentos teóricos que sustentam tais relações e os recursos materiais como exames e medicamentos. A interlocução desses procedimentos de forma integrada é que podem garantir a abrangência da reabilitação na rede de saúde, enfatizando que na atenção básica, na qual se insere a Saúde da Família, o mais necessário é a tecnologia leve, tão importante e complexa como as demais. Alguns estudos têm mostrado dificuldades estruturais e funcionais na organização do trabalho da Saúde da Família, com indicações de desânimo e angústia de todas as categorias de trabalhadores da Saúde da Família, pela falta de reconhecimento de si mesmo no trabalho, atos e medidas de cunho higienistas, terceirização e precarização das relações de trabalho. Pesquisas dedicadas a compreensão do papel do Agente Comunitário de Saúde apontam que a especificidade desse trabalho tem acarretado dificuldades no processo de identidade e sofrimento psíquico. As questões de sofrimento, identificadas foram: acúmulo de atividades, desvalorização do trabalhador, sobrecarga de trabalho e impotência frente à dificuldade de dar conta da demanda. O assunto é complexo, requerendo uma ampliação do olhar para fora e para dentro dos serviços, contextualizando o processo de trabalho em saúde na lógica de produção capitalista, bem como as formas como isso repercute dentro dos serviços. Segundo a Psicologia Social a constituição do ser humano pode ser sintetizada por meio da tríade linguagem, trabalho e cooperação. Dessa forma o trabalho, transformação da natureza pelo homem, com intenções e desejos, assume a centralidade desta discussão, atendo-se às mudanças provocadas pelo capitalismo globalizado, a partir de uma visão crítica, ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 317 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) identificando os atores envolvidos no processo, descartando a visão do fenômeno como inexorável. O mundo do trabalho acarreta repercussões na vida das pessoas, que são obrigadas a conviver com lógicas de mercado instáveis, criando um clima de ameaça, um mal inevitável dos tempos modernos. Dessa forma, o trabalho está longe de ser um espaço neutro, para o bem ou para o mal. Será gerador de sofrimento ou prazer, desgaste ou crescimento, dependendo das relações entre o trabalhador e os desafios externos do meio social. O conceito de sofrimento psíquico foi tomado da psicodinâmica do trabalho, é uma luta constante contra as agressões dos ambientes de trabalho, o que requer negociações e um ajuste constante entre desejos e possibilidades. Entretanto quando o espaço de negociação fica bloqueado, o sofrimento psíquico se acentua. As estratégias defensivas desempenham importante papel nessas negociações. As constantes lutas vão deixando marcas no indivíduo, que vai se transformando, deixando de ser o que era antes de ter assumido determinado trabalho. Essas negociações são baseadas na singularidade de cada um, na estrutura mental que se tem, na subjetividade do trabalhador. Para esclarecer o quanto o sofrimento psíquico no trabalho está relacionado ao contexto laboral, é pertinente entender que o desgaste mental se relaciona ao modo pelo qual a interação do trabalhador com esta situação (situação de trabalho) repercute na subjetividade do mesmo, suscitando vivência de sofrimento. A metodologia desta pesquisa teve uma ênfase qualitativa, utilizando o método dialético, privilegiando a dimensão subjetiva dos fatos, considerando a natureza biopsicossocial que os permeou, possibilitando a apreensão dos significados contidos nos discursos dos sujeitos. A cidade onde se realizou a pesquisa é de médio porte, com início da Saúde da Família em outubro de 2003, contando hoje com dez equipes, sendo que três delas atuam na zona rural e as demais na zona urbana. Para assessorar as equipes fixas de cada unidade a estratégia conta com uma equipe de saúde mental formada por dois psicólogos e duas assistentes sociais. Utilizou-se uma combinação de recursos na coleta de dados: grupo focal e observação participante. Participaram trinta e dois Agentes Comunitários de Saúde, sendo dois de cada Unidade Saúde da Família e Unidade Básica de Saúde (UBS), utilizando sorteio, pois a grande maioria externou o desejo de participar. A escolha da cidade seguiu os seguintes critérios: A) Manifestação de interesse pela questão ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 318 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) proposta, identificada através de pesquisas anteriores feitas em Saúde da Família, no município. B) Disponibilidade em participar da pesquisa. O grupo focal foi realizado com Agentes Comunitários de Saúde representantes de todas as equipes do município, sendo que os trinta e dois participantes foram distribuídos em três grupos, com dois encontros para cada grupo. O roteiro para condução da investigação foi: desgaste no trabalho interno da unidade, desgaste no trabalho com a comunidade, formação permanente e continuada para o trabalho e repercussão do desgaste na vida pessoal por morar no mesmo bairro da unidade que trabalha. O espaço do grupo focal proporcionou oportunidade para manifestação do sofrimento, que se apresentava com uma forte emoção frente às questões elucidadas, requerendo do entrevistador uma atitude de continência a essa dor. A observação participante foi feita numa única unidade, no decorrer da preparação e ocorrência dos grupos focais. Os eixos de investigação que nortearam a observação participante foram relacionadas a: organização do trabalho na Saúde da Família, ações novas e antigas praticadas pelo Agente Comunitário de Saúde, práticas específicas e genéricas do Agente Comunitário de Saúde, dificuldades encontradas na execução do trabalho, rotina diária do trabalho do Agente Comunitário de Saúde. Os relatos dos trabalhadores nos grupos focais, entrevistas e as anotações das observações em diário de campo foram submetidos ao estabelecimento de categorias e posteriormente esse material empírico foi submetido a análise de conteúdo. Essa análise, está seguindo as seguintes fases: I)Pré-análise: Essa fase inicial do material foi feita por meio de uma leitura caracterizada por uma atenção flutuante. Assim a subjetividade do pesquisador e a do pesquisado se integraram, a fim de se estabelecer as unidades de registro e unidades de contexto, apontando com trechos significativos ou representativos das categorias, que sintetizaram a essência do fenômeno. II) Exploração do material, através de várias leituras do material categorizado, descobrindo orientações para a análise propriamente dita, a ser realizada logo a seguir. III) Tratamento dos resultados obtidos e interpretação, realizado por meio da busca do sentido latente ou subjacente expresso no manifesto e correlação com tendências e abordagens correntes a respeito do fenômeno estudado. Preliminarmente, os resultados foram agrupados em seis categorias: 1) Contradição vínculo/privacidade. Essa contradição se refere à ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 319 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) dedicação e envolvimento no trabalho representado por um forte vínculo estabelecido com a população, contraposto a um sofrimento pela privacidade e liberdade comprometidas. Isso se apresenta quando relatam uma visita: “Então eu cheguei lá e ele não tinha o que comer, então o que eu pude ajudar eu ajudei, só que eu cheguei em casa eu não consegui almoçar. Tem casa que você entre e você chora para o lado de fora porque a situação é muito triste”. Muitas vezes, a categoria de ACS se vê como tão pobre e desmerecida quanto a população pobre e desvalida que atende. Outra pesquisa da mesma autora deste trabalho aponta que os trabalhadores sofrem também com isso e explicitam: “já teve muitas coisas, eu sempre me coloco no lugar do outro. Não sei por que eu tenho essa mania? Sempre que tem uma questão de sofrimento, eu sofro junto. Não sei separar [...] É o fato de estar todos os dias no mesmo lugar, com as mesmas pessoas, e ter esse vínculo”. No limite do sofrimento expressam o medo de ―endoidecer‖. Relatam “que se a gente for tentar consertar a vida de todos os pacientes... (pausa) a gente acaba ficando doente ... tem uma colega que ficou afastada e agora endoidou de vez, pirou e foi para o Cantídio (hospital psiquiátrico da cidade)... é meio preocupante, (reluta um pouco prá falar) porque às vezes parece que você tá indo pelo mesmo caminho”. Essas afirmações da ACS possibilitam refletir sobre o comprometimento da liberdade no sentido foucaultiano, que por sua vez compromete o cuidado de si. Essa abordagem recorre aos gregos, explicando que estes usavam uma técnica para se constituírem sujeitos de si. Usavam a arte, como se a vida fosse uma obra de arte, baseada em exercícios artísticos, numa ação artística sobre si mesmo e sobre o outro. Na verdade é o que se denomina ―Ilustração‖, que pode ser compreendido como um ―ensaio‖ que se faz da própria vida, para experimentar novas possibilidades. Nesse sentido, o ―ilustrar-se‖ permite o cuidar de si para resistir aos limites que são impostos, que são desnecessários, reflexivamente. Obviamente nem tudo pode ser continuamente criado e pensado, pois o indivíduo vive constantemente num paradoxo, rodeado de coisas que fogem a sua governabilidade. Não é sempre que as decisões podem ser conscientes ou ativas, mas há que se procurar outros momentos que possibilitem a reflexão. Por isso o ser humano é um constante devir, uma constante mudança, não há sujeito puro, a-histórico. As relações e a subjetivação estão sempre ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 320 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) permeadas pelo contexto histórico e temporal em que se vive. As pessoas são concebidas como ―posições‖ diversas na vida, ocupando diversas posições em diversos momentos; não são essência nem particularidade única, mas múltiplas personalidades, múltiplas subjetividades. Tantas quantas forem possibilitadas pelas relações. Podemos depreender dessas idéias que cabe ao trabalhador cuidar de si, acompanhar as constantes mudanças no universo laboral para que possa concomitantemente acompanhar a si mesmo, a ser um atento interlocutor do mundo do trabalho em relação a si próprio, explorando todas as possibilidades e ―posições ―possíveis‖ nesse contexto de trabalho. Na situação de trabalho do Agente Comunitário de Saúde, parece que esse processo de experimentar várias posições por meio do exercício da liberdade não está sendo possível, com o agravante de ter um aumento da jornada de trabalho, proporcionada muitas vezes pela proximidade entre o local que trabalha e mora, exigência de legislação própria do Ministério da Saúde. Essa fala exemplifica a questão: “A filha tem 60 e a mãe não consegue nem andar e olha ela. Eu já cheguei a ir lá no final de semana, eu sei que é fora do limite mas às vezes eu não consigo, porque é na rua da minha casa.” De certa forma as pessoas que o cercam se sentem ―autorizadas‖ a fazerem um controle diário da vida privada do ACS. Uma participante conta a seguinte situação: ―Eu fiquei 15 dias de atestado, mas eu precisava sair... E falavam: Você não tá trabalhando, mas o que está acontecendo? Por que? Sua vida é controlada. Totalmente vigiada. (outros participantes continuam contando o que as pessoas lhes falam): Você não foi fazer visita hoje? Você foi fazer visita mais cedo hoje? Querem saber de tudo. Quem chegou e quem saiu da sua casa.” Pode-se verificar um controle exacerbado da população sobre o ACS, tem sua privacidade comprometida por uma posição assumida no trabalho, de vínculo exacerbado, que o adoece. Esse comprometimento da liberdade emperram a constituição da subjetivação e como conseguinte, o cuidado de si. 2) Dificuldade de trabalho em equipe. O sofrimento aumenta, pois não conseguem fazer a ponte entre a população e a equipe, parece que os usuários são só deles e não de toda a equipe. Dizem que “na maioria das vezes o paciente é do Agente Comunitário, ele não é da unidade. Pra gente é muito importante que você tenha solução prá hoje. Para os demais, não. É só mais um caso”. A fragmentação do trabalho em ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 321 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) equipe é uma das indicações do quanto a lógica capitalista está infiltrada nas políticas públicas de saúde. O trabalho não atende interesses e desejos do trabalhador, como conceito apresentado na introdução. Também não atende as necessidades do usuário, mas do mercado e do capital, tornando o trabalho sem sentido. A frase dita por uma trabalhadora é contundente: ―O que que eu senti? A gente não é nada”. Segundo a concepção marxista, nestas situações, a liberdade e a expressão do desejo são capturados e atrelados a outrem. Na Saúde da Família, essas questões traduziram-se em atos parcelares e normatizados na atenção a saúde, contrariando os princípios da política nacional de atenção à saúde. Embora a Saúde da Família esteja pautada em princípios da integralidade, contradições se expressam em procedimentos fragmentados, ―taylorizados‖, ao invés de um trabalho conduzido por uma verdadeira equipe. Um dispositivo que poderia atenuar essa dificuldade seria o apoio matricial, estratégia desenvolvida inicialmente em saúde mental. É um dispositivo baseado na trocas de saberes, que segundo autores da saúde coletiva, possibilita operar a construção do sistema de atenção à saúde, numa linha transversal e horizontalizada, entre os especialistas e profissionais de referência, em um dado serviço. Trata-se de uma tentativa de atenuar a rigidez dos sistemas de saúde quando planejados de maneira muito estrita, segundo as diretrizes clássicas de hierarquização. 3) Cobrança de produção pela gestão. A gestão cobra quantidade de visitas, mas não se interessa pelo que se faz nela. Os Agentes Comunitários de Saúde dizem que ―a visita se torna uma coisa meio que mecânica, porque chega final de mês... é aquela coisa... nem é bem final de mês... no começo do mês já... todo o dia aquela cobrança de tá passando produção, tá fazendo quantas visitas por dia? e aí você chega com um caso, você fala o caso ... e às vezes a pessoa (gestor) escuta por aqui (aponta o ouvido direito) e solta por ali (aponta o ouvido esquerdo)”. Essa queixa da trabalhadora pode ser compreendida pela interferência da lógica capitalista já explicitada anteriormente. Dentre outras áreas, a saúde, a educação e a comunicação são denominadas como ―setores de serviço‖ nos quais a mercadoria não se expressa numa corporalidade concreta, mas imaterial. De qualquer forma, a saúde, bem como os demais, está incluída na lógica capitalista de produção, permeada muitas vezes por interesses neoliberais e inevitavelmente pela precarização nas relações de trabalho. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 322 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) Nessa perspectiva, o trabalho em saúde está marcado pela perda de autonomia do trabalhador, o excesso de normas e a definição hegemônica da missão das políticas públicas, desde a Reforma do Estado iniciada nos anos 90, em vigência até hoje. Esse fato marcou hegemonicamente a missão dos serviços de saúde, definindo economicamente as suas diretrizes, na medida em que os financiamentos do Estado passaram a ser guiados por uma prática que se pôs a serviço de interesses minoritários e poderosos, considerados legítimos ideologicamente. A saúde se transformou numa arena de disputas, na qual o Estado negocia os ‗melhores‘ negócios, desconsiderando a qualidade em detrimento da quantidade. É isso que a ACS explicitou acima, afirmando que não importa a qualidade da visita domiciliar, mas a quantidade. É muito comum, observarem-se processos de gestão fincados no controle exacerbado dos trabalhadores, para produzirem como a ACS citou, de forma ―mecanizada‖, acarretando perda de sentido naquilo que se faz. Os atos parcelares de saúde, que são denominados procedimentos, distanciam muito o trabalhador do resultado do seu trabalho. Segundo estudiosos da saúde coletiva, não há vocação que resista à repetição mecânica de atos parcelares. Trabalhar em serviços de saúde, assim estruturados, costuma transformar-se em suplício insuportável. Uma gestão denominada por estudiosos por ―gestão do cuidado‖ poderia substituir essa gestão controladora, entendendo que ações, tecnologias ou projetos podem disparar movimentos de mudanças por meio dessa nova gestão. Segundo alguns pesquisadores da saúde coletiva, dimensões inconscientes, traduzidas em ações dos trabalhadores durante o processo de trabalho devem ser consideradas no processo de ―gestão do cuidado‖. Um estudo que integra a área da saúde coletiva e a psicanálise ressalta a função asseguradora da vida psíquica e social das instituições, oportunizando um reconhecimento de quem se é para além da dúvida cartesiana, do racional. Para a psicanálise a dimensão inconsciente está presente em todo momento de nossas relações institucionais, sem distinção racional ou irracional, como uma constante dúvida que se tem sobre si mesmo, pois sempre haverá uma parte desconhecida que se revela e se esconde no encontro diário com o outro, no caso deste estudo com o outro trabalhador de saúde, com os usuários, com a gestão e demais atores envolvidos no processo. Diante de tantas dificuldades, propõe-se um modo de gestão ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 323 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) que possa acolher essas subjetividades, que ajude o trabalhador a compreender o turbilhão de emoções que o fazem sofrer. Se o trabalhador puder falar, processar suas motivações nas reuniões de equipe, estas podem tornar-se terapêuticas. Entretanto, uma forma autoritária de gestão impede a manifestação do trabalhador, o que tem sido uma prática hegemônica no campo da saúde. Essa nova forma de gestão proposta poderá encontrar dispositivos de trabalho que possibilitem integrar as questões da clínica e a organização do trabalho, considerando que cada trabalhador é co-gestor do processo de trabalho na sua atuação direta com o usuário. Deve romper com a dicotomia subjetividade/objetividade, racionalidade/irracionalidade, afetividade/razão, fortemente presentes nos serviços. Deve abrir espaço para que o mal-estar no sentido freudiano possa ser abordado, interrogado e acolhido. Dessa forma passará a ser uma forma de gestão cuidadora e potencilizadora do reconhecimento do trabalho, enquanto obra produzida por ele. Caso contrário o trabalhador ficará separado de sua ―obra‖, tanto para si mesmo, como para o usuário. 4) Formação. É questionada tanto pela falta, quanto pela forma que ocorre, quando acontece. Os participantes da pesquisa sinalizam a falta do curso introdutório, ministrado pela Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo para alguns e não para outros. Por outro lado, citam alguns cursos que foram ministrados somente para os Agentes Comunitários de Saúde, mas deveriam ser para equipe toda. “Teve uma vez que foi um curso de capacitação (engasga na palavra) em cima da humanização. Eu acho que aí caberia prá toda a equipe e não só pros agentes‖. A Educação Permanente em Saúde (EPS), política do Ministério da Saúde para acompanhar a formação permanente dos trabalhadores, passou por transformações, na tentativa de torná-la mais participativa, seguindo as mudanças preconizadas pelo Pacto da Saúde (2006), e a criação de novas instâncias deliberativas. O funcionamento e as demandas das necessidades educativas estão, atualmente, sendo debatidas por fóruns ligados aos Colegiados de Gestão Regional (CGR), que são os Núcleos de Educação Permanente (NEP). E, abrangendo uma macro-região, as Comissões de Integração Ensino-Serviço (CIES) reúnem-se regularmente, devendo aprovar o Plano de Ação Regional de Educação Permanente em Saúde (PAREPS). A partir desses esclarecimentos, parece que a Educação Permanente em Saúde deveria seguir ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 324 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) exatamente o que o ACS pediu, que os cursos fossem ― prá toda a equipe e não só pros agentes‖ , pois parece ir ao encontro de práticas solidárias e participativas, minimizando os efeitos deletérios da fragmentação já apontados acima. Poderia ser fundamentada numa prática reflexiva da realidade, transformando-a. Entretanto parece que a EPS ainda não é uma concretude, mas uma expectativa. Seria necessário lidar com alguns entraves, que impedem que dentre outras coisas, o trabalhador da saúde possa por meio da ética, a prática reflexiva da liberdade, constituir-se num profissional saudável, diferente do atual, que é sofrido e aprisionado por uma vigilância e poder dominante. A Educação Permanente em Saúde poderia romper essas amarras, traduzindo-se como uma via de efetivação de mudanças. Na concepção freireana, a educação é um processo, construído a partir da relação homemmundo, é comunicação, é diálogo, um encontro de sujeitos interlocutores, um que-fazer‖ constante. Nesse enfoque transformador, libertador e humano a gestão e a atenção em saúde podem se constituir num espaço que proporciona ―um humanismo científico (que nem por isso deixa de ser amoroso)‖, apoiando a ação educativa entre trabalhadores e usuários e entre os trabalhadores num espaço solidário de gestão participativa e terapêutica. A Educação Permanente em Saúde deve operar na micropolítica do trabalho em saúde. Assim pode favorecer a saúde do trabalhador, ampliando o diálogo no enfoque libertador, em suas múltiplas possibilidades e principalmente porque ocorre durante o processo de trabalho, em serviço, transformando os espaços de reuniões de equipe, potencializando-os como espaços de cuidado para o trabalhador. 5) Falta de trabalho em rede de atenção à saúde. Mencionam que quando precisam de encaminhamentos para setor secundário e terciário, não conseguem vagas, nem contato com os profissionais da rede. “Daí depende do secundário, do terciário e a gente fica sem uma contra- resposta desses serviços.” Com relação a essa queixa, pesquisadores da saúde coletiva analisam que a Saúde da Família não tem tido ampla cobertura, principalmente no estado de SP, no qual a porcentagem de apenas 25,6% da população do estado é coberta pela Saúde da Família, o que significa um dos piores índices de alcance da estratégia no Brasil. Entretanto, em nível nacional, a Saúde da Família continua figurando como prioridade no desenvolvimento da Atenção Básica. Contraditoriamente tem ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 325 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) tido um financiamento insuficiente e carece de um projeto consistente e singular, dedicado a cada realidade local na qual tem se implantado. Para esses pesquisadores, o impacto da Saúde da Família dependerá da sua capacidade de integrar-se a rede atenção a saúde, incluindo ambulatórios, hospitais, serviços secundários e terciários, urgência e emergência, saúde mental, dentre outros. É exatamente essa dificuldade que o ACS relatou, a “dependência do secundário, do terciário, e fica-se sem uma contra-resposta”. Isso não tem ocorrido, com o agravante de também não organizar os serviços de saúde em toda a rede, pressuposto importante da Atenção Básica, na qual a Saúde da Família está inserida. 6) Saídas para o sofrimento. Diante das dificuldades apresentadas a saída que muitas vezes resta ao trabalhador é a utilização de mecanismos de defesa tais como o silêncio, a negação, o isolamento e outras formas paliativas. Expressam esses mecanismos da seguinte forma: ―com isso você resolve não dar opinião. Porque eu já trabalhei em vários lugares e eu sei que sempre a parte mais fraca a corda rebenta. Um ditado popular certíssimo”. A negação pode ser observada pela afirmação que fazem de ―acostumar-se‖ ao sofrimento, como se isso fosse possível. Dizem: ―Sofri bastante. Agora tou melhor. O tempo já passou. A gente até fala pras novas. Que acostumem com a idéia, que no começo se passa mal, entra em depressão, pressão alta.” São ações que segundo a Psicodinâmica do Trabalho reforçam a alienação do trabalhador frente a uma sociedade capitalista que é alimentada exatamente por esses mecanismos. A falta de noção clara pelo trabalhador, da relação desses aspectos com o seu sofrimento, faz com que o trabalhador atribua as falhas a si próprio ou ao colega, intensificando a culpabilização de si mesmo ou conflitos e embates internos. O perigo da utilização excessiva desses mecanismos de defesa é a loucura do trabalho, pois de um ponto em diante deixam de ser efetivos e se rompem. Para que os mecanismos defensivos possam se transformar em resistências, caminhos mais saudáveis para o trabalhador, a psicodinâmica do trabalho propõe abertura de espaços públicos de palavra, ou melhor de um ―território‖. São espaços no qual se possa manifestar a verdadeira inquietude medos e angústias provenientes do espaço laboral sem a sensação de ter que pagar caro por isso. É neste processo dialógico que questões ―intratáveis‖ no espaço de trabalho, ―espaço de poder‖, se tornam passíveis de uma ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 326 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) manifestação do desejo e podem gerar certo efeito ―terapêutico‖. Compreende-se que a impossibilidade da linguagem se materializar nas relações de trabalho cristaliza sofrimentos e naturaliza-os como inevitáveis. Ao se possibilitar a expressão desse sofrimento, há um resgate do sentido do trabalho e do desejo. Assim, a repercussão aparece na atenção ao usuário, que também pode se expressar espontaneamente e com liberdade. Segundo a psicodinâmica do trabalho ―a transformação do sofrimento em iniciativa e em mobilização criativa depende fundamentalmente do uso da palavra e de um espaço de discussão onde perplexidades e opiniões são públicas‖. Considerações finais. Como a gestão e a formação foram temas transversais neste trabalho, com repercussões no sofrimento psíquico do ACS, inserido no processo de trabalho da Saúde da Família, é pertinente trazer mais algumas considerações sobre essas questões sob a ótica foucaultiana, na perspectiva do poder e seu caráter disciplinatório, de dominação das pessoas em sociedade, dentro do que se denomina microfísica do poder. Apesar de não ser possível um aprofundamento do tema neste espaço, é relevante refletir que os processos rudimentares de dominação da Idade Média, quando as pessoas eram queimadas nas fogueiras por não obedecerem às regras instituídas, foram substituídos na modernidade por um poder disciplinatório e normatizador, tornando os corpos dóceis e submissos, diante de dispositivos de vigilância constante. Embora visíveis, não se apresentam claramente, enquanto uma pessoa ou setor. É pulverizado, tornando-se disseminado por onde quer que se vá. Assim, é característica fundamental dessa vigilância ser visível, porém inverificável. Numa situação específica de trabalho, o trabalhador tem sempre sob seus olhos a representação da vigilância, sem saber ao certo se está ou não sendo visto e observado por todo o tempo. Mas ―ter certeza de que sempre pode sê-lo‖ é o suficiente para se manter submisso. A figura apresentada pelo autor para ilustrar tal mecanismo é a do Panóptico, uma torre construída no centro de celas em forma de anel. Nessa torre permanece um vigia, que pode ou não estar presente, que tudo vê, mas sem ser visto. É a masmorra, ao contrário. Transporta-se a idéia para os diversos âmbitos, em sua torre de controle, o diretor pode espionar todos os empregados que tem a seu serviço: enfermeiros, médicos, contramestres, professores, guardas; pode modificar comportamentos, impor métodos que ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 327 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) considerar melhores. É com esse poder, disseminado e sutil, que o trabalhador, especificamente o ACS, tem que lidar no seu dia-a-dia de trabalho em saúde, tornando-se desprotegido e vulnerável aos mais variados problemas, que em efeito cascata levam-no a um sofrimento psíquico cada vez maior. A Educação Permanente em Saúde deveria colaborar para uma prática na qual a liberdade fosse vivenciada, minimizando o controle a que o trabalhador está submetido, ao morar próximo do seu trabalho, fundamentando-se numa prática reflexiva da realidade. Seria necessário lidar com alguns entraves na operacionalização da Educação Permanente em Saúde, como a falta de formação em serviço, que impede a consideração de aspectos específicos da realidade laboral na formação. Segundo estudiosos da saúde coletiva é urgente que se reconheça as fragilidades das instituições e da gestão, que repercutem desfavoravelmente na clínica e na saúde do trabalhador. Há que se oferecer um espaço de compartilhar solidário e de potencialização da competência técnica, levando em conta a si mesmo e os outros num espaço transicional. É favorável que a gestão assuma essa função, de democratização, mas também de elucidação das pulsões inconscientes que volta e meia fragilizam as instituições. Quando existir por parte da gestão a preocupação com a demanda dos trabalhadores, com os aspectos subjetivos e idiossincráticos no processo de organização do trabalho, as relações intersubjetivas e diferenças não se constituirão na base de conflitos insuperáveis, mas em relações diferenciadas, transformando-se em questões epistemológicas transitivas e não pessoais. BIBLIOGRAFIA BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Departamento de Atenção Básica. Modalidade de contratação de agentes comunitários de saúde: um pacto tripartite. Brasília, 2002. 44p. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Consolidado Histórico de Cobertura da Saúde Família, 2008. Disponível em: ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 328 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) <http://dab.saude.gov.br/abnumeros.php#consolidado> Acessado em: 11 de fevereiro de 2011. BRASIL. Portaria n. 648/GM de 28 de março de 2006. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica para o Programa Saúde da Família (PSF) e o Programa Agentes Comunitários de Saúde (PACS). In: Diário Oficial da União, 2006. Seção 1. Disponível em: http://www.diariooficial.com.br Acesso em: 29 de setembro de 2006. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Departamento de Gestão da Educação na Saúde. Política de educação e desenvolvimento para o SUS: caminhos para a Educação Permanente em Saúde: pólos de educação permanente em saúde. Brasília, 2004. CAMPOS, G. W. S. Reforma da reforma: repensando a saúde. 3. ed. SP: Hucitec. 2006. CAMPOS, G. W. S.; DOMITTI, A. C. Apoio matricial e equipe de referência: uma metodologia para gestão do trabalho interdisciplinar em saúde. Cadernos de Saúde Pública, vol. 23, n. 2. 2007. CODO, W.; SAMPAIO, J.J.C.; HITOMI, A.H. Indivíduo, trabalho e sofrimento: uma abordagem interdisciplinar. Petrópolis, Vozes, 1993. 280p. DEJOURS, C. A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho. São Paulo: Oboré. 1992. DEJOURS, C. Patologia da comunicação: situação de trabalho no espaço público. In: S. LANCMAN & L. SZNELWAR (Orgs.). Christophe Dejours: da psicopatologia à psicodinâmica do trabalho (pp.243-75). RJ: Fiocruz. 2004. DEJOURS, C; BÈGUE, F. Suicídio e trabalho: O que fazer? (F. Soudant, Trad.) Brasília/DF: Paralelo 15. 2010. FOUCAULT, M. 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O agente comunitário de saúde e suas atribuições: os desafios para os processos de formação de recursos humanos em saúde. Interface – Comunic., Saúde, Educ., v.10, p.75-96, 2002. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 330 TRABALHANDO PARA A FORMAÇÃO DO PSICÓLOGO EM POLÍTICAS PÚBLICAS: EXPERIÊNCIAS EM PSICOLOGIA COMUNITÁRIA DO COTIDIANO CEDEÑO, A. A. L.; Departamento de Psicologia Social e Institucional da Universidade Estadual de Londrina (UEL) [email protected] Desde 2008, participo de um processo coletivo de ―tecelagem‖ na Universidade Estadual de Londrina: tecemos experiências de estágio e trabalho profissional em políticas públicas de assistência e saúde mental na cidade de Londrina, no curso de Psicologia e, recentemente, também no Serviço Social. Pretendemos apresentar no mesmo grupo de trabalho estas iniciativas, relativas ao CRAS, à Casa de Passagem, ao Viva Vida, AME, CAPS III e à interface entre comunidade e políticas culturais com o coletivo de cinema Ahoramagica. No meu cotidiano de trabalho, como professora, vejo que a formação universitária em psicologia na UEL privilegia claramente a clínica. Contudo, esta prática no setting tradicional se faz impossível no trabalho com políticas públicas, devido ao enorme contingente de pessoas, por atender à necessidade de empreendermos junto com eles ações coletivas de transformação da própria realidade. Perante tal situação e com um olhar psicossocial, propomos um trabalho de pesquisa e intervenção coletiva no cotidiano, conversando informalmente com ―usuários‖, profissionais e familiares nos mais diversos lugares (moradias, escolas, ruas, padarias, quadras, centros culturais, sedes das políticas públicas etc.). Desta forma, podemos empreender processos de psicologia comunitária à luz de Peter Spink, psicólogo social do trabalho, co-criador do CREPOP e pesquisador no cotidiano. De formas não ortodoxas, estes processos respondem às fases metodológicas da pesquisa-ação participante propostas por Maritza Montero: familiarização, sensibilização, detecção de necessidades, priorização, realizações e devolução sistemática da informação. Trabalhando em políticas públicas, que são recentes e por tanto em constante construção, que REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) muitas vezes são confusas e que contam com um baixíssimo orçamento, o que obriga a trabalhar criativamente com poucos recursos materiais, entendo a necessidade de formarmos os alunos nesta outra ―língua‖ através de estágios e grupos de discussão com profissionais que trabalham na área. As habilidades que considero essenciais para se praticar e atingir são a iniciativa, o trabalho com grupos (ou como diria Peter Spink, com agrupamentos, para não impormos técnicas ao grupo e podermos compreender a imensa diversidade de formas de organização humana), a conversa informal, o planejamento com flexibilidade, a capacidade de agir sem planejamento prévio e se preparando para o inesperado (o que muitas vezes se faz necessário, devido ao caráter emergencial do trabalho). Uma outra habilidade que tem resultado extremamente interessante é a fornecida pelas práticas artísticas no trabalho (ou esportivas em certos casos), devido ao caráter profundamente transformador e potencializador da arte, e da possibilidade de aliá-la à psicologia fazendo leituras da própria vida através do trabalho com o corpo, a atuação, a produção musical ou de artes plásticas. Ao nos transformarmos na arte, fica menos difuso o caminho para nos transformarmos na vida e para irmos mudando, em pequenos ou grandes passos, tudo à nossa volta. BIBLIOGRAFIA MONTERO, M. Teoría y práctica de la psicología comunitaria la tensión entre comunidad y sociedad. Editorial Paidós, Bueno Aires, 2003. SPINK, P. K. O pesquisador conversador no cotidiano. Psicol. Soc., Porto Alegre, v. 20, n. spe, 2008 . Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010271822008000400010&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 14 JULHO 2011. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 332 REINVENTANDO O COTIDIANO: EXPERIÊNCIAS DE TRABALHO EM UM SERVIÇO DE CONVIVÊNCIA E FORTALECIMENTO DE VÍNCULOS MALINOWSKI, M. L.; FUJI, S. K.; Grupo de Estudos de Políticas Públicas do Conselho Regional de Psicologia do Estado do Paraná (CRP-08) [email protected] A política de Assistência Social visa, entre outros trabalhos, a promoção e proteção dos direitos das crianças e dos adolescentes. Entre as medidas e serviços propostos por cada município para se adequar às diretrizes do SUAS (Sistema Único da Assistência Social) em relação à prevenção de situações de risco social, está o serviço de convivência e fortalecimento de vínculos, que é executado por diversos projetos em Londrina, dentre eles o Viva Vida e o CFC (Centro de Formação Cidadã). Estes projetos atendem crianças e adolescentes, de 6 a 17 anos, no contra-turno escolar, cujas famílias estejam regulares no CAD Único (Cadastro Único) dos CRAS (Centro de Referência da Assistência Social). As unidades do projeto Viva Vida/CFC estão alocadas em pontos estratégicos da cidade, nas periferias e regiões carentes e que passam por diversas dificuldades, necessitando de melhor atenção por parte do Estado. O projeto é realizado por meio de atividades promovidas por uma equipe de agentes culturais ligados à educação não-escolar, sob o pano de fundo de linguagens artísticas e esportivas, como capoeira, cidadania, música, esportes, etc., tendo como principal referência teórica a pedagogia de Paulo Freire. Este trabalho tem o objetivo de apresentar algumas considerações acerca da experiência de trabalho de dois psicólogos nestes projetos exercendo as funções de coordenação de unidade e assistente de coordenação, em unidades de regiões distintas de Londrina, com o olhar da psicologia social, mais especificamente, da psicologia social comunitária, nas ações do cotidiano. O trabalho que envolve um serviço de convivência e fortalecimento de vínculos é uma estratégia para REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) prevenção de situações de exclusão social e de risco, em especial a violência doméstica e o trabalho infantil. Tem como objetivos também a criação de oportunidades de acesso a direitos e o favorecimento da participação social, ligadas a garantia de seguranças sociais de acolhida, de desenvolvimento e de convívio familiar e comunitário para crianças e adolescentes. O projeto passa por um processo de construção das formas de se materializar ações para atingir seus objetivos, e sua formalização é relativamente recente, com a criação de um traçado metodológico para orientar as ações. Embora não tenhamos nos inserido neste serviço com a função específica de psicólogos, muitas demandas eram endereçadas a nós a partir desta área de conhecimento, desde a mediação de conflitos envolvendo as crianças e adolescentes; a escuta dos agentes culturais, assistentes sociais, auxiliares de cozinha/limpeza quanto ao cotidiano do trabalho e as dificuldades enfrentadas; e a própria organização do trabalho como um todo. Dado o caráter social-comunitário deste serviço, procuramos nos posicionar a partir da perspectiva que entende o trabalho com centralidade no cotidiano como uma rede de micro-lugares, em que podemos nos colocar como ―psicólogos conversadores‖, que valorizam saberes e fazeres que se constroem no dia a dia, e a partir daí, juntamente com o coletivo, organizam ações voltadas para transformações das necessidades sentidas. A partir dessa experiência, ressaltamos três pontos a serem destacados e discutidos, quais sejam: a gestão do serviço; a criatividade nas ações; o vínculo como objetivo do trabalho. Embora seja um serviço público municipalizado, a contratação dos profissionais é terceirizada. A terceirização se dá por meio de convênio com uma ONG (Organização Não-Governamental), a qual também é responsável pela gestão do serviço - gestão compartilhada com o poder público. Surgem então duas questões concernentes à contratação terceirizada do serviço: a alta rotatividade de profissionais e a gestão dos recursos para o trabalho. Em relação aos profissionais, encontramos alta rotatividade de agentes culturais nos projetos, o que ocasiona dificuldades de vinculação com usuários e comunidades, apontando para certa ineficácia, pois ao considerar a especificidade do próprio serviço, denominado ‗Serviço de convivência e fortalecimento de vínculos‘, nota-se a contradição vivenciada pelos profissionais e pelas crianças e adolescentes. Essa rotatividade tem inúmeras razões, como a dificuldade do ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 334 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) trabalho, remuneração, capacitação, espaço físico para as atividades, e a violência comum (seja pelo tráfico, pela falta de recursos, etc.) nas regiões onde estão alocadas as unidades. Outra dificuldade enfrentada pelo serviço em relação à terceirização, refere-se à gestão dos recursos para o trabalho. Em nossa atuação, nos deparávamos cotidianamente com a insuficiência de recursos (físicos, materiais, humanos, etc.) de um lado, e de outro com a reiterada exigência de um serviço de qualidade por parte da gerência. Na vivência dessa realidade com os demais colegas de trabalho, notava-se claramente o ―sofrimento‖ coletivo instalado por conta da discrepância entre o trabalho prescrito e o trabalho real. Além disso, os processos de trabalho ora privilegiavam e ora desfavoreciam a participação dos profissionais na organização do trabalho - participação que poderia amenizar o ―mal-estar‖ instalado, e que poderia contribuir, de maneira mais legítima, para melhoria do serviço. Uma exigência comum nesse serviço era a criatividade por parte dos profissionais, seja para a realização das atividades junto às crianças e adolescentes, seja para driblar os problemas da falta de recursos nas atividades propostas, como a demora para conseguir os materiais, demora no conserto das ferramentas necessárias para o trabalho, etc. A criatividade, muito valorizada nos dias de hoje, quando exigida para enriquecer o trabalho e diferenciá-lo de uma atividade comum, é muito importante e rica, atribuída aos bons profissionais. Contudo, neste serviço ela era vivida quase como meio de sobreviver e se manter no trabalho, na tentativa de cumprir os objetivos e responder às exigências de qualidade. Outra questão relevante dentro do serviço é o desenvolvimento e fortalecimento de vínculo para crianças e adolescentes. Muitas das ações desenvolvidas dentro das unidades encontram dificuldades para atingir tal objetivo. Parte dessa dificuldade pode ser respondida pela postura dos profissionais, que acabam reproduzindo ações disciplinares irrefletidas e a base da ―autoridade‖, e outra parte diz respeito aos tipos de atividades oferecidas em cada unidade, que muitas vezes não são atrativas ao público alvo, desmotivando a participação e o envolvimento na unidade. Essas são algumas das questões levantadas na experiência dentro do projeto Viva Vida/CFC, onde o referencial da psicologia social comunitária tem se mostrado de extrema relevância diante da necessidade de reinventar cotidianamente e coletivamente formas de trabalho frente aos ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 335 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) percalços do próprio serviço, como também diante de situações inusitadas decorrentes das vulnerabilidades dos territórios em que trabalhamos. Com isso, podemos perceber a importância das discussões acerca de questões envolvendo o fazer das políticas públicas e a necessidade de despontar um novo posicionamento ético e político diante do cotidiano das políticas públicas e suas inevitáveis surpresas, dificuldades e contradições. São transformações importantes que contribuem potencializando-nos mutuamente para o enfrentamento da vida. BIBLIOGRAFIA DEJOURS, C; ABDOUCHELI, E. (Orgs.). Psicodinâmica do trabalho: contribuições da escola dejouriana à análise da relação prazer, sofrimento e trabalho. São Paulo: Atlas, 1994. SPINK, P. K. O pesquisador conversador no cotidiano. Psicol. Soc., Porto Alegre, v. 20, n. spe, 2008 . Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010271822008000400010&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 15 JULHO 2011. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 336 PSICOLOGIA, TRABALHO E SUBJETIVIDADE NA APAC-SJ: NOVAS SOCIABILIDADES FONSECA, J. C. F.; SILVA, C. R.; PESSANHA, P.; DIAS, J. M.; CAMPOS, G. L.; SENDIN, C. S.; Departamento de Psicologia da Universidade Federal de São João Del Rei (UFSJ) [email protected] INTRODUÇÃO Trata-se, a nosso ver, de um esforço para enfrentar questões socialmente relevantes, que vêm produzindo impactos cada vez mais intensos sobre o modo de vida das sociedades contemporâneas, cujas marcas características parecem ser a efemeridade, a incerteza e a volatilidade. Nomeadas como tardiamente modernas, pós-modernas ou qualquer outra, é nítida a demanda por acessar e controlar processos de subjetivação que mantenham e intensifiquem a fragilização das ordens coletivas e políticas, reduzindo a dimensão crítica aos níveis permitidos pelas redes sociais eletrônicas. A condição humana – resultado da imbricada relação entre o homo consumens, o homo laboris e o homo economicus – parece se constituir sob a égide do deus-consumo, reproduzindo formas de sociabilidade que manifestam-se em todos os campos da atividade humana, inclusive e particularmente no mundo do trabalho, objeto de nossa atenção nesse texto. Precarização dos vínculos contratuais, intensificação do trabalho, estratégias de apropriação das mobilizações subjetivas, são apenas algumas das expressões desse cenário, onde é possível perceber, de um lado, os esforços da gestão para potencializar os resultados REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) do trabalho humano em favor de uma produtividade sempre crescente. De outro lado, as formas de resistência construídas individual e coletivamente pelos trabalhadores, expressando sua natureza dinâmica e mutante, única possibilidade de sobrevivência frente aos imperativos anseios de controle por parte do capital. No meio de ambas as polaridades, a mediação de um Estado cujo alinhamento político e ideológico parece cada vez menos explícito, embora reconhecidamente comprometido com a manutenção do status quo vigente. É nesse cenário que vamos encontrar a reedição cíclica e corrente, de um conjunto de representações sobre o valor do trabalho enquanto forma de socialização, confirmando a manutenção da idéia de centralidade do trabalho como uma construção discursiva ainda prevalente, ao contrário do que afirmavam Gorz e Rifkin. Temos agora – como antes, apenas sob novas configurações – o trabalho visto como a possibilidade de pertencimento e inserção qualificada, pelo menos nas narrativas institucionais. Valoriza-se o mesmo enquanto elemento de promoção de saúde, construção de identidade, desenvolvimento econômico, purificação espiritual e remissão dos erros cometidos, recuperando noções historicamente consolidadas nos mais diferentes discursos religiosos. A apropriação dessas visões de trabalho pelas sociedades modernas torna-se cada vez mais visível, principalmente na criação e consolidação de modelos alternativos destinados à manutenção da ordem social e da própria noção de segurança pública, sendo recuperada nas políticas públicas e projetos destinados a pensar a reinserção dos assim chamados criminosos. Analisando o trabalho na contemporaneidade, faz-se necessário criticar a falta de políticas prisionais mais consistentes e alertar para o fato de que, na ausência das mesmas, as propostas de reabilitação e ressocialização dos detentos tende a simples reprodução dos modelos liberal e neoliberal de controle e exploração da força de trabalho humano. A precariedade do sistema prisional brasileiro é amplamente discutida, sendo perpassada pela elaboração de medidas preventivas da criminalidade, a estruturação da prisão e a reintegração social dos presidiários. Em média, 90% dos presidiários reincide, ainda segundo os últimos dados do Ministério da Justiça (2010) existem 496.251 presos no país e há ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 338 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) somente 298.275 vagas. Estes dados alarmantes nos indicam a pouca efetividade do sistema prisional em que não há espaço para a humanização e recuperação dos sujeitos, e a sua reinserção na sociedade é feita de forma inadequada. Faz-se necessário ressaltar que estes fatores estão no cerne da Lei de Execução Penal Brasileira que propõe a pena privativa de liberdade com intuito de punição e recuperação do indivíduo infrator. Assim, a prisão se fundamenta como instituição com papel de transformar os indivíduos, devendo tomar a seu cargo todos os aspectos: treinamento físico, aptidão para o trabalho, comportamento cotidiano e atitude moral. Nesse sentido, o presídio não cumpre sua função, como indica o alto índice de reincidência e o aumento da criminalidade. Diante deste contexto, a Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (APAC) tem se consolidado como alternativa viável ao sistema prisional. A APAC é uma entidade civil de Direito Privado, com personalidade jurídica própria, dedicada à recuperação e reintegração social dos condenados a penas privativas de liberdade, a partir do método de humanização de presídios. Assim, o Projeto Novos Rumos na Execução Penal, criado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) em 2007, utiliza-se deste método para propor intervenções sociais que proporcionem reinserção social para os presidiários, fazendo com que a pena seja cumprida de forma digna, porém sem perder de vista a finalidade punitiva desta. Seu propósito é evitar a reincidência no crime e oferecer alternativas para o condenado se recuperar, assim, para a APAC todo sujeito é recuperável desde que o tratamento a ele aplicado seja adequado. Existem no país em torno de 94 APACs espalhadas pelos estados brasileiros. O método é composto por doze elementos fundamentais, sendo estes: participação da comunidade, integração família - recuperando, trabalho voluntariado, ajuda mútua entre os recuperandos, trabalho dentro e fora da instituição, conquistas de benefícios por mérito, centro de reintegração social (CRS), jornada de libertação em Cristo, apoio e busca religiosa, assistência jurídica, valorização humana e assistência à saúde. Além disso, para conseguir ingressar na APAC, o preso deve ter cumprido 1/6 de sua pena em sistema prisional comum e deve residir ou ter cometido o crime na comarca em que a APAC se encontra. O condenado também passa por uma avaliação interdisciplinar que deve ser ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 339 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) aprovada pelo juiz. No primeiro trimestre, o recuperando- como são denominados os condenados na APAC- fica em regime fechado na sede da APAC, em um período de reconhecimento da culpa e conhecendo o método APAC. Após, o recuperando deve procurar por trabalho, podendo este ser dentro ou fora da instituição. Dentro deste contexto, ressalta-se que a função psicológica do trabalho extrapola a sobrevivência, o trabalho é o meio de objetivação do sujeito no mundo. Assim, o trabalho não é só mediador entre natureza e ser social, como também entre subjetividade e objetividade. Neste sentido, o trabalho está no cerne da inclusão e da exclusão do sujeito. O simples fato de se estar trabalhando não garante uma vida cheia de sentido, nem uma identidade profissional digna. Nem toda atividade será útil e nem responsável pela transformação, autoconstrução, realização, sociabilidade e liberdade. Só o trabalho, tal como o definimos na Psicologia do Trabalho, como transformador do indivíduo ao mesmo tempo em que este transforma o mundo, é que pode trazer às pessoas status de cidadania e de participação efetiva na vida social. Ainda neste sentido, o trabalho é um dos aspectos dos quais a prisão, tendo como base sua formulação, deve atentar-se ao transformar o indivíduo, desta maneira, a estrutura prisional por si só já deve atentar-se para este aspecto. METODOLOGIA O presente trabalho relata a experiência de dois grupos de estágio do Curso de Psicologia da Universidade Federal de São João Del Rei (UFSJ), durante o ano de 2010. Nesse período, cinco alunos e um professor do Curso visitaram regularmente a APAC-SJ, atuando basicamente em torno de dois eixos centrais, ambos vinculados à dimensão do trabalho: a) o primeiro, com um grupo de doze internos da APAC-SJ, buscando compreender os sentidos e significados do trabalho para eles e sua articulação com a proposta institucional de reintegração através de diferentes tipos de trabalho; e b) o segundo, formado pelos sujeitos ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 340 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) que integram a força de trabalho da própria instituição (APAC-SJ), grupo esse constituído por quatro funcionários contratados e dois dirigentes, os quais exercem sua atividade de forma voluntária (sem remuneração). O primeiro grupo realizou sete encontros, no formato de oficinas psicossociais com a participação de doze recuperandos indicadas pela Direção da APAC. As oficinas ocorreram no espaço interno da própria instituição, em que os sujeitos eram estimulados à discussão e reflexão sobre suas histórias de vida e trabalho, resgatando traços identitários importantes para potencializar seus processos de inserção social. As oficinas foram pensadas em uma dinâmica para que fosse discutido o currículo labore, com intuito de explorar a história de vida e trabalho dos recuperandos. Também foram realizadas discussões sobre conhecimentos, habilidades e atitudes individuais, para que assim se refletisse sobre a dimensão do trabalho. Ainda foi feita a análise da atividade desenvolvida, como propõe Clot (2006) e, por fim, foi realizada uma discussão de encerramento em que os recuperandos refletiram sobre prisão, trabalho e propuseram alternativas para o atual modelo de reinserção social. O segundo grupo teve suas atividades desenvolvidas por duas estagiárias, que recorreram a dois instrumentos em sua proposta de intervenção: entrevistas semiestruturadas e o método de instrução ao sósia. A entrevista foi pensada a partir de três pontos centrais: a história de vida e trabalho do entrevistado, a sua vinculação com a APAC-SJ e o trabalho ali executado. Já o método de instrução ao sósia, originalmente empregado por Oddone na década de 1970, utiliza-se da seguinte instrução: ―Suponha que eu seja seu sósia e que, amanhã, eu esteja substituindo-o em seu trabalho. Gostaria de saber como devo agir, para que as pessoas não percebam que eu não sou você. Eu preciso de instruções detalhadas‖. Através da entrevista e da instrução ao sósia, pôde-se melhor compreender como os funcionários e voluntários da APAC compreendem sua atividade e os efeitos dessa mesma atividade sobre os próprios trabalhadores. Nesse subgrupo foram realizadas seis entrevistas, sendo quatro com os funcionários e duas com os dirigentes. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 341 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) RESULTADOS Como resultados da experiência na APAC-SJ, no que se refere aos trabalhadores da instituição, pode-se perceber a demanda por um serviço de atendimento que se preocupe com a saúde do trabalhador e que lhe ofereça uma escuta e possibilidade de expressão de seus sentimentos. Percebeu-se a dificuldade de descrever a atividade, já que o trabalho prescrito difere-se, em muito, do trabalho real. Outra questão diz respeito as peculiaridades do trabalho em ONG's, em que o trabalho não é pautado em prescrições rígidas e a divisão de tarefas é realizada de maneira interativa, assim, as atividades são desenvolvidas com a participação de todos os trabalhadores. Também notou-se a grande dedicação de toda a equipe de funcionários para fazer com que a APAC funcione como um lugar mais humanitário, se estabelecendo como alternativa ao modelo tradicional de prisão. Durante as oficinas com os recuperandos da APAC, pode-se perceber que a representação da prisão é de um lugar de deformação dos sujeitos, e não de punição e recuperação como se propõe. Relataram sobre a distância de se pensar o trabalho, já que estavam no crime e depois na prisão, não considerando o trabalho como possibilidade. Esta questão está em consonância com a bibliografia no que diz respeito ao processo de radical separação entre ―trabalhadores‖ e ―bandidos‖, assim, ser ―bandido‖ exclui ser ―trabalhador‖, sendo este aspecto da vida negado por estes sujeitos. Pontuaram a respeito da dificuldade de encontrar emprego e do preconceito existente com presidiários, propuseram que haja incentivo fiscal para que as empresas sejam estimuladas a oferecer oportunidades de trabalho. Expuseram ainda que os indivíduos que estão cumprindo pena não podem concorrer a concursos públicos, apontando assim para uma contradição do Estado que deveria se voltar para a reinserção desses sujeitos no mundo do trabalho, e não fechar suas próprias possibilidades de trabalho para esse grupo. Outra questão apontada diz respeito à necessidade de parcerias para qualificação profissional, como cursos profissionalizantes, superiores. Por ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 342 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) fim, apontaram como maior desafio resistir ao crime como alternativa para a dificuldade que encontram em conseguir um trabalho lícito e garantir, assim, a subsistência. Faz-se necessário pontuar a capacidade dos recuperandos em sustentar uma visão crítica sobre os modos de subjetivação por eles experimentados, ao mesmo tempo em que foram chamados a repensar sua relação com a instituição e com a própria sociedade, a fim de assumir uma condição de maior protagonismo em suas vidas. Além disso, foi desmitificada a dicotomia ―bandido e trabalhador‖, sendo esclarecida através da história de vida e trabalho os conhecimentos, habilidades e atitudes dos recuperandos enquanto sujeitos e não como criminosos. BIBLIOGRAFIA AFONSO, M. L. M. (2000) Oficinas em dinâmica de grupo: um método de intervenção psicossocial. Belo Horizonte: Edições do Campo Social. ASSIS, R. D. (2007) A realidade atual do sistema penitenciário brasileiro. Revista CEJ: Brasília, Ano XI, n. 39, p. 74-78, out./dez. BARBALHO, L. A. & BARROS, V. (2008) Trabalho na vida do egresso do sistema prisional e os impasses em sua identidade profissional. Belo Horizonte. UFMG BARROS, V. (2009) O trabalho na contemporaneidade: delimitações em um mundo de exclusão. In: KYRILLOS NETO, Fuad et al.(org.). Subjetividade(s) e sociedade: contribuições da Psicologia. Belo Horizonte: CRP-MG, p. 143-160. BARUS-MICHEL, J. (2004). O sujeito social. Belo Horizonte: Editora PUC-Minas. BAUMAN, Z. (2007), Vida líquida. Rio de Janeiro, Jorge Zahar. BAUMAN, Z. (2008), Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadoria, Rio de Janeiro, Jorge Zahar CLOT, Y. (2006) A função psicológica do trabalho. Editora Vozes. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 343 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) JOSSO, M.C. (1999). História de vida e projeto: a história de vida como projeto e as ―histórias de vida‖ a serviço de projetos. In: Educação e Pesquisa. São Paulo, v. 25, n.2, jul./dez. p. 11-23. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2010: Disponível em: www.portalmj.gov.br <Acessado em 14/06/11>. VASCONCELOS, R. e LACOMBLEZ, M. (2005). Redescubramo-nos na sua experiência: O desafio que nos lança. Ivar Oddone. Laboreal, 1, (1), 38-51. Disponível em http://laboreal.up.pt/revista/artigo.php? id=37t45nSU547112358941523351 <Acessado em 13/07/2011>. ZALUAR, A. (1996) Da Revolta ao Crime. Editora Moderna: São Paulo. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 344 SESSÃO 05 Trabalho, Saúde e Gestão DO TRABALHO TERAPÊUTICO AO DIREITO AO TRABALHO – UMA REFLEXÃO NO CONTEXTO DA ARTICULAÇÃO SAÚDE MENTAL E ECONOMIA SOLIDÁRIA. ANDRADE, M. C.; Departamento de Psicologia da Universidade Estadual de Maringá (UEM) [email protected] INTRODUÇÃO Nesse ensaio, que tem como indicativo o tema ―Trabalho e Direito do Trabalhador‖, a proposta é provocar uma reflexão sobre o direito do trabalhador de trabalhar e produzir de maneira coletiva e autogestionária no contexto da Economia Solidária – uma outra economia produzida nas brechas do capitalismo como um mosaico de experiências de trabalho coletivo, associativo e cooperativo que tem como princípios a autogestão e a solidariedade no trabalho em sua concepção, organização, execução e em sua relação com o mercado enquanto espaço de consumo e comercialização que produz trocas simbólicas e materiais. Portanto, nosso interesse é no trabalho em sua diferenciação epistemológica em relação ao emprego, este sendo uma das formas de se trabalhar onde se recebe um salário na relação patrão-empregado. A produção acadêmica de conhecimento sobre outras formas de trabalho para além do emprego ainda é muito escassa. A invisibilidade desses processos contribui para se manter a perspectiva em voga de que trabalhar é ter emprego e carteira assinada. Sabemos que questões relacionadas à saúde e à precarização do trabalho também estão presentes nestas outras formas, inclusive nos empreendimentos econômicos solidários. Entretanto, mesmo discutindo os impactos do trabalho na vida do trabalhador da economia solidária, pretendemos avançar para além das relações de trabalho no contexto do emprego, marcada pela heteronomia fundada na hierarquia e na divisão social do trabalho, e caminhar REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) no sentido da luta política pelo direito do trabalhador de trabalhar de outra forma no contexto da economia solidária. Para isso, é preciso que os empreendimentos econômicos solidários recebam o mesmo apoio e incentivo que o Estado destina às grandes coorporações que negociam os investimentos tendo como moeda de troca a oferta de novas vagas de emprego e a não demissão de trabalhadores por um determinado período. Indo mais além, o que nos interessa é provocar a reflexão no âmbito da economia solidária sobre a possibilidade concreta de trabalhadores, que lidam com a experiência da loucura e possuem uma história marcada por internações em hospitais psiquiátricos, terem o direito de trabalhar, assumindo sua condição de cidadãos nas relações de produção e de reprodução da vida pela via da convivência social e do trabalho como atividade no mundo das trocas simbólicas e materiais e não somente para o cuidado de si mesmo, como um recurso terapêutico. Nesse contexto, é preciso contemporizar a precariedade existente no campo das políticas públicas de saúde mental e de trabalho relacionadas à economia solidária, e em especial ao direito do usuáriotrabalhador de trabalhar de maneira coletiva e autogestionária. Atualmente, sua condição de reinserção social pelo trabalho é regida pela Lei 9.867, de 10 de novembro de 1999, que regulamenta o funcionamento das cooperativas sociais como modalidade de trabalho dos que estão em situação de desvantagem social, caracterizando-o como um trabalho assistido onde a autonomia do trabalhador é mediada pela assistência a ele oferecida pelo Estado. Para tratar sobre tema parto da experiência profissional que produzi através da bricolagem entre vários percursos de vida começando pela formação acadêmica e do que chamo de parto institucional de saída do curso de graduação seguido pela atuação profissional a partir de múltiplas perspectivas, campos e lugares, caminhos, dentre estes, a Saúde Mental e a economia solidária. Essa trajetória me tem provocado a produção de uma elaboração teórica, metodológica e prática como contribuição para a produção do conhecimento em Psicologia. Atuei profissionalmente, de 1990 a 1992, na política pública da saúde mental em uma Unidade Básica de Saúde e em um Ambulatório Especializado em Saúde Mental em uma cidade no interior de Minas Gerais, isso antes da Reforma Psiquiátrica. Adotei o referencial coletivo da equipe que era a psicanálise freudiana, mas também tentei me pautar na ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 347 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) perspectiva teórico-prática das experiências em curso em outros serviços no Brasil que tinham como referencial a Psiquiatria Democrática Italiana, a Análise Institucional e a Esquizoanálise. Como não existiam leitos para usuários dos serviços de saúde mental na cidade, a internação destes era feita em um hospital de uma cidade do interior de São Paulo, que foi posteriormente interditado pelo Ministério da Saúde. O transporte era feito em uma Kombi da prefeitura, que somente levava os usuários quando o veículo estava com todos os lugares preenchidos. Então, alguns esperavam em casa mais que outros até receberem o atendimento que lhes era destinado. Situação que indignava a todos da equipe, o que nos fazia questionar a pertinência da internação da maneira como acontecia e a ausência de leitos psiquiátricos no hospital público da região. A mim esse protocolo incomodava bastante porque o atendimento era para dentro do serviço com foco no indivíduo com uma perspectiva clínica sem intervenção junto à comunidade e também não havia outros recursos terapêuticos como oficinas, acompanhamento às famílias e suporte para se lidar com o usuário em crise, que muitas vezes era atendido apenas com a medicação e posterior internação. Esse incômodo pessoal, que impactou sobre a minha própria saúde mental, me fez procurar outros espaços de trabalho por conta da dificuldade em lidar com a prática de atendimento nesse contexto que não era coerente com o que era preconizado pelo Movimento Nacional da Luta Antimanicomial e consolidado no projeto da Reforma Psiquiátrica brasileira. No início do século XXI, ainda no emaranhado das mudanças estruturais e desestruturantes engendradas pelo processo de globalização econômica, tecnológica e informacional, estando em situação de desemprego, me encontro com a Economia Solidária – um movimento contra-hegemônico no campo socioeconômico com enfoque nas dimensões político-sócio-cultural e ético-estético da economia. O convite para compor a equipe de um projeto de ―Incubadora de Empreendimentos de Economia Popular Solidária‖, voltado para trabalhadores em situação de desemprego ou trabalhando na informalidade que desejassem se organizar coletivamente em torno do trabalho, me colocou diante de uma realidade não muito diferente daquela na qual vivia naquele momento, o que talvez tenha favorecido uma melhor pactuação com os trabalhadores a partir de nossas vivências intersubjetivas pautadas pela solidariedade diante da ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 348 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) vulnerabilidade em relação ao mundo do emprego. Ainda sem saber o que seria uma economia solidária, mas com o acesso ao mundo da rede global de comunicação, me deparei com uma intensidade de informações que somente poderia ter contato através de buscas alternativas por não existirem publicações de fácil acesso sobre o tema. No contato com as pessoas protagonistas dessa outra economia no Brasil e em outros países me dei conta desse movimento instituinte em curso e de sua materialidade através dos relatos de experiências e dos encontros promovidos no contexto da coletividade e da prática da autogestão que culminaram na primeira edição do Fórum Social Mundial em 2001 em Porto Alegre e fazem parte da agenda deste até hoje no eixo ―Economias Soberanas‖. Além disso, a disponibilidade de acesso à informação e às produções publicadas em sites, revistas eletrônicas e o despojamento dos sujeitos dessas experiências em socializar seus conhecimentos e me incluir como participante desse processo me fizeram acreditar que a produção de outro modo de subjetivação estava acontecendo nos interstícios da sociedade individualista, competitiva e descartável preconizada pelo capitalismo financeiro global. Nesse contexto senti um reencantamento pelo mundo ao perceber que não existia uma única via e que alternativas estavam sendo produzidas nas brechas da sociedade capitalista. Entretanto, onde encontrar referencial teórico-metodológico e prático na psicologia para a minha atuação profissional na economia solidária? Compreendi que não encontraria suporte na psicologia organizacional porque todo o referencial desta está contextualizado na sociedade do emprego, não contemplando o campo fugidio e multifacetado do desemprego e da informalidade do trabalho. Além disso, a ressignificação desse saber poderia ser problemática porque a questão seria justamente o contrário – desconstruir o saber hegemônico e produzir um saber contrahegemônico junto com os atores sociais das estratégias de sobrevivência material e subjetiva através do trabalho coletivo e autogestionário. Retomei, então, antigos companheiros de luta desde os tempos de graduação no campo da psicologia social e comunitária em sua perspectiva crítica como Silvia Lane e Bader Sawaia; Pichón-Riviére e seu grupo operativo com foco na tarefa e não no líder; Paulo Freire e sua pedagogia do oprimido; René Lourau e Georges Lapassade e sua análise institucional. Na retomada, o encontro com a ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 349 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) psicossociologia francesa de Eugène Enriquez e André Lévy e a psicodinâmica do trabalho de Christophe Dejours. Em 2005, como professora colaboradora em uma universidade pública estadual, ao aceitar o pedido de uma aluna para supervisioná-la no estágio em um serviço de saúde mental, sugeri que iniciasse sua inserção escutando os usuários para depois conversar com os trabalhadores. Ao escutar suas histórias de vida percebemos a presença constante de relatos da trajetória de trabalho e da interrupção das atividades em função do processo de sofrimento psíquico. Buscando referenciais bibliográficos encontramos a articulação saúde mental e economia solidária que havia sido deflagrada desde o encontro ―Oficina de Experiências de Geração de Renda e Trabalho dos Usuários dos Serviços de Saúde Mental‖, realizada pelos Ministérios da Saúde e do Trabalho e Emprego em 2004. Neste contexto, desenvolveu-se o estágio em Psicologia do Trabalho no campo da Saúde Mental e Economia Solidária. O contato, após dez anos, com um serviço de saúde mental constituído como um dispositivo da reforma psiquiátrica brasileira foi bastante mobilizador por trazer à tona algo aparentemente superado em minha trajetória profissional, mas que continha em seu bojo um reencontro com a dimensão política que moveu meu ingresso no mundo do trabalho. Esse acontecimento sendo provocado pela minha opção de atuar como professora universitária tendo como linha de ação teórico-prática e de pesquisa a economia solidária junto a uma Incubadora Universitária de Empreendimentos Econômicos Solidários. Todo esse percurso culmina na realização do doutorado em Psicologia e Sociedade, ainda em curso, no âmbito da Saúde Mental em Saúde Coletiva em sua articulação com a Economia Solidária. O trabalho de pesquisa junto aos que lidam com a experiência da loucura, que são atendidos em um Centro de Atenção Psicossocial (CAPs 1) em uma cidade de pequeno porte, tem os seguintes objetivos: 1) conhecer as histórias de vida de trabalho dos que se interessam em participar das oficinas de geração de trabalho e renda (que têm uma metodologia diferente das oficinas terapêuticas); 2) refletir criticamente sobre a relação entre eles diante da construção de um projeto coletivo de trabalho e deles, nessa nova condição de trabalhadores, com a equipe de saúde mental, suas famílias, os moradores da cidade e os consumidores em potencial de seus produtos; 3) a partir da intercessão-pesquisa, produzir uma práxis de pré-incubagem de ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 350 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) possíveis projetos de empreendimentos econômicos solidários, a partir do interesse dos participantes, que possa ser uma ferramenta de trabalho para a equipe do CAPs na realização das oficinas de geração de trabalho e renda, que são parte integrante do projeto terapêutico dos que são atendidos na atenção psicossocial. METODOLOGIA A implantação da Reforma Psiquiátrica no Brasil e a implementação dos serviços denominados como de Saúde Mental configuram-se como campos de pesquisa que demandam estratégias de produção do conhecimento que articulem fazeres e saberes hegemônicos e contra-hegemônicos, contraditórios e muitas vezes concorrentes. Pode-se dizer que existe uma luta de contrários, permeada por históricas relações teórico-técnico-políticas que continuam sendo engendradas no contexto da formação acadêmica e seus modelos de atuação profissional, no contexto do Estado e suas políticas públicas e no contexto da práxis cotidiana dos trabalhadores da saúde mental em sua ação↔interlocução com os usuários dos serviços, seus familiares, com o poder público e com a comunidade na qual trabalham. Estes contextos têm como centralidade o ser humano e seus direitos sociais e políticos e apontam para a construção do conhecimento através do paradigma onde se busca conhecer e analisar a realidade a ser pesquisada, sem a intenção de categorizá-la. Requer a utilização e a construção de recursos metodológicos pautados pela dialogia entre sujeitos, por isso lançamos mão da dimensão da complexidade para lidar com as contradições e relações de poder presentes nesse intenso universo psicossocial. Sabemos que as experiências de trabalho coletivo e autogestionário dos que lidam com o sofrimento psíquico intenso são construídas no contexto de uma história de lutas políticas contra a exclusão social no âmbito da sociedade capitalista. Sabemos, também, que o encontro entre a saúde mental e a economia solidária enquanto uma alternativa ao modo de produção capitalista é algo incipiente, desafiador, com referenciais ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 351 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) teórico-metodológicos em construção e acontece em uma sociedade ainda marcada pela lógica manicomial e pelo modo de produção capitalista que estão presentes em todos nós. Sendo assim, é preciso que também provoquemos processos de singularização em nós mesmos na relação com as contradições que vivenciamos no cotidiano do qual participamos. Sendo assim, é imprescindível considerar o significado e impacto do trabalho na vida dos que lidam com a experiência da loucura e como trabalho e loucura estão entrelaçados no decorrer da História, tanto na consolidação do capitalismo como modo de produção e modelo de sociedade, como na relação com o Estado, com a Ciência e com o Direito. Como todos esses elementos atuam determinantemente no campo da materialidade da existência e da produção de subjetividade pelo sujeito da experiência da loucura. Acreditamos que somente nos é possível desencadear outros processos e modos de subjetivação se provocarmos e construirmos outras formas de pensar, agir e existir que suscitem rupturas e outras configurações nesses elementos fundantes da vida de todos nós. As reflexões apresentadas fundamentam a construção do Dispositivo Intercessor como metodologia da intercessãopesquisa no trabalho de campo (as oficinas de geração de trabalho e renda realizadas junto com os que lidam com a experiência da loucura atendidos na atenção psicossocial) e do Modo de Produção do Conhecimento a partir da elaboração do intercessor-pesquisador sobre sua práxis produzida na relação com esse campo de pesquisa. Nessa metodologia, busca-se construir uma dialogia entre as referências epistemológicas, teóricas e metodológicas do Materialismo Histórico, da Psicanálise Lacaniana; da Análise Institucional; e da Esquizoanálise. Como é uma metodologia de pesquisa em construção, talvez se faça necessário um esclarecimento sobre o conceito de intercessor a partir da esquizoanálise em Deleuze (1992) como alguém que é demandado a participar dos processos de reflexão e transformação de um coletivo e produz sua participação neste não como um especialista (consultor, assessor, psicólogo ou mesmo restrito à função de pesquisador), mas como alguém que desliza no movimento desse coletivo sem ser o agente e nem a referência desse movimento, embora possa com sua ação como um de seus integrantes, suscitar a reflexão coletiva que desencadeie o movimento. No campo da intercessão-pesquisa, a demanda social ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 352 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) por um intercessor pelos que lidam com a experiência da loucura e são atendidos no CAPs, bem como a dos próprios trabalhadores que compõe a equipe de atenção psicossocial, aconteceu em função de haver um processo produtivo que desencadeia a possibilidade de comercialização do que é produzido pelo trabalho nas oficinas terapêuticas. A partir disso, os envolvidos no processo têm refletido sobre a possibilidade de ir para além do trabalho como construção de si (terapêutico) e discutem essa possibilidade através da organização coletiva, solidária e autogestionária dessa produção com a intencionalidade de produzir para a comercialização (trabalho para o intercâmbio) e constituir um empreendimento de economia solidária. Vemos, então, que o Dispositivo Intercessor toma a noção de campo como o território da realidade concreta e da intersubjetividade onde se dá a prática social dos sujeitos que compõem esse território que se caracteriza como o campo de intercessão, que vai para além da intervenção porque sua ação não se esgota no próprio campo. É a partir dele que a prática social do intercessor-pesquisador – sua práxis ligada à universidade – é construída, mas a posteriori de sua ação – como um modo de produção do conhecimento. Sendo que esta pode vir a contribuir com a práxis dos que acompanham experiências do encontro entre a loucura e o trabalho na economia solidária, tanto no âmbito da Atenção Psicossocial (intercessor-trabalhador de saúde mental) como no âmbito das incubadoras universitárias e comunitárias que atuam nesse campo (intercessor-incubador). As ferramentas da pesquisaintercessão e do modo de produção do conhecimento a partir da práxis do intercessor, advindas da análise institucional e a esquizoanális, são o diário de campo como um guia para a ação no campo da intercessão e para a elaboração teórica a partir da análise de implicação do intercessor; a análise da implicação a respeito dos lugares que o intercessor ocupa no campo da intercessão e o seu envolvimento pessoal com o mesmo, bem como dos jogos de interesse e de poder presentes nesse campo dos quais o intercessor também participa; e a cartografia dos afetos como uma maneira de entender as estratégias de formação do desejo no campo da intercessão, inventando ações contextualizadas tanto neste como em sua sensibilidade ao se relacionar com os que dele participam. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 353 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) RESULTADOS Nesse momento, é importante considerar que a intercessão-pesquisa ainda está em curso e o processo de elaboração a respeito do campo da intercessão não está consolidado dentro dos limites que nos são possíveis. Entretanto, algumas considerações podem ser feitas sem que se configurem como resultados finais ou conclusões. O acesso à história de vida dos que se interessaram em participar das conversas informais sobre o trabalho e as possibilidades de se trabalhar de uma maneira diferente da condição de usuário nas oficinas terapêuticas e de empregado em alguma empresa aconteceu a partir da criação de um espaço dentro do CAPs identificado como oficinas de geração de trabalho e renda, uma denominação já existente na atenção psicossocial que nomeia a solicitação dos trabalhadores relacionada à organização de uma estratégia de comercialização da produção dos usuários. As histórias contadas na roda de conversa das oficinas, atravessadas por manifestações da alteridade radical, como disse Basaglia, de seus participantes, nos possibilitaram conhecer as experiências de trabalho de alguns e o incômodo da ausência deste na vida de outros; as situações de precarização no trabalho enfrentadas e os impactos destas sobre a saúde mental, muitas vezes sendo o pivô do acesso à aposentadoria por invalidez; e a realidade de quem nunca trabalhou como empregado e, ainda jovem, com expectativas de fazê-lo, considerando o risco de com isso perder o acesso ao benefício de prestação continuada. Estas questões tão atuais e comuns ao ser humano somente aparecem porque esse dispositivo de atenção ao sofrimento psíquico o permite e nos faz pensar a respeito da centralidade do trabalho nas vidas dessas pessoas, homens e mulheres adultos que lidam com a experiência da loucura. Além disso, ao se pensar no acesso ou no retorno a uma atividade de trabalho, a forma de concebê-lo é a do emprego – acordar cedo todo dia, passar o dia trabalhando, chegar em casa cansado, ter um patrão que possa orientar e elogiar, receber o salário no final do mês, mas também ter que se submeter às ordens de quem manda, fazer as atividades sob a pressão do tempo, etc. Nesse primeiro momento, não consideraram outras formas de trabalhar sendo uma ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 354 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) delas a de trabalhar junto, sem patrão, assumindo tanto a produção como o planejamento e a gestão do próprio trabalho e, ao invés de salário, dividir as sobras (termo usado no cooperativismo) depois de pagar todos os custos. Foi preciso redefinir os que se interessavam por essa perspectiva do trabalho coletivo (lembrando que o CAPs pode atender o interesse de inserção pelo emprego, mas a contribuição na intercessão-pesquisa tem como foco a economia solidária). Começou-se pela construção de um possível projeto comum definindo qual seria a atividade produtiva (a partir das idéias de todos os que quiseram continuar) como e onde se daria a produção, quem seriam os fornecedores de matéria-prima e os consumidores dos seus produtos. Estas são estratégias da economia solidária para provocar os participantes do grupo a se organizarem a partir dos seus interesses singulares na tentativa de encontrar um interesse comum e daí, quem sabe, acontecer uma vinculação grupal mediada por uma tarefa coletiva – o trabalho para o intercâmbio. Outra questão interessante é de que ao se identificarem como trabalhadores somente se viam como produtores, sem considerar as outras atividades como suas já querendo delegá-las aos que possuem características de liderança no grupo e maior experiência como trabalhador assalariado. Para lidar com essa questão foi preciso a descentralização da tarefa de se pensar e executar o projeto do empreendimento da figura da intercessora-pesquisadora e do assistente social do CAPs que participa das oficinas desde o seu início. Essa é a estratégia da construção da autogestão pela via da prática cotidiana nas oficinas destituindo-se do lugar do poder da autoridade do especialista deixando-o vago para que possa ser ocupado, refletindo com os participantes sobre a importância de esse poder ser circulante, prevenindo a configuração da figura do chefe do grupo, o que colocaria em risco a autonomia e a participação ativa dos demais integrantes e a cristalização do projeto no formato do emprego. No movimento do grupo é possível cartografar seus afetos e compreender a distribuição do poder e a divisão sexual do trabalho na maneira como eles atribuem as tarefas entre si. Através da problematização desse movimento conseguiram percebê-lo, vamos ver se alguma mudança acontecerá quando do início da produção. Partimos da premissa de que é preciso sonhar, ter idéias para realizar esse sonho e transformá-lo em um projeto a ser testado na realidade. Nessa perspectiva, ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 355 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) construímos uma metodologia onde toda a produção dos participantes em relação à socialização dos sonhos, ao levantamento das idéias, à identificação da matéria-prima e dos equipamentos necessários, quem seriam os possíveis clientes foi registrada e anexada à parede da sala de oficinas do CAPs e compõe hoje um mosaico da produção coletiva deles com a nossa colaboração. Lembrando sempre que em todas as possibilidades de atividade produtiva estavam presentes as tarefas cotidianas de planejamento, produção e gestão coletiva do empreendimento, Depois disso, cada idéia foi discutida com a participação de todos a partir da realidade atual do grupo de concretizá-la e foram criados por eles os critérios de escolha. Desse crivo, como um teste de realidade, ficaram duas idéias como atividades produtivas do grupo, fato que marcou o início de sua existência. A concretude diária dessa produção como um documento da história coletiva tem contribuído para a constituição do grupo e do vínculo entre os seus participantes, assim como nos permite cartografar o seu movimento e o nosso também enquanto intercessores. Algumas questões estão para serem refletidas e colocadas na realidade social. Como se dá a relação desse projeto em curso com o CAPs que o abriga? Com os familiares dos que dele participam? Com a com a cidade onde moram? Com os empreendimentos econômicos solidários da região? Com o poder público local? Com a política estadual e nacional de saúde mental e de economia solidária? Nesse momento, estamos cuidando deste projeto como uma atividade desenvolvida pelo CAPs dentro do projeto terapêutico dos que dele participam, ou seja, não se configura como uma cooperativa social formalizada porque está no âmbito do trabalho assistido pelo poder local no contexto das políticas públicas de saúde mental e de trabalho. Estamos discutindo nas oficinas, tentando construir a autogestão e evitar a serialidade do grupo, qual é o espaço físico do CAPs que abrigará a produção. Além disso, está sendo realizada, pelos próprios participantes, a pesquisa de preço da matéria-prima necessária, a definição de onde será feito o mapeamento de consumo (uma estratégia da economia solidária), o nome e o slogan do projeto que serão os elementos identificadores do trabalho do grupo e o como apresentar esse projeto para os moradores da cidade, para os fornecedores e os possíveis consumidores. O processo de mudança paradigmática e de produção de um modo de subjetivação provocados pelo trabalho ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 356 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) no contexto de uma prática de constituição de um empreendimento econômico solidário pelos que lidam com a experiência da loucura é tarefa instigante e desafiadora, mas que também traz em seu bojo idiossincrasias que podem impactar sobre a saúde e a vida dessas pessoas. Sabemos que as condições de trabalho desse grupo no início de suas atividades não serão as melhore. Mesmo porque nesse momento ainda não é possível contar com o apoio mais efetivo de políticas públicas, sendo preciso contar com os próprios recursos do grupo e de seus familiares, do CAPs no acompanhamento de perto de todo o processo, do poder local e da comunidade para a sua efetivação e manutenção. Entretanto, nos é possível realizar a vigilância em relação aos impactos dessa experiência em seus participantes problematizando com todos, em cada oficina, sobre suas expectativas, preocupações e estratégias de lidar com estas no contexto da realidade de suas condições de existência e do território onde pretendem atuar como trabalhadores. Além disso, nos é possível promover o acesso desse grupo a atividades de formação e de organização das redes sociais da economia solidária na região, com a política pública da assistência social com seus programas de qualificação profissional no âmbito da inclusão produtiva, e com os serviços de saúde pública no contexto dos Núcleos de Atenção à Família. Além disso, existem experiências dessa natureza em outras cidades próximas e uma Rede Nacional de Empreendimentos de Saúde Mental e Economia Solidária constituída pelos empreendimentos mapeados pela Área Técnica de Saúde Mental do Ministério da Saúde através de um cadastro em seu site, sendo possível incluir esse grupo nessa rede. Ainda temos um longo caminho a percorrer no relacionamento com esse grupo em sua trajetória rumo à constituição de um coletivo de trabalho autogestionário, mas o mais importante nisso é experimentar o encontro com outros que podem vir a ser sujeitos do seu próprio existir, de seu saber e de seu fazer, que se abrem para o risco de estar junto com alguém que lhes propõe uma situação inédita onde se é possível aos envolvidos, mas não garantido, construir outros saberes e fazeres a respeito de si mesmos e sobre alguma questão que lhes seja pertinente e que provoque em ambos a busca por algo que talvez nem seja conhecido, nem seja alcançado, mas que possa ser vivido, compartilhado, refletido e nomeado. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 357 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) BIBLIOGRAFIA ANDRADE, M. C. Psicologia Social e Economia Solidária: uma análise psicossocial do trabalho associativo e cooperativo na perspectiva da Economia Solidária. 2004. Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2004. COSTA-ROSA, A. Intercessões e análises sobre o processo de produção saúdeadoecimento atenção no campo psíquico, num território municipal. Produção de novas tecnologias para o implemento da Atenção Psicossocial no Sistema Único de Saúde. UNESP/Assis. Mimeo, 2008. DELEUZE, G. (1972-1992) Conversações. Tradução de Peter Pál Pelbart. Rio de Janeiro: Ed.34, 1992. p. 151-168. LOURAU, R. A análise institucional. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995. LOURAU, R. Uma técnica de análise de implicações: B. Malinowvski, Diário de etnógrafo (1914-1918). In: ALTOÉ, Sônia (Org.) René Lourau: Analista Institucional em Tempo Integral. São Paulo: HUCITEC, 2004. p. 212-223. MARX, K. Manuscritos econômicos filosóficos e outros textos escolhidos. Lisboa: Edições 70, 1989. PAULON, S. M. A Análise de Implicação como Ferramenta na Pesquisa-intervenção. Psicologia & Sociedade, 17 (3), 18-25, set-dez: 2005. ROLNIK, S. Cartografia Sentimental: transformações contemporâneas do desejo. Porto Alegre: Sulina; Editora da UFRGS, 2007. p. 65-72. SINGER, P. Economia Solidária. In: CATTANI, A. D. (Org.) A Outra Economia. Porto Alegre: Veraz Editores, 2003. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 358 TRABALHO E COOPERATIVISMO: ESTUDO DA ORGANIZAÇÃO DOS TRABALHADORES DA COLETA SELETIVA E RECICLAGEM EM LONDRINA PR (2009-2010) LANZA, F.; Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina (UEL) BETTIOL, L.; Departamento de Serviço Social da Universidade Estadual de Londrina (UEL) SANTOS, L. M. L; Departamento de Administração da Universidade Estadual de Londrina (UEL) MORAES, E. E.; Curso de Graduação em Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina (UEL) Agência Financiadora: PIBIC-UEL PELANDA, S. S.; Curso de Graduação em Ciências Contábeis da Universidade Estadual de Londrina (UEL) Agência Financiadora: FUNDAÇÃO ARAUCÁRIA [email protected] INTRODUÇÃO No século XIX em pleno desenvolvimento da segunda Revolução Industrial na Europa Ocidental a mobilização dos trabalhadores apresentava-se como a maior contradição frente à indústria capitalista e seus proprietários, nesse processo uma parte do movimento socialista, procurou desenvolver estratégias que subvertesse o sistema capitalista, e propôs um modelo de produção em que as sobras, e não salários, fossem partilhadas pelo grupo, ou cooperados, não havendo assim expropriação da mais-valia por parte do empresário capitalista. Nessa perspectiva Socialista Utópica, é possível uma forma de organização de trabalho não-capitalista, utilizando do modelo de produção industrial e economia de mercado. As discussões contemporâneas sobre a relação desses processos da classe trabalhadora têm permitido a visualização de duas estratégias distintas, uma é de organizar REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) politicamente trabalhadores empregados, outro é de proporcionar uma forma de trabalho nãocapitalista dentro do sistema capitalista para aqueles que estão desempregados, ou à margem do sistema social e produtivo. Ou seja, responder às necessidades imediatas com vista a projeções futuras. Uma das questões posta pelos sujeitos vinculados a perspectiva do Socialismo Utópico é criar mecanismos para que o trabalhador seja proprietário dos meios de produção e dos resultados obtidos do processo produtivo. Mais recentemente, no último quarto do século XX, houve um revigoramento destes ideais que resultaram em múltiplas alternativas que se encontram na busca por soluções contra a miséria, a exclusão, o desemprego e a cultura individualista dominante, ao que respondem com iniciativas balizadas em ideais de igualdade, cooperação e solidariedade, movimento que se tornou genericamente conhecido por Economia Solidária. É verdade que cada período econômico da história humana apresentou seus obstáculos na distribuição das riquezas. Mas o capitalismo recente apresenta discrepâncias sociais abissais e em processo ascendente em todo o mundo, o que leva a conseqüências desastrosas para toda a humanidade. O conceito de Economia Solidária não é, todavia, tão claramente delineado e possui diferentes perspectivas para o trato teórico na atualidade. No caso colocado por esse trabalho a perspectiva teórica sobre a Economia Solidária indica que os experimentos e organizações cooperativistas, vinculados a ela, possuem uma função maior do que apenas uma resposta econômica à incapacidade do capitalismo de integrar todos seus membros ao mercado de consumo, mas pode ser uma alternativa com maior qualidade e superior ao capitalismo, tendo em vista que não estão restritos à produção econômica, mas promovem uma maior qualidade de vida e uma nova sociabilidade entre os membros. No sentido de aprofundar essas análises sobre trabalho e cooperativismo (Economia Solidária) o recorte investigativo privilegiou o segmento de trabalhadores da coleta seletiva de Londrina PR. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 360 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) METODOLOGIA E DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA A pesquisa partiu dos estudos e da pesquisa sobre as propostas atuais de Economia Solidária com o viés de Políticas Públicas para o segmento de trabalhadores da coleta seletiva de Londrina PR. A investigação ocorreu, em 2009 e 2010, por meio de pesquisa bibliográfica, documental (dados oficiais a partir da CMTU - Companhia Municipal de Transito e Urbanização e da Secretaria Municipal de Assistência Social) e de campo com observação e entrevistas com sujeitos envolvidos: representantes das políticas públicas do município, trabalhadores da reciclagem e membros do experimento de economia solidária Coopersil. Na cidade de Londrina, a Companhia Municipal de Transito e Urbanização (CMTU) teve papel ativo no desenvolvimento inicialmente de associações (ONGs – Organizações não Governamentais) de trabalhadores na área na última década. Na atual gestão da administração municipal (2009-2010) a estratégia da política pública foi alterada e o foco passou de atuação passou a incentivar a forma de organização dos trabalhadores em cooperativas. Nesse caso, as cooperativas de reciclagem que apenas recentemente avançaram suas negociações de prestação de serviço para a Prefeitura de Londrina. A coleta seletiva em Londrina é regulada pela CMTU. Como nos contou em entrevista a Assistente social e gestora executiva da coleta seletiva de Londrina Marilys Garani, há uma divisão das regiões da cidade para a coleta, desta forma além de melhor organizado, há uma divisão mais justa entre os catadores, lembrando que entre os catadores não cadastrados pela CMTU, e até mesmo antes desse projeto, todos coletavam de forma irregular, sem uma área determinada, o que gera uma série de conflitos entre catadores e ―atravessadores‖, além de fazer com que eles se desloquem para regiões longínquas de sua residência. Sendo essa, ainda, uma realidade para muitos catadores que não aceitaram se cadastrar e se vincular a essa nova forma de organização, a Coopersil. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 361 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) A assistente social esclareceu ainda que o processo de criação e organização dos catadores em cooperativa foi precedido de diversas dificuldades, como o fato destes trabalhadores estarem estabelecidos em ONGs. Mas em detrimento da Lei Federal 8666/93 (Lei de Licitações) que dispensa a necessidade de licitação para cooperativas que são formadas exclusivamente por catadores de materiais recicláveis (Ver artigo 24, inciso XXVII, da Lei 8666/93), por isso tiveram que modificar sua forma de organização e próprio enfoque da política pública municipal. A Coopersil foi constituída por trabalhadores que integravam anteriormente 17 ONGs de reciclagem de um total de 30 dentro do mesmo escopo de atuação. A Coopersil possui contrato com a prefeitura para fazer a coleta seletiva na cidade, a partir de 01 de março de 2010. Este contrato foi finalizado após uma série de negociações entre a Prefeitura e os catadores, processo acompanhado, assessorado e conduzido pelo corpo técnico da CMTU. A Cooperativa recebe subsídio da prefeitura para a coleta seletiva na cidade, em contrapartida deve prestar contas à Prefeitura, tal como o pagamento dos encargos previdenciários, além de obrigações gerais como qualquer empresa prestadora de serviços ao município. No que tange as parcerias da Coopersil com empresas privadas e seus projetos de responsabilidade sócio-ambiental, conta com o apoio de apenas duas organizações empresarias do setor: a Sonoco e a Tetra Pak que em parceria com a Secretaria Estadual de Meio Ambiente (SEMA), fizeram a doação de duas prensas que facilitam o trabalho dos catadores e agregam valor ao material. A Coopersil recebeu ainda 500 telhas feitas a partir do aproveitamento de plástico e alumínio das embalagens da empresa Tetra Pak que serão utilizadas na expansão das instalações da cooperativa. Em abril de 2010 a Coopersil recebeu o primeiro pagamento da prefeitura de Londrina pelo serviço prestado no valor de R$ 62 mil reais. Além do valor fixo, também há o repasse de R$ 0,20 por domicilio atendido pelos cooperados. As inovações tecnológicas também estão sendo inseridas na coleta seletiva. Um ótimo exemplo é a utilização de carrinhos elétricos que foram produzidos pela Usina ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 362 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) Itaipu Binacional e repassados para o Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR). Segundo a assistente social Marylis Garani, em Londrina o carrinho elétrico foi testado e aprovado por 80% dos trabalhadores, porque não é necessário o mesmo esforço físico para puxar o carrinho carregado de material coletado, bem como, otimizou o tempo necessário de trabalho e a quantidade de material reciclável arrecadado, o que trouxe uma série de benefícios ao trabalhador da coleta seletiva, tanto de qualidade laboral como de retorno financeiro. O carrinho elétrico é capaz de carregar até 300 kg com uma bateria com duração de 8 horas ou 25 a 30 km, o custa médio de aquisição foi de R$ 6,8 mil. Analisando no que tange a relação de capital trabalho, a forma de organização da Coopersil está vinculada ao modelo de economia solidária, em que não há exploração da mais-valia, mas sim a divisão da sobra a partir do trabalho efetuado dos cooperados, e dessa forma esses indivíduos exercem sua singularidade, autonomia e dignidade. A Central de Pesagem e Venda (Cepeve) é outra organização que faz a coleta de material reciclável em Londrina desde 2002. Para tanto a instituição demanda desde 2009 recursos procedidos da Prefeitura da cidade. A Cepeve, todavia, não aderiu a Coopersil durante o processo de contratação da mesma e, portanto não é beneficiária dos recursos que a Prefeitura repassa aos catadores da Coopersil. Nesse processo de gestão da coleta seletiva em Londrina há contradições e disputas políticas, tanto entre as duas organizações de catadores como na esfera das instituições locais. Nesse sentido, o vereador Marcelo Belinatti solicitou um pedido de informação quanto a este impasse junto a Prefeitura/CMTU e questionou a exclusão da Cepeve da contratação como empresa prestadora de serviço de coleta e reciclagem para a Prefeitura de Londrina. Igualmente argüiu quanto a legitimidade jurídica da contratação e apoio da Coopersil pela Prefeitura. Para maior aprofundamento sobre o perfil dos trabalhadores envolvidos com a coleta seletiva e reciclagem de materiais em Londrina, foi investigado a partir do IRSAS Sistema de Informatização da Rede de Serviços da Assistência Social do município de ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 363 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) Londrina, implementado para facilitar a reunião dos dados da população atendida – o perfil da população que atua no segmento estudado. A responsável técnica pela gestão do sistema e pelas informações colhidas em fevereiro de 2010 foi a Assistente Social Sâmia Mustafá, tendo em vista o recorte investigativo, a partir deste cadastro digital é possível ter uma noção real do perfil dos catadores de materiais recicláveis beneficiários da Secretaria Municipal da Assistência Social e que não necessariamente estão envolvidos com a Coopersil ou Cepeve. Foi possível perceber a partir desses dados pesquisados junto a Secretaria de Assistência Social dos 360 trabalhadores do segmento da reciclagem cadastrados no IRSAS 245 são mulheres enquanto apenas 115 são homens. Percebe-se igualmente que a faixa etária que mais compreende catadores está entre 31 a 50 anos. A escolaridade é um fator importante para compreender a realidade destes trabalhadores. Dos trabalhadores da coleta seletiva cadastrados, nenhum deles possui Ensino Superior, 4 não informaram sua escolaridade, 8 possuem o ensino fundamental completo enquanto apenas 13 deles possuem o ensino médio completo. Existem ainda 26 trabalhadores que iniciaram o ensino médio, mas não o completaram e 33 completaram a 4ª série. O número de analfabetos é de 44. A grande maioria está em dois grupos: 113 não concluíram a 4ª série e 119 estão entre a 5ª e 8ª séries incompletas. RESULTADOS E CONSIDERAÇÕES FINAIS A sociedade capitalista é marcada pelo consumo, em que os produtos tornam-se obsoletos com uma velocidade cada vez maior, seja através da introdução de ―inovações‖, ou por meio de indução publicitária com forte apelo a modismos e produção de necessidades. Portanto há relação ideológica entre produção de novos produtos e conceito de qualidade de vida, felicidade e desejos. Por outro lado esse aumento exagerado de produtos ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 364 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) consumíveis gera uma massa de materiais que são descartáveis, ou seja, lixo (resíduos sólidos urbanos, industriais, hospitalares, entre outros). Tendo em vista as análises sobre o momento atual do desenvolvimento capitalista, bem como a transição da cultura fordista de produção para uma cultura consumista na atualidade, os processos vinculados a difusão da economia consumista estão vinculados ao movimento das mercadorias e a ampliação das relações de compra dos consumidores, o que permite que o dinheiro mude de mãos; sempre que isso acontece, alguns produtos são descartados nos depósito de lixo –mesmo não sendo esgotada sua vida útil, o que tornou a velocidade do uso e do descarte o mecanismo realimentador do sistema, tentando sempre que criar novos desejos aos consumidores em ciclos de vida-utilização dos produtos cada vez mais curtos. Ainda, alguns teóricos sugerem que dessa forma, a sociedade capitalista fundamentada pela sua lógica interna permitiu uma situação paradoxal, em que é necessário consumir desenfreadamente, como estilo de vida na sociedade atual, e ainda, criar formas de gestão dos resíduos sólidos descartados (domésticos ou industriais) de uma maneira que não sejam uma ameaça a todos por meio dos inúmeros problemas socioambientais. Assim, uma sociedade de produção em massa é ao mesmo tempo uma produtora de lixo em massa. Depois da Eco-92 (RJ) e a criação da Carta da Terra foi dado maior ênfase na questão sócioambiental, e novas propostas sobre a reciclagem como alternativa para diminuição de recursos naturais entraram na agenda política. Até esse momento o lixo era destinado aos aterros descontrolados, vulgo lixões. Assim a população excluída do consumo garimpava restos de comida, roupas, sapatos e objetos que pudessem ser úteis para eles, ou até mesmo serem trocados e vendidos, realidade que pode ser observada no documentário Estamira. Essa política de meio ambiente e reciclagem incentivou a reorganização das cadeias produtivas, pois a partir desse momento o que era lixo passa a possuir valor de mercado e mesmo sendo lixo volta a ser mercadoria, ou seja de lixo, material descartado passa a ser novamente matéria prima para novos produtos. E esse processo permanece na lógica ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 365 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) capitalista estimulando não somente a consciência ambiental, mas o acumulo de capital, a partir dos negócios de materiais recicláveis: plástico, papel, papelão, vidro, alumínio e borracha. Portanto é um ramo altamente rentável, mas rentável para a indústria de transformação. Por outro lado essa política de proteção do meio ambiente fornece possibilidade de um novo emprego aos excluídos economicamente das demais cadeias produtivas do sistema capitalista. A partir de então não é necessário mais se deslocar aos aterros descontrolados e se contaminar com toda espécie de bactéria e vírus. Na cidade de Londrina não foi diferente, devido ao alto consumo, produz-se muito material que se não coletado como reciclável é destinado ao aterro diminuindo sua vida útil. Como alternativa de renda muitos moradores de rua e desempregados sem outra possibilidade de emprego se destinaram a fazer à coleta desse material, vendendo aos atravessadores e estes a indústria. Dessa maneira a relação de exploração da mais-valia está inserida no processo da reciclagem, relação que está ocultada mediante o discurso de proteção ao meio ambiente e geração de emprego e renda. A partir da pesquisa documental e de campo foi possível identificar como proposta para superar essa relação de exploração a formação, por incentivo da Prefeitura Municipal de Londrina na década passada, cerca de 30 ONG´s e associações de catadores de material reciclável na cidade, na expectativa de aumento de renda e sem uma relação de patrão e empregado. No entanto, a partir das entrevistas na observação de campo, essa forma de associação na última década não supriu as necessidades desses trabalhadores, uma vez que a demanda da coleta é alta, e não possuíam os devidos equipamentos e formas de gestão e venda dos materiais coletadas, o que fez com que diminuísse o valor do material reciclado, diminuindo também, a renda dos catadores, além de condições de trabalho precárias e receita incapaz de garantir o mínimo de dignidade para estes trabalhadores. A partir dos dados levantados e da pesquisa de campo junto à realidade local há um consenso sobre as dificuldades presentes em várias cooperativas e associações, trata-se ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 366 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) da autogestão. Isso se deve ao fato de que embora o ideário cooperativista seja solidário (da Economia Solidária), tal cooperativa está inserida numa economia de mercado. Ratificando essa análise, em uma atividade de extensão com os membros da Coopersil em conjunto com a equipe de pesquisadores (e autores) quando visitaram outra cooperativa desse segmento no município de Apucarana - COCAP, podemos observar que a lógica de administração das cooperativas, em certa medida, tem de ser pautada pela lógica do mercado, senão todo o trabalho, todo o investimento e luta não tem resolutividade. Outro fator importante a ser analisado é a formação cultural do cooperativismo. Há relatos do presidente da Coopersil de que os cooperados oscilam em dois extremos, ou se acham empresários e não se preocupam em querer trabalhar tanto quanto os outros, ou se sentem como funcionários não querendo assumir as responsabilidades da cooperativa. Isso se deve aos processos ideológicos de mercado e relação de naturalização da exploração do trabalho. Portanto se faz necessário promover um renovo de cultura e contribuir para que esses cooperados assumam sua responsabilidade e direito frente a empresa prestadora de serviços ao município londrinense. Assim, o papel do poder público frente à necessidade desses catadores tem sido efetivo, no entanto não se demonstra uma política de geração de trabalho e renda, mas sim de saneamento e gestão dos resíduos sólidos urbanos (lixo), pois se não fossem esses catadores, os recursos públicos seriam destinados a qualquer outra empresa. Ao longo de 2010 foi possível perceber por meio de outras ações da Prefeitura Municipal que não se trata de uma política de geração de trabalho e renda devido à realidade do restante dos trabalhadores informais na cidade de Londrina, tendo em vista como por exemplo, aqueles vendedores ambulantes que estão sendo destituídos de seu trabalho em nome de ―revitalização‖ de praças, calçadão e terminal urbano, e após esse processo de ―revitalização‖ será aberta nova licitação de alvarás para os respectivos segmentos. No entanto, esses trabalhadores informais (vendedores ambulantes, carrinheiros de lanche, entre outros) provavelmente não conseguirão ganhar os processos de licitação, tendo em vista a concorrência com empresários de alimentação e similares de Londrina. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 367 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) Há que se considerar a oportunidade impar vivenciada pela parceira Coopersil e Poder Público em se viabilizar uma articulação capaz de unir a necessidade de geração de trabalho e renda para grupos historicamente excluídos de todo o tipo de direitos e ao mesmo tempo garantir a execução de atividades essenciais à população e que são de responsabilidade do Estado. Quer-se aqui ressaltar a possibilidade de expansão de um modelo de parceria entre o poder público e iniciativas de economia solidária em que as segundas tenham privilégios na disputa pelo atendimento a demandas públicas. Dessa forma cabe a Coopersil desempenhar seu trabalho da melhor forma possível, se estruturar e organizar, promover a integração de todos os trabalhadores no objetivo da cooperativa autogestionária e, assim, ser competitiva em comparação com outras empresas especializada. Como hipótese, caso a Coopersil não consiga efetivar suas ações e cumprir o contrato de prestação de serviços junto a Prefeitura Municipal, seu contrato será extinto e abrirá caminho para a iniciativa privada atuar nessa área da coleta seletiva e reciclagem. Por último, temos que considerar que a iniciativa privada não possui uma atuação significativa junto ao setor, bem como no estabelecimento de parcerias (exercício da responsabilidade social) com as ONGs de reciclagem ou as Cooperativas (Coopersil ou Cepeve). Se por um lado tem-se certo isolamento, o que de inicio dificulta o desenvolvimento das atividades, considerando-se a escassez e a precariedade de recursos disponibilizados por estas organizações, por outro lado gera-se certa independência na condução dos empreendimentos, o que obstaculiza uma possível cooptação por parte de forças empresariais privadas, além de criar uma autonomia que possibilita patamares mais elevados de emancipação social. Ao identificar vários aspectos que foram destacados ao longo desse estudo, alguns eixos centrais são colocados como desafios na busca dessa forma de organização produtiva autogestionária, democrática e solidária: - o interesse dos sujeitos envolvidos e a clareza do projeto a seguir; a articulação entre a mobilização social desses sujeitos e as políticas públicas, bem como, a importância da assessoria técnica; o papel das universidades ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 368 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) no contexto regional; e a importância da compreensão do valor da propriedade coletiva e a conquista dos benefícios na mesma forma. BIBLIOGRAFIA BAUMAN, Zigmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Rio de janeiro: Zahar, 2008. BARBOSA, Rosangela Nair de Carvalho. A Economia Solidária Como Política Pública: uma tndência de geração de renda e ressignificação do trabalho no Brasil. São Paulo: Cortez, 2007. BARBOSA, Rosangela Nair de Carvalho. Economia Solidária: estratégias de governo no contexto da desregulamentação social do trabalho. In: SILVA, Maria Ozanira da Silva; YASBEK, Maria Carmelita (Orgs). Políticas públicas de trabalho e renda no Brasil contemporâneo. São Paulo: Cortez, 2008, pp.90-129. BOSI. Antônio de Pádua. A Organização Capitalista do Trabalho ―Informal‖: O Caso dos Catadores de Recicláveis. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais – Vol. 23 N°. 67, ANPOCS, São Paulo, 2008, pp. 101-116. BIHR, Alain. Da grande noite à alternativa. São Paulo: Boitempo, 1998. CULTI, Maria Nezilda. Sócios do suor: cooperativas de trabalho. In: PRIORI, Angelo (org). O Mundo do Trabalho e a Política: Ensaios interdisciplinares. Maringá: EDUEM, 2000. pp. 113-137. GONÇALVES, Raquel de Souza. Catadores de materiais recicláveis: trabalhadores fundamentais na cadeia de reciclagem do país. In: Serviço Social & Sociedade – n° 82, Ano XXVI: Cortez, 2005, pp. 86-409. MÉSZÁROS, István. Desemprego e precarização: Um grande desafio para a esquerda. In: ANTUNES, Ricardo (org). Riqueza e miséria do trabalho no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2006, pp. 27-44. MÉSZÁROS, István. A crise estrutural do capital. São Paulo: Boitempo, 2009. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 369 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) RODRIGUES, Marta M. Assumpção. Políticas Públicas. São Paulo: Publifolha, 2010. SINGER, Paul. Introdução à Economia Solidária. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2008. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 370 REDIMENSIONANDO O PROJETO DE SER PROPRIETÁRIOS DE EMPRESA FAMILIAR DAMBRÓS, C. P.; EIDAM, A. B.; MELLO, A. A. M.; SOUZA, R. R. P. D.; FREITAS, S. M. P.; Departamento de Psicologia da Universidade Estadual de Maringá (UEM) [email protected] O presente trabalho refere-se à apresentação de uma parte do estudo realizado em uma empresa familiar de médio porte, na cidade de Maringá/PR, durante o estágio orientado na ênfase Trabalho, no quinto ano do curso de Psicologia da Universidade Estadual de Maringá, Paraná. Este trabalho refere-se ao Diagnóstico Organizacional Interventivo direcionado aos proprietários, sendo analisado à luz do Existencialismo sartreano. De acordo com esta abordagem, o homem é concebido como um ser histórico, dialético e social. Com base na consciência intencional, sendo para Sartre o único meio pelo qual a dialética pode existir, o homem se relaciona com o mundo ao direcionar sua consciência para algo nesse, interiorizando-o e atribuindo a ele um sentido que, por sua vez, fundamentará suas ações. Neste movimento dialético, ocorrem, respectivamente, a objetivação da subjetividade e a subjetivação da objetividade. No entanto, o homem não se relaciona somente com as coisas, mas também com outras consciências ontologicamente livres. Através desta intersubjetividade, o que Sartre também chama de sociabilidade, as sínteses dessas relações humanas são consideradas pelo mesmo autor, como construção social. Sendo verdades construídas por ações humanas, tornam-se histórias a serem transcendidas. E é assim, que a história da humanidade é construída. A cada transcendência transcendida novas histórias são criadas. A partir desta concepção, o homem não pode ser somente entendido como um indivíduo apartado da história e do social. Sua existência é criada tendo como base a REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) relação entre o individual/coletivo, o singular/universal. A temporalidade também é um fator importante a ser considerado na compreensão da existência humana, uma vez que esta não se dá de maneira linear. Passado, presente e futuro assim também existem pela consciência, que é capaz de transcender temporalmente. Destarte, o futuro para o existencialismo é considerado como aquele que define as ações do presente. Pela imaginação, que para Sartre é uma das maneiras de intencionar o mundo, além da percepção, o homem lança-se no vazio do futuro a fim de construir seu Projeto de Ser, contudo, é somente nas ações presentes que o expressa. Seu passado já tornou história, que será perpetuada caso o homem opte por mantê-lo enquanto projeto futuro. Portanto, sempre será uma história a ser transcendida. Neste movimento de lançar-se ao futuro para preencher o vazio da consciência, é que o homem busca fugir de sua condição ontológica de negatividade. A busca pela totalização-em-curso, de maneira dialética, é que permitirá a construção de sua história e da humanidade, já que suas escolhas não findam em-si, uma vez que em seu bojo possui a concepção do homem sobre a humanidade. Melhor explicando: a cada escolha, o homem a faz de acordo com a concepção de humanidade que possui. Suas ações então, serão fundamentadas nas respectivas moral e ética que resguardam a concepção do que é a humanidade para si. Com isso, seu Projeto de Ser e sua sociabilidade estarão assim também fundamentados. Sartre ao considerar a liberdade ontológica, a qual o homem não pode deixar de escolher, também considera que esta é limitada no sentido antropológico, haja vista que no mundo este encontra resistências para a concretização de seu projeto de Ser, inclusive por relacionar-se com outros que possuem a mesma condição livre. E é por existir tais resistências que o homem pode exercer sua liberdade. Este paradoxo dá o sentido dialético do movimento existencial, pois sendo, em princípio, homem e mundo instâncias distintas, estas se interdependem. A fim de driblar as resistências, principalmente as liberdades alheias geradoras de conflitos, Sartre coloca que o homem lança mão de duas condutas de posse: (1) trata o outro como sujeito que o transcende. Ao buscar assimilar a visão que o outro tem de si, age para com o outro tal qual este segundo o percebe. Assim, rouba-lhe a sua consciência e; (2) trata o outro como sujeito que transcende. Neste caso, contra ataca o olhar do outro, reconduzindo-lhe o seu. Neste embate de consciências livres, ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 372 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) constrói-se o cenário das relações humanas: seus conflitos e comunhões. Geralmente os conflitos são gerados quando na reciprocidade não existe o reconhecimento da alteridade, ou seja, há a dificuldade do reconhecimento do Outro como aquele que não sou eu, podendo ocorrer o projeto de usar o outro para que se atinja o fim desejado. Ao lançar mão de uma das duas condutas de posse anteriormente mencionadas, busca-se alienar a consciência alheia. A este movimento, Sartre denomina de reciprocidade negativa. É importante enfatizar que, tal projeto somente terá êxito se o outro também escolher alienar-se. Já, no caso da reciprocidade positiva, há a comunhão de projetos que são comuns a ambos, dessa maneira, unem-se os esforços para que se atinja o mesmo fim em comum. O sistema capitalista, sendo uma verdade social criada pela sociabilidade, requer formas de controle das liberdades para que seu projeto que visa a lucro conjugando a produtividade com o consumo, seja mantido. Diversas são as maneiras de as classes hegemônicas expressarem as condutas de posse, ao ponto de afetarem a saúde do trabalhador, ao buscarem coisificá-los, e assim, desumanizá-los. No entanto, à questão do lucro e do consumo, está associado o poder, e a este, a liberdade. Nas práxis capitalistas, a liberdade de Ser sugere agregar a idéia do poder, ter e fazer. Quanto mais se produz, mais se oportuniza a condição de ter para consumir e quanto mais se tem, considerase, de maneira alienada, que se é livre. Enfim, antropologicamente numa sociedade capitalista, a maneira para transcender as resistências, dá-se através do acúmulo do capital, que por sua vez agrega o poder. A posse da liberdade alheia então, pode ser instituída por formas de gestão, que por sua vez, revelam também o projeto de ser individual e coletivo dos atores envolvidos. Diante à concepção anteriormente exposta, buscaremos analisar compreensivamente, o projeto de ser dos proprietários da referida empresa familiar, que por sua vez, fundamenta o projeto para com a empresa e a maneira de geri-la. Pensando em empresa familiar, sua criação representa a objetivação dos mentores no mundo, através da qual, a subjetividade destes pode perpetuar-se na história, caso outros, por exemplo, os filhos, concordem em dar prosseguimento ao projeto originário. No entanto, nem sempre é assim que a história se processa. Pesquisas apontam que, geralmente, a falência de empresas familiares deve-se mais a conflitos familiares do que a problemas de mercado. Podemos pensar que em ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 373 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) nossa vida, e aqui, dentro do contexto empresarial, a cada transcendência transcendida, uma história do coletivo é construída. A criação dessa empresa encontra-se em sua primeira geração, mas mesmo tendo um dos membros da segunda também trabalhando na mesma, a sua história em específico não agrega o comum que vemos em diversas histórias de empresas familiares, com problemas relacionados à sucessão ou mesmo de conflitos entre os membros da família. De acordo com o diagnóstico interventivo, realizado através de entrevistas com os fundadores da empresa, observamos nos seus relatos, que o projeto que a fundou direcionouse somente aos lucros que, na época, há mais de vinte anos, seus fundadores poderiam obter com a matéria-prima comercializada na mesma. Com o decorrer do tempo, o mercado desaqueceu-se no tocante a essa matéria-prima, surgindo a necessidade de criar novas estratégias para se manter o projeto inicial. Contudo, diante os relatos dos proprietários, da compreensão da história da empresa obtida através dos relatórios anteriores de estágios lá realizados, bem como da percepção das ações cotidianas dos mesmos, pudemos observar nexos entre suas ações que mostram a manutenção e perseguição do projeto inicial de lucro. Sartre coloca que o homem, nas menores de suas ações, mostra-se em sua totalidade, contendo em cada uma delas nexos que denunciam o projeto de ser. No nosso caso, as ações dos proprietários orientam-se pela manutenção do lucro, no entanto, findando neste projeto, a maneira como se sabem sendo proprietários da empresa não abarcam o projeto de engajamento com a empresa de uma maneira global. Tal fenômeno é percebido quando em suas falas e ações, demonstram não saber qual o projeto a longo prazo têm para com a empresa. A ausência de uma consciência futura acarreta uma gestão por crise, tendo cada problema que ser resolvido momentaneamente, sem um planejamento que busque evitar ou transcender tais intercorrências. A gestão de uma empresa, tal qual nossa vida diária, cujas escolhas devem se fundamentar no que projetamos para nós no futuro, não foge a esta máxima: se não sabemos para onde ir, qualquer caminho serve. Sendo o lucro uma consequência de tudo que envolve a dinâmica da empresa, focar somente nele é buscar intencionar o mundo do trabalho de maneira mágica, pela própria emoção, como se o lucro fosse atingido naturalmente, contando somente com a força do trabalho ou mesmo com a boa ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 374 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) vontade de alguém assumir o controle em prol do mesmo. A presença da emoção na empresa é percebida pelo clima organizacional que é permeado pelo mesmo afeto que a família proprietária escolhe para lidar entre si, portanto, paradoxalmente, a cultura da empresa não escapa da ideologia da fidelidade que os membros de uma família devem ter entre si. Assim, através da má-fé, como uma forma de escapar da angústia da responsabilidade pelo empreendimento para com a empresa como um todo, os proprietários não tinham uma consciência reflexiva da maneira como escolhiam colocar seu projeto de lucro em prática. Na maioria das vezes, delegando a responsabilidade da gestão da empresa a outro, para que assim pudessem usufruir somente dos lucros e viver a liberdade ideológica do capitalismo, ou seja, através da reciprocidade negativa, os funcionários deveriam fazer acontecer o projeto do lucro dos proprietários. Embutido neste projeto também encontra-se a crença que fundamenta muitas empresas familiares: a de conceberem os funcionários como membros da família, imaginando que este único sentido dado seria o suficiente para que as ações destes últimos estivessem já comprometidas com o projeto da própria família, assim como muitas famílias acreditam que somente o laço de consaguinidade é o suficiente para que seus membros abracem o mesmo projeto de seus progenitores. Sem o reconhecimento da alteridade, podemos desejar que o outro passe a ser extensão nossa, anulando assim sua liberdade através do controle, mesmo que de maneira afetiva, como percebemos também em várias maneiras de se assediar moralmente. Diante tal realidade empresarial, nenhuma mudança significativa poderia ocorrer sem antes os proprietários terem consciência reflexiva da maneira como colocam em prática seus projetos para com a empresa. Se não concebem reflexivamente sua parcela de responsabilidade na maneira de gerir a empresa, mantém a má-fé ao responsabilizar o outro pelo sucesso ou fracasso de seus próprios projetos. Quaisquer intervenções realizadas com os funcionários dependeriam dialeticamente das ações dos proprietários, pois muitos projetos mesmo que compartilhados, nem sempre são assumidos reflexivamente, ou seja, nem sempre a consciência do sujeito volta a si mesma, preferindo se manter no mundo das coisas sem refletir sobre o pensamento mesmo, fazendo com que o sujeito apreenda-se no auto-engano. Assim, estando com os proprietários o poder para ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 375 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) viabilizar quaisquer mudanças vindas dos funcionários, e, acreditando que suas próprias mudanças afetariam também a vida laboral de seus funcionários, optamos por realizar nossas intervenções primeiramente com os proprietários, através de reuniões semanais, bem como com intervenções pontuais diárias, quando percebidas ações baseadas na má-fé e no controle. Pautamo-nos para tanto no método progressivo-regressivo de Sartre, que é composto por dois momentos: o analítico-regressivo e o progressivo- sintático. O primeiro consiste na regressão que o sujeito deve fazer em sua história para compreender o seu ser-no-mundo. O segundo momento consiste num movimento do passado ao presente, numa tentativa de redescobrir o presente que é elucidado pelo processo fenomenológico. Assim, buscamos ampliar a consciência dos mesmos, a partir da compreensão de como significam suas próprias experiências enquanto família, bem como profissionais da empresa. Utilizando-se também do método comparativo, pudemos mostrar os nexos existentes entre as ações de cada um que visam somente o lucro, ou seja, com o resultado final, e o não engajamento com a dinâmica da empresa, as práxis nela construídas diariamente para que se obtenha este fim. Através deste empreendimento, oportunizamos o revelar do Eu proprietário construído de maneira alienada a um projeto imaginário e, contando com a disponibilidade dos mesmos em se engajarem neste projeto, vimos oportunizando a reflexão crítica que constrói agora, um Eu comprometido com a história da empresa e sua situação atual, não mais, de maneira irreflexiva e no uso da má-fé, atribuindo aos outros a conquista de seus projetos. Temos a oportunidade de presenciar ações mais éticas que respeitam os funcionários como pessoas diferentes, mas que também concebem sua responsabilidade para com a empresa pela opção de ali estarem. Encaminhamos o trabalho para a construção de uma reciprocidade positiva, cujos projetos de ações na empresa partam da construção em conjunto, para que assim, todos possam se reconhecer através das mesmas, dando sentido aos seus trabalhos e vislumbrando uma concepção da empresa construída de maneira dialética, histórica e social. Finalizando, também buscamos mostrar com este trabalho que o existencialismo pode fundamentar ações do psicólogo no contexto do trabalho. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 376 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) BIBLIOGRAFIA FREITAS, S. M. P. O Psicólogo do Trabalho no Mundo das Práxis Capitalista: Reflexões Fenomenológico-Existenciais. In: I Congresso Sul-Brasileiro de Fenomenologia & I Congresso de Estudos Fenomenológicos do Paraná. Universidade Federal do Paraná, Curitiba: 2009. FREITAS, S. M. P. Psicologia no contexto do trabalho: um enfoque fenomenológicoexistencial. In: ANGERAMI-CAMON, V. A. (Org.). As várias faces da psicologia fenomenológico-existencial. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2005. FREITAS, S. M. P. Psicologia no contexto do trabalho: Análise dos saberes e dos fazeres. Porto Alegre, 2002. MAHEIRIE, K.; PRETTO, Z. O movimento progressivo-regressivo na dialética universal e singular. Rev. Dep. Psicol.,UFF, Niterói, v. 19, n. 2, dez. 2007 . PERDIGÃO, P. Existência e Liberdade: uma introdução à filosofia de Sartre. L&PM. Porto Alegre, 1995. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 377 SUBJETIVIDADE E TRABALHO: QUANDO O TRABALHO ADOECE SIMÕES, F. I. W.; Faculdade de Ciências e Letras de Assis da Universidade Estadual Paulista (UNESP) [email protected] INTRODUÇÃO Este trabalho propõe relatar estudos provenientes de uma dissertação de mestrado. O objetivo principal foi compreender a relação existente entre a constituição do mundo psíquico do indivíduo, isto é, a formação da mente humana e a ocorrência de uma doença decorrente de exercício profissional do trabalhador. A psicanálise e a psicossomática psicanalítica constituíram-se como as principais referências teóricas desta dissertação. Para a coleta de dados foi elaborado um roteiro semiestruturado de entrevista. O roteiro constituiu-se da história de vida do indivíduo abrangendo não apenas o momento presente, mas também as várias etapas de sua existência. Tais dados foram relacionados com a vivência profissional. Como resultado deste estudo pôde-se observar que as experiências infantis e as relações que se estabelecem no seio familiar são determinantes para a estruturação do psiquismo humano e interferem na vivência profissional desses trabalhadores. Entretanto fatores relacionados ao trabalho também contribuem decisivamente para o adoecimento do indivíduo no trabalho. O participante do estudo que será relatado a seguir trata-se de uma pessoa com indicação de doenças relacionadas com o trabalho, sendo do gênero masculino, divorciado, 36 anos, residente em uma cidade do interior do estado de São Paulo. Quanto à formação escolar, possui curso técnico de auxiliar de enfermagem e especialização em enfermagem do trabalho. O critério de inclusão do participante foi definido em função de alguns aspectos, a saber: ser portador de alguma doença relacionada ao trabalho; estar em acompanhamento médico e REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) vinculado à Clínica de Medicina do Trabalho, ter sido indicado pelo médico do trabalho para participar da pesquisa; concordar em participar da pesquisa, formalizando sua anuência mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O nome do entrevistado é fictício. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA A vida psíquica começa com uma experiência de fusão absoluta com a mãe. O prolongamento imaginário dessa vivência representa não somente um papel essencial na vida psíquica do recém-nascido, mas também irá reger o seu funcionamento somatopsíquico como demonstra a psicanalista McDougall em seus estudos. Para o bebê, sua mãe e ele constituem uma unidade indissolúvel e qualquer situação que coloque em risco esse laço torna-se angustiante. Ele tenta, de todas as formas, impedir esse rompimento. No momento em que ele chora e a sua cuidadora responde afetivamente, o seu sofrimento é modificado, seu temor é apaziguado e a ilusão de fusão é recriada. Gradativamente, a criança consegue perceber que, ambas, são seres separados, diferentes e que possuem vontades próprias. No momento em que fica só, ou que alguma dificuldade emerge, ela tenta recriar a ilusão da presença materna, apoiando-se nas representações inconscientes de seu psiquismo. Dessa forma, consegue recriar um ambiente acolhedor e afetuoso baseado nas vivências anteriores de ter sido cuidada e atendida por sua mãe. Esta presença materna pode ser substituída por um objeto da realidade externa como um pano, uma pelúcia ou qualquer outro elemento que represente o acolhimento e o aconchego da mãe. O fato dessa representação poder ser evocada é essencial para a estruturação do psiquismo, pois permite à criança assumir por si só, as funções maternas introjetadas, desde que as palavras da mãe sejam capazes de garantir conforto. De acordo com a psicanalista acima referida qualquer fracasso nesse processo irá comprometer a capacidade da criança de integrar e de reconhecer como seus o corpo, o ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 379 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) pensamento e o afeto. Conforme nos mostra Dejours a criança é sensível ao sofrimento psíquico dos seus pais com relação ao desempenho profissional. Dependendo de como os pais vivem e processam essas experiências, a criança pode fundir-se à experiência da percepção dessas vivências de angústia e ansiedade e registrá-la como sua. Um desses registros pode conter a representação de que o trabalho pode ser fonte de ameaça e frustração, podendo ser reeditado num momento em que haja situação de conflito e angústia na esfera profissional. Na opinião de Melanie Klein a instância laborativa também pode ser o local em que as relações primitivas do seio familiar entram em cena e a relação entre as figuras arcaicas reaparecem com freqüência e que problemas não resolvidos na infância são revividos, ainda que de maneira modificada. Assim, por exemplo, a atitude em relação a um subordinado ou a um superior repete até certo ponto a relação com um irmão menor ou com um dos pais quando uma pessoa está totalmente sob o domínio de situações e relações arcaicas, seu julgamento sobre as pessoas e eventos está destinado a ser perturbado. Com base na compreensão da referida autora, é possível atribuir ao trabalho uma nova dimensão: o trabalho representa não apenas a execução de uma função, mas, ao se considerar a dimensão emocional envolvida no desempenho desta atividade, ele passa a ter importância para a vida emocional do indivíduo. Dessa forma, ocupa um espaço de destaque na vida e no psiquismo do trabalhador. Situações da vida pregressa que não puderam ser vividas ou suficientemente elaboradas poderão ser revividas no momento presente, quer seja no plano pessoal e social, quer seja por meio das relações que se estabelecem no ambiente de trabalho. Dentro dessa perspectiva, a organização interfere na saúde mental do indivíduo. Se a atividade profissional ajuda a conferir sentido emocional à vida do ser humano pressupõe-se que haja, então, um envolvimento afetivo inconsciente no desempenho de suas atribuições. Entretanto, há algumas situações em que não é possível externar alguns sentimentos e o aparelho psíquico vê-se impossibilitado de dar vazão pelas vias normais. Restam, então, as manifestações orgânicas como forma de eliminar essa tensão. Nessas situações o indivíduo adoece por não ter conseguido expressar através da linguagem verbal o seu sofrimento psíquico. O exercício profissional, por vezes, pode ocasionar um desgaste à saúde mental e física do trabalhador e, ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 380 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) em alguns casos, pode refletir no adoecimento corpóreo do indivíduo. Desde o nascimento, o aparelho mental teve de desenvolver formas para aliviar a descarga da tensão e obter o equilíbrio pulsional diante das situações de angústia e frustração do cotidiano. O problema é que alguns indivíduos encontram na somatização a forma habitual de reação frente a todo e qualquer evento que envolva um aumento de tensão psíquica. Evidentemente, cada ser humano possui sua maneira de defender-se dos conflitos afetivos bem como tem um limiar para suportar as tensões provenientes do mundo interno ou do externo. Algumas saídas encontradas pelo aparelho psíquico podem ser saídas criativas, apesar do conflito; outras serão soluções por via somática, uma vez que não foi possível elaborar mentalmente a vivência conflitiva. É o sofrimento que não é possível nomear por meio da palavra ou, conforme define McDougall, é o sofrimento sem palavras de forma que a expressão psicossomática do conflito psíquico é o horizonte último desses atos que tomam o lugar do imaginário e da capacidade de sentir; é a regressão mais profunda e primária do ser. O corpo se transforma em um campo de batalha, como se a luta aí travada exigisse esse preço para ser ouvida. O corpo torna-se via de expressão somática no instante em que essas experiências não puderam ser incluídas nas cadeias simbólicas da linguagem. Dessa forma, os conceitos propostos pela autora acima referida contribuem para a compreensão da constituição do psiquismo e do modo pelo qual as pessoas acometidas por enfermidades orgânicas relacionam-se com o mundo externo e o trabalho. Passaremos, então, à apresentação do material clínico. APRESENTAÇÃO DO CASO CLÍNICO IDENTIFICAÇÃO Marcelo, 36 anos, separado, fez curso técnico de enfermagem com especialização em enfermagem do trabalho. Estava havia dez anos na empresa quando foi demitido. Seu trabalho era o de fazer curativos, ministrar medicamentos, aferir pressão arterial ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 381 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) etc. Durante o exercício de sua função, caiu e fraturou a coluna com luxações em várias partes do corpo. Desenvolveu alteração da pele conhecida por psoríase. COMPORTAMENTOS NÃO VERBAIS Marcelo atendeu às ligações da pesquisadora somente após a intervenção do médico, solicitando a sua colaboração. Ele explicou, posteriormente, que o motivo pelo qual não atendia às tentativas de contato era porque imaginou que pudesse ser algum ―espião‖ do trabalho ou do INSS. Esclarecidos os objetivos da pesquisa, foi possível realizar as entrevistas. É fácil notar, pela maneira arcada e lenta com que caminham, os problemas de coluna que Marcelo adquiriu ao longo dos anos: as suas mãos estão sempre hermeticamente fechadas com o objetivo de tentar esconder uma psoríase e evitar a repugnância, o nojo e medo que as pessoas têm de serem contaminadas por ele. Sua fala pausada é acompanhada por um olhar distante do foco; além disso, às vezes é interrompida por longos silêncios, como se estivesse sozinho, refletindo sobre sua vida, submerso em seu próprio mundo. Mas, quando sorri, estampa um largo sorriso que demonstra um bom humor, descontração e alegria de viver incomum entre os demais participantes da pesquisa. Atribui o fato de lidar melhor com a doença após ter passado por processo psicoterapêutico de aproximadamente três anos. Em alguns momentos que falou sobre o relacionamento familiar, mais especificamente sobre sua relação com o pai, emocionou-se bastante. Demonstrou grande alegria quando falou abertamente sobre alguns sonhos que ainda deseja realizar. LEMBRANÇAS DA ÉPOCA DA INFÂNCIA É o primogênito de uma prole de três filhos. Conta que os pais eram proprietários de um sítio, tocavam lavoura de café e ele precisava trabalhar porque tinha duas irmãs de treze anos e era preciso ajudar na manutenção da casa. Marcelo compreende a infância como um período da vida em que a criança deve brincar e divertir-se sem ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 382 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) compromisso com o trabalho remunerado. Mas, para ele, a vida laborativa iniciou-se aos sete anos acompanhando o seu pai na roça.―[...] se eu falar que eu brinquei quando criança é mentira. Eu nunca brinquei. Não tive infância eu não sei o quê é isso.‖Sobre a imagem que tem de seus pais, ele comenta: A minha mãe também não fazia nada, sempre tem aqueles negócios de família, sempre tem aquele que puxa. A mãe puxava o saco da irmã e puxa até hoje. Eu fui o Cristo sempre estive aqui, nunca deixei faltar nada pra eles [...] Meu pai [...] acho que ele não gostava de mim, não sei se gostava. Só sei que não gosta. Hoje eu sei que não gosta. O meu pai é osso duro de roer, mineiro meio ruim, ele fala que é pedra, é pedra e acabou. Relata que começou a trabalhar ―como gente grande mesmo‖ aos sete anos de idade, limpando tronco de café. Como queria estudar, tinha de andar quatro quilômetros para chegar até a escola e, depois, mais quatro pra voltar. Quando cresceu mais um pouco, com onze anos, queria cursar o ginásio. O seu pai foi contrário à idéia; então, ele acordava às quatro horas da manhã, trabalhava o dia todo na roça, abanando café, e quando eram dezesseis horas, interrompia o trabalho, voltava para casa e tinha que escolher entre comer ou tomar banho, porque para fazer as duas coisas não havia tempo. Preferia tomar banho e, em seguida, a perua passava para levar os estudantes até a cidade. Voltava da escola por volta de meia noite e ia dormir sem jantar porque o cansaço era maior do que a fome. Seu pai nunca concordou com o fato dele querer estudar, sempre dizia: ―estudar pra quê? Isso não vale de nada!‖. Quanto ao pai, a imagem que tem dele é a de uma pessoa muito rude, ―o meu pai é osso duro, mineiro, meio ruim, se ele fala que é pedra, é pedra e acabou‖; e, por isso, nunca conseguiu estabelecer um bom relacionamento com ele. Acha que o seu pai nunca gostou dele: ―hoje sei que ele não gosta‖. Marcelo diz que sempre fez de tudo para o pai, mas ele nunca disse ―obrigado‖. Chegou até a dizer ao pai que queria pedir um exame de DNA para confirmar se era mesmo seu filho, pois não conseguia acreditar como um pai poderia ser capaz de tratar um filho com tanto desprezo. O entrevistado conta um episódio que ocorreu quando ele tinha cinco anos: ele foi tentar cortar um pé de mandioca com um facão, errou e cortou a sua mão: [...] abriu a minha mão e daí foram gastos mais ou menos uns quinze alqueires de mandioca para consertar a minha mão. O pai ficou revoltado com os gastos. Os médicos acharam que eu ia ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 383 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) ficar aleijado, mas ficou perfeito! Acho que o pai pegou mais raiva ainda de mim. Acho que ele não gostava de mim. Eu até cheguei a falar isso prá ele, ele falou que era bobagem minha, mas também não desmentiu. CONTATO COM O TRABALHO E REPERCUSSÕES EM SUA VIDA PESSOAL E NO TRABALHO Começou a trabalhar aos cinco anos de idade na lavoura com o pai. Aos dezenove anos mudou-se para a cidade de.... Fez o curso de Auxiliar de Enfermagem, especializou-se em Enfermagem do Trabalho e ingressou na Empresa.... Foi demitido desta empresa mesmo estando afastado para tratamento de saúde. Marcelo relata que sempre foi muito saudável, praticava esportes, nadava com freqüência e aos trinta e cinco anos de idade entrou para a empresa, aonde veio a adoecer. Exercia a função de auxiliar técnico de enfermagem e trabalhava sozinho no laboratório. Neste setor desempenhava funções de auxiliar de enfermagem, que consistiam em atender os acidentes de trabalho e realizar curativos, fornecer e administrar aos funcionários as medicações prescritas pelo médico. Não dava tempo para fazer as refeições e também não tinha ninguém para revezar nos turnos. Abaixo transcrevemos a sua rotina: Eu trabalhava vinte e quatro horas por dia, entrava semana e passava semana e eu tava lá, trabalhando sozinho. Não dava tempo pra comer. Tinha dia que nem almoçava, porque chegava acidente e eu tinha que atender. Era uma média de dez a doze suturas por dia. A empresa não tinha equipamentos adequados, então, o pessoal se machucava muito. O encarregado geral dizia que eu tinha que ficar lá no laboratório porque não tinha mais ninguém prá cuidar do setor. Ele também dizia que não tinha condições para contratar mais funcionários. Então, com isso, eu passei a morar no serviço, né. Dormia encolhido nestas banquetas que tem em consultório médico, de um metro e pouco, porque nem deitar na maca podia. Eu morava na empresa. O pessoal que trazia roupa de casa e levava a suja pra mim. Eu tomava banho sabe onde? Numa pia dessas de lavar feridas e machucados, e eu guardava as minhas roupas em baixo da pia do laboratório porque não tinha lugar. A minha vida foi no ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 384 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) laboratório durante um ano e meio. Depois arrumaram uma pessoa para me ajudar, mas ela precisava sair mais cedo porque estudava. Então, eu ainda tinha que cobrir o horário dela, até às 23 horas. A carga horária era grande, mas ainda era menos. Foi aí que a psoríase estourou. Neste período, eles nunca forneceram luvas de procedimentos para lavar e fazer os curativos. Era muita coisa, mas eu nem imaginava o quê estava por vir, foi onde me arrebentei. Certo dia, passaram cera no piso e ele escorregou, caiu e feriu o ombro; como tinha muito serviço, ―deixou a coisa correr‖. Dois meses depois, caiu novamente e, a partir de então, começou a ficar muito nervoso no trabalho, porque as dores o incomodavam e dificultavam a execução de suas funções. Quando ele pôde ir ao médico e fazer alguns exames para investigar as lesões, foi diagnosticado que havia uma cifose crônica, escoliose, lordose e a perda de cinqüenta por cento do movimento do braço; o ombro direito caiu, o que o impossibilita de mexê-lo; perdeu cinqüenta por cento dos movimentos do pescoço, o que o impede de virar para os lados. Mesmo o ortopedista tendo indicado repouso, uso de aparelho e colete, ele ainda continuou trabalhando durante dois meses, pois era um tipo de gesso que usava no pescoço para imobilizar e manter a sustentação do corpo. Acabou por usar este aparelho no período de setembro de 2000 até o final do ano de 2007. No final do ano de 2000, por não ter mais condições de trabalhar, decidiu tirar licença médica para tratamento de saúde. Além deste problema ortopédico, também adquiriu no trabalho um doença chamada psoríase. Na verdade, Marcelo conta que fez a ocorrência de acidente de trabalho quando caiu e se machucou, mas, a ―empresa‖ rasgou os papéis e não deixou que desse entrada no processo. O médico do trabalho relatou o acontecido e solicitou cama para dormir e contratação de funcionários, mas foi tudo negado pela empresa. Relata que, quando se afastou para tratamento, começou a ter crises nervosas, tomava medicamentos para dormir e não dormia, tinha problemas na coluna, pressão alta, psoríase e, para ajudar, uma depressão. Nesta época, chegou a pesar cinqüenta quilos. Com todos esses problemas físicos e psicológicos teve de ficar imobilizado numa cama e não podia mais morar sozinho, pois dependia totalmente dos cuidados de outras pessoas. Como se isso não bastasse, passava por dificuldades financeiras. Estava sem trabalhar, os tratamentos e os medicamentos eram muito caros; a solução ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 385 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) encontrada foi a de vender a sua casa e voltar a morar com os pais para que tivesse como custear os tratamentos e ter alguém que pudesse cuidar dele. Marcelo diz que a opinião da empresa parece ser muito clara; desde o início, nunca aceitou ajudá-lo ou mesmo concordou com o fato de que poderia haver uma parcela de responsabilidade dela sobre o seu adoecimento. Quando caiu e fez a ocorrência de acidente de trabalho, não aceitaram e rasgaram-na dentro da própria empresa; quando teve a psoríase, que é uma doença contraída durante o exercício profissional, disseram que ele estava mentindo e que aquilo era uma alergia qualquer. A princípio, o seu quadro foi diagnosticado como doença do trabalho e o laudo final apontava para uma invalidez total. Eles demitiram o médico da empresa que assinou o laudo. Contrataram outro médico que, por sua vez, não aceitou o laudo anterior, alegando que o que ele tinha não era nada grave, e assim possibilitou a sua demissão, mesmo estando doente. A empresa resolveu pagar uma perícia e foi confirmado o primeiro laudo de invalidez total. Agora, o caso está na justiça, os advogados tentando provar o óbvio: ―eu tenho três laudos atestando a mesma coisa e, além do mais, querem que a empresa pague uma indenização pelo tempo de serviço que eu ainda teria se não tivesse adoecido‖. A empresa continua alegando que o funcionário está mentindo, mesmo após o INSS ter concedido o afastamento. RELAÇÃO ENTRE A DOENÇA E ASPECTOS EMOCIONAIS Apesar da sobrecarga de trabalho, Marcelo submetia-se ao regime escravocrata ditado pela empresa motivado pela crença de que deveria provar ao seu pai que não era vagabundo e que merecia o seu reconhecimento. Esclarece que a compreensão de sua vida emocional só foi possível após um processo psicoterápico de mais de três anos. Só assim pôde perceber que os seus sintomas e o envolvimento excessivo com o trabalho ocorriam por falta de significação de seus conflitos internos. Dessa forma, o sofrimento patológico no trabalho pode ser transformado em sofrimento criativo. Nesse sentido, foi possível articular a sua história passada e a atual, estabelecer relações simbólicas e dar vazão à curiosidade ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 386 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) infantil, o que é condição essencial para que o ser humano idealize sonhos, realize-os e caminhe em direção a novos projetos de vida. Ao descrever os processos de trabalho na empresa, ele relaciona o seu adoecimento a alguns fatores da empresa como a desvalorização do funcionário e a competitividade entre eles, a sobrecarga de serviço, e também a alguns fatores de sua constituição de personalidade e a sua história de vida, que foram fatores que contribuíram para a falta de iniciativa para reagir à exploração que sofreu no trabalho. Em relação à sobrecarga excessiva a que se submeteu no trabalho, acaba conseguindo no decorrer das entrevistas se lembrar de uma conversa que teve com o seu pai, quando tinha mais ou menos uns quinze anos.Ele diz que o que marcou muito foi o seu pai dizer: ―Você não tem capacidade para nada! E ainda me chamar de vagabundo, sendo que eu trabalhava, estudava e ajudava no sustento de casa, e daí eu pensava: Eu vou provar quem é vagabundo [choro]. Eu acho que eu trabalhava 24 horas que era pra ele me reconhecer, fui tentar mostrar pra ele que eu era trabalhador, mas ele nunca falou nada! No fim, eu só me arrebentei e ele não falava nada que eu era trabalhador [risos]. Era pra ele falar: Você é meu filho e é trabalhador! Como ele nunca se pronunciava eu trabalhava mais e mais até que eu conseguisse arrancar isto dele, mas, eu nunca ouvi nada! Meu Deus! Ah! Sabe o que ele disse? Bem feito pra você! E ainda falou: porque se matou? Pra quê trabalhar tanto? Que burrice, e ainda se machucou, ficou rico? Quer dizer, acho que ele não mandou eu trabalhar tanto assim, senão ele não me diria isso! Puxa, era coisa da minha cabeça! Sabe, a mãe falava: Pare com isso, vai descansar se quiser te mandar embora, que mande, arruma outro serviço! E sabe o que eu respondia? Que nada, vamo trabalhar! Aí, olha no que deu, que burrice! Na minha cabeça tava que eu não era, mas que ele me chamava de vagabundo. Agora, ficou pior, se ele quiser me chamar de vagabundo, pode chamar, que eu sô mesmo, estou sem trabalhar [risos]. E, o meu pai dizia que quem ficava parado era vagabundo e que o trabalho engrandece a pessoa. Eu concordo, mas acho que esse aí me destruiu! Eu tive que estourar para aprender. Hoje, eu digo que aprendi muito nesses seis anos [choro] e não faria nada disso de novo, mas agora tem de agüentar as conseqüências, a minha cabeça melhorou muito, mas, infelizmente, o corpo não acompanha. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 387 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) SÍNTESE INTERPRETATIVA E DISCUSSÃO DE RESULTADOS Marcelo estabelece uma relação entre o seu adoecimento no trabalho com aspectos da constituição de seu psiquismo. Acha que se ―matou de trabalhar‖ para que tivesse o reconhecimento de seu pai, entretanto, no decorrer das entrevistas, lança uma hipótese de que as exigências de seu pai, ou o fato dele pensar que o filho era vagabundo, poderia ser parte de suas fantasias. A obstinação em provar ao seu pai que esses pensamentos não eram verdadeiros, não lhe permitiu sentir o cansaço físico e nem o limite de seu corpo. É como se Marcelo tivesse encontrado no trabalho excessivo uma forma ―adicta‖ de dar vazão ao seu desejo de ser reconhecido por seu pai. McDougall evidencia em seus estudos que pode haver fatores etiológicos que determinam este tipo de comportamento. Em certas famílias, preconiza-se um discurso de um ideal de inafetividade que despreza qualquer tipo de experiência imaginativa. Quando há a ausência de sonhos e de fantasias, a pessoa passa a vivenciar concretamente os seus pensamentos e, então, onde deveriam existir fantasias, há a presença de reações somáticas ou sensações corpóreas, as quais seriam o equivalente do afeto. Essas pessoas, segundo a referida autora, recorrem a mecanismos primitivos de defesa como a clivagem e a identificação projetiva como forma de protegerem-se do sofrimento mental. Dentro dessa perspectiva, o indivíduo, por não conseguir recalcar as representações mentais ligadas a uma idéia ou à sua qualidade emocional, ou representá-la mentalmente, trata de ejetar de sua consciência essa idéia e o afeto que a acompanha, conforme nos mostra Mello Filho, pessoas que têm um mundo interno muito empobrecido, diante de situações de conflito emocional, tendem a realizar grandes investimentos na realidade externa, de forma compensatória, para aplacar a sua ansiedade. A dedicação desmedida a uma atividade laborativa pode ser considerada como uma atividade compensatória, ou seja, estas representações carregadas de afetos, que no momento ocupam o lugar de objeto interno, são afastadas da mente e, como não encontram uma saída psíquica, têm de ser drenadas pela via somática. No caso de Marcelo, prevalece a dissociação entre corpo e mente, entre psíquico e o ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 388 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) somático; o psiquismo permanece desprovido de linguagem verbal. O corpo permanece então como algo pertencente ao mundo externo. Neste caso, a pessoa não reconhece os sentimentos que habitam o corpo por não conseguir unir o corpo e sua representação mental. Para o referido autor, a imagem psicossomática desempenha um papel fundamental na constituição da identidade do ego. A maneira como o ego vive o seu corpo pode fornecer-nos informações importantes a respeito da relação que estabelece com o mundo. Há o risco de não conseguir separar o eu e o outro, interior e exterior. Quando ele não acredita que o corpo lhe pertence e que o habita, as relações que estabelecem com o outro podem ficar confusas e até mesmo terrificantes. Marcelo torna-se insensível para a dor física e psíquica até o ponto de desabar a sua unidade psicossomática e cair doente sem esperanças futuras de recuperação. A psicanalista McDougall demonstra através de sua experiência clínica que essa forma particular de lidar com a sensibilidade corpórea, remonta à época das primeiras relações com a figura materna. Logo ao nascer, a criança não consegue discriminar uma dor física de uma psíquica. O bebê elege a mãe como figura de segurança por meio da maternagem despendida a ele. A mãe pode gradativamente auxiliar a discriminar as sensações e as percepções que no início de sua vida são assimiladas como assustadoras e perseguidoras. Esta figura desempenha um papel decisivo na integração ou não da personalidade da criança. Marcelo mergulha no trabalho como forma de proteger-se do surgimento de angústias primitivas. A falta de vivências infantis, a dúvida quanto ao amor paterno e o desprezo da figura materna levam-no a uma busca incessante por ser amado e reconhecido pelos outros. A identificação com uma mãe frágil não permite que a criança exprima conteúdos muito carregados de afetos. Dessa forma, a descarga destes conteúdos não pode ocorrer pelas vias normais do sonho e do devaneio. Quando falham as funções oníricas, não é possível que a tensão seja eliminada através da satisfação alucinatória. Para proteger o psiquismo da morte, ele evacua as tensões sem palavras, através de sinais em seu corpo. Os dados das entrevistas mostram que ele ainda permanece vinculado aos pais, apesar de ser uma relação repleta de mágoas e ressentimentos, mas que, também, há espaço para a gratidão e o reconhecimento por tê-lo acolhido e cuidado dele até hoje. Os dados provenientes das entrevistas realizadas com os participantes da ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 389 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) pesquisa mostram que, nos casos de adoecimento no trabalho, havia, de forma geral, um componente psíquico que favorecia o desenvolvimento de uma doença relacionada ao trabalho. Entretanto, cabe assinalar que o modo de funcionamento da mente humana, além de ser influenciado por fatores da história pessoal de cada indivíduo, também recebe interferências de fatores ambientais, - especialmente dos aspectos relacionados ao ambiente de trabalho; deixando os trabalhadores mais susceptíveis ao adoecimento orgânico. BIBLIOGRAFIA DEJOURS, C. Uma nova visão do sofrimento humano nas organizações. In: CHANLAT, J. F. (Org.). O indivíduo nas organizações: Dimensões esquecidas. São Paulo: Atlas, 1992. FREUD, S. (1911). Formulações sobre os dois princípios do funcionamento mental. In: ______. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996. v. 12. ______. (1939[1929]). O Mal-Estar na Civilização. In: ______. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996. v. 21. KLEIN, M. Nosso mundo adulto e suas raízes na infância. In: ______. Inveja e gratidão e outros trabalhos. (1946-1963). Rio de Janeiro: Imago, 1991. McDOUGALL, J. Corpo e Linguagem. Da linguagem do soma às palavras da mente. Revista Brasileira de Psicanálise, São Paulo, v. 28, n. 1. ______. Em defesa de uma certa anormalidade: teoria e clínica psicanalítica. Artes Médicas: Porto Alegre, 1993. ______. Teatros do corpo: O psicossoma em Psicanálise. São Paulo: Martins Fontes, 1996. MELLO FILHO, Júlio. Psicossomática Hoje. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992. WINNICOTT, D. D. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 390 BURNOUT SOB A PERSPECTIVA DA TEORIA ANALÍTICA: INTERFACES ENTRE A TEORIA JUNGUIANA E AS DOENÇAS RELACIONADAS AO TRABALHO PERES, S. L.; GAZZOLA, R. A.; Faculdade de Ciências da Saúde de Garça / Associação Cultural e Educacional de Garça (FASU/ACEG) [email protected] INTRODUÇÃO A Síndrome de Burnout integra a lista de transtornos mentais relacionados à vida dos trabalhadores e das organizações públicas ou privadas, contudo, na maioria das vezes é confundida com estresse ou outras doenças que impedem as atividades de trabalho. Neste artigo a Síndrome de Burnout é abordada como uma ―deterioração psíquica‖ que se manifesta em apatia, desesperança, baixa-auto-estima, insatisfação com a vida, depressão, ansiedade, e outros fatores ligados à saúde mental. A Síndrome de Burnout tem sido observada como uma doença endêmica entre os profissionais da saúde. Se apresenta como uma intensa exaustão emocional, resultando em uma diminuição de sentimento da realização pessoal e despersonalização do outro. ―Os transtornos leves indicam alguma afecção da estrutura de vida psíquica do trabalhador, portanto, existem interrelações com sua vida social‖. A partir do levantamento bibliográfico, o tema é abordado visando investigar a literatura em Psicologia, em âmbito nacional, a fim de traçar panorama do que está sendo pesquisado e publicado na área, verificando a existência de tendências e correlações atuais e possíveis entre os tipos psicológicos e a identificação com os arquétipos que atuam sobre os indivíduos, propiciando assim o surgimento da Síndrome. A gama de trabalhos que abordam o tema sob o ponto de REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) vista da psicologia analítica é inexistente, ao menos no território nacional. Este aspecto por si só justifica esta pesquisa, pois verifica-se que a Síndrome de Burnout está presente em todos os ambientes de trabalho, incapacitando muitas pessoas não só no exercício profissional, como também, para a vida em seu sentido mais amplo, e a abordagem analítica pode contribuir no seu tratamento terapêutico. O artigo se propõe a oferecer elementos para a compreensão e ferramentas para que o profissional da saúde, no caso, o psicólogo possa contribuir para a promoção do bem-estar dos pacientes. A metodologia adotada neste estudo foi somente a análise de textos. Várias publicações foram consultadas e procurou-se encontrar uma maneira de sintetizá-los em um estudo que tivesse o caráter de objetividade, riqueza de dados e que pudesse ampliar o tema em questão. O método utilizado para a coleta de dados foi o levantamento bibliográfico, através busca eletrônica de artigos indexados nas bases de dados de revistas especializadas, a partir das palavras-chave: burnout, psicologia junguiana, estresse. Quanto ao tratamento dos dados levantados, foi realizada análise qualitativa, agrupando-se as informações mais relevantes acerca dos artigos pesquisados, tais como: Os profissionais de saúde e seu trabalho, Burnout: quando o trabalho ameaça o bem estar do trabalhador, Entendendo os tipos psicológicos: Tipologia de C. G. Jung. Burnout: uma breve revisão de literatura sobre o transtorno - Surgido no início da década dos anos 1970, o conceito Burnout aparece nos Estados Unidos com o psiquiatra Herbert Freudenberger (19271999) em 1974, mas descrito pela psicóloga social estadunidense Christina Maslach, autora do Maslach Burnout Inventory – Inventário de Análise Fatorial (MBI) que é aplicado em trabalhadores para verificar a presença ou não da Síndrome de Burnout. ―O Burnout não é uma síndrome clínica, e sim um diagnóstico de situação de trabalho‖. São acometidos os profissionais ligados às áreas da saúde, educação e militar, ou seja, profissões que lidam diretamente com pessoas, e cujo sucesso depende das mesmas. Etimologicamente Burnout significa ―estar queimado‖. ―É uma desistência de quem não pode desistir‖. Trata-se do sofrimento gerado quando há uma combinação dos seguintes fatores: vitória e frustração na execução de um trabalho conforme seus projetos, desejos e esperanças pessoais, resultando em ansiedade, melancolia, baixa auto-estima, sentimento de exaustão física e emocional, de ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 392 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) impotência, inadequação e inutilidade para com o trabalho e a vida em geral, quer por fatores do próprio indivíduo, como idade, sexo, instabilidade familiar, quer do ambiente de trabalho. É comum a confusão entre Burnout e Estresse Laboral, contudo Burnout apresenta um quadro mais grave, a ponto de levar o indivíduo a sua despersonalização. A diferença pode ser verificada da seguinte maneira: Burnout: é uma defesa caracterizada pela desistência; as emoções tornam-se embotadas; o principal dano é emocional; a exaustão afeta a motivação e a iniciativa; produz desmoralização; pode ser melhor entendido como uma perda de ideais e esperança; a depressão é causada pela mágoa engendrada pela perda de ideais e esperança; produz uma sensação de abandono e desesperança; produz paranóia, despersonalização e desligamento; não mata, mas pode fazer com que uma vida longa pareça não valer a pena ser vivida. Estresse: caracteriza-se pelo super envolvimento; as emoções tornam-se hiperreativas; é físico; a exaustão afeta a energia física; produz desintegração; como uma perda de combustível e energia; a depressão é causada pela necessidade do organismo de se proteger e conservar energia; produz uma sensação de urgência e hiperatividade; produz desordens associadas ao pânico, fobias e ansiedades; pode matar prematuramente, e o indivíduo não terá tempo para concluir o que começou. Portanto, Burnout trata-se de uma dificuldade muito intensa de se lidar com a afetividade pessoal relacionada com o ambiente social do trabalho, isto é, com os demais colegas de trabalho, devido à dificuldade de atribuir uma significação positiva às atividades laborais que executa junto a outras pessoas, especialmente porque, o ―resultado‖ do seu trabalho está nos outros, pois são eles que respondem pela sua qualidade, porque eles recebem o investimento de uma grande energia pessoal e íntima destes profissionais, devido ao sentimento de altruísmo idealista, e isto compromete não só a produtividade, como também a qualidade do seu trabalho; e, ao avaliar os ―resultados‖ conclui-se desperdício de tempo, mas principalmente de afetos-subjetivos, pois não se verifica dados animadores para o emprego desta energia, deixando como sintomas: ―exaustão emocional, despersonalização e baixo rendimento pessoal no trabalho‖. A exaustão emocional se dá quando o paciente percebe nele mesmo que não têm mais os recursos necessários, antes disponíveis para oferecer ao público, antes sente um intenso cansaço, grande irritabilidade, ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 393 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) forte propensão de sofrer acidentes, ansiedade generalizada, e o surgimento de doenças psicossomáticas. ―Esse idealismo e sentimentos altruístas levam os profissionais a implicar-se excessivamente nos problemas dos usuários e convertem em uma direção pessoal para solução dos problemas. O próprio indivíduo tolera que se sinta culpado das falhas, tanto próprias como alheias, o qual resultará em baixos sentimentos de realização pessoal no trabalho‖. As condições de trabalho estimulam o trabalhador a elaborar estratégias para responder às exigências físicas, cognitivas e psíquicas a que está submetido, e este é o fator fundamental para o surgimento da Síndrome. O prazer no trabalho está diretamente associado a valorização e reconhecimento da tarefa executada, se esta é considerada importante, significativa para a organização e a sociedade em geral. Além disso, se o trabalhador empregar a sua criatividade, e realizar a tarefa à sua maneira, isto o deixará orgulhoso e despertará admiração de outras pessoas, dando-lhe, assim, prazer em sua execução. O sofrimento é experimentado quando se atende padrões estabelecidos por terceiros; subestimação das potencialidades do trabalhador; exigir obediência à hierarquia; cumprimento de tarefas meramente burocráticas; ingerência de terceiros em suas atividades; falta de participação nas decisões ou desprezo das sugestões; o não reconhecimento das tarefas executadas; e a pequena expectativa de crescimento profissional. Quanto à despersonalização, trata-se da fase de maior relevância, que é quando o paciente apresenta um total esfriamento quanto à atividade que deve desenvolver junto aos outros, mas que os trata como meros objetos, demonstrando-lhes atitudes negativas e insensíveis. É um estado psíquico em que prevalece o cinismo ou a dissimulação afetiva, a crítica exacerbada de tudo e de todos os demais e do meio ambiente. E, pelo fato de haver um baixo envolvimento pessoal com o trabalho, seu rendimento é sensivelmente diminuído, causando assim uma avaliação baixa e negativa de si mesmo. Tal quadro pode resultar em depressão, isto é, sensação de ausência de prazer e alegria na vida de modo geral. Trata-se de uma ―sensação de estar ―acabado‖. Estes fatores ―podem aparecer associados, mas são independentes‖. Os que sofrem de depressão tem algumas vantagens sobre os que sofrem de Burnout: ―Comparados a indivíduos deprimidos, os que têm Burnout: 1) apresentam mais vitalidade e são mais capazes de obter ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 394 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) prazer nas atividades; 2) raramente apresentam perda de peso, retardo psicomotor ou ideação suicida; 3) têm sentimentos de culpa mais realistas, se os têm; 4) atribuem sua indecisão e inatividade à fadiga (e não à própria doença); e 5) apresentam mais frequentemente insônia inicial, em vez de terminal (como na depressão)‖. ―Essa doença chega à raiz do sentido de vida das pessoas, o trabalho acaba perdendo o sentido e o significado, chegando ao extremo da exaustão, sobrecarga, desumanização e falta de prazer‖. ―Os trabalhadores sentem-se descontentes consigo mesmos e insatisfeitos com seus resultados no trabalho‖. Portanto, tratase de um transtorno que provoca sérias consequências psicofisiológicas, que afeta diretamente ao indivíduo, e à empresa em que trabalha. ―Os estudos sobre burnout evidenciam que a pessoa afasta-se da realidade, obedece cegamente à burocracia e busca se tornar inconsciente dos seus atos, atitudes, sentimentos, emoções, coisificando-se e desumanizando-se para não sofrer. Acaba por responsabilizar os outros dos males sofridos e enfrentados na profissão, vê tudo que é relacionado ao trabalho como negativo, desiste estando trabalhando; muitas pessoas não sabem que tem essa doença‖. ―Burnout é um processo gradual, de uma experiência subjetiva, envolve atitudes e sentimentos que acarretam problemas de ordem prática e emocional ao trabalhador e à organização. Ocorre quando o lado humano do trabalho não é considerado‖. ―Manifesta-se uma espécie de desencanto e cansaço que, frequentemente, implicam situação de abandono e de desesperança, falta de expectativa no trabalho e maior dificuldade no seu enfrentamento‖. A TEORIA ANALÍTICA DE C. G. JUNG EM BUSCA DA COMPREENSÃO DA SÍNDROME DE BURNOUT Carl Gustav Jung (1875-1961) identificou, inicialmente, pelo menos dois tipos de pessoas: extrovertidos e introvertidos. Jung parte da seguinte questão: ―será que existem pelo menos dois tipos diferentes de pessoas, um dos quais se interessa mais pelo ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 395 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) objeto e o outro por si mesmo?‖ Tanto extrovertidos quanto introvertidos podem desenvolver o transtorno de Burnout. Os extrovertidos: ―Correm o risco de ser envolvidos demais pelo mundo externo e suas exigências, ficando assim muito distantes de suas próprias necessidades pessoais‖. E, os introvertidos: ―o foco de atenção é deslocado para o seu mundo interno de impressões, emoções e pensamentos – os seus próprios processos internos‖. Como Burnout surge e se desenvolve a partir do ambiente laboral: ―Nas organizações, a tipologia poderá orientar a organização de grupos de trabalho, quanto ao tipo de tarefa a ser feita e quanto à dinâmica do grupo em questão. A tipologia também é útil para identificar a origem de conflitos em grupos de trabalho e oferece propostas para sua solução. Pode ser muito útil, ainda, nos processos de desenvolvimento profissional, identificando capacidades a serem trabalhadas e apoiando propostas de reorganização de funções e tarefas.‖ Além da tipologia humana deve-se verificar a vivência arquetípica do paciente com Burnout. ―Os arquétipos são, em si mesmos, irrepresentáveis. Seus efeitos, contudo, são discerníveis nas imagens e nos motivos arquetípicos‖. O paciente com Burnout está sob a influência de vários arquétipos ao mesmo tempo, como da Grande Mãe e Pai; Persona, Sombra, Anima e Animus, Herói e do Self. O sofrimento de Burnout pode ser entendido quando há uma identificação com um destes arquétipos, deixando o indivíduo sem iniciativa própria, mas se vendo obrigado a cumprir exigências do cargo que desempenha que há muito perdeu significado para ele. ―O eu só conserva sua independência se não se identificar com um dos opostos mas conseguir manter o meio-termo entre eles‖. ―A identificação pode ser benéfica, na medida em que o indivíduo não pode seguir seu próprio caminho. Quando, porém, uma oportunidade melhor se apresenta, a identificação mostra seu caráter mórbido, tornando-se um impedimento tão grande quanto antes fora um auxílio e um apoio inconscientes. Seu efeito passa a ser dissociativo, cindindo o indivíduo em duas personalidades mutuamente desconhecidas‖. A psicologia junguiana se ocupará do fenômeno da identificação, contribuindo para que o paciente realize e mantenha um processo de diferenciação da sua pessoa com suas atribuições profissionais, que o levará ao propósito final da terapia junguiana, a saber, a individuação. ―A diferenciação é tanto um processo natural de crescimento como um empenho psicológico ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 396 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) consciente [...] A individuação é um processo que exige uma diferenciação; uma pessoa dependente de suas projeções tem pouca ou nenhuma ideia daquilo que ela é ou de quem ela é‖. Neste sentido justifica-se que o sofrimento no trabalho pode ser um ―elemento para a normalidade [...] quando existe um compromisso entre o sofrimento e a luta individual e coletiva contra ele, sendo o saudável não uma adaptação, mas o enfrentamento das imposições e pressões do trabalho que causa uma desestabilidade psicológica, tendo lugar o prazer quando esse sofrimento pode ser transformado‖. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os profissionais que lidam diretamente com pessoas estão mais sujeitos à Síndrome de Burnout, especialmente aqueles que se envolvem a partir de um ideal altruísta, pois quando se avalia os resultados de seu empreendimento pode se verificar um baixo rendimento, comprometendo assim o sentimento de realização pessoal no trabalho, associado à queixa de natureza somática. A falta de prazer nas atividades profissionais pode levar o indivíduo a perder o sentido da sua própria vida, chegando a se ―coisificar‖, com o propósito de não sofrer, bem como a vida das pessoas com quem trabalha, ou presta algum trabalho. A terapia junguiana pode contribuir para que o indivíduo se conscientize de seu tipo psicológico, introvertido ou extrovertido, e busque um lugar mais apropriado no local de trabalho, para que possa se sentir pessoalmente realizado. Além disso, é necessário que mantenha a sua própria identidade como pessoa, sem se identificar com a sua tarefa laboral, procurando ―manter o meio-termo‖, se diferenciando de suas atividades profissionais, livrando-se da identificação com algum arquétipo. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 397 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) BIBLIOGRAFIA BORGES, L. O. (Org.) Os profissionais de saúde e seu trabalho. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2005. CODO, W.; VASQUES-MENEZES, I. Burnout: sofrimento psíquico dos trabalhadores em educação. Instituto Nacional de Saúde no Trabalho (INST). São Paulo: Kingraf, 2000. Disponível em: http://www.sindiute.org.br/downloads/documentos/caderno_de_saude_do_ trabalhador.pdf (Acesso em 02/11/2010). FERREIRA, M. C. e MENDES, A. M. “Só de pensar em vir trabalhar, já fico de mau humor”: atividade de atendimento ao público e prazer-sofrimento no trabalho. Brasília: Estudos de Psicologia, Vol. 6(1), UNB, 2001. JUNG, C. G. Psicologia do Inconsciente. Petrópolis: Vozes, 1978. _____. A Natureza da Psique. Petrópolis: Vozes, 2000. 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Segundo o Ministério da Previdência Social, só em 2009 foram registrados mais de 720.000 acidentes de trabalho no Brasil, sem contabilizar as ocorrências vividas por profissionais autônomos, empregadas domésticas e muitas outras situações nas quais a notificação não é praticada. Desse total, mais de 320.000 acidentes levaram os trabalhadores a mais de 15 dias de afastamento. No Brasil, morre um trabalhador a cada 3 horas e meia, em média. Em termos de gastos públicos, tal cenário de mortes e acidentes de trabalho representa uma despesa de mais de 1 bilhão de reais por semana, considerando apenas os custos financeiros e oficiais. Dentre os 3 códigos da CID-10 mais prevalentes nas estatísticas da Previdência Social na última década – seja em relação a auxílios-doença acidentários, seja previdenciários – estão as lesões (traumatismos, queimaduras, intoxicações etc.), os transtornos osteomusculares e os transtornos mentais e comportamentais. O trato com a vida humana no trabalho traz, porém, inúmeras peculiaridades a considerar. Uma das mais relevantes é o fato de que um ser humano não é um somatório de partes independentes e, ainda que único, é inerentemente social. Um operário que tem sua mão amputada por uma máquina, por exemplo, não perde apenas aquela parte de seu corpo: perde funcionalidades, perde habilidades, tem sua imagem corporal REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) afetada, vive o desafio de redesenhar sua autoestima e enfrentar muitas outras perdas e exigências emocionais. Além disso, não é apenas a ele que a amputação atinge: sua família é chamada a se reorganizar diante da nova realidade, sua capacidade laboral é alterada; os colegas de trabalho também precisam se adaptar à sua falta e continuar a lidar com a mesma máquina que mutilou seu companheiro, muitas vezes representando uma revivescência duradoura e de grande impacto para o grupo. Por outro lado, o operário ferido pela máquina frequentemente não é vítima de sua inabilidade ou falta de treinamento, ainda que essas sejam os focos prevalentes nos programas de prevenção de acidentes. No âmbito da pesquisa que serve de referência para este texto, ao entrevistar trabalhadores acidentados é comum encontrar pessoas experientes que não conseguem explicar o instante do acidente que viveram. Alguns relatam distração por alguma circunstância no ambiente de trabalho, outros falam de preocupações relativas ao desemprego iminente ou pressões por resultados de desempenho além de suas forças. Há também aqueles que citam o consumo de analgésicos durante a noite para aplacar uma dor de dentes insuportável. Neste sentido, é interessante fazer um parêntese para ressaltar que acidentado – ou não – o trabalhador brasileiro é um trabalhador sem boca, já que a Odontologia do Trabalho ainda não é uma realidade nas empresas e organizações, nem as patologias da cavidade bucal e estruturas adjacentes (doenças periodontais, lesões da mucosa oral etc.) aparecem nas estatísticas, a despeito de já terem seus quadros estabelecidos em relação aos riscos da atividade laboral. A partir do simples exemplo citado acima – do trabalhador amputado na operação de uma máquina –, portanto, é possível observar que o trato com a saúde e segurança no trabalho não é uma questão que se preste a análises e propostas simplistas. Saúde e segurança no trabalho envolve a complexidade do humano em totalidade, além de trazer imbricadas as múltiplas determinações associadas à vida laboral do sujeito. Perceber o trabalho como função psicológica e a função psicológica do trabalho é considerar também o que acontece depois do acidente ou do afastamento por doença do trabalho. Nesse sentido, um breve levantamento desenvolvido pela equipe de pesquisa mostra que a temática da reinserção laboral – em especial no que se refere aos afastamentos para tratamento médico psiquiátrico – ainda está ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 401 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) insuficientemente abordada pela literatura científica mais qualificada, segundo os critérios Qualis/CAPES. O presente material se destina, então, a contribuir para as discussões relativas ao aprimoramento dos processos de reinserção laboral, a partir de um resumo dos resultados de uma das fases da pesquisa desenvolvida pela equipe do Núcleo de Educação e Saúde no Trabalho, da Universidade Federal Fluminense. O objetivo dessa fase foi analisar as peculiaridades dos aspectos subjetivos e organizacionais associados ao processo de reinserção laboral de profissionais afastados por transtornos mentais e comportamentais (CID-10, Capítulo V). METODOLOGIA A metodologia empregada no estudo obedeceu a uma abordagem de natureza compreensiva, desenvolvida a partir de entrevistas semiabertas com 5 administradores (gerentes, supervisores e afins) com experiência neste tipo de reinserção e relatos de vida de 5 profissionais com histórico de afastamento pela psiquiatria. O material coletado nas entrevistas e nos relatos recebeu tratamento qualitativo, com apoio da análise de discursos, conforme a escola francesa. RESULTADOS Os resultados, portanto, não permitem qualquer generalização, mas servem de apoio para os programas e projetos voltados a tal situação de reinserção, chamando atenção para especificidades e idiossincrasias que podem não apenas levar as iniciativas ao fracasso, como também provocar o agravamento das situações geradoras da doença. O levantamento da ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 402 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) literatura científica aponta para o fato de que o processo de reinserção laboral é atravessado por muitas variáveis: tempo de afastamento, natureza da atividade, cargo ocupado, relacionamento interpessoal, modelos de gestão de pessoas e outras, mas, de um modo muito destacado, aparece a especialidade médica associada ao diagnóstico que justificou o afastamento e o momento de retornar. No que tange a esta variável, há também características que diferenciam o trato com a situação de afastamento implicando em formas bem ou mal sucedidas de favorecer a reinserção laboral. Como exemplo é possível destacar questões como: a pessoa que está sendo afastada foi vítima de assalto ou situação muito traumatizante? A pessoa que está sendo afastada apresenta alguma patologia que dificulte o trato com os colegas e as situações do dia a dia? Os motivos do afastamento são depressão, pânico ou outras manifestações cujo diagnóstico inclua aspectos confundidos com preguiça, desinteresse ou má vontade, pelo senso comum? As perguntas poderiam continuar a ser formuladas mas, por trás de todas, estão alguns pontos comuns, que se sintetizam na fala de um dos administradores entrevistados: “-Esse negócio de transtorno mental é muito complicado. Se o cara chega pro psiquiatra e faz um showzinho, lá vem cheio de si, dizendo que tem síndrome do pânico, que tá na moda.Prova que tem! Quero ver se não é encenação! Pânico tenho eu, só de pensar como vou lidar com esse monte de doido que anda por aí!” Muitas expressões e palavras chamam atenção nessa frase, dentre as quais é possível destacar: a associação entre simulação e sofrimento psíquico; a fragilidade dos diagnósticos disponíveis, em meio a uma sociedade invadida por uma profusão de exames complementares que parecem substituir a relação médico/paciente; a desconfiança generalizada,diante de um cenário de transição moral e ética que expõe atitudes questionáveis e decisões baseadas mais no bom individual do que no bem comum; a polissemia do termo ―pânico‖, usado pelo senso comum como uma sensação de insegurança passageira diante de um desafio, muito diferente do sentido oferecido pela clínica psiquiátrica. Outro aspecto a refletir é o fato que aqueles afastamentos determinados pelo contato com agentes químicos sem a devida proteção por EPI (equipamentos de proteção individual) e/ou equipamentos coletivos (o delirium provocado pela exposição ao benzeno, por exemplo), ou por circunstâncias que extrapolam o ambiente ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 403 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) de trabalho (formas mais convencionais de esquizofrenia e/ou diagnósticos estruturais e/ou genéticos, por exemplo), tendem a ser recebidas pelos companheiros e administradores de modo diferenciado daquelas circunstâncias nas quais as evidências dos fatores etiológicos não podem ser determinadas com a mesma objetividade Nesse caso, conforme explica um dos trabalhadores que relataram suas histórias de vida nessa pesquisa, a relação com o ambiente de trabalho é muito diferenciada: “-Eu comecei a sentir umas fraquezas estranhas, as pernas ficavam moles, um cansaço danado, eu não conseguia me controlar, eu dizia umas bobagens, sei lá, era muito estranho. Aí fui a um médico da empresa que me disse que eu devia ter uma tal neuropatia, mas não me deu nenhum remédio. Eu perguntei por que eu sentia aquilo e ele disse que desconfiava de uma neuropatia, mas que tinha que ter mais dados para saber. Me deu uns dias para ficar em casa, mas até em casa tudo doía. Ora! Tudo doía, para que ficar em casa? Era uma coisa muito doida também o jeito que os colegas falavam comigo. Eu estava sempre mal humorado, não conseguia ver graça em nada. Até minha mãe me olhava assustada. O que ele queria dizer com ter mais dados? Sei lá! Eu tenho 37 anos hoje, então eu comecei a ser assim com uns 33, depois que fui trabalhar lá. Nunca senti nada, aí comecei a desconfiar que tinha alguma coisa lá e fui pra outro médico que prestou mais atenção no que eu falava, eu acho.” O depoimento deste profissional aponta para muitas outras questões envolvidas quando o tema é a saúde e segurança no trabalho em sua relação com os transtornos mentais e comportamentais. Dentre elas, é importante destacar a fragilidade dos exames médico-ocupacionais quando não consideram o ambiente de trabalho, mas apenas o homem que se apresenta à avaliação. A formação do médico do trabalho, bem como suas práticas e as circunstâncias sob as quais atua – ainda que não sejam tema deste texto – aparecem nesse depoimento como centrais para o diagnóstico oferecido. É possível admitir que sabendo que o profissional estava exposto ao benzeno e sob quais condições atuava – se tais dados fossem adequadamente aproveitados na avaliação das queixas do entrevistado – o tratamento poderia ter sido iniciado mais prontamente, talvez evitando o agravamento da situação e o prolongamento do afastamento por doença. Ao mesmo tempo, com um diagnóstico mais bem fundamentado, também poderiam ser tomadas iniciativas de proteção ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 404 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) aos trabalhadores expostos, evitando que novos casos – novas situações de adoecimento e sofrimento – se instalassem ou agravassem. Em termos de reinserção, em casos semelhantes a este, a despeito da desconfiança gerada por uma sintomatologia assemelhada à preguiça e/ou ao descompromisso, a possibilidade de estabelecimento da relação entre o risco químico e as manifestações tende a favorecer o acolhimento ao retorno do adoentado. De um modo geral, quando pode ser determinada uma causa externa ao trabalhador – seja epidemiologicamente, seja culturalmente (caso das reações a assaltos, por exemplo) – a tendência do grupo de companheiros é de caminhar pelo viés da solidariedade, ainda que os sintomas possam ser confundidos com a preguiça, a esperteza (vantagem pessoal advinda do afastamento do trabalho) e o descaso ou desinteresse. Casos como esses – acidentes e doenças diagnosticados pela psiquiatria, mas associados a situações e causas bem circunscritas e fora dos sujeitos adoecidos – no entanto, não estão completamente livres de dificuldades de acolhimento pelo grupo de companheiros, na ocasião da reinserção. É o caso de uma das profissionais que ofereceram suas histórias de vida para análise por esta pesquisa. Ela explica: “- Quando eu saí de licença depois do assalto todo mundo ligava pra mim e me dava a maior força. Todo dia tinha alguém querendo notícias e tal. Só que depois que o médico acertou a tal dose do remédio e eu comecei a reagir ao meu problema depois do assalto lá do banco, começaram as cobranças. Era um tal de „você volta quando?‟ e „que vida boa, doença legal a sua, moleza, né?‟, „também quero ser assaltado pra ficar em casa como você‟.Acho que eles estavam cansados de fazer o meu trabalho e o deles, deve ser isso... Eu me sentia forçada a voltar, mas só de pensar naquela arma apontada pra mim, o cara parecia drogado, acho que eu era transparente para ele... só de pensar nisso eu não dormia mais, chorava a noite toda e o médico aumentava a dose do remédio de novo... Não acabava nunca!”. Conforme o relato aponta, a causa do afastamento sendo conhecida, configura-se entre os colegas de trabalho um período de tolerância à ausência da companheira, mas logo a dificuldade de encontrar um ponto de ―cura‖ começa a afetar os demais, sobrecarregando-os e levando-os à cobrança pelo retorno. No entanto, um dos elementos mais relevantes em relação aos afastamentos por ―transtornos mentais e comportamentais‖, diferentemente de outras categorias de afastamento, ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 405 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) está no desenvolvimento do processo de recuperação dos sujeitos adoentados. De um modo geral, as dosagens medicamentosas precisam ser personalizadas e ajustadas a cada situação particular, demandando um tempo relativamente mais longo do que aquele estabelecido para o controle sintomatológico em outros cenários de adoecimento. Um de nossos administradores entrevistados nos permite compreender um pouco melhor tais situações: ―-Tive um camarada afastado do grupo por depressão que não ficava bom para voltar ao trabalho nunca. Eu não sabia mais o que fazer porque não podia contratar outro e, ao mesmo tempo, o cara não voltava. Todo mundo reclamava que o trabalho estava pesado porque o fulano fazia falta. Até que um dia, um grupo viu que ele estava tomando um refrigerante na maior tranquilidade no bar da quadra da praia. Chegaram aqui revoltados!‟O cara pode ficar lá no bem-bom e nós aqui segurando as barras todas. Também quero ficar doente assim!‟‖ Neste recorte, é possível reconhecer uma das diferenças mais relevantes entre os afastamentos por transtornos mentais e comportamentais e os afastamentos originados em outros códigos da CID. Em alguns casos, o processo de recuperação de uma pessoa afastada por depressão inclui uma espécie de ―exercício de enfrentamento de lugares públicos‖. Não é raro encontrar recomendações médicas indicando que o paciente deva buscar sua recuperação enfrentando situações abertas, em geral representativas da superação das ameaças mais invisíveis. A sugestão pelo refrigerante no bar pode ter um cunho terapêutico, apresentado pelo médico apenas após os primeiros sinais de recuperação, já que enfrentar situações antes de dispor de ferramentas para superá-las é apenas agravar a situação patológica original. Dizendo de outra maneira, encontrar um colega com a perna engessada tomando um refrigerante num bar tem um efeito sobre as concepções de saúde/doença dos companheiros de trabalho diferente daquele provocado por um profissional afastado pela psiquiatria. Ainda que para este último a ida ao bar seja bem mais difícil e terapêutica do que para o colega com a perna engessada, para aqueles que não compreendem bem o processo de adoecimento de natureza mental ou comportamental, a cena do bar guarda aspectos bastante incômodos. Nesse sentido, a fala (acima) do administrador entrevistado também chama atenção para a interferência de suas competências profissionais e dos aspectos relativos à organização do trabalho no ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 406 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) encaminhamento bem sucedido das questões pertinentes à saúde e segurança. A tal cenário acrescem-se as concepções de ―normalidade‖ fundadas em médias e na naturalização do modo humano de ser. Tais concepções tendem a alimentar a idéia de ―perfis‖ profissionais, popularizadas na década de 50 do século XX, e influentes até o presente nos discursos corporativos. Bom exemplo do que está sendo dito é encontrado no trecho da entrevista com um dos administradores contatados pela equipe de pesquisa: “-Quando eu olho o que está acontecendo hoje eu fico pensando se ninguém sofria antigamente. Hoje é um tal de faltar ao trabalho porque está com dor de cabeça, está deprimido, está com TPM e sei lá mais o quê.. Toda hora sei de alguém que ameaça com um processo porque o chefe disse isso ou disse aquilo que eu não sei onde vai parar. Esses caras hoje não querem é nada. Depois voltam de uma licença médica que ninguém explica direito e querem que a equipe apóie. Não acho que tem que apoiar não. Não faço força nenhuma. O cara que foge quando o bicho pega não pode achar que os outros são otários e ficam aqui trabalhando para ele voltar com tudo organizadinho. Não tem nada organizadinho se você não se esforçar”.Neste trecho, chama atenção, além de outros pontos, a dificuldade de lidar com a reinserção dos afastados não apenas da perspectiva de quem retorna, mas também daqueles que o receberão e da situação de trabalho ligada ao afastamento. Ou seja, se é possível imaginar que alguém acidentado por um equipamento mal utilizado ou por uma falha na segurança proporcionada pela empresa ao retornar de seu afastamento não se exporá novamente às mesmas circunstâncias – seja porque a empresa implementou medidas de segurança, seja porque o acidentado se recolocou em relação à situação vivida – no caso dos transtornos mentais e comportamentais é bem diferente. Geralmente o trabalhador afastado enfrenta, no retorno, as mesmas circunstâncias que o afastaram, não raro agravadas, especialmente se aquilo que originou seu adoecimento está ligado à organização do trabalho. Em relação aos transtornos mentais e comportamentais é preciso não esquecer que contrariamente a outros riscos e ameaças – um tijolo caindo na construção civil ou a qualidade do EPI disponível para o manuseio de material biológico, por exemplo –, os adoecimentos psíquicos, mentais e comportamentais não dependem de um EPI ou de algo externo aos sujeitos para serem prevenidos e/ou controlados, à exceção de algumas ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 407 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) situações muito específicas relacionadas ao trato com alguns elementos químicos. Não há EPI que proteja contra uma distribuição equivocada da carga de trabalho, das ameaças de desemprego, dos assaltos e/ou de pressões originadas no fracasso diante de metas impostas arbitrariamente. As conclusões deste estudo permitem afirmar – provisoriamente, de modo não generalizável – que as formas mais presentes de reinserção a partir do afastamento por transtornos mentais e comportamentais na atualidade – depressões, transtornos de estresse pós-traumático, transtornos de ansiedade generalizada, pânico e outras – além daquelas situações nas quais a situação psíquica e mental é co-responsável pelo sofrimento, pelos acidentes e pelo adoecimento no trabalho, representam os maiores desafios à reinserção laboral dos profissionais atendidos pela Previdência Social. As análises dos discursos coletados por esta pesquisa e das histórias de vida registradas apontam para dois núcleos principais e diferenciados de tradução da relação entre os afastamentos por transtornos mentais e comportamentais e a reinserção laboral: um destes núcleos gira em torno dos conceitos de pena, compaixão e conformação por parte do grupo que recebe o trabalhador reinserido; o outro, em torno dos conceitos de desconfiança, preconceito e rejeição em relação ao trabalhador que volta. Em ambos, a força do medo permeia as concepções: numa, diante do ―não sei o que fazer‖; na outra, diante do ―tudo é possível, não sei em que acreditar‖, forte elemento integrante de insegurança. Em síntese, dentre as características de tais desafios, é possível destacar: o cenário político-econômico da sociedade do trabalho nos dias atuais; a presença de preconceitos e suposições fundadas no senso comum nas decisões e iniciativas de projetos e programas de reinserção laboral; a fragilidade conceitual e técnica dos administradores diante dos atuais cenários de adoecimento no trabalho; a fragilidade da atuação das equipes focadas em saúde e segurança no trabalho (médicos, engenheiros e outros) no que diz respeito à administração do cotidiano da reinserção; a complexidade dos tratamentos associados às manifestações de transtornos mentais e comportamentais; a carga de preconceitos, medos e outras manifestações sociais da relação com a saúde mental e seus parâmetros de normalidade. Finalizando, é preciso não esquecer que tanto em relação às causas de afastamento por fatores físicos, químicos ou biológicos, quanto em relação àqueles ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 408 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) fatores socioambientais capazes de atingir a saúde mental e comportamental dos trabalhadores, a reinserção implica em controle das ameaças. Para tanto, é indispensável considerar que o sujeito que trabalha é um todo e que ao retornar ao ambiente que o adoeceu ele depende das transformações deste ambiente para não adoecer novamente. BIBLIOGRAFIA ALEVATO, H. Tecnoestresse: entre o fascínio e o sofrimento. Boletim Técnico do Senac, Rio de Janeiro: Senac/DN, vol. 35, n.3. set/dez, 2009. _____. Gestão de pessoas, grupalidade e saúde no trabalho. Boletim Técnico do Senac, Rio de Janeiro: Senac/DN, vol. 31, n.3. set/dez, 2005. _____. Trabalho e neurose: enfrentando a tortura de um ambiente em crise. Rio de Janeiro: Quartet, 1999. CASTORIADIS, C. A instituição imaginária da sociedade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981. CLOT, Yves. A função psicológica do trabalho. 2 ed, Ed. Vozes, 2007 CORONA, J. Fadiga crônica. Rio de Janeiro : DP&A, 2000. COSTA, M. T. Gestão da saúde e segurança no trabalho: análise do discurso de coordenadores de curso de especialização em Odontologia do Trabalho. Dissertação (Mestrado em Sistemas de Gestão). Universidade Federal Fluminense: Escola de Engenharia, 2010 DURRIVE, L. Trabalho e uso de si. In: SCHWARTZ, Y; DURRIVE, L. Trabalho e ergologia: conversas sobre atividade humana. Niterói, Ed. UFF, 2007. Capítulo 4, p.191. GLINA, D. M. R. e ROCHA, L. E. (org.) Saúde mental no trabalho: da teoria à prática. São Paulo: Roca, 2010. JEX, S. M. Stress and job performance. Londres: Sage, 1998. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 409 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) ORLANDI, E.P. Análise de discurso: princípios e procedimentos. 7. ed. Campinas: Pontes, 2007. SOUZA E SILVA, M. C. P. A dimensão linguageira em situação de trabalho. In: SOUZA E SILVA, M. C. P; FAITA (Eds). Linguagem e Trabalho – construção do objeto de análise no Brasil e na França. São Paulo: Cortez, 2002. SCHWARTZ, Y; DURRIVE, L. Trabalho e Ergologia: conversas sobre atividade humana. Niterói: Ed. UFF, 2007. ZANELLI, José Carlos Borges; ANDRADE, Eduardo; BASTOS, Antonio V.B (Orgs) Psicologia, organizações e trabalho no Brasil. Porto Alegre: Artmed, 2004. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 410 DA IN(TER)VENÇÃO À IN(VES)TIGAÇÃO: CONSIDERAÇÕES DE UMA EXPERIÊNCIA COM TRABALHADORES AFASTADOS POR LER/DORT NO INTERIOR DO RIO GRANDE DO SUL/RS LOPES, C. S.; MENDES, J. M. R.; Núcleo de Estudos e Pesquisa em Saúde e Trabalho (NEST) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) [email protected] INTRODUÇÃO No atual contexto mundial, permeado pelo avanço tecnológico e pelas constantes modificações estruturais que atravessam o mundo de trabalho, são significativas as repercussões na ocorrência de patologias e acidentes de trabalho que acometem inúmeros trabalhadores. As condições desta nova ordem têm determinado transformações na vida das populações, com reflexos nos níveis de emprego e de saúde dos trabalhadores em particular. Nesse âmbito, o trabalhador tende a se equilibrar ao fio da navalha para adaptar-se física e mentalmente às exigências produtivas cada vez maiores. No Brasil, as Lesões por Esforços Repetitivos (LER) ou Doenças Osteomusculares Relacionadas ao Trabalho (DORT), tem se colocado como tema atual e de mobilização progressiva na medida em que se apresentam como uma das principais causas de afastamento no trabalho e de aposentadorias precoces, ocasionando um forte impacto nas contas da Previdência. Partindo do reconhecimento da LER/DORT, surge uma vasta revisão bibliográfica que aponta para uma maior amplitude e complexidade que esta veio assumindo REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) nas últimas décadas em nossa sociedade. Entretanto, o curso da magnitude epidemiológica que envolve a LER/DORT, só será compreendida, a partir do momento em que partirmos diretamente da realidade, da percepção e possibilidade dos trabalhadores envolvidos neste processo. Face essa polêmica, em Santa Cruz do Sul /Rio Grande do Sul (RS), o Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias do Fumo e da Alimentação (STIFA) em parceria com a Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC) através da formação do grupo: LER/DORT: O que eu faço agora?, têm buscado viabilizar um espaço de reflexão e ação aos trabalhadores afastados do trabalho, colocando em evidência o sofrimento produzido pela LER/DORT. Destas práticas, têm se encontrado uma sistematização de idéias inovadoras que articuladas têm contribuído para o esclarecimento dos processos saúde/doença. Neste ínterim, com o objetivo de garantir um espaço onde se possam produzir estratégias de ação na área de saúde do trabalhador, o presente trabalho tem como proposta apresentar algumas problematizações realizadas junto a esta organização sindical, partindo diretamente da organização do grupo de trabalhadores afastados do trabalho por LER/DORT. Acredita-se que a intervenção junto a esses trabalhadores transcende a intervenção individual, curativa ou terapêutica, exigindo ações voltadas tanto para a organização do trabalho fabril quanto para as políticas de saúde do trabalhador e seus serviços, na medida em que possibilita que os mesmos se reconheçam como trabalhadores capazes de refletirem sobre a realidade social em que se encontram. Com o intuito de ressaltar o contexto dessa temática contemporânea, entende-se que o diferencial e a contribuição deste estudo deslocam-se no sentido de dar uma maior visibilidade da situação de vida e de trabalho, em um local geograficamente distante de expressivos espaços de articulação e de discussão dos atores nela envolvidos. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 412 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) METODOLOGIA O universo deste estudo contou com a participação do grupo: LER/DORT: O que eu faço agora? constituído ao longo do 1º (primeiro) e do 2º (segundo) semestre do ano de 2005, envolvendo em torno de 15 (quinze) trabalhadores afastados do trabalho em decorrência da LER/DORT. No total, foram 12 (doze) encontros, com duração aproximada de 01 (uma) hora e 30 (trinta) minutos, de periodicidade quinzenal, conduzidos na sede do STIFA por estudantes do curso de psicologia da UNISC. Durante os encontros, buscou-se refletir sobre o adoecimento a partir das relações produzidas no campo do trabalho e o papel de cada trabalhador frente a ações coletivas no combate a LER/DORT. Deste modo, para a exploração da realidade empírica, percebeu-se a necessidade de conduzir este estudo numa perspectiva metodológica que ressaltasse sua dimensão qualitativa, de modo a compreender os significados atribuídos ao adoecimento por LER/DORT por este grupo de trabalhadores. Partindo da narrativa do grupo de trabalhadores, foi adotado como técnica de tratamento de dados, a análise de conteúdo, numa perspectiva mais aproximada de um estudo crítico. Este método busca obter de forma sistemática, informações que permitam a realização de inferências acerca do objeto de estudo. Com efeito, sua notabilidade foi justificada no momento em que foi possível organizar informações que antes se encontravam dispersas no grupo, conferindo-lhe uma nova importância como fonte da pesquisa. RESULTADOS Os dados obtidos através da análise de conteúdo foram capazes de evidenciar algumas questões norteadoras sobre os efeitos da LER/DORT na vida deste grupo de trabalhadores no interior do RS, a saber: ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 413 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) a) insatisfação com a organização do trabalho: a insatisfação e o sentimento de descaso das empresas com relação à saúde do trabalhador tornam-se evidente, na medida em que esta não reconhece o nexo-causal da doença com as relações de trabalho. “O funcionário só é bom quando está apto ao trabalho, quando este não consegue mais trabalhar, ele se torna um Zé Ninguém”. ―Depois que eu me afastei do trabalho, a firma nunca mais quis saber como eu estava, nem um telefonema me deram. Mas quando eu era bom, eles se lembravam de mim”. “Se não fosse o sindicato, eu nem saberia que eu tinha direito a uma CAT, ia ir para a rua sem direito nenhum”. b) preconceito e discriminação social: neste caso, o sentimento de exclusão dos trabalhadores tanto do grupo familiar quanto do grupo de trabalho, torna-se evidente, na medida em que estes desconhecem o sofrimento causado pela LER/DORT bem como os seus sintomas. “Eu nem sei como me sinto, só sei que passo muita humilhação, até em casa as pessoas não me entendem, chegando a me chamarem de mula paralítica, tu sabe o que é passar por esta situação?”. “Existe um preconceito muito grande em cima de nós, os colegas de trabalho não entendem esta “dor” e dizem que a gente não quer trabalhar”. c) descaso dos peritos no reconhecimento da LER/DORT: o descomprometimento; a falta de postura; a falta de preparo e de informações dos médicos peritos do Instituto Nacional de Segurança Social (INSS) são questões que se repetem inúmeras vezes nos encontros do grupo, uma vez que são estes os ―detentores‖ do saber sobre o processo de saúde/doença dos trabalhadores. “As perícias estão ficando cada vez mais rigorosas, eles chegam a olhar as nossas mãos procurando calos, pois se tiver, dizem que estamos trabalhando em casa, é muita humilhação, mas eu não vou desistir, vou fazer perícia enquanto eu puder suportar”. “Esse negócio das pessoas ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 414 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) irem lá e fingirem sentir dor, se torna muito ruim pra nós que realmente sofremos, com isso estoura a corda do nosso lado”. d) sentimento de desvalia: neste sentido foi possível perceber nas narrativas, um tema bastante comum anterior a LER/DORT, o fato de poder ser ―útil‖, independente e que lamentavelmente só lhes restaram as lembranças deste passado. “Quando eu não tinha LER/DORT eu podia cozinhar, trabalhar, sem sentir dor, hoje eu não consigo nem lavar um prato”. “Eu gostava de trabalhar, não me queixava disso, sempre fazia tudo sozinha, sem ajuda, e hoje eu tenho que pedir ajuda de minha filha pra tudo, não sei o que seria de mim sem ela, pra mim é difícil, muito difícil”. e) falta de informação sobre a LER/DORT: o desconhecimento da existência das redes de proteção no município e região; a dificuldade de acesso a informações sobre LER/DORT são questões facilmente identificadas e reconhecidas pelos trabalhadores. “A gente não ouve falar de LER/DORT na televisão, não vê nos jornais. As pessoas nos discriminam muito por isso, a gente não sabe quem pode ajudar, mas vai caminhando até encontrar mais informações, nos precisamos muito disso!”. f) necessidade de mobilização da classe trabalhadora: o reconhecimento da necessidade de legitimação dos seus direitos, de espaços de luta e de mobilização que denunciem os agravos relacionados à saúde dos trabalhadores, são temáticas inovadoras que passaram a ser discutidas no interior do grupo de trabalho. “As pessoas carecem de informações, a gente enquanto classe tem que bolar algo legal, para que os trabalhadores que ainda não adoeceram não sejam as próximas vítimas”. “Acho que seria interessante no próximo ano, começarmos a reivindicarmos pelo o que é nosso”. Como principais resultados desta análise, pôde-se evidenciar entre os trabalhadores situações como: insatisfação; limites decorrentes da lesão; ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 415 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) impactos na vida emocional; discriminação ao trabalhador com LER/DORT e o descaso das empresas e dos peritos do INSS em relação à saúde do trabalhador, evidenciando que as dificuldades estão para além das limitações impostas por aspectos fisiopatológicos da doença. Além de ser um espaço de reflexão, o grupo parece ter se configurado enquanto espaço favorável na transformação do sofrimento, na medida em que viabiliza o coletivo refletir sobre o adoecimento a partir das relações produzidas no campo de trabalho e a reavaliar a partir daí o papel de cada trabalhador frente às ações coletivas no combate a LER/DORT. CONSIDERAÇÕES FINAIS As reflexões construídas pelos trabalhadores no interior do grupo: LER/DORT: O que eu faço agora? demonstrou ser um fio condutor de uma possível prática em saúde do trabalhador, que deve continuar sendo (re)pensada, já que denotou não só as limitações impostas pelos aspectos fisiopatológicos da doença, mas também de um sofrimento resultante da inserção de um universo de relações pautadas pela descrença, por se perder a saúde, por não ser reconhecido, pela discriminação, pela humilhação nas perícias médicas e por ser excluído do ambiente de trabalho. Porém, entende-se que ainda existem lacunas a serem preenchidas e que o trabalho desenvolvido deva continuar em outros espaços, problematizando, o cenário precarizado das relações de trabalho. Entretanto, é preciso estar atento que para se envidar esforços na luta por melhores condições de saúde, devemos antes de qualquer coisa, respeitar a história, a subjetividade e o conhecimento prático advindo do trabalhador que a nós se apresenta. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 416 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) Logo, com a realização deste estudo, presenteia-se que uma intervenção no âmbito da saúde coletiva, torna-se possível. Porém, não é tarefa fácil, uma vez que o nosso papel não pode ser concebido como um produto a ser entregue, mas como uma proposta, que deve estimular a percepção do exercício do ―fazer‖, na medida em que se aprende, compreende e intervém no contexto social que a nós se apresenta de forma multifacetada. BIBLIOGRAFIA BARDIN, L. Análise de conteúdo (3ª ed.). Portugal: Edições 70, 2004. GRAVINA, M. E. R. Lesões por esforços repetitivos: uma reflexão sobre os aspectos psicossociais. Saúde e Sociedade, v.11, n.2, p.1-16, 2002. LANCMAN, S. (2004). O mundo do trabalho e a psicodinâmica do trabalho. In Lancman, S. & Sznelwar (Orgs.). Christophe Dejours: da psicopatologia à psicodinâmica do trabalho. Brasília: Paralelo, 2004. Cap. 1 (p. 23-34). LOPES, C. S.; NAUJORKS, C.J. Construindo ações para a superação dos efeitos da LER/DORT na saúde do trabalhador. Anais do VI Congresso de Stress da ISMA-BR. Porto Alegre/RS, Brasil, 2006. NETZ, J. SALLES, M. 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A saúde do trabalhador, como campo de conhecimento e intervenção, reconhece a construção social do processo de saúde-doença e as necessidades sociais decorrentes dos agravos produzidos por esse processo. Condição essa, que requer um conjunto de respostas, as quais passam, fundamentalmente, pela conformação de um sistema de proteção social que materialize direitos sociais, frente às diferentes formas de degradação do trabalho que repercutem, historicamente, sobre a saúde do trabalhador e intensificam-se na atualidade. Nessa perspectiva, a discussão saúde do trabalhador e proteção social situase num debate amplo, envolvendo a análise das diferentes expressões do trabalho hoje e sua conformação como produto da crise capitalista em seu processo de reestruturação. Ela também envolve a compreensão dos rebatimentos das mudanças políticas e econômicas legitimadas pelo Estado, e, por conseguinte, o papel que esse assume frente as grandes fraturas resultantes da acumulação predatória do capital. Evidencia-se que, a questão social, enquanto produto da produção e reprodução das relações sociais e da centralização da riqueza é a expressão, sem retoques, de como são produzidas as desigualdades sociais na sociedade REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) capitalista. Pensar formas de enfretamento das desigualdades passa por uma rigorosa discussão teórica e política que reafirme o direito à saúde do trabalhador, em detrimento à banalização da vida, bem como pela construção de espaços públicos de debate em torno de políticas publicas de proteção social. Busca-se fazer, neste artigo, inicialmente, uma discussão em torno do trabalho na atualidade e suas repercussões sobre a saúde do trabalhador, para, posteriormente, se fazer a relação de como, historicamente, vem se configurando a proteção social no contexto do trabalho e da saúde e as lacunas presentes nesse campo, quer seja pela sua ausência ou, pela sua inoperância. Busca-se, assim, evidenciar como se apresentam as novas necessidades produzidas pelo sócio-metabolismo do capital na atualidade. Essas são questões teóricas que desafiam o campo de conhecimento sobre trabalho e saúde; são categorias, que nem sempre conseguem ser capturadas na realidade, nas suas contradições e totalidades históricas, dadas as características que perpassam a saúde do trabalhador na conflitante relação capital e trabalho, face a crescente forma de apropriação desse, pelo capital. AS CONFIGURAÇÕES DO TRABALHO E A SAÚDE DO TRABALHADOR A indissociabilidade entre trabalho e saúde, embora milenar, vem ganhando maior visibilidade e repercussão na atualidade, frente a dois fenômenos contemporâneos. De um lado, pelo crescimento das doenças relacionadas ao trabalho e de outro, pela intensificação do trabalho como fator desencadeador do adoecimento, mas invisibilizado pelas diferentes formas de ocultamento social dessa relação. Para o desvendamento desse fenômeno, torna-se essencial interrogar-se sobre que trabalho é esse que provoca o adoecimento, e que configurações adquire esse trabalho que tem na sua natureza, a apropriação da saúde. Essas questões remetem à análise do processo de reestruturação produtiva como parte da ofensiva do capital frente a sua atual crise. O capitalismo, na sua fase de financeirização, traz ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 419 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) conseqüências destrutivas sobre o trabalho, evidenciadas nas diferentes e crescentes formas de precarização e precariedade do trabalho. Na literatura atual a noção de precarização está associada à perda de direitos, os quais são resultantes de conquistas históricas da classe trabalhadora; já a ideia de precariedade, refere-se às atuais características do trabalho vivo como mercadoria, e que vem atingindo as diversas dimensões da vida social. Características, portanto, do novo ciclo de acumulação capitalista que intensifica a sua função predatória estrutural, constitutiva do seu sócio-metabolismo, resultando na ampliação da mercantilização e banalização do trabalho humano. Compreender a saúde do trabalhador requer, assim, uma investigação sólida, de como o trabalho se configura na atualidade, e de que exigências recaem sobre o trabalhador. Contemporaneamente, muitas são as expressões do trabalho e essas estão representadas, fundamentalmente: a) nas atuais exigências sobre o trabalho como: ritmo aumentado, controle reforçado, redução de tempos mortos, complexificação dos sistemas; b) nas formas de prescrição do trabalho, como: as mudanças de natureza do trabalho definido como uma missão; exigências comportamentais – implicações subjetivas, e auto-prescrição o trabalhador é cronômetro de si, e por fim; c) nas mudanças que incidem sobre do emprego e trabalho, que se manifestam na precarização objetiva e subjetiva, nas formas diversificadas de contrato, organização e condições de trabalho e em diferentes formas de instabilidade. Ou seja, tem-se perversas expressões do trabalho oriundas das transformações situadas no chamado ―mundo do trabalho‖, mas que, em si, sintetizam as grandes mudanças societárias. Tais mudanças se caracterizam como produto sócio-histórico da relação capital e trabalho e, ao mesmo tempo, atingem todas as formas de sociabilidade humana. O trabalho invade a esfera da vida social e familiar do trabalhador de forma a mantê-lo conectado a esse initerruptamente; centralidade essa, dada pela capacidade do capital de subordinação de todo tipo de trabalho ao processo de acumulação através da apropriação do valor-trabalho. Tal realidade tem acarretado novas determinações sobre o processo de saúde-doença representado pela sobresolicitação do trabalho, resultantes das formas de organização e gestão do trabalho, ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 420 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) cada vez mais intensificadas e planificadas em metas e prazos, ajustados à exigência de uma produtividade sem limites. O cenário atual em o trabalho se apresenta, não pode ser dissociado da complexa configuração da classe trabalhadora e sua heterogênea composição. Os elementos presentes não dizem respeito apenas à sua materialidade, mas substancialmente, sobre a subjetividade do trabalhador, enquanto sujeito histórico e coletivo, e, por conseguinte, para sua classe social. A fragmentação do trabalhador e de sua classe social é compreendida como resultante da combinação de processos sociais em curso, que se fazem acompanhar das formas fetichizadas, de como o capital se apresenta. Essas cumprem funções ideológicas e políticas que destituem o trabalhador de sua condição de produtor da riqueza socialmente produzida, para a condição de ―colaborador‖ da riqueza individualmente apropriada. Contraditoriamente, o desenvolvimento das forças produtivas, como parte da combinação do avanço técnico-científico, favorece a expansão do capital, sem que o trabalho possa usufruir de seus produtos. A manifestação mais drástica desse processo, é que ele torna ―descartável‖ uma parcela cada vez maior de trabalhadores. São trabalhadores que se encontram no mesmo ―mundo‖ do trabalho, porém, passam a compor um grande exército de reserva, com características, nem sempre claramente identificáveis. A distinção e conformação da classe trabalhadora, nos seus aspectos quantitativos e qualitativos, muitas vezes, referem apenas aos dados de sua representação na divisão sócio-técnica do trabalho, nas formas de ocupação, qualificação e exigências dadas pelo mercado de trabalho. Tal análise, não traduz quem é esse trabalhador hoje, sua forma de ser e trabalhar contemporânea e não consegue abstrair sua dimensão de ser histórico frente a conflitiva relação que se estabelece na inversão de sujeito-objeto em tempos de capital fetiche. Na medida em que se aprofunda a discussão sobre o trabalho, ampliam-se as possibilidades de compreender a saúde do trabalhador como constitutiva da contradição capital e trabalho. Significa, que, ao mesmo tempo em que se acentuam essas contradições é fundamental coloca-las como centrais da luta social contemporânea. A dimensão política da saúde do trabalhador coloca em relevo antigas e atuais confrontações cotidianas que incidem ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 421 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) sobre o processo de saúde e doença, perspectivas teóricas, modelos de atenção à saúde do trabalhador e mecanismo de reconhecimento de direitos sociais. Mais especificamente, esse embate teórico e político deve contribuir com a superação do modelo hegemônico que, historicamente, norteou práticas profissionais e investigações no campo profissional e científico da saúde do trabalhador. Modelo esse, assentado nos ―riscos‖ socialmente aceitáveis relacionados ao trabalho, foi sendo legitimado por um estatuto legal que suplantou o conceito de erro, negligência e exploração. O risco indenizável, não questiona o que acarretou o agravo sobre a saúde do trabalhador, contribuindo para ampliar a naturalização do acidente e do adoecimento relacionado ao trabalho e sua invizibilização como construção sócio-histórica. Dessa forma, esses elementos são constitutivos de um processo que não reconhece a saúde-doença como resultante da organização do trabalho e das condições de vida, tendendo à individualização do fenômeno, em detrimento da sua dimensão social. Esse caráter de direito individual se constituiu sobre a lógica securitária da proteção desde o século XIX, atravessando o século XX, e permanecendo, no tempo presente, alheio às mudanças processadas na esfera do trabalho. A (DES) PROTEÇÃO À SAÚDE DO TRABALHADOR: ASPECTOS HISTÓRICOS E CONTEMPORÂNEOS As mudanças que envolvem a esfera do trabalho na sociedade atual, num contexto marcado pela radicalização do capital sobre o trabalho, produzem novas necessidades sociais. Essas necessidades emergem das atuais formas produtivas, que estão alterando, não só a natureza dos seus processos, mas principalmente, a condição de trabalho assalariado. Elas representam antigas manifestações, socialmente reconhecidas, da questão social e historicamente enfrentadas e mediadas pelo Estado, que passou a disciplinar e regular as relações sociais da produção capitalista. A emergência do sistema de proteção social tem ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 422 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) sua origem e evolução, assentadas, fundamentalmente, nas desigualdades sociais que acompanham os diferentes estágios da sociedade capitalista e foi sendo sedimentada através do trabalho assalariado. A proteção social, assim, se expressa em mediações da representação entre Estado e classes sociais e se consolida como estratégia de atendimento das necessidades sociais, a partir da luta por reconhecimento da classe trabalhadora, como ator político fundamental para a produção e reprodução dessa sociedade. A concepção de proteção social surgiu a partir do modelo de seguro social e evoluiu para o conceito de seguridade social, constituindo-se num campo jurídico formal, garantidor de direitos. Representou em si a incorporação de direitos sociais, conquistados pelo movimento sindical, nas relações contraditórias entre as classes sociais. Historicamente, a proteção social se efetivou através da intervenção do Estado na implantação de políticas sociais, como produto do embate político e econômico e resposta ao ciclo de acumulação capitalista. A instituição da seguridade social como constitutiva do Estado social, após a segunda guerra mundial foi uma resposta efetiva à crise capitalista desse período. Os avanços obtidos, pela classe trabalhadora, entretanto, foram sendo suprimidos pelo advento do sistema neoliberal, assentado no paradigma do Estado mínimo, a partir dos anos 70 do século XX. Tal modelo buscou legitimar-se politicamente e ideologicamente na contramão do recrudescimento do trabalho. Ou seja, de um lado o papel do Estado se alterando, e do outro, o trabalho, como mecanismo central de acesso a proteção social, se precarizando, tendo como consequência a escassez crescente de acesso a renda e a serviços públicos constitutivos de políticas sociais, cujas insuficiências demonstram a falta de investimento público nesse campo. No Brasil, a concepção de seguridade social, constitucionalmente garantida pela Constituição de 1988, traz avanços no campo da proteção social, basicamente na universalização da saúde e no reconhecimento da assistência social como política pública. Entretanto, o campo da previdência social – núcleo central do sistema de proteção social brasileiro - mantém seu viés contratual e assegurador de direitos apenas a quem contribui. O ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 423 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) paradoxo entre mudanças relacionadas à forma de como trabalho circula no sistema capitalista e a reedição de um modelo de proteção social securitário, vem gerando uma crescente camada de trabalhadores totalmente desprotegidos. Assim, a inserção precarizada de trabalhadores no mercado de trabalho e a ausência do vínculo formal, acaba por comprometer o acesso aos direitos previdenciários e, consequentemente, o direito do trabalhador frente às necessidades relacionadas, fundamentalmente, ao adoecimento, acidentes do trabalho, e demais necessidades decorrentes dos ciclos vitais. Realidade essa que demostra , o não reconhecimento de que novas formas de desigualdades sociais estão sendo produzidas. Esse modelo não atende, ou não irá atender, aproximadamente 40% da população brasileira, que realiza um trabalho sem quaisquer garantias legais. Dados da Previdência Social (5) brasileira, com base na Pesquisa Nacional de Amostra à domicilio – PNAD, revelam que de cada 10 (dez) trabalhadores da População Economicamente Ativa – PEA, 4 (quatro) não possuem cobertura da previdência social.O assalariamento ainda permanece como condição principal para o vínculo contratual com a previdência social e a garantia de direitos é decorrente dessa relação, embora haja a possibilidade de vincular-se como trabalhador individual, esse é inexpressivo frente às condições em que o trabalho ―por conta‖ é realizado. Destarte, dessas considerações que há uma grande fratura no sistema de proteção social no Brasil, onde uma significativa massa de trabalhadores não encontra nenhum mecanismo de proteção social. É nesse contexto, a saúde do trabalhador vem a expor de forma dramática as contingências trazidas do processo de saúde-doença. Revela que, ao mesmo tempo em que a perda da saúde representou uma forma de apropriação do capital sobre o trabalho, cujas necessidades de proteção social, advindas desse processo, não são atendidas. Ainda há de se considerar que, mesmo para o trabalhador assalariado, a negação desse direito tem se constituído numa realidade adversa as suas necessidades. O caráter de seguro social e a concepção de risco aceitável contribuem para manter elevado o número de doenças não reconhecidas como decorrentes do trabalho, mesmo em que pese a introdução pela previdência social de novas formas de estabelecimento de nexo causal. Direito previdenciário que não se efetiva na sua plenitude no campo previdenciário, ocasionando uma crescente judicialização desse direito. ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 424 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) Por outro lado, a face mais perversa desse modelo estrutural de proteção social e que não encontra resposta no âmbito da seguridade social, está no não asseguramento de direitos para os trabalhadores, que são descartados pela lógica produtivista do capital. São trabalhadores considerados sem, ou com perda, da ―capacidade útil‖ para o trabalho. Sua funcionalidade para o capital está associada a novas exigências, que não se adequam ao perfil desse trabalhador. Nesse mesmo lugar, está o trabalhador que sofreu acidente, teve doenças relacionadas ao trabalho ou qualquer outra forma de adoecimento. Sua exclusão do ―mundo do trabalho‖ vai além das sequelas decorrentes desses agravos sobre sua saúde, são resultantes de marcas socialmente construídas sobre o trabalho, que contêm no seu valor a mesma lógica da utilidade e descartabilidade como qualquer outra mercadoria que circula no processo de produção e de riqueza da sociedade capitalista. CONSIDERAÇÕES FINAIS A saúde do trabalhador e suas determinações históricas e contemporâneas são intrínsecas às formas em que o trabalho, enquanto produtor de riqueza se apresenta na atualidade. Ao mesmo tempo, revela que o direito à saúde do trabalhador requer estratégias e mecanismos de proteção social, frente a um cenário que vem demonstrando uma tendência cada vez mais crescente de precarização do trabalho face ao agudizamento da relação capitaltrabalho. Cenário esse, que conforma uma nova sociabilidade humana, atravessada pelas diferentes formas de como as desigualdades sociais são construídas, gerando insegurança e incertezas, cotidianamente, aos trabalhadores. A proteção social adquire novos significados perante a indissociável relação trabalho e processo de saúde-doença e o contexto societário. A garantia do direito à saúde é multidimensional, e representa um direito primordial. Requer a presença efetiva do Estado, com vistas a coibir a destruidora força do capital sobre a saúde do trabalhador, e que, ao mesmo tempo, precisa garantir e criar ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil Página 425 REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br) mecanismos que possam barrar a perda de outros direitos, que emergem da negação do primeiro direito – a saúde. São necessidades de renda, de acesso a bens e serviços a serem supridas, mas também de reconhecimento do trabalhador, enquanto sujeito político. Dessa forma, a saúde do trabalhador precisa ser dotada de força social, incorporada a outras formas de organização social, para assim, contribuir no enfrentando da lógica destrutiva do capital sobre o trabalho e que se reproduz sobre todas as dimensões da vida social. BIBLIOGRAFIA ALVES, Giovani. Dimensões da reestruturação produtiva – Ensaios de sociologia do trabalho, 2ª Ed. Londrina: Práxis, 2007. BEHRING, Elaine. A política social no capitalismo tardio. São Paulo: Cortez, 2002. BRASIL. Ministério da Previdência Social. Disponível em www.previdencia.gov.br. Acesso em: maio de 2011. IAMAMOTO, Marilda V. O Serviço Social em tempo de capital fetiche – capital financeiro, trabalho e questão social. São Paulo: Cortez, 2007. PEREIRA, Potyara A. P. Necessidades Humanas: subsídios à critica dos mínimos sociais, 2.ed. SP: Cortez, 2000. 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