ANAIS III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE Saúde e Precarização do

Transcrição

ANAIS III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE Saúde e Precarização do
ANAIS
III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE
Saúde e Precarização do Homem que Trabalha
Organização e Coordenação
Giovanni Alves
André Luís Vizzaccaro-Amaral
Daniel Pestana Mota
“Indústria Moderna” (1933)
Diego Rivera ● 1886 | 1957
PUBLICAÇÃO DA
REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (RET)
www.estudosdotrabalho.org
LONDRINA-PR-BRASIL
AGOSTO . 2011
ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO
HOMEM QUE TRABALHA
RET ● Rede de Estudos do Trabalho ● www.estudosdotrabalho.org
Coordenador Geral
Prof. Dr. Giovanni Alves ● [email protected]
ORGANIZAÇÃO E COORDENAÇÃO
Giovanni Alves (UNESP) ● [email protected]
Graduado em Ciências Sociais pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR:
http://www.unifor.br), Mestre em Sociologia pela Universidade Estadual de
Campinas (UNICAMP: http://www.unicamp.br), Doutor em Ciências Sociais pela
UNICAMP e Livre-Docente em Teoria Sociológica pela Universidade Estadual
Paulista (UNESP: http://www.unesp.br). Professor Adjunto na Faculdade de
Filosofia e Ciências de Marília-SP da UNESP (FFC-UNESP:
http://www.marilia.unesp.br), Bolsista Produtividade Nível II pelo Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Coordenador Geral
da Rede de Estudos do Trabalho (RET: http://www.estudosdotrabalho.org),
Pesquisador Assessor da Associação para a Defesa da Saúde no Trabalho (ADESAT:
http://www.adesat.org.br) e Líder do Grupo de Pesquisa “Estudos da Globalização”
(GPEG-FFC-UNESP/CNPq: http://dgp.cnpq.br/buscaoperacional/
detalhegrupo.jsp?grupo=0330702BLVF54H).
André Luís Vizzaccaro-Amaral (UEL) ● [email protected]
Graduado e Mestre em Psicologia pela Faculdade de Ciências e Letras de Assis da
Universidade Estadual Paulista (FCLAs-UNESP: http://www.assis.unesp.br) e
Doutorando em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia e Ciências de Marília da
UNESP (FFC-UNESP: http://www.marilia.unesp.br). Professor Assistente junto ao
Departamento de Psicologia Social e Institucional do Centro de Ciências Biológicas
da Universidade Estadual de Londrina (PSI-CCB-UEL: http://www.uel.br).
Daniel Pestana Mota (ADESAT) ● [email protected]
Graduado em Direito pela Universidade de Marília (UNIMAR:
http://www.unimar.br) e Mestre em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia e
Ciências de Marília da Universidade Estadual Paulista (FFC-UNESP:
http://www.marilia.unesp.br). Advogado Trabalhista, Assessor Jurídico da
Associação para a Defesa da Saúde no Trabalho (ADESAT:
http://www.adesat.org.br) e Membro Colaborador da Rede de Estudos do Trabalho
(RET: http://www.estudosdotrabalho.org).
ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO
HOMEM QUE TRABALHA
Publicação de Trabalhos Científicos Selecionados para Apresentação Oral nas Sessões de
Comunicação de Pesquisa do “III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: Saúde e Precarização do
Homem que Trabalha”, realizado entre os dias 10 e 11 de Agosto de 2011, nos Centros
de Letras e Ciências Humanas (CLCH) e de Estudos Sociais Aplicados (CESA), da
Universidade Estadual de Londrina (UEL), em Londrina-PR, Brasil.
Promoção
RET ● Rede de Estudos do Trabalho ● www.estudosdotrabalho.org
ADESAT ● Associação para a Defesa da Saúde no Trabalho ● www.adesat.org.br
Em parceria com:
UEL ● Universidade Estadual de Londrina
PROEX-UEL ● Pró-Reitoria de Extensão da UEL
ITEDES ● Instituto de Tecnologia e Desenvolvimento Econômico e Social
ELO CONSULTORIA ● Empresa Júnior de Psicologia da UEL
Comissão Científica
Dr. Ricardo Antunes (UNICAMP)
Dra. Edith Seligmann-Silva (USP)
Dr. Giovanni Alves (UNESP)
Dra. Margarida Barreto (PUC-SP / FCM-Santa Casa-SP)
Dra. Maria Elizabeth Antunes Lima (UFMG)
Dr. Reginaldo Melhado (UEL)
Dra. Renata Paparelli (PUC-SP)
Dr. Sergio Augusto Vizzaccaro-Amaral (GPEG-UNESP)
Parceria Institucional e Apoio
ALAL ● Asociación Latinoamericana de Abogados Laboralistas
OMS ● Centro Colaborador da Organização Mundial da Saúde em Saúde Ocupacional
IPEA ● Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
FUNDACENTRO ● Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho
ANPT ● Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho
FUNDAÇÃO ARAUCÁRIA ● Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Paraná
SETI ● Secretaria da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do Estado do Paraná
AMATRA IX ● Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 09ª Região
EJ-TRT-09 ● Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 09ª Região
FTIAPR ● Federação dos Trabalhadores da Indústria de Alimentos do Estado do Paraná
PSI-CCB-UEL ● Departamento de Psicologia Social e Institucional do Centro de
Ciências Biológicas da Universidade Estadual de Londrina
PÓS-POT-CCB/PROPPG-UEL ● Curso de Especialização em Psicologia Organizacional e
do Trabalho do Centro de Ciências Biológicas e da Pró-Reitoria de Pesquisa e PósGraduação da Universidade Estadual de Londrina
Os conceitos e ideias emitidos nos
textos publicados são de exclusiva
responsabilidade dos autores, não
implicando obrigatoriamente na
concordância das Entidades
Promotoras e da Comissão
Científica.
Endereço para
correspondência
Prof. Dr. Giovanni Alves
 Rede de Estudos do Trabalho
 Grupo de Pesquisa “Estudos da
Globalização”
 Programa de Pós-Graduação em
Ciências Sociais
 Departamento de Sociologia e
Antropologia
 Faculdade de Filosofia e Ciências
de Marília
 Universidade Estadual Paulista
“Júlio de Mesquita Filho”
Rua Hygino Muzzi Filho ● nº 737
Caixa Postal nº 181
CEP 17.525-900 ● Marília ● SP
Brasil
Tel. +55 14 3402-1300
Publicação eletrônica
(Agosto de 2011)
Anais do III Fórum Trabalho e
Saúde: Saúde e Precarização
do Homem que Trabalha,
Londrina-PR: UEL, ago. 2011.
Equipe Técnica
Diagramação
André Vizzaccaro-Amaral
Editoração
André Vizzaccaro-Amaral
Webdesign
Giovanni Alves
Sumário
Apresentação
III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE
TRABALHA
Giovanni Alves
André Vizzaccaro-Amaral
Daniel Pestana Mota
009
Trabalhos
Sessão 01
Trabalho, Saúde e Direito do Trabalhador
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

A GLOBALIZAÇÃO E A RESPONSABILIDADE EMPRESARIAL EM FACE DAS
ATIVIDADES DE RISCO NAS RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL
OLIVEIRA, L. J.; SANTAROSA, L. A.; DAMIÃO, D. R. R.; TEIXEIRA, C. F. A.;
BATISTUTE,R. M.; SEDASSARI, S. C.; SPITI, C.
MESTRADO EM DIREITO ● UNIMAR-MARÍLIA-SP
033
OS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE NAS
INDENIZAÇÕES POR ACIDENTE DE TRABALHO: CASOS NO ESTADO DO RIO
GRANDE DO NORTE
DAMIÃO, D. R. R.; XAVIER, M. F. D.; OLIVEIRA, L. J.
MESTRADO EM DIREITO ● UNIMAR-MARÍLIA-SP
042
O SOFRIMENTO DO SUJEITO NA ORGANIZAÇÃO: AS CONTRIBUIÇÕES DA
PSICOLOGIA PARA A INVENÇÃO DE UM NOVO ESPAÇO DE TRABALHO
MANFREDI, F.; SÁ, F. S. DE; SIGNORINI, T.
DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA ● UNIPAR
057
SAÚDE DO TRABALHADOR: OBRIGAÇÕES DO EMPREGADOR E ACIDENTE DE
TRABALHO
BENTO, F.; RIBEIRO, V. A.
UNOPAR-LONDRINA-PR
070


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
ASSÉDIO MORAL INDIRETO E DIREITO SOCIAL: DA REESTRUTURAÇÃO
PRODUTIVA À “JURIDICIALIZAÇÃO” DAS RELAÇÕES DE TRABALHO – UMA
REVISÃO DA LITERATURA (2008 A 2011)
VIZZACCARO-AMARAL, C. E.; VIZZACCARO-AMARAL, A. L.; VIZZACCARO-AMARAL, S. A.
GPEG ● UNESP-MARÍLIA-SP
DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA SOCIAL E INSTITUCIONAL ● UEL-LONDRINA-PR
076
PROGRAMA DE FORMAÇÃO POLÍTICO SINDICAL DA ASSOCIAÇÃO DOS
PROFESSORES DO PARANÁ (APP-SINDICATO): ASPECTOS PRELIMINARES
ARAUJO, F.
MESTRADO EM EDUCAÇÃO ● UEL-LONDRINA-PR
094
SINDICALISMO, PRIVATIZAÇÃO E INTERNACIONALIZAÇÃO DA VALE S.A.: O
CASO DO SINDICATO SINDIMINA/RJ
CARVALHO, L. N. de
PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA E DIREITO ● UFF-RIO DE JANEIRO-RJ
102
TIRANDO O VÉU: A INFLUÊNCIA DO CAPITAL SOBRE AS ESTRUTURAS DAS
DEMOCRACIAS MUNICIPAIS
SOUTO, V. M. M.
MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS ● UNESP-MARÍLIA-SP
112
Sessão 02
Trabalho, Saúde e Precariedade

MECANISMOS DE CONTROLE EM CALLCENTERS: PRECARIZAÇÃO DO
TRABALHO E SUA RELAÇÃO COM A SUBJETIVIDADE DOS ATENDENTES DE
CENTRAIS DE ATENDIMENTO
BRUNING, C.; SCHMITT RAGNINI, E. C.
PSICOLOGIA ● UFPR-CURITIBA-PR
128

MOTO-TÁXI: A VIDA E A MORTE SOBRE DUAS RODAS
ABONIZIO, G. P.
CIÊNCIAS SOCIAIS ● UEL-LONDRINA-PR
144

PROJETO DE SAÚDE MENTAL COM TRABALHADORES DA LIMPEZA E SERVIÇOS
GERAIS EM UMA UNIVERSIDADE PRIVADA BRASILEIRA
SILVA, R. A.
PSICOLOGIA ● UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI-SÃO PAULO-SP
155
INTERCORRÊNCIAS ENTRE A PERCEPÇÃO DOS EMPREGADOS E A
FRAGMENTAÇÃO DO TRABALHO A PARTIR DE MODELO ADMINISTRATIVO EM
UNIDADES DE SERVIÇO: UM ESTUDO DE CASO
MOYSES, I. M.; GUEDES, O. de S.;
SERVIÇO SOCIAL ● UEL-LONDRINA-PR
164
CONTRADIÇÕES DA TEORIA DO “TRABALHO IMATERIAL” NO CASO DAS
RELAÇÕES DE TRABALHO NO SETOR DE TELEATENDIMENTO (CALL CENTERS)
MARCELINO, F.; MALATESTA, S.
UFPR-CURITIBA-PR
169





O TRABALHO PRECÁRIO E A SAÚDE PRECARIZADA DA MULHER: UMA
ABORDAGEM SOBRE AS CONDIÇÕES SOCIAIS DAS TRABALHADORAS NAS
UNIDADES DOMÉSTICAS DE PRODUÇÃO DE CONFECÇÕES DE VESTUÁRIO E
ACESSÓRIOS EM TORITAMA-PE
GEHLEN, V. R. F.; RAIMUNDO, V. J.; VASCONCELOS, R. C.; ALENCAR, M. C.
PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL ● GRAPP ● UFPE-RECIFE-PE
RELATO DO ATENDIMENTO PRESTADO A UM TRABALHADOR COLETOR DE
LIXO NO SERVIÇO DE SAÚDE MENTAL DE UM MUNICÍPIO DO CENTRO-OESTE
PAULISTA
LALUNA, N. C.; CHAPADEIRO, B. R.
FAMEMA-MARILIA-SP
UNESP-MARÍLIA-SP
OBJETIVIDADE/SUBJETIVIDADE DOS TRABALHADORES DA EDUCAÇÃO DO
ENSINO SUPERIOR PRIVADO DA REGIÃO DE CAMPINAS SP
JULIO, M. de O.
IPEC-TUPÃ-SP
182
197
214
Sessão 03
Trabalho, Saúde e Agroindústria

INTERVENÇÃO EM SAÚDE DO TRABALHADOR EM UM CURTUME DO OESTE
PAULISTA
RUMIN, C. R.; SILVA, D. B. da; SOUZA, M. A. R. de
PSICOLOGIA ● FAI-ADAMANTINA-SP
221

SAÚDE MENTAL E ESTILO DE VIDA DE PESCADORES DO PANTANAL
FIGUEIREDO, V. C. N.; GALVÃO, L. F.; MELO, W. F. DE; MENDES, D. da C.
DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA ● UFMS-CORUMBÁ-MS
233

TRABALHO E SAÚDE NOS CANAVIAIS DA MATA SUL DE PERNAMBUCO: A
MODERNIZAÇÃO DA ZONA CANAVIEIRA NA MATA SUL DE PERNAMBUCO E A
PRECARIZAÇÃO DA SAÚDE DO TRABALHADOR RURAL
SANTOS, C. W.; GEHLEN, V. R.; CARVALHO, F. A.; SANTOS, M. O.; MENDONÇA, E. R.
DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL ● GRAPP ● UFPE-RECIFE-PE
239

A ESTRATÉGIA DA CARTEIRA DE SAÚDE DO TRABALHADOR DA CANA-DE-AÇÚCAR
MORAES REGO, E. F.; CORREA Fº, H. R.
MESTRADO EM SAÚDE COLETIVA ● DMPS-FCM-UNICAMP-CAMPINAS-SP
248

PROCESSO DE TRABALHO E ADOECIMENTO NA INDÚSTRIA AVÍCOLA: UMA
ANÁLISE A PARTIR DOS PRESSUPOSTOS DA TEORIA DA ADMINISTRAÇÃO CLÁSSICA
ZEN, R. T.
UNIOESTE ● CASCAVEL-PR
264
Sessão 04
Trabalho, Saúde e Serviços








A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO NOS CENTROS DE REFERÊNCIA EM SAÚDE DO
TRABALHADOR (CEREST)
PENARIOL, M. P.; COSTA, E. M.; YASUI, S.
UNESP-ASSIS-SP
278
A ATUALIDADE DO DEBATE SOBRE OS TRABALHADORES EM SAÚDE NO CONTEXTO DO
SUS: ALGUNS APONTAMENTOS
BETTIOL LANZA, L. M.
DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL ● UEL-LONDRINA-PR
287
AGIR ARTICULADO ENTRE ATENÇÃO, REABILITAÇÃO E PREVENÇÃO EM SAÚDE DO
TRABALHADOR: A EXPERIÊNCIA DO CEREST-PIRACICABA
TAKAHASHI, M. A. B. C.; MENDES, T. T.; RODRIGUES, D. S.; BRAVO, E. S.; SIMONELLI, A. P.
CEREST-PIRACICABA-SP
297
“QUANDO O CORAÇÃO QUASE SAI PELA BOCA”: CRISE (DE ANSIEDADE) EM MEIO À
LINHA DE PRODUÇÃO
VERISSIMO, D. M. M.
CEREST-MARÍLIA-SP
307
SOFRIMENTO PSÍQUICO DO AGENTE COMUNITÁRIO DE SAÚDE: INTERFACES ENTRE
PROCESSO DE TRABALHO, FORMAÇÃO E GESTÃO
RIBEIRO, S. F. R.; HELOANI, J. R.
FACULDADE DE EDUCAÇÃO ● UNICAMP-CAMPINAS-SP
316
TRABALHANDO PARA A FORMAÇÃO DO PSICÓLOGO EM POLÍTICAS PÚBLICAS:
EXPERIÊNCIAS EM PSICOLOGIA COMUNITÁRIA DO COTIDIANO
CEDEÑO, A. A. L.
DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA SOCIAL E INSTITUCIONAL ● UEL-LONDRINA-PR
331
REINVENTANDO O COTIDIANO: EXPERIÊNCIAS DE TRABALHO EM UM SERVIÇO DE
CONVIVÊNCIA E FORTALECIMENTO DE VÍNCULOS
MALINOWSKI, M. L.; FUJI, S. K.
GEPP ● CRP-08-LONDRINA-PR
333
PSICOLOGIA, TRABALHO E SUBJETIVIDADE NA APAC-SJ: NOVAS SOCIABILIDADES
FONSECA, J. C. F.; SILVA, C. R.; PESSANHA, P.; DIAS, J. M.; CAMPOS, G. L.; SENDIN, C. S.
DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA ● UFSJ-SÃO JOÃO DEL REI-MG
337
Sessão 05
Trabalho, Saúde e Gestão

DO TRABALHO TERAPÊUTICO AO DIREITO AO TRABALHO – UMA REFLEXÃO NO
CONTEXTO DA ARTICULAÇÃO SAÚDE MENTAL E ECONOMIA SOLIDÁRIA
ANDRADE, M. C.
DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA ● UEM-MARINGÁ-PR
346
TRABALHO E COOPERATIVISMO: ESTUDO DA ORGANIZAÇÃO DOS TRABALHADORES
DA COLETA SELETIVA E RECICLAGEM EM LONDRINA PR (2009-2010)
LANZA, F.; BETTIOL, L.; SANTOS, L. M. L; MORAES, E. E; PELANDA, S. S.
DEPARTAMENTOS: CIÊNCIAS SOCIAIS, SERVIÇO SOCIAL, ADMINISTRAÇÃO ● UEL-LONDRINA-PR
359

REDIMENSIONANDO O PROJETO DE SER PROPRIETÁRIOS DE EMPRESA FAMILIAR
DAMBRÓS, C. P.; EIDAM, A. B.; MELLO, A. A. M.; SOUZA, R. R. P. D.; FREITAS, S. M. P.
DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA ● UEM-MARINGÁ-PR
371

SUBJETIVIDADE E TRABALHO: QUANDO O TRABALHO ADOECE
SIMÕES, F. I. W.
UNESP ● ASSIS-SP
378

BURNOUT SOB A PERSPECTIVA DA TEORIA ANALÍTICA: INTERFACES ENTRE A TEORIA
JUNGUIANA E AS DOENÇAS RELACIONADAS AO TRABALHO
PERES, S. L.; GAZZOLA, R. A.
FACULDADE DE CIÊNCIAS DA SAÚDE ● FASU-GARÇA-SP
391
OS DESAFIOS DA REINSERÇÃO LABORAL DOS AFASTADOS POR TRANSTORNOS
MENTAIS E COMPORTAMENTAIS
ALEVATO, H.
ESCOLA DE ENGENHARIA ● UFF-RIO DE JANEIRO-RJ
400
DA IN(TER)VENÇÃO À IN(VES)TIGAÇÃO: CONSIDERAÇÕES DE UMA EXPERIÊNCIA COM
TRABALHADORES AFASTADOS POR LER/DORT NO INTERIOR DO RIO GRANDE DO
SUL/RS
LOPES, C. S.; MENDES, J. M. R.
NÚCLEO DE ESTUDOS E PESQUISA EM SAÚDE E TRABALHO (NEST) ● UFRGS-PORTO ALEGRE-RS
411
SAÚDE DO TRABALHADOR E PROTEÇÃO SOCIAL
WÜNSCH, D. S; MENDES, J. M. R
NÚCLEO DE ESTUDOS E PESQUISA EM SAÚDE E TRABALHO (NEST) ● UFRGS-PORTO ALEGRE-RS
418




APRESENTAÇÃO
III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO
DO HOMEM QUE TRABALHA
Giovanni Alves
André Luís Vizzaccaro-Amaral
Daniel Pestana Mota
A terceira edição do FÓRUM TRABALHO E SAÚDE ocorreu entre os dias
10 e 11 de agosto de 2011, nas dependências do Auditório Maior do Centro de Letras e
Ciências Humanas (CLCH) e nas Salas de Aula do Centro de Estudos Sociais Aplicados
(CESA) da Universidade Estadual de Londrina (UEL), em Londrina-PR.
FOTO 01
VISTA NOTURNA PANORÂMICA DO MUNICÍPIO DE LONDRINA-PR
Postada e disponível no Facebook, de autoria desconhecida.
O deslocamento do evento do município de Marília-SP para Londrina-PR
deveu-se à viagem do Prof. Dr. Giovanni Alves (UNESP), para a realização de seu PósDoutoramento junto ao Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra (UC),
em Coimbra, Portugal. Pela distância física do Prof. Dr. Giovanni Alves, Coordenador Geral
da Rede de Estudos do Trabalho (RET) e Professor e Pesquisador vinculado ao Departamento
REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br)
de Sociologia e Antropologia (DSA) da Faculdade de Filosofia e Ciências de Marília-SP
(FFC), Campus da Universidade Estadual Paulista ―Júlio de Mesquita Filho‖ (UNESP), a
Presidência da Organização do Evento passou ao Prof. André Luís Vizzaccaro-Amaral,
Membro Colaborador da RET e Professor e Pesquisador vinculado ao Departamento de
Psicologia Social e Institucional (PSI) do Centro de Ciências Biológicas (CCB) da
Universidade Estadual de Londrina (UEL). Por ocasião da ―migração‖ da gestão executiva do
evento, foi realizada a primeira experiência de ―itinerância‖ do FTS.
QUADRO 12: IDENTIFICAÇÃO, NATUREZA E ALCANCE DO EVENTO EM 2011
Identificação
Natureza
Promoção
Período
Local
Alcance
III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE
Saúde e Precarização do Homem que Trabalha
Evento Científico
RET:
Rede de Estudos do Trabalho
ADESAT:
Associação para a Defesa da Saúde no Trabalho
UEL:
Universidade Estadual Londrina
PSI-CCB-UEL:
Departamento de Psicologia Social e Institucional
Centro de Ciências Biológicas
Universidade Estadual de Londrina
PROEX-UEL:
Pró-Reitoria de Extensão
Universidade Estadual de Londrina
ITEDES:
Instituto de Tecnologia e Desenvolvimento Econômico e Social
ELO-UEL:
Elo Consultoria - Empresa Júnior de Psicologia
Universidade Estadual de Londrina
10 e 11 de agosto de 2011
10/08/2011
Auditório Maior do Centro de Letras e Ciências Humanas (CLCH)
Universidade Estadual de Londrina
Rod. Celso Garcia Cid (PR 445), Km 380, Campus Universitário, Londrina-PR
11/08/2011
Auditório Maior do Centro de Letras e Ciências Humanas (CLCH)
Salas de Aula do Centro de Estudos Sociais Aplicados (CESA)
Universidade Estadual de Londrina
Rod. Celso Garcia Cid (PR 445), Km 380, Campus Universitário, Londrina-PR
Nacional
Ainda que a Comissão Organizadora do 3FTS2011 fosse presidida pelo
Prof. André Luís Vizzaccaro-Amaral, a Coordenação Geral do evento continuou a cargo do
Prof. Dr. Giovanni Alves (remotamente, por intermédio de meios eletrônicos e virtuais),
ficando a Comissão Organizadora composta por ambos e pelo Me. Daniel Pestana Mota,
Membro Colaborador da RET e Consultor Jurídico da Associação para a Defesa da Saúde no
Trabalho (ADESAT).
ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil
Página 10
REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br)
QUADRO 13: PROCEDÊNCIA DOS INSCRITOS NO 3FTS2011
Município de Origem dos Inscritos
Estado
Quantidade
Adamantina
Almirante Tamandaré
Americana
Apucarana
Assis
Campo Bonito
Corumbá
SP
PR
SP
PR
SP
PR
MS
1
1
1
1
6
1
1
Cotia
Curitiba
Jaboticabal
Limeira
SP
PR
SP
SP
1
5
1
1
Londrina
Marília
Maringá
Porto Alegre
Presidente Prudente
Recife
PR
SP
PR
RS
SP
PE
24
5
5
2
2
2
Rio de Janeiro
Santa Maria da Serra
São João Del Rei
São Paulo
Telêmaco Borba
Tietê
Umuarama
TOTAL DE INSCRITOS (08 inscrições não foram sistematizadas)
RJ
SP
MG
SP
PR
SP
PR
2
1
2
3
1
1
2
80
Nesse sentido, o evento foi promovido pela Rede de Estudos do Trabalho
(RET) e pela Associação para a Defesa da Saúde no Trabalho (ADESAT) em parceria com a
Universidade Estadual de Londrina (UEL), com a Pró-Reitoria de Extensão da Universidade
Estadual de Londrina (PROEX-UEL), com o Departamento de Psicologia Social e
Institucional do Centro de Ciências Biológicas da Universidade Estadual de Londrina (PSICCB-UEL), com o Instituto de Tecnologia e Desenvolvimento Econômico e Social (ITEDES)
e com a ELO Consultoria – Empresa Júnior de Psicologia da Universidade Estadual de
Londrina (ELO CONSULTORIA-UEL).
Apoiaram a realização do evento a Associação Latinoamericana de
Abogados Laboralistas (ALAL), O Centro Colaborador da Organização Mundial da Saúde em
ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil
Página 11
REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br)
Saúde Ocupacional (CC-OMS-SO), o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), a
Fundação
―Jorge
Duprat
Figueiredo‖
de
Segurança
e
Medicina
do
Trabalho
(FUNDACENTRO), vinculada ao Ministério do Trabalho e Emprego do Governo Federal, a
Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), a Fundação Araucária de Apoio
ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Paraná (FUNDAÇÃO ARAUCÁRIA),
vinculada à Secretaria da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do Governo do Estado do
Paraná (SETI-GOVERNO DO ESTADO DO PARANÁ), a Associação dos Magistrados da
Justiça do Trabalho da 09ª Região (AMATRA IX), a Escola Judicial do Tribunal Regional do
Trabalho da 9ª Região (EJ-TRT-09), a Federação dos Trabalhadores nas Indústrias de
Alimentação do Estado do Paraná (FTIA-PR), o Departamento de Psicologia Social e
Institucional do Centro de Ciências Biológicas da Universidade Estadual de Londrina (PSICCB-UEL) e o Curso de Especialização em Psicologia Organizacional e do Trabalho,
vinculado ao Centro de Ciências Biológicas e à Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da
Universidade Estadual de Londrina (PÓS-POT-PROPPG-UEL).
QUADRO 14: NÚMERO EFETIVO DE PARTICIPANTES DO 3FTS2011
Atividade do Evento
Pré-Abertura
Dia / Horário
Número de
Participantes
10/08/2011
80
14:30h às 18:00 h
Abertura e Mesa de Conferências de Abertura
Sessão de Lançamento de Livros e Mesa de Conferências
Observatório Social do Trabalho
Mesa de Conferências de Encerramento e Encerramento
TOTAL DE INSCRITOS E PARTICIPANTES NÃO INSCRITOS
10/08/2011
92
19:00h às 23:00 h
11/08/2011
81
08:30h às 12:00 h
11/08/2011
69
11/08/2011
153
14:00h às 16:00 h
19:00h às 22:30 h
245
Foram realizadas 80 inscrições, das quais 40 foram oriundas do Estado do
Paraná, 23 do Estado de São Paulo, 02 de Minas Gerais, 02 de Pernambuco, 02 do Rio de
Janeiro, 02 do Rio Grande do Sul e 01 de Mato Grosso do Sul, contemplando, assim,
representantes de 04 das 05 grandes regiões brasileiras, com predominância de inscritos
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Página 12
REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br)
originários da Região Sul (42 inscritos) e da Região Sudeste (27), acompanhados por inscritos
do Nordeste (02) e do Centro-Oeste (01).1
1
Dados contabilizados a partir das informações repassadas pelo Instituto de Tecnologia e Desenvolvimento Econômico e Social (ITEDES: <
www.itedes.org.br >), entidade responsável pela gestão financeira e das inscrições do 3FTS2011. Algumas informações não foram
preenchidas pelos participantes inscritos e outras ficaram ilegíveis quando do envio da ficha de inscrição por fax. A ausência de um controle
mais efetivo dos processos de inscrição, por parte do ITEDES, atrasou e dificultou o levantamento e a sistematização dos dados.
ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil
Página 13
REDE DE ESTUDOS DO TRABALHO (www.estudosdotrabalho.org) | ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA DA SAÚDE NO TRABALHO (www.adesat.org.br)
Embora os números refiram-se apenas aos participantes inscritos, com
direito ao recebimento do Certificado de Participação no evento, as atividades do FTS
acabaram sendo transmitidas ao vivo pela internet, gratuitamente, por meio do link
disponibilizado pelo Núcleo de Educação à Distância (NEAD: http://www.uel.br/nead/portal/)
da Universidade Estadual de Londrina (UEL).
De modo geral, considerando os dados disponíveis, a média etária do
público do 3FTS2011 foi de 32 anos, com predominância de mulheres (72,6%), cuja
formação advém de cursos como Psicologia (42%), Direito (12%), Serviço Social (9%),
Ciências Sociais (6%), Enfermagem (5%) e Educação (4%), entre outros (como Medicina,
Geografia, Engenharia e Relações Internacionais), sendo a maioria (52%) de pessoas já
formadas no ensino superior.
Sempre que houve espaços nos locais destinados às atividades do evento,
após a acomodação dos inscritos, houve, também, a abertura das portas para que a
comunidade interna da UEL pudesse participar do FTS.
FOTO 02
PÚBLICO PRESENTE NO 3FTS2011
Público Presente no Anfiteatro Maior do Centro de Letras e Ciências Humanas da Universidade
Estadual de Londrina (CLCH-UEL)
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Contabilizando as presenças efetivas no evento, foram registrados, no total,
245 participantes distintos ao longo de todas as atividades do FTS, dos quais 80 participaram
da Pré-Abertura, 92 da Abertura e da Mesa de Conferências de Abertura, 81 da Sessão de
Lançamento de Livros e da Mesa de Conferências da manhã do dia 11/08, 69 do Observatório
Social do Trabalho e 153 da Mesa de Conferências de Encerramento e do Encerramento do
evento.
FOTO 03
MESA DA PRÉ-ABERTURA DO 3FTS2011
Do primeiro plano para o fundo: Sandro Eduardo Sardá (Procurador do Trabalho do Município de Chapecó-SC),
Carlos Juliano Barros (Co-Diretor do Documentário "Carne, Osso", da ONG Repórter Brasil); Heiler Ivens
de Souza Natali (Procurador do Trabalho do Município de Londrina-PR); e Bruno Chapadeiro Ribeiro (Membro
Colaborador da Rede de Estudos do Trabalho e coordenador da mesa).
QUADRO 15: CONFERENCISTAS DO 3FTS2011
Município
UF
Me. Carlos Juliano Barros (ONG Repórter Brasil)
Instituição de Origem dos Conferencistas
São Paulo
SP
Dra. Edith Seligmann-Silva (USP-Aposentada)
São Paulo
SP
Heiler Ivens de Souza Natali (MPT-09)
Londrina
PR
Luiz Salvador (ALAL)
Curitiba
PR
Dra. Margarida Maria Silveira Barreto (PUC-SP e FCM-Santa Casa-SP)
São Paulo
SP
Dr. Reginaldo Melhado (UEL e Poder Judiciário da União Federal)
Londrina
PR
Dra. Renata Paparelli (PUC-SP) *Coordenadora e Debatedora de Mesa Redonda
São Paulo
SP
Dr. Ricardo Luiz Coltro Antunes (UNICAMP)
Campinas
SP
Dr. Ricardo Tadeu Marques da Fonseca (PUC-PR e TRT-09)
Curitiba
PR
Sandro Eduardo Sardá (MPT-12)
Chapecó
SC
Dr. Sergio Augusto Vizzaccaro Amaral (FFC-UNESP)
São Paulo
TOTAL DE CONFERENCISTAS (e 01 convidada a Coordenar Mesa Redonda)
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SP
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Importante ressaltar que o menor número de participantes registrado no
Observatório Social do Trabalho (OST) deveu-se ao fato da atividade preceder as Sessões de
Comunicação de Pesquisa, em que considerável número de inscritos também ficou incumbido
de se preparar para apresentar seus trabalhos, em outro local, motivo pelo qual muitos não
assinaram as listas de presença, que percorreram o local até o final da atividade prevista para
o OST.
FOTO 04
SOLENIDADE DE ABERTURA DO 3FTS2011
Da esquerda para a direita: Andre Luís Vizzaccaro-Amaral (Professor e Pesquisador da Universidade
Estadual de Londrina, Membro Colaborador da Rede de Estudos do Trabalho, Pesquisador Assessor da
Associação para a Defesa da Saúde no Trabalho e Coordenador Geral do Evento); Ernani Garcia Ferreira
(Presidente da Federação dos Trabalhadores da Indústria de Alimentos do Estado do Paraná); Ismael Paulo
(Presidente da Associação para a Defesa da Saúde no Trabalho); Meyre Eiras de B. Pinto (Vice-Diretora
do Centro de Ciências Biológicas da Universidade Estadual de Londrina, representando a Reitora da
universidade); Ney José de Freitas (Desembargador Federal e Presidente do Tribunal Regional do Trabalho da
9ª Região - Estado do Paraná); Daniel Pestana Mota (Assessor Jurídico da Associação para a Defesa da Saúde
no Trabalho e Membro Colaborador da Rede de Estudos do Trabalho, representando o Coordenador Geral da Rede
de Estudos do Trabalho, Prof. Dr. Giovanni Alves); Luiz Salvador (Presidente da Asociación Latinoamericana
de Abogados Laboralistas); e João Batista Martins (Chefe do Departamento de Psicologia Social e
Institucional da Universidade Estadual de Londrina).
Outro ponto importante refere-se ao número elevado de participantes, em
comparação com as demais atividades, da Mesa de Conferências de Encerramento do FTS, que
coincidiu com o mesmo horário em que eram ministradas disciplinas que abordavam, direta ou
indiretamente, o conteúdo de ―Trabalho‖ em cursos como Ciências Sociais, Serviço Social e
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Direito, ofertados nos mesmos Centros de Ensino em que o evento ocorria, e que tiveram suas
atividades transferidas para o FTS, conduzindo, portanto, seus alunos e professores para o local
da atividade.
Compareceram 10 conferencistas e 01 convidada a Coordenar e Debater
uma das Mesas de Conferência do III Fórum Trabalho e Saúde, sendo 06 originários do
Estado de São Paulo, 04 do Estado do Paraná e 01 de Santa Catarina.
FOTO 05
MESA DE CONFERÊNCIAS DE ABERTURA DO 3FTS2011
Da esquerda para a direita: Ricardo Tadeu Marques da Fonseca (Desembargador Federal do Tribunal
Regional do Trabalho da 9ª Região - Estado do Paraná); Daniel Pestana Mota (Membro Colaborador
da Rede de Estudos do Trabalho e coordenador da mesa); e Edith Seligmann-Silva (Pesquisadora e
Professora Aposentada da Universidade de São Paulo).
Destes, 03 eram vinculados às três universidades estaduais paulistas
(Professores e/ou Pesquisadores da Universidade de São Paulo-USP, da Universidade Estadual
de Campinas-UNICAMP e da Universidade Estadual Paulista ―Júlio de Mesquita Filho‖UNESP), 01 a uma universidade confessional paranaense (Professor da Pontifícia Universidade
Católica do Paraná-PUC-PR) e ao Tribunal Regional do Trabalho do Estado do Paraná
(Desembargador Federal do TRT-09), 01 a uma universidade confessional paulistana
(Pesquisadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo-PUC-SP) e a uma universidade
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privada paulistana (Professora Convidada da Pós-Graduação da Faculdade de Ciências Médicas
da Santa Casa de São Paulo-FCM-Santa Casa-SP), 01 a uma universidade estadual paranaense
(Professor da Universidade Estadual de Londrina-UEL) e ao Poder Judiciário da União Federal
(Juiz Titular da 6ª Vara do Trabalho de Londrina-PR), 01 a uma associação internacional de
advogados trabalhistas (Presidente da Asociación Latinoamericana de Abogados LaboralistasALAL), 01 a uma universidade confessional paulistana (Professora e Pesquisadora da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo-PUC-SP), 01 ao Ministério Público do Trabalho do Estado
de Santa Catarina (Procurador do Trabalho do MPT-12), 01 ao Ministério Público do Trabalho
do Estado do Paraná (Procurador do Trabalho do MPT-09) e 01 a uma organização nãogovernamental de jornalismo investigativo na área do Trabalho (ONG Repórter Brasil).
QUADRO 16: SESSÕES DE COMUNICAÇÃO DE PESQUISA DO 3FTS2011
Instituição de Origem dos Trabalhos Científicos
Município-UF
Quantidade
Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST)
Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST)
Conselho Regional de Psicologia da 8ª Região
Faculdades Adamantinenses Integradas (FAI)
Faculdade de Ciências da Saúde de Garça / Associação Cultural e
Educacional de Garça
Instituição Paulista de Ensino e Cultura (IPEC)
Multi-institucional (Universidade Estadual de Londrina-UEL, Universidade
Estadual Paulista-UNESP-Marília-SP, Escola Paulista de Direito-EPD)
Multi-institucional (Universidade Estadual Paulista-UNESP-Marília-SP,
Faculdade de Medicina de Marília-FAMEMA)
Universidade Anhembi-Morumbi (ANHEMBI-MORUMBI)
Universidade de Marília (UNIMAR)
Universidade do Paraná (UNIPAR)
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)
Universidade Estadual de Londrina (UEL)
Universidade Estadual de Maringá (UEM)
Universidade do Norte do Paraná (UNOPAR)
Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE)
Marília-SP
Piracicaba-SP
Londrina-PR
Adamantina-SP
01
01
01
01
Garça-SP
01
Tupã-SP
Londrina-PR /
Marília-SP / São
Paulo-SP
01
Marília-SP
01
São Paulo-SP
Marília-SP
Umuarama-PR
Campinas-SP
Londrina-PR
Maringá-PR
Londrina-PR
Cascavel-PR
01
02
01
02
06
02
01
01
Marília-SP
Assis-SP
Corumbá-MS
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS)
Recife-PE
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
São João Del Rei-MG
Universidade Federal de São João Del Rei
Curitiba-PR
Universidade Federal do Paraná (UFPR)
Porto Alegre-RS
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
Rio de Janeiro-RJ
Universidade Federal Fluminense (UFF)
TOTAL DE TRABALHOS CIENTÍFICOS APROVADOS EM SESSÕES DE COMUNICAÇÃO
Universidade Estadual Paulista (UNESP)
Universidade Estadual Paulista (UNESP)
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01
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Dentre os conferencistas, 05 representaram o campo das ciências jurídicas,
03 o das ciências sociais e humanas e 03 o das ciências da saúde, sendo esta última
representada, por sua vez, por 02 pesquisadoras da área da saúde mental e 01 da medicina do
trabalho.
FOTO 06
SESSÃO DE LANÇAMENTO DE LIVROS DO 3FTS2011
Da esquerda para a direita: Margarida Maria Silveira Barreto (Pesquisadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo e Professora Convidada da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa
de São Paulo); André Luís Vizzaccaro-Amaral (Membro Colaborador da Rede de Estudos do Trabalho,
coordenador da sessão e autor expositor); e Edith Seligmann-Silva (Pesquisadora e Professora
Aposentada pela Universidade de São Paulo). Livros Lançados na Sessão: ALVES, Giovanni. "Trabalho e
Subjetividade: O Espírito do Toyotismo na Era do Capitalismo Manipulatório". São Paulo: Boitempo, 2011.
ALVES, Giovanni; VIZZACCARO-AMARAL, André Luís; MOTA, Daniel Pestana. "Trabalho e Saúde:
A Precarização do Trabalho e a Saúde do trabalhador no Século XXI". São Paulo: LTr, 2011.
BARRETO, Margarida; BERENCHTEIN, Nilson; PEREIRA, Lourival Batista (Orgs.). "Do Assédio Moral à Morte de Si:
Significados Sociais do Suicídio no Trabalho", São Paulo: Matsunaga, 2011. SELIGMANN-SILVA, Edith.
"Trabalho e Desgaste Mental: O Direito de Ser Dono de Si Mesmo". São Paulo, Cortez, 2011.
As Sessões de Comunicação de Pesquisa foram divididas em 05 categorias
temáticas: (1) ―Trabalho, Saúde e Direito do Trabalhador‖, com 08 trabalhos aprovados; (2)
―Trabalho, Saúde e Precariedade‖, também com 08 trabalhos aprovados; (3) ―Trabalho, Saúde
e Agroindústria‖, com 05 trabalhos aprovados; (4) ―Trabalho, Saúde e Serviços‖, com 08
trabalhos aprovados; e (5) ―Trabalho, Saúde e Gestão‖, também com 08 trabalhos aprovados,
procurando contemplar discussões em todos os grandes setores produtivos da economia e
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abrindo espaços, também, para discussões específicas envolvendo direito social, precariedade
e processos de gestão na interação temática com o eixo ―trabalho e saúde‖.
Foram 37 trabalhos aprovados, sendo 10 de mestrado, 08 de iniciação
científica, 05 de pesquisas institucionais ligadas a grupos ou a núcleos de pesquisa, 05 de
pesquisas independentes preparatórias para o projeto de doutorado, 04 de monografias de
conclusão de curso, 03 de estágios curriculares de cursos de graduação e 02 relatos de
experiência.
FOTO 07
MESA DE CONFERÊNCIAS DO 3FTS2011
Da esquerda para a direita: Reginaldo Melhado (Juiz Titular da 6ª Vara do Trabalho de Londrina-PR
e Professor da Universidade Estadual de Londrina); Margarida Maria Silveira Barreto (Pesquisadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Professora Convidada da Faculdade de Ciências Médicas
da Santa Casa de São Paulo); Renata Paparelli (Professora e Pesquisadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo e coordenadora da mesa); e Sergio Augusto Vizzaccaro-Amaral (Pesquisador do
Grupo de Pesquisa Estudos da Globalização da Universidade Estadual Paulista e Membro Colaborador
da Rede de Estudos do Trabalho).
No que tange à distribuição geográfica dos autores dos trabalhos, 04 grandes
regiões brasileiras foram representadas no evento, com predominância de trabalhos oriundos
da Região Sudeste (17 trabalhos aprovados), seguidos por trabalhos da Região Sul (16),
Nordeste (02), Centro-Oeste (01) e um trabalho articulando autores da Região Sudeste e Sul
(01). O Estado de São Paulo (14 trabalhos aprovados) e o Estado do Paraná (14) equipararam-
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se em número de trabalhos aprovados, seguidos pelos Estados do Rio Grande do Sul (02), Rio
de Janeiro (02), Pernambuco (02), Mato Grosso do Sul (01), Minas Gerais (01) e um trabalho
que articulou autores do Estado de São Paulo e do Paraná (01).
Das
instituições
realizadoras
das
pesquisas
aprovadas,
07
eram
universidades privadas, 06 universidades públicas federais, 05 eram universidades públicas
estaduais, 02 instituições públicas municipais de referência em saúde do trabalhador, 01 órgão
de classe regional, 01 articulando duas universidades públicas estaduais e um centro de pósgraduação privado e 01 articulando duas universidades públicas estaduais distintas.
Dentre as áreas que originaram as pesquisas dos trabalhos aprovados, 14
eram da Psicologia; 04 das Ciências Sociais; 04 do Serviço Social; 04 da Saúde do
Trabalhador; 03 do Direito; 02 da Educação; 01 da Saúde Coletiva; 01 multidisciplinar
congregando as áreas do Serviço Social, da Administração, das Ciências Sociais e das
Ciências Contábeis; 01 multidisciplinar articulando as áreas do Direito e da Sociologia; 01
multidisciplinar envolvendo as áreas da Educação, da Psicologia e da Engenharia de
Produção; 01 multidisciplinar atuando com as áreas do Direito e da Ciência Política; e 01
multidisciplinar promovendo a interlocução entre as áreas do Direito, da Psicologia e da
Saúde Coletiva.
QUADRO 17: OBSERVATÓRIO SOCIAL DO TRABALHO NO 3FTS2011
Categoria de Origem dos Depoimentos
Município-UF
Quantidade
Sindicalista do Setor Bancário
Londrina-PR
Sindicalista dos Trabalhadores Rurais
Duartina-SP
TOTAL DE DEPOIMENTOS DO MUNDO DO TRABALHO
01
01
02
Foram realizados 02 Depoimentos do Mundo do Trabalho (DMT) na
terceira edição do FTS. Tais relatos foram realizados por trabalhadores vinculados às gestões
executivas de dois sindicatos diferentes, que representam trabalhadores de duas realidades
distintas e com grande representatividade na atual configuração econômica brasileira, tendo
em vista (a) a interiorização e o deslocamento da produção industrial e (b) o crescente
aumento do setor de serviços no Brasil. Tal representatividade se estende, também, a duas
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importantes realidades trabalhistas vivenciadas nos Estados de São Paulo e do Paraná, e que
possuem grande impacto na economia brasileira: (1) a da produção de açúcar e álcool e do
forte investimento em matrizes energéticas renováveis (trabalho rural) e (2) o do setor de
serviços financeiros e da constante inovação tecnológica (trabalho bancário), ambos com
fortes impactos para a saúde física e mental dos trabalhadores.
FOTO 08
OBSERVATÓRIO SOCIAL DO TRABALHO:
DEPOIMENTOS DO MUNDO DO TRABALHO NO 3FTS2011
Da esquerda para a direita: Dulcelina Aparecida Silveira de Oliveira (Diretora Adjunta do Sindicato dos
Bancários de Londrina-PR e Região); Ismael Paulo (Presidente da Associação para a Defesa da Saúde no
Trabalho e coordenador da mesa); e Abel Barreto (Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Duartina-SP).
Como produto da terceira edição do evento, está previsto o lançamento do
Dossier ―Saúde e Precarização do Homem que Trabalha‖, em dezembro de 2011, reunindo
artigos científicos de 10 dos trabalhos apresentados nas SCP do 3FTS2011, na Revista
Eletrônica da Rede de Estudos do Trabalho (RRET, ISSN 1982-9884), representando dois
trabalhos de cada sessão de comunicação de pesquisas do evento.
Também está previsto para o ano de 2012 a disponibilização dos anais das
três edições do evento para acesso gratuito na internet, contendo os resumos expandidos dos
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trabalhos apresentados nas SCP, bem como toda a programação do FTS, apoiadores e
eventuais materiais divulgados em cada edição.
FOTO 09
SESSÕES DE COMUNICAÇÃO DE PESQUISA DO 3FTS2011
Da esquerda para a direita, no alto: Sessão 01: “Trabalho, Saúde e Direito do Trabalhador”; e
Sessão 02: “Trabalho, Saúde e Precariedade”; no centro: “Sessão 03: Trabalho, Saúde e
Agroindústria”; abaixo: Sessão 04: “Trabalho, Saúde e Serviços”; e Sessão 05: “Trabalho,
Saúde e Gestão”
Foi firmada nova parceria com a Editora LTr, de São Paulo-SP, importante
editora na área do Direito e da Saúde no Trabalho, e está em fase de organização executiva, o
livro ―TRABALHO E ESTRANHAMENTO: Saúde e Precarização do Homem-que-Trabalha
no Século XXI‖, reunindo textos dos conferencistas participantes da terceira edição do FTS, e
de autores convidados. Além da parceria com a LTr, está sendo elaborada, também, parceria
com o Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra (UC), em Coimbra e em
Lisboa, Portugal, com a Universidade de Castilla em La Mancha, na Espanha, com a
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Associação Latinoamericana de Abogados Laboralistas (ALAL) para o lançamento,
distribuição e/ou divulgação do livro no Brasil, na América Latina, em Portugal e na Espanha,
promovendo a difusão do conteúdo debatido no evento em alguns centros da América Latina
e da Europa. A previsão de lançamento do livro é para agosto de 2012, durante a realização da
quarta edição do FTS.
FOTO 10
MESA DE CONFERÊNCIAS DE ENCERRAMENTO DO 3FTS2011
Da esquerda para a direita: Luiz Salvador (Presidente da Asociación Latinoamericana de Abogados
Laboralistas; de pé, ao microfone); Ricardo Luiz Coltro Antunes (Professor e Pesquisador da
Universidade Estadual de Campinas); Daniel Pestana Mota (Membro Colaborador da Rede de Estudos
do Trabalho e coordenador da mesa).
Importante salientar que cada edição do Fórum Trabalho e Saúde (FTS)
compreende desafios e conquistas próprios, tendo em vista as diferenças subtemáticas que os
distinguem um do outro.
Evidentemente, a cada subtemática lançada um conjunto de fatores deve ser
relevado, desde os conferencistas a serem convidados até os detalhes daí resultantes como
planejamentos logísticos, gestão de custos, prospecção de parceiros institucionais,
acionamento de agências de fomento, etc.
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Embora multidisciplinar em sua estrutura, e interdisciplinar em seu objetivo,
o FTS acaba por atingir, em alguns momentos, públicos-alvo diversos, o que reflete num
impacto direto no perfil de seus participantes, dificultando, assim, comparações entre suas
edições, sobretudo por ser ele, ainda, um evento recente.
É possível avaliar que entre sua primeira edição, em 2009, e a segunda, em
2010, houve não apenas um exponencial aumento no número de participantes inscritos como,
também, a dispersão dos mesmos quando relevada a macrorregião administrativa brasileira de
onde se originaram. A edição de 2011, por sua vez, com um número menor de inscritos que
em 2010 (embora com maior número de participantes ouvintes) e maior do que em 2009,
indicou que na medida em que o evento se tornou itinerante ocorreram dois fenômenos: (1)
um substantivo aumento relativo de participantes da região em que o evento ocorreu e; (2)
uma diminuição no número total de participantes quando comparado com o evento do ano
anterior.
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Pelas fichas de Avaliação do Evento dos inscritos (entregues por 55 dos 80
participantes) é possível creditar parte da responsabilidade pela diminuição dos inscritos à
divulgação material do evento, ou seja, por meio de cartazes e folders e de uma distribuição
mais ampla de tais materiais, o que, evidentemente, demandaria mais recursos financeiros.
FICHA 07: ―Investir mais na divulgação junto a outras universidades‖ | FICHA 26:
―... seria indicado identificar se a divulgação poderia ser direcionada a trabalhadores
do SUS, principalmente da Atenção Básica, pois são os responsáveis pela saúde do
trabalhador no Sistema Publico.‖ | FICHA 35: ―Sugiro divulgação antecipada e
julgo IMPRESCINDIVEL a divulgação da programação das comunicações
secundárias‖. | FICHA 43: ―Fórum interessante e merecia uma maior divulgação,
tanto interna quanto externa...‖ | FICHA 48: ―... achei que houve uma falha na
divulgação, pois no centro de estudos sociais aplicados muitos alunos que talvez se
interessariam não ficaram sabendo no evento...‖.
A ―Ficha 48‖ é particularmente emblemática porque ―traduz‖ uma
argumentação que ficou patente entre muitos da comunidade interna da UEL. Importante
salientar que folders impressos foram distribuídos no final das férias letivas de julho junto às
Secretarias dos Departamentos que compõem o Centro de Estudos Sociais Aplicados (CESAUEL), em questão, e e-mails com toda a programação foi repassado aos Chefes de
Departamentos e Diretores dos Centros de Ciências Biológicas (CCB-UEL), do Centro de
Ciências da Saúde (CCS-UEL) e do Centro de Letras e Ciências Humanas (CLCH-UEL),
além dos Coordenadores de Cursos de Pós-Graduação Lato e Stricto Senso, solicitando para
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que o mesmo fosse divulgado amplamente para suas respectivas comunidades discentes e
docentes. Cabe ressaltar, ainda, que e-mails foram enviados, também, quando da Chamada de
Trabalhos, com meses de antecedência ao evento, a exemplo do que houve com as demais
IESs que enviaram trabalhos ao 3FTS2011, oriundas de Recife-PE a Porto Alegre-RS e de
Corumbá-MS ao Rio de Janeiro-RJ.
A situação apontada acima sinaliza que a realidade comunicacional de
determinadas regiões do Brasil precisa ser considerada pelo FTS nas demais edições do
evento, permanecendo sua proposta itinerante. Mesmo se tratando de um evento especializado
e diferenciado e, por isso mesmo, voltado a um público menos volumoso, porém com grande
capacidade difusora, a experiência itinerante do FTS em 2011 demonstrou que há uma
necessidade de avaliação quanto à capacidade comunicacional eletrônica e virtual (esta mais
barata e rápida) da região na qual o evento possa eventualmente ser sediado.
Mediante
as
considerações
anteriores,
três
grandes
dificuldades
apresentaram-se para a organização do evento em 2011: (a) a ausência, na UEL (parceira
responsável pela emissão de Certificados) e no ITEDES (parceiro responsável pela gestão
financeira do evento), de mecanismos mais simplificados (e, por isso mesmo, mais
rapidamente elaboráveis e ágeis) e acessíveis de inscrição online, emissão de boletos
bancários e de registro e de emissão de certificados, tal como ocorreu nas edições anteriores
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junto à UNESP e à FUNDEPE (Marília-SP); (b) certo grau de enrijecimento administrativo
junto à UEL, à Fundação Araucária e ao IPEA, no que tange à tramitação de documentos (no
caso da UEL), à interface online pouco ágil (no caso da Fundação Araucária) e, ainda, ao
atraso da liberação de recursos financeiros (no caso do IPEA); e (c) pouca efetividade na
comunicação eletrônica, online, como e-mails e links, por parte da comunidade interna da
UEL, de determinadas organizações sindicais, de classe e/ou empresariais de Londrina-PR e
do Estado do Paraná, ao contrário das experiências das edições anteriores do evento em
Marília-SP e no Estado de São Paulo.
Tais dificuldades são significativas para um evento que ocorre anualmente e
que envolve pesquisadores e profissionais de primeira linha e instituições distintas, de
naturezas tão diversas, necessitando, assim, de processos mais fluidos e ágeis, sem abrir mão
de um controle eficiente dos recursos públicos utilizados e da transparência financeira e
administrativa do evento como um todo.
De um evento eminentemente regional, em 2009, o FTS vêm se
consolidando como um evento de porte nacional não apenas em termos da pluralidade de seus
participantes inscritos, oriundos, nesta última edição, de 04 das 05 macrorregiões
administrativas brasileiras, mas, também, dos trabalhos apresentados nas Sessões de
Comunicação de Pesquisa.
Essa representatividade plural também se reflete em termos institucionais,
uma vez que houve expressivo aumento no número de instituições promotoras de pesquisas
científicas e de sistematização e análises de relatos de experiências.
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A participação de pesquisadores de universidades públicas federais vem
dobrando a cada edição do evento, desde 2009, no que se refere às Sessões de Comunicação
de Pesquisa, evidenciando a amplitude nacional e a relevância científica que o evento vem
conquistando. No que tange aos pesquisadores de universidade estaduais, o número vem se
estabilizando, mas abrindo espaços para Instituições de Ensino Superior (IES) privadas e/ou
confessionais, de caráter local e/ou regional, demonstrando que o evento também estimula a
divulgação científica no local que o sedia, proporcionando a interação entre os diversos
centros de pesquisa e de intervenção participantes, distribuídos ao longo de grande parte do
território nacional. Em 2011, o evento ainda contou com 02 trabalhos que se apresentaram
―multinstitucionais‖ (ou seja, com duas ou mais instituições envolvidas), sinalizando que o
evento pode congregar não apenas espaços multidisciplinares como, também, abordagens
convergentes, entre instituições distintas, em torno de um eixo temático comum.
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Tais dados denotam uma maior participação de instituições com vocação
para pesquisa, nas Sessões de Comunicação de Pesquisa, no entanto, nas três edições do
evento, contamos com a manutenção da participação, também, de outras instituições não
orientadas para a pesquisa propriamente dita, o que demonstra o atingimento de mais um dos
objetivos do FTS, que é o de aproximar dos pesquisadores os técnicos, os operadores e os
gestores dos campos de atuação e de conhecimento das ciências sociais e humanas, jurídicas e
da saúde.
Uma característica que vem se destacando em relação ao FTS refere-se às
modalidades de produção de conhecimento que o evento vem auxiliando a divulgar. O evento
vem se destacando como importante vetor de discussão de pesquisas de ponta e aprofundadas
na área temática de ―Trabalho e Saúde‖, com especial destaque, em 2011, para pesquisas
integradas de Grupos de Pesquisa distintos vinculados a importantes centros de pesquisa
nacionais.
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As informações aqui relatadas permitem concluir que o Fórum Trabalho e
Saúde (FTS), efetivamente, tornou-se um evento de natureza científica, multidisciplinar em
sua estrutura, interdisciplinar em relação a seus objetivos, e de amplitude nacional.
O aumento constante da participação de pesquisadores, técnicos, operadores e
gestores de vários Estados do país reflete não apenas o seu alcance, mas, também, a relevância das
temáticas geradas pelo evento.
O apoio financeiro de órgãos fomentadores, como a FUNDAÇÃO
ARAUCÁRIA e o IPEA, contribuíram sobremaneira para a realização da atual edição do
FTS, demonstrando a importância desse tipo de fomento para a garantia da qualidade do
evento em edições futuras, sobretudo em função da peculiaridade de sua temática geral.
A construção de parcerias institucionais e a cooperação entre pesquisadores,
resultantes do espaço criado pelo FTS, vêm gerando frutos importantes, como a publicação de
dossiês temáticos, da Revista da Rede de Estudos do Trabalho (RRET), periódico científico
eletrônico e online sob o ISSN nº 1982-9884, reunindo dez trabalhos selecionados dentre os
apresentados em cada edição do evento, desde 2010.
O lançamento, novamente em 2012, do livro ―TRABALHO E
ESTRANHAMENTO: Saúde e precarização do Homem-que-Trabalha‖, pela Editora LTr, de
São Paulo, especializada em obras na área do Direito e da Saúde do Trabalho, reunindo textos
dos conferencistas e dos organizadores do evento, com a possibilidade de seu lançamento e
divulgação no Brasil, na América Latina e na Europa, também ilustra o papel que o FTS vem
desempenhando no cenário científico nacional e dá sinais de que o evento esteja caminhando
para se transformar em referência nas áreas que o circundam, tanto no Brasil como no
exterior.
Os textos que se seguem contemplam a produção científica do III FÓRUM
TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA,
apresentada nas cinco Sessões de Comunicação de Pesquisa, realizadas na tarde do dia 11 de
Agosto de 2011, nas Salas de Aulas do Centro de Estudos Sociais Aplicados (CESA) da
Universidade Estadual de Londrina (UEL).
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SESSÃO 01
Trabalho, Saúde e Direito
do Trabalhador
A GLOBALIZAÇÃO E A RESPONSABILIDADE EMPRESARIAL EM FACE DAS
ATIVIDADES DE RISCO NAS RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL
OLIVEIRA, L. J.;
SANTAROSA, L. A.;
DAMIÃO, D. R. R.;
TEIXEIRA, C. F. A.;
BATISTUTE, R. M.;
SEDASSARI, S. C.;
SPITI, C.;
Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília (UNIMAR)
[email protected]
INTRODUÇÃO
A responsabilidade do empregador em relação aos seus empregados aparece
tipificada no artigo 7º, XXVIII da Constituição Federal, abrangendo o seguro contra acidente
de trabalho, que na verdade trata-se do seguro previdenciário, envolvido pela responsabilidade
objetiva, onde, independentemente da culpa do empregador, em ocorrendo o resultado
danoso, como por exemplo, acidente de trabalho, terá o empregado direito aos benefícios
previdenciários, desde que cumpridos os requisitos estabelecidos em lei, sem a necessidade de
existir o do dolo ou da culpa no cometimento.
No mesmo dispositivo constitucional, em sua segunda parte, aparece a
responsabilidade subjetiva do empregador por danos ocorridos com seus empregados, sendo
neste caso obrigatória a demonstração do dolo ou da culpa do empregador para que surja a
obrigação do mesmo em indenizar. Sendo assim, de forma prevalecente, é possível afirmar
que ao empregador é aplicada a teoria subjetiva em matéria de responsabilidade civil por
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danos ocorridos em relação aos seus empregados. Em outras palavras, ele responderá
indenizatoriamente por dolo ou por culpa.
Acontece que com a dinâmica empresarial surgem novos procedimentos ou
processos de produção ou de prestação de serviços capazes de trazer imanente um risco
cotidiano no próprio desenvolvimento de determinadas atividades, ou, em dadas
circunstâncias, atividades ditas como normais podem expressar temporariamente ou
circunstancialmente um risco acentuado, produto do próprio desenvolvimento da referida
atividade empresarial. Também, atividades que não são normalmente consideradas perigosas
podem se tornar de grande risco, na medida em que se emprega uma intensidade de produção
não compatível com aquilo que se espera empregar, tornando difícil salvaguardar a saúde
física e mental daqueles que realizam tais atividades (trabalhadores).
É evidente que neste último caso detecta-se a culpa do empregador, que ao
acelerar o ritmo das ações realizadas pelos seus empregados, geralmente com o objetivo de
elevar quantitativamente a produção, acentuará mais o risco daquela atividade.
Tanto na doutrina como na jurisprudência são encontradas construções que
apontam para a responsabilidade objetiva do empregador quando a empresa desenvolve
atividade de risco, como por exemplo, produção de explosivos, que no caso implica em uma
atividade de perigo permanente para as pessoas que laboram, ou, na guarda e condução de
valores em dinheiro ou equiparado, como o caso dos que trabalham em carro forte, que
também implica em um risco inerente à própria atividade.
Outra linha doutrinária, já a alguns anos estudada, desenvolve a tese que
todas as atividades em que os empregados recebem o adicional de insalubridade ou
periculosidade implicam em atividades que em ocorrendo algum dano àqueles que nela
laboram, deva ser aplicada a teoria da responsabilidade objetiva, por conta que o recebimento
dos referidos adicionais já atesta a existência do risco.
Agora, o que falar daquelas atividades que pela própria dinâmica
empresarial ou as circunstâncias que a cercam em determinado momento (situação
temporária), cria um risco imanente à mesma atividade? Vale citar, a título exemplificativo, o
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caso de um professor, que dentro da normalidade, não exerce uma atividade perigosa ou que
tenha um risco manifesto, mas que, lecionando em dada escola ou localidade, marcada
estatisticamente por um elevando índice de práticas criminosas ou que naquele
estabelecimento escolar constata-se um comportamento atípico dos alunos, com práticas
reprováveis socialmente, implica na geração de um risco acentuado para todos que ali
trabalham ou mantenham contato. Neste caso a atividade docente naquela localidade não
passaria a ter o conteúdo risco na sua realização, que não é própria da atividade, mas das
circunstâncias que a cercam. Caso assim seja entendido, não seria aplicada a responsabilidade
objetiva no caso?
Outra situação é aquela empresa que adota em sua organização produtiva
procedimentos que requerem dos que ali trabalham uma acumulação de funções, para o fim
direto de excluir postos de trabalho, reduzir custos e elevar a produção. Nestas circunstâncias
ou condições de trabalho, deve-se analisar com mais afinco várias circunstâncias, ainda que
não exista regulamento específico para aquela determinada atividade. As condições de
trabalho devem ser analisadas levando-se em conta o meio ambiente onde o trabalhador
executa o seu trabalho, a forma como ele executa o cumprimento de objetivos de cada tarefa e
o respaldo ou apoio empresarial que recebe para a realização destas mesmas tarefas. Vale citar
aqui os motoristas de transporte coletivo que acumulam a função de cobrador. Fica
demonstrada, em hipótese como a exemplificada, que a acumulação de funções sobre a
mesma pessoa, no caso o motorista, implica diretamente na geração de um risco manifesto
para qualquer incidente que ocorrer naquela atividade, bem como pode também causar uma
elevação do risco social, no que se refere à segurança pública.
Fica assim delimitado o problema a ser enfrentado neste trabalho de
pesquisa, que envolve um estudo quanto às formas de realização de tarefas ou atividades
profissionais, seu acúmulo, intensidade, e outras variáveis, que pelo modo imposto à sua
produção, crescentes em uma economia globalizada, são capazes de causar a
responsabilização direta do empregador pelo risco que se tornou imanente naquela atividade.
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JUSTIFICATIVAS E RELEVÂNCIA DO ESTUDO
A atividade empresarial necessita ser equacionada em termos de
responsabilidade empresarial, muito embora a Constituição Federal tenha estabelecido como
regra geral em termos de responsabilização da empresa, a ocorrência de dolo e de culpa do
empregador, para que houvesse a responsabilização do empregador.
E empresa, em um primeiro momento, deve assumir os riscos de sua
atividade, envolvendo neste risco, a responsabilidade em relação aos seus trabalhadores
diretos e indiretos. Várias linhas de raciocínio conduzem a esta conclusão, valendo citar a
questão da hipossuficiência do empregado, o próprio risco empresarial e a função social que
por ela deve ser cumprida. Não é possível falar em função social sem se cogitar sobre
responsabilidade empresarial ao mesmo templo. Trata-se de algo objetivo, imanente à própria
atividade empresarial.
A inclusão da responsabilidade objetiva somente quando se tratar de seguro
previdenciário não atende às várias atividades empresariais que gozam de um contínuo risco,
bem como em relação às mudanças de procedimentos de produção ou prestação de serviços,
que devido aos métodos adotados pela empresa, após processos globalizantes, transformam
atividades que antes não era em atividade de risco.
Não se quer aqui pautar pela prevalência da responsabilidade objetiva em
qualquer circunstância. Quer se estudar de forma mais aprofundada as variáveis que podem
transformar a concepção sobre a responsabilidade empresarial, em especial diante das
relações de trabalho, deixando em parte a socialização do risco empresarial, consubstanciada
no seguro previdenciário e passando para a responsabilidade da empresa a partir da análise do
caso concreto, levando se em conta os principais fatores envolvidos naquela determinada
produção industrial.
Não é possível, a partir da constatação das mudanças de procedimentos que
foram aplicados na produção, não estudar as implicações que as mesmas mudanças
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produziram no campo da responsabilidade empresarial, ou, diante da socialização dos riscos
empresariais, ocorridos a partir do momento em que a sociedade em geral contribui para a
manutenção do sistema previdenciário, não querer fazer com que aquele que obteve vantagens
diretas a partir da sua atividade empresarial, não devolva à mesma sociedade parte dos
prejuízos a ela causados.
Desta forma, fica plenamente justificado o presente projeto de pesquisa, que
tem alcance não só no campo do Direito do Trabalho, Direito Civil e Direito Previdenciário,
como também em outras searas científicas, como por exemplo, a Administração de Empresas
e a Economia principalmente. A sua atualidade e necessidade complementam a justificativa
já aqui demonstrada de forma explicativa.
ORIGINALIDADE DO ESTUDO E HIPÓTESES
 Trata-se de um estudo multidisciplinar, envolvendo inclusive outras áreas
de conhecimento, como por exemplo, a Administração de Empresas e
Ciências Econômicas;
 Requer um alargamento interpretativo do artigo 170 da Constituição
Federal, em especial no que se refere ao termo ―valorização do trabalho
humano‖ e a nova atividade empresarial em especial a verdadeira função
social empresarial;
 Pressupõe, através da compreensão do fenômeno atividade empresarial,
que se limite ou que se redirecione o poder diretivo empresarial, no que
se refere ás relações de trabalho, em especial envolvendo o estudo do
fenômeno globalização e as mudanças que implicaram e estão
implicando na produção industrial;
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 Exige-se um estudo do ambiente de trabalho, que na forma inversa, estará
sendo estudada a postura e novas obrigações empresariais em termos de
redução do risco da sua atividade, que pode implicar na obrigação da
forma ou modo de produzir;
 Requer a compreensão de novos parâmetros, estabelecendo formas de
medição de intensidade de atividades dentre outros aspectos, com a
criação de novos limites para a atividade empresarial.
OBJETIVOS: (GERAIS E ESPECÍFICOS)
 Estudar o fenômeno da globalização a partir das mudanças ocorridas nas
empresas no que tange à forma de produzir;
 estabelecer os riscos que foram criados a partir dessas mudanças, que na
maioria foram impostas no intuito de reduzir os custos empresariais para
elevar a produção, com o aumento da competitividade;
 aprofundar os estudos sobre a função social empresarial, tornando
possível criar novos limites ao poder diretivo empresarial;
 estabelecer uma nova forma de compreensão e de responsabilização da
atividade empresarial, partindo-se do estudo do caso concreto,
considerando a sua dinâmica de produção e o número de acidentes de
trabalho produzidos;
 criar mecanismos de contenção e limitação das ações empresariais que
importem em risco acentuado para os trabalhadores e sociedade em geral;
 envolver as entidades representativas da sociedade na discussão desse
problema;
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 exigir do poder público uma postura em favor do cumprimento dos
paradigmas constitucionais, em especial, a proteção do trabalho humano,
através de ações e ou políticas públicas afirmativas.
METODOLOGIA
Haverá o emprego de métodos próprios da pesquisa em Direito, como o
estudo de legislações, de doutrina, da jurisprudência, situando também o exame de fenômenos
jurídicos no tempo e no espaço (método dedutivo). Poderão, caso surja a necessidade, ser
feitos levantamentos de dados estatísticos junto a institutos de pesquisa com a posterior
análise desses dados.
RESULTADOS PARCIAIS
O presente projeto de pesquisa teve o seu início em março de 2011. Foram
realizadas 05 reuniões com o grupo de pesquisa, com a participação de todos alunos
matriculados no Programa de Mestrado em Direito da Unimar, que se encontram cadastrados
no projeto. Foram feitos levantamentos bibliográficos, com o aprofundamento dos estudos
sobre o tema ―responsabilidade civil do empregados‖. Nas reuniões de discussão procurou-se
objetivar em torno do conceito ―risco empresarial‖ e suas implicações, em especial quando se
trata da responsabilidade civil do empregador no ambiente de trabalho, e concluiu-se que o
alcance em termos de responsabilidade civil são mais extensos dos que os construídos
doutrinariamente, podendo ser adotada nova concepção em termos de responsabilização do
empregador.
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Procurou-se classificar as chamadas novas tendências da sociedade de risco
globalizado, considerando as mudanças ocorridas no ambiente de trabalho, partindo-se da
obrigação empresarial e preservar um meio ambiente equilibrado. Ao mesmo tempo, ainda
estudando o tópico ―saúde ambiental do trabalho‖, procurou-se estabelecer as relações entre
ambiente e saúde o trabalhador, o modo de produção adotado e as conseqüências resultantes,
o desenvolvimento do ambiente de trabalho em face do atual modo de produção capitalista, as
dificuldades enfrentadas para identificar as causas geradoras dos males para o trabalhador,
neste último caso, o grupo resolveu desenvolver estudos separados levando-se em conta
setores determinados da produção, sendo que os resultados destes estudos somente serão
observados a contar do segundo semestre do corrente ano.
Pretende-se ainda nesta primeira desenvolver estudos quanto à evolução do
comportamento organizacional empresarial, levando-se em conta o fenômeno da globalização,
considerando os conflitos surgidos com a preservação do meio ambiente de trabalho sadio.
Na segunda fase, de acordo com os resultados parciais obtidos, o grupo
estará caminhando para os riscos e a forma de compreender a responsabilização do
empregador, considerando o meio ambiente do trabalho no mundo globalizado, de acordo
com a reestruturação sofrida pelo processo de internacionalização empresarial.
BIBLIOGRAFIA BÁSICA
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DIAS, José Aguiar. Da responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988: interpretação e crítica. 4.
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LIPPERT, Márcia Mallmann. A empresa no novo código civil: elementos de unificação no
direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
NAGIB, Slaibi Filho. Responsabilidade civil e o fato social no séc. XXI. Rio de Janeiro:
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OS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE NAS
INDENIZAÇÕES POR ACIDENTE DE TRABALHO: CASOS NO ESTADO DO RIO
GRANDE DO NORTE
DAMIÃO, D. R. R.;
XAVIER, M. F. D.;
OLIVEIRA, L. J. ;
Mestrado em Direito da Universidade de Marília (UNIMAR)
[email protected]
INTRODUÇÃO
O homem sempre buscou através do trabalho a sua realização na sociedade.
No período marcado pela Revolução Industrial, as máquinas ocuparam lugares que antes
pertenciam aos homens. Apesar dos avanços tecnológicos, precisava-se de alguém para
manejá-la, o que ocasionou grandes problemas: o operário não estava preparado para
enfrentar a máquina, não possuía treinamento para tal, e não dispunha de poder de barganha
com seu empregador a fazer com que este lhe proporcionasse proteção (uso de equipamentos
de proteção). Com isso, ocorreram muitos casos de mutilações decorrentes de acidentes de
trabalho. Tais danos, morais, materiais e estéticos se deram nas mais diversas partes do corpo:
pés, mãos, braços, pernas, cabeça.
O número crescente de trabalhadores que se tornaram incapazes para as
tarefas antes desenvolvidas em face das mutilações sofridas, trouxe a tona polêmicas sobre a
justa reparação dos danos advindos dos acidentes e como também, da sobrevivência das
famílias que antes contavam com os recursos adquiridos pelo trabalho do mantenedor do
grupo.
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Os casos reiterados sobre o mesmo tema acidentário se avolumavam,
havendo a necessidade do trabalhador de buscar a indenização dos danos, o que fez surgir
discussões sobre a atuação da Justiça do Trabalho, compondo a tríade processual na busca
dessa reparação.
Os reiterados casos de acidente de trabalho perpetuam-se no mundo
contemporâneo, posto que em pleno século XXI, ainda tem-se notícias de trabalhadores
submetidos a condições insalubres, periculosas e degradantes. São vários, reiterados e
modernos os casos, de trabalhadores acidentados, pessoas que almejam a reparação dos danos
na justiça especializada do trabalho.
É certo que toda a gleba de leis trabalhistas não traça qualquer parâmetro
para que o julgador, no momento de sua decisão, possa valer-se para arbitrar o valor do
alegado dano.
Vale salientar que o principal objetivo da ordem jurídica, é proteger o lícito
e reprimir o ilícito. Devendo o direito aproximar, ao máximo possível, a vítima ao seu estado
a quo. O princípio que domina a responsabilidade civil na atualidade é o da restitutio in
integrum, ou seja, da reparação integral do dano causado.
Todavia, como fazer a reparação integral de um dano permanente, muitas
vezes ocorrendo à perda de parte do corpo? Não há norma que estabeleça valores monetários.
Com esta falta de paradigmas, o magistrado, que pela sua essência seria
mero aplicador de leis, se coloca envolto aos princípios constitucionais, trabalhistas e outros
do direito comum, com aquele ramo, compatíveis.
Não há um meio eficaz para se chegar ao valor exato da reparação do dano
provocado por qualquer acidente de trabalho, eis que os valores ali colocados são subjetivos,
sendo o sentimento variante de pessoa para pessoa.
A este ponto, a interpretação do Direito deve ocorrer de acordo com
algumas sistemáticas, por meio da hermenêutica jurídica que é a aplicação do domínio teórico
explicativo popularmente dito ―ciência da interpretação‖. A interpretação jurídica é a
atividade prática de revelar o real sentido da norma jurídica.
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Um dos métodos utilizados para a aplicação da norma jurídica é o da
subsunção. Desprezados por alguns, este método importa em trazer a norma um sentido único,
objetivo e válido para todas as situações em que a abstração incidir. No entanto, a subsunção
deve ser ponderada, pois a Constituição Federal, por meio do sub-princípio da igualdade, diz
que os aplicadores do ato devem tratar os desiguais desigualmente, no limite de suas
desigualdades.
Desta forma, não há como somente considerar a subsunção para se chegar à
resposta jurídica para um determinado problema, pois a moderna dogmática prega a aplicação
de normas principiológicas, considerando os meta-princípios e todos aqueles demais presentes
no texto constitucional e em demais leis, como por exemplo, os princípios da dignidade da
pessoa humana, proteção ao trabalhador, entre outros.
Justamente na ausência de norma específica, o julgamento deve ocorrer por
meio da ponderação, fazendo com que a subsunção seja complementar, através de uma
moderna dogmática de interpretação das normas. Tal posição advém do pós-positivismo do
direito, onde se pode verificar que com a junção equilibrada de regras e princípios, se obtém a
maior chance de segurança jurídica.
As regras jurídicas entendidas como normas positivas, contêm relatos mais
objetivos, sendo restritas as situações específicas. Considerando os princípios, tendo em vista
o seu grande poder de abstração, atingem uma maior gama de situações.
Na argumentação jurídica, o intérprete deve ser criativo, posto que as regras,
são mandados de definição, e os princípios são mandados de otimização, assim sendo, por
terem maior carga valorativa, um fundamento ético, uma decisão política relevante. Os
princípios devem ser utilizados, por serem a única forma de se chegar a uma resposta com
segurança jurídica, quando se observar direito contrapostos.
Para que os julgadores possam agir e valorar de forma equitativa, estes se
utilizam de valores tácitos em forma de princípios normativos que ensejavam inspiração ao
julgador no momento de interpretar a lei diante das decisões que suscitassem dúvidas quanto
ao que estava previsto no ordenamento e o que era passível de reparação.
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Sendo visto como verdades fundamentais, logo não podem se distanciar dos
postulados jurídicos que norteiam o direito do trabalho, com o risco de não sendo
reconhecido, gerar grandes prejuízos aos que demandam em juízo, aproximando-se mais da
ética, da justiça e da moral.
Com a Constituição de 1988, os princípios foram elevados a categoria de
norma, com força normativa que pressupõe uma função geral, no campo das idéias, impessoal
e imperativo, o que faz com que a abordagem dada para a sua importância junto ao processo,
seja revista e ampliada, adequando-se aos novos paradigmas do direito.
Princípio é por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro
alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o
espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência.
Os primeiros a reconhecerem e conceituarem princípios foram Crisafulli,
vindo depois José Joaquim Gomes Canotilho que sugeriu alguns critérios diferenciadores
entre princípios e regras. Normas subdividem-se em regras e princípios, onde as regras são
normas que verificados determinados pressupostos, ordenam, vedam ou admitem balizadores
definitivos, e os princípios são normas que para se efetivarem, exigem a realização de algo, de
forma adequada e possível e em concordância com as possibilidades de fato e de direito.
O esforço teórico busca abordar os conceitos de acidente do trabalho, onde
toda ação promovida em conseqüência do trabalho a serviço de empregador, que venha
provocar uma lesão física, ou perturbações de ordem funcional que cause a morte, perda ou
redução da capacidade permanente ou temporária para o trabalho, se tem um acidente de
trabalho, inicio da violação de um direito que levará o acidentado, vítima muitas vezes do
sistema, a perseguir a indenização.
Logo, percebe-se que não há como distanciar da fundamentação legal a
aplicabilidade dos princípios que serão discutidos, proporcionalidade e razoabilidade.
O termo proporcionalidade vem desde a antiguidade sendo base para a
aplicação da justiça. Aristóteles colocava como sendo a proporcionalidade parte do conceito
de justiça, onde ser justo era agir dentro dos princípios norteadores da dignidade. Tendo o
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princípio da proporcionalidade surgido a partir do nascimento do Estado de Direito burguês
na Europa, quando ocorreu a evolução dos direitos e garantias individuais do indivíduo, estes
passaram a gozar de garantias que lhes asseguravam uma justiça nos limites dos seus direitos.
O conceito de principio da proporcionalidade, não se encontra expresso de
forma a ser diretamente abordado, para isso, se faz necessário observar o emprego dado ao
termo, diante das variações terminológicas empregadas por diversos Estados. No
ordenamento jurídico americano, emprega-se razoabilidade dando sentido ao que qualifica
tudo quanto seja conforme a razão, os alemães se utilizam de forma indistinta
proporcionalidade e proibição de excesso.
O principio da proporcionalidade, surge da decorrência da passagem do
Estado absolutista, onde o governante detinha poderes ilimitados, para o Estado de Direito,
onde se pretendia controlar o poder de coação do monarca, que se designava de poder de
polícia, de atuação ilimitada quanto aos fins que poderia perseguir e aos meios que poderia
empregar. Diante dos abusos de poder, onde o Estado muitas vezes desrespeitava os direitos
do cidadão, dentro das bases do movimento intelectual que surgia, originou-se o principio da
proporcionalidade como instrumento de controle do excesso de poder.
Marco histórico para o surgimento do princípio da proporcionalidade podese citar a Magna Carta inglesa de 1215, onde se estabelecia que o homem livre não devia ser
punido por um delito menor, senão na medida desse delito, e por um delito gravoso, na
medida da gravidade do delito cometido.
O que leva ao entendimento do conceito dado como sendo este princípio
base para se sopesar o justo na medida do direito à reparação, levando sempre em conta a
proporção do dano em razão direta com o que se determinará justo para a reparação deste
dano. Ou seja, quanto maior a lesão, na medida da proporção do dano sofrido, assim também,
a reparação seguirá a mesma medida, com o fim de garantir a aplicação do direito, estando ele
expresso ou não na norma.
O termo proporcionalidade representa o pensamento literal, que corresponde
ao de equilíbrio, estando presente a idéia implícita de relação harmônica entre duas grandezas.
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Neste sentido, se tem uma visão limitada do sentido literal da palavra. Mas em sentido amplo,
se verifica uma abrangência maior, onde a devida adequação entre meios e fins e a utilidade
de um para a proteção de um direito.
Viu-se o emprego da expressão no ordenamento jurídico pela primeira vez,
durante processo de julgamento de controle de constitucionalidade, pelo Supremo Tribunal
Federal, no ano de 1993, ao ser deferido a medida liminar de suspensão dos efeitos da Lei
paranaense no. 10.248 de 1993, que tratava da aferição do peso de botijões de gás liquefeito
do petróleo, entregues ou recebidos pelo consumidor.
Fica
evidenciado
pelo
que
foi
abordado,
que
o
princípio
da
proporcionalidade – ―mostra-se não só um importante – o mais importante, por viabilizar a
dinâmica de acomodação dos diversos princípios‖ – o princípio fundamental, mas também um
verdadeiro topo argumentativo, ao expressar um pensamento que, além do conceito de justo e
do razoável, é de comprovada utilidade no equacionamento de questões práticas, no direito
nos seus diversos ramos, como também em outras áreas. Onde se está diante de uma norma
implícita na Carta Constitucional, de aplicabilidade em caso concreto, servindo de baliza no
momento de sopesa os direitos cabíveis a cada parte envolvida na relação jurídica.
Instrumento específico identificado e desenvolvido em cada experiência jurídicoconstitucional que permite a limitação do poder estatal. Princípio muito utilizado pelo
julgador diante da incerteza do valor a ser atribuído em relação ao direito que tem a vítima em
relação ao tamanho do dano sofrido ou do prejuízo causado, em relação ao quantum
apresentado na lei.
Já quanto à razoabilidade, elencam-se cinco significados para razoabilidade:
"a) conforme a razão, racionável; b) moderado, comedido - como um preço razoável; c) acima
de medíocre, aceitável, regular - uma atuação razoável; d) justo, legítimo -uma queixa
razoável; e e) ponderado, sensato."
Para outra parte da doutrina, tem-se a descrição de seis acepções para esse
adjetivo: "a) logicamente plausível; racionável, como uma dedução; b) o aceitável pela razão;
racional, quando, por exemplo, consideram-se as exigências feitas; c) que age de forma
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racional, que tem bom senso; sensato, como uma pessoa razoável; d) o que é justo e
compreensível por se basear em razões sólidas, como um julgamento, uma decisão razoáveis;
e) não excessivo; moderado, módico, como os preços assim reputados; e f) que é bom, mas
não excelente; aceitável, suficiente, bastante, como um vinho de qualidade razoável, um
salário razoável."
A razoabilidade no conceito dado pelos americanos, é tudo que qualifica
quanto seja conforme a razão, tem um sentido amplo, designando a atividade de raciocínio ou
dedução lógica de verdade necessária, designando também, o poder do intelecto de formular
conceitos e estabelecer relações lógicas de modo a deduzir uma conclusão correta de uma
premissa dada ou de fazer um julgamento objetivamente válido a respeito de fenômenos
empíricos.
Do termo, pode-se ter uma idéia de adequação, aceitabilidade, logicidade,
traduzindo aquilo que não é absurdo e sim o que é admissível. Ainda se concebe o sentido de
bom senso, prudência e moderação. A razoabilidade age como legitimadora dos fins que o
legislador escolher para o seu agir diante de casos concretos.
Ser razoável é respeitar os limites do poder que lhe são atribuídos pela
legislação, com o fim de não ferir direitos constitucionais do indivíduo no momento de agir.
No Brasil, não se encontra expresso na constituição o princípio da razoabilidade, sabe-se que
ele se encontra implícito no texto da Carta Magna, sendo este utilizado pelos julgadores no
momento de aplicar a lei em detrimento de uma ação que enseje interpretação diferente da
norma escrita.
O julgador tem que saber ponderar nas suas decisões, a fim de preservar o
direito do empregado, reconhecido como o mais frágil da relação processual, muitas vezes
penalizados pelas leis e pelo sistema, se vendo nas mãos de juízes que detém o poder de
decisão e para tanto, não podem se distanciar dos direitos fundamentais contidos na Carta
magna, utilizando-se dos princípios como balizador, no momento de julgar.
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PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
O interesse em entender como os princípios da razoabilidade e da
proporcionalidade são utilizados no estado do Rio Grande do Norte implica numa abordagem
metodológica que permita o acesso do fenômeno tal qual ele se apresenta na realidade e é
formalizado. Neste sentido, optou-se pela estratégia do estudo de caso, método de pesquisa
largamente utilizado nas ciências sociais aplicadas, em razão do seu poder de análise, não
apenas, da questão em si, mas do seu entorno, com efeito, os casos são capazes de melhor
compreender a extensão teórica na realidade empírica. Não obstante, serão tomados os
cuidados metodológicos necessários para que se tenha a validade e confiabilidade da pesquisa,
conforme prevê a doutrina.
As técnicas de pesquisa que sustentaram a metodologia foram orientadas
pelos princípios dialéticos, em face da necessidade de confronto da realidade com a
perspectiva teórica.
Desta forma, levantou-se os dados, a partir da pesquisa documental:
documentos (sentenças e acórdãos), que puderam ser encontradas no acervo do Tribunal
Regional do Trabalho da 21ª região.
RESULTADOS
Neste item serão observados alguns julgados do Tribunal Regional do
Trabalho do Estado do Rio Grande do Norte, onde se analisou a aplicação dos princípios da
proporcionalidade e da razoabilidade pelos Juízes e Desembargadores do Tribunal. Busca-se
através da analise dos julgados a comprovação e confirmação do tema ora proposto.
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CASO 1: ACIDENTE DE TRABALHO COM RESULTADO MORTE
(TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 21a REGIÃO - SEGUNDA VARA DO
TRABALHO DE MOSSORÓ/RN - Processo:1076-2006-012-21-00-1 (RT))
Tratou-se o presente caso de reclamação trabalhista , onde a Autora pleiteou
os direitos na qualidade de mãe do de cujus, que era empregado da Ré, falecido em
decorrência de acidente de trabalho. No bojo da ação, afirmou a Autora, que a causa da morte
do seu filho, foi a imprudência e negligência da empresa demandada, local onde o mesmo
laborava. Afirmou que o de cujus exercia a função de tratorista, mediante contratação verbal.
Destacou que houve uma violação as normas de segurança do trabalho. Pleiteou reparação de
danos.
O que se percebe dos fatos apresentados na inical, primeiramente é a
competência da justiça do trabalho para julgar demandas onde figure como parte autora
terceiro, ou seja, descendente, ascendente ou cônjuge. Em seguida, a responsabilidade por
dano causado a empregado em virtude de acidente de trabalho com resultado morte.
Finalmente, a presença dos pressupostos necessários á indenização, sendo a culpa, o nexo
causal e o dano.
Na ora de estabelecer o quantum indenizatório, o Juiz observou os valores
que eram pagos ao de cujus pela atividade desenvolviva, mas não se afastou da verificação da
extenção do dano sofrido. Na determinação do valor a ser pago a título de indenização para
reparacão dos
danos sofridos, percebeu-se que o julgador analisou valores reais, em
conformidade com o que o de cujus recebia pela atividade desempenhada, dessa forma, fica
evidente a ponderação no momento de determinar o quantum devido.
Na aplicação em caso concreto do princípio da proporcionalidade e da
razoabilidade, tem-se que o Juiz monocrático observou a extensao da lesão, na medida da
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proporção do dano sofrido, assim também, a reparação seguiu a mesma medida, com o fim de
garantir a aplicação do direito, estando ele expresso ou não na norma. O que se observa na
sentença em análise, é a devida adequação dos valores em relação ao dano.
A argumentação do julgador deixou claro que se faz necessário observar o
tamanho do dano sofrido pelos familiares diante do fato ocorrido como forma de se tentar
reparar a dor, o sofrimento, angústia, pela perda de um filho, sabendo ser este bem
irreparável, forma expressa da razoabilidade.
Também ficou evidente na presente sentença, a aplicação dos ditos
princípios, no momento de se determinar os valores a serem pagos pela empresa ré a título de
danos mateirais e danos morais, quando a própria norma não traz expressa a melhor forma de
mensuração dos valores em detrimento ao tamanho do dano sofirdo, pois foram deferidas as
seguintes indenizações: dano material, no valor de R$ 260.778,84 (duzentos e sessenta mil
setecentos e setenta e oito reais e oitenta e quatro centavos), dano moral, no valor de R$
200.000,00 (duzentos mil reis),
honorários advocatícios na quantia de R$ 92.155,76
(noventa e dois mil centos e cinqüenta e cinco reais e setenta e seis centavos).
CASO 2: AMPUTAÇÃO DE DEDO
(TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 21a REGIÃO - RO nº 01683-2006-005-2100-3. Desembargador Relator: Ronaldo Medeiros de Souza)
O segundo caso consite em ação a qual se pleiteou indenização por danos
sofridos em acidente de trabalho, resultando na perda de um dedo, causando dano moral,
material e estético. Na inicial, o recorrente/reclamante alegou, ter sido vítima de sinistro
quando em serviço no estabelecimento da demandada. Narrou que foi designado por seu
superior para verificar o funcionamento de um compressor. Ao tentar manipular a máquina,
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esta se movimentou de forma extraordinária e travou sua mão, decepando-lhe um dedo.
Pondera que não tinha aptidão nem treinamento para operar o compressor, pois fora
contratado para a função de Motorista.
A recorrida/reclamada, por seu turno, refutou a tese do obreiro, asseverando
que este tentou acionar o compressor por sua própria iniciativa e puxou indevidamente a
correia da máquina. Afirma que de maneira nenhuma determinou ao trabalhador que tentasse
ligar o equipamento, tendo para isso chamado um eletricista, que estava a caminho da
empresa quando ocorreu o acidente.
O caso apresentado neste recurso, vem da ocorrencia de acidente de
trabalho, estando presente o nexo causal e o dano, pressupostos necessários para ser devido
a indenização. O que se observou no citado acordão, evidenciou a exata ocorrência de
acidente de trabalho, deixando evidente o cabimento da postulação da ação para obtenção da
reparação do dano sofrido por parte do empregado.
Evidente também ficou a constatação da conduta negligente por parte do
empregador, fato que só faz confirmar o direito a indenização por acidente de trbalho por
parte do empregado.
Os juízes do Tribunal, verificaram a extenção do dano, necessária para a
precisa determinação do valor da indenização devida ao trabalhador pelas perdas advindas do
acidente.
Para determinar os valores a serem pagos a título de indenização por danos
morais, materiais e estéticos, os juízes levaram em consideração valores abstratos, mas
essenciais na vida do homem, tais como o moral, onde diante do dano sofrido, o trabalhador
passou por constrangimentos junto aos amigos e familiares, em virtude da perda do dedo e da
mobilidade da mão, valores como este, que não são mensuráveis em função de quanto deixou
de adquirir, mas sim, o que a pessoa que foi experimentou do fato, além do que terá de
suportar pelo resto de sua vida.
Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade foram utilizados
pelos juízes, na determinação dos valores justos à reparação dos danos sofridos pelo
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empregado, levando em consideração a extensão do dano e os prejuízos que foram suportados
pela vítima e seus familiares. Sendo tais princípios, normas abstratas, serviram de norteadores
aos juízes na hora de sentenciar, quando não tinham uma norma escrita que servisse de fonte
para o perfeito julgamento do caso.
A este caso, o Tribunal reformou parcialmente a sentença de 1º grau,
condenando a empresa demandada a pagar pensão mensal no importe de R$ 285,00 desde a
data do acidente, com reajustes anuais, indenização por danos morais no valor
de R$
15.000,00 (quinze mil reais) e indenização por danos estéticos no montante de R$ 10.000,00
(dez mil reais).
CASO 3: TRAUMATISMO DE CLAVÍCULA
(TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 21a REGIÃO - Recurso Ordinário nº
144300-33.2009.5.21.0001 - Juíza Relator a: Simone Medeiros Jalil)
No caso em comento, o reclamante, comprovou que sofreu acidente de
trabalho durante a execução de suas atividades laborais. A reclamada emitiu a CAT em tempo
bem posterior. Os documentos, trazidos aos autos pelo reclamante, demonstram que o
traumatismo na clavícula evoluiu para uma artrose esterno-clavicular, que o manteve afastado
do trabalho. Ainda que em quadro psicótico por motivos alheios ao seu labor, o ortopedista,
sugeriu o afastamento definitivo do trabalhador por incapacidade permanente, em decorrência
artrose pós-traumática (refere ao traumatismo na clavícula).
Após ponderação quanto às apurações de responsabilidades, em face da
razoabilidade e da proporcionalidade, o Tribunal conheceu dos recursos ordinários e no
mérito, deram provimento parcial ao recurso da reclamada para reduzir a indenização por
danos morais para o montante de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) e provimento parcial ao
recurso do reclamante para condenar a reclamada a pagar ao autor indenização por danos
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materiais no importe de R$ 17.971,20 (dezessete mil, novecentos e setenta um reais e vinte
centavos).
CONCLUSÕES DOS RESULTADOS
Buscou-se, neste trabalho, a verificação de como os juízes do Tribunal
Regional do Trabalho do Rio Grande do Norte, estão procedendo à aplicação do princípio da
proporcionalidade e da razoabilidade nas decisões de ações por reparação de danos sofridos
em virtude de acidente de trabalho. Para tanto, procurou-se enfatizar os conceitos abordados
na introdução.
Inicialmente, como forma de alicerce para o estudo, fez-se necessário o
entendimento de algumas noções gerais de princípios em direito, como também, de acidente
de trabalho. A partir dos conceitos estudados, viu-se que os princípios representam os valores
fundamentais do sistema jurídico, predefinindo, orientando e condicionando a aplicação do
direito.
O princípio da proporcionalidade é entendido como parâmetro a balizar a
conduta do legislador quando estejam em causa limitações a direitos fundamentais, a
adequação representa a exigência de que os meios adotados sejam apropriados à consecução
dos objetivos pretendidos. Pondera-se o direito em relação à extensão do dano como forma de
garantir-se uma equânime distribuição de valores em relação ao dano.
Na análise dos casos concretos, viu-se a plena aplicabilidade dos princípios
em estudo, posto que quando os julgadores se colocaram diante da ausência de norma
expressa norteadora de valores, fazendo surgir norma abstrata, em forma de princípios, foi
realizado o justo julgamento das lides com a determinação dos valores indenizatórios
pleiteados nas ações.
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Claro também ficou, a razoabilidade, quando se sopesou a extensão do dano
e o valor adequado a título de indenização, uma vez que o que expressaram nas decisões foi
que os valores aludidos viessem a minimizar a dor o sofrimento, angústia e tantos outros
valores morais e materiais suportados pelas vítimas, sem que com isso, o julgador causasse
perdas irreparáveis ao réu e enriquecimento sem causa ao autor da demanda.
Ao final, levando-se em consideração a importância, a relevância e o
gradual crescimento dos princípios para o mundo do direito, é necessário que os Juízes
continuem na busca pelo seu aperfeiçoamento, ou, ao menos, obedeçam a suas regras de
aplicação, com o fim de se ver decisões justas e equinânimes, nas ações de indenização por
acidente de trabalho, expurgando do universo jurídico, idéias contrárias de valores atribuídos
ao homem, no momento de mensurar o quanto vale uma vida, um braço, uma visão ou mesmo
um dedo.
BIBLIOGRAFIA
a
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales, 1997 (a 1 . ed. do original Theorie
der Grundrechte,1986).
BARROS, SUZANA DE TOLEDO. O princípio da proporcionalidade e o controle de
constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. Editora Brasília Jurídica,
edição 2ª., ano 2000, p. 69.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador.
Coimbra: Editora Coimbra, 1994.
DANTAS, San Tiago. Programa de Direito Civil. v. I. São Paulo, Forense, 2001.
DE MELLO, Celso Antonio Bandeira. Elementos de direito administrativo. São Paulo: RT,
1980, p. 230.
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FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda, Mini Dicionário da Língua Portuguesa, 4ª. Ed.
Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 2001. (FERREIRA, 2001)
GODOY, A.S. Estudo de Caso Qualitativo in Pesquisa Qualitativa em Estudos
Organizacionais. São Paulo: Saraiva, 2006.
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O SOFRIMENTO DO SUJEITO NA ORGANIZAÇÃO: AS CONTRIBUIÇÕES DA
PSICOLOGIA PARA A INVENÇÃO DE UM NOVO ESPAÇO DE TRABALHO
MANFREDI, F.2;
SÁ, F. S. de3;
SIGNORINI, T.4;
Departamento de Psicologia da Universidade Paranaense (UNIPAR)
[email protected]
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tratasse de um artigo, de revisão bibliográfica,
elaborado como trabalho de conclusão de curso, apresentado ao curso de graduação de
Psicologia da UNIPAR – Universidade Paranaense, campus de Umuarama-PR.
As crescentes transformações inseridas no trabalho e na produção nas
últimas décadas trazem consigo uma tecnologia avançada, que reflete mudanças na
organização do trabalho. Com as modificações no sistema político, econômico e produtivo, o
indivíduo depara-se com tarefas novas, que o desafiam constantemente, e o mesmo torna-se
obrigado a adaptar-se a este novo contexto organizacional. Tal adaptação, porém, pode vir a
acarretar sofrimento neste indivíduo, indivíduo que consequentemente afetará o todo da
organização.
Neste parâmetro, a Psicologia do Trabalho surge como um modo de auxiliar
esta organização que tem indivíduos que podem estar sofrendo, e além desse aspecto, surge
também, para contribuir no desenvolvimento da organização, já que o objetivo do psicólogo
2
Acadêmica do quinto ano do curso de Psicologia da Universidade Paranaense – UNIPAR, campus de Umurama/PR. Endereço, Rua Cambé,
4073, Edifício Isabela, apto 32, Zona II. Umuarama/PR, CEP:87502-160. E-mail:[email protected]
3
Acadêmica do quinto ano do curso de Psicologia da Universidade Paranaense – UNIPAR, campus de Umurama/PR. Endereço, Rua Cambé,
4073, Edifício Isabela, apto 32, Zona II. Umuarama/PR, CEP:87502-160.
E-mail: [email protected]
4
Docente do curso de Psicologia da Universidade Paranaense – UNIPAR, campus de Umuarama/PR. Endereço, Rua 13 de Maio, 1964,
Jardim Bella Vista. Umuarama/PR, CEP 87506-340. E-mail: [email protected]
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neste contexto é promover na organização uma melhor qualidade de vida para os
colaboradores, assim podendo ocorrer um crescimento saudável e produtivo na mesma.
O campo da Psicologia do Trabalho é extenso e a interdisciplinaridade e a
transdisciplinaridade são indispensáveis para se obter uma maior compreensão do objeto de
estudo, este objeto de estudo e de trabalho está voltado para a saúde mental do homem que
trabalha, juntamente com o significado e as relações de trabalho para este mesmo homem.
Deste modo, no presente artigo, levanta-se uma discussão sobre alguns
conceitos de trabalho, com o objetivo de facilitar a compreensão do leitor, também analisando
as transformações ocorridas com o tempo e as possíveis formas que o mesmo se dá, que
interferem na subjetividade deste trabalhador, que pode acarretar pontos positivos ou
negativos a este indivíduo, como o prazer e a satisfação ou o sofrimento psíquico e
insatisfação, perante este âmbito, o profissional da Psicologia deverá atuar com estratégias
específicas a demanda, traçando planos de ação para uma eficácia na intervenção, que visará à
promoção e prevenção de vida deste indivíduo que trabalha.
Sendo assim, é pertinente iniciar pelo significa do trabalho, ou seja, o verbo
trabalhar é originado do verbo tripalium referindo-se a um instrumento usado para tortura.
Além de trabalho encontra-se a palavra atividade, mencionando a ação, que exerce, que age e
a palavra práxis, que se refere a aquilo que se pratica rotineiramente.
Deste modo, o conceito de trabalho já passou por várias transformações. No
século XVIII a Revolução Industrial foi, sobretudo a passagem de um sistema de produção
agrária e artesanal para a produção industrial, caracterizado pelas fábricas e maquinarias.
Surgiu assim uma nova visão de trabalho, onde o modo de produzir inclui novas
características, o sujeito passa a trabalhar não mais pela necessidade, mas pela obrigação,
assim o sujeito passa a sobreviver apenas da venda de sua força de trabalho, submetendo-se as
ríspidas normas impostas e a salários humilhantes. Neste momento, em específico da história,
aconteciam transformações de um modo de vida, passa a existir um grande números de
operários juntamente com o desenvolvimento dos meios de transporte, o crescimento das
cidades, a comunicação e a valorização das ciências.
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No século XIX, ocorreu um conjunto de ações que marcam novamente o
sistema de trabalho: na primeira revolução industrial o sistema desenvolvido foi o liberalismo
econômico, porém a preocupação com o aumento elevado da produtividade fez com que o
engenheiro Frederick W. Taylor desenvolve-se um método de administração que ficou
conhecido como taylorismo, assim surge um novo sistema, o capitalismo monopolista. Para
Taylor, o trabalho fundamenta-se na aplicação de métodos da ciência positiva, racional e
metódica aos problemas administrativos, pois somente desta maneira se poderia alcançar à
produção máxima com o mínimo de tempo e esforço.
Outra característica posterior deste século foi o fordismo, criado pelo
empresário Henry Ford, que acreditava que era preciso diminuir os custos no processo de
montagem de seus produtos, para que assim a venda dos mesmos fossem favoráveis a todos, e
a partir daí seria possível aumentar o crescimento de consumo, e consequentemente, os lucros
seriam maiores.
Com tantas modificações no âmbito do trabalho, há algumas décadas
pontua-se uma crítica sobre o taylorismo/fordismo, onde os trabalhadores exerciam seu
trabalho de forma fragmentada, com separação entre produção e execução, e a hierarquia
severa teria levado a desmotivação, alienação dos trabalhadores e uma instabilidade que
poderia ser a origem de considerações patogênicas, ou aspectos representáveis a nível
psíquico.
Através desta breve apresentação histórica, e tendo em vista que houveram
outros autores e fatos importantes até os atuais, é possível perceber que o conceito de trabalho
esteve, e ainda esta, sempre em movimento, conforme a história e o contexto em que vivemos,
o trabalho além de passar pelas transformações de materiais provocadas pela atividade
deliberada dos homens, com a finalidade de adaptar a natureza às suas necessidades, ele passa
por extensão, modifica-se, ou seja, tudo depende de uma certa intencionalidade humana.
O trabalho é de grande valor tanto para o capitalismo quanto para o
marxismo, porém há diferenças nesta valorização, estas diferenças se dão pelo fato de que os
capitalistas valorizam a margem do lucro, já os marxistas, valorizam a liberdade e a
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criatividade do trabalhador na realização de seus afazeres, a intenção é que o trabalhador
exerça suas tarefas e reconheça-se como indivíduo. Podemos perceber assim, que o valor e o
sentido do trabalho variam de acordo com as relações da sociedade e seu momento histórico.
Cabe ainda apontar que definir trabalho de acordo com a psicanálise recobre
uma pluralidade de sentidos. Freud coloca e distingue tal pluralidade como: Trabalho social,
onde pode, em alguns casos, não visar ao sustento, uma atividade realizada na realidade
histórica por homens e mulheres, e através desse trabalho que passam a registrar-se no
mundo, expressam-se nele, o têm como sua própria razão de ser, aonde a maioria dos
indivíduos vem tendo pouco êxito no decorrer da história; em seguida Trabalho como
atividade não pessoal no interior do parelho psíquico, Trabalho como produção inconsciente
das formações do que dele se apresenta à consciência, e por último Trabalho como
movimento do subjetivo que, parte do que nele se agita desde a sua estruturação psíquica, ou
altera-se em sua modalidade inercial anterior, termina por expressar-se ao expressar, por ele, a
pessoa mesmo no circuito do social.
Deste modo, considerasse o trabalho como imprescindível à existência do
homem, o trabalho é uma ação o qual participa o homem e a natureza e, portanto de manter a
vida humana.
O conceito de trabalho pode ser visto então, como um conjunto de atuações
com significados próprios de transformação da natureza pelo homem que vem sendo
modificado conforme as transformações existentes na sociedade. Apresenta-se o trabalho
enquanto significado para o sujeito, que pode ser entendido como uma cognição subjetiva
capaz de refletir (o) e de se fazer refletir (no) momento histórico da sociedade.
Sendo assim, o trabalho é definidor de sentidos tanto pessoais quanto
sociais. É criador de aspectos existenciais, contribui na estruturação da identidade e
subjetividade do mesmo modo que provê subsistência, oferece ao trabalhador uma melhor
acessibilidade, e deste modo, melhora sua qualidade de vida.
O trabalho representa muitas vezes a identidade do sujeito, grupo ou social,
o homem só é capaz de reconhecer o trabalho como algo integrador e de reconhecer a si
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mesmo como indivíduo e ser social quando não compreende o trabalho como algo obrigatório
e necessário à sobrevivência e aquisições, isso se traduz então no prazer impulsionado pelo
desejo que o trabalho deve consequentemente representar ao homem.
Um trabalho que possibilita um sentido é de extrema importância e utilidade
para quem o realiza e apresenta três características principais: 1° variedade das tarefas
executadas que permitam a utilização de várias competências, portanto faz com que o
trabalhador se identifique com a realização das mesmas; 2° um trabalho com características
não alienantes, onde o sujeito possa identificar-se, desde a sua concepção até a finalização,
assim, passa a perceber o significado de seu trabalho, que contribuirá para sua autonomia na
forma de como realiza suas tarefas; e 3° o feedback, que se caracteriza por ser um retorno
sobre o trabalho desenvolvido, possibilita ao indivíduo as informações necessárias sobre
possíveis ajustes para aprimorar seu desempenho. Deste modo, percebemos que o indivíduo
tem de estar livre e potencializado para utilizar suas habilidades e competências no
desenvolvimento de seu trabalho, para que assim identifique-se com o mesmo e esteja
disposto para possíveis modificações.
Contudo, na contemporaneidade podemos perceber que em muitas
organizações o verdadeiro significado de trabalho tem sido perdido, e em seu lugar surge um
processo intenso de desgaste físico-moral, que pode acarretar ao trabalhador uma perda de sua
independência, tudo isso sobre uma forte supervisão. Assim o trabalho perde o valor de
realização pessoal e passa a ser comandado por um superior. O trabalho tornou-se fortemente
mortificado enquanto valor, acontecendo a abolição da criatividade para a maioria dos
indivíduos, onde o caráter de trabalho segue o movimento de uma perspectiva desinteressante
e massificante, voltada apenas para a produtividade. Um ponto que pode vir a acarretar perda
do sentido no trabalho é a crescente fragmentação das tarefas, ou seja, cada indivíduo elabora
uma parte do todo assim, não se conhece o produto final. É possível questionar também, como
as outras instâncias, como família e lazer podem se fazer importantes para a estruturação da
vida pessoal, o que se verificou foi que apesar de importantes e tendo uma certa autonomia,
acabam sendo intercedidas pelo fator produtivo, onde o trabalho torna-se o fator principal.
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O desgaste físico-moral juntamente com a eliminação da criatividade e a
forte supervisão, pode acarretar ao trabalhador uma série de doenças psicológicas, aspectos
psicológicos esses que podem adentrar o ambiente de trabalho, merecendo análise e
questionamentos, já que estamos falando de algo que dá sustentáculo ao sofrimento do
sujeito, pois, existe uma relação mútua entre trabalho e sofrimento psíquico, sendo este último
produzido ou suscetibilizado pela relação homem-trabalho. Desta forma, o empregador deve
dispor de estratégias que permitam aumentar a estabilidade de seus empregados, valorizando a
relação trabalhador-trabalho, assim diminuindo possíveis conflitos que possam surgir.
Sendo assim, em relação ao sofrimento no trabalho, cabe destacar que, as
transformações pelas quais as organizações foram afetadas conforme o momento histórico que
viviam e de acordo com exigências, tanto mercadológicas quanto humanas, (colaboradores e
suas relações existentes), trouxeram consigo diversos questionamentos, deste modo surgiu um
novo reposicionamento entre trabalhador e empresa. Está cada vez mais evidente o sofrimento
dos trabalhadores evocado pelo lugar de trabalho, ou seja, pela posição assumida pelo homem
enquanto produção, este que pode se manifestar pelas mais variadas causas, na maioria das
vezes, surge como um mecanismo de defesa para o indivíduo que o alerta que algo não vai
bem.
O homem passa a trabalhar não somente pela sua sobrevivência, mas pelo
fato que, a essência do ser humano está no trabalho. Sua identidade está sendo moldada pelo
seu trabalho, sentindo-se útil, valorizado, mesmo que com o sistema capitalista, passa a ser
explorado e conseqüentemente o faz perder controle da sua liberdade de produção. A carga
psíquica do trabalho aumenta quando a liberdade de organização do trabalho diminui, quando
o meio de sobrevivência se torna mais que uma severa obrigação, o sujeito deixa de ser livre,
e passa a ser manipulado por tal organização, assim pode incidir um bloqueio de energia
pulsional, que se aglomera no aparelho psíquico do sujeito, que poderá provocar desta
maneira insatisfação e conflitos.
O sofrimento no trabalho esta associado com diversos fatores, entre eles os
fatores históricos relacionados com a vida do indivíduo dentro e fora de seu trabalho.
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Apresenta-se de diversas maneiras, podendo-se explicitar: a) sofrimento singular: que é
transmitido pela história psíquica do sujeito; b) sofrimento atual: este acontece quando o
sujeito se reencontra com o trabalho; c) sofrimento criativo: quando o sujeito desenvolve
soluções adequadas para melhorar a qualidade de sua vida e saúde; e d) sofrimento
patogênico: o sujeito desenvolve saídas desfavoráveis para sua vida e saúde, ou seja, se
caracteriza por ser inverso ao sofrimento criativo. Podemos assim perceber, que as maneiras
de defesa de um indivíduo contra o sofrimento no trabalho, podem se desenvolver de variadas
formas dependendo sempre de seu histórico de vida.
O trabalho é um núcleo definidor do sentido da existência humana, devemos
dentro deste, tentarmos torná-lo o mais prazeroso possível. Um posicionamento ineficaz das
organizações frente às relações no contexto organizacional, modifica este sujeito na
organização, o prazer e o desejo pelo trabalho diminui, dando espaço para o surgimento do
sofrimento na organização. Podemos perceber o quão importante é o trabalho na vida dos
indivíduos, tanto como modo de sobrevivência como subjetivação e representação social,
porém, como já citado o trabalho pode perder com o tempo seu verdadeiro significado, assim
abrindo espaço para o sofrimento dos trabalhadores, o trabalho deixou de ser uma atividade de
realização individual que gera satisfação na medida em que é desenvolvido, torna-se assim
desinteressante e passa a ser mercadoria criada pelo capitalismo da época, portanto volta-se
apenas para o aumento da produtividade.
A atividade intelectual, criativa e significativa é imprescindível no decorrer
do trabalho para nutrir a integridade do aparelho psíquico dos indivíduos, caso essas
atividades não sejam mantidas surge nos trabalhadores o sofrimento psíquico. Este que pode
vir a aumentar de acordo com a rigidez da organização, caracterizando esta rigidez como
sendo a situação mais prejudicial e patogênica para os trabalhadores.
O sofrimento é vivenciado quando o desgaste aparece no local de trabalho,
onde se mostra que há um descontentamento em relação ao mesmo, surge neste mesmo
parecer o desânimo e aborrecimento.
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O sofrimento esta relacionado com o perigo, o sofrimento é visto como uma
reação, uma manifestação da insistência em viver sob circunstâncias que, na maioria das
vezes, não são favoráveis. A vida, nesse parâmetro, é árdua e proporciona sofrimentos
diversos, frustrações e tarefas impossíveis.
Há vários estudos focados em identificar os problemas que levam os sujeitos
a sentirem o trabalho como uma necessidade ríspida, interferindo diretamente nas relações
sujeito versus organização, deste modo, podendo gerar situações conflituosas e sofrimento no
trabalho, no entanto os estudos sobre organização do trabalho, indivíduo e sofrimento ficam
cada vez mais aparentes e explicados por inúmeras correntes de pensamento administrativo.
Foi a partir da tais estudos, que começaram a surgir inúmeras sugestões de
integração do indivíduo à organização, principalmente no sentido de elevar a autonomia
individual, desta forma participará de decisões com o intuito de aumentar as tarefas dentro da
organização, onde esse indivíduo possa sentir-se liberto, e consequentemente responsável por
suas atitudes, assim refletirá numa prevenção de estresse e sofrimento.
Partindo dessa nova visão de mundo dentro da organização, onde o
indivíduo pode se sentir liberto, autônomo e responsável por suas atitudes, o papel do
psicólogo neste contexto seria de dar auxílio as relações para que aja um crescimento de
ambas as partes, ou seja, colaborador e organização.
Os profissionais da Psicologia do Trabalho devem apresentar um olhar
amplo e multifatorial, onde se utilizam de todas as ferramentas necessárias para um bom
desenvolvimento da organização e de seus trabalhadores, se preocupando com a saúde e
qualidade de vida de todos os colaboradores.
Volta-se assim o trabalho para aspectos condizente com a saúde mental do
sujeito que trabalha e as extensões deixadas de lado como o significado e as relações que o
trabalho estabelece. Questões que se esquecidas poderão ocasionar sofrimento psíquico aos
indivíduos, pois é através do significado de seu trabalho e das relações nele estabelecidas que
o homem se constitui no mundo. O indivíduo tem de se sentir livre e disposto a utilizar sua
criatividade na produção. Existe sempre uma transferência de subjetividade ao produto: pois
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trabalhar é impor à natureza a nossa face, o mundo fica mais parecido conosco e, portanto,
nossa subjetividade depositada ali, fora de nós, nos representando.
Esta atuação deve estar voltada ao homem enquanto sujeito central, através
da compreensão do significado humano do trabalho. Para ressaltar a importância deste homem
que se encontra inserido no contexto do trabalho, principalmente no que diz respeito a este
enquanto estrutura que sofre com os aspectos promotores de características organizacionais.
A idéia de que o bem estar dos indivíduos esta relacionado com um
ambiente agradável onde possam realizar seu trabalho, este ambiente agradável
consequentemente auxilia os trabalhadores a desenvolverem um zelo pelo produto produzido.
Diferente da idéia de sofrimento, que esta relacionada com a subjugação de seu trabalho, criase assim raiva do produto final. Sendo assim, cabe ao profissional da Psicologia identificar
estes fatores, e caso os identifique como desfavoráveis, problematizá-los, possibilitando assim
a abertura para a mudança.
Empresa e trabalhador têm de estar engajados na busca de uma plena
realização, pois o sofrimento do indivíduo surge pela sua insatisfação, tanto por não conseguir
descarregar sua energia de acordo com sua personalidade no desenvolvimento de seu trabalho,
pela rigidez apresentada pelo seu superior, como também dependendo de seus desejos e
motivações.
Entende-se que não da o devido valor a realidade psíquica é entregar-se a
um conceito displicente do homem, que pode direcionar a conseqüências patológica.
E, desta maneira, a Psicologia do Trabalho oferece como atributos
pertinentes, considerações que vem de encontro a problematizar as manifestações subjetivas
no trabalho, levando em consideração aspectos acerca do desejo e de aspirações relacionadas
à saúde e estruturação psicológica, considerando o indivíduo como um ser biopsicossocial,
proveniente de um meio que se inter-relaciona com as organizações do trabalho e suas
consequentes contribuições sociais.
O psicólogo do trabalho destina-se a intervenções que se relacionam a
responsabilidade do zelo pelo equilíbrio emocional do trabalhador, enquanto composição
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elementar da sobrevivência da organização que se encontra em constante construção. A tarefa
do psicólogo é a de explorar, analisar e compreender como se da as mais variadas relações
que se desenvolvem nas organizações e na vida do indivíduo, conhecendo o modo como cada
um desenvolve seu trabalho, assim, subjetivando-se no contexto organizacional e pessoal.
Devendo estar apoiado em seu campo teórico, sempre em busca de novos conhecimentos e
práticas, para que assim possa desenvolver estratégias para a promoção, preservação e
restabelecimento da qualidade de vida das pessoas.
Diante da discussão teórica obtida, pode-se perceber que as modificações
históricas contribuíram para a mudança do conceito de trabalho e também para suas formas de
atuação. As crescentes transformações inseridas no trabalho e na produção nos últimos
tempos permitiram um novo olhar sobre o indivíduo neste contexto. Começou-se a olhar o
indivíduo como um todo, e não apenas fragmentado detentor de lucratividade. O trabalho
passa a moldar o indivíduo, e consequentemente sua identidade reflete no mesmo. Quão
importante o trabalho para a sobrevivência do indivíduo, quanto para a subjetivação do
mesmo, além da representação social que assume.
O profissional da Psicologia, diante deste contexto, deve trabalhar com uma
metodologia variável, voltada não somente para a administração da empresa, mas com uma
visão de promoção e prevenção de saúde, oferecendo propostas interventivas com um olhar
biopsicossocial apoiadas em seu campo teórico.
METODOLOGIA
A metodologia utilizada baseou-se em um estudo teórico, caracterizado por
investigações em livros e artigos, embasados na teoria psicanalítica com o intuito de fazer
uma busca referente ao tema proposto, identificando suas causalidades e supostas
intervenções.
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RESULTADOS
Diante da discussão teórica obtida, pode-se perceber que as modificações
históricas contribuíram para a mudança do conceito de trabalho e também para suas formas de
atuação. As crescentes transformações inseridas no trabalho e na produção nos últimos
tempos permitiram um novo olhar sobre o indivíduo neste contexto. Começou-se a olhar o
indivíduo como um todo, e não apenas fragmentado detentor de lucratividade. O trabalho
passa a moldar o indivíduo, e consequentemente sua identidade reflete no mesmo. Quão
importante o trabalho para a sobrevivência do indivíduo, quanto para a subjetivação do
mesmo, além da representação social que assume.
As relações que permeiam o mundo do trabalho passam a refletir na saúde
mental e coletiva dos colaboradores, esta relação tem de estar engajada em uma forte
confiança e consideração, assim os indivíduos se sentem dispostos e livres para utilizarem sua
criatividade na realização de suas tarefas. Pois se não existir essa relação os colaboradores
podem se sentir presos e manipulados, trabalhando apenas com o objetivo de sustentabilidade
financeira, o que poderá acarretar sofrimento ao indivíduo e consequentemente afetará a
organização.
O profissional da Psicologia diante deste contexto deve trabalhar com uma
metodologia variável, voltada não somente para a administração da empresa, mas com uma
visão de promoção e prevenção de saúde, oferecendo propostas interventivas com um olhar
biopsicossocial apoiado em seu campo teórico.
Por fim, cabe ressaltar que a contemporaneidade apresenta-se como cenário
propício para o sofrimento do sujeito, daí a ênfase cada vez maior no eficaz trabalho do
Psicólogo nesta situação, agenciando mudando e direcionando o homem ao seu bem estar.
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SAÚDE DO TRABALHADOR: OBRIGAÇÕES DO EMPREGADOR E ACIDENTE
DE TRABALHO
BENTO, F.;
RIBEIRO, V. dos A.;
Universidade Norte do Paraná (UNOPAR)
[email protected]
INTRODUÇÃO
São diversas as obrigações dos empregadores, vinculadas à segurança do
trabalho. Destacam-se as seguintes, previstas na Consolidação das Leis do Trabalho: I cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho; II - instruir os
empregados, por meio de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar
acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais; III - adotar as medidas que lhes sejam
determinadas pelo órgão regional competente [Delegacia Regional do Trabalho e outros]; IV facilitar o exercício da fiscalização pela Delegacia Regional do Trabalho; V - manter serviços
especializados em segurança e em medicina do trabalho; VI - constituir Comissão Interna de
Prevenção de Acidentes [CIPA]; VII - fornecer gratuitamente equipamento de proteção
individual adequado ao risco e em perfeito estado de conservação e funcionamento; VIII realizar exame médico [admissional, demissional e periódico]; IX - manter material
necessário à prestação de primeiros socorros médicos de acordo com o risco da atividade; X notificar as doenças profissionais e as produzidas em virtude de condições especiais de
trabalho comprovadas ou objeto de suspeita.
Além das obrigações previstas na CLT, temos ainda as regras estabelecidas
em Normas Regulamentadoras [NR] do Ministério do Trabalho e Emprego, especialmente as
que tratam dos programas de: I - controle médico e saúde ocupacional; II – equipamento de
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proteção individual; III – comissão interna de prevenção de acidentes; IV – serviços
especializados em engenharia de segurança e em medicina do trabalho.
METODOLOGIA
A metodologia do estudo é a pesquisa bibliográfica, representada pelo
levantamento, seleção e arquivamento de informações relacionadas com os seguintes temas:
―acidente de trabalho‖, ―doenças profissionais e do trabalho‖, ―responsabilização do
empregador nos casos de acidente de trabalho‖.
RESULTADOS
É comum na Justiça do Trabalho as ações em que o trabalhador ou seus
familiares buscam responsabilizar o empregador por danos materiais e morais sofridos em
razão de acidente de trabalho. Tornou-se constante a condenação de empregadores e/ou de
tomadores de serviços [empresas que contratam prestadoras de serviços] a pagarem
indenizações.
Analisando a doutrina e as decisões dos Tribunais do Trabalho, constata-se
a prevalência da ideia de que é da empresa a obrigação de comprovar a observância das
normas de segurança e medicina do trabalho nos casos de acidente de trabalho. Constitui ônus
da prova do empregador demonstrar nos processos judiciais a inexistência de culpa, ao
providenciar todos os elementos preventivos exigíveis a fim de impedir acidentes de trabalho
e doenças profissionais, em atenção ao que determina a legislação.
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O empregador, além orientar seus empregados e fornecer o equipamento de
proteção individual, deve fiscalizar a correta utilização desses equipamentos. Se essa
fiscalizar não ocorrer ou for deficiente, o empregador certamente será responsabilizado em
caso de acidente de trabalho. Em várias decisões dos Tribunais Trabalhistas afirma-se que
compete ao empregador não só orientar seus empregados a respeito das normas de segurança
do trabalho e fornecer equipamentos de proteção adequados, mas também cumprir e fazer
cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho, estando a empresa autorizada,
inclusive, a despedir por justa causa o empregado que se recusar a observar as instruções a
respeito do tema ou a utilizar os equipamentos de proteção individual fornecidos pela
empresa.
Diante desse quadro de imposição normativa, nas ações trabalhistas que
envolvem pedido de responsabilização do empregador em razão de possíveis danos morais e
materiais decorrentes de acidente do trabalho é necessário que a empresa demonstre
satisfatoriamente que cumpre e faz cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho.
Assim, além das ações que demonstrem o cumprimento da legislação de segurança do
trabalho, a empresa deve estar preparada para demonstrar documentalmente a realização
dessas ações.
Recomenda-se que a empresa mantenha documentos específicos a cada
empregado em sua pasta/arquivo respectivo, tais como: exames médicos; atestados médicos;
registro de fornecimento de equipamento de proteção individual; comunicado de acidente de
trabalho; documentos do Instituto Nacional do Seguro Social relativos à concessão de
benefícios previdenciários [auxílio doença comum ou acidentário]; documentos que indiquem
a experiência do trabalhador em outros empregos e/ou participação em cursos de formação
etc.
Recomenda-se, também, que a empresa tenha um arquivo com registros das
ações gerais relativas à segurança do trabalho, com documentos que comprovem: as ações da
Comissão Interna de Prevenção de Acidentes; as normas internas; cursos patrocinados;
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Semana Interna de Prevenção de Acidentes do Trabalho [SIPAT]; advertência e suspensões
de todos os empregados que não cumpram as normas de segurança do trabalho etc.
Em outro aspecto, a análise das súmulas do Tribunal Superior do Trabalho
indica a adoção, por esse Tribunal, de orientações jurisprudenciais claramente protetivas ao
empregado acidentado. É certo que a Justiça do Trabalho é orientada pelo princípio da
proteção, e os acidentes de trabalho, em qualquer de suas principais espécies [acidente típico,
doença do trabalho ou doença profissional], representam uma situação que reclama proteção
especial ao empregado.
A primeira Súmula protetiva é a de n. 46, que estabelece que as faltas ou
ausências decorrentes de acidente do trabalho não são consideradas para os efeitos de duração
de férias e cálculo da gratificação natalina. No caso dessa Súmula, temos que o afastamento
do empregado em razão de acidente de trabalho representa uma suspensão do contrato de
trabalho, equivalente à licença sem vencimento. Se o período do afastamento superar seis
meses, o empregado perde a contagem do período aquisitivo em curso [CLT, artigo 133,
inciso IV].
Essa perda do período aquisitivo, entretanto, não ocorre em razão de faltas
ou ausências decorrentes de acidente do trabalho. Conforme interpretação do Tribunal
Regional do Trabalho da 3ª. Região, o correto, aqui, é considerar-se a soma do período
aquisitivo de férias anterior ao evento acidente, e somá-lo ao período posterior, quando do
retorno do obreiro, pena de se penalizar duplamente o obreiro, que não pode trabalhar em
razão do acidente, e ainda perderia o período aquisitivo anterior ao acidente.
Assim, mesmo nos afastamentos superiores a seis meses, dentro do mesmo
período aquisitivo, o empregado acidentado não perderá o tempo já transcorrido desse
período.
Temos ainda a Súmula 378 que reconheceu a constitucionalidade da
garantia de emprego prevista no artigo 118 da Lei nº 8.213/199, que assegura esse direito por
período de 12 meses após a cessação do auxílio-doença ao empregado acidentado.
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Essa Súmula também elencou os requisitos para a aquisição do direito à
garantia de emprego [afastamento superior a 15 dias; consequente percepção do auxíliodoença acidentário], ressalvando, entretanto, dessa caracterização objetiva, a constatação,
após a despedida, de doença profissional que guarde relação de causalidade com a execução
do contrato de emprego.
A hipótese tratada na Súmula 378 comporta em reconhecer que as moléstias
podem ser agravadas pela atividade profissional exercida pelo obreiro em favor do
empregador, e existindo a causalidade entre a doença, o agravamento e a atividade,
caracterizar-se-á a estabilidade provisória no emprego, mesmo que a doença se manifeste após
a rescisão do contrato de trabalho.
Já a orientação jurisprudencial 41 da Seção de Dissídios Individuais 1 do
Tribunal Superior do Trabalho assegura a aquisição de estabilidade provisória decorrente de
acidente ou doença profissional prevista em cláusula de instrumento normativo, mesmo após
o término da vigência deste, desde que preenchidos, no caso concreto, todos os pressupostos
para a aquisição do direito ainda na vigência do instrumento.
Novamente o Tribunal dá destaque à figura da doença profissional, no
mesmo sentido da Súmula 378, reconhecendo que os efeitos danosos da moléstia podem
surgir apenas com o transcorrer do tempo.
Por fim, temos a orientação 31 da SDC do Tribunal Superior do Trabalho.
Essa orientação jurisprudencial afirma a prevalência do princípio da aplicação da norma mais
favorável, quando em acordo coletivo o direito à garantia de emprego do acidentado for
previsto de forma menos benéfica.
Em síntese, além de cumprir e fazer cumprir as normas de segurança do
trabalho, a empresa deve manter de forma acessível e organizada as provas de suas ações,
para que possa se defender adequadamente nas ações trabalhistas que envolvem pedido de
responsabilização do empregador em razão de possíveis danos morais e materiais decorrentes
de acidente do trabalho.
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Destacamos, por fim, a importância das orientações jurisprudenciais do
Tribunal Superior do Trabalho na proteção ao empregado acidentado, em situações
absolutamente razoáveis, que foram se firmando na jurisprudência durante as últimas décadas.
Consideramos que todas as hipóteses tratadas representam a adoção adequada do princípio da
proteção.
BIBLIOGRAFIA
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Diritto & Diritti, p. 30474, 2010. Disponível em: <http://www.diritto.it/docs/30474-o-princpio-da-prote-o-e-as-s-mulas-do-tribunal-superior-do-trabalho>. Acesso em: 4 jun. 2011.
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a proteção ao empregado acidentado. In: 29o. Congresso Brasileiro de Previdência Social:
Básica e Complementar, 2010, São Paulo. Jornal do 29o. Congresso Brasileiro de
Previdência Social. São Paulo : LTr, 2010. p. 32-32.
BENTO, Flávio; VALÉRIO, Nilton Cesar. Estabilidade provisória do acidentado: questões
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Paulo. Jornal do 28o. Congresso Brasileiro de Previdência Social. São Paulo : Editora LTr,
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Súmulas, Orientações Jurisprudenciais- SBDI-1, SBDI-2 e SDC - e Precedentes Normativos.
Disponível em: <http://www.tst.jus.br/jurisprudencia/Index_Enunciados.html>. Acesso em: 4
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DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 8 ed. São Paulo: LTr, 2009.
MINAS GERAIS. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª. Região. Processo n. 00406-2003113-03-00-1 RO, Relator Júlio Bernardo do Carmo, Data de Publicação 26/07/2003.
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RODRIGUES, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1993.
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ASSÉDIO MORAL INDIRETO E DIREITO SOCIAL: DA REESTRUTURAÇÃO
PRODUTIVA À “JURIDICIALIZAÇÃO” DAS RELAÇÕES DE TRABALHO – UMA
REVISÃO DA LITERATURA (2008 A 2011)
VIZZACCARO-AMARAL, C. E.;
Advocacia Trabalhista e Assessoria Jurídica da Prefeitura Municipal de Assis-SP (PMA)
VIZZACCARO-AMARAL, A. L.;
Departamento de Psicologia Social e Institucional, Centro de Ciências Biológicas,
Universidade Estadual de Londrina (UEL)
VIZZACCARO-AMARAL, S. A. ;
Grupo de Pesquisa Estudos da Globalização, Faculdade de Filosofia e Ciências de MaríliaSP, Universidade Estadual Paulista (UNESP)
[email protected]
[email protected]
[email protected]
INTRODUÇÃO
Este estudo preocupa-se com um aspecto importante das relações
decorrentes de uma organização do trabalho intemporal e desterritorializada, que adoece e
mata, tanto física como mentalmente, o homem-que-trabalha no século XXI, e que vem sendo
caracterizado por nós como ―assédio moral indireto‖.
Sua relevância e justificativa pautam-se no crescimento e agravamento de
distúrbios psicopatológicos relacionados ao trabalho, que atingem tanto os trabalhadores
quanto os seus familiares, e que chegam a levar, muitas vezes, o trabalhador à violência autoinfligida e, por vezes, à morte. Além disso, justifica-se, também, pelos custos resultantes
desse processo de adoecimento que atingem a economia, a saúde pública e a previdência
social no Brasil e no mundo. Tais fenômenos vêm sendo demonstrados a partir do
aprofundamento de estudos acerca dos processos de subjetivação no trabalho e do registro
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cada vez mais detalhado de dados por parte de governos e órgãos internacionais, como a
Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT).
À luz dos números e de situações mobilizadoras, podemos dizer que o Brasil
se encontra num contexto bastante paradoxal no que tange às relações de trabalho. Por um
lado, experimenta um desenvolvimento econômico sólido e sustentável, gerando trabalho e
renda para a população e estabilizando as taxas de desemprego, mantendo-se firme como um
país em desenvolvimento. Por outro, tais postos de trabalho criados dizem respeito a
ocupações com baixa qualificação profissional, baixa escolaridade e baixa renda, elementos
estes que se caracterizam como fatores de risco para as Morbidades Psiquiátricas Menores
(MPMs) que, por sua vez, predispõem, juntamente com a pressão no trabalho e com o
desemprego, ao suicídio e oneram, sem comentar acerca do desastre humano, familiar e
social, a economia, a saúde pública e a previdência social, por meio da perda da mão-de-obra
e do afastamento do trabalho, dos atendimentos na rede básica e ambulatorial de saúde e das
aposentadorias especiais.
Tal situação, por si só, justifica estudos nas mais variadas frentes e nos mais
diversos campos de conhecimento, incluindo tanto a esfera do Direito do Trabalho e
Processual do Trabalho quanto do próprio Direito Social, em prol de uma melhor
compreensão das dimensões envolvidas nas relações de trabalho.
Estudos recentes sugerem uma relação bastante forte entre o suicídio e o
ambiente de trabalho. Essa relação fica ainda mais sugestiva se tomarmos os resultados dos
estudos psicológicos realizados tanto no Brasil quanto no mundo. Alguns estudos defendem
que determinados tipos de transtornos psíquicos podem ser potencializados, de maneiras
específicas e complexas, pelas ferramentas gerenciais adotadas pelas organizações produtivas,
sobretudo, após os anos de 1970. A partir de tais estudos, parece-nos pertinente investigar se a
promoção de um ambiente de trabalho altamente competitivo e a proposição de metas
desafiadoras, ainda que com a participação dos trabalhadores nos processos decisórios e nos
lucros e resultados, características comuns às políticas de gestão organizacional atuais, não
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seriam elementos danosos ao trabalhador, sobretudo, quando não-regulamentados ou por leis
ou por acordos coletivos.
Em princípio, no nosso entender, a participação no processo decisório e nos
lucros e resultados, diante de todo o contexto que apresentamos anteriormente (de
adoecimento psíquico e de suicídios), seriam mecanismos bastante sedutores, para os
trabalhadores, numa economia de mercado, marcada pelo consumo e pela renovação
constante de mercadorias. Seriam, a nosso ver, formas constantemente sugestivas, ainda que
por meio da sedução material (participação nos lucros e resultados) e simbólica (a sensação de
pertença ao grupo, de valorização pessoal frente ao coletivo e de autonomia relativa), da
organização em relação ao trabalhador. Seria, portanto, uma forma de assédio sobre o
trabalhador, ao menos no que tange a uma de suas acepções possíveis em nosso léxico.
Como essa sugestão sedutora, ou assédio, é dirigido à conduta do
trabalhador, por vezes se estendendo para fora do ambiente de trabalho, e envolve o
comprometimento intelectual, social, afetivo e comportamental do mesmo, chegando a
mobilizar aspectos psíquicos profundos, bem como a sua própria subjetividade, poderíamos
supor que ele é dirigido, então, à própria moral do trabalhador, ao menos no que concerne à
sua acepção de espírito humano (a sua parte imaterial).
Considerando que o assédio moral, do ponto de vista jurisprudencial e
doutrinário, no Direito do Trabalho, é caracterizado por quatro dimensões elementares: 1.)
intensidade (da violência psicológica); 2.) duração (prolongamento do tempo da violência);
3.) finalidade (de ocasionar um dano psíquico ou moral); e 4.) efetivação (dos danos) e,
considerando, também, os constantes estudos psicológicos e epidemiológicos, que relacionam
as atuais formas de gestão organizacional e pessoal, caracterizadas pela valorização do fator
humano, por meio da participação nos processos de gestão e do governo à distância, da
participação nos lucros e resultados e na política de bonificação e premiação dos
trabalhadores e/ou equipes que mais se destacam, com problemas de saúde, como as
psicossomatizações e psiconeuroses, como os sintomas somatoformes e até mesmo o suicídio,
trazendo impactos negativos para o trabalhador, para a economia, para a saúde pública e para
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o sistema previdenciário, não poderíamos pensar, então, que essas atuais políticas de gestão,
que tanto seduzem os trabalhadores, seriam formas diferenciadas de assédio moral no
trabalho? Será que as novas formas de sedução das organizações podem ser pensadas como
uma espécie de assédio moral ―indireto‖?
O problema que levantamos neste trabalho parece-nos pertinente em meio
aos números apresentados até aqui, sobretudo quando a própria OMS considera o suicídio,
por exemplo, um ato de violência auto-infligida e quando, na França um trabalhador se
suicida dentro do ambiente de trabalho, em média, todo dia, a cada ano, como vimos,
anteriormente.
A relevância desse tema, aqui no Brasil, respalda-se no afastamento do
emprego de trabalhadores acometidos por transtornos mentais e comportamentais, adquiridos
ou potencializados pelo trabalho, ocupando a terceira posição entre as causas de concessão de
benefício como o auxílio-doença e a aposentadoria por invalidez, gerando um custo de R$ 35
bilhões ao ano para a Previdência Social e que são extraídos de tributos e taxas cobrados da
população, como um todo.
Nosso objetivo maior, em meio ao problema que levantamos, foi tentar
compreender melhor os aspectos relativos ao assédio moral pós-reestruturação produtiva e
investigar se, com as atuais políticas de gestão organizacionais e pessoais adotadas por
organizações no mundo todo, e no Brasil, podemos pensar num assédio moral indireto,
subsidiando as discussões em torno do assunto no Direito do Trabalho e Processual do
Trabalho, revisando a literatura jurídica e científica entre os anos de 2008 e 2011.
Para atingir nosso objetivo geral, elencamos outros quatro objetivos
específicos: 1.) compreender o assédio moral à luz do campo do Direito do Trabalho e do
Direito Social e em meio às relações de trabalho atuais; 2.) apresentar e analisar os elementos
históricos e atuais que envolvem a reestruturação produtiva, a partir do desenvolvimento de
modelos econômicos, políticos e produtivos e seus impactos nas relações de trabalho; 3.)
investigar, em bases de dados eletrônicas (atualizadas mais rapidamente), referências quanto
aos termos assédio moral e assédio moral indireto; e 4.) analisar as atuais políticas de gestão
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organizacionais e pessoais e verificar se há elementos diferenciadores quanto ao assédio
moral, avaliando a consistência do termo assédio moral indireto.
A hipótese maior deste trabalho, em seu sentido lato, foi a de que, em
função das transformações ocorridas pós-reestruturação produtiva, sobretudo a partir dos anos
de 1970, no mundo, e de 1990, no Brasil, as novas configurações das relações de trabalho têm
mobilizado elementos que, por um lado, seduzem material e simbolicamente o trabalhador,
privilegiando a competitividade em prol dos resultados e, por outro, produzem novas formas
de subjetivação e danos, muitas vezes irreversíveis, à saúde física e mental do trabalhador,
podendo ser chamada de ―assédio moral indireto‖. Especificamente em relação à revisão da
literatura, nossa hipótese foi a de que ainda que estivesse havendo maior produção de
conhecimento científico acerca do assédio moral, pouco ainda tem sido o efeito nas
jurisprudências dos tribunais, entre os anos de 2008 e 2011, e que um dos motivos que
favorecem essa situação seja a incompreensão dos elementos envolvidos no que chamamos de
―assédio moral indireto‖.
METODOLOGIA
A metodologia aqui utilizada respalda-se no paradigma qualitativo, nos
pressupostos dialéticos (com diálogos com a genealogia), em teóricos freudo-marxistas e
genealógicos, na análise de conteúdo e na pesquisa bibliográfica e documental.
Procuramos interagir vários autores, sistematizando as discussões, e
lançamos mão da análise de conteúdo, ainda que de maneira limitada, de modo que criamos
determinadas categorias de análise, a partir do referencial teórico do direito do trabalho e da
psicologia do trabalho.
Nossos estudos originais foram divididos em três etapas. Na primeira,
apresentamos o resultado da pesquisa realizada em uma base de dados eletrônica física e de
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acesso restrito (Juris Síntese IOB CD-Rom); na segunda, apresentamos o resultado da
pesquisa realizada em uma base de dados eletrônica virtual (Scielo: Scientific Electronic
Library Online: <http://www.scielo.br>); e, na terceira, a correlação das pesquisas
documentais com a pesquisa bibliográfica.
Neste trabalho, revisamos a literatura científica e jurídica entre os anos de
2008 e 2011, a partir de quatro referências: (1) uma literária, a partir do sítio eletrônico de
uma grande livraria, que promove entregas em amplitude nacional (Livraria Cultura:
<http://www.livrariacultura.com.br>) e da aquisição de alguns títulos; (2) uma científica
virtual (―Scielo‖: <http://www.scielo.br>), gratuita e generalista, com base nas expressões
―assédio‖ (em todos os índices) e ―moral‖ (em todos os índices); (3) outra física e eletrônica
(―CD Magister – Repositório Autorizado do STF, STJ e do TST‖, edição de Agosto/Setembro
de 2011); e (4) outra, ainda, física e eletrônica (CD-Rom da ―Revista Síntese – Trabalhista e
Previdenciária‖, nº 14, Volumes 60 a 258), estas duas últimas de acesso restrito, porém
utilizadas por advogados, procuradores e magistrados como ferramenta de trabalho, por meio
da expressão ―assédio moral‖, em todos os índices disponíveis.
O ASSÉDIO MORAL INDIRETO
A maioria das definições acerca do assédio moral é incompleta, isto porque
ao identificar a figura do assediador, o mesmo é colocado sempre, ou na maioria das vezes,
como o superior hierárquico nas organizações de trabalho. É o chamado ―mobbing‖
descendente, isto é, o abuso de poder do chefe em relação ao seu subordinado. Porém
sabemos que o assédio pode ocorrer de forma horizontal, isto é, entre ―colegas‖ de trabalho
(no caso de uma competitividade mórbida, sem limites, inveja), ou até mesmo de forma
ascendente, chamado de ―mobbing‖ ascendente. Essa possibilidade é pouco provável, mas ela
pode se configurar. Subalternos que tenham uma preferência pelo chefe anterior, e acabam
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por empregar violência psíquica ao chefe atual, na maioria das vezes de maneira sutil, devido
a posição na relação de trabalho, minando suas ações, fazendo com que o superior hierárquico
se sinta incapaz de exercer seu poder gerencial sobre seus comandados, colocando uma
situação de descontrole sobre a organização e, como conseqüência, fazendo com que este se
afaste do cargo de gerência, é um exemplo em que o assediador é o subalterno. Pode ocorrer
também, ainda no assédio ascendente, a questão da diferença de gênero ou mesmo a
discriminação, situação, por exemplo, em que o(s) subalterno(s) tenha(m) como superior
hierárquico uma mulher ou pessoa que seja homossexual, de crença religiosa diferente ou até
mesmo de posição social mais elevada.
Existem, ainda, outros dois pontos que podem gerar controvérsias acerca do
tema. O primeiro deles é a questão do tempo. Isto porque, para alguns autores e juristas, a
violência psíquica tem de ser sistemática e prolongada (alguns estipulam o período de seis
meses). Porém, hoje, já existem jurisprudências configurando o assédio moral, identificando o
ilícito em situações que a pessoa sofreu a violência psíquica, tendo seu direito de
personalidade lesado (dano moral) por pouco mais de um mês. Podemos citar como exemplo,
in casu, o RO-126/02, julgado pela 2ª Turma da 3ª Região, onde foi configurado o assédio
moral, sendo que a violência psicológica sofrida pela vítima estendeu-se por pouco mais de
um mês, gerando o dano moral por lesão causada à honra da trabalhadora. O segundo ponto
nos remete à questão do resultado causado. Isto porque, para a doutrina e a jurisprudência há
elementos caracterizadores do assédio moral tais como a ocorrência do dano psíquico e do
dano moral, sendo que o primeiro se expressa por uma alteração psicopatológica comprovada
e o segundo lesa os direitos de personalidade.
Na nossa concepção, poderá configurar-se o assédio moral tanto quando a
vítima sofrer ambos os danos ou somente um deles. Isto é, poderá ser vítima de assédio aquele
que sofrer ou agravar um dano psíquico (diagnosticado clinicamente; são as alterações
psicopatológicas comprovadas, onde a personalidade da vítima é alterada ou seu equilíbrio
emocional venha a sofrer perturbações que se exteriorizam por meio de depressão, angústia,
bloqueio, etc.) ou quando a vítima sofrer um dano moral, que como já dito, é a violação de
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seu direito de personalidade (a esfera ética ou ideal do indivíduo, valores interiores, a honra),
gerando conseqüências extrapatrimoniais, independente de prova, pois se presume.
Ademais, o dano moral independe do dano psíquico, isto porque o
trabalhador ao sofrer o assédio moral pode ter seu direito de personalidade lesado (dano
moral) sem, contudo, ter sofrido qualquer perturbação no seu equilíbrio emocional, ou
alteração na sua personalidade. Isto ocorre porque os indivíduos reagem de formas diferentes
à violência psíquica empregada, uma vez que algumas pessoas possuem graus de tolerância
maior que outros. Além disso, ―.... ao se admitir como elemento do assédio moral o dano
psíquico, o terror psicológico se converteria em um ilícito sujeito à mente e à subjetividade do
ofendido‖.
Importante salientar também, que nossa Carta Magna protege tanto a saúde
(integridade física e psíquica) do trabalhador quanto seu direito de personalidade. Portanto se
exigirmos o dano psíquico efetivo para se caracterizar o assédio moral, teríamos um mesmo
comportamento (o assédio, isto é, a violência psicológica), em que a definição do ilícito seria
o grau de tolerância da vítima.
Ao descrevermos o assédio moral e analisarmos os elementos de seu
conceito, tais como a intensidade da violência, o prolongamento desta violência, e o nexo de
causalidade destas violências com o aparecimento ou agravamento de danos psíquicos e/ou o
dano moral sofrido, estamos nos referindo à figura do assédio moral (direto) e seus
comportamentos configuradores. Tais comportamentos se configuram de maneira direta
(mesmos as violências sutis, como gestos) ou as chamadas ―indiretas‖, dirigidas à vítima e
que muitas vezes passam despercebidas.
Desconstruindo a figura clássica do assédio moral, levantamos a
possibilidade de se configurar o assédio moral indireto. Isto porque, com o processo de
globalização, novas formas de tecnologia e gestão foram surgindo, forçando a legislação
juslaborista a se adequar a estas transformações. Os fatores econômicos, onde se inclui as
inovações tecnológicas, são fontes materiais do Direito do Trabalho, isto é, ditam a substância
do próprio direito. A economia, o mercado e a intensificação da competição entre as
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organizações, levam-nas a minimizar os custos, o que exerce forte influência no Direito do
Trabalho. O neoliberalismo propõem a flexibilização das normas trabalhistas com reflexos em
suas funções.
A grande questão para nós é a dificuldade que o Direito encontra para coibir
este tipo de assédio, o indireto. Nossa Carta Magna protege tanto a dignidade da pessoa
humana, prevista no seu artigo 1 º, III, quanto à honra e o direito de imagem, prevista no seu
artigo 5 º, X. A violência psíquica exercida no ambiente de trabalho lesando tanto a dignidade
do trabalhador ou a sua honra ou imagem, ou até ambos configura o assédio, isto é a figura
ilícita em questão.
Com as novas formas de gestão nas organizações, inclusive com respaldo
legal, devido à flexibilização das normas trabalhistas, e até com Leis específicas como a Lei
nº 10.101 de 19 de dezembro de 2000, que dispõem sobre a participação dos trabalhadores
nos lucros ou resultados das empresas, prevista na Constituição Federal no seu artigo 7º, XI,
inclusive com a participação do trabalhador na gestão da empresa, vistos até então como
conquistas dos trabalhadores, vêm demonstrando um lado sombrio, como vimos
anteriormente. Essas novas políticas de gestão das empresas, que visam auferir maior lucro,
com menores custos, traduzem uma violência psíquica travestida (daí a expressão assédio
moral indireto) pela qual passa o trabalhador, tendo este que ―vestir a camisa da empresa‖,
desdobrando-se para atingir tais metas impostas pelas organizações e, pior, com o seu próprio
―consentimento‖.
A atual reestruturação produtiva demarca uma mudança também nas formas
de controle das relações de trabalho e do processo produtivo. Numa das formas aqui
consideradas, há técnicas e estratégias que se caracterizam pela ação direta sobre o potencial
produtivo do trabalhador que, intensificadas por meio de uma violência direta traduzida,
identificamos por assédio moral direto. Noutra forma possível, há uma crescente dissimulação
dessas técnicas e estratégias de controle sobre o trabalhador, obedecendo, como já foi dito, à
própria mudança no processo produtivo e à natureza do trabalho capaz de sustentar esta
mudança; tais estratégias podem ser intensificadas ao ponto de exercerem outro tipo de
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violência, mais dissimulada, e que chamamos de ―tendência de descaracterização‖ do assédio
moral via meios indiretos.
A violência no trabalho persiste, hoje, quando se deseja extrair algum tipo
de resultado que gere um dano provocado ao trabalhador. O que parece se esboçar, com as
novas possibilidades de gestão do trabalho, é que tal violência adquire uma outra forma, não
menos problemática que a anterior, mas que é geralmente mais intensa, simplesmente por ser
quase imperceptível. Nos dias atuais, diferentemente do padrão de tempos passados, a
violência contra o trabalhador se dissimula e se dilui em mecanismos dificilmente
identificados como danosos.
E o caráter dissimulado da violência obedece estratégias aparentemente
―boas‖ e ―bem intencionadas‖, como, por exemplo, a sedução que está alojada nas políticas de
metas, nas participações no lucro da empresa, na co-gestão dos processos produtivos, nos
planos de carreira, etc. E eis que encontramos um grande problema: qual o limite que separa
tais políticas de um efetivo dano ao trabalhador?
O assédio moral pressupõe a detecção de uma intensidade de violência
psicológica, um prolongamento dessa violência no tempo, uma finalidade em se causar dano
psíquico ou moral, e a efetivação desses danos. Se levarmos em consideração as
conseqüências apontadas por pesquisadores ligados à psicopatologia, podemos perceber que
as novas políticas de gestão de pessoas, inevitavelmente, produzem estados de sofrimento e o
desenvolvimento de doenças nos trabalhadores. É que a estratégia da ―sedução‖ implica numa
tonalidade essencialmente perversa ao processo, por tornar quase impossível detectar ações
que são efetivamente danosas aos trabalhadores. E, pior ainda, fazer do trabalhador um agente
de sua própria doença ao mesmo tempo em que retira da empresa a responsabilidade por tal
resultado.
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ASSÉDIO MORAL E DIREITO SOCIAL: REVISÃO DA LITERATURA (2008 A
2011)
Na revisão da literatura, há vasta literatura sendo disponibilizada no
mercado editorial brasileiro, sobretudo no campo do Direito. Chamamos a atenção, todavia,
para algumas obras literárias importantes que contemplam, no todo ou em parte, discussões
multidisciplinares acerca do Assédio Moral, dentre as quais podemos listar a obra completa de
Freitas, Heloani & Barreto (2008); o capítulo de Heloani & Barreto (2010, pp. 31-48), no
livro de Glina & Rocha (2010), que discute aspectos da violência psicológica no assédio
moral; o capítulo de Barreto & Heloani (2011, pp. 173-184), no livro de Alves, VizzaccaroAmaral & Mota (2011), que relaciona a ―rota‖ da humilhação no trabalho à morte e ao
suicídio; o livro de Barreto, Netto & Pereira (2011), que aborda os significados sociais do
suicídio no trabalho, a partir do assédio moral; o fragmento específico de Seligmann-Silva
(2011, pp. 502-503), e seu livro completo que contempla a relação entre Trabalho e Desgaste
Mental (SELIGMANN-SILVA, 2011).
No que tangem à base de dados da ―Scielo‖, sete ocorrências contemplam os
anos de 2008 a 2011: (a) a indicação bibliográfica da literatura sobre o assédio moral de
Freitas (2008); (b) o artigo de revisão, acerca do assédio moral em trabalhadores da
enfermagem, de Fontes, Pelloso & Carvalho (2011); (c) a resenha do livro de Freitas, Heloani
e Barreto (2008) elaborada por Garcia & Tolfo (2011); (d) a visão dos operadores do Direito
acerca do assédio moral no trabalho, compilada por Battistelli, Amazarray & Koller (2011);
(e) o relato da adaptação e das características psicométricas de medidas de assédio moral no
trabalho, elaborado por Ferraz & Martins (2011); (f) a identificação de assédio moral entre
docentes de ensino superior no Brasil, realizada por Caran et al (2010); e (g) a sistematização
da produção científica acerca do assédio moral em periódicos online, efetuada por Cahú et al
(2011).
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O sistema jurídico brasileiro possui previsão legislativa esparsa, com
destinação e característica específica acerca do Assédio Moral, porém no setor público. Como
exemplo a Lei estadual pioneira nº 3.921/02 do RJ e no âmbito municipal mais de 100
projetos tramitando, sem uma legislação federal específica.
Entretanto, se pensarmos que a manutenção de um ambiente de trabalho
hostil, onde se emprega a violência psicológica sobre os empregados fere sobremaneira o
Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, interpretando sistematicamente os direitos
fundamentais previstos nos artigos 1º, III (―Dignidade da pessoa humana‖) e IV (―Valores
sociais do trabalho‖) e 3º (―Sociedade justa, livre e solidária‖), da Constituição Federal, sob a
ótica da dignidade da pessoa humana do trabalhador, de acordo com o princípio da máxima
efetividade dos direitos fundamentais (Canotilho), conclui-se que a preservação dos valores
sociais do trabalho é uma das formas de se garantir a dignidade da pessoa humana, bem como
propiciar ao ser humano uma sociedade mais justa, com igualdades de oportunidades, para o
seu pleno desenvolvimento físico e intelectual.
Somando-se a isso, o legislador constituinte, a par dos direitos fundamentais
e sociais, estes assegurados nos arts. 5º, X (―Honra e imagem‖), 6º (―Saúde e trabalho‖) e 7º
(―Direitos dos trabalhadores visando a melhoria de sua condição social‖), da CF/88, elegeu o
meio ambiente (art. 225 da CF) à categoria de bem de uso comum do povo, impondo assim ao
empregador a obrigação de assegurar ao trabalhador um ambiente de trabalho hígido,
assegurando-lhe, ao ser demitido, o direito a encontrar-se nas mesmas condições de saúde
física e mental em que se encontrava quando da admissão, plenamente apto à absorção pelo
mercado de trabalho, hoje tão voraz e seletivo, já que só conta com sua força de trabalho para
obter o salário, a remuneração necessária à sua subsistência.
Além da legislação constituinte, há dispositivos legais dentro da própria
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), como o artigo 483 (―Rescisão indireta‖) e até
mesmo uma Lei preventiva, como a Lei nº 11.948, de 16 de junho de 2009 (―Constitui fonte
adicional de recursos para ampliação de limites operacionais do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social‖), que indiretamente contribuem para o cerceio do
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problema, ao sancionar, em seu art. 4º, os assediadores pela via econômica, limitando o
capital público aos mesmos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os dados revisados permitem considerar avanços importantes na temática
do Assédio Moral na literatura brasileira, considerando o recorte temporal de 2008 a 2011,
tanto no que tange a obras literárias generalistas quanto a produções de conhecimento
científicos. Contudo, no âmbito jurídico, muito avanço ainda precisa ser conquistado,
sobretudo no que concerne às formas ―diluídas‖ e difusas do assédio moral nas organizações
de trabalho, como o que chamamos de ―assédio moral indireto‖.
Devido às novas dimensões das relações de trabalho no século XXI, e
partindo do princípio de que o Direito é uma ciência dinâmica, é importante a elaboração de
uma legislação mais severa, porém cristalina, abrangendo todos os membros de uma empresa
ou órgão público, independente da hierarquia, acerca de suas ações, incluindo
comportamentos individuais ou coletivos e novas políticas de gestão, impondo como limites
normas de respeito e comportamento ético, preservando a alma do indivíduo que é um bem
jurídico que se impõem tutelar, para alertá-los e puni-los, se for o caso, contra um mal do
século no direito trabalhista: o assédio moral.
Tal demanda é particularmente necessária considerando que as lacunas
legislativas contemporâneas acerca do assédio moral (seja ele direto ou indireto) acarretam
tragédias individuais ao trabalhador e à sua família, numa dimensão privada, e ônus social e
econômico, na esfera pública, onerando, por conseguinte, o sistema jurídico brasileiro,
quando ―juridicializadas‖ as relações decorrentes da atual organização do trabalho.
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PROGRAMA DE FORMAÇÃO POLÍTICO SINDICAL DA ASSOCIAÇÃO DOS
PROFESSORES DO PARANÁ (APP-SINDICATO): ASPECTOS PRELIMINARES5
ARAUJO, F. ;
Programa de Mestrado em Educação da Universidade Estadual de Londrina (UEL)
[email protected]
INTRODUÇÃO
Apresentam-se nesse estudo considerações preliminares acerca do projeto
de dissertação que está em desenvolvimento junto ao Programa de Mestrado em Educação da
Universidade Estadual de Londrina. Esta proposta pretende dar continuidade a pesquisa
monográfica desenvolvida no programa lato sensu Ensino de Sociologia6 (2009/2010)
intitulado ―A ciência do senso-comum: os limites da formação política da APP-Sindicato com
base na apostila sobre comunicação sindical‖, no qual se buscou compreender o programa de
formação político-sindical promovido pela entidade APP-Sindicato (Associação dos
Professores do Paraná) em conjunto com a Confederação Nacional dos Trabalhadores em
Educação (CNTE) e a Universidade Federal do Paraná, entre os anos de 2007 a 2009. Na
ocasião, analisou-se no estudo monográfico, apenas a apostila ―Teoria e Prática da
Comunicação Sindical‖ (2008) de autoria de Claudia Santiago e Vito Giannotti.
Entretanto, o programa de educação e formação sindical proposto pela
entidade é mais amplo, estendendo-se no tempo há mais de três anos é composto por quatro
eixos temáticos, a saber: 1- concepção política e sindical; 2- formação de dirigentes sindicais;
3- planejamento e administração sindical e 4- temas transversais. Cada eixo é composto por
5
6
Pesquisa desenvolvida junto ao Programa de Mestrado em Educação, orientada pela Profª. Drª. Adreana Dulcina Platt.
Centro de Letras e Ciências Humanas – Universidade Estadual de Londrina, ano de conclusão 12/2010.
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uma série de fascículos que foram desenvolvidos pelas entidades citadas e discutido nos três
anos de execução do Projeto de Formação pelas afiliadas da CNTE.
O trabalho monográfico possibilitou compreender o plano no qual se
estabelece a discussão acerca da comunicação sindical. Este debate é parte integrante do
segundo eixo temático, o qual trata da formação de dirigentes sindicais. O referido estudo foi
determinante na realização do projeto em questão, pois, a partir desta pesquisa, pode-se
constatar que o terreno no qual se move a análise do fascículo intitulado ―Teoria e Prática da
Comunicação Sindical‖ (2008) não é o do ―concreto pensado‖, a análise crítica e científica do
objeto é sim o terreno do senso-comum.
Nos objetivos agora propostos, busca-se aprofundar o trabalho iniciado,
mediante a análise dos demais fascículos, procurando levantar os pontos problemáticos desta
pedagogia de formação, para perceber como esta interfere na construção da consciência de
classe, da politização e da própria perspectiva de construção de uma leitura crítica da
realidade social. Sob este aspecto é que pontuamos o problema, qual seja verificar em que
medida o programa de formação político-sindical da APP-Sindicato conduz a uma
consciência emancipadora junto à categoria docente e, mais amplamente, aos trabalhadores
em geral, classe à qual os fascículos se pretendem estar direcionados. Assim, o objeto de
pesquisa busca detectar as potencialidades da iniciativa proposta pela APP-Sindicato, mas,
também, os limites de sua pedagogia de formação, direcionada, em primeiro momento, às
suas bases de professores e funcionários de escola.
Com esse intuito, nos propomos à análise dos demais eixos temáticos de
formação, uma vez que o programa vislumbra intervir criticamente na definição das políticas
educacionais, bem como nos aspectos mais contingentes do mundo do trabalho, mediante a
formação de novas lideranças, capazes de atuar como vanguarda da categoria e contribuir
diretamente com a discussão da realidade da escola pública e os desafios postos aos
educadores.
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METODOLOGIA
Trata-se de uma pesquisa descritiva de delineamento de levantamento e
análise documental. O percurso teórico-metodológico caminha no sentido de explicar a
realidade sob a perspectiva de análise dialética, já que esta permite uma maior profundidade de
reflexão e ação, pois não está no universo de pensamento que pretende preservar o status quo.
Desse modo, pretende-se fazer recurso aos conceitos utilizados pelo campo
da teoria marxiana, incorporando autores clássicos, bem como análises recentes no campo do
materialismo histórico dialético.
Assim, consideramos a necessidade de uma análise apurada acerca do referido
objeto de pesquisa. Para tanto, é preciso captar a essência do objeto, de tal modo que ele se
apresente como é, e não como se mostra na imediaticidade, que é própria do pensamento comum.
Nesse sentido, verifica-se que a análise dialética cumpre com tal objetivo, pois ―[...] trata da coisa
em si‖ que, no entanto, ―não se manifesta imediatamente ao homem‖.
O pensamento dialético tem assim a função de distinguir entre representação
– reprodução equivocada do real no plano da consciência - e conceito da coisa. Evidencia-se
com o excerto citado que, a essência não se manifesta imediatamente ao homem. A essência
se manifesta no fenômeno, sendo ela um fundamento sem o qual algo não existe. Para o
pensamento dialético essência e fenômeno não podem ser compreendidos isoladamente.
Com base no exposto, consideramos este percurso fundamental, uma vez que
se pretende apreender o objeto em sua essência. Trata-se, pois, de apreender o objeto para além
de sua dimensão fenomênica, isto é, há politização simplesmente pelo fato do curso existir, e
avançar em direção à essência do problema; na prática, há também despolitização uma vez que
a formação pretendida carece de rigor teórico e conceitual para dar conta da sociedade que
pretende analisar e para educar aqueles a quem pretende formar para a práxis transformadora.
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JUSTIFICATIVA/ HIPÓTESES
A relevância da pesquisa que se intenciona está no fato de buscar realizar a
análise crítica de um programa de formação sindical, - pretendida como crítica à sociedade
burguesa, em particular e, ao capital, em geral – que é promovido por uma das maiores
organizações sindicais da América Latina, que conta hoje em seus quadros com trinta e cinco
filiados. Durante nosso estudo monográfico pode-se constatar que no conjunto, o material
aponta para uma série de limites conceituais, os quais interferem diretamente na formação da
consciência política e no agir concreto daqueles que ela pretende formar.
Verificou-se, também, em nosso estudo, que a proposta do programa está
em trabalhar com aquilo que há de mais superficial na realidade. Constatou-se, de acordo com
o fascículo analisado e intitulado ―Teoria e Prática da Comunicação Sindical‖ que, buscando
criticar a estrutura de dominação na sociedade capitalista, o caminho adotado é o da
construção de uma leitura superficial, dicotômica, marcada pela presença de conceitos
operacionalizados arbitrariamente e que, na prática, terminam por ser esvaziados de seu
sentido, como é o de ―hegemonia‖, extraído de Gramsci.
Neste momento da pesquisa o objetivo é demonstrar que as debilidades,
apesar do esforço positivo em que se constitui a iniciativa da APP-Sindicato, não estão restritas
ao material analisado na monografia, mas é característica do próprio conjunto de apostilas, nas
mais diversas temáticas que procura abordar. É por este caminho que nos propomos investigar
as bases em que está assentada o projeto pedagógico da referida entidade sindical, uma vez que
a intenção é formar lideranças políticas que adentram o campo educacional.
Para a análise, o estudo opera inicialmente com duas hipóteses. A primeira
delas é a de que sob aparência de construção do pensamento científico, o que se encobre no
material é a predominância do senso-comum, despolitizador da categoria na qual se pretende
construir o agir crítico. A segunda hipótese, decorrente da primeira, é de que contribui para
esta politização despolitizadora, o atrelamento da formação à própria perspectiva partidária na
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qual está envolvida a APP-Sindicato, o que a conduz a direcionar o material e a manipular a
análise, como é o caso, por exemplo, da maneira como aborda o governo Lula e suas relações
com a social-democracia européia e o projeto socialista.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
O capitalismo, em seu ―período tardio‖, como observou Lukács, impõe à
classe trabalhadora sua concepção de mundo, elaborando sua hegemonia econômica, cultural
e política, através de seu quadro de intelectuais orgânicos, técnicos e cientistas. Na medida em
que, retomando aqui célebre referência de Marx e Engels em ―A Ideologia Alemã‖, ao
afirmarem que a classe que domina material e politicamente precisa, também, dominar
ideologicamente.
Trata-se aqui do reconhecimento de que o intelectual orgânico é aquele
capaz de elaborar e tornar coerentes os princípios e problemas colocados em prática por uma
determinada classe constituindo com isso um bloco social e cultural capaz de sistematizar o
sentido da ação de um determinado grupo social, propondo inclusive caminhos para a sua
concretização.
Esta possibilidade não é restrita à classe dominante, mas pode se fazer
presente, também, junto àquelas camadas que buscam conquistar, de sua parte, a hegemonia
político-econômico-social, como é o caso da classe trabalhadora. Assim, abre-se a
possibilidade de conceber o dirigente sindical como intelectual orgânico do proletariado, cuja
função educativa está na construção da consciência da classe trabalhadora. Sua atuação é,
portanto, no interior do proletariado.
Este processo de tomada de consciência da classe trabalhadora opõe-se ao
processo de educação como algo espontâneo e não cultural, pois se assim fosse não haveria
sentido sistematizá-lo
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Portanto, a consciência crítica não se trata de um fenômeno espontâneo
atrelado ao conhecimento vulgar, mas sim de apreensão da totalidade social e de suas
contradições, no plano teórico, o chamado ―concreto pensado‖, isto é, a realidade apreendida
pelo processo de reflexão teórica.
A perspectiva que Gadotti herda de Lênin em ―Que Fazer?‖ remete
diretamente ao nosso objeto de estudo. Ao buscar construir um projeto de formação, a APPSindicato busca romper com o culto à consciência espontânea. No entanto, a questão central a
ser analisada não é o esforço desenvolvido e, sim, como ele é desenvolvido. Interessa-nos
saber por quais caminhos são conduzidas as reflexões acerca da educação política necessária à
emancipação da classe trabalhadora e, em particular, ao processo de formação política de
professores e funcionários proposto pela APP-Sindicato.
Pode-se considerar que a perspectiva teórica, tal como é desenvolvida pela
APP-Sindicato, é capaz de impulsionar o trabalhador à reflexão da totalidade do complexo
social, abarcando neste movimento as contradições do capitalismo? É capaz de o educador
sindical da APP, face à atual ordem vigente, fornecer os elementos para desmistificar o
mundo da práxis fetichizada, própria do pensamento comum?
Transcender o campo imediato significa ir além do dado imediato próprio
do senso-comum. Sendo assim, é somente problematizando as mediações que compõem a
realidade que se pode superar a aparência dos processos e fenômenos sociais como sendo a
realidade da estrutura social. Pensar a educação do trabalhador requer rever em que base está
ancorada a sua pedagogia de formação e em qual filosofia política ela se sustenta. Para tanto,
destaca-se a importância da posse da filosofia que, segundo Gramsci, é a teoria. A apreensão
dos elementos conceituais pela classe trabalhadora conduz a formação da consciência de
classe e conseqüentemente ao desejo de transformação social.
Neste caso é que se verifica a importância aferida por Gramsci de colocar a
classe trabalhadora em contato com os diversos dialetos do mundo, criando a possibilidade de
romper com uma leitura restrita acerca da realidade.
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Esta postura analítica torna-se indispensável na compreensão do projeto de
formação político-sindical da APP-Sindicato, uma vez que busca problematizar a linguagem
utilizada em seus fascículos, evidenciando se o teor filosófico em questão cumpre com o
objetivo do projeto proposto pela referida entidade, qual seja, formar novas lideranças
políticas capazes de lutar contra os mecanismos de dominação da ordem instituída, a
capitalista.
Buscamos demarcar com profundidade esta discussão mediante a
apropriação de conceitos gramscianos. O pensador italiano evidencia a importância de se
ampliar o grau de comunicação com o mundo, desvencilhando-se de uma linguagem restrita.
Gramsci alerta para a crítica a ―linguagem restrita‖, uma vez que ela não possibilita à classe
trabalhadora compreender que ela participa de um processo cada vez mais universal que é o
do desenvolvimento do capitalismo. A utilização de um grau restrito da linguagem implica em
uma comunicação limitada com o mundo assim, a ―linguagem restrita‖ não pensa a
universalidade do processo e sim a particularidade de uma determinada situação. Na medida
em que o projeto da APP-Sindicato, sob a aparência de politizar, faz o combate à linguagem
conceitual, como no caso do fascículo sobre Comunicação Sindical, analisado na monografia,
não estaria à entidade incorrendo no mesmo erro, isto é, o de obstaculizar em vez de fazer
avançar o campo reflexivo de suas bases?
O domínio da teoria torna-se nesse âmbito elemento indispensável à
emancipação da classe trabalhadora. Resta saber se o programa de formação da APPSindicato cumpre com tal objetivo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABENDROTH, Wofgang. Conversando com Lukács. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1971.
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GADOTTI, Moacir. Concepção dialética da educação: um estudo introdutório. 8. ed. São
Paulo: Cortez Autores Associados, 1992.
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere. edição e trad.: Carlos Nelson Coutinho. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. Vol. 1.
_______________. Cadernos do cárcere. edição e trad.: Carlos Nelson Coutinho. 2. ed. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000 Vol. 2.
KOSÍK, Karel. Dialética da totalidade concreta. In: Dialética do Concreto. Trad.: Célia
Neves de Alderico Toríbio. 2.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.
LÊNIN, V. I. Como iludir o povo: com slogans de liberdade e igualdade. Trad.: Roberto
Goldkorn. 3. ed. Global editora: São Paulo, 1980.
______. Que Fazer? Rio de Janeiro: Editora HUCITEC, 1982.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto Comunista. Rio de Janeiro: Zahar, 1982.
____________. A Ideologia Alemã. São Paulo: HUCITEC, 1982.
PAULO NETTO, José. Para a Crítica da Vida Cotidiana. In: PAULO NETTO, José e
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SANTIAGO, Claudia; GIANNOTTI, Vito. Teoria e Prática da Comunicação Sindical.
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SINDICALISMO, PRIVATIZAÇÃO E INTERNACIONALIZAÇÃO DA VALE S.A.: O
CASO DO SINDICATO SINDIMINA/RJ
CARVALHO, L. N. de;
Programa Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense
(UFF)
Agência Financiadora: CAPES
[email protected]
INTRODUÇÃO
Este trabalho é fruto da minha pesquisa de mestrado que tem como tema
central as novas configurações de luta sindical frente a uma empresa privatizada na década de
1990 – a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD). A desestatização desta empresa ocorreu em
1997, em decorrência da Reforma do Estado (de cunho neoliberal).
Nossas indagações iniciais foram: a privatização da empresa permitiu que
ela alcançasse a eficiência e produtividade almejadas? Quais têm sidos os primeiros
resultados e problemas surgidos depois da privatização? Estes problemas afetaram os
trabalhadores da CVRD? Como os sindicatos vêm atuando frente a esses problemas?
A partir da leitura dos relatórios do INSTITUTO OBSERVATÓRIO
SOCIAL (IOS) pudemos depreender a seguinte hipótese: a desestatização permitiu que a
CVRD alcançasse elevados patamares de produtividade e eficiência, mas, em contrapartida,
acirrou os conflitos trabalhistas dentro dela (além de aumentar a degradação ao meio
ambiente).
Entendendo os sindicatos como instituições representativas dos interesses e
defensora dos direitos dos trabalhadores e percebendo a necessidade de analisar os limites da
ação sindical dentro da Vale, selecionamos como objeto de análise a relação entre o sindicato
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Sindimina/RJ e a Vale S.A. (atual nome da Companhia Vale do Rio Doce). Cabe sinalizar
que, de acordo com o IOS (2009), em 2007, contabilizavam-se cerca de 52 sindicatos que
representavam a diversidade de categorias profissionais verificadas nesta empresa: mineiros,
ferroviários, engenheiros, administrativos, técnicos, entre outros.
O Sindicato dos trabalhadores das indústrias de prospecção, pesquisa e
extração de minérios do Estado do Rio de Janeiro (Sindimina/RJ) é um sindicato fundado em
1989, que surgiu da necessidade de se buscar uma representação mais forte no estado do Rio
de Janeiro frente a ainda Companhia Vale do Rio Doce (CVRD).
Hoje representa os
trabalhadores das empresas Areeiras, Companhia Baía Porto de Sepetiba (CBPS), Companhia
de Pesquisas de Recursos Minerais (CPRM), Empresa de Mineração Tanguá (EMITANG),
Indústrias Nucleares do Brasil (INB), Mineração Brasileiras Reunidas (MBR) e a Vale S.A.
O leilão de privatização da CVRD ocorreu no dia 6 de maio de 1997 na
Bolsa de Valores do Rio de Janeiro. Participaram dele o Consórcio Valecom, articulado pelo
Grupo Votorantim e o Consórcio Brasil, liderado pelo grupo CSN. Hoje a Vale S.A. é uma
das maiores empresas brasileiras e uma transnacional, atuando em quatro continentes com
uma elevada lucratividade.
Nosso objetivo primordial é a descrição das características de ação do
Sindimina/RJ com a finalidade de aferir se a ação sindical na contemporaneidade está
conseguindo garantir e/ou manter os direitos dos trabalhadores frente a nova gerência da
empresa, a nova face estrutural do capital e a flexibilização dos direitos do trabalho e, dessa
forma, analisar quais foram os efeitos negativos e positivos da privatização nas relações de
trabalho e qual tem sido o papel da justiça do trabalho na proteção dos direitos dos
trabalhadores da Vale S.A.
Se por um lado, crescem as queixas dos trabalhadores a respeito das
condições de trabalho, principalmente em relação à saúde e segurança do trabalhador, por
outro, alguns autores como Carlos Henrique Horn vem afirmando que a justiça do trabalho
tem ‗estimulado‘ a resolução dos conflitos trabalhistas entre as partes sem a interferência da
justiça, via negociação coletiva. Numa conjuntura econômica marcada pelo desemprego e
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pela desregulamentação dos direitos do trabalho no Brasil, tal posicionamento contribuiria
para o enfraquecimento do poder de negociação dos sindicatos?
METODOLOGIA
Este projeto de pesquisa foi primeiramente baseado nos relatórios do
Instituto Observatório Social (IOS) de 2004, 2006 e 2008 que analisaram questões de cunho
social, trabalhista e ambiental na Companhia Vale do Rio Doce. Nos relatórios, o IOS afirma
que após a privatização da empresa, a mineradora se tornou extremamente lucrativa e
produtiva, mas que um dos motivos para isto se encontra na precarização das relações e das
condições de trabalho (com o aumento das terceirizações, demissões em massa e contenção
do movimento sindical).
Acreditamos que desde a privatização o sindicato foi perdendo
gradativamente força de negociação e na tentativa de se fortalecer criou novas estratégias de
luta tais como o envolvimento em movimentos sociais ou a tentativa de criação de redes
sindicais, tanto no âmbito nacional quanto no internacional. Todavia, o enfraquecimento do
movimento sindical atrelado ao crescimento da empresa transformando-se em uma
transnacional levam alguns sindicalistas a buscarem métodos de negociação menos
combativos, revelando um posicionamento que chamaremos de passivo.
Tendo por objetivo geral aferir se as dinâmicas das relações de trabalho na
Vale S.A sofreu alguma modificação após a privatização da empresa e por objetivos
específicos analisar quais foram as mudanças e qual foi o posicionamento tomado pelo
sindicato Sindimina frente à elas, decidimos fazer uso de um estudo de caso, de forma a
aprofundar o conhecimento sobre o sindicalismo dentro da empresa Vale S.A. Este estudo nos
dará bases para uma investigação posterior, mais sistemática e precisa, de análise da ação
sindical de toda a categoria dos mineradores no Brasil.
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Para a análise de um posicionamento específico do sindicato, que
chamaremos de ação sindical, utilizamos um quadro analítico inspirado na obra de Graciela
Bensusán que ajudou a conduzir o exame sobre o tema. Sistematizamos as seguintes
dimensões da ação sindical: ação direta; ação por meio legal; ação sindical interna e sindicato
e sociedade. Para cada dimensão escolhemos variáveis/indicadores e possíveis metodologias e
fontes. Apresentaremos a seguir uma síntese parcial dos dados (pois a pesquisa encontra-se
em andamento). Por enquanto ainda não podemos apresentar dados consistentes acerca da
dimensão ‗ação por meio legal‘ e ‗ação sindical interna‘. Falaremos das dimensões ‗ação
direta‘ e ‗ação do sindicato junto à sociedade‘ (‗sindicato e sociedade‘).
RESULTADOS PARCIAIS
Na dimensão ‗ação direta‘ analisamos as variáveis: greves; mecanismos de
manifestação coletiva (manifestações teatrais) e criações de redes sindicais. Na dimensão
‗sindicato e sociedade‘ foi analisada a variável ‗participação em movimentos sociais‘. A
metodologia e fontes empregadas foram as entrevistas com dirigentes sindicais e fontes
documentais.
Segundo as entrevistas com os dirigentes sindicais, o Sindimina nasceu
numa época onde as greves eram reprimidas violentamente e os sindicatos eram politicamente
sem força (década de 1980). Em 1990 os benefícios começaram a diminuir – por acordos
coletivos a Vale passou a ―comprar‖ os benefícios, como o reembolso educacional, mas
segundo um líder sindical as assembléias eram forçadas e existia coação para que as propostas
fossem aceitas. Em 2003 ocorreu uma crise devido ao fato da empresa ameaçar a jornada de
trabalho dos trabalhadores do setor administrativo, aumento-a de 37,5 hs/semanais para 40
horas semanais. Ainda neste ano a mineradora ofereceu um aumento de 10% frente aos 29,5%
exigidos pelos trabalhadores. O aumento reivindicado pelos funcionários referia-se à variação
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do Índice Geral de Preços de Mercado (IGP-M) nos 12 meses terminados em junho de 2003.
Em resposta a contraproposta da Vale, os empregados da Companhia Vale do Rio Doce
encontraram uma maneira bem-humorada de protestar: distribuíram bananas aos funcionários
da Vale na porta da empresa. Disseram que tiveram sorte de uma jornalista do Routers estar
por perto e ter escrito uma reportagem sobre esta manifestação, porque geralmente a Vale não
permite que publiquem notícias negativas sobre ela e que na ocasião da manifestação, por
causa da reportagem, o preços das ações da Vale do Rio Doce caíram, gerando a demissão de
um funcionário da empresa da área de comunicação.
Em 2009 houve um ato de enfrentamento que contou com cerca de 1.500
manifestantes reunidos em frente à sede da mineradora e com a presença do presidente da
CUT Nacional, Artur Henrique da Silva Santos. Mesmo intimidados por um grande número
de policiais militares, os trabalhadores defenderam as bandeiras do emprego, salário e direitos
trabalhistas. O ato foi considerado o maior e o mais importante desde a privatização da
empresa em 1997.
Com relação à questão das greves, no Brasil não é realizada uma greve
desde a década de 1980, contudo, nas entrevistas, os líderes sindicais afirmaram que a greve
no Canadá (2009/2010), que durou cerca de 1 ano, recebeu amplo apoio de muitos
trabalhadores no Brasil, inclusive do sindicato Sindimina/RJ.
Sobre a rede sindical, os trabalhadores da Vale S.A., dentre eles, líderes do
Sindimina, constituíram no ano de 2007 um rede sindical, chamada de Rede Sindical dos
trabalhadores da Vale no Brasil. Esta rede nasceu da necessidade de ação dos trabalhadores
em nível nacional. Entre os fatores que motivaram a criação da rede de trabalhadores estão o
de fortalecer a negociação, conhecer a realidade em diferentes fábricas da empresa e lutar pela
melhoria das condições de trabalho. Outro estímulo era participar da organização de
trabalhadores em nível internacional. As redes ou comitês nacionais eram considerados o
primeiro estágio para a atuação em nível mundial.
Assim, em 2008, no Canadá, os membros Rede Sindical dos trabalhadores
da Vale no Brasil se reuniram com sindicalistas canadenses da Vale no Canadá para trocar
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experiências e elaborar ações conjuntas. Debateram questões de saúde e segurança nos dois
países e a realização do I Encontro Internacional dos Trabalhadores da Vale. Além da troca de
experiências, o encontro viabilizou a discussão de estratégias e de ações unificadas com os
sindicalistas do Canadá. A Rede também organizou, em 2009, as manifestações contra a onda
de demissões e às declarações do antigo presidente da Vale, Roger Agnelli, que adotou um
discurso favorável à flexibilização de leis trabalhistas (manifestação já mencionada acima).
O fortalecimento da rede proporcionou que os trabalhadores pudessem
negociar diretamente com a Vale. Em maio de 2009, a direção da CUT e a rede sindical
receberam na sede da central, em São Paulo, membros da diretoria de recursos humanos da
empresa para tratar de assuntos de interesse dos trabalhadores. A atuação da empresa frente à
crise econômica e seus impactos sobre o emprego e salários dos trabalhadores foram as
principais preocupações apresentadas pela CUT durante a reunião. O debate também incluiu
temas como o fim da licença remunerada, participação nos lucros e resultados (PLR), acordo
coletivo 2009 e a consolidação do diálogo social.
Apesar dos inúmeros progressos essa rede foi dissolvida ainda em 2009 por
conta de inúmeras crises políticas internas. Em 2011 começaram os debates para a criação de
uma rede de trabalhadores da Vale mas que já abarcasse não só o Brasil mas os trabalhadores
da Vale em todo o mundo.
Na dimensão ‗sindicato e sociedade‘ podemos mencionar o I e o II Encontro
Internacional dos Atingidos pela Vale. Estes eventos têm por objetivo articular e consolidar
uma rede de movimentos sociais, organizações e centrais sindicais de diversos países,
incluindo populações, comunidades e trabalhadores atingidos negativamente pela forma de
atuação da Vale e dessa forma ser capaz de implementar estratégias coletivas de
enfrentamento a empresa em escala global.
O I encontro permitiu que fossem trocados e acumulados conhecimentos e
experiências, procurando construir e disseminar informações com o objetivo de consolidar e
fortalecer estratégias políticas comuns de enfrentamento da empresa. Segundo o Dossiê dos
impactos e violações da Vale no mundo, documento produzido a partir do I encontro
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internacional dos atingidos pela Vale, as organizações sindicais centralizaram seu olhar mais
na questão trabalhista, mas também reconheceram que as atividades da empresa geravam
inúmeras conseqüências ambientais e sociais fora do âmbito das relações estritamente
laborais, alguns causando sérios problemas também para os trabalhadores. Este encontro
simbolizou uma inovação e um mecanismo para quebrar os particularismos e fragmentações,
juntando no mesmo espaço sindicatos, grupos de direitos humanos, advogados, movimentos
sociais, ambientalistas, entre outros. O segundo encontro não teve o mesmo peso e nem a
mesma divulgação do primeiro, mas também foi encarado com uma iniciativa importante de
mobilização.
O Sindimina/RJ também participou da ‗missão de solidariedade e
investigação de denúncias‘ que esteve em Santa Cruz/RJ, em 2010, nas imediações da recéminaugurada Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA - joint-venture junto à Vale S.A.),
juntamente com técnicos, pesquisadores, acadêmicos, parlamentares, personalidades atuantes
nas áreas de direitos humanos, meio ambiente e saúde com o objetivo de prestar solidariedade
às comunidades da região e coletar informações, depoimentos e investigar denúncias
relacionadas à violação de direitos humanos e crimes socioambientais cometidos pela usina
siderúrgica.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como pudemos ver, o sindicato Sindimina/RJ está diversificando sua frente
de atuação, demonstrando interesse não apenas pelas questões que envolvem os interesses dos
trabalhadores representados por ele, mas por todos os problemas que a Vale S.A. vem
causando a sociedade. Dessa forma sua ação política é ampliada e são criadas novas
estratégias para questionar, divulgar e combater as irregularidades cometidas pela empresa.
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Se nos anos 1990 houve um arrefecimento das lutas sociais e políticas onde
teve lugar uma forte ofensiva do capital, de ataque aos direitos dos trabalhadores, através das
políticas neoliberais, na contemporaneidade vemos novas formas de mobilização que buscam
combater os particularismos das lutas sociais, criando amplas frentes combativas contra um
único ator, no caso, a empresa Vale S.A.
Para Graça Druck, aceitar a ―fatalidade econômica‖ ou a inexorabilidade
dos processos de flexibilização e precarização do trabalho, oculta as escolhas e a vontade
política dos setores dominantes. Em nome duma ―modernização‖ e duma ―transformação‖ no
mundo do trabalho, oferecem como única alternativa a adaptação dos trabalhadores a essas
novas condições. Nesta medida o processo de despolitização dos sindicatos, expresso,
essencialmente, na incapacidade de avançar com propostas políticas de conteúdo ofensivo e
que, principalmente, aponte um caminho independente para a classe trabalhadora permite a
reprodução dessa lógica e a intensificação da exploração. Buscar novas estratégias é um
caminho para resistir ao modo de dominação que por vezes obriga os trabalhadores à
submissão e à aceitação da exploração.
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Diretoria de RH se reúne com CUT e rede sindical em São Paulo. Fernanda Sant Clair SRI/CUT. 25/05/2009. Disponível em http://www.cut.org.br/destaque-central/30472/vale
Unidades da Vale no Canadá encerram greve. Mônica Ciarelli e Sabrina Valle - O Estado de
S.Paulo. 10 de julho de 2010. Disponível em
http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100710/not_imp579094,0.php
Greve na Vale pode ser alvo de inquérito do governo no Canadá. Disputa salarial em Voisey's
Bay, que já dura 15 meses, deve ter interferência de uma comissão de inquérito industrial do
governo. 22 de outubro de 2010. Caderno economia e negócio. Jornal O Estado de S.Paulo.
Disponível em http://economia.estadao.com.br/noticias/negocios+industria,greve-na-valepode-ser-alvo-de-inquerito-do-governo-no-canada,40036,0.htm.
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TIRANDO O VÉU: A INFLUÊNCIA DO CAPITAL SOBRE AS ESTRUTURAS DAS
DEMOCRACIAS MUNICIPAIS.
SOUTO, V. M. M;
Mestrado em Ciências Sociais da Universidade Estadual Paulista, Campus de Marília/SP
(UNESP)
[email protected]
INTRODUÇÃO
O presente artigo foi elaborado a partir das discussões na disciplina:
Trabalho e globalização, do Mestrado em Ciências Sociais, e se propõe a levantar algumas
considerações sobre a influência do Capital nas Democracias Municipais. Dessa forma,
interessa-nos analisar sua configuração e como vem se materializando a dinâmica das
políticas neoliberais na elaboração e planejamento das políticas públicas, assim, propomos
analisar a natureza da incompatibilidade da democracia, e articular, a analise teórica com a
experiência de construção de democracia participativa na cidade de Fortaleza/CE, tendo como
foco: a articulação do Orçamento Participativo com o local trabalho.
O artigo está composto de três seções: 1. O Capital: configurando sua
influência nas mudanças estruturais das cidades, neste item procuraremos demonstrar
como se materializaram as estruturas econômicas, social e política nas grandes cidades com o
desenvolvimento do capital. Isto é, as causas da transformação e as novas técnicas do século
XVIII, que deram origem às grandes cidades industriais. Logo após, retomaremos o fio
condutor de nosso debate, que é entender e relacionar a dinâmica da cidade capitalista com os
mecanismos de participação popular, procurando demonstrar até que ponto estes mecanismos
de participação têm potencial de mudança de comportamento político e de produção de nova
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cultura política. A saber: em que medida os espaços públicos de debates gerados com
Orçamento Participativo têm contribuído na organização da classe trabalhadora?
No item dois, Democracia: compatível ou incompatível com o
capitalismo? O que nos interessa neste item é demonstrar se o capitalismo é - em sua análise
final – compatível ou incompatível coma democracia, se por ―democracia‖ entendemos tal
como o indica sua significação literal, o poder popular ou o governo do povo. Entendemos
que não existe um capitalismo governado pelo poder popular no qual o desejo dos sujeitos
sociais seja privilegiado em relação à acumulação capitalista. Segundo Ellen Wood, o
capitalismo é estruturalmente anti-ético em relação à democracia, em princípio, pela razão
histórica mais óbvia: não existiu nunca uma sociedade capitalista na qual não tenha sido
atribuído à riqueza um acesso privilegiado ao poder. Capitalismo e democracia são
incompatíveis também, e principalmente, porque a existência do capitalismo depende da
sujeição aos ditames da acumulação capitalista e às ―leis‖ do mercado. A reprodução social da
vida seja em condições básicas, ou dos requisitos de sobrevivência se realizam através da
dinâmica mercadológica. Isso significa que o capitalismo necessariamente exclui cada vez
mais esferas da vida cotidiana do parâmetro no qual a democracia deve prestar conta de seus
atos e assumir responsabilidades. Toda prática humana que possa ser convertida em
mercadoria deixa de ser acessível ao poder democrático. Dessa forma, nos interessa no
decorrer do artigo relacionar o processo de construção e materialização do Orçamento
Participativo na cidade de Fortaleza/CE, relacionando com incompatibilidade da democracia
no capitalismo, e qual o vínculo de articulação dos processos de participação com o local de
trabalho.
No item três, O impacto das políticas neoliberais sobre as políticas
públicas municipais (o caso de Fortaleza/CE) procurará refletir a partir das entrevistas com
o coordenador do Orçamento Participativo e representantes dos Movimentos Sociais, em que
medida as políticas neoliberais vêm influenciando no deslocamento dos recursos destinados às
políticas públicas direcionadas às classes exploradas. Assim, no decorrer do trabalho
abordaremos o tema da democracia participativa e sua íntima relação com a existência e as
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lutas dos movimentos populares. Pois trata-se de uma tentativa de compreender e localizar o
debate e a construção do processo de Orçamento Participativo na Cidade de Fortaleza/CE,
gestão PT, dentro de um debate crítico que aponte seus limites e contradições. Para fins de
conclusão, procuramos finalizar o artigo levando em consideração a articulação teórica com a
prática política do processo de construção da participação popular na cidade de Fortaleza/CE.
Trata-se de uma tentativa de articular o objeto de estudo da Dissertação de Mestrado, que tem
como tema: O Orçamento Participativo em Fortaleza/CE: construção de uma nova cultura
política?(Gestão PT – 2005-2008 e 2009-2012), onde problematizo a cultura política, tendo
como centralidade o trabalho com a referência teórica do materialismo histórico. Abordamos
no artigo entrevistas concedidas por representantes do poder público e movimentos sociais –
MCP7 (Movimento dos Conselhos Populares), pois, devido extensão de um artigo não
abordaremos a pesquisa em seus detalhes e em sua totalidade, limitando-nos aos aspectos que
nos permita discutir e apontar pistas de como as políticas neoliberais têm influenciado no
deslocamento das políticas públicas e da cultura política.
CAPITAL:
CONFIGURANDO
SUA
INFLUÊNCIA
NAS
MUDANÇAS
ESTRUTURAIS DAS CIDADES
Na análise propomos configurar como se materializou o desenvolvimento
do capital sobre as estruturas: econômica, social e política nas grandes cidades. Pois, Friedrich
Engels ao escrever a obra ―A Situação da Classe Operária em Inglaterra‖ (1845), procura
demonstrar como a dinâmica do capital não revela somente um mundo urbano miserável e
degradante, mas, que no bojo do desenvolvimento, o ―capitalismo industrial na Inglaterra‖ foi
também o espaço das contradições internas dessas novas relações sociais. Engels apontava
7
Movimento dos Conselhos Populares – movimento que surge a partir das eleições municipais de 2004. Nasce no bojo da campanha e passa
a ser a principal justificativa nos programas de televisão da candidata do PT de governar com os movimentos dos Conselhos Populares. Vale
ressaltar que, após eleita, a Prefeita de Fortaleza Luizianne Lins (PT) segue outra orientação em suas articulações políticas.
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que os fenômenos urbanos, revelando como ocorria o processo de desenvolvimento, se
configuravam transformado os vilarejos em uma pequena cidade e a pequena cidade em uma
grande. Para ele, ―quanto maiores são as cidades, maiores são as vantagens da aglomeração‖,
ou seja, ali é o local onde se reúnem todos os elementos da indústria: os trabalhadores, as vias
de comunicação (canais, estradas de ferro, estradas), os transportes de matérias-primas, as
máquinas e técnicas, o mercado, a bolsa. Partindo desse mesmo pressuposto, nossa análise
não tratará somente das relações entre a cidade e campo, mas, através de uma abordagem
dialética, buscará colocar no centro da reflexão as contradições e os conflitos que estão no
cerne do desenvolvimento das sociedades capitalistas. A partir deste contexto histórico de
desenvolvimento da sociedade capitalista, é possível verificar que a concentração
populacional acompanha a dos meios de produção - há uma dinâmica de rompimento
provocada pelo tecido urbano, isto é, ele se prolifera, estende-se, corrói os resíduos de vida
agrária . Assim sendo, a dinâmica do capital vai se configurando em um conjunto de
manifestações, daí o predomínio da cidade sobre o campo. Dessa forma, as cidades se
desenvolvem a partir do processo histórico do avanço das relações sociais de produção e
reprodução do sistema capitalista, que se configurou como o local onde a classe trabalhadora
vende sua força de trabalho em troca de salários - a cidade é o local onde se reúnem os
elementos históricos da sua formação industrial, daí o crescimento surpreendente das grandes
cidades industriais. Isto nos leva a perceber que um dos elementos do processo migratório das
regiões rurais para a cidade são os baixos salários naquelas regiões, consequentemente, caso
haja concorrência entre a cidade e o campo, a vantagem está ao lado da cidade. Pois é nas
grandes cidades que a indústria e o comércio se desenvolvem, ali estão os espaços em que
aparecem de forma clara as manifestações e as consequências que elas têm para o
proletariado. É aí que a concentração de bens atinge seu grau mais elevado, que os costumes e
as condições de vida do bom e velho tempo são radicalmente destruídas segundo Engels. Isto
é, tentando esclarecer o passado a partir do atual, o tempo livre para o lazer e os encontros
perdem seu lugar para uma lógica perversa da produção e reprodução social da vida, a
sobrevivência, a busca de objetivos para que rapidamente se passe a outro (objetivo), numa
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busca incessante de produção de informações. A lógica do capital toma conta de todas as
esferas da vida numa busca insaciável para não acabar nunca de buscar, assim sendo, o
homem se torna um sujeito atomizado na dinâmica imposta pelo capital. Portanto, não se trata
somente das relações entre cidade e campo na Antiguidade e depois na Idade Média, mas a
tentativa de colocar no centro da reflexão do passado esta relação conflitual que se configurou
na contemporaneidade, ou seja, é importante que se entenda que o desenvolvimento das
políticas de Estado tem uma conexão direta com os interesses do capital. Pois, pensar nos
processos participativos da cidade de Fortaleza/CE, a partir de uma gestão pública, é uma
tentativa de entender que, com o avanço das políticas neoliberais, materializou-se na prática
uma política de ―implementação‖ de demandas para as classes populares. Far–se-á necessário,
portanto, no decorrer de nossa análise, trabalhar com o conceito ampliado de Estado8, a fim de
investigar em que medida os espaços públicos de debates gerados com o Orçamento
Participativo têm contribuído na organização da classe trabalhadora. Assim, nossa análise tem
como ponto de partida a compreensão de que o capitalismo das ultimas décadas foi dominado
pela face mais perversa do capital financeiro (capital portador de juros), isto é, pelo capital
fictício. Dessa forma, interessa-nos entender a realidade que modificou os quadros econômico
e político, pois o Brasil não ficou imune às forças que determinaram e movimentaram o
mundo que se descortinou com a instalação dessa dominância, ou seja, é parte de nossa
proposta de análise problematizar a cultura política9, tendo como centralidade o trabalho, e
como referência teórica o campo do materialismo histórico, para o entendimento dos
processos históricos na sociedade brasileira, e, como recorte epistemológico, a gestão pública
municipal do PT – na cidade de Fortaleza/CE, procurando entender até que ponto a cultura
política construída nos espaços do Orçamento Participativo tem relação com o local de
trabalho, pois Rosa Maria Marques destaca que em qualquer sociedade capitalista o trabalho
8
A partir do conceito ampliado de Estado de Nicos Poulantzas, em que, para este autor, o Estado era: coerção e arrecadação - em nossa
abordagem teórica – sob o olhar do Professor Jair Pinheiro, o Estado seria: coerção, arrecadação, assistência e planejamento.
9
O conceito de cultura política com o qual se trabalha neste artigo é relativo às possibilidades de transformação econômica e política. Isto é,
dentro de um quadro de individualismo crescente alimentado pelo neoliberalismo, assim sendo, qual o potencial que o OP apresenta como
uma nova forma de organização social que contribua para romper com a cultura individualista que estrutura o neoliberalismo.
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constitui o principal meio de integração social, e é a partir dele que uma pessoa passa a
contribuir no conjunto da acumulação do capital, produzindo mais-valia.
DEMOCRACIA: COMPATÍVEL OU INCOMPATÍVEL NO CAPITALISMO?
A democracia é analisada sob uma perspectiva histórica. Assim, ao
buscarmos compreender o conceito de democracia, pensamos ser necessária uma análise da
esfera política a partir das determinações econômicas das relações sociais de produção do
capitalismo, levando em consideração que a constituição organizativa da política está
diretamente relacionada com a base econômica que regulamenta a produção capitalista. Dessa
forma, nossa proposta, para além de tentar entender o conceito de democracia, procurará
entender como historicamente se desenvolveu a democracia como forma de Estado e como
regime político. Trabalharemos com entrevistas concedidas pelo Coordenador do Orçamento
Participativo, representantes do governo municipal e MCP, que servirão como subsídios para
o entendimento dos processos democráticos, e até que ponto o conceito de democracia se
articula com a prática política da cidade Fortaleza/CE. Nossa proposta, para além de tentar
entender o conceito de democracia, procurará entender como historicamente se desenvolveu a
democracia como forma de Estado. Segundo Décio Saes, em qualquer tipo histórico de Estado
(escravista, asiático, feudal, burguês), para que a democracia se materialize é preciso que um
dado órgão, quando existente, intervenha de fato no processo de definição/execução da
política de Estado. Isto é, não basta o Estado abrigar uma Assembleia, onde se reúnem todos
os membros da classe exploradora ou os seus delegados, para que haja democracia. É
necessário que a assembleia seja capaz de intervir efetivamente no processo decisório e, caso
esteja reduzida ao desempenho de um papel decorativo, a forma assumida pelo Estado não é
democrática. A partir das considerações acima, indicamos o ―mínimo denominador comum‖
que caracteriza, genericamente, a forma democrática de Estado, ou seja, o Estado democrático
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pode variar tanto do grau de abrangência do órgão de representação direta da classe
exploradora quanto o seu modo de intervir no processo de definição/execução da política de
Estado. É importante ressaltar que a Assembleia pode conceder assento a todos os membros
da classe exploradora (configurando-se, nesse caso, a existência de uma ―democracia direta da
classe exploradora‖) ou limitar-se a abrigar alguns delegados ou representantes do conjunto
da classe exploradora (a ―democracia da classe exploradora‖ assumindo, nesse caso, um
caráter ―representativo‖). E pode intervir preponderantemente no início do processo de
implementação da política de Estado (etapa formal do processo decisório, correntemente
definida como etapa de ―criação da lei‖, ―legislativa‖) ou, ao contrário, intervir com a mesma
eficácia na fase inicial e na fase terminal – ―executiva‖ – do processo de implementação da
política de Estado (caso no qual a Assembleia age como um órgão ―legislativo – executivo‖, e
não como um órgão meramente ―legislativo‖). Dessa forma, ressalto que, diante dos limites
democráticos e do caráter de classe que representa o Estado, é necessário que se entenda
como os processos democráticos se materializam nas disputas de políticas públicas. Embora a
classe explorada tenha participação com seus representantes, a decisão final será sempre a
favor da classe dominante. Como afirma Ellen Wood, toda prática humana que possa ser
convertida em mercadoria deixa de ser
acessível ao poder democrático. Mas
desmercantilização, por definição, significa o final do capitalismo. Assim sendo, podemos
perceber a incompatibilidade da democracia no capitalismo. O Estado precisa produzir toda
uma visão de mundo, uma cultura, que garanta a sustentação e a legitimação das políticas para
serem incorporadas, sejam em favor da classe explorada ou exploradora. Entende-se, dessa
forma, que o capitalismo também transformou de outras formas a esfera política. A relação
entre capital e trabalho pressupõe sujeitos livres para comprar e vender sua força de trabalho
no mercado, isso reflete na definição de Estado para Thomas Smith como ―sociedade ou bem
comum de uma multidão de homens livres reunidos e unidos por acordos comuns entre si‖, ou
seja, a ascensão e formação do capitalismo foram marcadas pelo desligamento crescente dos
indivíduos com a divisão social do trabalho, houve uma separação das obrigações e
identidades costumeiras, corporativas, normativas e comunitárias. Portanto, pensar a
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democracia tendo como fundamento a teoria marxista de Estado, isto é, uma coletividade
composta em classes sociais contraditórias, preenche a função de assegurar a continuidade da
dominação de classe, assim sendo, a democracia pode ser utilizada como mecanismo para
indicar uma das formas que a organização pode assumir, bem como as condições gerais que a
luta política pode assumir. Dessa forma, nos interessa relacionar a luta política com os o
processo de construção do Orçamento Participativo na cidade de Fortaleza/CE.
O IMPACTO DAS POLÍTICAS NEOLIBERAIS NA EXECUÇÃO E ELABORAÇÃO
DAS POLÍTICAS PÚBLICAS MUNICIPAIS (O CASO FORTALEZA/CE)
Desde os anos de 1980 a transição para o regime democrático foi
acompanhada pelo desenvolvimento de novos valores e estratégias políticas que sustentam a
renovação institucional no nível municipal. A Constituição de 1988 descentralizou a
autoridade política, conferindo às administrações municipais recursos suficientes e
independência política relativa para reestruturar o processo de produção de políticas públicas.
Dessa forma, deu-se início a novos formatos institucionais em que a participação política se
amplia através de perspectivas como descentralização da gestão pública, planejamento
participativo, fortalecimento das esferas públicas locais, emergência e consolidação do espaço
público. Daí a necessidade de entender os processos políticos na atualidade. Para Rosa Maria
Marques, a Constituição de 1988 parece estar na ―contramão da história‖: enquanto nos países
europeus se discute sobre o papel do Estado na economia, no campo social e na garantia dos
direitos trabalhistas, no Brasil, pelo contrário, ampliava-se a ação do Estado no campo social.
Mas, menos de dois anos foram suficientes para que as medidas neoliberais fossem adotadas –
e exatamente pelo primeiro governo brasileiro eleito diretamente pela população brasileira.
Assim sendo, uma ―ação efetivamente transformadora‖ no espaço urbano pressupõe discutir a
cidade como um todo. Esse argumento é central em diversas críticas às experiências do OP.
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As práticas de participação popular, como as que constituem o caso ora em estudo, ficam
apenas no debate e na deliberação de um pequeno percentual do Orçamento Público
Municipal. Assim sendo, é importante entender os reflexos do local como totalidade da cidade
capitalista, qual o significado e significante dos processos de participação na cidade de
Fortaleza/CE, pois apontaremos pistas de como vem se materializando o processo de
participação popular a partir de entrevistas concedidas pelo representante do governo
municipal e pelo representante do Movimento dos Conselhos Populares (MCP). Assim
podemos afirmar: Para o Coordenador do OP10, essa relação entre o Estado (gestão pública
municipal) e sua articulação com os representantes eleitos para o conselho do Orçamento
Participativo se materializa da seguinte forma: nem todo o Orçamento Público é debatido,
pois, há uma articulação em três níveis: a) o eleitoral (apresentado durante o processo
eleitoral no Programa de Governo - resultado do arco de aliança); b) política pública que se
articula com o governo do Estado e governo Federal; c) demandas do Orçamento
Participativo. Para o Coordenador, todo o Orçamento Público não deve ser debatido no OP.
E sim a partir dos cruzamentos dos três níveis políticos, juntam-se as demandas do processo
eleitoral com as políticas publicas estaduais e nacionais e as demandas do OP, o Orçamento
da cidade deve refletir os diversos espaços das Conferências11 que têm a participação dos
representantes da população. Daí a Secretária de Planejamento, ao planejar o Orçamento
Público, deve cruzar estas demandas (do OP) com as demais que já estão comprometidas, e
só depois desta articulação sai o que é destinado às demandas do OP, o que hoje
corresponde a 500.000.000,00(quinhentos milhões) do Orçamento Público. O depoimento do
Coordenador do OP ilustra bem as contradições do Estado com as demandas do processo de
participação popular, ou seja, apenas uma pequena parcela do Orçamento Público é destinada,
durante o planejamento, ao que foi debatido pela população. Analisando a entrevista acima, a
partir do conceito de Estado de Nicos Poulantzas, em que, para este autor, o Estado era:
coerção e arrecadação, em nossa abordagem teórica, o conceito utilizado de Estado se deu em
10
Coordenador da Comissão de Participação Popular (período 2009 aos dias atuais) Órgão ligado ao Gabinete da Prefeita - Administração do
PT - Prefeitura Municipal de Fortaleza. Entrevista concedida em 15 de Janeiro de 2011.
11
Conferências: Municipal, Estadual e Federal.
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seu sentido ampliado, isto é, o Estado é coerção, arrecadação, assistência e planejamento.
Dessa forma, podemos perceber que na disputa real dos recursos públicos por parte dos
representantes do Orçamento Participativo e movimentos sociais, estes ficam apenas com
pequena parcela que, a priori, foi submetida e planejada pelo governo como quantia
disponível para as disputas das demandas do OP. Assim sendo, a disputa do poder político
favorece as classes dominantes, já que não há uma disputa real de interesses antagônicos de
classe nos espaços das assembleias do Orçamento Participativo. A participação se resume
muitas vezes às classes populares exploradas. A classe dominante já tem seus interesses
garantidos pelo Estado, afinal, segundo Décio Saes, o regime político são as condições sob as
quais, num tipo particular de Estado e dentro dos limites estabelecidos pela forma de que este
se reveste, se desenvolve a ação da classe dominante, com vistas a participar, juntamente com
os funcionários estatais, do processo de ―implementação‖ da política de Estado. Daí a disputa
dos recursos do Orçamento Participativo fica para as comunidades dominadas e exploradas na
sociedade capitalista, já que a classe dominante já tem seus interesses e políticas garantidas
pelo Estado. Já para Igor Moreira, do Movimento dos Conselhos Populares 12, a ideia e a
mobilização inicial para a criação do MCP nasceu no bojo da campanha de 2004 13 (até antes
se considerarmos a primeira tentativa em 2000). Consideramos, afirma Igor Moreira, que o
processo fundamental para fazer viver o movimento foram as Assembleias Populares nos
bairros (por volta de 80), regionais (6), e a Assembleia Popular da Cidade (com 3000
pessoas) em abril de 2005 que consideramos o marco de fundação do MCP. Nestas
Assembleias discutíamos a concepção dos Conselhos Populares e a construção de programas
de reivindicações imediatas para mobilizarmos a população. Logo quando o OP iniciou já
tínhamos um (ou vários) programa de reivindicações e tratamos o OP como um dos canais
para realizá-lo. Por isso, no primeiro ano, participamos maciçamente do OP. Mas,
paralelamente, desenvolvemos outras táticas que, com o tempo, foram assumindo a
proeminência, até o quase abandono do OP pelo movimento. Consideramos importantes os
12
Movimento dos Conselhos Populares – Igor Moreira foi um dos animadores do processo de construção do movimento e que continua
dirigente até os dias atuais.
13
Campanha que elegeu a Prefeita do PT – Luizianne Lins
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mecanismos de participação popular, como plano diretor participativo, conselhos, co-gestão,
OP. Participamos ativamente do PDP14, conseguimos conquistas. Porém, a não efetivação
das demandas do OP e das conquistas do PDP nos impelem para a ação direta como
manifestações e ocupações. Hoje, priorizamos a criação dos conselhos gestores das seis e os
conselhos das cidades, dos quais participaremos certamente. Continuamos lutando pela
realização de demandas aprovadas no OP de que eventualmente algum conselho popular
participa. Não creio que o OP tenha potencial organizador da classe trabalhadora, pois não
consegue se constituir como organismo da mesma, suas instâncias estão mais para conselhos
de política pública. O processo de educação obviamente é dialético, o OP tem esse potencial,
mas como se deu em Fortaleza serviu muito para legitimar lideranças individualistas, às
vezes, até contra os movimentos organizados nos bairros; neste sentido, foi obviamente
deseducador, até pelo perfil destas lideranças. Por outro lado, a participação ativa da
população para ver realizadas suas demandas é importante, desde quando as demandas
aprovadas sejam de fato “implementadas”. Há também uma questão importante que é a
clareza do método. Sem dúvida alguma, o OP possui um caráter democratizante na relação
Estado e sociedade. No caso de Fortaleza, a disputa com o clientelismo político fragilizou o
OP, seja pelo esvaziamento deste, seja pela captura do mesmo. Porém, não resta dúvida que,
integrado com outros mecanismos de gestão participativa do orçamento público, pode ser um
instrumento de disputa dos recursos públicos. Quanto à nova cultura política, entendemos
que só o Poder Popular pode ser um marco de nascimento desta, presenciamos isto nesta
nova geração de militantes populares que o MCP vem gerando. O OP só pode contribuir com
isto na medida em que a gestão tenha uma concepção estratégica para fortalecer a
construção do Poder Popular; quando não tem, as instâncias do OP e aqueles que as
constroem acabam antagonizando com as instâncias do Poder Popular e seus militantes.
Portanto, no depoimento de Igor Moreira, percebem-se as contradições na relação dos
movimentos sociais com o Estado. Como afirma Ellen Wood , o capitalismo também
transformou outras formas da esfera política, ou seja, com o desenvolvimento do capitalismo,
14
Plano Diretor Participativo – aprovado em 2009.
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há um deslocamento das políticas de Estado que tem uma conexão direta com os interesses do
capital. Pensar nos processos participativos da cidade de Fortaleza/CE, a partir de uma gestão
pública, é uma tentativa de apontar como o PT vem ao longo dos anos passando por um
processo de ―transformismo molecular‖15 , e, ao mesmo tempo, demonstrar como vem se
consolidando, com o avanço das políticas neoliberais, a prática política de ―implementação‖
das demandas populares, como demonstra Igor Moreira na entrevista quando afirma: “(…) a
participação ativa da população para ver realizado suas demandas são importantes, desde
quando as demandas aprovadas sejam de fato 'implementadas'. A crítica feita por Igor
somava a necessidade de comprometimento com a realização do que era decidido no OP,
assim como a cultura política que ainda permanece fortemente permeada por práticas
clientelistas. Parte-se do princípio da cultura política local existente que esteve estruturada
nas práticas de troca de favores, dessa forma, percebe-se que mesmo com a mudança da
administração municipal, não há uma mudança das estruturas administrativas, e nem das
relações entre os representantes do governo com as lideranças que se formaram na cultura
clientelista. Outro elemento presente na entrevista é a questão do potencial do OP como
mecanismo de organização da classe trabalhadora, e elevação do nível de consciência.
Gramsci figura como um dos autores marxistas que mais destacou o papel da formação
política na constituição dessa massa revolucionária. Expressão eloquente da tradição marxista,
ele ocupou-se ao longo de sua vida da análise das relações entre as condições objetivas do
modo de produção capitalista e a organização cultural que movimenta o mundo ideológico,
objetivando apreender as determinações histórico-sociais a serem consideradas na preparação
da revolução proletária. Assim sendo, fica evidente que os processos de participação popular,
ao invés de gerarem espaços organizativos das classes populares, vêm gerando e fortalecendo
a cultura individualista, ou seja, a cultura que ideologicamente estrutura e dá sustentação à
lógica neoliberal. Numa outra direção, para Gramsci, a ―cultura‖ é algo bem diverso: é
organização, disciplina do próprio eu interior, apropriação da própria personalidade, conquista
15
Para Gramsci ―transformismo molecular se realiza quando as personalidades políticas elaboradas pelos partidos democráticos de oposição
se incorporam individualmente à ‗classe política‘ conservadora e moderada (caracterizada pela hostilidade a toda intervenção das massas
populares na vida estatal, a toda reforma orgânica que substituísse o rígido ‗domínio‘ ditatorial por uma ‗hegemonia‘)‖.
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de consciência superior. E como nossa análise trata de uma abordagem teórica que se
estrutura no materialismo histórico, os processos democráticos devem ser compostos por uma
coletividade, em classes sociais contraditórias, ao contrário do modo como vêm se
estruturando as práticas participativas na cidade de Fortaleza/CE, que têm contribuído para
preencher a função de assegurar a continuidade da dominação de classe. Assim sendo, a
democracia pode ser utilizada como mecanismo para indicar uma das formas que a
organização pode assumir, bem como as condições gerais que a luta política pode assumir, ou
seja, a participação fica muitas vezes restrita às classes populares que fazem a disputa entre si
de uma pequena parcela do orçamento público que é direcionada ao OP, já que as classes
dominantes já têm seus interesses garantidos pelo Estado.
CONCLUSÃO
Para concluir o artigo, levamos em consideração a articulação teórica com a
prática política de organização das cidades a partir da dinâmica do capital. Assim sendo,
procuramos apontar pistas do processo de construção da democracia participativa na cidade
de Fortaleza/CE.
Assim sendo, com este artigo, podemos delinear algumas pistas para
entender o processo de participação popular na cidade de Fortaleza/CE, a não
―implementação‖ das demandas debatidas e aprovadas no OP, um dos elementos que vêm
gerando o esvaziamento dos espaços do OP e o afastamento do Movimento dos Conselhos
Populares. Outro elemento presente são as práticas da cultura política clientelista ainda
presente na cultura política brasileira, e que vem se reproduzindo nos espaços de participação
popular. Assim, podemos concluir apontando que o OP não vem contribuindo com a elevação
do nível de consciência da classe trabalhadora. Outro elemento a considerar é a ausência de
uma articulação dos mecanismos de participação com o local de trabalho, como processo de
gerar uma cultura organizativa, assim sendo, é preciso questionar até que ponto o OP tem
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potencial para mudança de comportamento político. O objetivo explicito, então, é mostrar que
os processos democráticos devem ser compostos por uma coletividade, em classes sociais
contraditórias, dentro do debate dos conflitos sociais e do desvelamento do caráter de classe
do Estado, que preenche a função de assegurar a continuidade da dominação de classe. Dessa
forma, a democracia pode ser utilizada como mecanismo para indicar uma das formas que a
organização pode assumir, bem como as condições gerais que a luta política pode assumir. Ou
seja, no caso de Fortaleza/CE, a participação fica muitas vezes restrita às classes populares
que disputam entre si o percentual que a elas foi destinado pelo planejamento do governo
municipal. Desse modo, não há uma disputa real do poder econômico e político, capaz de
apontar para uma nova cultura política que rompa com o individualismo crescente alimentado
pelo neoliberalismo.
BIBLIOGRAFIA
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instituições no Brasil Democrático In: Vera Schattan P. Coelho e Marcos Nobre
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tradução Paulo Cezar Castanheira. DEMOCRACIA CONTRA O CAPITALISMO – a
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SESSÃO 02
Trabalho, Saúde e
Precariedade
MECANISMOS DE CONTROLE EM CALLCENTERS: PRECARIZAÇÃO DO
TRABALHO E SUA RELAÇÃO COM A SUBJETIVIDADE DOS ATENDENTES DE
CENTRAIS DE ATENDIMENTO;
BRUNING, C.;
SCHMITT RAGNINI, E. C.;
Curso de Psicologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR)
[email protected]
INTRODUÇÃO
Este artigo apresenta resultados e discussão de um estudo de caso em
profundidade sobre as principais formas de controle presentes em uma central de atendimento
telefônico de um banco nacional e sua relação com a subjetividade dos trabalhadores desta
central.
As relações de trabalho no âmbito da organização pesquisada se dão num
processo produtivo demarcado pela precarização do trabalho decorrente da adoção de um
modelo de gestão da produção ―toyotista‖, modelo que, ainda que desenvolvido na indústria,
se encontra aqui sendo aplicado a uma organização prestadora de serviços.
Este sistema de gestão da produção privilegia um sistema de trabalho que
enaltece a gestão pela subjetividade, ou seja, que busca um trabalhador flexível, adaptável,
comprometido com a empresa, que saiba trabalhar em equipe, que atenda às exigências de
eficiência e eficácia e que se comporte de acordo com as regras da empresa.
Fundamenta-se a discussão na Economia Política do Poder, que subsidia a
análise das tecnologias de gestão e controle e das relações de trabalho estabelecidas na
organização pesquisada. Entende-se que a vivência do sofrimento psíquico dos trabalhadores
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tem relação com a dinâmica dos processos de controle e as relações sociais estabelecidas no
contexto de trabalho e na vida.
Para fins deste estudo, entende-se que o poder nas organizações, ou seja, a
condição de determinados grupos presentes nas organizações fazerem valer seus interesses,
apoia-se e se reforça no exercício da dominação e a partir de práticas autoritárias e
disciplinares. Estas práticas têm por objetivo controlar o trabalhador em prol da eficácia e
eficiência da organização, bem como garantir que a relação de dominação se perpetue. Estas
práticas se expressam pelo uso de mecanismos como a influência, a identificação, a
normatização, a vigilância, o controle do tempo, do espaço, do comportamento dos
indivíduos, da coerção, entre outros.
Entende-se o controle organizacional como uma estratégia de gestão
organizacional que busca novas formas de expansão do capital através de aspectos tanto
manifestos quanto ocultos no âmbito das relações de poder. Entende-se que a ideologia
capitalista, desde o taylorismo e a organização científica do trabalho, tem por base o
desenvolvimento de mecanismos de controle tanto do processo como das relações de trabalho.
Estes mecanismos são utilizados pelos gestores e podem ser de cunho físico, psicológico,
diretos e/ou sutis e se caracterizam por mecanismos de gestão, bem como e principalmente
por mecanismos de poder. O controle é entendido como uma forma de instrumentalizar a
gestão do processo de trabalho, traduzindo-se em vigilância constante tanto do processo de
trabalho quanto do trabalhador, vigiando e disciplinando seus gestos, posturas, lugar, visando
à máxima utilidade do tempo e o adestramento de seu corpo e emoções.
Entende-se que o poder disciplinar se baseia em quatro principais
mecanismos característicos que exercem controle sobre os indivíduos e seus corpos, sendo
eles: a distribuição dos corpos no espaço, o controle do tempo, a vigilância constante e o
registro contínuo. Um dos mecanismos através dos quais age o poder disciplinar em ordem de
produzir corpos dóceis, produtivos e submissos é a distribuição das pessoas no espaço,
colocando seus corpos em espaços individualizados, classificando-os e combinando-os,
isolando o indivíduo em um lugar esquadrinhado, fechado e hierarquizado. Outra forma que a
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disciplina assume é o controle do tempo, que estabelece uma relação de sujeição do corpo ao
tempo, para que a produção ocorra da maneira mais rápida e eficaz possível. Neste controle o
que importa é o desempenho da ação, sendo que a disciplina age sobre o corpo através da
elaboração do ato e do gesto, temporalmente. O terceiro exercício do poder disciplinar
encontra-se na prática da vigilância, que inclui ainda a sanção normalizadora e o exame. A
vigilância, quando exaustiva, indiscreta, ilimitada e anônima, passa a ser percebida pelos
vigiados, que, ao pensarem-se constantemente vigiados, acabam vigiando o próprio
comportamento (auto-vigilância) e o dos demais. A sanção normalizadora acompanha a
vigilância e age punindo e premiando os desvios e os acertos dos indivíduos, de maneira
indiscreta, para que seja visível por todos e, portanto também disciplinar. Já o exame é a
forma de periodicamente avaliar e analisar os indivíduos, fornecendo maiores informações
sobre eles para o exercício do poder. Entende-se que quarta característica do poder disciplinar
corresponde ao registro contínuo, pois a vigilância permite a produção de saberes sobre as
pessoas vigiadas e essas informações devem ser continuamente registradas. Essa característica
permite que, ao mesmo tempo que o poder disciplinar se exerça, ele produza saber a respeito
de suas vítimas.
Utiliza-se a classificação que divide em três níveis interdependentes o
controle nas organizações, sendo eles: nível econômico; político-ideológico, e; psicossocial. O
nível econômico como o que diz respeito às relações de produção e processo do trabalho
quanto à posse e propriedade dos meios de produção, sendo a base de todo o sistema
capitalista a separação entre comprador e vendedor da força de trabalho. Já o controle de nível
político- ideológico relaciona-se com a superestrutura construída a partir das relações de
produção, referindo-se à institucionalização, às normas e ideologias que legitimam a ação
organizacional. O controle de nível psicossocial refere-se às relações entre os indivíduos, seja
em instância individual ou grupal. O controle psicossocial é dividido em 7 categorias: físico;
normativo; finalístico; político; simbólico-imaginário; por vínculos, e; por sedução
monopolista.
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O controle físico teria como fundamento o domínio do corpo do indivíduo,
agindo através da violência, da exploração de concessões e de impedimentos, de permissões e
de proibições, pela definição de espaços, de movimentos, da delimitação de tempo e da
natureza do trabalho. A expressão deste controle pode ser encontrada na vigilância, nas
normas e formas de relacionamento social estabelecido pelas organizações. Como exemplos
deste tipo de controle, tem-se: como se vestir, como se portar, qual o local e horário de
trabalho, entre outros, que encontrem correspondência com a dominação sobre o corpo do
indivíduo. O controle normativo diz respeito às regras, normas e regulamentações, explícitas
ou implícitas que regulam o funcionamento e a ordem da organização, sendo o que define os
procedimentos burocráticos, com suas atribuições de autoridade e responsabilidade, como as
convenções que geram obediência e aceitação por imposição de natureza moral ou defensiva.
Já o controle finalístico pode ser também entendido como controle por resultados, atua
verificando e garantindo a realização da finalidade a que se propõe a organização. Baseia-se
em sentimentos de cumplicidade e compromisso com a organização. Esse controle, na prática,
se dá a partir do estabelecimento de objetivos e metas a serem cumpridos. O controle
compartilhado ou participativo refere-se à construção e manutenção de convicções de
envolvimento do indivíduo no processo decisório. O controle simbólico-imaginário diz
respeito à adesão imaginária, através de um modelo de referências legitimado, utiliza-se de
formas de competição interna, crenças, adesão por reconhecimento e prestígio, discurso
conciliador, símbolos de sucesso e fracasso, entre outros. O controle por vínculos remete à
concepção de um projeto social comum, a partir de contratos formais e psicológicos
estabelecidos entre indivíduo e organização, baseia-se em interesse e necessidades de amor,
ternura, libido, identificação subjetiva ou inconsciente, confiança na organização e
transferências egóicas. Já o controle por sedução monopolista caracteriza-se pela unificação
do discurso, que exclui a vontade e o discurso singular dos indivíduos e os torna apáticos.
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METODOLOGIA
A metodologia utilizada é o estudo de caso de abordagem qualitativa. Foram
utilizadas como técnicas de coleta de dados: observação, entrevistas e análise documental.
Para a análise dos dados empregou-se a técnica de análise de conteúdo. Foram realizadas 17
entrevistas semi-estruturadas e não estruturadas, sendo que a escolha dos entrevistados deu-se
pela disponibilidade que tiveram em ceder uma entrevista durante seu período de trabalho.
Durante 5 meses foram realizadas visitas diárias à organização com o objetivo de observar as
práticas organizacionais, a dinâmica dos indivíduos e dos grupos no local de trabalho, bem
como realizar conversas informais com os atendentes e supervisores do callcenter.
RESULTADOS
Quanto ao controle do espaço, percebe-se na central de atendimento
telefônico da organização estudada, que o espaço de cada atendente é delimitado pela
organização, sendo que ele fica fixo à sua posição de atendimento (PA), até porque utiliza um
fone de ouvido com fio ligado fisicamente à sua mesa, o que impede sua mobilidade. Esse
controle permite que cada atendente seja facilmente identificado e localizado.
Entende-se que, primeiramente, toda organização espacial estrutura mais ou
menos diretamente e fortemente as comunicações, além de constituir-se como um mensageiro
sobre a sociedade que a ocupa, seus valores e ideologia. A central de atendimento tem uma
distribuição espacial que segue um modelo de escritório aberto. Tem-se uma grande sala
onde se encontram ―ilhas de PA´s‖. PA´s são os postos de atendimento, nos quais se encontra
cada atendente. A central de atendimento analisada possui várias ―ilhas‖, entre as ilhas de
PA‘s existem corredores pelos quais as pessoas circulam. No caso da central de atendimento
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estudada, apresenta-se ao fundo da sala onde ficam as ilhas de PA‘s, três salas com paredes
envidraçadas, onde acontecem reuniões de monitoria, que serão discutidas adiante.
O modelo de escritório aberto permite que os atendentes na central de
atendimento estudada conversem livremente entre os colegas que se encontram próximos, e
dificulta a comunicação com os demais, visto que estes estão fora do alcance do indivíduo,
que, como visto, tem sua mobilidade reduzida. Cada ilha de PAs compreende uma equipe,
cada equipe tem um correspondente gerente, a organização espacial garante que os atendentes
consigam comunicar-se livremente, no entanto, somente com outros membros de sua equipe.
Além disso, pela posição espacial em que se encontra o gerente, este sempre está apto a
supervisionar e vigiar estas conversas. Essa estratégia garante o controle da palavra vigiada.
Entende-se que a organização teme a palavra criadora, mas tem necessidade
desta, pois a supressão total da palavra criadora leva à inércia. Assim, a palavra criadora e
espontânea é permitida, porém de maneira vigiada, espreitando o discurso dos indivíduos, que
enquanto for proveitoso será mantido e reforçado, mas a parir do momento em que for
contraditório à organização será reprimida e anulada. Além disso, a palavra espontânea e
informal, enquanto não contraditória aos objetivos e ideologia organizacional, é permitida,
pois serve aos indivíduos de maneira que podem realizar algumas de suas necessidades e
desejos sem que sejam prejudiciais à organização, pelo contrário, quanto mais o indivíduo
encontrar satisfação dentro de uma organização, mais dependerá dela, e, portanto, submeterse-á com menor resistência. À organização interessa fundamentalmente as capacidades
cognitivas e operatórias dos indivíduos, que são as necessárias à realização das atividades. Já
os aspectos emocionais e afetivos dos sujeitos são tidos por ela somente como marginais.
Disso surgiria o que se entende na psicanálise como a angústia de desmembramento, que é
uma fonte de insatisfação e sofrimento para o trabalhador. Apresenta-se assim que a
incongruência entre as necessidades de uma personalidade madura e as exigências da
organização. O ser humano sadio deseja a satisfação de algumas necessidades, tais como autoexpressão, espontaneidade, criatividade, autonomia, reconhecimento, integridade do ego e
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dignidade do autoconceito, que não encontram expressão na organização, ao contrário, são
reprimidas, gerando frustração e resistência nos trabalhadores.
Partindo-se do embasamento de teorias que defendem que organização só
vai considerar seu próprio desejo, proposto como ideal comum a todos, para o qual devem
visar todas as ações individuais, entendendo-se que a organização vai tentar evitar frustrações
motivando o indivíduo ao mesmo tempo em que oferece um sistema de legitimidade definido
e sistematizado. A organização permite que parte dos afetos individuais encontre satisfação,
colocando-se como lugar e condição para realizações do indivíduo. Assim o indivíduo tornase mais dependente e consequentemente submisso aos desígnios da organização, pois dela
depende para satisfazer seus desejos e necessidades. A organização se apresenta em duas
formas, uma formal, que é como foi planejada pelos seus criadores ou dirigentes, sendo
reflexo das normas, mecanismos de controle, organograma, estatutos, políticas, entre outros,
que formam os postulados sociais, psicológicos e administrativos, e outra forma informal que
corresponde aos comportamentos não previstos nestes postulados que os indivíduos vão
adotar. Se de um lado o sistema formal visa atingir os objetivos da organização, utilizar
racionalmente seus insumos disponíveis e controlar os comportamentos dos indivíduos de
modo a torná-los previsíveis, o sistema informal nasce justamente das reações dos indivíduos
em relação a este sistema. O sistema informal baseia-se em relações informais que se tratam
de relações recíprocas de troca baseada em necessidades, convivência e afinidades. Podem
surgir tanto visando novas formas de atingir os objetivos organizacionais que não se
encontram previstos, como também servindo como meio de o indivíduo conseguir realizar
algumas de suas necessidades não comportadas pelo sistema formal. Assim, no caso da
central de atendimento telefônico estudada, percebe-se que o sistema informal é permitido e
inclusive reforçado, a partir de festas, gincanas e convivências propostas pela organização.
A partir do relato de atendentes percebe-se que um dos fatores de satisfação
que encontram na organização é justamente este convívio amigável com os colegas
proporcionado por estes mecanismos de controle. Das dezessete entrevistas realizadas, em
quatorze foi citado como o ponto mais positivo em se trabalhar na organização a convivência
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com os colegas. Analisando-se a organização espacial da central de atendimento pesquisada,
percebe-se que ela permite que essa vinculação entre os colegas aconteça, além disso, o fato
de estar ainda em implantação faz com que o número de ligações recebidas seja bastante
reduzido, o que acarreta um tempo ocioso muito grande para os atendentes ao aguardar a
próxima ligação. Este tempo é gasto ―conversando com os colegas‖, ―brincando e contando
piadas‖ e ―compartilhando experiências‖, o que tem dupla função, assim como serve de meio
de satisfação para os indivíduos, e de mecanismo de defesa contra o tédio, serve também à
organização, que se coloca como um lugar de satisfação para os indivíduos.
O sistema informal também surge visando novas formas de atingir os
objetivos organizacionais que não se encontram previstos. As teorias que embasam esta
investigação entendem que os trabalhadores ultrapassam os postulados do sistema formal a
fim de alcançarem objetivos da própria organização. Na central de atendimento pesquisada
percebe-se que este aspecto do sistema informal encontra-se presente. Nas entrevistas
realizadas com frequência foi citado o fato de que o ―sistema é burro‖ e que se os funcionários
se mantivessem presos ao que lhes é determinado, ―nenhum trabalho seria realizado‖. Esse
fato é exemplificado nas palavras de uma atendente: ―Temos como norma, quando tivermos
alguma dúvida ao atender um cliente, consultar nosso supervisor através do telefone, para
que a consulta fique gravada, no entanto, os gerentes nunca estão em seus lugares e nunca
atendem ao telefone, pois sempre estão andando pela central, o que fazemos então é levantar
a mão e esperar que algum gerente esteja por perto e veja, para que venha nos ajudar,
geralmente eles demoram e como tem um cliente do outro lado do telefone esperando ser
respondido, acabamos perguntando para qualquer pessoa que esteja por perto, sempre tem
algum atendente que sabe responder o que você está perguntando, mas como isso não fica
gravado assumimos a responsabilidade de estar passando uma informação que pode não ser
correta, às vezes até mesmo os gerentes passam informações incorretas, mas como falaram
vindo até a gente e não pelo telefone isso não fica gravado e então não tem como provar que
o erro não foi seu‖.
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O que a entrevista mostra é que burlando o sistema formal e assumindo para
si um risco, os atendentes agem informalmente para realizar uma atividade que condiz com os
objetivos da organização, ou seja, ele burla o sistema formal para cumprir um objetivo do
sistema formal e prestar o serviço, que é atender ao cliente. Percebe-se também que a
organização espacial tem papel fundamental na manutenção dessas ações informais, pois é a
facilidade de acesso ao colega que permite que o atendente tire suas dúvidas com outros
atendentes e não com seu gerente, como prescreve a norma. Além disso, a maneira como o
espaço está organizado permite que o atendente levante e veja que o gerente não está onde
deveria para auxiliá-lo.
O controle do tempo na organização pesquisada reflete-se em vários
mecanismos que envolvem controle físico, normativo e finalístico. Conforme teoria que
embasa esta investigação, entende-se que o controle do tempo estabelece uma sujeição do
corpo ao tempo para que se produza com o máximo de eficácia e rapidez, o que interessa é o
desenvolvimento da ação. Sua função principal é de estabelecer os ciclos de repetição, e
garantir a qualidade do tempo trabalhado, por isso se cerca de mecanismos que visam
vigilância ininterrupta e elaboração temporal do ato. Na central de atendimento estudada,
tem-se o controle quase total do tempo do indivíduo enquanto ele permanece na organização.
A hora de entrada e saída, os horários para lanche e pausas de descanso são determinados pela
organização. Os atendentes são controlados por um programa denominado TTV. Este
programa contém a agenda diária e semanal de cada um, e deve ser consultadas todos os dias.
Nela o atendente verifica os horários em que fará pausas no decorrer de seu trabalho. Com
isso, percebe-se que decisões sobre a utilização do próprio tempo são retiradas do trabalhador,
a organização passa a decidir por ele que horário deverá trabalhar, comer, descansar, falar
com seu gerente, entre outros. O embasamento teórico no qual repousa esta análise defende
que a organização, sendo recalcadora, retira do indivíduo seu poder de decisão. Neste caso, o
indivíduo é separado de seu poder de decidir sobre seu próprio tempo. O controle do tempo na
central de atendimento é justificado como uma necessidade do sistema, pois é ele quem
automaticamente verifica, através de médias anteriores, quais os horários em que os
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atendentes de cada equipe devem permanecer conectados em ordem de atender a demanda de
ligações prevista para aquele horário. Ou o indivíduo aceita o controle legitimado por essa
necessidade, ou tenta agir conforme suas necessidades, caso em que será repreendido pelo seu
gerente, já que este será informado através do sistema. Aqui se percebe o caráter recalcante e
repressivo da organização. A tentativa de recalcar e legitimar a ação organizacional através da
aceitação da natureza das coisas mostra-se presente. Porém, quando não é eficaz, a
organização passa a ser repressiva e pune os que não se submetem com advertências, ameaças
e finalmente com a exclusão da organização. Nas entrevistas realizadas percebe-se que a
maioria dos entrevistados, quinze de um total de dezessete, estão insatisfeitos com o controle
sobre seu tempo de trabalho, acreditam que o controle é exagerado e sem sentido, sentem-se
―tratados como crianças‖ e diminuídos em sua autonomia. No entanto, ao responderem sobre
o porquê aceitam este controle apesar da insatisfação, todos afirmam ser por medo de serem
excluídos da organização. Dez, dos dezessete entrevistados responderam que têm planos
maiores na organização, pretensão de serem promovidos e direcionar-se para suas áreas de
interesse, e, portanto suportam a situação ainda que insatisfatória por acreditarem ―ser um
começo‖. Além disso, nove das entrevistas relatavam a necessidade financeira do emprego e o
medo de perder a estabilidade que ele proporciona. Pesquisas anteriores demonstram que o
medo do mercado de trabalho é um sentimento que vincula e mantém um forte elo entre o
indivíduo e a empresa, já que ele teme o que pode acontecer no mercado, frente às
dificuldades e à escassez de trabalho. Entende-se, que a partir da possibilidade de satisfação
de necessidades e desejos, o indivíduo se submete à organização e à alienação que ela provoca
ao tomar dele o controle sobre sua mobilidade e seu tempo, durante o período em que
permanece sob seu domínio.
Quanto ao controle da ação tem-se que, o controle minucioso das operações
do corpo se dá através da elaboração temporal do ato, correlacionando o ato ao corpo que o
produz, e articulando o corpo ao objeto manipulado por ele. Tem-se assim a articulação do
controle do espaço, do tempo e do movimento atuando sobre o controle da ação, que
corresponde à natureza do trabalho designada pela organização. Parte-se da teoria que baseia
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esta pesquisa para perceber aqui a definição de um esquema anatomocronológico do
comportamento, de modo que a ação é decomposta em seus elementos mais simples, sendo
definida a posição do corpo, inclusive
dos membros, das articulações, dirigindo cada
movimento do trabalhador, assim o controle visa transformar o movimento, a ação, de
maneira a torná-la mais eficaz, e previsível, possível. Na central de atendimento estudada,
percebem-se vários mecanismos de controle agindo neste sentido. Desde a obrigatoriedade da
utilização de saudações iniciais e final pré-determinadas nas ligações, bem como a utilização
de scripts para os atendimentos, as metas em relação ao tempo médio de atendimento, e as
monitorias que são realizadas visam controlar a ação de maneira minuciosa, as ligações são
monitoradas e os atendentes ganham ou perdem pontos conforme sua atuação nas ligações
partindo do esquema acima apresentado que deve ser seguido. Essa decomposição minuciosa
do ato, que envolve a utilização de scripts coloca palavras na boca do atendente, privando-o
de tomar decisões sobre a forma de desenvolver seu trabalho. Assim o controle subtrai do
trabalhador suas iniciativas e decisões sobre a forma (como) e a quantidade (quanto), de
tempo, por exemplo, necessários ao seu trabalho, impondo apenas a opção de trabalhar ou não
sob estas condições.
Pesquisas anteriores escrevem que o uso de scripts pode ser considerado
técnica mecanicista e reducionista de controle. Definem script como uma estrutura
esquematizada de eventos que descreve uma sequência de atividades apropriadas para uma
dada situação, e que teria a função de ser uma representação mental de uma interação durante
o desempenho de um serviço, incluindo comportamentos esperados para o consumidor e para
o atendente. Pode-se considerar que os scripts teriam função de apontar os desempenhos
esperados em cada evento e as ações indicadas para expressá-los. Dessa maneira, o uso de
scripts inibe a criatividade e a espontaneidade, já que propõe um modelo fechado e
direcionado. Além disso, a situação de atendimento possui outros fatores como pressão,
limites de tempo e certeza de vigilância e monitoria, que também inibem a atuação espontânea
do indivíduo. Pode-se perceber na fala de uma das atendentes entrevistadas como a situação
do controle da ação influencia seu comportamento e são fonte de insatisfação: ―Não consigo
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falar tudo igualzinho está no script, mas tento me manter dentro da ideia que ele passa
apesar de não usar exatamente as mesmas palavras. O fato de saber que posso estar sendo
monitorada me faz sentir presa, fico com receio de falar algo errado ou indevido. Apesar de
saber a maioria das informações que os clientes pedem, sempre procuro no sistema e digo
conforme está escrito, para ter certeza. Isso é ruim, pois me preocupo mais em me livrar logo
do cliente para evitar de cometer algum erro do que em ajudá-lo. Às vezes quando o cliente
quer alguma coisa que não podemos fazer pela central, informo que é para ele procurar sua
gerente na agência, conforme diz o script, apesar de saber de alternativas que poderia tomar
para resolver seu problema. Ter um roteiro e ser monitorado faz com que a gente se sinta
preso, sem isso meu atendimento seria muito melhor‖. Outro relato, no entanto, afirma como
ter um roteiro pode ajudar: ―O script ajuda, quando não sei direito o que o cliente quer, é só
seguir o roteiro que dá certo, o ruim é a obrigatoriedade de falar conforme um script, às
vezes temos soluções melhores, mas não podemos usá-las, o ruim é ter que se restringir ao
script, se ele for usado só como modelo, ou um guia, ajuda‖. O controle da palavra e da ação
é também fonte de insatisfação, como se percebe no trecho de entrevista relatado abaixo: ―O
pior do trabalho na central de atendimento é que a gente fica limitado ao que já está
determinado, por exemplo, temos que atender de uma maneira cordial, chamar sempre de
senhor, e dizer só o que estiver escrito no portal (sistema de informações), não podemos criar
nem acrescentar nada, ás vezes atendo clientes de 18, 19 anos e tenho que chamar de senhor,
é ridículo, mas chamo, porque se não chamar perco pontos na monitoria‖. Neste relato
percebe-se a insatisfação do atendente em não poder exercer sua espontaneidade e bom senso,
em não poder tratar um cliente mais novo por outro pronome que não ‗senhor‘. Além disso,
percebe-se sua frustração em relação ao caráter repetitivo do trabalho, que não permite que ele
participe com seu conhecimento, percepção e subjetividade na realização da atividade que ele
mesmo desempenha. O que vai de encontro ao pensamento postulado em teoria que embasa
esta investigação que defende a incongruência entre as necessidades de uma personalidade
saudável e as exigências organizacionais.
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O que a utilização de scripts e a monitoria revelam é um controle no qual
literalmente a organização coloca palavras na boca do indivíduo, ou seja, o indivíduo é falado
pela organização, é abstido de sua própria palavra, experiência, conhecimentos, poder de
decisão, espontaneidade e subjetividade enquanto relaciona-se com terceiros (clientes), como
representante da organização. Ocorre que, enquanto atendente, o indivíduo é para a
organização o seu representante e por isso só pode atuar da maneira como esta lhe permite.
No entanto, para o cliente, o atendente não é a organização, é uma pessoa, e é tratado por ele
como tal, assim torna-se relevante tratar sobre a relação cliente-atendente na central de
atendimento. O atendente, na relação com um cliente, não deixa de ser uma pessoa integral,
com sua subjetividade e personalidade, atuando na relação, no entanto, deve abster-se de sua
subjetividade a assumir a objetividade e racionalidade da organização transcrita por seus
scripts. Assim, ainda que o indivíduo sofra constrangimentos em nome da organização, ele
não pode defender-se senão pelo discurso da mesma, para isso existem até mesmo scripts para
situações adversas, como no caso de ser ofendido por um cliente, ou receber dele uma
―cantada‖. Através de relatos e observações é possível destacar que com frequência os
clientes, quando insatisfeitos com a organização, projetam sua insatisfação no funcionário que
lhe presta atendimento, situação que se mostra como fonte de frustração, pois o atendente
recebe a agressividade dos clientes que é dirigida à organização, mas projetadas nele por ser
ele seu representante naquele momento. Conforme ao denominado ―espedaçamento das
imagens relacionais‖, termo utilizado pela teoria psicanalítica, pode-se indagar se o cliente
também não faz parte dos outros através dos quais o indivíduo vai reconhecer-se na
organização, e a partir dos quais vai espelhar sua auto-imagem. Assim, pode-se supor que o
controle da palavra é gerador de sofrimento, pois possibilita sentimento de angústia de
desmembramento por contradição de imagens relacionais, além de ir contra necessidades
essenciais do indivíduo, como a integridade do ego e a dignidade do autoconceito. Percebe-se
que o controle da ação, através da utilização de scripts, que a decompõe e delimita, e através
da monitoria, que assume o papel da vigilância, são fonte de sofrimento e castração para o
indivíduo, assim, de forma a serem aceitos com menor resistência, são legitimados através do
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discurso da necessidade de segurança. Neste discurso tem-se que a organização precisa se
certificar de que nenhum atendente está fraudando operações ou dando informações erradas
que poderiam trazer muito prejuízo. Disso decorreria a necessidade de manter a palavra sob as
rédeas da organização, tanto através dos scripts quanto através da vigilância, que tem papel
principalmente preventivo e de controle.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados permitiram identificar, partindo-se de modelo de análise
propostos por outras teorias de origem psicanalítica e da Economia Política do Poder, que as
formas de controle mais presentes na central de atendimento envolvem controle físico,
normativo e finalístico. Os outros tipos de controle psicossocial também se mostram presentes
na organização, mas não de forma tão significativa. Foi possível perceber que o controle
físico, o normativo e o finalístico envolvem muito mais imposições da organização do que
tentativas de conquistar e envolver os indivíduos em participar de seus objetivos,
característica marcante de mecanismos de controle mais sofisticados, principalmente
presentes no modelo de gestão toyotista, e grandemente disseminado nas práticas de gestão
atuais. O fato da central de atendimento estar em fase de implantação permite hipotetizar que
mecanismos de controle ligados ao sistema imaginário ainda não estejam tão presentes como
os de caráter mais objetivo, pois aqueles dependem muito mais das interações entre
subjetividades e objetividades nas organizações do que estes, que podem ser mais facilmente
implantados, dado seu caráter impositivo. Os resultados apontam que os mecanismos de
controle presentes na central de atendimento se relacionam com a subjetividade dos
indivíduos, são percebidos como impostos e contraditórios às suas necessidades, e os sujeitos,
que por vários motivos submetem-se a eles, apresentam em sua fala vivências de sofrimento e
diferentes formas de resistência.
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MOTO-TÁXI: A VIDA E A MORTE SOBRE DUAS RODAS
ABONIZIO, G. P.;
Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina (UEL)
[email protected]
INTRODUÇÃO
O presente trabalho é um recorte realizado a partir do Trabalho de
Conclusão de Curso, o qual objetivou discorrer sobre um fenômeno que está presente no
interior das relações de produção capitalistas. Trata-se do processo de informalização das
relações de trabalho, o qual tem por base a ausência de qualquer contrato formal entre
empregador e empregado e, consequentemente, a inexistência de garantias e direitos sociais
conquistados pela classe trabalhadora. O objeto analisado é a atividade do moto-táxi, na
cidade de Londrina, estado do Paraná. A expansão da atividade de moto-táxi é um fenômeno
que pode ser visualizado na cotidianidade das cidades brasileiras. O caso de Londrina não é
diferente, e a investigação empírica permite constatar, inclusive, o crescimento dessa
atividade na cidade, tanto na região central quanto na periférica, o aumento de centrais16 de
moto-táxi se torna uma evidência. Além disso, é corriqueiro passar em frente a uma central e
ver alguma placa com a seguinte informação: precisa-se de moto-taxista. A pesquisa de
campo foi realizada com quarenta profissionais desta profissão. O questionário aplicado
objetivou mapear qual o perfil do moto-taxista e quais as características estruturais desta
profissão. Assim, para o presente trabalho, além das variáveis que permitiram decifrar o perfil
deste trabalhador e a estruturação desta atividade; destacam-se, nesse momento, aquelas
16
Central é o nome dado pelos motos-taxistas aos estabelecimentos que disponibilizam o serviço de moto-táxi. A central, basicamente, é um
local alugado por uma pessoa que oferece telefone, rádios, estrutura para que os moto-taxistas trabalhem. O moto-taxista, por sua vez, paga a
diária à pessoa que aluga o ponto e oferece toda a estrutura.
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relacionadas à saúde do trabalhador do moto-táxi. Desse modo, as variáveis como, por
exemplo, se já sofreu algum acidente de trabalho, intensidade dos acidentes envolvendo os
moto-taxistas, relação entre a intensidade do acidente e a paralisação do trabalho e se
desenvolveram alguma doença devido à profissão que realizam; são imprescindíveis, na
medida em que a paralisação da atividade representa, para tal trabalhador, a suspensão de seu
rendimento. Pois, na relação de trabalho estabelecida pelo profissional do moto-táxi está
isenta de direitos trabalhistas, embora a pesquisa indique que cinco entrevistas contribuam
com o INSS, amenizando, assim, os efeitos de qualquer adversidade advindas da profissão.
Por fim, são apresentados outros resultados obtidos na pesquisa que permitem visualizar o
grau de precarização que tais trabalhadores estão submetidos, uma vez que a ausência de uma
regulação trabalhista potencializa que tais profissionais extrapolam os limites, por exemplo,
da jornada de trabalho estabelecida pelo mercado de trabalho formalizado. Em suma, o estudo
de caso aqui apresentado corrobora com o debate sobre a precarização defrontada pelos
profissionais do chamado ―setor‖ informal, os quais têm a reprodução da sua força de trabalho
denegrida, na medida em que tal reprodução é interrompida diante infortúnio de um acidente
de trabalho ou o desenvolvimento de uma doença ocupacional.
METODOLOGIA
A pesquisa de campo foi realizada através da aplicação de um questionário
contendo trinta e uma questões objetivas e subjetivas, as quais auferiram dados essenciais à
compreensão da dinâmica da atividade do moto-taxi, em Londrina - Pr. A amostra foi
composta por quarenta profissionais dessa atividade, os quais estão associados a alguma
―central‖. Desse modo, procurou-se descobrir qual o perfil desse trabalhador, por exemplo,
estado civil, escolaridade, entre outros; além das características estruturais da atividade do
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moto-táxi: tempo de serviço, número de corridas, jornada de trabalho, dias da semana
trabalhado, tipos de serviços ofertados, mais aqueles relacionados à saúde deste trabalhador.
RESULTADOS
Entre os resultados obtidos através da aplicação do questionário sobre
quarenta profissionais do moto-táxi, em Londrina-Pr, nos importa, neste primeiro momento,
as questões relativas à saúde do profissional do moto-táxi. Em seguida explanaremos outras
características estruturais desta profissão. Assim, a problemática do risco de acidente de
trânsito na atividade do moto-táxi, torna-se imprescindível para tal análise, uma vez que a
literatura, especialmente na área da saúde, aponta esse elemento como inseparável dessa
profissão.
A relevância da problemática do risco de acidente de trânsito pode ser
observada através dos dados obtidos na pesquisa de campo, pois se procurou mapear, a partir
da percepção dos trabalhadores do serviço de moto-táxi, quais são os maiores riscos da
profissão, aquelas que vivenciam na sua cotidianidade. Entre os entrevistados, todos
apontaram o acidente de trânsito e o assalto como os maiores riscos dessa profissão.
Elementos que podem ser compreendidos como constitutivos dessa modalidade de profissão.
Portanto, na medida em que tais trabalhadores sofrem tais adversidades e têm por condição de
trabalho a ausência da proteção social e trabalhista, potencializa-se a precariedade de sua
atividade.
Nesse sentido, em um contexto de expansão da frota motociclista, com a
violência no trânsito aliada à utilização da moto como instrumento de trabalho de quase três
milhões de trabalhadores brasileiros, é que se faz necessário discorrer sobre as seqüelas
psicossociais que incidem sobre os profissionais do moto-táxi.
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A variável já sofreu algum acidente de trabalho é um dos aspectos
fundamentais para medir a dimensão da periculosidade, dos riscos que permeiam a atividade
de moto-táxi. Dentre os moto-taxistas que responderam positivamente a essa questão, a média
de acidentes sofridos é de 3,10 acidentes. Assim, o acidente de trabalho, particularmente o de
trânsito, constitui um elemento presente e que se manifesta na atividade de moto-táxi. Porém,
para compreender em que medida tal aspecto é nefasto para esses trabalhadores, deve-se
medir a intensidade dos acidentes. Esta variável permitirá enxergar se houve um período
longo de paralisação de suas atividades. Assim sendo, entre os dezenove moto-taxistas que já
se acidentaram, houve predominância de acidentes leves de menor proporção: nove casos;
sendo que os médios: oito casos, e graves: quatro casos. A questão do acidente se torna
relevante, na medida em que a atividade de moto-táxi não comporta, no caso de Londrina,
qualquer cobertura social e trabalhista, as quais poderiam ofertar alguma segurança para esses
trabalhadores, diferentemente dos casos daqueles que contribuem para o INSS.
Os efeitos decorrentes dos acidentes podem ser de ordem individual e
social, pois, além de incidirem no trabalhador as seqüelas fisiológicas do acidente,
socialmente têm um custo elevado, na medida em que sua unidade familiar se encontra
desamparada de qualquer benefício. Nesse sentido, sendo a renda obtida pelos moto-taxistas
ligada diretamente ao dia de trabalho, o fato de o acidente proporcionar uma situação de longo
período de paralisação de sua atividade implica, diretamente, a interrupção sumária de seus
rendimentos.
Os dados a seguir demonstram a média de tempo em que os trabalhadores
acidentados permaneceram sem trabalhar. Esses dados não obedecem a uma ordem
homogênea, uma vez que a relação entre o grau de intensidade dos acidentes e os dias em que
esses trabalhadores permaneceram sem trabalhar foi medida por meio da percepção de cada
trabalhador, e não através um parâmetro médico. Assim, para os acidentes leves houve um
tempo de paralisação de um a sete dias; nos médios de uma semana até um ano e, por fim, nos
graves de dois meses até um ano.
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Desta maneira, as implicações de um acidente médio ou grave, o qual pode
impedir que o trabalhador realize sua atividade por alguns meses, são de extrema
perversidade, pois, na medida em que é eliminada parte dos rendimentos dessa família, o
patamar de vida dela se torna prejudicado. Além disso, a convivência entre os familiares deve
se tornar conturbada, cada vez que o tempo passa e não ocorre à volta do moto-taxista à sua
atividade. Em suma, a sociabilidade desse acidentado torna-se degradada, na medida em que a
sua inatividade resulta em dificuldades de ordem financeira e familiar.
Outra variável mensurada e que pode caracterizar a atividade de moto-táxi
diz respeito ao fato de que se esses trabalhadores já desenvolveram alguma doença devido à
profissão que realizam. Porém, pensamos que, devido a algum receio em dar a resposta, ou
alguma outra implicação, os dados indicaram que, no interior da amostra pesquisada, apenas
um trabalhador disse ter desenvolvido alguma doença devido à profissão realizada, sendo ela
queimadura de pele. Entre os outros trinta e nove entrevistados, nenhum respondeu
positivamente.
Observa-se, a partir da pesquisa empírica, que as questões relativas à saúde
do moto-taxista são de suma importância, pois tanto o acidente de trânsito, quanto a doença
ocupacional, em número menor, incide na paralisação imediata de sua profissão. Esse fato
tem por desdobramento a ausência de seu rendimento, uma vez que ele não está protegido sob
uma legislação trabalhista, assim impulsiona a precarização de reprodução social.
Não obstante a problemática relativa à saúde do trabalhador do moto-táxi,
outras características estruturais ilustram o grau de precarização que tais profissionais estão
submetidos, por exemplo, a jornada de trabalho.
Nesse sentido, um aspecto fundamental para se pensar as condições de
trabalho vivenciadas pelos motos-taxistas refere-se à jornada de trabalho, uma vez que esse é
um elemento que, dependendo da sua extensão, revela a dimensão da precariedade a que está
submetido o moto-taxista.
A atividade do moto-táxi é um empreendimento que, além de se configurar
por ser uma atividade não tipicamente capitalista, ocorre, em geral, sem a devida proteção
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social ao trabalhador. Isto faz com que os limites físicos do trabalhador moto-taxista sejam,
por vezes, extrapolados, assim como suas condições psicológicas.
Os dados obtidos acerca desta variável indicam uma preponderância de
trabalhadores que excedem a jornada de trabalho estabelecida por lei. Dos quarenta
entrevistados, 34 deles, ou seja, 85% desses profissionais realizam uma jornada de trabalho
superior a dez horas diárias. Portanto, extrapolam, de maneira significativa, a legislação
vigente.
Objetivando aferir o grau de precarização da força de trabalho em questão,
os dados, sobre a quantidade de dias da semana em que esses trabalhadores executam essa
exaustiva jornada de trabalho, revelam que há o predomínio de seis dias trabalhados, embora
20% dos entrevistados trabalhem a semana completa. Desse modo, à luz dessas duas variáveis
supracitadas, jornada de trabalho e dias da semana em que trabalha, constata-se a dimensão
da precariedade que envolve tal atividade, pois, além de excederem os limites impostos pela
legislação trabalhista a respeito da jornada de trabalho, 20% desses trabalhadores não gozam
de, sequer, um dia de descanso.
Na medida em que parâmetros da formalidade do trabalho se fazem ausentes
na atividade do moto-táxi, em Londrina, pode-se compreender a submissão desses
trabalhadores às condições de trabalho a eles apresentadas. Esses dados nos apresentam não
uma escolha por parte desses profissionais, mas, sim, um engajamento preciso para que eles
almejem o mínimo necessário para a reprodução de suas forças de trabalho e sustento de suas
famílias.
Com vistas a analisar a intensificação da força de trabalho dos mototaxistas, a variável a seguir, média de corridas realizadas por dia de trabalho, poderá
contribuir para elucidar esse aspecto.
A pesquisa indicou que dezessete moto-taxistas realizam em média 6 a 10
corridas; treze realizam entre 11 e 13 corridas; seis de 14 a 15 e quatro realizam entre 16 a 20
corridas.
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Comparando esses dados com a extensão da jornada de trabalho realizada
por esses trabalhadores, temos a proporção de uma corrida por hora trabalhada. Portanto,
aparentemente, o ritmo de trabalho executado pelos moto-taxistas não é dos mais intensos,
algo que diverge da profissão do motoboy17.
Assim sendo, a permanência desses
trabalhadores nas centrais pode superar dez, doze horas diárias, porém, não necessariamente
corresponde à execução de sua atividade. Isto é, a permanência desses trabalhadores nas
centrais, em muitos casos, pode significar ―trabalho morto‖, desperdiçado, pois, nesse tempo,
sua força de trabalho não é posta em atividade.
No entanto, a remuneração recebida pelos moto-taxistas é proporcional à
quantidade de corridas realizadas por dia de trabalho. Assim, o moto-taxista é compelido a
permanecer o maior tempo possível nas centrais à disposição de ser chamado para a
realização de uma corrida. Portanto, nessa profissão, ocorre a extensão da jornada de trabalho,
na medida em que sua remuneração varia de acordo com a quantidade de corridas executadas.
Assim, sua permanência nas centrais é estendida no sentido de auferir uma maior proporção
corrida/dia, mesmo que isto exprima uma jornada de trabalho superior aos padrões vigentes.
Caminhando com a análise, a fim de expressar os elementos que incidem na
precarização dessa força de trabalho, a variável a seguir, realização de mais de uma atividade
profissional durante o dia ou a semana, apresentará o grau de exploração desses
trabalhadores, além de permitir enxergar quais são os alcances dessa profissão, no que diz
respeito à remuneração.
No interior da amostra consultada, trinta e três responderam não possuir
mais de uma atividade profissional durante o dia ou a semana, e apenas sete disseram que sim.
Alinham-se, como atividades desempenhadas pelos entrevistados, as seguintes: segurança de
farmácia e eventos, entregador de pizza, produção e supervisor de montagem.
Dentre esses trabalhadores, cinco possuem uma jornada de trabalho, no
moto-táxi, com média de 8 a 9 horas por dia, e dois realizam jornada de 12 a 13 horas.
17
Motoboy é aquele motoqueiro que realiza entregas rápidas e, predominantemente, de pequenas mercadorias, por exemplo, comida, peças,
documentos, remédios, etc. Geralmente, a quantidade de entregas a ser realizadas por esses trabalhadores, além do tempo de cada entrega,
faz com que o ritmo de trabalho se torne extremamente intenso.
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Assim, tais trabalhadores, na medida em que buscam conjugar mais de uma atividade
profissional, excedem a jornada de trabalho legal de maneira impressionante e, por
conseguinte, vivenciam a precarização de sua força de trabalho.
A despeito das atividades paralelas que esses trabalhadores dizem executar,
observa-se que elas requerem níveis de escolaridade e de instrução mínimos. Portanto,
verifica-se que a baixa qualificação da força de trabalho desses trabalhadores faz com que eles
permaneçam em postos de trabalhos inferiores, com baixos rendimentos, e que não consigam
se desvencilhar de atividades ―informais‖.
A variável quanto você ganha “livre” com seu trabalho por mês é
imprescindível para ser analisada, uma vez que o rendimento obtido pelos moto-taxistas pode
ser caracterizado como sendo um dos elementos fundamentais no engajamento desses
trabalhadores nessa atividade. No entanto, deve-se ressaltar que não é nossa intenção explicar,
de modo mecânico, a adesão desses trabalhadores a tal atividade por meio da renda auferida
por eles.
Os dados auferidos por meio da pesquisa constataram que a renda livre
obtida por mês foi para treze profissionais de menos de R$ 1.000,00; para doze foi entre R$
1.000,00 a R$ 1.200,00; nove entre R$ 1.300,00 a R$ 1.500,00 e para três moto-taxistas mais
de R$ 1.500,00. Portanto, o rendimento médio auferido na atividade de moto-táxi é de R$
1.139,46, sendo que o menor valor respondido foi de R$ 550,00 e o maior, R$ 2.500,00.
Desse modo, aliado ao tipo de família que esses trabalhadores possuem, além de suas queixas
a respeito dos rendimentos ofertados pelo mercado formal, torna possível compreender que a
relação escolaridade/rendimento constitui um elemento propulsor à inserção desses
trabalhadores nessa atividade. Pois, como é sabido que a instrução desses profissionais é
baixa, a possibilidade de eles galgarem um posto de trabalho, no mercado formal, com
rendimentos mais elevados, é praticamente nula. Portanto, a possibilidade de auferir uma
renda maior e que possibilite a aquisição das condições mínimas de sobrevivência faz com
que tais trabalhadores se mantenham nessa profissão.
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O presente trabalho procurou analisar um fenômeno que está presente de
maneira abrangente nas relações de trabalho capitalista, a informalidade. Assim, tomamos por
objeto de estudo a atividade do moto-táxi, na cidade de Londrina, estado do Paraná. Tal
pesquisa permitiu mapear o perfil deste profissional e as principais características que
estruturam esta profissão. Desse modo, os resultados alcançados ilustraram que a condição de
informalidade, ou seja, a ausência do contrato formal entre empregador e empregado,
potencializa a precariedade das condições de trabalho que tais trabalhadores estão submetidos.
Assim, os dados sobre a jornada de trabalho apresentam o modo como são rejeitados, tantos
pelos empregadores e empregados, os direitos trabalhistas vigente. Essa situação de
informalidade se torna cada vez mais um complicador, na medida em que na atividade do
moto-táxi, o risco de acidente de trânsito é uma constante. E dependendo da intensidade do
acidente, a paralisação da atividade, que garanta a renda deste trabalhador, sendo aumentada
implica em uma deteriorização da vida social deste profissional. Pois, seus rendimentos são
cortados de maneira sumária e, por conseguinte, o seu sustento se torna uma incógnita. Desta
maneira, o presente estudo de caso abre caminho sobre o debate da formalização das relações
de trabalho do profissional do moto-táxi, uma vez que devido ao grau de periculosidade que
permeia está profissão, se faz necessário pensar as medidas necessárias para a proteção social
deste profissional.
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PROJETO DE SAÚDE MENTAL COM TRABALHADORES DA LIMPEZA E
SERVIÇOS GERAIS EM UMA UNIVERSIDADE PRIVADA BRASILEIRA
SILVA, R. A.;
Curso de Psicologia da Universidade Anhembi Morumbi
TAVARES, S. M. G.;
Universidade de São Paulo (USP)
[email protected]
INTRODUÇÃO
O objetivo geral deste trabalho foi realizar intervenções breves a partir de
demandas em saúde mental identificadas por meio de um diagnóstico situacional. A partir do
conhecimento sobre as condições de trabalho e a situação de saúde mental dos colaboradores
da limpeza e serviços gerais, vinculados à organização estudada foi possível determinar
eventuais demandas em saúde mental relacionadas à prática profissional e afinar as
intervenções a serem realizadas.
O projeto foi desenvolvido como atividade de estágio curricular obrigatório
em Saúde do Trabalhador para graduação em psicologia e a supervisão foi feita dentro da
abordagem junguiana corporal.
Nos últimos 20 anos, o mercado profissional vem sofrendo muitas
mudanças, tais como: altos padrões de exigência em termos de qualificação e qualidade
profissional e metas de avaliação focadas no desempenho individual. Somam-se a esse fato as
alterações psicossociais nas condições de vida em geral, sendo identificadas cada vez mais
demandas psíquicas vinculadas às atividades profissionais tais como estresse em altos níveis,
transtornos de ansiedade, entre outros. Dessa forma, os psicólogos têm atuado também com
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este foco tanto em nível de promoção de saúde quanto na prevenção e recuperação da saúde
mental no ambiente de trabalho.
A universidade pesquisada terceiriza a prestação de serviço de limpeza,
manutenção predial, segurança e jardinagem. A parceria entre universidade e empresa
terceirizada iniciou-se em abril de 2009 com a meta de que o serviço de facilidades
(Facilities) melhorasse consideravelmente e que a universidade reduzisse os custos gerais
com manutenção predial em 10%. Dessa forma, ao assumir o contrato a empresa deparou-se
com vários desafios como precariedade das instalações de alguns campi e baixa aprovação
dos alunos com relação aos serviços prestados. Os profissionais selecionados para participar
do projeto foram os atuantes no setor de limpeza e serviços gerais. As atividades ocorreram
em dia e horário pré-acordados com empresa, sendo, portanto, critério de exclusão os
profissionais que atuavam em horário diferente do proposto.
A empresa terceirizada é uma multinacional com vasta experiência em
prestação de serviços de facilidades e dispõe de uma equipe exclusiva para gerenciar o
contrato da universidade. São seis profissionais que ficam baseados em dois diferentes campi,
e um gerente de projeto que responde diretamente a diretoria da universidade. Tanto o setor
de limpeza quanto o de serviços gerais contam com um supervisor. Dentro do grupo de
profissionais da limpeza há ainda a subdivisão de cargos entre faxineiros e copeiros. Os
faxineiros são divididos em pequenos grupos responsáveis pela limpeza das salas de aula,
banheiros, corredores e áreas comuns dos prédios. Os copeiros atuam nas salas da
administração da universidade, sala dos professores e reitoria. A empresa fornece material de
trabalho como uniformes, luvas, material de limpeza, ferramentas para jardinagem, entre
outros. Não existe a realização de atividades específicas na área de saúde do trabalhador,
apenas os exames médicos obrigatórios.
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METODOLOGIA
Inicialmente realizou-se uma entrevista com o gestor da área de facilidades
da universidade, com o intuito de mapear o campo de trabalho, compreender as expectativas e
solicitar autorização de acesso e início dos trabalhos.
O projeto previu a realização de anamneses ocupacionais em grupos
formados por profissionais pré-selecionados pela empresa terceirizada. Todos os profissionais
participantes assinaram um termo atestando seu consentimento para participar livremente do
projeto bem como explicitando o caráter científico do mesmo e as questões relacionadas à
ética e sigilo. As anamneses tiveram finalidade diagnóstica para levantamento da história
ocupacional e de demandas em saúde psíquica. Utilizou-se também um roteiro de
identificação que foi aplicado individualmente.
Ao todo foram entrevistados 19 profissionais em três grupos de anamnese
ocupacional, sendo 13 profissionais da limpeza, dois jardineiros e quatro auxiliares de
serviços gerais. As idades variaram entre 19 e 57 anos. Todos os profissionais da limpeza
eram mulheres e os demais, homens. O grau de escolaridade variou entre a terceira série do
ensino fundamental e ensino médio completo.
Dentre os principais pontos encontrados nas anamneses, pode-se citar:
• 78% alegaram não gostar de sua profissão;
• Todos elogiaram a empresa em que atuam nas questões trabalhistas
e na pontualidade dos pagamentos de salários e benefícios;
• Todos elogiaram o contato com a chefia, dizendo sentirem-se à
vontade para relatar problemas e reivindicar qualquer alteração;
• 98% dos profissionais alegaram que sua condição profissional
poderia ser melhorada por aumento de salário ou benefícios.
Contudo, demonstraram entender que a questão salarial e os
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benefícios estão atrelados ao contrato que a empresa tem assinado
com a universidade;
• Apenas um profissional mencionou ter planos para deixar a função
e abrir o próprio negócio. É o profissional que apresenta o maior
nível de instrução entre os entrevistados.
• 100% dos profissionais alegaram sentirem-se desrespeitados pelos
alunos e discriminados no exercício de suas funções;
• 75% dos profissionais relataram não ter uma boa qualidade de
sono.
Os profissionais exemplificaram alguns dos atos realizados pelos alunos e
classificados por eles como ―falta de respeito‖ ao seu trabalho, tais como:
• Urinar no chão do banheiro masculino.
• Urinar fora do vaso sanitário no banheiro feminino.
• Subir no vaso sanitário e urinar em pé, sujando o local, no banheiro
feminino.
• Jogar lixo fora do cesto nos banheiros.
• Jogar cigarros e lixo nos jardins e nas calçadas da universidade
mesmo com a presença dos profissionais no local, realizando a
limpeza.
• Jogar restos de cigarro no chão dos corredores mesmo com a lei da
proibição do fumo em locais públicos.
Dois pontos presentes nos relatos durante a aplicação das anamneses
chamam a atenção: a questão do sentimento de humilhação social e da baixa qualidade do
sono. Ambos relacionam-se ao aumento do sofrimento psíquico.
Frequentemente existe uma relação de ansiedade com insônia, ou seja,
ansiedade levando à insônia e as noites mal dormidas gerando ansiedade na hora de ir para a
cama. O ansioso geralmente leva maior tempo para adormecer e quando consegue pode
apresentar muitos despertares no decorrer da noite.
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Além da insônia também consideramos a angústia gerada a partir da questão
da humilhação pela desigualdade social como fator agravante do estado de saúde mental do
indivíduo. No relato de uma profissional da limpeza, surgiu a alegação de que comumente é
percebido por ela um comportamento descrito como ―nojo dos alunos em relação a ela‖
sempre que a profissional tomava o elevador para levar o lixo para fora da universidade.
Segundo ela, quando notavam sua presença no elevador com o lixo, os alunos que antes
ensaiavam adentrá-lo davam meia-volta e retornavam para o saguão de espera. Ao ser
questionada sobre a razão do ―nojo‖ ser em relação a ela ou ao lixo, após pensar por alguns
instantes, ela concluiu que se tratava de ―nojo― em relação ao lixo.
Como resultados dos relatos das anamneses concluiu-se que tanto a questão
da baixa qualidade do sono quanto da humilhação social são demandas importantes para
saúde psíquica destes profissionais.
O plano de intervenção foi colocado em prática como recurso para melhora
do quadro de saúde psíquica dos participantes, tendo como foco as demandas psíquicas acima
citadas. Foram realizados dois encontros, primeiramente para a realização da intervenção
psíquica e posteriormente para devolutiva e fechamento do projeto.
Durante o primeiro encontro duas atividades foram propostas aos
participantes. A primeira, visando a investigação dos aspectos relacionados principalmente ao
sentimento de humilhação e sofrimento psíquico associados à atividade laboral, solicitou-se
que o grupo fosse dividido em dois subgrupos e realizassem desenhos de pessoas trabalhando:
o primeiro grupo um desenho de uma pessoa feliz e o segundo de uma pessoa triste no
trabalho. Após o término dessa atividade foi realizada a segunda parte da intervenção, o
ensino de uma prática de respiração denominada ―Prática de Respiração Natural Completa‖.
Essa atividade visou informar aos profissionais os benefícios em praticar-se corretamente a
respiração completa, e promover relaxamento e consequentemente queda nos níveis de
ansiedade. Visou também mostrar-lhes uma prática de relaxamento que fosse de fácil acesso e
sem contraindicações médicas.
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A prática da respiração natural completa é amplamente utilizada por
praticantes do Yôga como aliado ao combate a quadros de ansiedade e estresse. O tipo de
respiração que o Yôga preconiza para o aumento da flexibilidade respiratória é a que utiliza
toda a área pulmonar, empregando a musculatura abdominal e torácica como coadjuvante, ao
invés de aproveitar apenas o diafragma como faz o homem ocidental. Durante o exercício da
atividade, alguns participantes emocionaram-se.
O segundo encontro foi utilizado para a realização da devolutiva sobre os
trabalhados realizados anteriormente. A devolutiva foi dividida em duas partes: durante a
primeira parte comentou-se os aspectos importantes presentes nos desenhos da pessoa feliz e
da pessoa triste no ambiente de trabalho. A segunda parte teve a intenção de finalizar o
projeto deixando aos participantes um símbolo que trouxesse acolhimento emocional. Dessa
forma, realizou-se uma breve apresentação sobre o conceito de mandalas e seu uso terapêutico
para relaxamento e meditação.
RESULTADOS
Considerando a presença de aspectos emocionais relevantes na atividade dos
desenhos, ressaltou-se aos participantes aqueles aspectos com maior significação psíquica.
Apesar de ter sido solicitado que os desenhos fossem realizados em grupo e de forma única, o
grupo do desenho da pessoa feliz optou em realizar vários pedaços de desenhos, cada um em
um canto da cartolina. Isso sugere a ideia de que não se trata de um grupo integrado. O
desenho apresentava várias cores, denotando conter vida, felicidade. Mas em nenhum lugar do
mesmo nota-se uma pessoa trabalhando. São cenas de felicidade num contexto fora do
ambiente profissional, o que sugere que o grupo não encontra felicidade e prazer no
desempenho de sua função laboral. Outro aspecto importante é a presença de uma macieira no
canto superior esquerdo, repleta de frutos. Isso pode representar as inúmeras potencialidades
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que o grupo tem, e que estão prontos a colocar em prática, mas não encontram espaço dentro
da atual profissão. Não observa-se portanto a presença de grande satisfação deste grupo na
execução de suas atividades profissionais.
Com relação ao desenho da pessoa trabalhando infeliz nota-se um sinal de
unicidade entre o grupo, que conseguiu realizar um desenho único. Contudo, é um desenho
que traz uma imagem muito grande de um trabalhador comparado ao desenho bastante
pequeno dos utensílios de trabalho no lado direito do desenho (vassoura, escovão, carrinho,
etc). Isso remete à ideia de que o trabalho não é valorizado, posto que, encontra-se numa
situação de menos valia em relação ao trabalhador. O desenho é pouco colorido, com exceção
de predomínio de cor no corpo do trabalhador desenhado, com ênfase para as partes íntimas e
a região dos seios. No canto inferior direito vê-se um desenho de ―uma chefe dando bronca na
funcionária‖, e o braço com dedos imensos, também remete a uma situação de autoritarismo
exacerbado. No canto inferior esquerdo são representados dois funcionários bem pequenos,
ressaltando ainda mais os aspectos de menos valia e sentimentos de inferioridade que esse
grupo compartilha, conforme já mencionado.
O grupo recebeu com bastante atenção as informações passadas acima e
também foi colocada a questão da humilhação social de forma que eles pudessem
compreender a relação desta situação com questões mais amplas relacionadas à juventude
contemporânea e perceber que a falta de respeito e os desvios éticos não se restringem nem ao
ambiente universitário, nem aos funcionários da limpeza, atingindo a todos, embora em
diferentes graus e de formas diversas, inclusive professores. O grupo ouviu o comentário com
atenção.
A apresentação sobre mandalas contou com grande atenção e interesse por
parte dos participantes, que realizaram comentários em quase todas as fotos de mandalas
apresentadas. A proposta foi convidá-los a exercitar o relaxamento e a introspecção
desenvolvendo o hábito de colorir mandalas. Mostrou-se um livro de uso pessoal da estagiária
com desenhos de mandalas para colorir e sua experiência como praticante dessa atividade.
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Ao final, os colaboradores foram convidados a experimentar em seus
momentos de lazer a realização dessa atividade e cada participante recebeu um livro e uma
caixa e lápis de cor.
A análise dos resultados baseou-se na análise fenomenológica dos eventos
observados na relação com os participantes antes, durante e após a intervenção. Entende-se
que o objetivo de identificar possíveis demandas psíquicas e intervir pontualmente foi
plenamente atingido. O projeto não enfrentou grandes dificuldades para ser implementado,
apenas alguns problemas em relação à divulgação das datas pela empresa terceirizada, o que
culminou na ausência de alguns participantes durante a intervenção e devolutiva. Acredita-se
dessa forma que há espaço para melhorar essa organização, nas próximas etapas do projeto.
Apesar dos participantes desse projeto verbalizarem a necessidade de ajuda
técnica em relação às condições de trabalho, como salários e benefícios, receberam de forma
positiva a intervenção sobre aspectos psicológicos. Os relatos dos participantes após o término
do projeto apontam uma tendência de intensificação dos momentos de descontração e
relaxamento nos intervalos das atividades profissionais utilizando recursos complementares
como a prática artística para ampliação da consciência.
Dentre os benefícios trazidos pela prática relatados pelos participantes
destacam-se a possibilidade de realização das atividades de relaxamento durante o percurso
rumo ao trabalho, a valorização do acesso ao conhecimento através da apresentação sobre
mandalas e o sentimento de aumento da relevância de sua atividade profissional.
Os profissionais finalizaram seus relatos verbalizando um sentimento de
terem sido ―percebidos‖ enquanto indivíduos e profissionais.
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INTERCORRÊNCIAS ENTRE A PERCEPÇÃO DOS EMPREGADOS E A
FRAGMENTAÇÃO DO TRABALHO A PARTIR DE MODELO ADMINISTRATIVO
EM UNIDADES DE SERVIÇO: UM ESTUDO DE CASO
MOYSES, I. M.;
GUEDES, O. de S.;
Departamento de Serviço Social da Universidade Estadual de Londrina (UEL)
[email protected]
INTRODUÇÃO
Este artigo, elaborado através de revisão bibliográfica e documental, referese aos resultados parciais da pesquisa de iniciação científica em andamento e aspectos
teóricos construídos para a elaboração de trabalho de conclusão de curso em Serviço Social na
Universidade Estadual de Londrina. O interesse pela temática abordada nasceu do
necessidade em buscar subsídios teóricos para interpretar situações identificadas ao longo de
um ano de estágio na Companhia de Saneamento do Paraná – Sanepar: a falta de integração
entre as equipes de trabalho e a fragmentação do processo produtivo organizado para o
tratamento da água. A referência à integração nesta pesquisa se dá a partir de uma perspectiva
crítica; ou seja, não se refere à coesão da equipe com vistas ao cumprimento de metas que não
são percebidas pelos sujeitos do processo de trabalho, sem a preocupação com os processos de
alienação que dela decorrem. Ao contrário, interpreta-a como uma das mediações da
alienação constitutiva do processo de trabalho.
A partir destas referências, a crítica marxiana no que tange à alienação no
processo de trabalho e a observação das dificuldades de integração entre as equipes de
trabalho na Sanepar, observa-se a não identificação dos funcionários da empresa como
membros de uma mesma equipe que em cooperação presta um serviço fundamental a uma
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dada comunidade. Elege-se, então, como objeto de pesquisa, as intercorrências entre a
percepção que os funcionários tem sobre sua inserção na empresa e a fragmentação do
modelo administrativo dessa empresa. Na análise destas intercorrências, a pesquisa delimitase a compreender a alienação que se traduz como não reconhecimento, por parte de diferentes
equipes de funcionários da empresa, de que elas são constitutivas desta prestação de serviços.
METODOLOGIA
A presente pesquisa apresenta uma abordagem de natureza qualitativa.
Iniciou por uma revisão documental e bibliográfica a respeito da Companhia de Saneamento
do Paraná para compreender a base da fragmentação das equipes através da análise da
estrutura organizacional da empresa. Caracteriza-se como um estudo de caso, uma vez que
parte da análise da trajetória de uma empresa que, na sua consolidação, fragmenta, em
unidades diversas, os serviços que concorrem para a prestação dos serviços que oferece à
comunidade. Dessa forma, abordará a empresa e sua estrutura organizacional; objetiva
levantar elementos para compreensão dessa estrutura e a sua fragmentação em equipes, fato
apontado pelos funcionários como fator negativo no desenvolvimento de suas atividades
profissionais.
Realizou-se, também, uma revisão bibliográfica sobre a alienação em sua
tradução marxiana. Considera-se que o que os funcionários traduzem como falta de integração
entre as unidades e que reclamam como um aspecto negativo, pois leva a desvalorização do
trabalho que desenvolvem é, na verdade, uma das formas de alienação inerente ao processo
produtivo no modo de produção capitalista. A partir desta premissa, referencia-se sobre as
relações construídas no processo de trabalho e da alienação a elas inerente.
Após este segundo percurso, retoma-se o objeto da pesquisa, a
intercorrência entre a percepção dos funcionários e a fragmentação das atividades a partir do
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modelo administrativo da empresa; bem como a análise da alienação, categoria central para
análise das conseqüências dessa intercorrência. Encontra-se, em realização uma pesquisa de
campo qualitativa com a colaboração de um sujeito de cada unidade de prestação de serviços
da empresa que ora se amabaliza, mediante uma entrevista semiestruturada; com o objetivo de
identificar aspectos da alienação presentes nessas intercorrências.
RESULTADOS
A Sanepar adota um modelo administrativo que divide a empresa em
Unidades de Serviços. Cada unidade de serviço é independente uma da outra e cada área de
atuação tem uma forma própria de desenvolver o trabalho. A empresa em Londrina possui as
unidades que fazem a administração dos sistemas de água e esgoto do município e também os
postos avançados de Unidades que tem sede em Curitiba, capital do Estado e sede da empresa.
Esse modo de gestão faz com que as relações entre as equipes de trabalho apareçam sob a
forma de diversas empresas e não em um sistema de cooperação.
Assim, o funcionário da Sanepar, ao não situar o trabalho que desenvolve
como parte de organização do trabalho em sistema de cooperação, tende a não compreender a
dimensão deste sistema na unidade em que está alocado. Dessa forma, caminhar para o
mesmo objetivo e se sentir realizado no trabalho desenvolvido pela empresa – o tratamento da
água e esgoto – torna-se distante de seu horizonte profissional. Essa situação foi percebida,
dentre outros momentos, durante a realização do Diagnóstico Institucional da empresa,
através de relatos de funcionários que vivenciam essa falta de integração. Nessa atividade
institucional da empresa os funcionários expõem opiniões e sugestões para o aprimoramento
da Sanepar e dentre elas destacam o distanciamento entre as equipes de trabalho das suas
Unidades.
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A cooperação constitutiva das relações entre os funcionários dessa empresa,
não factível pela alienação constitutiva das relações de produção na sociabilidade capitalista,
agrava-se por sua realização em um modelo administrativo fragmentado de tal forma que não
permite aos funcionários situar o trabalho que desenvolvem dentro de uma estrutura de
prestação de serviços que tem como finalidade atender a comunidade. Lotados em equipes
distantes, os funcionários não se reconhecem como parte de uma mesma empresa e não
situam o trabalho que desenvolvem no fruto do trabalho que dela decorre. Tendo ciência de
aspectos desta análise marxiana e inserida numa equipe de recursos humanos dessa
organização, impõe-se a necessidade: observar os níveis de alienação que estão presentes no
não reconhecimento dos funcionários desta organização como sujeitos sociais prestadores de
serviços que concorrem para um mesmo objetivo: coleta e tratamento de água e esgoto, o que,
aliás, é de grande valor para toda a sociedade. Para tal análise é que se propõe, na
continuidade desse trabalho, uma pesquisa qualitativa com a utilização do instrumento:
entrevista semi-estruturada, com funcionários das diferentes unidades da empresa alocados
em Londrina.
BIBLIOGRAFIA
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CONTRADIÇÕES DA TEORIA DO “TRABALHO IMATERIAL” NO CASO DAS
RELAÇÕES DE TRABALHO NO SETOR DE TELEATENDIMENTO (CALL
CENTERS)
MARCELINO, F.18;
MALATESTA, S.19;
Universidade Federal do Paraná (UFPR)
[email protected]
INTRODUÇÃO
Para os teóricos do ―trabalho imaterial‖, como consequência da crise do
Fordismo, o capitalismo teria entrado numa fase de profundas transformações na divisão do
trabalho e na modalidade de valorização do capital. Uma nova forma social estaria se
desenvolvendo, os chefes não seriam mais chefes e a tecnologia passaria ser a força produtiva
essencial para a sociedade pós-industrial. É para atentar para os limites desta visão que
escrevemos este artigo, problematizando este entendimento pelas formas do trabalho de
teleatendimento ou Call Centers que expressam a condição contraditória desta atividade ao se
encontrar imersa na realidade tecnológica de intenso fluxo informacional ao mesmo tempo em
que está bem longe das promessas pós-fordistas reverberadas pelos ideólogos da sociedade de
informação apresentando novas formas de subordinação do trabalho ao capital.
A partir do fim dos anos 1960, o processo de reestruturação produtiva
impulsionou no centro capitalista uma relativa diminuição dos empregos no setor industrial
fabril por meio do desenvolvimento crescente da produtividade e da intensificação do trabalho
diminuindo, cada vez mais, a participação dos operários manuais no processo de produção de
18
19
Graduado em Relações Internacionais e mestrando em Ciência Política pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Graduada e mestranda em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
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mercadorias. Ocorre nesse processo um aumento das atividades dotadas de maior dimensão
intelectual, quer nas atividades industriais mais informatizadas, quer nas esferas
compreendidas pelo setor de serviços ou nas comunicações, entre tantas outras. Esses
fenômenos trouxeram diferentes apreensões sobre o papel do trabalho, da informação e da
tecnologia na sociedade contemporânea. Neste debate, a ―escola do trabalho imaterial‖
defende que a aceleração da tendência do capital de retirar do processo de produção um
grande número de trabalhadores representa uma forma de ―libertação‖ do trabalhador do
processo de trabalho abrindo o terreno para a expansão do ―trabalho imaterial‖ que envolve
serviços e informações. Com o surgimento das novas tecnologias da informação, das redes
telemáticas, da microeletrônica, etc. as fronteiras entre o trabalho manual e intelectual
desapareceriam deixando a ―subsunção real do trabalho‖ num passado remoto. A chamada
―sociedade pós-industrial‖ seria o sinônimo dessas mutações que apontariam em direção à
hegemonia do trabalho imaterial e do ―capitalismo cognitivo‖. Nesta nova situação, a
atividade cognitiva, caracterizada como a manipulação de informações, torna-se o fator
essencial na criação de novas relações sociais libertadas do controle capitalista além do
trabalhador se re-apropriar de seus instrumentos de trabalho pelo uso de computadores,
internet e telefonia digital.
Entretanto, quando analisamos o trabalho dos teleoperadores dos Call
Centers, que tipo de ―trabalho imaterial‖ está em jogo? Os Call Centers fazem parte do
trabalho imaterial emancipado das redes flexíveis de informação pós-fordistas ou representam
novas formas de expropriação da subjetividade do trabalhador profundamente ligadas com as
inovações tecnológicas e gestões autoritárias de empresas que degradam o ―trabalhador pósfordista‖? Como as atividades dos teleoperadores apontam os limites da ―teoria do trabalho
imaterial‖ e seus postulados básicos?
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MÉTODO
Este artigo trata de uma pesquisa bibliográfica sobre os elementos que
fornecem um embasamento ativo para o estudo das atividades laboriais do setor de
teleoperadoras e suas novas formas de subordinação ao capital. Estes elementos corporificam
pressuposições distintas em relação à recente teoria do trabalho imaterial e procuram avançar
no entendimento sobre os limites desta teoria na apreensão dos processos que envolvem a
imaterialidade da precarização das teleoperadoras. Este tipo de estudo justifica-se por
contribuir aos estudos contemporâneos sobre o trabalho e, ao mesmo tempo, desmistificar o
modo fetichizado com que o trabalho imaterial é entendido pelos autores desta escola teórica
considerando as condições de trabalho capitalista que estão se desenvolvendo pelos Call
Centers do Brasil. Por abarcar inúmeras tendências e, principalmente, contradições e
ambivalências ensejadas, essa atividade traz consigo uma possibilidade ímpar de análise de
algumas das inúmeras transformações da economia nos últimos anos, em especial a ampliação
do caráter informativo do trabalho.
RESULTADOS
Diversos autores, ao refletir acerca da configuração econômica atual,
apontam o domínio do processo de pós-modernização econômica ou de informatização, isto
é, um novo paradigma econômico marcado pela preponderância dos serviços na economia. A
inserção neste novo paradigma foi resultado de um processo de reestruturação produtiva, da
passagem do fordismo ao pós-fordismo. A partir de diversas rupturas com a base teórica
marxiana, se constitui a partir desta máxima a ―escola do trabalho imaterial‖ que busca
fornecer um novo material teórico para explicar o ―novo‖ tipo de trabalho no capital: o
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trabalho que não produz uma mercadoria palpável, material, mas tem como resultado um
serviço, uma informação etc. Nos seus apontamentos, a teoria marxiana foi declarada
defasada em muitos de seus elementos centrais, pois o trabalho fabril estaria sendo substituído
por outras formas de produção, em especial a produção comandada pelo trabalho imaterial.
Autores da ―escola do trabalho imaterial‖ argumentam que estaríamos
vivendo sob a perda total de substância da lei do valor devido à necessidade de gastar menos
força de trabalho para produzir mercadorias e que a ―valorização‖ das mercadorias depende
cada vez mais da ―informação‖ contida e passada por elas. O conhecimento recobriria uma
grande diversidade de capacidades heterogêneas. Não se trata de ter um trabalho cujo valor é
uma medida de um tempo homogêneo, que é medido em horas. Esse é um trabalho que não
tem uma medida comum, ele é julgamento, intuição, senso estético, nível de formação e
informação, faculdade de aprendizagem e adaptação a situações imprevistas. São
heterogeneidades de atividades ditas cognitivas, que formam o capital imaterial do trabalho. O
trabalho deixa de produzir hegemonicamente mercadorias palpáveis e materiais e passa a ter
como resultado um serviço, uma informação etc. Nesta etapa produtiva, os fatores que
gerariam valor seriam o ―componente comportamental‖ e a ―motivação‖, e não o dispêndio de
tempo de trabalho. O que conta no mundo capital humano seriam as qualidades de
comportamento, as qualidades expressivas e imaginativas, o envolvimento pessoal nas tarefas.
Nesta linha, dois elementos constitutivos da hegemonia do trabalho
imaterial seriam: 1) a independência da atividade produtiva em face à organização capitalista
de produção devida à força de trabalho social e autônoma pós-fordista capaz de organizar o
próprio trabalho e as próprias relações com a empresa e 2) o processo de constituição de uma
subjetividade autônoma ao redor da ―intelectualidade de massa‖ já que o trabalho imaterial
não se reproduz na forma de exploração, mas na forma de reprodução da subjetividade. O
controle capitalista seria agora puramente formal: seria o trabalho que definiria o capitalista e
não o contrário. Nas fábricas pós-fordistas os sujeitos produtivos se constituem de modo
independente da atividade empreendedora capitalista. A intervenção do empreendedor
capitalista não seria mais necessária tornando-se cada vez mais externo ao processo de
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produção de subjetividade. Assim, para os teóricos do ―trabalho imaterial‖, a empresa atual
também não tem mais a marca de imposições hierárquicas. Os trabalhadores são autônomos e
se tornam empresários de si mesmos. O caráter comunicativo do ciclo do trabalho imaterial
superou as antigas hierarquias e estimula a auto-organização dos trabalhadores deixando de
lado a figura do capitalista. Para esta escola, esta nova socialibilidade pós-fordista é vista
como uma liberdade ao trabalhador. Com o computador, a separação entre os trabalhadores e
o trabalho reificado seria ―virtualmente abolida‖ e os meios de produção se tornam
apropriáveis e suscetíveis de serem partilhados. A exploração hoje, por esta compreensão, é
essencialmente a expropriação capitalista do poder cooperativo desenvolvidos no processo
social pelas singularidades do trabalho cognitivo. Não é mais o capital a organizar a mão de
obra, mas a mão de obra passando a se organizar em si. Entretanto, quando analisamos o setor
de teleatendimento podemos encontrar esta ―libertação do trabalho‖ pelo uso intensivo de
computadores e dispositivos virtuais que estimulam uma ampla circulação de informações
sem o controle capitalista? Afinal, não haveria também uma degradação do ―trabalho
imaterial‖ pelo capital com o surgimento de novos processos de trabalho, resultado direto do
crescente desenvolvimento tecnológico? O teleatendimento faz parte do ―ciclo do trabalho
imaterial‖ ou tem características de controle capitalista? Quando analisamos os trabalho nos
Call Centers – que ninguém duvida que produz e circula informações além da ampla
utilização de redes informáticas – podemos dizer que essa nova sociabilidade pós-fordista é
operante? Em suma, por mais que os Call Centers sejam caracterizados por utilizarem
tecnologias comunicacionais de ponta, esse tipo de trabalho pode ser analisado a partir das
considerações da ―teoria do trabalho imaterial‖? Até que ponto o trabalho dos Call Centers
demonstram os limites da teoria do trabalho imaterial, já que mistura fluxos de informações,
novas tecnologias, gestão autoritária da empresa e desumanização do trabalho desenvolvendo
diversas doenças da alma e do corpo? Podemos encontrar no setor de teleatendimento a
produção de conhecimento ou de uma subjetividade pós-fordista autônoma ao redor da
―intelectualidade de massa‖ ou uma forma singular de organização capitalista do trabalho
informacional hoje?
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As Centrais de Teleatividades (CTAs) ou Centrais de Atendimento – assim
reconhecidas tendo em vista a crescente utilização de outros instrumentos de interatividade e
relacionamento entre os atendentes e clientes, como chat, web e e-mail –, denominação do
mercado formado pelo conjunto das empresas de Call Centers – ou Contact Centers, novo
termo também considerando as mesmas inovações técnicas informacionais –, é um setor
econômico que observou um crescimento exponencial nas décadas de 1990 e 2000 devido a
importância que vieram a representar após a reestruturação do processo produtivo capitalista.
A reestruturação produtiva causou mutações no mercado de trabalho que formam na
acumulação flexível três categorias ou grupos de trabalhadores. O grupo minoritário que
forma o núcleo central é composto por empregados em tempo integral, aqueles que possuem
posições estáveis na organização do processo de trabalho, com projetos de longo prazo, boas
perspectivas de vantagens e relativa segurança no emprego. Naquilo que o autor denomina
periferia, estão localizadas as duas outras categorias, portanto, subgrupos. O primeiro desses
subgrupos consiste em empregados em tempo integral, mas detentores de habilidades
facilmente disponíveis no mercado, por realizarem atividades menos especializadas na
organização da empresa. A terceira categoria ou segundo subgrupo periférico possui uma
flexibilidade numérica ainda maior por ser composto por empregados em tempo parcial,
casuais, com contratos por tempo determinado, temporário, subcontratados que possuem uma
segurança muito pequena no emprego, de maneira a ser este marcado pela enorme
rotatividade. E é esta última categoria que Harvey identifica como aquela que tende a um
crescimento contínuo desde então e na qual é possível situar os teleoperadores das CTAs,
principalmente ao percebermos como central à flexibilização nas relações de trabalho os
mecanismos de terceirização e subcontratação.
As CTAs respondem por uma forte tendência de externalização da relação
de serviço manifestada pelas empresas em todo o mundo ao longo da década de 1990. Tratase de um dos principais aspectos da alteração radical do meio ambiente institucional das
empresas no sentido da emergência tendencialmente hegemônica da empresa em rede sob
dominância financeira. Para Oliveira, as CTAs foram criadas para realizar uma série de
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serviços anteriormente executados no interior das empresas. Elas ampliam a racionalização do
trabalho na medida em que uma única unidade de trabalho atende as necessidades de um
conjunto de empresas, como operadoras de telecomunicações, bancos, empresas de cartão de
crédito, de viagens, operadoras de televisão a cabo, asseguradoras, cobrindo todo o território
nacional.
No Brasil essa expansão tornou-se acelerada ao final da década de 1990,
quando se verificou o crescimento do número de empregos ofertados na área, resultado do
ciclo de privatizações do setor de telecomunicações – representado, até então, pelo sistema
Telebrás. Este segmento se coloca, logo que surge, mesmo em meio a um período de recessão
e desemprego, como um dos maiores empregadores do país. Em 2005, segundo índices da
Associação Brasileira de Telesserviços (ABT), havia a estimativa de o número total de
teleoperadores de CTAs no Brasil ser de aproximadamente 675 mil distribuídos em cinquenta
empresas, já então uma das maiores categorias profissionais brasileiras voltadas ao mercado
de consumo, considerando o seu recente desenvolvimento. De acordo com a ABT, o
crescimento do número de profissionais contratados por estas empresas tem ficado em torno
de, em média, 10% ao ano. Atualmente o número de seus trabalhadores ultrapassa 1,2 milhão,
com expectativa de, em 2011, a geração de 120 mil novos empregos, o que revela a enorme
capacidade de geração de empregos, por ser segmento que cresce paralelamente ao mercado
consumidor, especialmente quanto a sua regulamentação jurídica, e absorve grande
contingente de mão de obra, predominantemente feminina, com pouca ou nenhuma
experiência, normalmente jovens em início de carreira.
Entre 1997 e 2001, a ABT assinalou o crescimento no ramo do
teleatendimento como sendo de 198,01%, o que ocorreu de forma concomitante a uma
significativa retração na oferta de emprego nas indústrias de 23,32% e elevação de 11,05% no
setor de serviços, conforme dados do IBGE.
O crescimento deste ramo deve considerar os efeitos físicos, mentais e
morais das condições precarizadas sob as quais permanecem os teleoperadores. Deve-se frisar
a completa ausência de controle por parte dos trabalhadores sobre o processo de trabalho,
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fator reproduzido pela própria inexigibilidade de experiência anterior, já que o trabalhador,
em não tendo autonomia, está obrigado a manter os procedimentos e intenso ritmo de trabalho
imposto pela empresa contratante. Também se verifica, nestas relações de trabalho, pausas
insuficientes, monitoramento eletrônico dos atendentes com caráter punitivo, ritmo e formas
de gerenciamento de trabalho que estimula a concorrência entre os colegas, forte pressão
temporal da parte dos supervisores, com necessidade de superar ou manter os ritmos
acelerados, bem como imposição de tempo médio de atendimento (TMA), metas (número de
vendas diárias e mensais) elevadíssimas de produtividade, das quais o trabalhador não
participa da elaboração, ruído excessivo no ambiente de trabalho, movimentos repetitivos,
inadequação do imobiliário e equipamentos nos postos de atendimento (PAs), dentre muitos
outros fatores que podem desencadear graves perturbações e sofrimentos nos trabalhadores.
Assim, se impõe a questão: afinal, existe operando no teleatendimento uma
subjetividade pós-fordista autônoma ao redor da ―intelectualidade de massa‖ ou uma nova
forma de organização capitalista do trabalho informacional? Existem hierarquias entre decisão
e execução nas empresas de Call Centers, este tipo de trabalho incentiva uma ―riqueza das
individualidades‖? Existe um trabalho autônomo e autodeterminado ou um trabalho que ―se
desmancha no ar‖?
O panorama apresentado acaba por se contrapor aos elementos
característicos do sistema capitalista flexível, diferenciado do sistema fordista/taylorista pela
ausência de rigidez ou controle fixo, fatores considerados como típicos da indústria fordista.
Justamente esta flexibilidade, alardeando o surgimento de novos padrões de produção
capitalistas, não se verifica no processo de organização das relações de trabalho nos Call
Centers, com sua rotina exaustiva e pesada. Trabalho que, a despeito de ter seu surgimento
vinculado às normas do sistema de acumulação flexível, revela manter profundas semelhanças
com o taylorismo/fordismo, dada coerção e o controle impostos a esses trabalhadores, na
medida em que estes permanecem vigiados, porém por sistemas de controle aprimorados com
o advento da tecnologia. Ocorre uma mercantilização da informação, esta é objetivada em
valor de troca, o que possibilita sua quantificação, logo, transformação em mercadoria. Isto se
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concretiza através da informatização ou alto desenvolvimento tecnológico, facilitando o
controle do capital sobre o trabalho.
Nos Call Centers, a hierarquia da empresa se duplica, já que o teleoperador
deve ser obediente aos supervisores e coordenadores, que acompanham todos os contatos para
garantir a obediência rigorosa ao script, e também ao cliente, ―garantindo sua satisfação‖ ao
ser gentil, educado e bem-humorado: ter o sorriso na voz – inclusive essa exigência é fator
preponderante utilizado para justificar a incorporação majoritária de mulheres como mão de
obra, segundo compreensão de que estas ―habilidades‖ seriam socialmente adquiridas no
espaço doméstico. Isso num ritmo acelerado, em pouco tempo, procurando muitas vezes
convencer os clientes de forma cínica a comprar algo ou receber algum serviço ou taxa, além
de resistir aos desaforos alheios dos clientes e dos supervisores. Sua autonomia é exercida na
interatividade com o cliente, na diversidade, na variabilidade de cada "caso" fazendo com que
a subjetividade e as emoções do operador desempenhem um papel importante nesse processo,
tanto que quando destratados pelo cliente os operadores se sentem pessoalmente atingidos
tornando-se fonte de stress, por mais que o operador seja ―a empresa‖ para o cliente e não um
sujeito. Assim se verifica uma supervisão hierárquica rígida marcada pela coerção a partir do
próprio fluxo informacional, do qual o operador é prisioneiro, combinando complexas
relações entre chefe-subordinado, operador-cliente e operador-operador.
Como estratégia para manter a alta rotatividade sem grandes custos
operacionais, as empresas efetuam pré-contratações coletivas, fazem o treinamento de todo
grupo (sem, é claro, remuneração e contrato assinado) e o mantém na espera. Vários meses
podem transcorrer entre a pré-contratação e a contratação definitiva. Esta servirá para
substituir o operador já desgastado, com ―prazo de validade‖ vencido. O novo operador
costuma ser batizado de ―colaborador‖ ou ―parceiro‖, de modo a parecer que a empresa tem
um enorme apreço por seus trabalhadores. Como corolário, esse novo operador não é um
trabalhador que precisa (não deve) lutar coletivamente contra a lógica interna de
funcionamento exploratório da empresa, encontrando enormes barreiras para desenvolver
qualquer identidade conflitiva e politizada devido aos ritmos de rotatividade e gerenciamento
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do trabalho. Assim, os teleoperadores parecem muito próximos com o que se entende como o
proletariado, constantemente desafiado pelo novo sistema de exploração e dominação: o
assalariado que produz e valoriza o ―capital‖ e é jogado na rua tão logo se torne supérfluo
para as necessidades de valorização de ―Monsieur Capital‖, ainda que no âmbito de uma
despolitização nas relações sociais na produção e inviabilização considerável, mas não
definitiva, das formas coletivas de ação social na mundialização capitalista, em uma
proletarização marcada por tentativas individuais de progresso social.
Não se apresentando, portanto, como um trabalho que estimula a produção
de conhecimento ou de uma subjetividade proletária rica e autônoma, a organização do
trabalho teleoperativo desencadeia o processo de extrema proletarização dos operadores, e
não de libertação do processo de trabalho capitalista. Uma organização marcada, como
analisado, por um rígido controle sobre a realização da atividade pelo teleoperador, seja em
relação aos tempos de intervalo e locomoção na empresa – são muitas vezes proibidos,
durante a jornada, de andar nas CTAs fora dos intervalos ou sem autorização, inclusive de
restrições nas idas ao banheiro, quando necessário –, seja nos próprios atendimentos, e com as
atividades de cada operador sendo monitoradas quase em tempo real. Mensura-se o tempo
médio de atendimento (TMA) e a duração de uma ligação. As pausas, em número são
regulamentadas por lei, mas é o supervisor que determina quando serão concedidas, tendo
como parâmetro a demanda e o fluxo das ligações e não as necessidades do trabalhador.
Observa-se o controle, sob a forma de script, até mesmo da comunicação com o consumidor,
de maneira a exercer vigilância constante sobre cada teleoperador e, consequentemente, sobre
a realização ou não de metas e tempo de atendimento, o que, ao final do mês, é considerado
para um possível valor complementar ao salário, cuja parcela fixa é muito baixa.
O trabalho no setor de teleatendimento acaba sendo rigidamente
condicionado pela articulação de tecnologias do século XXI com condições de trabalho do
século XIX, mesclando estratégias de intensa e brutal emulação do teleoperador, ao modo da
flexibilidade toyotista com técnicas gerenciais tayloristas de controle sobre o trabalhador,
serviço em grupo com relações trabalhistas individualizadas, estimula ao mesmo tempo
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cooperação e concorrência entre os teleoperadores, dentre outros processos que ampliam as
formas mais complexificadas de estranhamento e alienação contemporânea do trabalho.
Quando analisamos a proletarização não-operária dos teleoperadores
colocados numa lógica laborial que combina novas tecnologias telemáticas de informação
com gestão da hierarquia rígida do trabalho pelo chefe, pelo cliente e por outros
teleoperadores, percebemos que as ―teorias do trabalho imaterial‖ não apenas são
insuficientes para apreender este processo, como também mistificam os processos de trabalho
que envolve a produção, processamento e circulação de informações virtuais. No caso dos
Call Centers não encontramos a libertação criativa do trabalhador, mas um processo de
proletarização virtualizada devida às degradantes condições de trabalho, em parte resultado
das possibilidades abertas pelas novas tecnologias apropriadas pela gestão capitalista do
trabalho. Além das comuns demissões em massa e de forma arbitrária realizadas por estas
empresas que funcionam baseadas numa política de rotação periódica de trabalhadores, para
se livrarem de encargos trabalhistas e de embriões de organização que possam colocar em
jogo estas novas formas de exploração do trabalho pelo capital, dotado de intensiva utilização
de tecnologias informacionais. A ameaça do desemprego estimula esta forma de trabalho ao
esgotar o trabalhador, exigindo submissão ao chefe e ao cliente, sem qualquer canal de
discussão sobre as condições coletivas de trabalho. Esta pressão constante se traduz em casos
de esgotamento da saúde física e psíquica como LER, euforia, depressão e até suicídios. O
forte controle do tempo de ligações, conversas, pausas, movimentos e gestos, além da
gravação das ligações, escuta e supervisão em tempo real, controle de vendas, política de
metas e assédio moral para exceder o nível de vendas, não deixa dúvida que o trabalho de
teleatendimento não representa uma ―libertação‖ como coloca o discurso pós-fordista de
idealização do trabalho informacional pós-fordista, mas uma nova forma de gestão da força de
trabalho que utiliza incrementos tecnológicos de ponta com uma subsunção formal do
trabalho típica do século XIX. Os Call Centers são o avesso da teoria do trabalho imaterial
pela condição precária dos trabalhadores numa estrutura que tem como objetivo centralizar o
recebimento e processamento de ligações telefônicas, distribuindo-as automaticamente aos
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atendentes e possibilitando o atendimento aos usuários, realização de pesquisas de mercado
por telefone, vendas e outros serviços por telefone, chat, web ou e-mail. Isto é, a mistura entre
alta tecnologia e produção/circulação de informações não supera a subordinação do trabalho
ao capital, mas complexifica suas relações como na utilização de softwares que monitoram
e/ou gravam as ligações telefônicas e controlam o fluxo das chamadas mantendo um controle
do trabalhador contínuo.
Ao contrário do que os ―teóricos do trabalho imaterial‖ poderiam esperar, o
teleatendimento não é um trabalho ―pós-subsunção do trabalho‖, mas uma complexa mistura
entre avanço tecnológico e atraso na divisão social do trabalho, repetição automatizada do
atendimento e adaptabilidade à ―excelência dos serviços‖, uso intensivo das capacidades
comunicacionais (em especial a escuta) com interações que não estimulam a produção de
conhecimento e nem de sociabilidade. Entretanto, ao contrário do delírio dos ―teóricos do
trabalho imaterial‖, o teleatendimento não é uma exceção ao processo contraditório de
incremento informacional do trabalho no capitalismo contemporâneo. É, nos termos
marxianos, uma subsunção formal do trabalho, só que profundamente inserida no contexto do
capitalismo digital financeirizado, criando uma espécie de ―teleoperário‖. Em suma, o
teleatendimento - e tantas outras atividades como os trabalhadores dos fast-food e dos
supermercados - não representam um desvio das contradições próprias do ―trabalho imaterial‖
na produção capitalista, mas é o surpreendente laboratório no qual se projeta o futuro
―trabalho imaterial‖ no capitalismo contemporâneo.
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O TRABALHO PRECÁRIO E A SAÚDE PRECARIZADA DA MULHER: UMA
ABORDAGEM SOBRE AS CONDIÇÕES SOCIAIS DAS TRABALHADORAS NAS
UNIDADES DOMÉSTICAS DE PRODUÇÃO DE CONFECÇÕES DE VESTUÁRIO E
ACESSÓRIOS EM TORITAMA-PE
GEHLEN.V. R. F.;
RAIMUNDO, V. J.;
VASCONCELOS, R. C.;
ALENCAR, M. C.;
Programa de Pós-Graduação em Serviço Social/GRAPP, Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE)
Agência Financiadora: PIBIC-UFPE/CNPq
[email protected]
INTRODUÇÃO
Este estudo apresenta os resultados de uma pesquisa sobre a precarização do
trabalho e da saúde no setor de confecções e vestuário, especificamente, nas unidades
domésticas de produção no município de Toritama, na região do Agreste pernambucano, no
que concerne ao Pólo de Confecções, desenvolvida em 2008\2009 e 2010, através do
PIBIC/CNPq/UFPE. A discussão da precarização do trabalho e da saúde se deu a partir da
articulação com os estudos das relações sociais de gênero, em que utilizou uma abordagem da
psicodinâmica do trabalho, revelando seu caráter interdisciplinar.
A pesquisa tem como objetivo a análise dos processos sociais que
construíram, para mulheres e homens, as formas de precariedade social e de precarização da
saúde no trabalho, em empregos nas unidades domésticas de produção de confecções, como
também as práticas realizadas pelas pessoas trabalhadoras, para resistir ou se adaptar a estas
dinâmicas e assim, construir ―sua saúde‖ no trabalho. Para isso, a abordagem teórica
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contemplada nesse estudo é a dialética, na perspectiva histórica, e que traz o enfoque crítico
às relações sociais de produção da sociedade capitalista.
Nessa pesquisa a saúde é entendida não como um estado, mas como uma
construção social, um processo dinâmico que insere o corpo, a pessoa, as marcas do trabalho,
as condições de vida, o prazer e o sofrimento, tudo o que faz uma historia individual em sua
singularidade, mas também os aspectos coletivos por influência das múltiplas lógicas no
centro das quais ela se insere.
Ao estudar a saúde partiu-se do enunciado de que o mundo do trabalho tem
dois sexos, apesar de que os sintomas psicofísicos são semelhantes nos homens e nas
mulheres. Contudo, os impactos sobre a saúde de cada sexo são diferentes devido à dupla ou
tripla jornada de trabalho da mulher, a discriminação e a repressão sexual. A inserção da
análise de gênero nos estudos e pesquisa na área da saúde no trabalho pode contribuir na
compreensão do processo saúde-doença e elucidar os diferentes impactos que a exposição aos
riscos semelhantes como químicos, ergonômicos e stress nos locais de trabalho.
Na trajetória da pesquisa entendeu-se que a importância crescente das
diversas atividades implantadas em áreas rurais nos países em desenvolvimento vem sendo
marcada por uma intensificação das desigualdades sociais em suas áreas urbanas. Estudos que
enfatizam a reestruturação da produção e do consumo sob a influência da globalização
destacam a criação de áreas regionais duais, no caso em estudo, o Estado de Pernambuco,
onde se destacam na Mata Sul, o Pólo de Suape; e no Agreste, o Pólo de Confecções.
Nessas áreas a especialização funcional leva certos fragmentos das cidades a
integrar-se na economia global, enquanto outras são totalmente excluídas tornando-se
diretamente ligadas à economia da pobreza. Como um componente da reestruturação política,
a descentralização tem sido vista como resultante da crescente segmentação institucional e da
separação entre municípios pobres e ricos, uma tendência que ameaça a governabilidade das
cidades e intensifica a desigualdade sócio-territorial.
Um foco sobre o processo de diferenciação social e sócio-territorial como
efeito da ampliação da exclusão social e do empobrecimento na cidade e fora da cidade
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coloca esta dualidade em questão. As transformações sociais influenciam como a cidade é
construída, percebida e vivenciada através da justaposição de diferentes espaços: produção,
comercialização, consumo e residência, que reforça a fragmentação urbana em múltiplos
territórios desiguais. Essa perspectiva enfatiza as mudanças ocorridas nas práticas sócioculturais e nas vivenciais de diferentes grupos, em termos de suas estratégias de trabalho. São
práticas adaptativas que propiciaram o surgimento de formas de produzir e vivenciar o
trabalho precário, nele incluindo a sociabilidade e construção da identidade, em resposta a
emergência de valor e modelo ―global‖ de consumo, e a violência e erosão das redes de
seguridade sociais que acompanham o processo de desintegração social levando à
precarização do trabalho e conseqüentemente, da saúde.
A deteriorização das condições de trabalho e renda e a intensificação das
desigualdades sociais e da pobreza são indicadores claros das mudanças que vem ocorrendo
no trabalho e nas atividades econômicas ligadas à globalização. O mercado de trabalho e as
relações sociais de trabalho são áreas da vida social que mais transformações têm sofrido
devido às lógicas estruturais da economia global. A modernização capitalista instala uma nova
matriz de desenvolvimento que tem transformado radicalmente a estrutura econômica e social
do mundo desde 1970.
A concepção de trabalho tem se modificado, produto das alterações da
sociedade e de novos fenômenos laborais como respostas a tais mudanças. A fórmula
neoliberal se impõe com a informalização dos empregos passando os encargos dos postos de
trabalho para o setor de serviços. A vulnerabilidade aparece em um interstício de um contínuo
de inclusão-exclusão e permite explicar melhor o fracionamento que hoje sofre a sociedade, já
que às antigas iniqüidades sociais se somam as novas, produzindo uma dinâmica social que
vai além do dualismo incluído-excluído. Em uma acepção mais ampla o conceito de
vulnerabilidade remete à idéia de uma inclusão parcial em diversas esferas da vida política,
econômica, social e cultural com sua implicação de risco e insegurança do futuro.
O conceito de precarização tem sido parte de um amplo debate na América
Latina e também nos países desenvolvidos, tendo em vista a modernização global e as formas
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e as características dos processos de produção. O termo “precarização” pode ser encontrado
nos estudos de Robert Castell, em especial, no livro ―As Metamorfoses da Questão Social”,
onde ele reconstrói, historicamente, a transformação das estruturas de integração social, com
um interesse especial na capacidade integrativa do emprego e instituições relacionadas ao
trabalho.
O foco na integração e seu oposto, a exclusão social, fornece a uma
perspectiva crítica para estudar as mudanças a partir de uma situação, onde as relações
assalariadas são determinadas pelos arranjos institucionais das revoluções neoliberais, nas
quais, de certo modo, se retorna a ideologia individualística do inicio do século XIX. No
entanto, o termo precarização tem uma conotação especial que vai além de sua descrição
sociológica, o primeiro relaciona-se aos aspectos da experiência do novo mundo do trabalho e
seus impactos nas vidas dos indivíduos e das sociedades. Este significado está implícito em
desde a desintegração das redes de apoio social, resultado da desregulação do mercado de
trabalho e o desmantelamento de instituições da sociedade assalariada, criando um aumento
no sentido de precariedade.
Pode-se observar no setor têxtil, especificamente, no setor de confecções,
um setor estruturado pela precarização social que toma caminhos diferentes segundo o gênero,
a classe e a origem das pessoas trabalhadoras. Este é o fio condutor que foi tecido no curso
desta pesquisa por entender que a organização dos processos e dos métodos de trabalho não
são alheios ao gênero das (dos) trabalhadoras (es). Por exemplo, os empresários criam
trabalhos a tempo parcial só quando podem contratar mulheres; a mão-de-obra feminina não
funciona como secundária ou substituta, mas como preferencial para muitas ocupações.
Por outro lado, estudos sobre a participação das mulheres nos setores
produtivos tipicamente masculinos têm mostrado, repetidamente, as dificuldades de sua
integração, não só pelas qualificações ou titulações profissionais, mas também pela existência
de uma cultura de trabalho industrial fortemente marcada por valores especificamente
masculinos. Nesta perspectiva, inúmeros são os estudos que manifestam a diversidades de
valores que as mulheres privilegiam quando entram no mercado de trabalho: preferência por
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empregos que permitem o desenvolvimento das relações pessoais, preferência pela
cooperação frente à competitividade, da atenção as necessidades frente à orientação
puramente produtivista.
Em relação às indústrias de confecção, o novo modelo de produção flexível,
em especial as unidades domésticas de produção de confecções, onde a mão-de-obra é
predominantemente feminina, vem expondo as pessoas trabalhadoras a condições ambientais
desfavoráveis, como excesso de calor, ruído e baixa iluminação que, somado as condições
climáticas da região do agreste tem grande influência na saúde. Esses fatores causam
desconforto, aumentam o risco de acidentes e provocam danos consideráveis a saúde de
homens e de mulheres, especialmente a temperatura do ambiente de trabalho. A sobrecarga
térmica influencia no rendimento do trabalho humano, uma vez que, quanto mais quente for o
local onde se desenvolve as atividades laborais, tanto menor será a tolerância das pessoas
trabalhadoras a atividade física e mental.
METODOLOGIA
A construção teórica repousa na articulação de vários campos da sociologia
– do trabalho, da saúde no trabalho, das relações sociais de sexo e gênero - e diferentes
problemáticas, como as transformações da organização do trabalho, da saúde no trabalho e a
ação das relações sociais de gênero.
As abordagens de outras disciplinas entre as quais a ergonomia e a
psicodinâmica do trabalho, dentro da perspectiva de análise da saúde no trabalho como efeito
e expressão das relações sociais e de sua articulação na esfera produtiva e reprodutiva,
pretendem desvelar as ligações entre a divisão sexual do trabalho e a saúde psíquica e mental.
Tal abordagem permite a compreensão do conteúdo das experiências vivenciadas pelas
mulheres e pelos homens que interferem na vida do trabalho e na relação do corpo e da saúde.
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A análise da saúde no trabalho, como objeto transversal, não deve se limitar a uma análise que
se fundamente sobre o único universo profissional.
Com isso foram realizadas 10 entrevistas, caracterizadas como informais e
conversações orientadas, quando possível, gravadas, e realizadas com as mulheres e os
homens, que trabalhavam nas confecções domésticas. Junto às pessoas que ocupavam postos
diferentes foram conduzidas 03 entrevistas semi- diretas – uma com representante de
sindicato, uma com a representante do Ministério Público da cidade e uma com funcionário
do Conselho Regional de Assistência Social – CRAS, da Prefeitura.
Este estudo fez uma opção pela abordagem qualitativa, mesmo entendendo
que as pesquisas quantitativas e qualitativas não se opõem necessariamente. Elas podem até
mesmo se complementar. Sem entrevistas biográficas e sem observação torna-se difícil
desembaraçar os fios que permitem compreender como se constrói a saúde no trabalho e suas
implicações para a população precarizada. Colocar em palavras a experiência vivenciada, e
contar a prática, pode representar um trabalho que antes de ser um compartilhamento de
experiência, é difícil, sobretudo em questão relacionada à saúde. No entanto, foi preciso
iniciar um processo de desvelar as questões de saúde e de gênero, para isso realizou-se
entrevistas semi-diretas, informais e conversas orientadas, que constituíram um dos modos de
coleta de dados possíveis.
As entrevistas com as pessoas trabalhadoras foram realizadas no lugar de
trabalho, durante o período de almoço ou lanche, onde os entrevistados (as) descreviam,
dentro do possível, suas vidas de trabalho. Em alguns casos específicos as entrevistas
ocorreram em outros lociais. A confiança entre entrevistadora/entrevistado/a foi facilitada por
ter sido introduzida nas unidades domésticas de produção pelo centro de assistência social da
Prefeitura em Toritama - PE.
As observações durante o processo de trabalho foram feitas com permissão
dos donos da facção/unidades domésticas. Na análise do trabalho utilizando os instrumentos
da ergonomia, pode-se determinar às atividades reais, o campo da inteligência do conjunto das
ações, a concepção, a experimentação até a realização e das tarefas que estão relacionadas
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com o que foi prescrito pela empresa ao empregado. A contribuição da problemática da
divisão sexual do trabalho a esta abordagem é demonstrar como o modo de operar, a tarefa e a
atividade de trabalho se diferenciam, entre os homens e as mulheres. Procurou-se observar as
posturas, os movimentos, os ruídos, as comunicações, os instrumentos no local de trabalho, e
as descrições dos espaços de trabalho, as pausas, a iluminação, e os tempos de trabalho. Foi
utilizado um caderno tanto para tomar notas como guia de observação.
Outra questão importante foi a construído um guia de entrevistas, para os
homens e para as mulheres, a partir de temas relacionados com o emprego, a saúde, e família.
Foram consideradas também, as condições de trabalho e de vida na esfera reprodutiva, para os
homens como para as mulheres, introduzindo temas sobre o trabalho doméstico e as
condições do habitat.
RESULTADOS
No setor de confecção o processo produtivo e a pouca exigência técnica
contribuem para que os mais diferentes indivíduos, não importando idade ou maiores
conhecimentos técnicos, sejam inseridos no processo de produção.
De acordo com o Plano Diretor de Toritama (2005), 80% da produção de
confecções do município são feitas em pequenas produções familiares, estando elas dispersas
pela cidade e pela zona rural.
O município possui muitas residências que são adaptadas ao uso misto:
parte da unidade familiar é transformada em unidade produtiva também chamada de facção, e
outra parte menor é reservada à habitação familiar, lugar para morar. A facção é onde se
realiza apenas uma ou mais de uma das etapas da produção da confecção de jeans, como o
corte e a costura das peças. Nesses casos, as peças cortadas, ou cortadas e costuradas, seguem
para outras facções ou empresas, onde passam por outras etapas da produção, como
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caseamento, lavagem e tingimento. A produção, confecção e comercialização das peças em
jeans ocupam, além dos cômodos das residências, as vias públicas.
Com uma população de 21.800 habitantes Toritama tornou-se um dos
maiores pólos de confecção de jeans do Brasil. O município produz atualmente cerca de 60
milhões de peças por ano, o equivalente a 14% da produção nacional. Existem na cidade
2.196 indústrias, quase todas dedicadas à produção de jeans. Desse total, cerca de 2.000
trabalham na informalidade, sendo 89% delas administradas por unidade familiar. Livres do
labirinto burocrático e fiscal, as unidades domésticas empregam cerca de 20 mil pessoas,
quase 92% da população do município. A "febre do jeans" atingiu até mesmo a zona rural,
outra área do trabalho informal. Dos 21.800 habitantes do município, restaram apenas 1.673
pessoas no campo.
O desenvolvimento econômico no setor de confecções fez de Toritama uma
das maiores cidades produtoras de jeans do país, mas a sua população sofre com a falta de
infra-estrutura e investimentos que melhore a qualidade de vida da população e as condições
de trabalho. Observa-se, também, um descaso com o meio ambiente através da degradação e
do impacto que o tratamento dado aos tecidos usados na confecção provoca no rio Capibaribe,
que corta o município de Toritama.
Outro fator ambiental que vem influindo na saúde das pessoas residentes no
município é a qualidade atmosférica do ar, devido à queima de madeira nas caldeiras que
lavam e tingem o tecido de jeans. De acordo com a cor da moda, as lavanderias tingem o
material para a confecção de calças jeans e ao despejarem os resíduos nas águas do rio, elas
tornam-se verde, azul ou marrom.
Essas unidades domésticas estão condicionadas ao imperativo do mercado,
empregando os membros da própria família e outras pessoas trabalhadoras. Sob a égide da
flexibilização, o capital transfere para as pessoas trabalhadoras menos qualificadas, para as
pequenas empresas, cooperativas e unidades de produção doméstica uma parcela da produção
sem manter vínculos de trabalho formal.
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Desta forma, ao realizar a pesquisa de campo no município de Toritama,
foram visitadas dez unidades domésticas de produção de confecções, sendo sete situadas no
centro urbano e três na periferia da cidade, onde foram entrevistados quatro empregados,
sendo três mulheres e um homem. Dos entrevistados, quatro eram proprietárias e dois
proprietários de unidades domésticas de confecção.
Na conversa inicial com os trabalhadores foi percebido que eles não ficavam
à vontade e, temerosos em dar respostas, que por ventura viessem a comprometer o seu
trabalho, então foi marcado outro local para as entrevistas. Os proprietários (as) facilitaram as
entrevistas, embora marcando dias diferentes, e explicaram as divisões das tarefas e das
atividades que as pessoas desenvolviam na unidade doméstica de produção de confecção.
Nas entrevistas realizadas com as mulheres, algumas especificaram as
condições de trabalho familiar na unidade e evidenciaram a precarização da saúde. A facção
de algumas começou no terraço de casa, depois foi se expandindo até que ela construiu um
grande galpão no térreo e sua casa no andar de cima. Contou com a ajuda da família, de
sobrinhos e vizinhos. Atualmente, em sua facção ela emprega onze trabalhadores (as) cinco
mulheres, contanto com ela, entre eles dois são adolescentes da família, de dezesseis e
dezessete anos. A facção recebe a peça cortada e fazem o processo de costura e prega de
bolsos. Uma segunda facção é responsável por travetar e casetar. Depois as peças são levadas
para a lavanderia, e posteriormente para uma terceira facção para fazer o acabamento, a
―limpeza‖ dos fios da peça. E por último, ela vai para uma empresa responsável pelo bordado.
No período de alta estação é comum os trabalhadores prolongarem sua
jornada para dar conta da produção, mas as mulheres compensam as horas extras com um
lanche, uma refeição. Quanto aos problemas de saúde, como tendinite, problemas
respiratórios, visão, acidentes no trabalho, muitas delas já perfuraram os dedos algumas vezes
na máquina de costura, e se acontece algo com quem trabalha com ela, tem na unidade, uma
caixa de primeiros socorros, pois sempre são acidentes tratáveis e ninguém ―quer perder hora
de produção‖. Em relação as suas perspectivas, afirmam que querem comprar mais 10
máquinas de corte reto, atualmente possui 6 máquinas. Uma das costureiras demonstrou
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caráter empreendedor, pois só estudou até a 5ª série do ensino fundamental e hoje tem seu
próprio negócio.
Essas pessoas trabalhadoras são compelidas, no início, para o trabalho
informal, por não possuírem qualificação e experiência profissional, requisitos exigidos pelas
fábricas de confecção local. O ―fetiche‖ da autonomia, do lucro e da falsa liberdade esconde a
falta de proteção, a insegurança e a não-garantia dos direitos sociais e trabalhistas. Entre as
pessoas trabalhadoras entrevistadas nenhuma contribuía com a Previdência Social, nem
tinham plano de saúde, além de ter baixo nível de escolaridade. Demonstravam
desconhecimento dos direitos sociais e trabalhistas que um trabalhador em regime formal e
contribuinte possuem como: seguro-desemprego, FGTS, salário mínimo, salário maternidade,
jornada de oito horas diárias e 44 horas semanais, férias remuneradas, décimo terceiro salário,
repouso semanal remunerado, auxílio acidente, auxílio desemprego, aposentadoria.
As entrevistadas também se queixaram de dores nas articulações
principalmente no ―punho‖ e na coluna. Em sua grande maioria, os estabelecimentos não
possuem uma infra-estrutura adequada que garanta as condições de trabalho das pessoas
trabalhadoras. As cadeiras são desapropriadas e desconfortáveis, o calor é sufocante, a
iluminação é precária e o ar, muitas vezes, é cheio de penugem e pó dos tecidos, resíduos das
peças.
Como essas pessoas trabalhadoras dependem das demandas das grandes e
médias empresas capitalistas, no período de baixa estação ficam desocupados. A confecção –
produção – comercialização do jeans ou vestidos e blusas são etapas, na maioria das vezes
realizadas por diversas pessoas trabalhadoras especializadas em desempenhar determinada
função. De forma geral, o primeiro trabalhador corta, o segundo monta, o terceiro lava, o
quarto costumiza (desfiado, bordado, sobretinto, rasgado, corroído), o quinto passa, outro
borda, e o último vende.
Todas essas etapas feitas pelas pessoas trabalhadoras não têm relação direta
com o médio ou grande proprietário, é produção terceirizada podendo-se observar que a
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exploração dos trabalhadores pelo capital se realiza aqui mediada pela exploração do
trabalhador pelo trabalhador.
Esses exemplos retirados das entrevistas mostram
uma
pequena
demonstração da realidade enfrentada por essas pessoas trabalhadoras que são exploradas,
tem suas condições de trabalho precarizada, desprotegidas e iludidas pelo lucro rápido.
O salário por peça transmite uma falsa liberdade ao trabalhador, e o valor de
cada peça já contém o tempo de trabalho socialmente necessário que determina o valor do
trabalho empregado. Desta forma, para ganhar mais, o trabalhador intensifica a jornada de
trabalho, permitindo ao capitalista elevar o grau normal de intensidade, rebaixando, assim, o
preço do trabalho, prejudicando todos os trabalhadores, e além do mais, ser responsável pela
qualidade do produto.
O “patrão-trabalhador‖, o dono da facção ou unidade doméstica, ou seja, o
pequeno patrão tem obrigações de empregador e encargos de indústrias, pois os
empreendimentos familiares assumem os custos da produção como pagamento aos
trabalhadores, água, energia elétrica, compra e manutenção das máquinas e às vezes aluguel
de espaços para ampliar a produção. Desta forma, a empresa capitalista, que terceiriza, reduz
os custos e aumenta a produtividade e os lucros a custa dos terceirizados.
Toda essa mudança no mundo do trabalho e da produção, entre os anos
1980 e 1990, implantou novas tecnologias e também ―ressuscitou‖ ou intensificou outras
formas de trabalho, advindas com o fenômeno da terceirização, como o trabalho em
domicílio, executado na residência da própria pessoa trabalhadora, como é o caso das
unidades domésticas de confecção, cujo trabalho se caracteriza por jornadas de trabalho mais
longas, que se estendem, às vezes, pela noite e aos finais de semana e feriados; em locais de
trabalho improvisados; na ausência de proteção social; na diminuição do poder de
reivindicação e de negociação; na superexploração do trabalho da mulher; na incorporação do
trabalho infantil; e em baixos salários.
Além de ocasionar uma invasão ao ambiente familiar, transformando o
espaço doméstico em espaço de produção, também utiliza da mão-de-obra de toda a família
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incorporando o trabalho não-pago, utilizando-se do trabalho infantil, que sendo uma produção
doméstica escapa ou oculta da fiscalização do Conselho Tutelar e dos órgãos responsáveis
pela segurança do Trabalho e Higiene.
No entanto, fato de ser patrão ou patroa não faz da pequena unidade
doméstica de confecção uma empresa capitalista. O ―patrão-trabalhador‖ utiliza a própria
força de trabalho na produção demonstrando a falsa autonomia das pequenas unidades
familiares. Além de depender da matéria-prima das empresas contratantes e do pagamento ser
feito por peça, revelando a subordinação ao capital, as jornadas de trabalho dependem da
quantidade de peças que são demandadas e a urgência para entrega. Para aumentar sua
remuneração o trabalhador explora a sua própria força de trabalho e sua saúde com jornadas
extenuantes de trabalho.
Apesar das novas configurações do capitalismo, as relações de exploração
inerentes a esse modo de produção, permanecem impondo um desenvolvimento que
sobrecarrega e explora todas as pessoas trabalhadoras. Na tentativa de apreender o que vai
além da materialidade do trabalho sem desvincular-se dele na realidade destas pequenas
unidades domésticas, considerou-se o campo empírico, no qual se observou que há um
isolamento social, decorrente das longas jornadas de trabalho e da carga laboral a que se
submetem as mulheres e os homens para a manutenção das suas condições mínimas de
sobrevivências, o que leva ao sofrimento psíquico.
O trabalho informal, sem carteira assinada, como ele é realizado nas
unidades domésticas de confecções, não consta nas estatísticas públicas por não estar
legalizado junto aos órgãos públicos e continua existindo invisível, como mostra o estudo
realizado e a coleta de testemunhos das pessoas trabalhadoras no setor. Evidenciou-se,
também, a articulação dessas unidades domésticas de confecção com a esfera dita formal, do
emprego declarado, nas empresas que terceirizam suas atividades, a particularidade do setor
têxtil residindo desta forma, na dimensão estruturante do trabalho ―ilegal‖.
Esta porosidade entre o mundo do trabalho dito formal e informal que foi
observado na pesquisa leva a colocar a questão da imbricação estreita das atividades formais e
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informais, o trabalho ―ilegal‖, como outros tipos de informalidades, está articulado à
economia formal, dela dependendo estreitamente, e por ela sendo configurado. A análise das
entrevistas e a observação in situ colocam em evidencia os efeitos estruturantes da divisão
sexual do trabalho no trabalho dito informal ou ―ilegal‖. Mantendo-se as características do
modelo atual, o desemprego/desocupação terá continuidade, condicionando o crescimento do
trabalho informal e paralelamente às pequenas unidades domésticas tenderão a crescer. Essas
formas de atividade são necessárias ao sistema porque, além de viabilizar a sobrevivência de
homens e de mulheres trabalhadores, propicia um grande intercâmbio de bens e serviços entre
os dois setores da economia capitalista, o formal e o informal.
O fenômeno existente em Toritama está inserido nesse contexto, de vez que
o espaço não se encontra isolado, ele é parte de um quadro maior de relações econômicas,
sociais e políticas. É através da crescente precarização do trabalho e da pobreza de região
como a nordestina, que se pode encontrar a explicação para o crescimento da atividade das
unidades domésticas de confecção.
A compreensão das ligações entre as dinâmicas da precarizaçao do emprego
e do trabalho e a precarização da saúde foi construída a partir da problemática da articulação
das relações sociais através da análise das práticas das pessoas trabalhadoras nas unidades
domésticas de produção de confecção. Igualmente procurou-se tornar visíveis os efeitos
estruturais da divisão sexual do trabalho na saúde das pessoas trabalhadoras.
Cabe às Ciências Sociais e Humanas e, em particular, ao Serviço Social,
além de analisar as condições sociais e econômicas do trabalho, buscar compreender as
conseqüências deste sofrimento para estas pessoas, que pode ser considerada uma das
expressões da Questão Social na contemporaneidade.
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RELATO DO ATENDIMENTO PRESTADO A UM TRABALHADOR COLETOR DE
LIXO NO SERVIÇO DE SAÚDE MENTAL DE UM MUNICÍPIO DO CENTROOESTE PAULISTA
LALUNA, N. C.;
Faculdade de Medicina de Marília (FAMEMA)
CHAPADEIRO, B. R.;
Mestrado em Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia e Ciências de Marília-SP,
Universidade Estadual Paulista (UNESP)
[email protected]
INTRODUÇÃO
O estabelecimento do nexo causal entre certas condições de trabalho e a
emergência de transtornos mentais específicos ainda parece ser o problema crucial no campo
da Saúde Mental e Trabalho (SM&T) no Brasil.
O estabelecimento desse nexo, no entanto, torna-se uma questão decisiva,
afetando a vida de muitas pessoas hoje acometidas de graves transtornos mentais e que sofrem
por ainda atualmente não saber a quem recorrer e como fazer valer os seus direitos. Elas
acabam caindo nos hospitais e serviços de psiquiatria, com diagnósticos de doenças comuns,
sendo submetidas a tratamentos baseados em grande quantidade de medicamentos,
caracterizando, muitas vezes, ―uma verdadeira camisa de força química‖.
Atuar no campo da SM&T é preocupar-se em selecionar os fenômenos a
serem estudados e que tornem possível a identificação de aspectos que potencialmente terão
repercussões na vida do homem que trabalha. Dessa forma, torna-se imprescindível e
necessária a articulação interdisciplinar para realizar diagnósticos, propor medidas
preventivas ou soluções nos ambientes de trabalho e verificar os nexos causais entre os
problemas de saúde e o exercício das atividades laborais visando escapar dos reducionismos.
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Cada vez mais é nítida a centralidade alcançada pelo trabalho no
neoliberalismo, que teve seus efeitos na alteração radical da estrutura da sociedade brasileira.
Identificados por alguns teóricos como ―nova classe média‖, ―avanço da classe C‖,
―emergência da gente diferenciada (sic)‖ ou ―de batalhadores sociais‖, o evento da mobilidade
social atualmente constatado emerge fundamentalmente assentado no dinamismo do mercado
de trabalho. Porém quando o ―trabalhar‖ assume um ritmo alucinado atuando na dinâmica
psicossocial do trabalhador assalariado, são suscitados sofrimentos e desgastes humanos.
Infelizmente, conforme citamos acima, o nexo causal do transtorno mental
com o trabalho ainda é precário nos serviços de saúde especializados e em muitas vezes o
trabalhador adoecido é levado a serviços de saúde mental como os CAPS (Centros de Atenção
Psicossocial) que em muitos casos, também não possuem em sua cultura e prática
institucional do ―olhar‖ voltado para a questão existente entre as condições e organização do
trabalho com a gênese de determinada patologia apresentada por usuários do serviço. No
portal do Ministério da Saúde encontramos que os ―projetos dos CAPS devem, muitas vezes,
ultrapassar a própria estrutura física, em busca da rede de suporte social, potencializadora de
suas ações, preocupando-se com o sujeito e a singularidade, sua história, sua cultura e sua
vida cotidiana‖. No entanto, não é o que encontramos na filosofia de muitas unidades, onde o
tratamento nosológico fica restrito ao território do serviço (reuniões, oficinas terapêuticas, e
demais atividades) sendo que no prescrito, o serviço deveria levar a discussão para um campo
que deve necessariamente ultrapassar o indivíduo, alcançando o campo social e, sobretudo,
colocar o trabalho no seu centro, vide que esta é atividade a qual o homem passa a maior parte
do seu tempo dedicando-se a ela.
As formas de abordagem dos transtornos mentais e do comportamento
compõem o desafio crucial exposto neste texto. A crítica por nós sugerida como meio de
repensar nossa própria práxis vem de encontro com as recentes pesquisas no campo da
SM&T: de que forma a prevenção, o diagnóstico e o tratamento de tais psicopatologias nos
serviços de saúde mental, em especial os CAPS, buscam efetivamente o acompanhamento
clínico e a reinserção social dos usuários pelo acesso ao trabalho, ao lazer (ócio), ao exercício
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dos direitos civis e ao fortalecimento dos laços familiares e comunitários se há priorização de
certas categorias em detrimento de outras na compreensão do que seria a totalidade dos
transtornos. Em unidades de CAPS espalhados pelo país, os levantamentos de hipóteses
diagnósticas de psicopatologias abrangem muitas vezes as categorias ―família‖, ―história de
vida e de surgimento do transtorno‖, ―escolaridade‖ e a ―queixa‖, sendo posta de lado a
categoria ―trabalho‖ que como dissemos acima, tem um lócus central no mundo do capital,
que é o mundo da sociedade do trabalho assalariado.
É fato que existem numerosas ligações tecendo a interface família/ trabalho
que se constitui num terreno amplo para quem atua na área de Saúde Mental. A trama
complexa dessa interface, numa visão preliminar, deixa entrever uma via de mão dupla: de
um lado, há o fluxo em que a subjetividade desloca experiências familiares para o mundo do
trabalho; e de outro, a corrente que transporta para a vida familiar determinações emanadas do
trabalho. Porém, os dois fluxos se entrecruzam muitas vezes, ao mesmo tempo em que dão
lugar a dinâmicas pelas quais se realimentam reciprocamente. No estágio atual da organização
dos serviços de Saúde no Brasil, ainda predomina a verticalidade que separa os setores de
Atenção à Saúde Mental (CAPS) dos de Saúde do Trabalhador (CERESTs), assim como a
que separa os que realizam atenção à saúde infantil e os que atendem ao pai ou à mãe
trabalhadora. Nesse sentido, seríamos deveras repetitivos se disséssemos que dentro desta
estrutura, urge que se criem formas de integrar as ações preventivas que englobem as questões
do local de trabalho, as do trabalhador, as da saúde psicossocial da família, bem como de
outras instâncias que envolvem o ser social.
METODOLOGIA E DESENVOLVIMENTO
Neste tópico apresentaremos o relato de um caso atendido nas dependências
do sistema de saúde situado em município do Centro-Oeste Paulista visando efetuarmos o
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nexo causal entre a atividade ocupacional do paciente e o transtorno mental evidenciado no
mesmo.
Sr. José – nome que utilizaremos para preservar a identidade do paciente -,
58 anos, nascido e criado na zona rural, proveniente de família numerosa e de ―baixa renda‖.
Quando criança, via a mãe beber cerveja preta para amamentar os irmãos mais novos – faz
parte do folclore popular o pensamento de que desta forma a mulher produziria uma maior
quantidade de leite para a amamentação – e sempre bebia o que restava da cerveja da mãe. Sr,
José nos relata ter tido uma infância sofrida, em ambiente com precárias condições de higiene,
pouco ou nenhum afeto dos pais e a precoce entrada para o mundo do trabalho visando
auxíliar na renda familiar, motivo o qual abandonou os estudos, tendo completado somente a
4ª série do Ensino Fundamental.
Aos 14 anos aproximadamente, Sr. José passa a ter um maior contato e a
fazer uso regular de álcool e cigarros. Sr. José refere ter estabelecido vínculo com outros
trabalhadores rurais onde também trabalhava e sempre após o horário de trabalho reuniam-se
com freqüência em bares para conversas e jogatinas. Casou-se aos 24 anos e teve 6 filhos.
Aos 28 anos, ingressa no trabalho como coletor de lixo do município, e expressa este não ser
―o emprego que desejara‖, porém fazia-se necessária a sua subsistência bem como de sua
família.
Em seu trabalho como coletor de lixo ampliou seu círculo social e passou a
sentir o peso e a pressão de se trabalhar com, em suas palavras, ―o que ninguém mais quer: o
lixo‖. Conta que inicialmente foi difícil adaptar-se ao cheiro dos resíduos, e denuncia faltar
luvas e uniformes para os trabalhadores, o que considera uma precarização das condições do
trabalho coletor de lixo. Passa a fazer uso descontrolado de bebida alcoólica (BA) com os
colegas de trabalho alegando ser esta a forma que os trabalhadores coletores de lixo se
utilizam para expelir o mau cheiro e a sujeira impregnados no corpo, dando-lhes a falsa
sensação de limpeza que os permita suportar o trabalho árduo e penoso do resto do
expediente. Sr. José começa a fazer uso de BA diariamente, inicialmente logo após o término
do expediente, mais adiante no próprio local e horário de trabalho: ―Às vezes dava tempo de
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tomar um `rabo-de-galo‘ nos bares, entre pegar um saco de lixo e outro, mas também sempre
tinha com agente uma garrafa `da boa‘ no caminhão‖. Aos finais de semana invernava no bar,
apenas fazendo uso de BA e comendo petiscos, às vezes amanhecia no bar de domingo para
segunda feira e ia direto para o trabalho.
Relata ter ampliado ainda mais seu círculo social nos bares que frequentava,
onde teve relacionamentos extra-conjugais. Mais recentemente – 2000 – diz ter
experimentado outras drogas tais como: maconha, cocaína, crack e o ―mesclado‖
(maconha+crack+cinza de cigarro), esta última, tendo feito uso contínuo em concomitância
com o álcool. Sr. José passa a apresentar quadros de agressividade ocasionados pelo álcool e
por este motivo relatou ter tido problemas com a família, chegando a, na maioria das vezes,
agredir verbalmente mulher e filhos, porém ocorrendo também episódios de agressão física e
violência sexual com os filhas. A bebida sendo utilizada como meio de direção da
agressividade para o exterior, fica evidenciada quando o paciente diz provocar brigas com
transeuntes, fato este que se torna objeto de preocupação de sua família, que temia que em tais
situações Sr, José pudesse ser espancado e morto.
Durante suas passagens pelos serviços de saúde do município, há
constatações no prontuário do Sr. José de que este haveria deixado de cuidar de sua higiene
pessoal e de se preocupar com a própria alimentação. Passa a apresentar sintomas psicóticos
de persecutoriedade relatando ser constantemente vigiado por seus vizinhos ou pela polícia, e
com isso levantava à noite assustado preocupado que seus perseguidores pudessem matá-lo.
Apresentou Delirium Tremens, sintoma associado ao alcoolismo crônico que caracteriza-se
por um estado tóxiconfusional breve que se acompanha em perturbações somáticas. É descrito
usualmente como uma conseqüência de abstinência absoluta ou relativa de álcool em usuários
gravemente dependentes com uma longa história de uso. Como sintomas do Delirium
Tremens ocasionado pela dependência do álcool temos as alucinações e ilusões vívidas
afetando qualquer modalidade sensorial - Sr. José enxergava pequenos animais locomovendose por seu corpo -, perda da noção de tempo e espaço, dispepsia e tremores, os quais o
paciente alegava fazer ingestão de álcool logo pela manhã visando a extinção do sintoma.
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Com o tempo, o paciente apresentou-se tolerante à substância, dizendo que altas doses de
álcool já não surtiam mais efeito. O Sr. José queixava-se constantemente de dores intensas na
coluna lombar devido ao esforço físico de seu trabalho e fraqueza decorrente da má
alimentação e de sua precária condição de saúde devido ao uso de álcool.
Por conta do crescente uso e dependência do álcool, Sr. José perdeu dias de
serviço, passou por diversas sindicâncias, teve perdas materiais consideráveis para pagar
dívidas ou por destruição nos episódios de heteroagressividade. Existem passagens no
prontuário do Sr. José que relatam períodos em que o mesmo manteve-se em abstinência por
meses ou mesmo anos, porém sempre com motivos para a recaída. Gradativamente seus
familiares passam a não mais acolhê-lo, levando-o ao Pronto-Socorro (PS) do município e
afastando-se dele nos episódios de embriaguês. Atualmente o Sr. José está separado da
esposa, e mantém contato apenas com uma de suas filhas, a qual ele reside na casa dos
fundos.
O Sr. José foi diagnosticado como alcoolista crônico pelos diversos
profissionais que o atenderam nas recorrentes passagens que teve no PS do município desde o
ano de 1995.
Foi encaminhado a realizar múltiplos tipos de tratamentos: internações
psiquiátricas, intervenções medicamentosas, acompanhamentos ambulatoriais e tratamentos
em Centros de Atenção Psicossociais (CAPS), aos quais teve pouca aderência. Após uma
série de internações em um hospital psiquiátrico o Sr. José procurou o CAPS
espontaneamente com a intenção de continuar o tratamento e manter-se em abstinência. Para
realização destes tratamentos conseguiu afastamento médico do trabalho. Relata em um dos
contatos que seu maior medo era o retorno ao trabalho, pois tal ambiente poderia fazê-lo ter
uma recaída, considerando sua ocupação, portanto como fator de risco de seu quadro
psiquiátrico. Já esteve abstinente no trabalho em outros momentos e afirma que os demais
trabalhadores coletores de lixo o incentivam ao retorno do uso do álcool. Em outro momento
Sr. José se dizia em plena condição de retornar ao trabalho, evidenciando pouca crítica em
relação à sua síndrome de dependência do álcool e de múltiplas drogas, tecendo comentários
como: ―espero morrer ao lado do litro‖ e ―não há tanto problema em fumar maconha, pois é
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uma erva natural‖. Relata esporadicamente ter ―pane mental e idéias erradas‖ relacionadas ao
fato de ―estar ficando velho‖ e não ter muitas expectativas para sua vida futura. Às vezes
pensa em voltar a beber por assumir não encontrar outra fonte de prazer, respaldado pela
filosofia popular de que ―todos irão morrer algum dia e ao menos ele morrerá fazendo algo
que lhe causa bastante satisfação‖.
Em casa, para manter-se abstêmio, fez a substituição do álcool pelo uso de
cafeína e tabaco. Chegou a beber três garrafas de café por dia. Nos momentos de ―fissura‖ vontade intensa de uso de álcool e drogas -, controlava-se se exercitando, ouvindo música e
comendo doces, conforme orientações dadas pelos profissionais do CAPS. Encontrava-se
empenhado em manter-se abstinente, porém em 2010 teve notícia de que somente poderia
aposentar-se após quatro anos, quando sua expectativa era de aposentar-se ao final deste
mesmo ano. Sr. José tinha a esperança de ―pendurar a chuteira, poder beber socialmente e
fazer uso esporádico do `mescladinho‘‖.
Alguns dias após tomar ciência da condição atual de sua aposentadoria Sr.
José teve outra recaída fazendo uso de álcool e outras drogas. Foi novamente internado por
dois meses recebendo alta com uso medicamentoso de clorpromazina 75mg (0-0-1). Retornou
ao CAPS para mais uma tentativa de controlar sua dependência. Durante as atividades em
grupos e contatos individuais foi sugerido ao paciente que tentasse mudar de setor de serviço,
indo trabalhar em outra unidade para maior segurança de sua saúde. Sr. José investigou a
viabilidade de tal manobra, porém até seu último contato com o CAPS tal probabilidade ainda
não havia sido confirmada, pois encontrara barreiras burocráticas em uma série de laudos
médicos e permissões de chefias. O plano terapêutico do Sr. José foi diminuído de intensivointegral (presença diária em período integral) para semi-intensivo (presença de três dias na
semana), quando o mesmo relatou sentir-se apto a voltar ao trabalho. Contudo, os atestados
médicos do tratamento semi-intensivo encontraram nova barreira burocrática no trabalho do
Sr. José não sendo aceitos, pois as ―normas da instituição‖ previam somente o atestado
médico mensal. Desse modo o Sr. José fez um combinado com seu terapeuta de referência de
que ele passaria mais um mês no plano terapêutico intensivo-integral e logo iria direto ao
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plano de cuidados não-intensivo (uma vez na semana), que diz do comparecimento de
pacientes dependentes de múltiplas drogas ao grupo terapêutico semanalmente. Sr. José
compareceu o último mês no plano combinado, tendo algumas faltas nesse período e logo em
seguida abandonou o tratamento.
RESULTADOS
O
pensador
italiano
Antônio
Gramsci
em
seu
escrito
clássico
―Americanismo e Fordismo‖ de 1934 nos expõe as transformações ocorridas no mundo do
trabalho na segunda modernidade do capital com o advento da modernidade-máquina que tem
o modo de produção fordista-taylorista como expressão magistral. O fordismo como
mecanismo de acumulação e base para o surgimento de um ―novo tipo de trabalhador‖
demandado pela racionalização da produção e do trabalho, ganharia força através da
combinação do proibicionismo com a regulação puritana do consumo de bebida alcoólica e
dos hábitos sexuais. Ou seja, proibindo o libertinismo. Seguindo esta lógica, pode-se pensar
que a ideologia puritana proposta pela iniciativa privada ganha a adesão do Estado
plutocrático do começo do século XX e se arrasta até os dias atuais perpetuando a intrínseca
filosofia: Quem trabalha recebendo salário, com horário fixo, não deve ter tempo de se
dedicar à busca por álcool e iludir as leis.
Para o novo modelo de acumulação surgido no início do século passado, o
operário que vai ao trabalho depois de uma noite de extravagância não é um bom trabalhador,
pois a exaltação passional não estaria de acordo com os movimentos cronometrados dos
gestos produtivos da automação. O que observamos de certo, é que o capitalismo é e sempre
foi uma contínua luta contra a animalidade do homem, um processo ininterrupto de sujeição
de instintos naturais a complexas e rígidas normas e hábitos de ordem, de exatidão, de
precisão, que tornam possíveis as formas sempre mais complexas de vida coletiva,
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conseqüência necessária, portanto do desenvolvimento do capital. As classes superiores
pregam, ainda atualmente, o proibicionismo do uso do álcool às classes que vivem do
trabalho, ao passo que, para elas próprias, defendem o liberalismo.
A partir das reflexões de Gramsci sobre a problemática da questão
relacionada ao álcool vinculado ao trabalho em uma dimensão macro-política-social, nos
interessa com o presente trabalho, investigar a aparente conexão existente entre o caso do Sr.
José, um trabalhador coletor de lixo e seu uso de bebidas alcoólicas, configurando-se em um
quadro psiquiátrico; e qual seria, portanto a intervenção do Estado no campo dessa discussão.
―E eis que a luta contra o álcool, o agente mais perigoso da destruição das forças de trabalho,
se torna função do Estado‖.
De acordo com a Classificação Brasileira de Ocupações, os coletores de lixo
ou Gari, ou ainda vulgarmente conhecidos como ―lixeiros‖, são os profissionais responsáveis
pelo recolhimento de lixo acumulado em logradouros públicos e outros locais, despejando-os
em veículos e depósitos apropriados, a fim de contribuir para a limpeza destes locais.
Os coletores de lixo estão sujeitos a altos riscos de acidentes de trabalho e a
uma alta carga de trabalho que exige desses profissionais grandes esforços físicos e mentais,
trazendo desse modo, danos a sua saúde e a um baixo rendimento no trabalho. Sobre as cargas
de trabalho encontradas nos coletores de lixo, constatou-se que esses trabalhadores estão
expostos a uma carga psíquica constante relacionada a uma atenção permanente exigida nas
tarefas, a insegurança, a falta de perspectiva, um ritmo diário de trabalho que se torna
desgastante, a falta de reconhecimento, falta de valorização, irritação em relação ao ruído
constante, assim como desgastes físicos e emocionais, devido a exposição ao perigo e
exigência da responsabilidade na tarefa.
O hábito de ingerir bebidas na esfera do trabalho dos coletores de lixo, soa
como algo mais que um problema de saúde, ou mesmo um estimulante, mas sim um
mecanismo de defesa de fuga da realidade vivida no contexto do trabalho e as demais
instâncias abarcadas por ele. Esta anestesia contra o sofrimento psíquico corresponde muitas
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vezes a uma verdadeira evitação de tomada de consciência, isto é, uma fuga da percepção de
uma realidade que é penosa para o sujeito.
Podemos também relacionar o consumo de álcool com o tipo de trabalho
realizado, o produto com o qual os coletores de lixo trabalham e o local onde trabalham. Essas
condições suscitam sentimentos e valores como os apresentados pelo Sr. José,
reconhecimento do trabalho, necessidade de desintoxicar, de limpar-se do cheiro do lixo e do
próprio lixo, passando a vivenciar o consumo de álcool como ―remédio que limpa por
dentro‖, ―afasta o constrangimento e a vergonha de exercer tal função‖. Parece tratar-se muito
mais de uma procura feita em termos simbólicos: beber para se ter coragem de enfrentar a
vida difícil, o trabalho cheio de perigos e não apenas o trabalho da próxima jornada.
O álcool na função dos coletores de lixo funcionaria então como uma
proteção contra o olhar do outro e contra a falta de significado deste trabalho considerado
pelos próprios como ―sujo e vazio‖, já que dele nada é produzido materialmente. A limpeza
que seria o produto do trabalho não é vista e nem valorizada pela sociedade – o que reforça a
tese popular do que seriam os chamados ―trabalhadores invisíveis‖. É claro que não podemos
ir contra o que dissemos até agora se configurarmos o trabalho como instância causal isolada
e única, não se tratando, portanto de promover tal reducionismo, mas sim, de chamarmos
atenção também para aspectos não examinados tradicionalmente nos estudos sobre
alcoolismo.
O álcool anestesia os sentidos dos trabalhadores, ao mesmo tempo que é
capaz de limpar o cheiro de lixo e todas as contaminações por bactérias, vírus, a que estão
sujeitos no cotidiano. A descontaminação seria como uma purificação, de forma que, ao se
lavarem ―por dentro‖, eles passariam novamente a se reconhecer. Acreditam também que o
álcool exerce ação estimulante, necessária em função do ritmo de trabalho que executam,
dando-lhes resistência para agüentar as condições de trabalho a que estão submetidos. Outro
fator importante também relatado seria a função de complemento vitamínico, em substituição
ao alimento – reforçando a tese da amamentação por parte da mãe do Sr. José -, pois não
possuem condições monetárias para uma alimentação adequada. Santos também verifica em
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seu estudo que o alto consumo de álcool entre os coletores de lixo aumentam os índices de
acidentes de trabalho.
Quando um trabalhador torna-se paciente psiquiátrico ao fazer uso de mais
de uma droga psicoativa o diagnóstico dado pelo CID 10 é de Transtornos Mentais e de
Comportamento decorrentes do uso de múltiplas drogas e do uso de outras substâncias
psicoativas (F19), ou seja, no caso do Sr. José, trabalhador coletor de lixo apresentado no
tópico anterior, este fazia uso regular de álcool e do mesclado, evidenciando um diagnóstico
médico correto para seu caso. Contudo, optamos por dar ênfase ao diagnóstico de alcoolismo
crônico do Sr. José pareando-o a um transtorno mental e do comportamento relacionado ao
trabalho conforme descrito acima, levando em conta o tempo em que esteve exposto ao
contato com o álcool, e as explicações dadas pelo paciente para sua utilização – suportar a
rotina estressante da atividade - e cuja substância foi a ―droga gatilho‖ para o consumo de
outras substâncias tais como maconha, cocaína, crack e mesclado.
Nos estudos sobre o alcoolismo, este é tratado como um transtorno
heterogêneo e com uma etiologia multifatorial. Desse modo, o trabalho, como vimos, é
considerado um desses multifatores psicossociais de risco para o alcoolismo crônico. De
acordo com o Ministério da Saúde, o consumo coletivo de bebidas alcoólicas associado a
situações de trabalho - muito bem evidenciado em nosso estudo de caso - pode ser decorrente
de prática defensiva, como meio de garantir inclusão no grupo, ou como forma de viabilizar o
próprio trabalho, em decorrência dos efeitos farmacológicos próprios do álcool tais como os
descritos pelo Sr. José em relação à sua ocupação: calmante, euforia, estimulante, relaxante,
indutor do sono, anestésico e antisséptico. Uma freqüência maior de casos (individuais) de
alcoolismo tem sido observada em determinadas ocupações, especialmente aquelas que se
caracterizam por serem socialmente desprestigiadas e mesmo determinantes de certas
rejeições, como as que implicam contato com cadáveres, lixo ou dejetos em geral.
Corroboram-se os relatos proferidos por Sr. José com o que nos é demonstrado na literatura
especializada.
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O tratamento do alcoolismo crônico relacionado ao trabalho deve ser
pensado então de uma maneira singular, analisando as condições específicas de cada paciente
e não configurando o trabalho como instância causal isolada e única. Embora existam
numerosos estudos estabelecendo a ligação entre o comportamento anti-social e
hiperatividade e o futuro uso abusivo de álcool, não existe um único tipo de personalidade que
seja predisposta ao alcoolismo. O que nos aproxima ainda mais da tese defendida neste
trabalho de que, havendo evidências epidemiológicas de excesso de prevalência de alcoolismo
crônico em determinados grupos ocupacionais, essa ocorrência poderá ser classificada como
doença relacionada ao trabalho, e enquadrada no Grupo II da Classificação de Schilling.
Uma interpretação limitada do modelo ‗doença‘ pode levar os profissionais
da saúde a ignorar a forma como os fatores psicossociais contribuem para as recaídas no curso
da doença. A importância destes fatores fica clara no caso apresentado, quando o consumo do
álcool foi relacionado ao trabalho no tratamento feito pelo paciente no CAPS, contudo de uma
maneira paliativa, apenas com o incentivo de mudança de setor no trabalho e não como
tentativa de compreender o nexo existente na cultura dos trabalhadores coletores de lixo com
o alcoolismo, ou mesmo na proposição de mudanças na situação de trabalho vide que as
informações sobre as condições de trabalho do Sr. José foram consistentes com as evidências
epidemiológicas disponíveis.
Os critérios diagnósticos podem ser adaptados daqueles previstos para a
caracterização das demais síndromes de dependência, segundo os quais três ou mais
manifestações devem ter ocorrido, conjuntamente, por pelo menos um mês ou, se persistentes,
por períodos menores do que um mês. As manifestações devem ocorrer juntas, de forma
repetida durante um período de 12 meses, devendo ser explicitada a relação da ocorrência
com a situação de trabalho. No caso do Sr. José tivemos as seguintes situações de trabalho
que devem ser explicitadas: forte desejo ou compulsão de consumir álcool em situações de
forte tensão presente ou gerada pelo trabalho; comprometimento da capacidade de controlar o
comportamento de uso da substância evidenciado por esforços infrutíferos para reduzir ou
controlar tal uso; estado fisiológico de abstinência quando o uso do álcool foi reduzido ou
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interrompido durante o tratamento; evidência de tolerância aos efeitos da substância de forma
que houve necessidade de quantidades crescentes para obter o efeito desejado, mesmo que
segundo o paciente, nem tais doses maiores lhe causam mais efeito; preocupação com o uso
da substância, manifestada pela redução e/ou abandono de importantes prazeres ou interesses
alternativos por causa de seu uso e/ou pelo gasto de uma grande quantidade de tempo em
atividades necessárias para obter, consumir ou recuperar-se dos efeitos da ingestão do álcool
e; por fim, um uso da substância, a despeito das evidências das suas conseqüências nocivas e
da consciência do próprio paciente a respeito do problema.
O alcoolismo crônico do Sr. José, caracterizado como síndrome de
dependência do álcool, foi associado a outros transtornos mentais já descritos acima, tais
como o Delirium Tremens, o transtorno psicótico induzido pelo álcool, o transtorno do humor
induzido pelo álcool, o transtorno de ansiedade induzido pelo álcool e o transtorno do sono
induzido pelo álcool.
CONCLUSÃO
Há estudos de psicanalistas que tem observado repetidamente traços
estruturais de personalidade dos pacientes alcoolistas, como fragilidade de ego e dificuldade
em manter a auto-estima. Podemos assinalar que o Sr. José, assim como os demais
trabalhadores coletores de lixo, utilizam a bebida alcoólica para substituir estruturas psíquicas
que faltam, e assim, restaurar em algum nível sua auto-estima levada pelas condições de vida
de histórias tristes e de um trabalho que confirmam seu pouco ou nenhum conteúdo e
significado. Quando o Sr. José relata que ―trabalha com o que ninguém mais quer: o lixo‖, ele
refere-se ao lixo como dejetos e objetos descartáveis que não servem mais às pessoas e ao seu
próprio trabalho como coletor de lixo, em que sua atividade está ligada ao ―resto‖, ou ―o que
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sobrou‖ do trabalho em nossa sociedade, ou seja, um trabalho ―que ninguém mais quer‖, que
tem, portanto, um significado marginal no mundo do capital.
Podemos inferir que o Sr. José tem uma enorme dificuldade de lidar com
sua realidade, tanto externa (condições precárias de vida) quanto interna (dores psíquicas que
traz consigo desde a infância) utilizando-se assim, do mecanismo de defesa da negação que o
faz pelo uso do álcool e das outras drogas que trazem a sensação de onipotência e euforia.
Infelizmente estes efeitos prazerosos duram apenas o tempo de intoxicação, fazendo com que
Sr. José busque cada vez mais o uso indiscriminado e em doses maiores para alcançar o
resultado desejado que se traduz pelo desejo de gratificação imediata: o princípio do prazer.
Este mecanismo é utilizado na falta de alternativas mais maduras de seu ego pouco
estruturado devido a danos estruturais em sua personalidade, ou seja, toda privação de afetos e
impossibilidade de simbolização que viveu em sua ―infância sofrida‖.
A literatura nos diz que em casos particulares de trabalhadores alcoolistas,
circunstâncias como as descritas pelo CID-10 poderiam eventualmente desencadear, agravar
ou contribuir para a recidiva da doença, o que não nos parece ser o caso do Sr. José visto que
em sua história, o uso do álcool antes da entrada no mundo do trabalho como coletor de lixo
tem episódios esporádicos e pontuais, o que admitimos ter relevância em aspectos de sua
personalidade frágil, porém, mais uma vez fica evidenciado fortemente que certas condições
adversas de trabalho podem favorecer a emergência de transtornos mentais específicos.
Não nos restam dúvidas de que o destino de trabalhadores como o Sr. José
dependerá de nossa capacidade de somar esforços para enxergarmos além do diagnóstico
clínico habitual. O difícil prognóstico pode desanimar ou passar despercebido pelas equipes
de saúde com relação ao tratamento dos alcoolistas acentuando-se toda a problemática do
trabalho social. Quando se reconhece que estes trabalhadores como o Sr. José estão doentes, o
máximo que tem sido feito é classificar seu quadro como ―doença comum‖, ou seja, como um
problema de saúde que não decorre do trabalho.
Desta forma, o presente trabalho evidencia essa deficiência nos serviços de
saúde mental atuais, pois como vimos, o tratamento do alcoolismo crônico envolve múltiplas
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estratégias terapêuticas que implicam, muitas vezes, em mudanças efetivas nas situações de
trabalho. Suspeita ou confirmada a relação com o trabalho, como o caso do Sr. José, as
equipes de saúde devem ter em suas dinâmicas: informar ao trabalhador-paciente o nexo
causal de seu problema com o trabalho; examinar os expostos, visando identificar outros
casos, e, quando muito, resgatar a história de vida dos trabalhadores, da forma mais detalhada
possível; notificar o caso aos sistemas de informação em saúde (epidemiológica, sanitária e/ou
de saúde do trabalhador), por meio dos instrumentos próprios, à DRT/MTE e ao sindicato da
categoria; providenciar a emissão da CAT, caso o trabalhador seja segurado pelo SAT da
Previdência Social; realizar estudos ergonômicos, avaliando as atividades reais de trabalho, ou
seja, tentando compreender como os trabalhadores efetivamente se organizam para dar conta
de suas responsabilidades verificando, inclusive, a percepção que eles próprios têm sobre as
causas do seu adoecimento; tentar identificar os mediadores que permitam compreender
concretamente como se dá a passagem entre a experiência vivida e o adoecimento;
complementar as informações com exames médicos e psicológicos necessários e; acima de
tudo, orientar o empregador para que adote os recursos técnicos e gerenciais adequados para
eliminação ou controle dos fatores de risco.
Esse trabalho teve como objetivo evidenciar as dificuldades enfrentadas
pelos trabalhadores brasileiros na obtenção do nexo causal entre seus problemas de saúde e
suas condições de trabalho de forma a denunciar o que ocorre hoje, na principal economia
capitalista do mundo onde vive-se para ser explorado pelo o capital. Tentamos deixar claro
que tais dificuldades podem ser redobradas quando a queixa refere-se à saúde mental.
Esperamos que as reflexões surgidas a partir de um relato de caso que trouxemos aqui possam
contribuir para que o processo avance e para que a questão do álcool deixe de ser uma função
do Estado regulador apenas para garantir o reingresso do trabalhador ao sistema de produção,
mas sim, que este problema seja entendido em sua totalidade enquanto um dos fenômenos
psicossociais que resultam dos atuais modos de produção capitalistas que deixam evidentes a
precarização do trabalho como sendo também a precarização do homem que trabalha no
sentido de desefetivação do homem como ser genérico capaz de dar respostas às situações-
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problemas oriundas de seu cotidiano, algo que contribui tão somente para a degradação da
vida humana.
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OBJETIVIDADE/SUBJETIVIDADE DOS TRABALHADORES DA EDUCAÇÃO DO
ENSINO SUPERIOR PRIVADO DA REGIÃO DE CAMPINAS-SP
JULIO, M. de O. ;
Instituição Paulista de Ensino e Cultura de Tupã-SP (IPEC)
[email protected]
INTRODUÇÃO
O desenvolvimento desta atividade de pesquisa tem por objetivo
compreender a relação entre objetividade/subjetividade e o adoecimento mental/psicológico
dos docentes do ensino superior privado - IESP – na região de Campinas – SP. A região de
campinas apresenta um considerável número de instituições de ensino superior, contingente
de trabalhadores da educação e a atuação do sindicato da categoria – SIMPRO. A pesquisa
busca verificar a relação entre adoecimento psicológico e o trabalho docente com a
manifestação de obstáculos ao desenvolvimento humano-pessoal e de classe. Situação que
determina degradação da saúde do trabalhador da educação. A pesquisa assume importância
por contribuir para uma ampla reflexão ao mundo do trabalho e do contexto educacional
brasileiro, das demandas que emergem com o desenvolvimento de uma economia capitalista
cada vez mais integrada aos mercados mundiais e seus impactos sobre a saúde do trabalhador
da educação em suas condições objetivo/subjetivas. A pesquisa em andamento permite
apresentarmos alguns dados que possibilitam uma compreensão parcial das condições
objetivas dos profissionais da educação. A relação objetividade/subjetividade manifesta-se
com a organização do trabalho flexível a partir da reestruturação produtiva com base no
toyotismo que vislumbra um novo e complexo quadro de organização e exploração do
trabalho que atinge diretamente a subjetividade do trabalhador, agora sob a forma de um
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paradigma universal de organização e exploração do trabalho cujas condições existenciais da
categoria docente e da classe trabalhadora decorrem da organização e das relações de trabalho
relacionados a contratos, salários, jornada, objetivos e metas de trabalho, cobranças e
responsabilidades, expectativas de vida frustradas, perspectivas políticas, sociais e
profissionais, fetiches sociais e de consumo.
A observação da atuação do sindicato dos profissionais da educação na
grande São Paulo - SINPRO SP- apresentou um quadro de intensa luta entre os trabalhadores
da educação e a burguesia das instituições de ensino superior privadas, com o desdobramento
de greves por inúmeros problemas sofridos pelos profissionais da educação aos quais
podemos exemplificar: a greve da PUC em 2010 por salários atrasados e não cumprimento
das obrigações legais de reajuste salarial; UNICASTELO por pagamento de salários
atrasados, FGTS, férias; UNIB não pagamento do décimo terceiro salário de 2009, entre
outras.
O quadro não se restringe às grandes capitais, grandes e pequenas
instituições fraudam todos os direitos do trabalhador da educação. Em entrevista aos
profissionais da educação em pequenas instituições de ensino foi possível obter algumas
impressões. È comum e rotineiro o não cumprimento dos direitos trabalhistas sob a pena da
perda do posto de trabalho em caso de resistência. O profissional da educação é forçado a
assinar documentos e recibos falsos e é ameaçado até mesmo quando busca obtém titulação.
Com a visita das comissões do Mec, há a preparação de um grande
ensaio e cenário
fraudulento para recebê-los. Professores com titulação tem seu quadro de aulas reduzido ao
mínimo possível. A titulação serve apenas para constar no quadro de docentes e obtenção de
pontuação para reconhecimento dos cursos de graduação. Em muitos casos os professores são
demitidos, há exemplos de professores que ficam com duas aulas semanais e salários muito
inferiores ao piso mínimo estabelecido entre os sindicatos das mantenedoras e os sindicatos
dos trabalhadores da educação. Para efeito de contenção de despesas, as aulas são atribuídas
aos docentes com a titulação mínima, especialistas, recebendo baixíssimos salários. Outra
situação ocorre quando se compara distintas formações no quadro destas instituições, com
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diferenciações salariais e benefícios. Professores que atuam em áreas de pouca demanda do
mercado de trabalho recebem remuneração muito inferior a aqueles que possuem qualificação
com maior procura no mercado de trabalho. Podemos exemplificar o caso dos professores do
curso de Direito em oposição aos profissionais das áreas de Filosofia, Pedagogia, Sociologia,
entre outros. Nas pequenas e médias cidades, os que atuam no campo do Direito são
contratados entre os profissionais que já possuem uma posição profissional estável e
consolidada, como juízes, advogados de renome e outros. Nestes casos, a titulação acadêmica
não é interessante para estes profissionais, pois desfrutam de prestígio social e salarial que
dispensa a titulação. No caso de docentes de áreas específicas como pedagogos, sociólogo,
filósofos, a titulação é essencial para a conquista de postos de trabalho e desempenho das
atividades profissionais. No exemplo dos profissionais da área do Direito, a remuneração é
superior e isso aparentemente se justifica pela condição de profissionais liberais. Os demais,
professores por profissão, recebem salários inferiores como condição de ―proletários da
educação‖, mesmo que possuam igual ou superior titulação se considerados aos primeiros. Os
profissionais liberais – principalmente em instituições de pequenas e médias cidades - são
contratados com o objetivo de promover uma forma de ―marketing‖ do curso por sua posição
e reconhecimento social, recebendo remuneração ―por fora‖. Os ―proletários da educação‖,
contratados para permitir à instituição a apresentação ao MEC de títulos acadêmicos.
Formalmente, perante a lei, todos estão em condições de igualdade salarial e contratual, mas
na prática há uma estratificação hierárquica com diferentes condições salariais e contratuais.
O conjunto de fraudes de toda ordem, são praticados contra parte da categoria dos
profissionais da educação com menor capacidade de negociação e barganha com as empresas
capitalistas de educação, enquanto aos profissionais liberais que exercem a atividade docente
tem seus direitos respeitados, pois há uma procura por estes profissionais que não são
remunerados pelo seu trabalho, mas pela capital social e profissional acumulado durante o
exercício de suas atividades profissionais e sociais.
Outro fator que agrava as condições objetivas dos profissionais da educação
refere-se à crescente queda da qualidade de formação dos alunos que ingressam no ensino
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superior privado. Em sua grande maioria, oriundos das escolas públicas que sofreram um
intenso processo de degradação do ensino fundamental e médio. Muitos deles ingressam sob a
condição de semi-alfabetização. Gerando um quadro de frustração por parte dos profissionais
da educação no ensino superior.
As condições arroladas aqui apontam para a compreensão do quadro de
constituição da subjetividade docente e a tendência de adoecimento em virtude das precárias
condições salariais, contratuais e de trabalho. Como salientou Marx, o trabalho é a essência da
condição de humanidade, sua segunda natureza, a exploração capitalista do trabalho docente
que submete a categoria profissional sob condições degradantes de salários, contratos,
condições de trabalho e perspectivas profissionais e de vida tendem a levar ao agravamento
do quadro de saúde do trabalhador da educação por atingir a subjetividade como condição
existencial humana.
METODOLOGIA
Esta pesquisa propõe a análise sob a perspectiva da Sociologia do Trabalho
com embasamento no método dialético. A coleta de dados propõe a abordagem por
amostragem de instituições de ensino superior privado delimitadas à região de Campinas SP.
A coleta de dados organizada sob a forma de entrevista e questionários aplicada a professores
e alunos, coordenadores pedagógicos, profissionais liberais, sindicalistas, profissionais da
saúde.
RESULTADOS
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Até o presente momento, desenvolvemos apenas atividades preliminares de
análises documentais e entrevistas, apontando para algumas tendências arroladas neste ensaio
que norteiam a organização e desenvolvimento da pesquisa.
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SESSÃO 03
Trabalho, Saúde e
Agroindústria
INTERVENÇÃO EM SAÚDE DO TRABALHADOR EM UM CURTUME DO OESTE
PAULISTA
RUMIN, C. R.;
SILVA, D. B. da;
SOUZA, M. A. R. de;
Curso de Psicologia das Faculdades Adamantinenses Integradas (FAI)
[email protected]
INTRODUÇÃO
A indústria de preparação de couros é um setor de relevância por fornecer
materiais primas para a indústria calçadista, automotiva e de vestuários. Aproximadamente
9,7 milhões de peles bovinas foram processadas nos curtumes brasileiros apenas no primeiro
trimestre de 2008. Destaca-se a relevância deste setor econômico pela posição de seu volume
de exportações junto a soja, madeira, carne de frango, açúcar, carne bovina, álcool e laranja,
atendendo especialmente o mercado consumidor da União Européia.
A produção de carne bovina impulsiona a atividade de curtumes de couros
bovinos e se espalha pelo território brasileiro de acordo com as áreas produtoras de gado de
corte. As unidades brasileiras processadoras de couros se concentram especialmente na
atividade denominada ―wet blue‖, sendo o cromo o principal componente químico
empregado. O ―wet blue‖ é um dos processos básicos da ação de curtimento e permite a
conservação das peles bovinas por longos períodos para posteriores tratamentos. Deste modo,
pode ser transportada até para outros países para realizar etapas de acabamento, tal como, a
coloração. A produção do ―wet blue‖ determina a contaminação ambiental com o cromo,
especialmente dos mananciais de água.
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Além da degradação ambiental decorrente dos processos de transformação
da indústria de curtimento de couros, os impactos à saúde são indicados em alguns estudos
nacionais e internacionais. A analise do impacto ao ambiente e a saúde dos trabalhadores
mexicanos de curtumes que utilizam o cromo indica que não existe capacitação para os
trabalhadores e desrespeita-se normas de higiene e segurança no trabalho. As alterações
determinadas pela exposição ao cromo ocasionam alterações otorrinolaringológicas,
dermatológicas e oftalmológicas.
Alguns estudo envolvendo a análise de aspectos da saúde de trabalhadores
de curtumes indicam a elevação da pressão arterial como componente do padrão de desgaste à
saúde destes trabalhadores. Na literatura especializada em saúde ocupacional não há registro
da associação entre a Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) e o trabalho em curtumes, mesmo
havendo exposições a ruído industrial e calor, fontes reconhecidas como determinantes de
hipertensão.
Contudo, em um estudo longitudinal iniciado em 1993 e que se estendeu até
o ano de 2000, a associação entre o trabalho em curtumes e HAS foi observado, comprovando
o nexo causal entre saúde e trabalho. De acordo com a pesquisa, ao comparar os níveis de
HAS dos trabalhadores de curtumes com outros grupos que também são expostos a pressão
sonora e calor, tal como trabalhadores da metalurgia, a incidência de HAS continua se
apresentando aumentada. Além da HAS, outro estudo destaca que o trabalho em curtumes,
principalmente em razão da exposição a solventes orgânicas volatilizados, causa lesões nas
fossas nasais e propicia lesões cardiovasculares, atua no Sistema Nervoso Central
determinante oscilações de humor, irritabilidade, cefaléia e náuseas. Outra afecção comum
entre trabalhadores de curtumes envolve a asma ocupacional, detectada em alta prevalência
em trabalhadores paquistaneses.
A análise do desgaste à saúde de trabalhadores expostos a metais pesados e
solventes orgânicos é um campo amplamente abordado pela toxicologia ocupacional. Já foi
claramente demonstrado o nexo causal entre a exposição a estas cargas ocupacionais e os
respectivos agravos. O chumbo apresenta correlação positiva entre sua exposição ocupacional
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e ocorrência de alterações hematológicas, psiquiátricas e respiratórias. Destacam-se as
alterações cognitivas e psicomotoras como as principais perturbações da esfera psiquiátrica. A
exposição ao benzeno presente em colas utilizadas por trabalhadores da indústria de calçados
de Franca (SP) na montagem de calçados determinou alterações hematológicos que podem
determinar, inclusive, a anemia aplástica e a leucose. Além da indústria de calçados, a
siderurgia e a petroquímica também utilizavam largamente o benzeno. Vale salientar que além
dos trabalhadores a população circunvizinha a área industrial onde é utilizado também pode
sofrer seus efeitos deletérios sobre a saúde.
De acordo com a NR 15, a partir de 1997 o benzeno passou a ser substituído
nas atividades industriais e, naquelas situações onde sua substituição não é viabilizada – como
no caso da transformação de derivados de petróleo – regulamentou as condições limites de
exposição dos trabalhadores. Enfatiza-se que entre tantos resultados positivos, a proibição da
utilização do benzeno na produção de álcool anidro evitou a exposição de trabalhadores,
assim como a circulação de centenas de caminhões transportadores pelas estradas.
Na preparação de couros (curtumes) diversas cargas ocupacionais químicas
são utilizadas nas etapas produtivas. Destacam-se entre eles o cromo utilizado na tanagem dos
couros e o tolueno – substituindo o benzeno – aplicado no acabamento das peles bovinas.
A exposição ocupacional ao cromo e ao tolueno exige, de acordo com a NR
7 o monitoramento pelo Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional por
envolveram, principalmente, prejuízos ao aparelho respiratório e aos tecidos cutâneos. De
acordo com a NR 15 determinam pagamento de insalubridade em grau médio. Além das
cargas ocupacionais químicas, no curtume de couros uma parcela de trabalhadores está
exposta ao contato com o sangue e os tecidos bovinos o que caracteriza uma carga
ocupacional biológica. Estes trabalhadores responsáveis por descarregar os veículos
transportadores de couro e depositar as peças de couros nos tanques de processamento
(fulões) desenvolvem atividades insalubres em grau máximo, de acordo com a NR 15.
A baixa mecanização das etapas produtivas e, a conseqüente predominância
de atividades manuais no manejo das peças de couro direcionadas para o curtimento, implica
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exposição aumentada para o conjunto de trabalhadores. A análise de trabalhadores suecos
envolvidos com o curtimento de couro indica o risco aumento de desenvolvimento de câncer,
em comparação com a população em geral e parece propiciar um incremento nos casos de
câncer de próstata.
OBJETIVO
Esta pesquisa teve o objetivo de avaliar as características da organização do
trabalho, as condições de execução e a insatisfação decorrente do processo produtivo de uma
indústria de curtimento de couros bovinos.
METODOLOGIA
A intervenção foi realizada utilizando a entrevista semidirigida com grupos
focais de trabalhadores. Esta técnica de entrevista de grupo foi utilizada em virtude do volume
de informações que é produzido quando um assunto é coletivamente abordado e, também pela
possibilidade de validar algumas informações nos espaços de discussão entre os grupos de
trabalhadores entrevistados. Assim, uma impressão produzida por um grupo pode ser
discutida nos grupos subseqüentes e ocorrer a avaliação de sua pertinência.
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RESULTADOS
As entrevistas semidirigidas com os trabalhadores permitiram a constituição
do quadro apresentado abaixo. Foi dividido em três campos distintos denominados
organização do trabalho; condições de trabalho e insatisfação.
A ausência de uniformes para a execução das atividades cotidianas de
trabalho foi destacada pelos trabalhadores entrevistados como uma situação da organização de
trabalho que gera desconforto. Além do desgaste de vestimentas pessoais em razão de sua
utilização no cotidiano de trabalho elenca-se a preocupação com a exposição do ambiente
doméstico as cargas químicas, a partir da lavagem das vestimentas. Desse modo, poderia-se
considerar a oferta de uniformes aos trabalhadores e o estabelecimento de uma estrutura para
a lavagem dos mesmos como forma de interromper a exposição do ambiente doméstico as
cargas químicas de trabalho.
A demanda que envolve a extensão da jornada de trabalho foi considerada
um ponto crítico para os trabalhadores que iniciam o processo de curtume, pois, ela interfere
no desgaste das capacidades físicas do trabalhador e nas relações estabelecidas no espaço de
sociabilidade. As exigências físicas são elevadas quando surge maior oferta de couro para
processamento industrial, pois reconhecendo a urgência do tratamento do couro, os
trabalhadores necessitam dedicar-se ao início do processamento mesmo que estejam no final
de sua jornada de trabalho. Assim, associa-se à exigência física uma carga psíquica ligada a
urgência de seu ato produtivo. Conforme destacado por alguns trabalhadores, outros setores
industriais têm a possibilidade de controlar a intensidade do trabalho e respeitar a extensão da
jornada ao deixar que uma parcela do trabalho possa ser realizada no próximo dia de trabalho.
Ainda deve-se destacar que a oscilação da demanda produtiva implica em
reduzir a possibilidade do trabalhador capacitar-se profissionalmente (algum ciclo de
educação) em razão da perturbação dos horários de término do turno de trabalho. Desse
modo, o dimensionamento mais preciso dos fluxos de matéria-prima, em associação com
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ajustes na alocação de trabalhadores ao longo da jornada produtiva poderia contribuir para
minorar os impactos dessa característica da organização do trabalho sobre a saúde dos
trabalhadores. A essa característica da organização do trabalho associa-se o questionamento
de que em algumas funções as condições de trabalho são toyotistas e em outras são
tayloristas. Assim, nas condições de trabalho toyotistas as ações tendem a ser polivalentes e
causam incrementos elevados de exigência ocupacional; o trabalhador ―é braço para toda
obra‖. Já nas condições de trabalho tayloristas há maior possibilidade de controlar a
intensidade do trabalho regulando o desgaste do corpo pela velocidade do trabalho executado.
Estabelece-se dessa forma uma relação assimétrica entre setores produtivos
e por isso é questionada a ocorrência da cooperação como fundamento que ofereceria coesão
as relações interpessoais no trabalho. Surge o relato de empoderamento de alguns setores
produtivos que possuem maior efetividade para a resolução de suas necessidades e de
políticas assimétricas para o estabelecimento de benefícios salariais. Tais condições criam
prejuízos para a psicodinâmica do reconhecimento e dificultam que os trabalhadores se
reapropriem dos investimentos psíquicos realizados no cotidiano de trabalho. Quando a
organização de trabalho não reconhece igualitariamente os esforços produtivos, inicia-se o
colapso do engajamento as metas organizacionais e são exigidos níveis crescentes de controle
e punições no trabalho. A conseqüência desta ordem pode ser reconhecida na elevada
competitividade interpessoal e no boicote aos projetos coletivos de uma organização do
trabalho.
A caracterização da diretoria da empresa como punitiva ilustra a redução da
hierarquia organizacional ao controle do trabalho e distancia-se da constituição de uma
referência para mediar conflitos e urgências do cotidiano produtivo. Em virtude dessa
percepção sugere-se o estabelecimento de um espaço de interlocução com a diretoria
empresarial onde projetos para a reestruturação de etapas produtivas pudessem ser discutidos
e geridos. O gerenciamento reduzido a práticas punitivas, também implica num alinhamento
dos trabalhadores a processos ideológicos ligados a cultura da masculinidade viril. Neste
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arranjo cultural da organização, as falhas são consideradas fracassos individuais e que não
mantém nenhuma ligação com estruturas organizacionais.
A empresa passa a apresentar reduzida capacidade de tirar lições de suas
próprias falhas e, o arranjo da cultura da masculinidade viril determina a repetição constante
de problemas anteriormente vivenciados. Descaracteriza-se a possibilidade de constituir uma
empresa qualificante, onde as falhas são tomadas como perspectivas de aprendizagem e de
desenvolvimento organizacional. Completa-se tal quadro com o restrito investimento em
treinamento profissional, conforme apontamento pelos entrevistados. Destacaram que o
aprendizado do processo produtivo desenvolve-se no cotidiano de trabalho; no modelo de
―aprendizado testemunha‖. Importante enfatizar que, em virtude da complexidade dos riscos
ocupacionais em um curtume, o ―aprendizado testemunha‖ pode impulsionar a exposição a
riscos de acidentes do trabalho. Isso ocorreria especialmente com trabalhadores iniciantes,
devido à configuração ainda deficitária das percepções de risco no ambiente e na execução do
trabalho.
A partir desse ponto procede-se a discussão da articulação entre as
condições de trabalho e a insatisfação no trabalho. A identificação de "cargas de trabalho" a
partir do discurso dos trabalhadores auxilia na descrição das condições de trabalho que são
enfrentadas cotidianamente pela CIPA e pelo SESMT, conforme apresentado no Quadro 2
(página seguinte). Os prejuízos a ventilação e a dispersão de vapores e gases foram destacadas
pelos trabalhadores como fontes constantes de desconforto e de preocupação relativa à
ocorrência de agravos à saúde. Considera-se a ênfase da prevenção secundária dos riscos no
ambiente de trabalho em detrimento das perspectivas de prevenção primária. Esta última é
considerada a condição recomendada em patologia do trabalho, pois, as adequações
estruturais e de equipamentos industriais exigidas para sua efetivação eliminariam as fontes
de risco ou reduziriam a exposição ocupacional. Já a prevenção secundária se concentra na
utilização de Equipamentos de Proteção Individual (EPI) e articulasse a um conjunto de
situações pouco eficientes para a prevenção do agravo ao quadro geral de saúde do
trabalhador.
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A reduzida eficiência das ações de prevenção secundária envolve desde a
inadequação dos EPIs à atividade desenvolvida, até mesmo a proteção focal de um conjunto
de trabalhadores sem avaliação da propagação do risco no ambiente de trabalho. No caso da
dispersão de gases, o uso de máscaras como meio principal de prevenção é prejudicada pela
limitação de aspiração de oxigênio em momentos de intenso esforço físico. Como esta é uma
situação constante em alguns postos produtivos, os trabalhadores reclamam de inadequação
do EPI e apontam para a limitação de sua funcionalidade em razão da sensação de
sufocamento. Ainda, esta prática de prevenção secundária não reduz a exposição do coletivo
de trabalhadores da dispersão de gases pelo ambiente. Por isso representa uma medida
paliativa e tem sua orientação preventiva limitada.
A utilização de maquinários antigos e a existência de entraves a reposição
de peças danificadas ocasionam algumas distintas situações contributivas ao risco
ocupacional. O maquinário antigo demanda exigências ergonômicas intensas para sua
utilização e contribuiria para a sobrecarga laboral. Ainda, pode ser elencado como fonte
potencial de risco, pois, para o seu funcionamento, uma série de ―macetes‖ ou práticas
adaptativas necessitam ser utilizadas para mantê-las em funcionamento. Então, nota-se a
presença de uma cultura reativa para manter em funcionamento o maquinário industrial. Na
cultura reativa não são tomadas medidas proativas para evitar o colapso do maquinário e
faltam peças de reposição para manutenção industrial. Por esta razão, além das práticas
adaptativas representarem um risco complementar de acidentes do trabalho, também criam
cargas psíquicas que elevam a tensão entre patamares hierárquicos.
Cargas psíquicas elevadas também estão presentes nas funções de controle e
suprimento de materiais. A cultura reativa da organização de trabalho mantém um estoque de
peças muito reduzido e por isso alguns setores tem dificuldades de sanar suas necessidades.
Assim, ocorreria vazamentos em calhas que não são sanados e até mesmo sobrecargas nos
tanques de resíduos em razão de limitação da manutenção de equipamentos para o
bombeamento de resíduos. A visão produzida pela cultura reativa se expande até as ações
ambientais de controle e tratamento de efluentes. Estão concentradas as responsabilidades
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relativas às ações ambientais em um trabalhador que, caso necessite se ausentar
momentaneamente ou mesmo se afastar por um maior período de tempo, determinaria
prejuízos funcionais à organização. É plausível considerar que a dependência relativa de um
setor a um trabalhador é indicativa de necessidade de instrumentalizar novos componentes
para suprir as necessidades da mesma função.
A insatisfação no trabalho indicou a demora na reposição de botas, a
reduzida prática da ginástica laboral e a ausência de pintura em paredes como situações que
contribuem para a percepção pejorativa das ações de gestão do trabalho. Indica-se ainda, o
anseio dos trabalhadores em obter aprovação para revestir com pisos cerâmicos, áreas de
paredes que necessitam de intensa manutenção da higiene. As dificuldades para obter o
atendimento as demandas acima apresentadas foram destacadas como ilustrativas do
esvaziamento de capacidades hierárquicas para a resolução de demandas organizacionais. As
demandas organizacionais também abrangeriam o espaço ampliado da comunidade e
produziriam uma imagem pejorativa da empresa que impregnaria a identidade dos
trabalhadores. Em razão do impacto ambiental causado por suas atividades e da ausência de
projetos que resgatem a percepção de sinergia entre os interesses da empresa e da
comunidade, os entrevistados indicaram a urgência da delimitação de uma ação que projetasse
a empresa no campo da responsabilidade socioambiental. Esta proposição gerou um paralelo
entre as características da nova unidade produtiva do estado do Paraná e a representação
social pejorativa que a empresa constituiu na comunidade local.
A partir da atividade inicial de caracterização da organização do trabalho,
das condições de trabalho e insatisfação é possível traçar algumas proposições para o
seguimento da atividade de desenvolvimento organizacional.
A primeira proposição refere-se a técnica de intervenção denominada ―can
opener‖ que possibilitaria mobilizar os trabalhadores a pensar medidas que poderiam ser
aproveitadas pela empresa para aprimorar as ações em segurança no trabalho. Sua realização
conta com a apresentação aos trabalhadores de fotografias que retratem ambientes de trabalho
e fontes potenciais de risco. Esta técnica permite avaliar em que grau a percepção dos
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trabalhadores está dirigida as medidas organizacionais ligadas à segurança no trabalho e, se
pautam sua percepção em medidas de prevenção primárias, secundárias, individuais ou
coletivas.
A segunda proposição envolve a divulgação das informações produzidas
pela caracterização organizacional ao coletivo de trabalhadores, num momento concomitante
com a efetivação de alguma mudança indica neste trabalho. Poderia envolver a oferta de
uniformes e sua respectiva lavagem, a criação de uma via ascendente de interlocução com a
área administrativa ou qualquer outra condição que fosse indicativa da constituição de uma
diretriz de mudança na organização de trabalho.
Uma terceira proposição abrangeria o planejamento de algumas alterações
na estrutura do pátio industrial, tal como o revestimento de algumas áreas com pisos
cerâmicos ou adaptações ligadas a ventilação ambiental. Esta intervenção poderia produzir
um efeito positivo de reconhecimento organizacional dos esforços empregados no cotidiano
laboral e fomentar o engajamento dos trabalhadores aos objetivos organizacionais. Concluí-se
que tal medida poderia permitir a ruptura da percepção cristalizada da hierarquia institucional
como punitiva e contribuiria para potencializar a capacidade de resolução de entraves
organizacionais.
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SAÚDE MENTAL E ESTILO DE VIDA DE PESCADORES DO PANTANAL
FIGUEIREDO, V. C. N.;
GALVÃO, L. F.;
MELO, W. F. de;
MENDES, D. D. A. C.;
Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, Campus do
Pantanal (UFMS)
[email protected]
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa é parte integrante do grupo de pesquisa Saúde Mental e Saúde
Coletiva dos grupos ocupacionais específicos da região de fronteira Brasil/Bolívia, da
UFMS/CPAN, e foi realizada em meados de 2008.
A proposta pela qual se buscou nortear o referencial teórico está aqui
fundamentada, na problemática que se instaura nas comunidades que mantém um estilo de
vida tradicional, em que o alcance do capital financeiro tem desapropriado um estilo peculiar
de vida, incluindo valores tradicionais em detrimento das transformações sócio-econômicas,
que surgem como produto de uma nova ordem econômica: a neoliberal.
Historicamente, o pescador artesanal vem sofrendo as consequências dessas
transformações, na qual a acumulação de capital tende a concentrar-se nas mãos de grandes
proprietários de terras, empresários do turismo e comércio de pescado, para os quais são
destinados o produto final da pesca artesanal.
Em Mato Grosso do Sul, a pesca profissional e artesanal é uma atividade
tradicional de grande importância econômica, social, ambiental e cultural para a região, e
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estratégica para a conservação e manutenção dos recursos pesqueiros e do próprio Pantanal,
em toda a Bacia do Alto e Médio Paraguai.
Essa atividade é de fundamental importância para as comunidades
ribeirinhas, como são conhecidos os moradores das margens dos rios, por ser seu principal
meio de subsistência.
A pesca artesanal obteve ascensão devido à adaptabilidade dessas
comunidades, que sobreviveram por longos períodos às margens dos rios e, não podendo
romper de imediato com suas tradições, se viram obrigadas a se especializarem na pesca
artesanal para se manterem vivas.
Entretanto, o turismo de pesca, em meados da década de 1980, tem
impulsionado o desenvolvimento econômico local, mas ao mesmo tempo vem travando uma
larga competição pelo pescado entre o pescador profissional/artesanal e o amador/turista. Tal
competição pelo pescado, motivado por interesses políticos e econômicos, tem desfavorecido
a atividade artesanal, devido à disparidade de tecnologias para a captura do pescado.
Na região de Corumbá-MS, a pesca artesanal, enquanto atividade laboral e
profissional proporciona às comunidades ribeirinhas, uma exploração gradual dos recursos
naturais, adotadas devido uma dependência direta destes recursos, cuja atividade é
estabelecida através de uma estreita relação com a sazonalidade do ambiente pantaneiro. O
que caracteriza o pescador artesanal não é somente o viver da pesca, mas, sobretudo a
apropriação dos meios de produção (embarcações, geralmente talhado em madeira pelos
próprios pescadores e os instrumentos de pesca/petrecho) e o domínio e, profundo
conhecimento tradicional e/ou ecológico sobre a dinâmica ambiental pantaneira, o qual se dá
pelo aprendizado na experiência, o que o leva, a saber relacionar os fenômenos naturais e a
tomar decisões necessárias relativas à captura.
Os pescadores profissionais e artesanais, foco dessa pesquisa, estão
cadastrados na Colônia Z1 de Pescadores Profissionais e Artesanais, e são, de modo geral,
indivíduos de baixa renda, e em sua maioria dedicados exclusivamente à atividade pesqueira,
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as quais fazem parte quase que toda a composição familiar, desde os filhos até os de mais
idade e experiência na atividade.
Na região pantaneira, várias são as modalidades de pesca praticadas, que
variam em função do tipo de peixe procurado e do local escolhido para a atividade no rio,
porém, todas exigem grande dispêndio de energia física. A prática dessas atividades é
extremamente exaustiva, mas também perigosa pela união de diversos fatores dos quais se
destacam: exposição contínua à radiação solar, sem a devida proteção; esforço físico
constante e repetitivo no emprego das remanadas para deslocar a embarcação (canoa, como é
conhecida a embarcação de madeira e, sem motor de popa), muito utilizada quando a pesca é
realizada individualmente. Ausência de equipamentos de segurança, como o colete salvavidas. Enfim, vários são os fatores de risco, inclusive de acidentes que podem estar
relacionados com as condições de trabalho e exercício da pesca artesanal no município de
Corumbá-MS.
Portanto, a investigação diagnóstica deve compreender a busca de
evidências epidemiológicas que revelem a incidência e/ou prevalência de alguns quadros
psicopatológicos em determinadas categorias profissionais, através do estudo do trabalho real,
identificação dos mediadores (os quais permitem a compreensão concreta de como se dá a
passagem entre a experiência vivida e o adoecimento) e com informações decorrentes da
aplicação de testes psicológicos e escalas de saúde.
Assim, é possível notar a importância desta pesquisa para que sejam
verificadas as condições do estado de saúde e/ou adoecimento dessa população, cuja atividade
exercida pelo trabalho artesanal, em detrimento do sistema de produção pode estar levandoos, possivelmente, ao adoecimento físico e sofrimento mental.
Como objetivos, incluíram-se a tentativa de estabelecimento do nexo causal
e a identificação do atual estado de saúde da população de pescadores artesanais.
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METODOLOGIA
A metodologia adotada foi à epidemiológica, na qual se buscou verificar a
prevalência de transtornos psiquiátricos comuns, incluindo estados depressivos, consumo de
álcool e tabaco, disposição e/ou capacidade para o trabalho, bem como a incidência de lesões
auto-referidas pelos próprios pescadores, e provocadas, possivelmente como conseqüência do
trabalho artesanal.
População de estudo: composta por uma amostra de 32 sujeitos, sendo 16
para ambos os sexos. Todos pescadores profissionais e artesanais e cadastrados na Colônia
Z1 de Pescadores Profissionais e Artesanais de Corumbá-MS.
Instrumentos: testes psicológicos e/ou escalas validadas no Brasil, pela
OMS, tais como o ICT - Índice de Capacidade para o Trabalho (Tuomi et al, 2005), apud
(Figueiredo, 2008), que retrata a avaliação que o próprio trabalhador faz sobre sua capacidade
para o trabalho; O AUDIT - Alcohol Use Disorders Identification Test, foi criado pelo
Ministério da Saúde (Babor e Huggins-Biddle, 2001), apud (Figueiredo, 2008), e é utilizado
como instrumento simples de investigação de uso problemático de álcool, e é composto por
dez questões que permitem identificar quatro padrões de uso de álcool: uso de baixo risco (de
0 a 7 pontos), uso de risco (de 8 a 15 pontos), uso nocivo (de 16 a 19 pontos) e provável
dependência(de 20 ou mais pontos).
O SRQ - 20: Self Reporting Questionnaire, com a finalidade de rastrear
transtornos mentais comuns. Validado no Brasil por Mari e Willians (1986), é um
instrumento estruturado e pode ser aplicado por um entrevistador ou auto-aplicado, sendo sua
versão mais utilizada composta por 20 questões (Ludermir, 2000; Ludermir e Melo Filho,
2002; Araújo et al., 2005; Costa e Ludermir, 2005), apud (Figueiredo, 2008), – quatro sobre
sintomas físicos e dezesseis sobre psicoemocionais. As respostas possibilitam o
estabelecimento de um escore, com ponto de corte de 5/6 para homens e de 7/8 para
mulheres, acima do qual o sujeito é considerado portador de Transtorno Mental Comum,
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indicando sofrimento psíquico relevante, como: insônia, fadiga, irritabilidade, queixas
somáticas, esquecimento e dificuldade de concentração.
O Questionário de Tolerância de Fagëstron, o qual tem como objetivos
identificar e medir a dependência nicotínica (Heatherton et al., 1991), apud (Figueiredo,
2008). É composto por três questões que avaliam o fumo matinal considerando-se como
indicador de síndrome de abstinência. Duas questões têm quatro alternativas para resposta
com pontuação variando de 0 a 3, quatro questões têm duas alternativas para resposta
variando de 0 a 1, com um escore final que varia de 0 a 10 pontos que pode ser categorizado
em diferentes graus de dependência, sendo que quanto mais elevada a pontuação mais alta a
dependência.
RESULTADOS
Os resultados parciais apontaram prevalência de cerca de 50% de
transtornos mentais comuns para o sexo feminino e masculino; presença de 6,25% (sexo
masculino) e 0,0% (sexo feminino) de uso nocivo de bebida alcoólica; (sexo masculino)
37,50% fumam até 15,5 cigarros/dia há pelo menos 20,5 anos; (sexo feminino) 25% fumam
até 11 cigarros/dia há pelo menos 23,3 anos; lesões auto-referidas (sexo feminino) 25%, (sexo
masculino) 18,75% sofrem com dores constantes nas costas; sobre a capacidade para o
trabalho o sexo masculino apontou a média de 7,37 pontos, já o sexo feminino apontou 7,31
pontos. Esses resultados refletem uma realidade epidemiológica mais grave para os
pescadores artesanais, enfatizando a preocupação central do estudo: a saúde mental dos
pescadores profissionais e artesanais, grupo social de grande relevância na região.
Portanto, a Psicologia do Trabalho, à luz da epidemiologia, é fundamental
para a verificação e identificação da prevalência de possíveis agravos à saúde do trabalhador,
além de servir de base para a formulação de propostas de prevenção, que embasem programas
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de atendimento e políticas públicas voltadas à esta categoria profissional,
enquanto
compromisso social da Psicologia (Figueiredo, 2008).
Por outro lado, nestas comunidades que mantêm um modo de vida
tradicional e, portanto, artesanal, é possível estabelecer uma relação de causalidade (nexo)
entre a utilização de seu trabalho, mais empregado para sua sobrevivência, com o sistema de
produção ao qual estão inseridos, e dentro dos quais são explorados pela não-adaptação de
crenças, valores, costumes e também de práticas.
É relevante destacar que a epidemiologia destes grupos populacionais
específicos da região de fronteira, como é o caso dos ribeirinhos tem sido muito pouco
pesquisada.
BIBLIOGRAFIA
BEZERRA, B. P.; Tese: A saúde mental no nordeste da Amazônia: estudo de pescadores
artesanais. UNIFESP/EPM. São Paulo, s.n, 2002. [86]
CANIATO, A. M. P.; TOMANIK, E. A. (org). Compromisso Social da Psicologia. In: Rey,
F. G. Os desafios teóricos da Psicologia Social e suas implicações para as ações e o
compromisso social. Porto Alegre: ABRAPSOSUL, 2001.
CATELLA, A. C. A Pesca no Pantanal Sul: situação atual e perspectivas. Corumbá:
Embrapa Pantanal, 2003. 48 p. (Embrapa Pantanal. Documentos 48).
FIGUEIREDO, V. N. C. Implantação do Laboratório de Psicologia do Trabalho e Saúde
Coletiva. In Projeto de pesquisa (dados preliminares). UFMS/CPAN. Corumbá, 2008.
LIMA, M. E. Os problemas de saúde na categoria bancária: Considerações acerca do
estabelecimento do nexo causal. Boletim da Saúde 2006; 20(1):57-68.
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TRABALHO E SAÚDE NOS CANAVIAIS DA MATA SUL DE PERNAMBUCO: A
MODERNIZAÇÃO DA ZONA CANAVIEIRA NA MATA SUL DE PERNAMBUCO E
A PRECARIZAÇÃO DA SAÚDE DO TRABALHADOR RURAL
SANTOS, C. W.;
GEHLEN, V. R.;
CARVALHO, F. A.;
SANTOS, M. O.;
MENDONÇA, E. R.;
Departamento de Serviço Social/GRAPP da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
Agência financiadora: CNPq
[email protected]
INTRODUÇÃO
Este trabalho baseia-se em relatos de experiência, que ainda estão em
andamento, do projeto intitulado: Observatório do Desenvolvimento: Monitoramento e
Avaliação do Programa de Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais na Zona da
Mata Sul de Pernambuco – Edital n° MDA/SDT/CNPq – Gestão de Territórios Rurais, n°
05/2009, que tem por objetivo, analisar a atuação do Programa de Desenvolvimento
Sustentável de Territórios Rurais do MDA/SDT na Zona da Mata Sul de Pernambuco,
mediante a elaboração de sistema de monitoramento e avaliação com utilização de
indicadores de sustentabilidade e envolvimento dos atores locais. O contexto de
desenvolvimento do projeto é a Zona da Mata Sul de Pernambuco, esse território é composto
por 43 municípios, ocupando uma área de 8.738 km2, correspondente a 8,9% do território
estadual. Anteriormente, a maior parte desta área era referida como "região canavieira". O que
representa uma das regiões de maior potencial econômico do Nordeste, pelos recursos
naturais disponíveis (água, solo, etc.), pelas vantagens locacionais (em torno da Região
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Metropolitana do Recife), com razoável infra-estrutura econômica (estradas, portos
marítimos, aeroportos) e abundante contingente de mão-de-obra. Assim como em outros
setores da economia, as atividades agrícolas também vêm passando por um processo de
reestruturação produtiva, ainda que com menos intensidade, técnicas modernas vem sendo
incorporadas ao manejo das lavouras em Pernambuco. As relações de trabalho na cultura da
cana-de-açúcar vêm sofrendo mudanças no atual processo de modernização das usinas de
açúcar e de álcool, através da mecanização do corte da cana. Os efeitos mais visíveis e
contraditórios desse processo de mudança sobre os trabalhadores rurais são a modernização e
a exclusão, consideradas como as definidoras da situação de instabilidade e miséria da força
de trabalho da área canavieira. A intensificação do capitalismo no campo, através da
revolução tecnológica, processou-se de forma socialmente excludente e espacialmente
seletiva, mantendo intocáveis as estruturas sociais, territoriais e políticas, privilegiando com
isso determinados segmentos sociais, econômicos e os espaços suscetíveis de uma
reestruturação sustentadas pelas inovações científico-técnicas e pela globalização da produção
e consumo. Desse modo, o trabalho no campo, sob a égide das relações capitalista de
produção, passa a ser marcado pela extensão da jornada de trabalho, intensificação do seu
ritmo, pagamento por produção, decréscimo real do valor do salário e descumprimento de
direitos trabalhistas. Submetidos a essas novas condições, o trabalhador rural rompe com o
tempo natural e passa a ser regido pelo tempo do capital, pelo tempo que é valor. O trabalho,
porém, é muitíssimo mais do que isso. É a condição básica e fundamental de toda a vida
humana. Em tal grau que, até certo ponto, podemos afirmar que o trabalho criou o próprio
homem. Os cortadores de cana nesse território trabalham cerca de oito horas diárias, sob
radiação solar, dificuldades de acesso a água para hidratação, com ferramentas cortantes,
pesadas e pontiagudas, distante do domicílio, alojamento precário, alimentação inadequada,
além das relações de trabalho precárias e rigidamente hierarquizada. O processo saúdetrabalho passa a ser analisado como conseqüência da relação social de produção, determinada
socialmente pela dialética entre capital e trabalho. Nesta perspectiva, a sujeição dos
trabalhadores às condições impostas pelo capital assume um caráter de exploração da mais-
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valia. Neste relato, a categoria trabalho é entendida como estando vinculada aos padrões
sociais, ambientais, econômicos e políticos vigentes na sociedade mais ampla. No cenário de
reorganização do capital, as novas tecnologias de informatização e automação trazem consigo
a intensificação do processo de trabalho, que acarreta mais sofrimento para o trabalhador. A
saúde do trabalhador entende o processo saúde/doença como um processo histórico-social
expresso no corpo, onde o processo de trabalho é incorporado como categoria central e objeto
fundamental na análise da relação trabalho e saúde.
METODOLOGIA
Visando atender aos objetivos do Regulamento do Edital MDA/SDT/CNPq
– Gestão de Territórios Rurais, n° 05/2009 a presente pesquisa estrutura sua metodologia de
trabalho na ―Avaliação por Triangulação de Métodos‖ de onde derivaram três eixos de
monitoramento e avaliação que são integrados à proposta de Sistema de Gestão Estratégica do
PDSTR: Análise da Política Pública, tendo como objeto principal a atuação do Programa de
Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais (PDSTR) na Zona da Mata Sul de
Pernambuco; Análise do Plano de Desenvolvimento Sustentável, tendo como objeto principal
a implementação do Plano Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentável da Mata Sul/PE
e a Análise da Efetividade (efeitos/mudanças), tendo como principal objeto as condições de
―estado-pressão-resposta‖ apresentadas nos territórios rurais em estudo, tendo como
principais indicadores o Índice de Condições de Vida (ICV) e o Índice de Desenvolvimento
Sustentável (IDS). A partir desses eixos, vários métodos estão sendo utilizados visando
coletar informações e produzir dados relacionados aos primeiros cinco componentes do
Sistema de Gestão Estratégica, a saber: territórios, atores, planos, projetos e colegiado. Esses
métodos integram um amplo sistema de monitoramento e avaliação da Gestão Social do
Território Rural da Mata Sul de Pernambuco. Segue-se uma explanação das referências
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teóricas da proposta metodológica deste projeto, conceituando a Avaliação por Triangulação
de Métodos, e os métodos de análise propostos para cada eixo de monitoramento e avaliação.
A avaliação pode ser entendida como um processo essencialmente humano e possui muitas
noções. Em um sentido amplo avaliar significa julgar, estimar, medir, classificar, analisar
criticamente alguém ou algo. Enquanto técnica e estratégia investigativa, a avaliação se
constitui como um processo sistemático de fazer perguntas sobre o mérito e relevância de uma
proposta, projeto, programa ou política pública, e para que ela ocorra é necessário o
atendimento de quatro critérios básicos: a dimensão da utilidade; a dimensão da viabilidade; a
dimensão da ética; a dimensão da precisão técnica; diante da necessidade crescente que a
sociedade e o poder público têm de estabelecer mecanismos de Controle Social sobre as
políticas públicas e seus programas de intervenção. A Avaliação por Triangulação de Métodos
tem se tornado um importante arcabouço metodológico capaz de orientar dinâmicas de
investigação e de trabalho que integram a análise das estruturas dos processos e dos
resultados, a compreensão das relações implicadas na implementação das ações e a visão que
os diferentes atores constroem sobre todo um projeto ou política pública em implementação.
Dentro do eixo ―Análise da Política Pública‖ estão sendo utilizados dois tipos de
procedimentos metodológicos com indicadores próprios para analisar e avaliar a atuação do
Programa de Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais (PDSTR) da Mata Sul de
Pernambuco. O primeiro método analisa e avalia como estão estruturadas as políticas de
desenvolvimento e em que grau de ―maturidade‖ estas se encontram. O segundo tipo visa
avaliar em que medidas (quantitativa e qualitativa) as políticas estão sendo sustentavéis. É
importante o conhecimento sobre o conceito de políticas publicas para que estes métodos
sejam efetivos. Estas podem ser compreendidas como ações de iniciativa governamental de
interesse público, construídas em coletividade e que depende de quatro fatores para sua
efetivação, que são: base na legislação, aparato institucional com recursos e infra-estruturas
suficientes, planejamento e controle social. Os procedimentos metodológicos para análise e
avaliação da política pública engloba três elementos considerados inerentes a visualização de
sua lógica: O ciclo de análise e avaliação com sua divisão em ―passos‖, os processos
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analíticos, e os instrumentos de análise. Assim, os procedimentos metodológicos dividem-se
em fases e que dentro de cada uma delas ocorrem outros processos cuja execução depende da
utilização de recursos necessários. O primeiro passo (fase) é denominado Análise do
Arcabouço Legal que é caracterizado pelo conjunto de atividades de análise documental da
legislação e aparatos legais ligados à questão principal na política. O segundo passo é a
Análise do Aparato Institucional caracterizando-se pela análise e verificação de condições de
existência do órgão gestor responsável pela execução da política pública, observando se as
demandas reais da gestão estão sendo supridas de maneira satisfatória. A Análise do Modelo
de Planejamento e Gestão é o terceiro passo e caracteriza-se pela análise da atuação do órgão
gestor mediante planejamento, programas específicos para a concretização da política. O
quarto passo é a Analise do controle Social, nessa fase o conselho ou órgão colegiado é
avaliado, analisando ainda sua funcionalidade. O quinto e último passo é denominado Análise
do Contexto e Avaliação da Política onde são descritos o contexto político, social, ambiental e
econômico frente a política pública analisada. A análise do Plano de Desenvolvimento
Sustentável é um dos pormenores da Avaliação por Triangulação de Métodos adotada nesta
proposta. Constitui-se num procedimento metodológico cujo objeto principal é o Plano
Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentável da Mata Sul/PE e sua implementação. É
uma análise que apresenta uma sistemática de monitoramento e avaliação do plano quanto a
sua eficácia, ou seja, se analisa e se demonstra para os atores interessados de forma
quantitativa e qualitativa o quanto o Plano de Desenvolvimento Sustentável tem sido
implementado através de indicadores de desempenho.
Na análise da efetividade
(efeitos/mudanças) ocorre o monitoramento e avaliação tendo como principal foco as análises
das mudanças qualitativas e quantitativas decorrentes das políticas, programas ou projetos
sobre as condições de vida da população ou sobre o estado das condições do meio
socioambiental. Para essa abordagem uma série de indicadores estão sendo definidos com
base no diagnóstico situacional elaborado nas etapas anteriores do estabelecimento do Plano
de Desenvolvimento Sustentável do Território para uma avaliação entre o antes e o depois da
implementação das políticas.
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RESULTADOS
Os resultados da pesquisa são parciais, pois o projeto ainda não conclui seu
tempo de execução. Porém, podemos inferir em determinados pontos de acordo com as visitas
na Zona da Mata Sul de Pernambuco. Ao todo foram visitados 10 municípios e suas zonas
rurais. As configurações em relação ao trabalho são muito parecidas nos municípios, contudo,
se intensificam de acordo com as relações estabelecidas naquela região. Dos dez municípios
visitados, nove, as relações de trabalho que se estabelecem são em torno dos grandes
canaviais. Em apenas um, a agricultura familiar é, majoritariamente, a forma de sobrevivência
da população. As pessoas trabalhadoras das regiões canavieiras são em sua maioria, homens,
de todas as idades, analfabetos e politicamente desarticulados. As condições de trabalho são
totalmente precarizadas, isso porque, a jornada de trabalho nos grandes engenhos, são
superiores a oito horas; não possuem equipamentos adequados para o corte, carregamento e
estoque da cana de açúcar; trabalham sobre a forte radiação solar; expostos a animais que
ficam entre as canas; inalam as fuligens liberadas na queimada da cana, pois esse método
continua sendo o mais usado para facilitar no corte e para perda mínima da cana. Na maioria
das vezes foi possível observar que os trabalhadores moram dentro dos engenhos, as casas
pertencem aos donos desses engenhos, não podendo o morador realizar nenhum tipo de
melhoria nas casas, ficando a disposição dos administradores essa atividade. Após um dia
inteiro de trabalho essas pessoas ao chegarem em ―suas‖ casas, não dispõem de boas
acomodações e infra-estrutura que permita descansar ou repousar para uma nova jornada no
próximo dia. Não existe banheiro na maioria das casas sendo apenas um para um grupo de
oito famílias. A exploração do capital sobre esses trabalhadores é visível, nas suas mais
diversas formas, na seno precarizado só o trabalho, mas também suas condições de vida e
reprodução social. O sofrimento dos trabalhadores não se resume apenas ao físico, mas
também, psicológico, pois vivem sob uma forte relação de hierarquia, além dos ganhos ainda
serem por tonelada/cortada, aumentando assim a carga laborativa, já que o discurso é que,
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quanto mais se corta, mas se ganha. Além das condições de trabalho não se ajustarem a uma
realidade ideal, os cortadores de cana-de-açúcar no território da Zona da Mata Sul de
Pernambuco, não dispõem de serviços sociais públicos, como educação, saneamento básico,
saúde e lazer. A condição educacional é precária, faltam escolas e professores qualificados
para aquela realidade, por isso o número de analfabetos é expressivo, pois, para estudar é
necessário ir à cidade, ou ―rua‖ como gostam de chamar as famílias rurais, mas a necessidade
do trabalho é imediata, onde muitos não conseguem conciliar. A total falta de saneamento
básico em todas as zonas rurais visitadas, além da falta de coleta de lixo, que expõe a
população e o meio ambiente a um risco constante. Com a falta de coleta o lixo é acumulado
em cada uma das casas, posteriormente, os moradores ateiam fogo, gerando uma fumaça
cheia de toxinas sendo prejudicial à saúde, infectando o solo, ar e água. Não existe hospital
nessas áreas, quando acontece algum acidente de trabalho, por exemplo, é necessário se
deslocar até o município mais próximo, os postos de saúde da família são escassos e atendem
mais de uma zona rural. Outro ponto que se pode observar na pesquisa é a respeito das
famílias que moram próximo às usinas ou engenhos. Essas famílias sofrem com problemas
advindos da produção, devido sua exposição a fatores que afetam a saúde. As chaminés
soltam no ar toda fumaça da produção, gerando a fuligem que cai do céu como chuva, sobre a
população que desenvolve problemas respiratórios e outras perturbações físicas. Esses
resultados são parciais, como já foi dito, mas expressão da realidade que foi observada nesse
período de pesquisa. É importante evidenciar as precárias condições de vida e trabalho desses
cortadores de cana, pois são penalizados e não conseguem visualizar no trabalho sua maior
criação. O trabalho é criação, é motor de civilização e fonte de realização das potencialidades
da natureza social do homem que ao criar o trabalho é recriado e modificado pela atividade a
que deu vida. A necessidade de continuar estudando e investigando, esses processos de
trabalho, podem ser um importante mecanismo para as Ciências Sociais e demais áreas do
conhecimento para contribuírem na exposição da realidade vivenciada em que se configura o
trabalho no território onde predomina a produção canavieira.
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BIBLIOGRAFIA
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A ESTRATÉGIA DA CARTEIRA DE SAÚDE DO TRABALHADOR DA CANA-DEAÇÚCAR
MORAES REGO, E. F.;
CORREA Fº., H. R.;
Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade
Estadual de Campinas (UNICAMP)
[email protected]
INTRODUÇÃO
O Brasil é o maior exportador mundial de cana-de-açúcar e sua indústria é o
agronegócio que mais cresce nos últimos anos. Entre as safras 2003/2004 e 2010/2011 a
produção de cana-de-açúcar destinada ao setor sucroalcooleiro cresceu 82%, passando de 357
milhões de toneladas para 651 milhões. Em 2006 - ano da criação da unidade de pesquisa
Agroenergia vinculada à Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) a
produção foi de mais de 425 milhões de toneladas de cana-de-açúcar em seis milhões de
hectares de terra. No período, a produtividade subiu 20%, saindo de 66 toneladas por hectares
para 80 toneladas por hectare. A produção de etanol saltou de 12 bilhões de litros para 28
bilhões de litros (aumento de 94%) e a de açúcar passou de 22 milhões de toneladas para 38
milhões de toneladas (expansão de 53%). Essa tendência de crescimento continua ao longo
dos anos. As exportações de etanol registraram crescimento de 402% entre 2003 e 2009,
quando evoluíram de 60 milhões de litros para 3,2 bilhões de litros. Os embarques de açúcar
subiram 12 de milhões de toneladas para 24 milhões de toneladas (88%). Estima-se que até
2012 a produção anual de etanol no Brasil seja de 35 bilhões de litros. A área plantada com
cana-de-açúcar principais Estados produtores da região centro-sul do Brasil atinge 7,722
milhões de hectares na atual safra 2010/2011. Os dados são do projeto Canasat de
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mapeamento da cana-de-açúcar por imagens de satélite, do Instituto Nacional de Pesquisas
Especiais (INPE), que acompanha o avanço da cultura na maior região produtora do mundo
desde 2005/2006. O levantamento apontou que as lavouras de São Paulo parecem ter chegado
ao limite de avanço, após uma onda de crescimento da cultura no maior Estado produtor do
país desde 2003. Em 2010/2011, a área paulista de cana disponível para a colheita atingiu
4,996 milhões de hectares. Em 2009, o governo paulista limitou a expansão da cultura através
do Zoneamento Agroclimático para a cultura no Estado. Na safra atual, Minas Gerais tem a
segunda maior área de cana, com 726,34 mil hectares, seguido de Goiás com 630,65 mil
hectares e Paraná com 630,15 mil hectares. A cana-de-açúcar sempre influenciou a economia
e a história do país e o setor foi fortemente impulsionado com criação do Pró-Álcool, de 1972
a 1995, pela da alta do petróleo e conseqüente crise internacional dos anos 70. O governo
brasileiro incentivou o aumento da área plantada de cana e a estruturação do complexo
sucroalcooleiro, oferecendo subsídios e incentivos. O Instituto do Açúcar e do Álcool, por
exemplo, foi responsável pelo comércio e exportação do produto, subsidiando a centralização
industrial e fundiária em prol da ―modernização‖ do setor, proporcionando terras férteis,
meios de transporte, energia, infra-estrutura. O aumento da área plantada, como em São Paulo
que já chegou ao seu limite, caracterizando monocultura - para a produção de
agrocombustíveis - tem trazido sérias conseqüências. Uma delas é a ampliação da grilagem de
grandes áreas de terras públicas pelas empresas produtoras, além de ―legalizar‖ as já
existentes. O ciclo da grilagem no Brasil costuma começar com o desmatamento, utilizandose de trabalho escravo, depois vem pecuária e a agricultura, que atualmente, com a expansão
da produção de etanol, completa-se com a monocultura da cana. Neste ciclo, a agroindústria
energética está baseada na exploração de mão-de-obra barata e até mesmo escrava. Os
trabalhadores são remunerados por quantidade de cana cortada e não por horas trabalhadas.
Em São Paulo, maior produtor do país, a meta de cada trabalhador é cortar entre 10 e 15
toneladas de cana por dia e recebem R$2,92 por tonelada de cana cortada e empilhada.
Segundo dados do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Cosmópolis, atualmente o piso
salarial é de R$ 475,00 por mês equivalente a uma média de 10 toneladas de cana cortada por
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dia. Para isso, são necessários 30 golpes de facão por minuto, durante oito horas diárias.
Atualmente, a cana de açúcar transgênica, mais leve e com maior nível de sacarose, representa
ainda maior exploração dos trabalhadores, pois que ―antes 100m² de cana somavam 10
toneladas, hoje são necessários 300m² para somar 10 toneladas‖, segundo pesquisa do
Ministério do Trabalho e Emprego, mas que significam mais lucros para os usineiros.
Segundo a pesquisa da Fundacentro, um órgão do Ministério do Trabalho e
Emprego, ―O açúcar e o álcool no Brasil estão banhados de sangue, suor e morte‖, pois a
exploração humana no trabalho nos canaviais tem causado sérios problemas de saúde e até a
morte dos trabalhadores. Entre 2004 e 2007 foram registradas 21 mortes por exaustão no corte
da cana. Em 2005, outras 450 mortes de trabalhadores foram registradas pelo MTE nas usinas
de São Paulo. As causas destas mortes são assassinatos, acidentes de trajeto, doenças
cardíacas, câncer, além de casos de trabalhadores carbonização durante as queimadas.
O trabalho escravo é comum no setor e em geral os trabalhadores são
migrantes do nordeste ou do Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, aliciados por
intermediários ou ―gatos‖, que selecionam a mão-de-obra para as usinas. Em 2006, a
Procuradoria do Ministério Público fiscalizou 74 usinas no estado de São Paulo e todas foram
autuadas. Em março de 2007, fiscais do MTE resgataram 288 trabalhadores em situação de
escravidão em seis usinas de São Paulo. As condições a que são submetidos os trabalhadores
migrantes em São Paulo no período da safra caracterizam super-exploração e padrão subhumano, favorecendo a ocorrência de eventuais mortes no setor. São em torno de 50 mil
migrantes somente na cana, segundo a Pastoral dos Migrantes e as condições de vida e
trabalho dessas pessoas violam sistematicamente os direitos humanos.
Para a grande maioria dos migrantes essa situação inicialmente sazonal,
torna-se permanente por falta de alternativas de emprego em suas regiões de origem e assim
sendo, na entressafra, um número mais reduzido de mão-de-obra é utilizado para o preparo da
terra, plantio e aplicação de agrotóxicos. A monocultura latifundiária, pelo seu caráter
sazonal, caracteriza um modelo baseado no desemprego ao final da safra; o que leva os
trabalhadores a submeterem-se a condições precárias de trabalho. O ciclo de vida no estado de
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São Paulo inicia-se com os trabalhadores sendo aliciados por ―gatos‖ ou ―turmeiros‖, que, em
geral, são também os donos dos caminhões ou ônibus que realizam o transporte, de caráter
clandestino, em conhecidas ―excursões‖, que são caras e que já endividam o migrante antes
mesmo de iniciar o trabalho no canavial e receber seu primeiro salário. Os trabalhadores
migrantes chegam aos municípios canavieiros, ―cidades-dormitórios‖, para viverem em
cortiços, barracos ou ―pensões‖. Apesar da situação precária, os custos com moradia e
alimentação são muito acima da média paga pela população em geral. Algumas usinas
oferecem alojamentos, em geral nos arredores dos canaviais, muitos longe do perímetro
urbano. Já as ―pensões‖ são barracos ou galpões improvisados, superlotados, sem ventilação
ou condições mínimas de higiene e, por não cumprirem o Código de Vigilância Sanitária,
existem na clandestinidade simulando casas de família. A precarização do modelo de
arregimentação, contratação, moradia, alimentação e transporte para os canaviais, é reforçada
pela incorporação tecnológica, pois o trabalho humano torna-se exaustivo e de caráter
exploratório, ao destinar aos trabalhadores o corte da cana em condições mais difíceis, onde o
terreno não é plano, o plantio é irregular e a cana de pior qualidade, ao passo que as áreas
planas e contínuas ficam reservadas para as colheitadeiras. Estas, causam maior compactação
do solo e prejudicam as mudas que deveriam rebrotar, superexplorando o trabalho humano, já
que impõe severas exigências como o corte rente ao solo (para aproveitamento da
concentração de sacarose) e a ponteira da cana bem aparada. O pagamento por produção é
um agravante na superexploração da mão-de-obra escravizada, pois, metros e metros de cana
precisam ser cortados para atingirem um valor salarial melhor, apesar dos próprios
trabalhadores não conseguirem prever o pagamento do final do mês já que nem sabem
converter o valor da cana cortada para o da tonelada. A maioria não tem controle da pesagem
ou metragem de sua produção diária, que é exercida pela usina, o que propicia a manipulação
e fraude dos dados, e a pagar menos do que de direito. Denúncias chegam aos Sindicatos dos
Trabalhadores Rurais locais.
Não bastasse a condição de cortar a pior cana e nos piores terrenos por
―perder‖ a tarefa mais leve para o maquinário sofisticado de alta tecnologia, esta mecanização
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da colheita da cana-de-açúcar vem aumentando e preocupando os trabalhadores, já que o
desemprego torna-se sua principal e imediata conseqüência, apesar da tendência de ser
mantido o corte manual, pois que mais de 60% da colheita da cana é assim feita no Brasil e
com baixos salários e precariedade de condições de trabalho, o que representa maior
lucratividade das empresas; que tende então a menos investir em maquinário, aumentando a
exigência humana na produção.
Estudo da Universidade Metodista de Piracicaba e do Centro de Referência
de Saúde do Trabalhador, revela as condições físicas em que fica o cortador de cana: em 10
minutos o trabalhador derruba 400 quilos de cana, desfere 131 golpes de podão, faz 138
flexões de coluna, num ciclo médio de 5,6 segundos cada ação. O trabalho é feito em
temperaturas acima de 27ºC com muita fuligem no ar e ao final do dia terá ingerido mais de
7,8 litros de água, em média, desferido 3.792 golpes de podão e feito 3.994 flexões com
rotação da coluna. A carga cardiovascular é alta, acima de 40%, e em momentos de pico os
batimentos cardíacos chegam a 200 por minuto. O estudo mostra ainda que nesta atividade,
cerca de 30 fatores podem causar um acidente de trabalho, o que é confirmado pelo elevado
índice de acidentes e mortes pela exaustão. Esta é uma das atividades econômicas com maior
número de registros de acidentes de trabalho no país, mesmo levando em conta que são
apenas de trabalhadores formais (com registro em carteira de trabalho), não contabilizando os
acidentes ou as doenças de empregados informais, que são maioria. As 21 mortes registradas
por exaustão no corte da cana ocorreram durante ou imediatamente após a jornada de
trabalho. Antes de morrer, os trabalhadores apresentaram câimbras, tontura, dores de cabeça
e, em alguns casos, sangramento nasal, sinais sugestivos de excesso de trabalho. Além das
mortes ocorridas nos canaviais, há aquelas não registradas como decorrentes do trabalho, pois
que ocorrem tardiamente, em conseqüência de doenças crônicas, como o câncer; levando à
morte física e/ou falência social de muitos trabalhadores. Outras situações freqüentes são
aquelas em que o trabalho penoso do corte de cana, precipita, acelera ou agrava doenças que
os trabalhadores são portadores e desconhecem-na, pois não apresentam diagnóstico prévio,
como a doença de chagas e esquistossomose entre outras, adquiridas nas regiões de origem
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dos migrantes, onde são endêmicas. Os movimentos repetitivos no corte da cana causam
tendinites e problemas de coluna, descolamento de articulações e cãimbras ou ―birolas‖ que
são provocadas por perda excessiva de potássio, seguidas de tontura, dor de cabeça e vômito e
desidratação aguda. Muitos trabalhadores usam medicamentos (como injeções chamadas de
―amarelinhas‖) e drogas (como crack e maconha) para aliviar a dor e estimular o rendimento.
Para cortar 10 toneladas de cana por dia, o trabalhador precise repetir cerca de 10 mil golpes
de facão. Na busca de aumentar o salário e por ser o ganho definido pela produção de cana
cortada, muitos disputam o status de maior cortador, nem que isso implique em abdicar das
pausas para descansar, tomar água ou comer. Assim, os campeões da cana um dia; tornam-se,
no futuro, os doentes, demitidos ou afastados pelas doenças ósteomusculares relacionadas ao
trabalho, DORT, popularmente conhecidas por LER, lesões por esforço repetitivo, um grave
problema da saúde pública. São também freqüentes os ferimentos e mutilações causados por
cortes de facão, principalmente nas pernas e nas mãos, acidentes estes raramente notificados
pelas empresas, aos órgãos competentes que não tem o controle ou mapeamento real da
situação. Muitos trabalhadores doentes ou mutilados, apesar de impedidos de trabalhar, não
conseguem aposentadoria por invalidez. A má qualidade dos equipamentos de proteção
especial, os EPIs, facilita a ocorrência destes acidentes de trabalho. A luva arrebenta a mão do
trabalhador e os mais novos na atividade em geral perdem as impressões digitais dos dedos e
escoriam os membros superiores, por abraçarem a cana para o corte Os óculos protetores
produzem dor de cabeça, porque embaçam com o suor, forçando a vista, ou seja, não foram
feitos para o corte da cana. A fuligem causada pela queima da cana provoca muita coceira. Os
sapatões nem sempre repostos após desgaste, expõem os pés, inclusive a cobras e escorpiões.
Com as denúncias das condições de trabalho e dos casos de morte por exaustão nas lavouras
de açúcar, o Ministério Público do Trabalho tem intensificado as fiscalizações das empresas; e
as parcerias formadas, como o ―Fórum da Cidadania, Justiça e Cultura de Paz de Piracicaba e
Região‖ que vem estabelecendo ―Propostas para a ação integrada de Órgãos Públicos e
Organizações Não Governamentais junto ao Setor Sucro-Alcooleiro, objetivando melhoria
das Condições de Vida e Trabalho dos Cortadores de Cana na região de Piracicaba‖.
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METODOLOGIA E RESULTADOS
Diante das denúncias de irregularidades nos alojamentos e moradias urbanos
e rurais, do uso indevido dos equipamentos de proteção individual inadequado e das
ferramentas, do não cumprimento dos direitos trabalhistas, das más condições de transporte
do alojamento aos canaviais e vive-versa, dos elevados índices de acidentes de trabalho e de
doenças ocupacionais, da invalidez permanente de muitos trabalhadores sem amparo social e
culminando com a morte por exaustão de um trabalhador; no dia 11 de abril de 2007, o Fórum
da Cidadania, Justiça e Cultura de Paz de Piracicaba e Região, acolhendo proposta da SubDelegacia do Ministério do Trabalho e Emprego de Piracicaba juntamente com o CEREST –
Centro de Referência em Saúde do Trabalhador de Piracicaba, em plenária na Câmara de
Vereadores de Piracicaba, convidou os envolvidos com o trabalho da cana para viabilizarem
um programa de atenção ao trabalhador rural tendo em vista as condições de super-exploração
e violação dos direitos humanos a que são submetidos os trabalhadores migrantes do corte de
cana em São Paulo. O Fórum constitui-se num grupo com representações dos setores
envolvidos, como os trabalhadores rurais e as entidades sindicais na região, Pastorais do
Migrante e da Criança, Federação de Empregados Rurais Assalariados do Estado de São
Paulo, Associação dos Fornecedores de Cana de Piracicaba; representantes de usinas,
Conselho Regional dos Corretores de Imóveis, Conselhos Municipais de Saúde,
Universidades como a Metodista de Piracicaba, a Procuradoria Regional do Trabalho de
Campinas, a Direção Regional de Saúde de Piracicaba, as Vigilâncias Sanitárias dos seus 26
municípios e, com adesões maciças de outras representações, sejam patronais, trabalhadoras
ou públicas e de outros municípios do Estado e de outros, como Rio de Janeiro. O Fórum
objetiva a criação de uma rede de informação que possibilite o acesso rápido às
irregularidades constatadas; o contato direto de seus membros viabilizando a fiscalização e
divulgação na mídia e; estabelecer ação conjunta e planejada frente às irregularidades com as
providências cabíveis e, a criação de um programa de promoção e prevenção à saúde do
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trabalhador rural migrante do setor sucroalcooleiro em Piracicaba e Região, depois extensivo
a todo estado de São Paulo, garantindo dignidade e equidade com base nos direitos humanos.
A aplicação, cumprimento e fiscalização deste programa, de atenção à saúde do trabalhador
rural tem fundamento legal através da Procuradoria Regional do Trabalho de Campinas, da
Sub-Delegacia Regional do Trabalho de Piracicaba, do Grupo Regional de Vigilância
Sanitária de Piracicaba, do Grupo Regional de Acompanhamento e Implantação da RENAST
(Rede Nacional de Atenção à Saúde do Trabalhador) – GRIAR e das Vigilâncias Sanitárias
Municipais dos 26 municípios e seus Programas de Saúde do Trabalhador. Após a análise das
irregularidades e mapeamento dos riscos a que estão expostos, foram definidos três módulos
de ação e intervenção nas condições de vida, saúde e trabalho dos migrantes trabalhadores no
corte de cana-de-açúcar de Piracicaba e região: moradia, saúde propriamente dita e
transportes. Cada frente de ação teve designado um grupo de planejamento e intervenção e a
mim coube a coordenação da saúde propriamente dita dos migrantes trabalhadores na canade-açúcar, integrando a educação e a vigilância à Saúde do Trabalhador. Como metodologia;
antes de estabelecer diretrizes à saúde do trabalhador canavieiro, foi necessário conhecer o
fluxograma desde sua origem e contratação até sua chegada, instalação e início da atividade
laboral, a fim de que se pudesse compreender as reais possibilidades e limitações desta
população que, em algum momento está tendo sua primeira experiência na cana-de-açúcar em
sistema de trabalho sucro-alcooleiro, muito diferente da cultura da cana-de-açúcar de
subsistência que conheciam. O recrutamento de trabalhadores inicia-se com a ampla
divulgação por parte das usinas do processo seletivo de interessados em vir para o corte de
cana no estado de São Paulo. As condições de extremo subdesenvolvimento das regiões mais
comuns de emigração, como o norte de Minas Gerais e o nordeste, principalmente da Bahia,
onde vivem a miséria da fome e seca aliadas a baixíssimos salários quando há algum trabalho
árduo e sofrido; transformam a propaganda do trabalho canavieiro em São Paulo em
verdadeiras apologias de vida confortável, sadia e feliz. Cada um que volta ao fim da safra,
chega à sua origem com enormes carregamentos de eletro-eletrônicos como televisões,
aparelhos de som, computadores que nas origens jamais conseguiriam comprar; o que
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deslumbra aqueles que nunca vieram experimentar o duro sacrifício da vida ingrata, solitária e
mendigante, a que se submetem em troco de um bem de consumo ilusório de vida melhor. Por
todas as cidades são pendurados cartazes anunciando a ―realização de um processo de seleção
para a safra‖ citando o endereço que os interessados devem procurar e a lista de documentos a
serem apresentados – registro de nascimento - RG, cadastro de pessoa física – CPF, carteira
de trabalho e certidão de nascimento ou casamento. No endereço citado encontra-se o fiscal
agrícola, conhecido por ―turmeiro‖ ou ―gato‖. É importante ressaltar que o fiscal jamais
procura o trabalhador. Diante do fascínio e sonho de vida melhor em São Paulo; é sempre o
trabalhador que procura o fiscal. Procedida a seleção, que, em geral resume-se à entrega dos
documentos solicitado, inicia-se a segunda etapa, que é a viagem da origem para São Paulo.
Como nestas cidades bem interioranas não existem transportes coletivos interestaduais, o
―turmeiro‖ oferece condução, que é própria, por preços muito elevados, mas que para aqueles
que desejam emigrar, configura como única alternativa e solução ―salvadora da pátria‖. Os
migrantes sentem-se como que ajudados e gratos, sem perceber que, ainda na sua cidade de
origem, a exploração e escravidão já se iniciaram, com o primeiro mês de trabalho
comprometido para pagar a caríssima passagem de vinda para São Paulo. Ao chegarem a São
Paulo depois de mais de um dia de viagem, são levados aos alojamentos ou moradias que os
―turmeiros‖ já intermediaram a locação, em preços também elevados – por pessoa –
totalizando um valor de aluguel bem acima do que seria se alugado para um coletivo familiar.
Uma vez estabelecido na moradia ou alojamento e iniciado o trabalho no canavial nas
condições e ocorrências já citadas acima, tem-se o cotidiano dos migrantes de durará o
período da safra de forma rotineira e repetitiva de casa – canavial, canavial – casa; rotina esta
quebrada apenas e ingratamente pelo sofrimento físico, psíquico e social que a submissão e
desgaste do trabalho acarretam, ou seja, a ida aos pronto-socorros mais próximos ou por
acidente de trabalho ou por doença originada no ambiente de trabalho. Os acidentados são
levados aos hospitais individualmente pelo ―gato‖ que possuem um veículo, em geral velho,
já para esta finalidade, pois na maioria são representados por ferimentos corto-contusos, ou
seja, cortes pelos facões, e por causa do sangramento, são levados de imediato à instituição
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mais próxima de assistência. Os adoecidos, já são levados em grupos, pelo ―gato‖ que, ao
final da jornada de trabalho do dia, lota o carro e leva-os naquele mesmo hospital para
atendimento clínico. Em geral, são migrantes que, ou não se adaptaram à brusca mudança
climática e às péssimas condições de moradia, com quadros de gripes, pneumonias e outras
afecções respiratórias; ou sentindo a brutalidade do serviço, com lombalgias e dores
ósteomusculares nas diversas partes do corpo, como membros superiores. Ao dar entrada nos
serviços de saúde, o trabalhador migrante desconhece toda a dinâmica do sistema de saúde
local e; por humildade e timidez, somando-se também à diversidade e choque culturais e
linguísticos, tem dificuldade de comunicação e expressão de suas sensações físicas, psíquicas
e sociais. Os serviços de saúde recebem-nos em regime de universalidade, porém sem nunca
tê-los visto antes e sem possibilidade de conhecer as condições de vida e saúde prévias; num
contexto de urgência – emergência em que apenas a queixa principal é abordada e aliviada. A
alta demanda de atendimentos nos pronto-socorros, na maioria das vezes fazendo o papel da
rede básica de atenção primária, para poucos profissionais de saúde é um fator limitante para
a integralidade do atendimento. Com base na rotina dos trabalhadores e nos dados
epidemiológicos, foi possível estabelecer metas e propor um novo fluxograma de ações
voltadas à prevenção, promoção, assistência e reabilitação destes migrantes. Na magnitude do
Sistema Único de Saúde, podemos dividir as ações em dois grupos: de Promoção e Prevenção
e de Assistência e Reabilitação, tendo no primeiro grupo, o trabalhador como protagonista e
no segundo, o serviço executante. Quanto à promoção e prevenção, é condição fundamental a
busca do conhecimento e retrato vivo da saúde do trabalhador de forma integral, pois que ele
vem de terras distantes com características epidemiológicas singulares e adversas
especialmente quanto à morbidade. Doenças endêmicas do nordeste migram junto com os
trabalhadores para São Paulo, onde se agravam, especialmente pelas condições exaustivas e
consumptivas de trabalho. Destacam-se dois fundamentais pilares de ação: aquele baseado no
trabalhador migrante enquanto indivíduo que tem identidade própria e, portanto características
físicas, psíquicas e sociais específicas. Somente com um Programa de Controle Médico e
Saúde Ocupacional bem executado e de forma rigorosa, pode-se delinear o perfil de saúde
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que cada cidadão apresenta e traz da sua cidade de origem. Em certa ocasião foram realizados
exames de fezes no meio da safra de um grupo de migrantes de certo alojamento da região e,
foram diagnosticados em torno de 25 casos de esquistossomose e doença de Chagas, o que
poderia ter sido evitado se antes do início da atividade fossem realizados exames
admissionais, como de fezes para investigação desta doença tipicamente endêmica nas origens
dos migrantes, assim como Chagas, entre outras. Outro caso de destaque, ocorrido no
município de Santa Maria da Serra, foi de um trabalhador com síndrome de consumo
acelerada pelo desgaste físico ocupacional e que teve diagnosticado um câncer no rim já em
estágio avançado. Desta forma, no fluxograma proposto; na primeira semana de moradia
/alojamento em São Paulo, toda a turma sem exceção deve ser cadastrada em uma unidade
privada de cumprimento deste PCMSO, pois que os exames admissionais, periódicos e
demissionais, segundo a Norma Regulamentadora NR 7 do Ministério do Trabalho e
Emprego, cabe à empresa oferecer e assumir este serviço. Faz-se aqui a ressalva que, pelo
caráter de universalidade do SUS, esse não pode deixar de atender este demanda, caso venha a
se constituir como necessidade pública. Pelo princípio constitucional de ―saúde é um dever de
todos e obrigação do Estado‖, estes exames deveriam ter cobertura na rede ainda na atenção
primária, pela própria garantia da realização e legimitidade dos mesmos e, referenciado aos
CERESTs, seus resultados. O outro pilar importante na garantia da promoção e prevenção
dos migrantes baseia-se no coletivo no qual estes trabalhadores compõem um grupo exposto
às mesmos riscos, sejam físicos, sejam acidentais ou de quaisquer outras naturezas. Os riscos
implicam em ocorrências súbitas, agudas e inesperadas em decorrência das condições de
trabalho e exposição e suas conseqüências, muitas vezes de proporções graves e com seqüelas
definitivas como a invalidez e até a morte. No fluxograma proposto; também na primeira
semana em São Paulo, a turma deve ser cadastrada em uma unidade básica, pública, de
referência ambulatorial para atendimento, preenchimento e entrega da “carteira de saúde do
trabalhador rural”, beneficiando as ações de assistência, especialmente na urgência e
emergência que impõe atos precisos e imediatos; tem-se que todas as informações referentes
ao conhecimento prévio das condições de vida e saúde do paciente, são de extremo valor no
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êxito das manobras e condutas a serem tomadas. E na reabilitação, as informações da vida
pregressa e social contidas na carteira prestam valiosa colaboração no seu sucesso. Quanto à
assistência e reabilitação, os serviços tornam-se o foco determinante do sucesso da atenção à
saúde dos trabalhadores: outra unidade, de pronto-socorro, deve ser referenciada e
protocolada, para os atendimentos dos acidentes de trabalho e das consultas de emergência e
urgência. Através da apresentação obrigatória da carteira de saúde do trabalhador rural seja
em qual for unidade de atendimento, as informações e condições de saúde de todos os
trabalhadores migrantes passam a ser divididas e conhecidas por quaisquer profissionais ou
unidade que venha a prestar o socorro, especialmente imediato; tal qual uma gestante que
realiza Pré-Natal em um estado da federação e tem parto em outro estado, em função de
eventual trabalho de parto em viagem. O obstetra da maternidade que realiza o parto, pelo
cartão de pré-natal vindo da cidade de origem, tem todas as informações pertinentes e
necessárias ao bom atendimento e garantia de vida da gestante e do bebê. Da mesma forma, o
trabalhador migrante hipertenso ou diabético, ou portador de qualquer patologia que possa
representar fator precipitante ou agravante de uma condição de risco, como a ocorrência ou
recorrência de quadros infecciosos recentes ou alérgicos, também tem estas informações
disponíveis ao profissional do atendimento de urgência e/ou emergência. A rede do SUS deve
estar bem definida, com uma unidade de atendimento de urgência e emergência referenciada
com nível de complexidade suficiente e capaz de receber e atender estes trabalhadores, assim
como de reabilitação dos casos ocupacionais, que, em geral é realizada pelo CEREST da
abrangência ou outra unidade mais próxima na área geográfica do alojamento/moradia do que
o CEREST. O SUS bem definido em sua rede hierarquizada de ações e na sua malha
geográfica interligada de serviços garante a universalidade, integralidade e equidade do
atendimento, conforme proposto pelo Programa de Atenção à Saúde do Trabalhador Rural do
Fórum de Cidadania, Justiça e Cultura de Paz de Piracicaba e Região. O Programa de Atenção
à Saúde ao Trabalhador Rural baseia-se ainda nas seguintes premissas a serem rigorosamente
cumpridas: 1- Exame médico Pré-admissional e demissional com ênfase na avaliação; 2 Exames clínicos periódicos trimestrais, incluindo avaliação cardiopulmonar, peso e pressão
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arterial; 3 - Implementação de programas de vacinação; 4 – Levantamento de acidentes por
animais peçonhentos e, plano de atendimento em casos de acidentes; 5 – Notificação
obrigatória de doenças e acidentes de trabalho, através da CAT (Comunicação de Acidentes
do Trabalho) e do RAAT (Relatório de Atendimento de Acidentes do Trabalho); 6 –
Disponibilizar durante toda a jornada de trabalho transporte / ambulância com sistema de
radio comunicação e pessoal treinado nas frentes de trabalho (Auxiliar ou técnico de
enfermagem); 7 – Disponibilizar para todo estabelecimento, material de primeiros socorros e
pessoal capacitado para cada grupo de 10 ou mais trabalhadores; 8 – Criação de um sistema
de referência através de contrato entre a empresa - usina ou fornecedor - e uma Instituição
prestadora de saúde do trabalhador - hospital. A carteira de saúde do trabalhador da cana-deacúcar é uma estratégia que deve ser incorporada à rotina dos migrantes de forma ―vital‖
como o alimento ou o ar; ou seja, ao vestir-se pela manhã, ao acordar, ela deve ser colocada
no bolso e acompanhá-lo onde for; ao entrar no ônibus rural, todos devem entregá-la ao
motorista que faz sua guarda, até que voltem ao transporte para o retorno ao alojamento; neste
momento recebem-na de volta e, de novo, conduzem-na consigo aonde forem. Isto significa
que, mesmo que o migrante, por exemplo, seja vítima de um desmaio súbito, ele está
identificado, e, suas condições de saúde e de risco ocupacional estão descritas na carteira de
saúde seja porque está no seu bolso – hora livre -ou porque está no ônibus – hora de trabalho.
Aqui são descritas as informações contidas na carteira de saúde do trabalhador rural que,
fundamentalmente beneficiará a qualidade de vida do migrante trabalhador no Estado de São
Paulo, mas também a efetividade do trabalho dos profissionais de saúde garantindo rapidez e
segurança nas ações e serviços. A Carteira apresenta em sua capa os dados de identificação do
trabalhador destacando a atividade rural da cana-de-açúcar. Compõem os seguintes dados:
nome, data do nascimento, idade, nome da mãe, o registro de nascimento, o número de
inscrição do PIS/PASEP, a naturalidade e a unidade de federação, estado civil, número de
filhos, o endereço de origem com município e unidade de federação, a atividade laboral
anterior, o grau de escolaridade, o nome da empresa contratante e nome do alojamento atual.
A contra capa da carteira, o contempla os dados relativos ao PCMSO, com espaço para as
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datas das avaliações admissional, periódicas em número de três, e demissional. Ainda nesta
página a carteira contempla espaço para a classificação sanguínea e o fator Rh e o resultado
dos seguintes exames, que obrigatoriamente devem ser feitos na admissão, demissão e
conforme critério do médico que avalie o trabalhador: hemograma completo; exame
parasitológico de fezes com pesquisa de schistossoma e taenia, popularmente conhecida como
solitária; exame de urina com pesquisa dos elementos anormais e sedimento; exames
específicos para certas doenças como sífilis, chagas, hepatite A e C e glicemia em jejum;
eletroencefalograma, raio-X de tórax, espirometria ou outros exames conforme critério do
médico examinador e das características individuais de cada trabalhador. A terceira página
reserva um espaço para as informações pertinentes à saúde bucal do trabalhador; tabela de
valores aferidos do peso, pressão arterial, freqüência cardíaca e temperatura axilar, além da
estatura e assinatura do profissional responsável pela verificação destes sinais vitais. Um
espaço para observações clínicas e intercorrências no período atual e outro para informações
referentes à história patológica pregressa e familiar, ou seja, aos antecedentes de saúde do
trabalhador e seus parentes co-sanguíneos completam esta página separando os antecedentes
pelos grupos de doenças ou agravos de maior expressão como as doenças comuns da infância
(sarampo, catapora, caxumba entre outras), diabetes mellitus, hipertensão arterial,
cardiopatias, doenças do aparelho respiratório, ósteo-musculares, reumáticas, vasculares,
gastrointestinais, doenças sexualmente transmissíveis e outras, além da vigência de etilismo
e/ou tabagismo, ou seja, consumo de álcool e fumo. A capa de verso, ou última página da
carteira apresenta espaço para o quadro de vacinação obrigatória do calendário de todo
cidadão brasileiro e outro para eventuais e específicas vacinas como febre amarela entre
outras. Completando as informações colhidas do trabalhador, tem-se ainda espaço para a
ocorrência de acidentes com animais peçonhentos e outras informações dignas de nota. A
Carteira de Saúde do Trabalhador Rural foi apresentada e recebeu moções de apoio e aplauso
aprovadas, com 235 votos na 5ª Conferência Estadual de Saúde de São Paulo, no dia 06 de
outubro de 2007 a qual foi enviada aos Senhores Secretário de Saúde do Estado e ao
Governador do Estado e com 660 votos na 13ª Conferência Nacional de saúde no dia 17 de
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novembro de 2007 tendo sido encaminhada ao Senhor Ministro da Saúde; reforçando a
importância desta carteira como valioso instrumento de qualidade de vida do trabalhador
migrante que chega desconhecido e solitário no estado de São Paulo e como proposta de
humanização do atendimento a esta população escravizada na cultura da cana-de-açúcar.
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PROCESSO DE TRABALHO E ADOECIMENTO NA INDÚSTRIA AVÍCOLA:
UMA ANÁLISE A PARTIR DOS PRESSUPOSTOS DA TEORIA DA
ADMINISTRAÇÃO CLÁSSICA
ZEN, R. T.;
Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE)
Agência Financiadora: CNPq
[email protected]
INTRODUÇÃO
A proposta deste artigo consiste em tecer uma análise que parte de Adam
Smith (1723-1790) e chega ao século XX com a obra de Taylor (1856-1915), buscando neste
referencial teórico compreender o processo de trabalho da indústria avícola do século XXI. O
argumento que ser quer aqui sustentar é o de que os princípios da divisão do trabalho que
foram brilhantemente tecidos por Smith no século XVIII só foram efetivamente organizados
na forma da administração gerencial com o surgimento da teoria da administração clássica no
século XX, com Taylor. Embora o toyotismo mais tarde tenha superado o taylorismo, pela
criação de mecanismo que possibilitaram o aumento da produção, essa superação aconteceu
por incorporação, de modo que, dependendo do caso, técnicas de gestão e de produção típicas
do taylorismo são mantidas no toyotismo se tal técnica se mostrar mais eficiente, por mais
retrógados que estes processos possam parecer. É possível afirmar que teoria da administração
clássica tenha mantido sua atualidade, razão pela qual o conhecimento de seus princípios
torna-se imprescindível para compreender os processos de trabalho de hoje.
A teoria da administração clássica será cotizada à luz de dados empíricos
coletados durante a realização da pesquisa ―Processo de trabalho em frigoríficos da região
oeste do Paraná: trabalho, educação e saúde‖, desenvolvida pelo Grupo de Estudos e
Pesquisas sobre Trabalho, Estado, Sociedade e Educação – GP TESE no período 2008-2010.
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O grupo esteve neste período instituído na Universidade Estadual do Oeste do Paraná –
UNIOESTE, e é liderado pela professora Dr. Georgia Sobreira dos Santos Cêa. A pesquisa
contou com o financiamento do CNPq.
A aplicação de medidas gerenciais que buscam aumento da produtividade
por meio do acirramento das exigências em termos de ritmo e movimentos mais intensos tem
provocado efeitos nefastos à saúde dos trabalhadores. Estes fatores são identificados nos
operários do setor avícola, o que ficou constatado na pesquisa supracitada.
METODOLOGIA
As fontes utilizadas para a realização deste estudo são de origens distintas,
porém convergem num mesmo objetivo: compreender as conseqüências dos modelos
gerenciais adotados pela indústria do frango e analisar os impactos causados por estes
processos à saúde dos trabalhadores do setor.
A inquietação em torno do tema nasce com a minha condição de docente da
disciplina de Teoria das Organizações e Gestão Escolar – TOGE – ministrada no curso de
pedagogia. A disciplina tem por objetivo apresentar aos acadêmicos os princípios da
Administração Gerencial visando compreender as influências da administração de empresas
na gestão do trabalho pedagógico. O estudo aprofundado das teorias administrativas
possibilitou tecer alguns comparativos com a gestão em vigor na indústria do frango, objeto
de estudo da pesquisa ―Processo de trabalho em frigoríficos da região oeste do Paraná:
trabalho, educação e saúde‖. O que se observa é que em muitos aspectos a Teoria da
Administração Clássica desenvolvida por Taylor é ainda o pensamento orientador da gestão
do trabalho na avicultura industrial.
Os dados empíricos foram coletados na pesquisa ―Processo de trabalho em
frigoríficos da região oeste do Paraná: trabalho, educação e saúde‖, os quais foram
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obtidos por meio questionários e entrevistas feitas com operários da indústria avícola;
entrevistas feitas com representantes sindicais e a diretores de entidades representativas dos
trabalhadores do setor. Tais dados possibilitam um panorama do processo de trabalho que é
realizado nos frigoríficos de aves e das conseqüências nocivas que tais processos acarretam à
saúde destes sujeitos.
O exercício que se busca realizar no percurso destas páginas consiste na
cotização entre os dados empíricos e as teorias da administração, identificando aspectos de
proximidade entre ambos.
A Teoria da Administração Clássica inaugurou uma nova concepção de
organização do trabalho, por meio do entendimento de que o processo do trabalho não deve
ser inerente ao homem, mas ao sistema. O homem, nesta concepção, é entendido como um
recurso como outro qualquer – matéria-prima, maquinários, etc.. Por esta concepção, não cabe
ao trabalhador definir como procederá enquanto trabalhador na produção, mas o contrário se
estabelece: é a produção que diz ao trabalhador como ele deverá proceder. Depois da Teoria
Clássica da Administração, outras teorias administrativas surgiram, dentre as quais: a Escola
de Relações Humanas; o Behaviorismo; a Abordagem dos Sistemas Abertos. Em todas elas,
há em comum a crítica à rigidez da teoria clássica, que concebe o homem como uma máquina.
Deste modo, pode-se inferir que em muitos setores produtivos a Teoria da Administração
Clássica foi superada, e outros mecanismos para aumentar a produção foram adotados.
Entretanto, o que se observa na indústria avícola é que os preceitos de Taylor assumem a
centralidade enquanto teoria orientadora do processo produtivo.
RESULTADOS
Quando Smith publica ―A Riqueza das Nações‖, em Londres, no ano de
1776, inaugura um novo entendimento a respeito da natureza do trabalho e da riqueza social.
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A grandeza de sua obra o levou a ser considerado o pai da economia política. Smith entende
não somente que a riqueza é produzida socialmente, como também afirma que quanto maior a
divisão do trabalho e quanto mais especializada cada tarefa for, maior a produtividade.
Aumentando a produtividade, tem-se a possibilidade de reduzir os custos da produção a tal
monta que até mesmo as pessoas mais pobres podem desfrutar dos bens socialmente
produzidos. Mas não problematiza o fato de que a mesma é acumulada por poucos, e assume
com naturalidade a distinção com que tal riqueza é apropriada por sujeitos oriundos de
distintos extratos sociais, os quais ele denomina de Diversas Categorias de Povo.
No que refere ao nosso objeto de análise (a avicultura industrial), é
interessante observar que Smith assevera que a natureza da agricultura não comporta tantas
subdivisões do trabalho, nem uma diferenciação tão grande de uma atividade para outra,
quanto ocorre nas manufaturas. A análise de Smith ainda é pertinente. Assumindo como
referência a indústria avícola, é possível identificar no processo de produção do frango duas
fases bastante distintas e com características muito específicas. A indústria do frango
terceiriza uma parte importante do processo (a cria e engorda de aves) a avicultores que
recebem por este serviço segundo a produtividade auferida. Nesta fase não há fragmentação
do trabalho: todos os cuidados necessários ao desenvolvimento do processo são realizados por
um número muito reduzido de pessoas, geralmente membros da família. Depois da ave criada,
pronta para o abate, ela é enviada à indústria, onde acontecem os procedimentos que a
transformam em produto para consumo. Na fase industrial o trabalho é totalmente
fragmentado, cada trabalhador executa uma função pequena e bastante específica do processo,
e dele o que mais se valoriza é a rapidez e a precisão com que os movimentos são executados.
Ao defender a necessidade do aumento da produção, o autor indica os
fatores que o promovem: destreza dos trabalhadores; poupança de tempo ao evitar que o
trabalhador tenha que passar de um tipo de trabalho para outro; e incorporação de tecnologia
na forma de máquinas que facilitam e abreviam o trabalho.
O aumento da destreza se faz mediante a especialização. O trabalhador não
precisa conhecer o processo do trabalho do qual participa, precisa tão somente saber fazer
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exatamente o que cabe à sua função específica. Deste modo, por meio da repetição, seus
movimentos tornam-se mais precisos, e seu trabalho é realizado mais rápido, e se sua
produtividade aumenta na sua função específica, e, ocorrendo o mesmo com o trabalho
desempenhado pelos demais trabalhadores nos demais setores, tem-se assim o aumento geral
da produtividade naquela empresa.
No que toca à especialização ainda, Smith afirma que o trabalhador que
exerce de forma especifica uma única atividade no processo de produção deixa de perder
tempo com a troca de atividade, assim como também consegue manter-se concentrado na
realização dos movimentos da sua atividade.
A utilização de maquinários facilita e abrevia o trabalho, e a incorporação
dos mesmos à produção pode ser identificada, segundo Smith, na própria divisão do trabalho,
pois anulada a dispersão do pensamento, o trabalhador pode concentrar-se única e
especificamente na atividade que lhe cabe. Sendo assim, todos os seus pensamentos ficam
voltados para a produção, e podem assim criar formas de melhorar a produção.
Sintetizando as informações fornecidas pelos trabalhadores da indústria
avícola, pode-se dizer que o trabalho realizado nas empresas frigoríficas apresenta como
características a repetitividade de movimentos, invariabilidade do trabalho e o ritmo de
trabalho imposto pela máquina, atendendo ao que fora idealizado por Smith. Embora tais
fatores resultem em aumento de produção, não instiga o espírito inventivo dos operários no
sentido de que estes criem ou sugestionem formas de melhorar a produção. O que mais
comumente se identifica é que tais fatores afetam negativamente a saúde física (como efeito
das posturas inadequadas; do uso de força física; do trabalho muscular estático; da pressão
mecânica; da exposição a temperaturas altas e baixas – dependendo do setor20, da convivência
com odores fortes; do barulho excessivo; do contato com ambientes úmidos por longos
períodos de tempo – mesa de trabalho; chão – do manuseio de instrumentos pérfuro-cortantes)
20
A temperatura ambiente no interior da indústria avícola varia de acordo com a etapa da produção, chegando a ultrapassar 20° graus Celsius
negativos, em determinadas sessões. Na etapa da depenagem, os trabalhadores manuseiam aves imediatamente retiradas de tanques com água
a temperatura média de 58 a 62° C, com borbulhamento e renovação contínua, sendo que as aves ficam submersas no tanque por um período
médio de 58 segundos, com o objetivo de facilitar a depenagem.
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e a pressão por produtividade interferem na motivação, na atitude e no comportamento destes
no sentido de afetar a saúde mental21.
Taylor, em sua obra ―Princípios da Administração Científica‖ advoga
enfaticamente em torno da necessidade social de se combater a ineficiência. Ele afirma que
dentre todos os prejuízos que podem ser identificados na sociedade, sejam elas provocadas
pela natureza ou pelo homem, o que mais provoca a ruína humana é o desperdício das forças
humanas, causado pelo uso inadequado e ineficiência da gestão de tais recursos. A única
forma, segundo este intelectual, de se resolver o problema da ineficiência do uso das forças
humanas é tornar o trabalho humano totalmente controlável pela gestão. No passado, diz o
autor, o homem estava em primeiro lugar; no futuro, o sistema terá primazia.
O que se observa na indústria avícola é que tal formato organizativo está
muito bem instituído. Comumente as grandes empresas frigoríficas possuem plantas
industriais que ocupam uma grande área geográfica, são empregadoras de consideráveis
contingentes de força de trabalho, que atuam 24 horas por dia, seis dias por semana, em
diferentes turnos. Em geral, o processo de trabalho em frigoríficos se divide em quatro
grandes etapas:
1)
Preparação do animal para o processamento: os animais, tratados em
aviários, que possuem granjas e incubatórios, são recebidos vivos e
depois são abatidos e encaminhados para as outras etapas da
produção.
2)
Evisceração dos animais: são retiradas as vísceras dos animais e eles
são preparados para serem cortados em diferentes partes. Cada parte
dos animais abatidos é chamada de peça.
21
Os danos à saúde mental dos trabalhadores incluem depressão, baixa estima, isolamento, síndrome do pânico, etc., e muitas vezes esses
danos decorrem de situações de assédio moral no trabalho. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o assédio moral no ambiente
de trabalho é um comportamento irracional, repetido, em relação a um determinado empregado, ou a um grupo de empregados, criando um
risco para a saúde e para a segurança. Pode-se entender por ‗comportamento‘ as ações de um indivíduo ou um grupo. Um sistema de trabalho
pode ser utilizado como meio para humilhar, debilitar ou ameaçar. O assédio costuma ser um mau uso ou abuso de autoridade, situação na
qual as vítimas podem ter dificuldades para se defender.
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3)
Espostejamento e embalagem: os animais são cortados em peças, em
vários setores. As peças dos animais saem do espostejamento já
embaladas e pesadas e depois são encaminhadas para a estocagem.
4)
Estocagem e expedição: as peças dos animais são estocadas,
embaladas e despachadas para as empresas que comercializam
alimentos industrializados.
Cada uma dessas etapas é dividida em vários setores, envolvendo milhares
de trabalhadores na produção. Como exemplo, apresentamos, resumidamente, a divisão do
setor de abate de aves da seguinte forma: recepção de aves (recebimento, pendura,
insensibilização e sangria das aves), depenagem (escaldagem, retirada das penas e corte das
patas das aves); evisceração (retirada das vísceras e miúdos da carcaça); chiller (resfriador,
onde ocorre o resfriamento da carcaça); sala de corte (cortes selecionados do frango – asa,
coxa, sobrecoxa, peito); embalagem (processamento dos miúdos e embalagem dos frangos
e/ou partes das aves); congelamento; expedição (carregamento e estocagem dos produtos) e
fábrica de farinhas (processamento das penas e vísceras em farinhas para a produção de
ração). O fracionamento do trabalho em tarefas muito específicas, conforme projetado
teoricamente por Taylor ganha concretude material na indústria avícola.
Buscando atribuir à sua teoria uma preocupação que envolva também o
bem-estar dos trabalhadores, Taylor defende que a administração deve visar a máxima
prosperidade do patrão, assim como também a do empregado. Diz Taylor que os interesses de
patrões e empregados não são antagônicos. Argumenta assim que a introdução de mecanismos
de gestão torna possível o aumento da produção (o que vai ao encontro dos interesses dos
patrões) e que tal aumento de produção possibilita aumento dos salários (o que vai ao
encontro dos interesses dos empregados); e apresenta como dado empírico desta constatação o
fato de que empresas que adotaram o gerenciamento científico dos processos de trabalho,
possibilitando maior eficiência, pagam a seus empregados salários 30 a 100% maiores que os
concorrentes que não utilizam os mesmos princípios gerenciais.
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O que Taylor não menciona é que o aumento da lucratividade, gerada pelo
aumento da produção, que tem sua origem no aperfeiçoamento dos mecanismos de gestão,
não são revertidos na mesma proporção aos trabalhadores. Podemos utilizar como exemplo
desta afirmação os números da lucratividade de uma das empresas avícolas: no primeiro
semestre de 2007 obteve um lucro líquido de R$ 205,5 milhões, e foi por quatro anos
consecutivos (2001, 2003, 2004 e 2005) eleita a marca mais valiosa do setor de alimentos
brasileiro. No mesmo período, os salários médios pagos aos trabalhadores da indústria
giravam em torno de R$ 520,00 (pouco mais de 1 salário mínimo), valor do qual ainda eram
efetuados os descontos: plano de saúde, contribuição sindical, vale-transportes, refeições e
INSS).
Um dos problemas que Taylor identifica como sendo o mais pernicioso no
sentido de obstaculizar a eficiência é o fato de que as empresas lidam com uma forte
organização dos trabalhadores, e desta forma estes trabalhadores conseguem impor alguns
limites de produtividade, os quais Taylor denomina de ―cera‖ ou ―vadiagem‖. Os
trabalhadores no tempo de Taylor faziam ―cera‖ porque isso lhes era possível. Os operários
altamente qualificados detinham ainda o domínio de fases centrais dos processos produtivos.
A produtividade andava, de certa forma, conforme o ritmo ditado pelos trabalhadores. E como
Taylor se propôs a acabar com a ―vadiagem‖ no processo de trabalho? Combatendo, o que
segundo ele, seriam aos três maiores dilemas das empresas sua época: primeiramente, o
entendimento de que o maior rendimento dos trabalhadores auxiliados pelas máquinas geraria
o desemprego; em segundo, a ineficiência dos sistemas de administração, que da forma como
funcionavam, tornava possível que o trabalhador fizesse ―cera‖; e por fim, em terceiro lugar,
por compreender que os métodos empíricos ineficientes, que permitiam aos trabalhadores
desperdiçar parte do esforço.
Os argumentos utilizados para sustentar tais teses são assim especificados:
primeiramente, Taylor defende que a maior produtividade não gera desemprego porque ela
promove a abundância da oferta de produtos do mercado, o que gera queda dos preços, com
aumento de consumo, aumento da demanda, o que gera necessidade de produzir ainda mais.
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Embora a indústria avícola se utilize de elevados níveis de incorporação tecnológica, as
mesmas não podem de fato ser responsabilizadas pelo desemprego. As vagas nos frigoríficos
são constantes não devido à forte organização dos trabalhadores que diminuem forçosamente
a produção gerando a necessidade de contratação de mais trabalhadores, mas porque o
trabalho no setor de cortes é tão penoso e desgastante que muitos saem da empresa por não
suportarem a rotina. No setor frigorífico, é nítida a combinação entre desenvolvimento
tecnológico e organizacional e a permanência de procedimentos e técnicas de marca
taylorista-fordista, caracterizados pelo desempenho do trabalho simples, com pouco ou
nenhum conteúdo tecnológico.
No que refere ao segundo dilema, o autor explica que são dois os fatores que
levam os trabalhadores a fazer “cera‖, quais sejam: uma tendência natural de todo o ser
humano em querer fazer o menor esforço (ao qual o autor denomina de ―indolência natural‖).
Já a ―indolência sistemática‖ ocorre quando os trabalhadores assumem a ideia fixa de que é
preciso diminuir o rendimento das máquinas que dirigem. A solução para este problema já foi
apontada anteriormente pelo autor: faz se necessário que o sistema assuma a centralidade do
processo, e não mais a vontade humana. Para isso, o sistema deve organizar o processo de
trabalho de uma forma tal que os espaços de decisão dos trabalhadores tornem-se mínimas, ou
melhor, que sejam anuladas. Caberá ao trabalhador, nesse contexto, apenas exercer e executar
funções pré-definidas, sem a menor autonomia para decidir como e quando fazer. Isso
significa que de Smith a Taylor, o processo de trabalho não havia ainda sofrido a
simplificação capaz de retirar do trabalhador o controle do exercício do trabalho – eis a
preocupação de Taylor. O autor certamente não sofreria de preocupação ao analisar a
organização do trabalho na indústria avícola, pois nela, as etapas de produção requerem dos
trabalhadores conhecimentos tão simples que qualquer pessoa é capaz de executar tais
atividades. Daí tem-se também a impossibilidade de que os trabalhadores possam fazer
―cera”.
Apesar disso, é recorrente a ideia de que a implementação das
transformações tecnológicas e organizacionais no setor frigorífico demandaria mudança no
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perfil da mão-de-obra, exigindo dos operários da produção maior conhecimento, habilidade e
atitudes apresentando melhor escolaridade e qualificação obtida por meio da intensificação
dos programas de treinamento e capacitação.
No que refere ao terceiro dilema de Taylor, o que trata da ineficiência dos
métodos empíricos utilizados até então, Taylor afirma que os operários foram habituados a
aprender o modo de executar o trabalho por meio da observação dos companheiros vizinhos.
Existem inúmeras maneiras de executar a mesma tarefa, e o trabalhador a executava até então
do modo como havia aprendido por observação. Entretanto, os métodos científicos de estudo
do tempo e do movimento são capazes de indicar de que modo o exercício de determinado
movimento pode ser feito com maior precisão e rapidez. A busca pelo movimento perfeito, o
único e preciso não acontece empiricamente, na intuição, na transmissão de conhecimentos de
trabalhadores mais experientes para os menos experientes. O movimento perfeito é forjado
por meio de estudos que indicam qual é a melhor posição do trabalhador, qual é o melhor
instrumento a ser utilizado para cada função, além de outros aspectos ergonômicos, como
altura dos objetos a serem manuseados pelos trabalhadores, e a postura que os mesmos devem
assumir (se em pé ou sentado, por exemplo). O trabalhador ideal no prospecto de Taylor é o
sujeito que passou pelo leito de Procusto e está totalmente ajustado às exigências produtivas.
A análise das condições de trabalho da indústria avícola evidencia a
―repetitividade‖ de movimentos, força excessiva e compressão mecânica como fatores
inerentes à atividade desenvolvida pelos operários. O trabalho repetitivo foi convencionado
como sendo quando uma atividade é completada num ciclo de tempo inferior a 30 segundos
ou trabalhos que contenham movimentos repetitivos que ocupem mais de 50% do tempo total.
A existência de fatores biomecânicos são capazes de causar a LER – Lesão por Esforços
Repetitivos.
Nessa perspectiva, a ―repetitividade‖ de movimentos está presente nos
diferentes setores dentro dos frigoríficos, com o agravante da exigência de metas a serem
cumpridas: eviscerar 14 frangos/minuto, incluindo puxar repetidamente para retirar e separar
os miúdos; cortar 25 asas de frango por minuto; retirar 19 pontas de asas por minuto; refilar
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filés em até 10 segundos, com o manuseio de faca muito afiada, e o fiscal do controle de
qualidade tinha que tocar 9 mil aves/hora, com três inspeções cada ave (interna, externa e
geral), totalizando 2.700 movimentos/hora. A velocidade dos movimentos exigidos foi
avaliada como sendo muito rápido e fora das possibilidades humanas.
Os dados apresentados até aqui permitem compreender que o processo de
trabalho desenvolvido pela indústria avícola atende em muitos sentidos aos anseios de dois
importantes teóricos: Adam Smith e Frederick Taylor. É como se a realidade dos processos
existentes na indústria do frango hoje materializasse os sonhos desses dois autores.
Entretanto, há que se considerar que espaços de resistência a esta lógica
sejam construídos. A classe capitalista tem conseguido impor mecanismos de desestruturação
do papel histórico desempenhado pelos sindicatos de trabalhadores. No caso específico da luta
em defesa da saúde dos trabalhadores, a situação parece ganhar contornos ainda mais
complexos, visto que, tradicionalmente, as questões econômicas, cuja luta salarial é a mais
expressiva, são aquelas que direcionam a ação sindical. Nesse sentido, além do abalo do
sentido histórico do movimento sindical nesse contexto sócio-econômico de flexibilização e
informalização das relações capital-trabalho, deve-se considerar a séria deficiência estrutural
que acompanha a trajetória do sindicalismo brasileiro, fomentada pelo conservadorismo da
classe dirigente. Trata-se da quase impossibilidade de organização dos trabalhadores nos
locais de trabalho, estratégia que se impõe em qualquer projeto que pretenda transformar
condições e ambientes de trabalho. Esta é a tarefa fundamental que cabe o sindicalismo
assumir, rompendo com uma timidez e acomodação que o acompanha mais recentemente
desde a brecha aberta pela Constituinte. O não enfrentamento dessa questão pode colocar sob
risco qualquer política sindical neste campo. Até propostas sedutoras muitas vezes
apresentadas pela iniciativa do Estado, como a negociação coletiva, são inócuas se este
crônico óbice não for superado com empenho.
Diante desse impasse histórico, a compreensão de que o desafio maior do
mundo do trabalho e dos movimentos sociais que têm como núcleo fundante a classe
trabalhadora é criar e inventar novas formas de atuação autônomas capazes de articular
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intimamente as lutas sociais, eliminando a separação, introduzida pelo capital, entre ação
econômica, de um lado (realizada pelos sindicatos), e ação político-parlamentar, do outro pólo
(realizada pelos partidos). Essa divisão favorece o capital, fraturando e fragmentando ainda
mais o movimento político dos trabalhadores.
A partir dessas reflexões é que julgamos pertinente destacar alguns
processos coletivos envolvendo os trabalhadores de frigoríficos da região oeste do Paraná, na
luta pelo direito à recuperação e preservação de sua saúde, luta essa que tem como horizonte o
que por ora se mostra como inatingível, mas que de fato constitui o essencial dos confrontos e
enfrentamentos protagonizados por essa parcela de trabalhadores.
BIBLIOGRAFIA
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Paulo: Boitempo, 2005.
DELWING, E. B. Análise das condições de trabalho de uma empresa do setor frigorífico
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Engenharia de Produção). Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2007.
LACAZ, F. A. C. Saúde do trabalhador: um estudo sobre as formações discursivas da
academia, dos serviços e do movimento sindical. 1996. 432 f. Tese (Doutorado em Ciências
Médicas). Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas.
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Volume I. Tradução de Luiz João Baraúna. 3. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1988.
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http://www.solostocks.com.br/empresas/alimentos-bebidas/sadia-s-a-66240. Acessado em:
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Vieira Ramos. 7. ed. São Paulo: Atlas, 1986.
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SESSÃO 04
Trabalho, Saúde e
Serviços
A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO NOS CENTROS DE REFERÊNCIA EM SAÚDE DO
TRABALHADOR (CEREST)
PENARIOL, M. P.;
COSTA, E. M.;
YASUI, S.;
Curso de Psicologia da Faculdade de Ciências e Letras de Assis, Campus da Universidade
Estadual Paulista (UNESP)
[email protected]
INTRODUÇÃO
As metamorfoses sofridas pelo sistema capitalista no final do século XX,
que são oriundas de uma crise estrutural do capital, deixaram distante o sonho do homem sem
trabalho. O que se teve foi uma intensificação da exploração do trabalho, a precarização dos
trabalhos já existentes, a expansão das terceirizações, as perdas de direitos trabalhistas e uma
infinita quantidade de modificações que vem atentando para a saúde da classe-que- vive-dotrabalho. Dessa forma, a presente pesquisa versa sobre a saúde do trabalhador, em especial em
relação as políticas públicas brasileiras que tem se atentado para esse fator de adoecimento.
A história da saúde pública está intimamente ligada ao surgimento das
cidades, ao progresso das ciências- principalmente médicas-, a criação dos Estados - nação e
as mudanças do sistema de produção. O surgimento do campo em saúde do trabalhador ocorre
no contexto da Revolução Industrial e a Medicina de Fábrica, a partir do Factory Act, em
1833, na Inglaterra. A Medicina de Fábrica contava com a participação de médicos no interior
das unidades com o objetivo de detectar processos danosos à saúde, bem como o auxílio ao
industrial para resgatar o trabalhador à linha de produção. Tal processo é o que seria
posteriormente chamado de Medicina do Trabalho. Após a Segunda Guerra Mundial, o objeto
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de análise da Medicina Ocupacional desloca-se do indivíduo para as organizações do trabalho,
estas que eram prováveis fontes de adoecimento.
Os primeiros estudos da psicologia que tinham como objeto de estudo o
trabalhador, na sua condição fabril principalmente, acompanharam uma tendência geral
daqueles que estavam ocorrendo nas psicologias experimentais e educacionais. As pesquisas
nas organizações eram feitas com o objetivo de selecionar os mais aptos para trabalhos
específicos e para o desenvolvimento de estratégias que pudessem ocorrer a nível individual
do trabalhador a fim de aumentar sua eficiência produtiva. Entre as décadas de 60 e 70 a
psicologia recebe duras críticas em relação a sua forma de atuação nas organizações. A partir
de teóricos da psicodinâmica do trabalho, da clínica da atividade e da ergonomia da atividade,
a relação existente entre adoecimento e trabalho obteve maior visibilidade no campo das
discussões.
É imprescindível ressaltar as transformações do âmbito do trabalho quando
se aborda a questão de saúde do trabalhador. Como exemplo de algumas dessas modificações
pode-se citar os processos de urbanização e industrialização do Brasil. O primeiro o qual
possibilitou um grande fluxo de pessoas nas cidades em busca de trabalho e o segundo, após
1950, que discorre sobre a expansão da industrialização e seus investimentos. É a partir desse
momento, décadas de 60 e 70, que surge o movimento de saúde do trabalhador no Brasil.
Também, nestas décadas, vale ressaltar sobre a potente influência dos movimentos
trabalhistas e sindicais que lutavam por direitos trabalhistas e dentre eles a questão da saúde
do trabalhador.
O movimento de Saúde do Trabalhador, no Brasil, surge como influência da
Medicina Social latino-americana dos anos 1960 e início dos anos 1970, que ampliou o
quadro interpretativo do processo saúde-doença, inclusive em sua articulação com o trabalho
e da experiência italiana com a reforma sanitária daquele país e do Movimento Operário
Italiano.
Em um levantamento realizado, em 2007, foi constatado que naquele
período existiam 15 mil psicólogos atuando no Sistema Único de Saúde (SUS), nos mais
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distintos serviços: Unidades Básicas de Saúde (UBS), Centros de Atenção Psicossocial
(CAPS), Hospitais Gerais, Centro de Referência à Saúde do Trabalhador (CEREST), entre
outros. Ainda segundo a autora, mais de 80% dos psicólogos da pesquisa concentravam suas
atividades no atendimento clínico individual. Por se tratar de uma política pública de saúde,
há uma demanda intensiva por parte dos usuários frente ao número de profissionais que atuam
no serviço. Especificamente, escolheu-se como objeto desse estudo o Centro de Referência à
Saúde do Trabalhador (CEREST), pois segundo os documentos oficiais do Ministério da
Saúde, essa instância não tem como objetivo o tratamento de doenças relacionadas ao
trabalho.
Os Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (CERESTs) foram
implementados no Brasil, em 2004, pela Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do
Trabalhador (RENAST), através das Portarias do Ministério da Saúde 1679/GM (19/07/2002)
e 2437/GM (07/12/2005), para fortalecer as ações relacionadas à saúde do trabalhador no país.
No entanto, para compreender esse contexto de implementação deve- se considerar questões
anteriores a esse processo, tais como a promulgação da Constituição de 88, a concepção do
Sistema Único de Saúde (SUS), a elaboração da Lei Orgânica de Saúde em 1990, movimentos
sociais na década de 70, dentre outros acontecimentos. Pois, todos esses fatores foram
determinantes para o entendimento em saúde do trabalhador e, posteriormente, a criação do
CEREST.
Os 178 Centros de Referência em Saúde do Trabalhador, presentes nos 27
estados brasileiros, são unidades especializadas do SUS que visam promover ações para
melhorar as condições de trabalho e a qualidade de vida do trabalhador por meio da prevenção
e vigilância. A atuação do CEREST se dá por meio da promoção do bem-estar do trabalhador
com ênfase nas ações preventivas, bem como prestando assistência e orientando os
trabalhadores acometidos por doenças e acidentes relacionados ao trabalho. As atividades dos
CERESTs necessitam estar articuladas com os outros serviços da rede do SUS, que devem
orientar e oferecer assistência, para que os agravos à saúde relacionados ao trabalho possam
ser atendidos em todos os níveis de atenção, de forma integral e hierarquizada.
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Existem dois tipos de CERESTs: estaduais e regionais. No entanto, nos
delimitaremos nas funções dos CERESTs regionais já que estes são objetos de nosso estudo.
Ao CEREST Regional, dentre suas atribuições, compete papel de suporte: para a rede de
serviços do SUS, efetuar o atendimento de forma integral e hierarquizada, aos casos suspeitos
de Doenças Relacionadas ao Trabalho, para estabelecer a relação causal entre o quadro clínico
e o trabalho; efetuar o diagnóstico e o tratamento das Doenças Relacionadas ao Trabalho, o
que inclui a realização de exames complementares e vistorias sanitárias aos locais de trabalho;
efetuar registro, notificação e relatórios sobre os casos atendidos e o encaminhamento dessas
informações aos órgãos competentes visando ações de vigilância e proteção à saúde e suporte
técnico às ações de vigilância, de média e alta complexidade, nos ambientes de trabalho, de
forma integrada às equipes e serviços de vigilância municipal e/ou estadual. De acordo com a
Portaria GM/MS nº 2.437 de 7 de dezembro de 2005, a equipe de profissionais dos CERESTs
regionais é composta por pelo menos 4 profissionais de nível médio (sendo 2 auxiliares de
enfermagem) e 6 profissionais de nível universitário (sendo 2 médicos e 1 enfermeiro). No
caso dos CERESTs estaduais, a equipe é integrada por 5 profissionais de nível médio (sendo 2
auxiliares de enfermagem) e 10 profissionais de nível superior (sendo 2 médicos e 1
enfermeiro).
OBJETIVOS
Pretende-se constatar quais as ofertas de assistência que a política nacional
em saúde, no Brasil, oferece à população e como o psicólogo atua nessa política. E, também,
averiguar os impactos dessa política em saúde na saúde do trabalhador, partido do
conhecimento da estrutura e funcionamento do CEREST.
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Especificamente, pretende-se refletir as formas de atuação do psicólogo e
entender o modo pelo qual esse profissional pode contribuir para as garantias de direito à
saúde do trabalhador, a partir das atribuições do CEREST. Além, de verificar o trabalho
prescrito e o real do psicólogo neste local.
METODOLOGIA
A metodologia adotada nesta pesquisa dividiu-se em dois momentos:
embasamento teórico e estudo de campo. O primeiro momento versou em um levantamento
teórico a respeito do tema abordado, bem como a conceituação de aspectos teóricos, por meio
de revisão e análise bibliográfica. Inicialmente, foram realizadas leituras em busca de um
conhecimento tanto em saúde pública quanto em saúde do trabalhador. O segundo momento,
denominado estudo de campo, fundamentou-se na aplicação de três de questionários autoaplicáveis em psicólogos membros das equipes de distintos CERESTs regionais do estado de
São Paulo – Brasil. Foi proposto para os partícipes o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido com o intuito de informar os objetivos do trabalho e afirmar o sigilo de seus
nomes e as respectivas cidades as quais atuam para a preservação de suas identidades.
O roteiro do questionário procurou compreender o trabalho real dos
psicólogos nos CERESTs, além da articulação deste profissional com a equipe do CEREST e
com a rede assistencial das respectivas cidades.
A elaboração dos questionários foi composta por 21 questões abertas e
fechadas, divididas em etapas: campo de identificação (nome, sexo, idade), formação
profissional (formação acadêmica, cursos de especialização na área da saúde e/ou saúde do
trabalhador, locais de atuação profissional), específicas sobre o CEREST (relação do
CEREST com o SUS, definição do CEREST e seus objetivos, aplicabilidade na prática) e o
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trabalho do psicólogo neste local (práticas do psicólogo, atendimento dos trabalhadores,
trabalho da equipe, relação trabalho e adoecimento).
RESULTADOS
Com a pesquisa de campo, observou-se que dentre os profissionais de nível
superior
encontram-se,
principalmente,
os
psicólogos,
fisioterapeutas,
terapeutas
ocupacionais, fonoaudiólogos, assistente social, sociólogos, dentre outros.
Com base no conhecimento teórico adquirido, através do levantamento
bibliográfico, e dos dados coletados, seguir-se-á uma breve análise dos fatores relevantes que
influenciam a atuação do psicólogo no CEREST.
Dentre os três sujeitos encontram-se dois psicólogos do sexo masculino e
uma do sexo feminino. As idades dos participantes variam dos 28 aos 55 anos. Sobre cursos
de especialização sejam eles por meio de pós graduação, aprimoramento ou outros, dois dos
participantes efetuaram tais cursos. Por fim, dois ministram cursos relacionados à saúde do
trabalhador. Essas informações foram relevantes para que a análise dos dados se
concretizasse.
Em relação à formação dos psicólogos que trabalham nos CERESTs
pesquisados, um deles mencionou que durante a graduação teve contato com conteúdos que
tratavam de saúde pública e/ou coletiva e saúde do trabalhador. Os outros dois psicólogos
entrevistados disseram não terem visto nenhuma temática relacionada ao trabalho atual,
porém um deles fez especialização em saúde mental e saúde do trabalhador. A hipótese
levantada para tal fato seria a de que os dois psicólogos se formaram a mais de vinte anos, ou
seja, período anterior à consolidação do SUS e da expansão de publicações na área de saúde
pública e de saúde do trabalhador.
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No que tange o entendimento sobre o CEREST e seus objetivos, observouse que os psicólogos que adquiriram conhecimento por meio da graduação e/ou
especialização, possuem uma maior compreensão sobre rede assistencial em saúde do
trabalhador, bem como sua aplicabilidade prática. O psicólogo entrevistado que não obteve
qualificação na área apresentou o CEREST como um órgão de tratamento especializado,
diferindo-se das definições propostas pelos outros psicólogos participantes da pesquisa.
Por último, sobre a prática dos psicólogos no CEREST, notou-se que há
divergências no exercício da profissão: um segue com a atuação de acompanhamento
psicoterápico e os outros dois, desempenham além de assistência, produção de conhecimento,
atividades educacionais com o intuito de promoção e prevenção em saúde do trabalhador, por
meio de palestras, cursos, entre outras atividades.
Os psicólogos entrevistados possuem um conhecimento consistente sobre a
proposta e os objetivos do CEREST. Porém, em virtude da carência na formação específica
em saúde pública/coletiva e saúde do trabalhador, uma precariedade da rede assistencial de
saúde das respectivas cidades e a falta de uma relação interdisciplinar e cooperativa entre os
diversos funcionários do CEREST pode-se inverter a proposta desse serviço, transformando-o
em um ambulatório de especialidade, ao invés de um suporte à rede assistencial do SUS.
CONCLUSÃO
Ao estudar o campo da saúde pública, conclui-se que o psicólogo tem um
papel muito importante nesse campo de atuação. Isso ocorre, pois, a saúde em se tratando de
um conceito complexo necessita do trabalho dos mais variados campos profissionais. Essa
categoria tem a capacidade de atuar nos CEREST a expandir o conceito de trabalho, devido
sua formação. Como isso, tem-se a possibilidade de transcender a noção de que o trabalho é
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apenas um posto de emprego e forma de subsistência, passando a entendê-lo como uma forma
dos homens se constituírem como pessoas humanas.
O psicólogo no CEREST enriqueceria muito seu trabalho utilizando-se dos
conhecimentos produzidos pela saúde coletiva, principalmente da clínica ampliada que
enxerga o sujeito de forma integral. Dessa forma, devido a essência do CEREST não ser de
tratamento das patologias oriundas do processo de trabalho, mas o de dar apoio e capacitação
para toda rede assistencial em saúde. Com isso o trabalho matricial em equipes
multidisciplinares é praticamente uma regra.
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A ATUALIDADE DO DEBATE SOBRE OS TRABALHADORES EM SAÚDE NO
CONTEXTO DO SUS: ALGUNS APONTAMENTOS.
BETTIOL LANZA, L. M.;
Departamento de Serviço Social da Universidade Estadual de Londrina (UEL)
[email protected]
INTRODUÇÃO
A questão do trabalho em saúde nos impulsiona para um debate que, para
além da realidade da saúde pública brasileira se assenta na própria configuração do mundo do
trabalho. Quando a saúde foi identificada desde 1970 por analistas financeiros como uma área
altamente lucrativa e que deveria ser explorada pelo mercado, o Brasil sob o julgo da Ditadura
Militar (1964-1985) seguiu fielmente essa orientação e incentivou a expansão do mercado
privado em detrimento de serviços públicos de qualidade, quadro revertido somente em 1988
com a Constituição Federal que consagrou a saúde como ―direito do cidadão e dever do
Estado‖.
Os trabalhadores em saúde tiveram uma participação substancial nesse
processo como integrantes do movimento da reforma sanitária brasileira que impulsionou os
debates sobre a saúde no Brasil, como parte de uma mudança da sociedade como um todo, e
posteriormente, na própria gestão do SUS e na sua reflexão, em que nas variadas esferas de
governo, nas universidades, nas Conferências, na militância em defesa da saúde, esses sujeitos
foram desafiados a fazer o sistema funcionar.
Todavia é conhecido que o momento político a que se refere à
regulamentação do SUS, é caracterizado pela presença de governos liberais, primeiro no
governo Collor/Sarney (1990-1994) e com mais ênfase, nas duas gestões de Fernando
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Henrique Cardoso (1995-1998; 1999-2002), o último responsável por um conjunto de
medidas relacionadas à reforma administrativa do Estado.
As políticas dos referidos governos abriram possibilidades para expandir a
desvalorização do trabalho humano no Brasil, com aumento da precarização do trabalho em
todos os postos de trabalho, incluindo a saúde.
O termo precarização tem sido utilizado para
designar postos de trabalhos desprotegidos pela legislação trabalhista, com baixos salários e
nenhum direito efetivo, além do trabalho formal precário.
Os reflexos dessa conjuntura, no contexto da saúde, nos remetem a um
cipoal de questões complexas, sempre lembradas; pouco enfrentadas. Nesse sentido, itens
como oferta de vagas, nível salarial, planos de carreira, cargos e salários, reconhecimento
social; são gradativamente tencionadas pelos seus opostos e a defesa de uma carreira pública é
minada pela forma como os gestores respondem à questão da força de trabalho em saúde.
A falta de um financiamento a altura das necessidades de saúde, entendidas
aqui como aquelas que ultrapassam a epidemiologia e avançam para ações efetivas de
promoção e prevenção a saúde; a gestão parcial e fragmentada do sistema e a ausência de
investimento na sua força de trabalho quer seja no nível da formação, quer seja no nível das
condições objetivas de trabalho, têm se revelado uma perversa equação em que, no cotidiano
dos serviços de saúde, são os trabalhadores e dentre eles os trabalhadores em saúde que
recebem o pior resultado, já que os usuários muitas vezes sem conhecer a realidade da política
de saúde no Brasil atribuem a esse profissional parte de suas angustias, decepções e
responsabilidade pelo serviço que recebe ou não.
Todavia, essas análises são bastante conhecidas e já foram alvo de estudos e
pesquisas debatidas socialmente, mas não traduzem de fato uma solução efetiva. Do outro
lado, a área da saúde continua arrebanhando inúmeros jovens e adultos para as escolas de
nível superior e técnico, muitas vezes na justificativa de um mercado de trabalho em
expansão, ocultando em alguns casos não só a realidade por que passa a saúde pública, mas
também a força de trabalho dessa área.
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Em contrapartida, temos assistido a composição de um cenário em sentido
contrário em que à ação do setor público diante da realidade do trabalho em saúde, tem
desprivilegiado seus trabalhadores e influindo em uma direção privatizante e nociva a
perspectiva da saúde como direito do cidadão e dever do Estado.
METODOLOGIA
Esse texto relata a experiência local do município de Londrina no que diz
respeito à gestão da força de trabalho em saúde, mediante as respostas orientadas pelo
governo aos problemas da área e incorpora parte da crítica do Fórum Popular em defesa da
Saúde Pública de Londrina e Região, importante ator político no enfrentamento de tal
temática. Para isso, em um primeiro momento será relatado um breve panorama da realidade
do SUS local e em seguida, se analisará as iniciativas públicas tendo como recurso
metodológico a pesquisa documental, mediante a análise dos Projetos de Lei aprovados pela
Câmara Municipal e matérias disponibilizadas em mídia escrita por jornais locais.
AS RESPOSTAS LOCAIS AOS DESAFIOS DO SUS: UM OLHAR SOBRE O
“PACOTÃO DA SAÚDE” DE LONDRINA NA PERSPECTIVA DA GESTÃO DA
FORÇA DE TRABALHO EM SAÚDE.
Desde o governo FHC a discussão da Reforma do Estado e o papel desses
na administração direta dos serviços sociais, foi objeto de debate e propositivas de corte
liberal, ao instituir a possibilidade de outros entes participarem da gestão dos serviços tidos
como não exclusivos do Estado, como a saúde. Vemos a partir de então, várias experiências
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de gestão por OS - Organizações Sociais e OSCIPS espalhadas pelo Brasil, e analisadas por
diferentes autores em que o caso de São Paulo e Rio de Janeiro são os mais ilustrativos e
apontam vários problemas vinculados a aspectos jurídicos, a gestão da força de trabalho, ao
controle social e a transparência das ações.
Na esteira das denuncias e das incongruências desses modelos, surge o
debate das Fundações Estatais de Direito Privado que divide as opiniões de defensores do
SUS e acalora o debate em torno do aprimoramento do sistema mediante mudanças na gestão.
Vários estudiosos têm apontado que o SUS ideal – preconizado pela reforma sanitária com
base nos princípios da universalidade, equidade, integralidade, descentralização e participação
social - é constantemente tencionado pelo SUS real e pelo seu processo de desvirtuamento na
medida em que reforça a seletividade e a focalização, o modelo hegemônico de saúde:
curativo, biomédico e medicamentoso, e a tecnificação e burocratização do sistema. Sendo
assim, alinha-se com o contexto da economia global e das reformas sanitárias propostas pelos
organismos internacionais, com forte tendência a liberação da saúde como bem de consumo,
por seu potencial de rentabilidade e capacidade de desenvolvimento econômico.
Essas primeiras indicações como pontos para refletir sobre o SUS podem
identificar como esses aspectos se entrecruzam na perspectiva de tentativa de desmonte de
uma conquista da sociedade brasileira, que é o SUS e indicam um horizonte temerário para a
política de saúde no país e para seus trabalhadores.
Nesse sentido, trazemos para a reflexão a experiência do SUS local de
Londrina PR, em que, mediante uma anunciada e proclamada ―crise da saúde pública‖,
detonada pelas mais variadas ordens de problemas, que começou com o escândalo em 2010 de
desvio de verbas envolvendo o CIAP - empresa terceirizada responsável por vários serviços
de saúde, inclusive a Saúde da Família - até uma epidemia de dengue em 2011; a resposta do
governo de Homero Barbosa Neto (PDT), prefeito municipal de Londrina, conhecida
popularmente como o ―Pacotão da Saúde‖, demonstra como as soluções ou saídas parciais
para os graves problemas da saúde pública brasileira desconsideram o trabalhador em saúde
enquanto sujeito fundamental para o desenvolvimento da gestão da saúde pública.
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Em 2010 denúncias de desvio de verbas dentro do CIAP, levaram ao
descortinamento das condições de trabalho dos profissionais de saúde vinculados à empresa,
bem como a precariedade dos serviços prestados, tendo inclusive a suspensão de alguns deles
por conta dos problemas relacionados à empresa em questão.
Um levantamento feito em 20010 sobre a presença da temática da saúde na
mídia escrita, especialmente no Jornal Folha de Londrina, revelou que de julho a setembro do
mesmo ano, problemas vinculados ao SUS local apareceram pelo menos duas vezes ao mês
com novas denúncias e pautas para reforçar a perspectiva de ―crise‖. A análise das manchetes
do jornal apontou para antigos gargalos da saúde pública, como os agendamentos para
especialidades com prazos de mais de um ano, a demora nos atendimentos, as filas, os planos
de saúde privados, fechamento de serviços mediante demora de repasse do SUS, gestão
compartilhada do SUS local, suspensão de atendimentos, superlotação em hospitais e
rotatividade de gestores locais.
O SUS local vive um modelo de gestão em que a responsabilidade pelos
serviços de saúde está vinculada a Autarquia Municipal de Saúde e ao Consórcio
Intermunicipal de Saúde do Médio Paranapanema (Cismepar) e revela um amplo investimento
no nível secundário em detrimento de um serviço de atenção primária insuficiente e precário.
Ainda, a cidade possui um pólo de desenvolvimento da saúde privada com ampla oferta de
serviços de saúde particulares como clínicas e hospitais, bem como um rol de médicos
especialistas disponíveis ao mercado.
Diante desse quadro desanimador, em 2011 a cidade passa a vivenciar um
surto de dengue que agrava a perspectiva da saúde pública de Londrina. O debate alcança a
sociedade civil organizada, usuários, trabalhadores e militantes da saúde e força os poderes
executivo e legislativo a propor soluções imediatas para um problema que, como se
evidenciou se arrasta por anos.
Como resposta o executivo encaminha cinco projetos de lei que passam a
compor o ―Pacotão da Saúde‖ com a justificativa de melhorar o atendimento aos usuários da
saúde. Desses, dois estão vinculados diretamente ao combate de endemias e propõe
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gratificações para os agentes de endemias (R$100,00) e para os coordenadores (R$280,00) e
aumento do vale alimentação de R$7,50 para R$8,00/dia.
Nota-se que o ―tom‖ dos projetos está vinculado ao incremento financeiro,
reafirmando a precárias condições de trabalho existente, sobretudo no que diz respeito à
questão salarial. O salário dos agentes de endemias (cerca de 230) era de R$ 515,00 e parte
desses trabalhadores eram terceirizados.
Outro Projeto de Lei na esteira do anterior (PL 69/2011) concede
gratificação financeira a servidores do PAM - Pronto Atendimento Municipal, PAI – Pronto
Atendimento Infantil e algumas unidades de saúde do município mencionadas, como as
referenciadas do Jardim Leonor, Maria Cecília e União da Vitória. O teto da gratificação é de
no máximo 25% do salário do servidor e será concedida mediante a avaliação de três
requisitos: produtividade médica, desempenho e assiduidade.
Pode-se refletir que a opção pela terceirização de um lado e a precarização
da força de trabalho de outro, contribuem também para que o SUS local enfrente tais questões
e mediante momentos de crise, como o atual, entre em vigor ações pontuais e específicas que
escondem aspectos como a efetivação de um trabalho contínuo de prevenção e educação em
saúde e a necessidade de construir um plano público de carreira, cargos e salários que valorize
os trabalhadores na saúde.
O PL 65/2011 diz respeito à criação de vagas para extensão do horário de
atendimento dos serviços de saúde. Estão previstos a criação de 130 cargos que absorveram
aprovados em concurso público já realizado e estarão distribuídos em 75 vagas para auxiliares
de enfermagem, 30 para enfermeiros e 25 para técnicos administrativos. Para o executivo, ao
ampliar vagas pretende-se reduzir o número de horas extras e concomitantemente o estresse
dos trabalhadores que acabam se sobrecarregando no cotidiano dos serviços de saúde.
Por fim, a última medida e dentre todas, a mais polêmica é a do projeto de
Lei 67/2011. O executivo destina nesse projeto R$ 5.474 milhões para contratar, no período
de sete meses, ―pessoa jurídica prestadora de serviços de saúde‖, para auxiliar nos plantões
médicos em serviços de saúde na cidade de Londrina, citados especialmente o PAM, PAI e
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unidades de saúde de horário de funcionamento diferenciado. Por meio de licitação, a
prefeitura pagará por seis horas de plantão, o equivalente a R$83,33/h, ou seja, R$500,00.
Valor muito diferente dos R$38,00 que os profissionais de saúde do município recebem
atualmente. A prefeitura justifica a discrepância dos valores por conta dos impostos e
despesas das empresas e, portanto, no final das contas, o valor ficará praticamente o mesmo e
quanto ao contrato de terceiros, segundo o executivo, já foram realizados três concursos
públicos para médicos no município, mas não houve aprovados suficientes, já que os níveis
salariais são baixos e posterior a essas ações a prefeitura promete discutir um plano de cargos,
carreira e salários para a área da saúde.
Nota-se que a gestão do trabalho em saúde desenvolvida pelo município já
dava sinais de estrangulamento, quer seja pelos problemas com a empresa CIAP, em quem
além de onerar os cofres públicos, deixou um contingente expressivo de trabalhadores em
saúde na insegurança e incerteza frente aos seus salários e manutenção dos contratos de
trabalho; ou pela falta de interessados em compor as vagas para concurso público na área,
disponíveis em Londrina por conta dos baixos salários.
No entanto, os problemas foram se avolumando e confluíram em um quadro
de crise em que a população usuária dos serviços tem sentido as conseqüências na
precariedade e ausência de serviços de saúde.
Desde a década de 1980 os trabalhadores em saúde tomaram para si o
desafio de construir uma carreira pública capaz de, enquanto partícipes da política de saúde
brasileira, serem reconhecidos em suas condições de trabalho e capazes de inferi na gestão da
saúde. Todavia, com o SUS houve um aumento expressivo de trabalhadores e que, atrelada às
mudanças operadas na política econômica do país, foi se efetivando uma massa de
trabalhadores em saúde altamente precarizados, como é o caso das contratações para a Saúde
da Família, mediante ―cooperativas de trabalho‖ ou similares
e que tem desafiado os
trabalhadores e gestores da política em questão.
Portanto, são motivo de preocupação as posturas dos trabalhadores em
saúde mediante o atual contexto dessa força de trabalho e expõe além das complexas análises
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mediante as mudanças no mundo do trabalho, uma atuação fragilizada enquanto sujeitos
sociais não só técnica, mas politicamente envolvidos nesse processo.
Sendo assim, ao trabalhador de saúde reservam-se um papel ativo de
vigilância, reflexão e defesa mediante as ofensivas contra o SUS. Alguns autores questionam
se os trabalhadores, assim como os gestores e usuários do SUS, têm priorizados espaços,
como os conselhos, as conferências, para articular alianças para a sustentabilidade do sistema.
É no contexto do SUS e de suas múltiplas frentes de ação que a questão dos
trabalhadores de saúde eclodirá, e com ela a preocupação de visualizar esses sujeitos como
cidadãos e portadores de demandas legítimas e urgentes: a formação permanente e qualificada
e condições dignas de trabalho, pois só assim é possível que os trabalhadores em saúde
possam cumprir seu papel no desenvolvimento e aperfeiçoamento da política de saúde
brasileira.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O SUS vive atualmente um paradoxo em que a grandeza de um sistema
único de saúde, sustentada em dois princípios fundamentais para efetivar a proteção social aos
cidadãos brasileiros - a universalidade e a integralidade – passa a conviver com vários
problemas vinculados ao financiamento, modelo de atenção e gestão do sistema, dentre
outros. Embora, seja reconhecido por seu alcance social na questão do acesso, questões como
a qualidade dos serviços prestados tenciona a efetividade do SUS, desencadeando e
propagando uma ―crise do sistema‖.
Sendo assim, os gestores nas mais diferentes esferas de governo, passam a
debater as saídas para esse quadro e afloram inúmeras assertivas sobre os caminhos ou
estratégias que poderiam recuperar a credibilidade e eficiência do sistema. Dentre essas
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possibilidades, a idéia muito debatida da transferência da administração direta do sistema para
as OS, OSCIPs e Fundações Estatais de Direito Privado.
Diante desse quadro, emergem questões cruciais para a sobrevida do sistema
tal qual ele foi pensado no quadro da reforma sanitária brasileira e nesse sentido, a questão da
força de trabalho em saúde, indicam a urgência de ativar a capacidade desses trabalhadores de
influir e politizar o debate em torno da saúde pública brasileira.
Nesse sentido, é preocupante a perspectiva da condução de alternativas,
como a do caso de Londrina PR, em que se desconsideram os trabalhadores em saúde em
dupla dimensão: quando não acolhem seus saberes vivenciados no cotidiano dos serviços,
trazendo-os mais próximos da gestão compartilhada da política de saúde ou ainda, quando
desconsideram as suas demandas enquanto parte da classe que vive do trabalho e reforçam
mecanismos temporários de controle desses trabalhadores em detrimento de uma efetiva
política de recursos humanos para a área da saúde.
Embora reconheçamos que a reflexão sobre o SUS possua muitos flancos,
direções e perspectivas defende-se que para além de saídas momentâneas, a retomada da
discussão em torno da formação, qualificação e poder político dos trabalhadores em saúde.
BIBLIOGRAFIA
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Acessado em 03/02/11 às 13:08
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AGIR ARTICULADO ENTRE ATENÇÃO, REABILITAÇÃO E PREVENÇÃO EM
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Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST-Piracicaba-SP)
[email protected]
INTRODUÇÃO
A área de Saúde do Trabalhador no Sistema Único de Saúde (SUS) é um
conjunto de práticas sanitárias que articula ações de assistência, reabilitação, vigilância,
prevenção e promoção à saúde, e tem como especificidade a intervenção na relação processo
saúde-doença dos trabalhadores.
Sua operacionalização se dá por meio de serviços municipais como os
Programas de Saúde do Trabalhador (PST) e Centros de Referências em Saúde do
Trabalhador (CEREST). Organizados na forma de Rede Nacional de Atenção Integral em
Saúde do Trabalhador (RENAST), tem também o apoio técnico, legal e financeiro do
Ministério da Saúde.
Preconizada desde sua origem para uma ação interinstitucional, aliada ao
movimento sindical, enfrenta duas ordens principais de obstáculos: (1) a fragmentação
institucional entre áreas afins como a do Trabalho e a da Previdência Social, o que contribui
para a ineficácia de uma política de Estado na intervenção preventiva nos determinantes dos
agravos à saúde decorrentes dos processos patológicos de trabalho; (2) sofre pressões de
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políticas hegemônicas de setores capitalistas que estabelecem o controle gerencial interno das
empresas sobre as questões que afetam a saúde e a segurança da classe trabalhadora.
Neste sentido, contrapõem-se aos tradicionais núcleos da Medicina do
Trabalho e da Saúde Ocupacional, enquanto um movimento social e político contrahegemônico a um paradigma fortemente marcado pela visão unicausal das doenças e agravos,
associado ao avanço da atenção médica individual como prática de mercado e a serviços de
medicina de grupo de empresas para controle e reprodução da força de trabalho, de acordo
com os interesses do capital.
A alteração deste cenário depende da superação de velhas dicotomias entre
as vigilâncias epidemiológica e sanitária, entre vigilância e assistência, entre práticas coletivas
e individuais, ampliando os objetos de ação, os recursos mobilizados e o espaço de atuação
para além dos limites do setor saúde. Como produto, almeja-se extinguir a naturalização
social da ocorrência evitável de epidemias de acidentes de trabalho e doenças relacionadas ao
trabalho.
No âmbito dos serviços de Saúde do Trabalhador são raras as experiências
que conseguem alcançar este status de atenção integral, articulando a assistência e a
reabilitação aos diversos níveis de complexidade de uma atenção verdadeiramente integral vigilância, prevenção e promoção à saúde dos trabalhadores.
Este estudo relata o programa terapêutico de reabilitação profissional
desenvolvido por equipe multidisciplinar do CEREST - Piracicaba, por meio da
caracterização de seus aspectos constitutivos fundamentais e da lógica da sua intervenção. São
descritos as várias fases da programação desenvolvida, os métodos empregados e os
fundamentos teóricos que norteiam o equacionamento entre a situação/problema e a
consecução dos objetivos pretendidos.
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METODOLOGIA
O pressuposto teórico deste programa é o modelo social de incapacidade,
concepção que reflete as transformações históricas, políticas e sociais das sociedades
capitalistas ocidentais, ao longo dos últimos dois séculos, bem como, o acúmulo do
conhecimento científico ordenador das idéias às práticas. Destes construtos paradigmáticos
emanam as decisões das políticas públicas e da organização estatal dos serviços de atenção à
população com incapacidades.
A concepção socioambiental norteadora deste programa entende a
incapacidade como um fenômeno de relação que não se realiza num vácuo social, ao
contrário, as determinações estruturais e sociometabólicas do capital são preponderantes no
seu estabelecimento e superação. É a sociedade, com suas maneiras singulares de organizar a
produção e o trabalho, que vai imprimir, nas relações sociais, as atitudes de acolhimento ou
discriminação, e nas relações institucionais, o acesso a serviços públicos pautados pela
proteção social ou pela segmentação da desvantagem e da exclusão.
Nesta perspectiva, entende-se que no processo individual de incapacitação
dos trabalhadores interagem os aspectos físicos, afetivos e sociais, demandando uma atenção
terapêutica interdisciplinar, desenvolvida por uma equipe técnica composta de médico,
assistente social, psicólogo, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional e socióloga. Trata-se de uma
construção desenvolvida na prática cotidiana de discussão dos casos, estabelecendo-se
conexões recíprocas destes diferentes campos profissionais integrantes da equipe, articuladas
estrategicamente para o enfrentamento da complexidade do objeto, cujo resultado é um saber
disciplinar amalgamado e novo, mas que permanece no campo comum da Saúde do
Trabalhador. Os seus produtos expressam-se nas diferentes fases do processo de reabilitação
profissional dos adoecidos, na avaliação inicial da incapacidade, compreensiva e integral, no
desenvolvimento dos grupos interativos voltados para o resgate da capacidade de trabalho, na
avaliação final, após o termino da programação, quando a equipe conclui pelo retorno ao
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trabalho ou pela sugestão de aposentadoria e, finalmente, quando se realiza em conjunto a
avaliação técnica de compatibilidade da função de retorno ao trabalho. A prática
interdisciplinar também está presente no trabalho interinstitucional, cujos resultados serão
descritos mais adiante.
Tal como visto, a área de atenção à saúde dos trabalhadores insere-se no
campo das práticas em saúde coletiva. Com base no arcabouço teórico deste campo do
conhecimento e militância histórica por cidadania e justiça social, a Equipe de Reabilitação
Profissional reconhece o trabalho como um essencial operador de saúde mental, central na
constituição do sujeito, pois permite a sua humanização, o seu lugar na esfera pública e a sua
construção identitária.
Este reconhecimento admite a existência da subjetividade no trabalho
considerando os significados que os indivíduos atribuem a determinadas situações, as
expectativas, as representações, os sentidos deslocados às tarefas realizadas, a maneira como
cada pessoa responde a partir de sua história de vida, dentre outros. Também se entende que o
trabalho pode se transformar em um mecanismo de sofrimento mental e gerar transtornos
psíquicos, na medida em que são negadas ao indivíduo as possibilidades de desenvolvimento
criativo, de autonomia, de laços de cooperação e ética no âmbito das relações trabalhistas.
Considera-se que a gênese do sofrimento mental relacionado ao trabalho
está condicionada a distintas situações de trabalho tais como: a estrutura hierárquica
organizacional, as relações de violência psicológica entre equipes, a exposição a agentes
tóxicos, a divisão de tarefas, as políticas de gestão de pessoas, as situações de risco físico,
além dos aspectos sociais, econômicos e dos processos psicossociais que marcam as
experiências de vida dos indivíduos.
São aspectos que reafirmam a complexidade que
perpassa o entendimento do que representam esses agravos, de como identificar e oferecer o
suporte adequado nos casos de agravos mentais relacionados ao trabalho.
A experiência de atendimentos grupais aos trabalhadores no CEREST –
Piracicaba é um exemplo de busca de constantes adequações e aprimoramento das propostas
terapêuticas que atendam de modo efetivo as necessidades dos usuários em situação de
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afastamento laboral. Isto porque há o entendimento de que o sofrimento físico e mental
relacionado ao trabalho se manifesta de distintas formas, variáveis contextos organizacionais
e em diferentes categorias profissionais.
Uma das recentes intervenções utilizadas no Programa de Reabilitação
Profissional no CEREST – Piracicaba é o método elaborado por Dulce Sauaya intitulado
História Vital do Trabalho (HVT). Trata-se de um dispositivo que tem por característica a
intervenção psicossocial, uma vez que considera os aspectos da trajetória/vivência de trabalho
e suas repercussões na vida psíquica e compreende o indivíduo como um sujeito detentor de
uma saber social/histórico. A HVT propõe incentivar a narrativa do percurso de trabalho do
sujeito-trabalhador, oferecendo a ele a possibilidade de atribuir sentidos às experiências
passadas de trabalho e evocar um processo de subjetivação e re-significação do afastamento.
Verificou-se que a utilização deste método no grupo terapêutico possibilitou a alguns
trabalhadores o acolhimento de medos e inseguranças, para outros houve a resignificação do
processo de adoecimento, na medida em que contribuiu para amenizar os processos de
identificação com o papel ―doente-inválido‖, favoreceu a vivência de sentimentos de
solidariedade e coletividade, permitiu o compartilhamento e o resgate de vivências tidas como
satisfatórias na vida laboral, a diminuição de sentimentos de tristeza e desvalia com o resgate
dos conhecimentos e capacidades adquiridas a priori ao afastamento. Também foram
verificadas legítimas tentativas de retomada da vida social buscando combater o sentimento
de solidão e isolamento que, via de regra, é mobilizado pela condição de afastamento do
trabalho.
Faz-se necessário esclarecer uma etapa que antecede o início do grupo
terapêutico caracterizada pela realização de entrevistas individuais. Esta primeira etapa visa
identificar possíveis sintomas de um agravo mental e estabelecer um fluxo de atendimento
adequado à situação.
A realização das entrevistas favorece o desencadeamento de
encaminhamentos, quando necessários, para serviços auxiliares da rede de assistência do
município.
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Outro aspecto constitutivo do programa é a intervenção nas empresas para a
melhoria das condições laborais e a identificação de funções compatíveis às limitações dos
trabalhadores reabilitandos.
O referencial utilizado para a avaliação do ambiente de trabalho como
prática de intervenção nas empresas é o método da Análise Ergonômica do Trabalho (AET)
de origem franco-fônica, que consiste em quatro etapas de análises: (1) demanda; (2) tarefa;
(3) atividade e (4) diagnóstico, de modo a aprofundar os conhecimentos sobre o fazer dos
trabalhadores em situação de trabalho, priorizando a análise da atividade em resposta à tarefa
prescrita pela organização e entendendo o trabalhador como ator principal desse processo.
A análise ergonômica está centrada no campo da subjetividade, uma vez que
o ergonomista utiliza-se de técnicas de registro de observações do ambiente laboral para a
descrição da atividade, com a função de verificar se as informações colhidas no real do
trabalho são representativas e revelam o ponto de vista dos trabalhadores.
Para a identificação dos riscos e de sobrecargas de trabalho utiliza-se o
instrumento Ergonomics Workplace Analisys (EWA) - desenvolvido pelo Instituto Finlandês
de Saúde Ocupacional e adaptado pelo grupo de pesquisa Simucad - Ergo&Ação (2002) da
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). O EWA agrega diferentes conhecimentos em
sua base teórica: fisiologia do trabalho, biomecânica ocupacional, aspectos psicológicos,
higiene ocupacional e o modelo sócio-técnico da organização do trabalho.
Em seqüência a esses procedimentos é incorporada a etapa de validação ou
autoconfrontação, de modo a possibilitar a criação de um espaço para discussões entre
trabalhadores e ergonomistas, visando ao enriquecimento da compreensão das atividades e
situações de trabalho.
Em posse desses dados as negociações com as empresas e demais atores
envolvidos (reabilitandos, sindicatos CEREST, INSS) voltam-se para o processo de retorno
ao trabalho. Cada um dos atores, com suas respectivas representações, discutem as
intervenções e características desejáveis para o local de trabalho com potencial ao retorno,
bem como a compreensão dos requisitos técnicos da tarefa e conhecimentos necessários para
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o desenvolvimento da reinserção. As negociações não refletem apenas a busca por uma
função compatível, considerando as potencialidades e limitações dos trabalhados, mas
também por um retorno gradativo e saudável. Em concomitante com as intervenções da
equipe do CEREST, há o estabelecimento de um fluxo de ações interinstitucionais que visam
favorecer um processo de retorno ao trabalho digno e seguro. Em Piracicaba, tais ações vêm
se concretizando a partir da participação de alguns profissionais do Instituto Nacional de
Seguro Social (INSS) como: médico-perito, assistente social e terapeuta ocupacional. No que
se refere à aproximação e ao diálogo estabelecido com a equipe de Reabilitação Profissional
do INSS de Piracicaba foram concretizados alguns importantes treinamentos a partir da
compreensão do modelo social de incapacidade, um fluxo contínuo de reuniões para discussão
dos casos inseridos e acompanhados pelo Programa de Reabilitação do CEREST, a suspensão
da perícia médica durante o período da assistência terapêutica.
Além disso, na etapa de negociação do retorno ao trabalho, há uma análise
criteriosa acerca das condições do trabalhador e da oferta e condições da função. Essa parceria
tem concretizado um fluxo facilitador entre as duas instituições que operam com lógicas
muito distintas: a lógica da prevenção e do cuidado do SUS e a lógica da reparação da
Previdência Social. Esta interface tem se constituído em uma postura única de negociação
com as empresas, fortalecendo a Reabilitação Profissional enquanto uma política pública de
Estado. Outras instâncias que se articulam são o Ministério do Trabalho e o Ministério
Público do Trabalho, constituindo-se como parceiros do projeto, e também oferecendo à
equipe a possibilidade de um lócus de exercício de interdisciplinaridade e defesa dos
interesses coletivos. Atualmente, conta-se com o apoio de ambas as instituições nos processos
de levantamento de situações de risco/adoecimento no trabalho e no estabelecimento de
acordos que garantam melhores condições de proteção à saúde.
A participação dos representantes sindicais também oferece uma ampliação
das ações previstas pelo CEREST no processo de denúncias às situações de risco à saúde bem
como, na etapa de reinserção e acompanhamento dos trabalhadores reabilitados.
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O estabelecimento de um diálogo com a empresa é efetivado no processo de
negociação de retorno, porém em algumas empresas o fluxo de negociação pode anteceder tal
etapa. Nesse momento são apresentados à empresa o percurso do programa de reabilitação e a
análise técnica da equipe. Destaca-se que a presença do trabalhador no momento de definição
e avaliação do setor e da função têm se mostrado favorável e positiva, uma vez que o
trabalhador percebe a importância da participação ativa no processo de retorno.
RESULTADOS
Os resultados qualitativos revelam o impacto positivo do programa
terapêutico em andamento no resgate da autonomia, da auto-estima e da capacidade de resignificar o futuro dos trabalhadores assistidos. Formas adaptativas de reaquisição da
motricidade (que os pacientes de LER/DORT acreditavam ter perdido) emanam
espontaneamente do trabalho grupal, concretizando novos modos de fazer, com minimização
da dor e do sofrimento.
O índice de retorno ao trabalho tem permanecido por volta de 10% dos
casos que concluíram o programa, consonante com a literatura internacional sobre a temática,
e o principal obstáculo tem sido a permanência dos determinantes patológicos do trabalho que
geram o adoecimento. As ações de vigilância e intervenção são complexas, morosas e
insuficientes, uma vez que a demanda é uma transformação radical nas formas de organizar a
produção e o trabalho. Além disso, existe o despreparo das empresas para receber esses
trabalhadores tanto no que se refere a aspectos relativos à adequação de postos, como na falta
de difusão desta nova cultura organizacional aos funcionários da empresa.
Os recursos das instituições fiscalizadoras produzem melhorias pontuais das
condições de trabalho, mas não conseguem alçar os núcleos duros das organizações
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empresariais, em especial a patogênia do modo de organização capitalista toyotista e do
sociometabolismo da barbárie do capital em escala mundial.
É notório que nossos maiores obstáculos são as políticas econômicas e
sociais que não apóiam a valorização da vida e da saúde como bens não negociáveis. A
sustentação do programa apresentado, diante da atual configuração do mundo do trabalho,
ainda nos oferece muitos questionamentos, sendo o principal deles:
Como intervir na intensificação do trabalho que potencializa os acidentes de
trabalho, as LER/DORT e o sofrimento psíquico? Este é o grande dilema imposto à equipe de
reabilitação profissional. Com um agir articulado que se realiza objetivamente nos limites
possíveis de uma prática reformista, os retornos ao trabalho tem sido promovidos por critérios
de empoderamento dos sujeitos/trabalhadores para o enfrentamento, acreditando-se que este
estado de coisas não se desenvolverá de modo perene e sem resistências, e que esta é uma luta
cotidiana de todos nós.
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“QUANDO O CORAÇÃO QUASE SAI PELA BOCA”: CRISE (DE ANSIEDADE) EM
MEIO À LINHA DE PRODUÇÃO
VERISSIMO, D. M. M.;
Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST-Marília-SP)
[email protected]
INTRODUÇÃO
O presente texto pretende apresentar um relato de experiência, a respeito de
caso de sofrimento psíquico ocasionado pelo trabalho, atendido pelo Centro de Referência em
Saúde do Trabalho Regional de Marília (CEREST), e o estabelecimento do nexo causal.
Trata-se de uma trabalhadora que chegou até o CEREST, por orientação de
médica particular, para tratamento de sintomas de ansiedade e verificação do nexo causal
entre os problemas de saúde (físico e mentais) e as condições de trabalho.
METODOLOGIA
Para análise do caso, utilizamos o método apresentado por Beth Lima,
abordagem que norteia ações para estabelecimento do nexo causal trabalho – saúde mental, do
Centro de Referência. A autora propõe o cumprimento de algumas etapas para compreender a
trajetória pessoal do trabalhador e o papel das condições concretas no aparecimento do
transtorno mental apresentado, privilegiando sempre a percepção dos trabalhadores quanto às
vivências do ambiente de trabalho e sintomas.
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A HISTÓRIA DE MARIA
Uma mulher, de classe média baixa, 33 anos de idade, mãe de dois filhos
adolescentes, fruto de um casamento de 22 anos. Aos 11 anos, fora autorizada a se casar pela
mãe, com o marido com quem vive até hoje. Trabalhou como faxineira em república de
estudantes e veio a ―conquistar‖ o cargo de auxiliar operacional em uma empresa do ramo
alimentício no município de Marília.
A trabalhadora relata que ―deu o sangue‖ à empresa. Trabalhando no
período noturno, passou 07 anos, dedicando suas noites às tarefas de auxiliar operacional e
dormindo no período da manhã e início da tarde. Boa parte da educação dos filhos é de
responsabilidade de sua mãe que reside na mesma casa. ―Não vi meus filhos crescerem‖,
relata a trabalhadora.
CONTEXTO DE TRABALHO
Participações constantes em reuniões, recordações sobre o calor dentro do
prédio onde está instalada a empresa, cobranças por alta produção em curto tempo, são
relatadas. Descreve sobre o orgulho de pertencer à empresa, o reconhecimento através dos
benefícios: divisão de lucros, sorteios de bons prêmios em festas de fim de ano, plano de
saúde e outros direitos trabalhistas garantidos. Aponta também, as mudanças ocorridas nos
cargos de diretoria, no quadro de funcionários, na forma de produção, sobre a sensação de ser
pressionada, temor em ser demitida, pelas cobranças de superiores hierárquicos, além de
choro e angústia em meio à linha de produção.
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Nos relatos da paciente não há problemas familiares, matrimoniais ou
financeiros. Não há uso de álcool ou drogas. Não existe qualquer outro evento ou história
traumática. Apenas o trabalho é apresentado como fonte de sua angústia.
O TRABALHO COMO AUXILIAR OPERACIONAL / APOIO DE LINHA
Embora registrada como auxiliar operacional, as ações exercidas pela
trabalhadora são relativas ao que chamam na empresa como ‗apoio de linha‘, que não consta
na lista da Classificação Brasileira de Ocupações. O ‗apoio de linha‘ desempenha inúmeras
tarefas realizadas conforme a necessidade da(s) linha(s) de produção. Os funcionários apoios
de linha são responsáveis pelo planejamento das substituições ou substituição propriamente
dita dos operadores/auxiliares de operação para que estes possam ir ao banheiro, tomar água
e/ou almoçar, são responsáveis pela organização e limpeza da linha de produção, retirada de
plásticos das embalagens, ou do produto produzido, em caso de problemas nas máquinas, e
ainda, realizam a pesagem das ‗perdas‘ da linha.
Como as atividades ocorrem de acordo com a exigência das linhas
operacionais, todas as ações são realizadas em um curto período de tempo e exigem atenção e
raciocínio rápido pela necessidade do cargo, de solucionar problemas durante todo o turno.
Além disso há cobrança de produção por parte dos superiores imediatos,
mas o cargo apoio de linha, hierarquicamente não é superior aos demais cargos, não podendo
solicitar qualquer coisa aos demais trabalhadores da linha.
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SURGIMENTO E EVOLUÇÃO DOS SINTOMAS
Maria identifica 2009, como o ano em que começa a sentir dificuldade de ir
ao trabalho por não se sentir bem no local e sentir fortes dores em ombro, braço e antebraço,
um ano depois, sintomas como taquicardia, sudorese, dor de estômago, hipertensão, passam a
ser investigados como relacionados à doenças orgânicas, com encaminhamentos à clínico
geral, cardiologistas, gastroenterologistas, sem diagnóstico de qualquer patologia que
justificasse os sintomas apresentados. Com o passar dos meses tornava-se mais difícil
comparecer a empresa, ―Quando pensava que teria que ir trabalhar, sentia um frio na barriga,
começava a tremer, me dava uma coisa ruim, parecia que meu coração ia sair pela boca‖,
relata Maria. Ela também passa a apresentar: sensibilidade extrema a barulho, momentos de
crise de ansiedade e temor quanto à repetição de novas crises, além de ―brancos‖: esquecia
tarefas, palavras, caminhos. Em consulta com médica clínica geral particular, suspeitou-se da
relação do quadro apresentado ao ambiente de trabalho encaminhando-a para o CEREST, para
avaliação psicológica no fim de 2010.
Já nas primeiras entrevistas da avaliação psicológica da trabalhadora, esta
relaciona seus sintomas ao trabalho, através da escuta observa-se relação entre o sofrimento
psíquico e a atividade laboral e esta passa a ser atendida em psicoterapia no CEREST.
No decorrer dos atendimentos observa-se que o quadro definido como
Síndrome do Pânico, na verdade é um Transtorno Fóbico-Ansioso que se caracteriza um
quadro ansioso, desencadeado essencialmente por situações determinadas que ao serem
analisadas não apresentam qualquer perigo real. Mesmo assim, tais situações são evitadas, ou
suportadas com temor. A simples rememoração da situação fóbica desencadeia ansiedade
antecipatória.
A extrema angústia reflete em dificuldade de concentração e perda de
capacidade de executar tarefas domésticas como lavar louça, arrumar a casa. Observa-se,
durante as sessões de psicoterapia, por relatos ou execução de tarefas como desenho com
tintas – tarefa proposta durante alguns atendimentos – que a paciente realiza qualquer
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atividade como se estivesse na empresa, no mesmo ritmo exigido pela linha de produção da
qual estava afastada.
Maria também apresenta dor ao executar tarefas, devido à Síndrome do
Túnel do Carpo (motivo pelo qual fora submetida a intervenção cirúrgica) e
Cervicobraquialgia. Fora pelos sintomas físicos que a Maria deu entrada à solicitação de
auxílio doença no INSS. E as avaliações médicas na empresa ou exames periciais realizados
no INSS, eram vivenciadas e com intensa angústia para a trabalhadora.
Pelas dificuldades enfrentadas em termos trabalhistas, uma vez que o INSS
não reconhecia a necessidade de mantê-la afastada do trabalho, seja por motivos físicos ou
mesmo com a alegação de transtorno mental, por orientação do CEREST Regional Marília a
mesma ajuda jurídica, sendo afastada sob liminar judicial. Com a liminar, o serviço médico
ambulatorial e o setor de recursos humanos da empresa, passaram a solicitar com freqüência o
retorno ou justificativa das faltas da funcionária; cada contato da empresa é relatado com mais
angústia. Até que relata que em um momento de crise de ansiedade a trabalhadora viu, pela
primeira vez, um vulto, vestido com uniforme semelhante ao do trabalho. Nas crises seguintes
passou a visualizar uma pessoa – um encarregado da firma – além de ouvir vozes solicitando
horário para tomar água ou ir ao banheiro, exatamente como ouvia durante suas atividades
laborais.
Embora a trabalhadora, fosse acompanhada desde o início do tratamento no
CEREST por psiquiatra da rede particular de saúde, foi solicitada uma segunda avaliação
psiquiatrica, com outra profissional, pois a medicação prescrita não controlava os sintomas
fóbicos ansiosos e as alucinações. Na segunda avaliação, a indicação de internação em
hospital psiquiátrico para controle da ansiedade e observação diária das reações a nova
medicação de antipsicótico.
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SOBRE O ESTABELECIMENTO DO NEXO E AÇÕES SEQÜENTES.
Conforme relatado, no início do trabalho, o estabelecimento do nexo da
patologia com o trabalho requer o cumprimento de determinadas etapas, que irão respaldar a
prática do trabalho com saúde ocupacional.
Inicialmente buscou-se evidências epidemiológicas quanto a ocorrência da
patologia fóbico-ansiosa na categoria profissional da trabalhadora, não havendo nenhum nexo
definido, buscou-se através de uma ―busca ativa‖, identificar outros quadros semelhantes em
profissionais com a mesma função. Assim, foram realizadas 20 entrevistas, neste grupo há
trabalhadores da mesma função, ou simplesmente pertencentes à empresa.
Destes, entrevistamos inicialmente quatro trabalhadoras do período noturno
da empresa, em tratamento na rede pública em dispositivos de saúde mental, por patologias
ansiosas/depressivas com o intuito de verificar evidências epidemiológicas ou mesmo, para
constatarmos o clima organizacional da empresa.
Em cada entrevista, buscou-se realizar um resgate da história de vida dos
trabalhadores, com foco na percepção que eles têm sobre a causa de seu adoecimento e/ou do
ambiente de trabalho.
Houveram muitas recusas em responder à entrevista, recusa justificada pelos
demais entrevistados como possível temor de que informações fossem divulgadas ou que a
empresa saiba que concederam entrevista.
Ressalta-se em todos os relatos pontos comum. Em todas as entrevistas há
relatos de choro das funcionárias, durante o trabalho na linha de produção devido a ―broncas‖
ou ―cobranças‖ de seus superiores hierárquicos, relatam sentir-se pressionados pela
manutenção da meta produtiva, independente do número de funcionários de uma linha de
produção estar completo ou não, ou mesmo, de haver funcionárias com prática nas tarefas
necessárias ao funcionamento da linha.
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Relatam que o horário de almoço, banheiro e água, não são fixos e
dependem de variáveis como: substituição dos funcionários, funcionamento da linha de
produção. Estes apontamentos nos permitem avaliar que o relógio biológico dos trabalhadores
ou o conforto no local de trabalho variavam conforme a necessidade de produção da empresa.
Observa-se através das entrevistas que todos os funcionários efetuam
múltiplas tarefas, em linhas variadas, com ritmos diferentes em um mesmo dia, e assim são
solicitados a mudar de linha de produção, sem necessariamente ter habilidade para execução
de novas tarefas.
As convocações para realização de banco de horas são sentidas pelos
entrevistados como ameaçadoras, pois este julgam que negar-se a realizar hora extra pode
gerar risco de demissão. Afirmam que quando se negam a realizar hora extra e/ou banco de
horas para um primeiro superior hierárquico, a convocação é realizada novamente, e em
seguida, por outro superior. Alegam também que o registro dos nomes que comparecerão e
dos que não irão comparecer para realizar hora extra pode ser utilizado como fonte de dados
sobre o funcionário e influenciar a demissão em caso de necessidade da empresa.
Em todas as entrevistas, há relatos de culpabilização do acidentado em caso
de acidente de trabalho e somado a isso, observamos que poucos entrevistados relacionam
acidentes de trabalho com o ritmo intenso, mudanças constantes de máquina, longos períodos,
às vezes ininterruptos, operando máquina.
Dois entrevistados relatam vivenciar como ―pressão‖ os contatos realizados
pela empresa, para que retornassem ao trabalho ou que justificassem as ausências em caso de
afastamento do trabalho por decisão judicial. Nestas situações afirmam receber solicitações de
documentos que comprovem a necessidade de afastamento e que esta não comprovação pode
gerar abandono do emprego e demissão por justa causa.
Nas entrevistas, os trabalhadores citam o afastamento de companheiros de
trabalho adoecidos físico e mentalmente. E os ex-funcionários relatam dificuldade: de lembrar
o período em que trabalharam, de passar próximo a empresa, ver o ônibus de funcionários
desta pelas ruas, porque esses eventos lhe causam sensação de angústia. O que parece
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evidenciar que o processo produtivo da empresa, causa sofrimento aos profissionais que lá
trabalham.
RESULTADOS
Na busca pela identificação dos mediadores da passagem entre a experiência
vivida e o adoecimento, observa-se através dos relatos, que: pelas muitas atividades
desenvolvidas em ritmo intenso, ou pelas dificuldades de autonomia quanto à: idas ao
banheiro, saída para o almoço ou para beber água, ou mesmo pela sensação vivenciada pela
estratégia de gestão utilizada para a realização do banco de horas e/ou horas extras, os
trabalhadores referem sentir-se pressionados.
Atualmente equipe do CEREST dedica-se a avaliação do material coletado
durante a visita de inspeção à empresa (fotos, vídeos, documentos), para emissão de relatório
técnico, bem como análise ergonômica do trabalho e solicitação de mudanças cabíveis.
Quanto a realização de exames complementares, como uma das etapas
necessárias ao estabelecimento do nexo, dentre os entrevistados, os que apresentam alguma
patologia supostamente ou já relacionada à atividade desenvolvida, relataram diagnósticos
médicos, ou mesmo uso de medicamentos por patologias psíquicas ou osteomusculares. O
caso específico tratado neste trabalho, passou por avaliação da médica clínica geral da rede
particular e do CEREST, avaliação de dois psiquiatras e ortopedista da rede particular, este
ultimo que a submeteu a cirurgia do túnel do carpo bilateral, e Maria também passou por
avaliação do ortopedista do CEREST. Há um consenso quanto à afirmação de que o trabalho
fora determinante no adoecimento físico e mental da trabalhadora.
Atualmente Maria, encontra-se internada no hospital psiquiátrico do
município, por decisão própria e da família, e retorna à sua residência durante os fins de
semana, a medicação tem agido no controle dos sintomas, e a trabalhadora relata que agora
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ouve as vozes, mas estas lhe dizem que não adianta solicitar água ou banheiro porque Maria
não as escuta. A trabalhadora já está há 15 dias internada e deverá permanecer por mais 15
dias, conforme orientação da psiquiatra e aguarda a resolução do seu caso na justiça. Um
ponto a ser ressaltado é que a trabalhadora, não cogitou pedir demissão, pois não considera
isso justo. Seus relatos coincidem com todos os outros colhidos, e foram reafirmados a cada
etapa cumprida, na verificação do nexo entre o adoecimento de Maria e as condições de
trabalho.
O caso descrito motivou a equipe do Centro de Referência na investigação
deste nexo, e percebe-se a importância do cumprimento de cada etapa do método proposto
para respaldar a declaração de que a patologia fora provocada pelo trabalho. Mas o ponto
central deste método, para os profissionais de saúde mental é a escuta. Oferecer aos
trabalhadores a oportunidade de falar, permite visualizar a situação organizacional, a
estratégia de gestão, permite a expressão dos prazeres e sofrimentos vivenciados no trabalho,
reafirmando que a escuta é a ferramenta fundamental para a elaboração do nexo causal entre
sofrimento mental e trabalho.
BIBLIOGRAFIA
LIMA, Maria Elizabeth Antunes. Transtornos mentais e trabalho: o problema do nexo causal.
Rev. Adm, FEAD Minas., Belo Horizonte, v. 2, n. 1, p. 73 – 80, jun. 2005.
LIMA, Maria Elizabeth Antunes. A polêmica em torno do nexo causal entre distúrbio mental
e trabalho. Psicologia em Revista, Belo Horizonte, v. 10, n. 14, p. 82 – 91, dez. 2003.
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SOFRIMENTO PSÍQUICO DO AGENTE COMUNITÁRIO DE SAÚDE:
INTERFACES ENTRE PROCESSO DE TRABALHO, FORMAÇÃO E GESTÃO
RIBEIRO, S. F. R.;
HELOANI, J. R. M.;
Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)
Agência Financiadora: CAPES
[email protected]
Muitas áreas e teorias do conhecimento têm voltado suas pesquisas para o
sofrimento do trabalhador, estudando quais seriam as questões envolvidas no que se tem
denominado de Saúde do Trabalhador. Dentre elas a teoria do estresse, a epidemiologia, a
ergonomia, a psicologia social, a psicodinâmica do trabalho. Neste estudo, optou-se pelas
duas últimas, considerando-as apropriadas na integração da dimensão social e subjetiva do
problema. Complementarmente, utilizaram-se aportes teóricos foucaultianos e de autores da
saúde coletiva.
O objetivo deste texto foi discutir o sofrimento psíquico do Agente
Comunitário de Saúde sob a influência de sua atividade próxima ao local de trabalho, nas
interfaces com processo de trabalho, formação e gestão. Esta discussão faz parte de uma
pesquisa, em andamento, cujo contexto foi a Saúde da Família (SF). Segundo o discurso
oficial, é a principal política para viabilizar a atenção primária à saúde em todo território
nacional, com uma proposta de alterar a lógica da oferta, operando não mais enquanto
equipamento-centrada, mas num processo usuário-centrado, enfatizando a importância da
equipe e seu processo de trabalho, tendo como elementos centrais: (I) vigilância a saúde,
mediante os determinantes psicossociais do processo saúde-doença; (II) a integralidade das
práticas, numa abordagem do cuidado em seus múltiplos aspectos; (III) estabelecimento de
linhas de cuidado pertinentes à complexidade e necessidade de recursos sanitários, educativos,
culturais e assistenciais, e (IV) territorialização e adscrição da clientela. A equipe mínima da
Saúde da Família compõe-se pelos profissionais: enfermeiro, médico generalista, auxiliar de
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enfermagem, agentes comunitários de saúde. Quando ampliada, conta com: um dentista, um
auxiliar de consultório dentário e um técnico em higiene dental. O trabalho do Agente
Comunitário de Saúde na Saúde da Família é de ordem técnica, no cuidado e na assistência a
população e político, na organização da manifestação popular, compreendido como o elo
entre a população e a equipe. Segundo o Ministério da Saúde, o Agente Comunitário de Saúde
é a única categoria da qual se exige que more no território no qual se localiza a unidade da
Saúde da Família. Estudando alguns equipamentos de saúde, estudiosos denominaram as
diversas tecnologias utilizadas em saúde como leves, leve-duras e duras, sendo que as
primeiras envolvem primordialmente as relações humanas e as outras os conhecimentos
teóricos que sustentam tais relações e os recursos materiais como exames e medicamentos. A
interlocução desses procedimentos de forma integrada é que podem garantir a abrangência da
reabilitação na rede de saúde, enfatizando que na atenção básica, na qual se insere a Saúde da
Família, o mais necessário é a tecnologia leve, tão importante e complexa como as demais.
Alguns estudos têm mostrado dificuldades estruturais e funcionais na organização do trabalho
da Saúde da Família, com indicações de desânimo e angústia de todas as categorias de
trabalhadores da Saúde da Família, pela falta de reconhecimento de si mesmo no trabalho,
atos e medidas de cunho higienistas, terceirização e precarização das relações de trabalho.
Pesquisas dedicadas a compreensão do papel do Agente Comunitário de Saúde apontam que a
especificidade desse trabalho tem acarretado dificuldades no processo de identidade e
sofrimento psíquico. As questões de sofrimento, identificadas foram: acúmulo de atividades,
desvalorização do trabalhador, sobrecarga de trabalho e impotência frente à dificuldade de dar
conta da demanda. O assunto é complexo, requerendo uma ampliação do olhar para fora e
para dentro dos serviços, contextualizando o processo de trabalho em saúde na lógica de
produção capitalista, bem como as formas como isso repercute dentro dos serviços. Segundo
a Psicologia Social a constituição do ser humano pode ser sintetizada por meio da tríade
linguagem, trabalho e cooperação. Dessa forma o trabalho, transformação da natureza pelo
homem, com intenções e desejos, assume a centralidade desta discussão, atendo-se às
mudanças provocadas pelo capitalismo globalizado, a partir de uma visão crítica,
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identificando os atores envolvidos no processo, descartando a visão do fenômeno como
inexorável.
O mundo do trabalho acarreta repercussões na vida das pessoas, que são
obrigadas a conviver com lógicas de mercado instáveis, criando um clima de ameaça, um mal
inevitável dos tempos modernos. Dessa forma, o trabalho está longe de ser um espaço neutro,
para o bem ou para o mal. Será gerador de sofrimento ou prazer, desgaste ou crescimento,
dependendo das relações entre o trabalhador e os desafios externos do meio social. O conceito
de sofrimento psíquico foi tomado da psicodinâmica do trabalho, é uma luta constante contra
as agressões dos ambientes de trabalho, o que requer negociações e um ajuste constante entre
desejos e possibilidades. Entretanto quando o espaço de negociação fica bloqueado, o
sofrimento psíquico se acentua. As estratégias defensivas desempenham importante papel
nessas negociações. As constantes lutas vão deixando marcas no indivíduo, que vai se
transformando, deixando de ser o que era antes de ter assumido determinado trabalho. Essas
negociações são baseadas na singularidade de cada um, na estrutura mental que se tem, na
subjetividade do trabalhador. Para esclarecer o quanto o sofrimento psíquico no trabalho está
relacionado ao contexto laboral, é pertinente entender que o desgaste mental se relaciona ao
modo pelo qual a interação do trabalhador com esta situação (situação de trabalho) repercute
na subjetividade do mesmo, suscitando vivência de sofrimento. A metodologia desta pesquisa
teve uma ênfase qualitativa, utilizando o método dialético, privilegiando a dimensão subjetiva
dos fatos, considerando a natureza biopsicossocial que os permeou, possibilitando a apreensão
dos significados contidos nos discursos dos sujeitos. A cidade onde se realizou a pesquisa é de
médio porte, com início da Saúde da Família em outubro de 2003, contando hoje com dez
equipes, sendo que três delas atuam na zona rural e as demais na zona urbana. Para assessorar
as equipes fixas de cada unidade a estratégia conta com uma equipe de saúde mental formada
por dois psicólogos e duas assistentes sociais. Utilizou-se uma combinação de recursos na
coleta de dados: grupo focal e observação participante. Participaram trinta e dois Agentes
Comunitários de Saúde, sendo dois de cada Unidade Saúde da Família e Unidade Básica de
Saúde (UBS), utilizando sorteio, pois a grande maioria externou o desejo de participar. A
escolha da cidade seguiu os seguintes critérios: A) Manifestação de interesse pela questão
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proposta, identificada através de pesquisas anteriores feitas em Saúde da Família, no
município. B) Disponibilidade em participar da pesquisa. O grupo focal foi realizado com
Agentes Comunitários de Saúde representantes de todas as equipes do município, sendo que
os trinta e dois participantes foram distribuídos em três grupos, com dois encontros para cada
grupo. O roteiro para condução da investigação foi: desgaste no trabalho interno da unidade,
desgaste no trabalho com a comunidade, formação permanente e continuada para o trabalho e
repercussão do desgaste na vida pessoal por morar no mesmo bairro da unidade que trabalha.
O espaço do grupo focal proporcionou oportunidade para manifestação do sofrimento, que se
apresentava com uma forte emoção frente às questões elucidadas, requerendo do entrevistador
uma atitude de continência a essa dor. A observação participante foi feita numa única
unidade, no decorrer da preparação e ocorrência dos grupos focais. Os eixos de investigação
que nortearam a observação participante foram relacionadas a: organização do trabalho na
Saúde da Família, ações novas e antigas praticadas pelo Agente Comunitário de Saúde,
práticas específicas e genéricas do Agente Comunitário de Saúde, dificuldades encontradas na
execução do trabalho, rotina diária do trabalho do Agente Comunitário de Saúde. Os relatos
dos trabalhadores nos grupos focais, entrevistas e as anotações das observações em diário de
campo foram submetidos ao estabelecimento de categorias e posteriormente esse material
empírico foi submetido a análise de conteúdo. Essa análise, está seguindo as seguintes fases:
I)Pré-análise: Essa fase inicial do material foi feita por meio de uma leitura caracterizada por
uma atenção flutuante. Assim
a subjetividade do pesquisador e a do pesquisado se
integraram, a fim de se estabelecer as unidades de registro e unidades de contexto, apontando
com trechos significativos ou representativos das categorias, que sintetizaram a essência do
fenômeno. II) Exploração do material, através de várias leituras do material categorizado,
descobrindo orientações para a análise propriamente dita, a ser realizada logo a seguir. III)
Tratamento dos resultados obtidos e interpretação, realizado por meio da busca do sentido
latente ou subjacente expresso no manifesto e correlação com tendências e abordagens
correntes a respeito do fenômeno estudado. Preliminarmente, os resultados foram agrupados
em seis categorias: 1) Contradição vínculo/privacidade. Essa contradição se refere à
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dedicação e envolvimento no trabalho representado por um forte vínculo estabelecido com a
população, contraposto a um sofrimento pela privacidade e liberdade comprometidas. Isso se
apresenta quando relatam uma visita: “Então eu cheguei lá e ele não tinha o que comer, então
o que eu pude ajudar eu ajudei, só que eu cheguei em casa eu não consegui almoçar. Tem
casa que você entre e você chora para o lado de fora porque a situação é muito triste”.
Muitas vezes, a categoria de ACS se vê como tão pobre e desmerecida quanto a população
pobre e desvalida que atende. Outra pesquisa da mesma autora deste trabalho aponta que os
trabalhadores sofrem também com isso e explicitam: “já teve muitas coisas, eu sempre me
coloco no lugar do outro. Não sei por que eu tenho essa mania? Sempre que tem uma questão
de sofrimento, eu sofro junto. Não sei separar [...] É o fato de estar todos os dias no mesmo
lugar, com as mesmas pessoas, e ter esse vínculo”. No limite do sofrimento expressam o
medo de ―endoidecer‖. Relatam “que se a gente for tentar consertar a vida de todos os
pacientes... (pausa) a gente acaba ficando doente ... tem uma colega que ficou afastada e
agora endoidou de vez, pirou e foi para o Cantídio (hospital psiquiátrico da cidade)... é meio
preocupante, (reluta um pouco prá falar) porque às vezes parece que você tá indo pelo
mesmo caminho”. Essas afirmações da ACS possibilitam refletir sobre o comprometimento
da liberdade no sentido foucaultiano, que por sua vez compromete o cuidado de si. Essa
abordagem recorre aos gregos, explicando que estes usavam uma técnica para se constituírem
sujeitos de si. Usavam a arte, como se a vida fosse uma obra de arte, baseada em exercícios
artísticos, numa ação artística sobre si mesmo e sobre o outro. Na verdade é o que se
denomina ―Ilustração‖, que pode ser compreendido como um ―ensaio‖ que se faz da própria
vida, para experimentar novas possibilidades. Nesse sentido, o ―ilustrar-se‖ permite o cuidar
de si para resistir aos limites que são impostos, que são desnecessários, reflexivamente.
Obviamente nem tudo pode ser continuamente criado e pensado, pois o indivíduo vive
constantemente num paradoxo, rodeado de coisas que fogem a sua governabilidade. Não é
sempre que as decisões podem ser conscientes ou ativas, mas há que se procurar outros
momentos que possibilitem a reflexão. Por isso o ser humano é um constante devir, uma
constante mudança, não há sujeito puro, a-histórico. As relações e a subjetivação estão sempre
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permeadas pelo contexto histórico e temporal em que se vive. As pessoas são concebidas
como ―posições‖ diversas na vida, ocupando diversas posições em diversos momentos; não
são essência nem particularidade única, mas múltiplas personalidades, múltiplas
subjetividades.
Tantas quantas forem possibilitadas pelas relações. Podemos depreender
dessas idéias que cabe ao trabalhador cuidar de si, acompanhar as constantes mudanças no
universo laboral para que possa concomitantemente acompanhar a si mesmo, a ser um atento
interlocutor do mundo do trabalho em relação a si próprio, explorando todas as possibilidades
e ―posições ―possíveis‖ nesse contexto de trabalho. Na situação de trabalho do Agente
Comunitário de Saúde, parece que esse processo de experimentar várias posições por meio do
exercício da liberdade não está sendo possível, com o agravante de ter um aumento da jornada
de trabalho, proporcionada muitas vezes pela proximidade entre o local que trabalha e mora,
exigência de legislação própria do Ministério da Saúde. Essa fala exemplifica a questão: “A
filha tem 60 e a mãe não consegue nem andar e olha ela. Eu já cheguei a ir lá no final de
semana, eu sei que é fora do limite mas às vezes eu não consigo, porque é na rua da minha
casa.” De certa forma as pessoas que o cercam se sentem ―autorizadas‖ a fazerem um
controle diário da vida privada do ACS. Uma participante conta a seguinte situação: ―Eu
fiquei 15 dias de atestado, mas eu precisava sair... E falavam: Você não tá trabalhando, mas
o que está acontecendo? Por que? Sua vida é controlada. Totalmente vigiada. (outros
participantes continuam contando o que as pessoas lhes falam): Você não foi fazer visita
hoje? Você foi fazer visita mais cedo hoje? Querem saber de tudo. Quem chegou e quem saiu
da sua casa.” Pode-se verificar um controle exacerbado da população sobre o ACS, tem sua
privacidade comprometida por uma posição assumida no trabalho, de vínculo exacerbado, que
o adoece. Esse comprometimento da liberdade emperram a constituição da subjetivação e
como conseguinte, o cuidado de si. 2) Dificuldade de trabalho em equipe. O sofrimento
aumenta, pois não conseguem fazer a ponte entre a população e a equipe, parece que os
usuários são só deles e não de toda a equipe. Dizem que “na maioria das vezes o paciente é
do Agente Comunitário, ele não é da unidade. Pra gente é muito importante que você tenha
solução prá hoje. Para os demais, não. É só mais um caso”. A fragmentação do trabalho em
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equipe é uma das indicações do quanto a lógica capitalista está infiltrada nas políticas
públicas de saúde. O trabalho não atende interesses e desejos do trabalhador, como conceito
apresentado na introdução. Também não atende as necessidades do usuário, mas do mercado e
do capital, tornando o trabalho sem sentido. A frase dita por uma trabalhadora é contundente:
―O que que eu senti? A gente não é nada”. Segundo a concepção marxista, nestas situações,
a liberdade e a expressão do desejo são capturados e atrelados a outrem. Na Saúde da Família,
essas questões traduziram-se em atos parcelares e normatizados na atenção a saúde,
contrariando os princípios da política nacional de atenção à saúde. Embora a Saúde da Família
esteja pautada em princípios da integralidade, contradições se expressam em procedimentos
fragmentados, ―taylorizados‖,
ao invés de um trabalho conduzido por uma verdadeira
equipe. Um dispositivo que poderia atenuar essa dificuldade seria o apoio matricial, estratégia
desenvolvida inicialmente em saúde mental. É um dispositivo baseado na trocas de saberes,
que segundo autores da saúde coletiva, possibilita operar a construção do sistema de atenção à
saúde, numa linha transversal e horizontalizada, entre os especialistas e profissionais de
referência, em um dado serviço. Trata-se de uma tentativa de atenuar a rigidez dos sistemas de
saúde quando planejados de maneira muito estrita, segundo as diretrizes clássicas de
hierarquização. 3) Cobrança de produção pela gestão. A gestão cobra quantidade de visitas,
mas não se interessa pelo que se faz nela. Os Agentes Comunitários de Saúde dizem que ―a
visita se torna uma coisa meio que mecânica, porque chega final de mês... é aquela coisa...
nem é bem final de mês... no começo do mês já... todo o dia aquela cobrança de tá passando
produção, tá fazendo quantas visitas por dia? e aí você chega com um caso, você fala o caso
... e às vezes a pessoa (gestor) escuta por aqui (aponta o ouvido direito) e solta por ali
(aponta o ouvido esquerdo)”. Essa queixa da trabalhadora pode ser compreendida pela
interferência da lógica capitalista já explicitada anteriormente. Dentre outras áreas, a saúde, a
educação e a comunicação são denominadas como ―setores de serviço‖ nos quais a
mercadoria não se expressa numa corporalidade concreta, mas imaterial. De qualquer forma, a
saúde, bem como os demais, está incluída na lógica capitalista de produção, permeada muitas
vezes por interesses neoliberais e inevitavelmente pela precarização nas relações de trabalho.
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Nessa perspectiva, o trabalho em saúde está marcado pela perda de autonomia do trabalhador,
o excesso de normas e a definição hegemônica da missão das políticas públicas, desde a
Reforma do Estado iniciada nos anos 90, em vigência até hoje. Esse fato marcou
hegemonicamente a missão dos serviços de saúde, definindo economicamente as suas
diretrizes, na medida em que os financiamentos do Estado passaram a ser guiados por uma
prática que se pôs a serviço de interesses minoritários e poderosos, considerados legítimos
ideologicamente. A saúde se transformou numa arena de disputas, na qual o Estado negocia
os ‗melhores‘ negócios, desconsiderando a qualidade em detrimento da quantidade. É isso que
a ACS explicitou acima, afirmando que não importa a qualidade da visita domiciliar, mas a
quantidade.
É muito comum, observarem-se processos de gestão fincados no controle
exacerbado dos trabalhadores, para produzirem como a ACS citou, de forma ―mecanizada‖,
acarretando perda de sentido naquilo que se faz. Os atos parcelares de saúde, que são
denominados procedimentos, distanciam muito o trabalhador do resultado do seu trabalho.
Segundo estudiosos da saúde coletiva, não há vocação que resista à repetição mecânica de
atos parcelares. Trabalhar em serviços de saúde, assim estruturados, costuma transformar-se
em suplício insuportável. Uma gestão denominada por estudiosos por ―gestão do cuidado‖
poderia substituir essa gestão controladora, entendendo que ações, tecnologias ou projetos
podem disparar movimentos de mudanças por meio dessa nova gestão. Segundo alguns
pesquisadores da saúde coletiva, dimensões inconscientes, traduzidas em ações dos
trabalhadores durante o processo de trabalho devem ser consideradas no processo de ―gestão
do cuidado‖. Um estudo que integra a área da saúde coletiva e a psicanálise ressalta a função
asseguradora da vida psíquica e social das instituições, oportunizando um reconhecimento de
quem se é para além da dúvida cartesiana, do racional. Para a psicanálise a dimensão
inconsciente está presente em todo momento de nossas relações institucionais, sem distinção
racional ou irracional, como uma constante dúvida que se tem sobre si mesmo, pois sempre
haverá uma parte desconhecida que se revela e se esconde no encontro diário com o outro, no
caso deste estudo com o outro trabalhador de saúde, com os usuários, com a gestão e demais
atores envolvidos no processo. Diante de tantas dificuldades, propõe-se um modo de gestão
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que possa acolher essas subjetividades, que ajude o trabalhador a compreender o turbilhão de
emoções que o fazem sofrer. Se o trabalhador puder falar, processar suas motivações nas
reuniões de equipe, estas podem tornar-se terapêuticas. Entretanto, uma forma autoritária de
gestão impede a manifestação do trabalhador, o que tem sido uma prática hegemônica no
campo da saúde. Essa nova forma de gestão proposta poderá encontrar dispositivos de
trabalho que possibilitem integrar as questões da clínica e a organização do trabalho,
considerando que cada trabalhador é co-gestor do processo de trabalho na sua atuação direta
com
o
usuário.
Deve
romper
com
a
dicotomia
subjetividade/objetividade,
racionalidade/irracionalidade, afetividade/razão, fortemente presentes nos serviços. Deve abrir
espaço para que o mal-estar no sentido freudiano possa ser abordado, interrogado e acolhido.
Dessa forma passará a ser uma forma de
gestão cuidadora e potencilizadora do
reconhecimento do trabalho, enquanto obra produzida por ele. Caso contrário o trabalhador
ficará separado de sua ―obra‖, tanto para si mesmo, como para o usuário. 4) Formação. É
questionada tanto pela falta, quanto pela forma que ocorre, quando acontece. Os participantes
da pesquisa sinalizam a falta do curso introdutório, ministrado pela Secretaria Estadual de
Saúde de São Paulo para alguns e não para outros. Por outro lado, citam alguns cursos que
foram ministrados somente para os Agentes Comunitários de Saúde, mas deveriam ser para
equipe toda. “Teve uma vez que foi um curso de capacitação (engasga na palavra) em cima
da humanização. Eu acho que aí caberia prá toda a equipe e não só pros agentes‖. A
Educação Permanente em Saúde (EPS), política do Ministério da Saúde para acompanhar a
formação permanente dos trabalhadores, passou por transformações, na tentativa de torná-la
mais participativa, seguindo as mudanças preconizadas pelo Pacto da Saúde (2006), e a
criação de novas instâncias deliberativas. O funcionamento e as demandas das necessidades
educativas estão, atualmente, sendo debatidas por fóruns ligados aos Colegiados de Gestão
Regional (CGR), que são os Núcleos de Educação Permanente (NEP). E, abrangendo uma
macro-região, as Comissões de Integração Ensino-Serviço (CIES) reúnem-se regularmente,
devendo aprovar o Plano de Ação Regional de Educação Permanente em Saúde (PAREPS).
A partir desses esclarecimentos, parece que a Educação Permanente em Saúde deveria seguir
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exatamente o que o ACS pediu, que os cursos fossem ― prá toda a equipe e não só pros
agentes‖ , pois parece ir ao encontro de práticas solidárias e participativas, minimizando os
efeitos deletérios da fragmentação já apontados acima. Poderia ser fundamentada numa
prática reflexiva da realidade, transformando-a. Entretanto parece que a EPS ainda não é uma
concretude, mas uma expectativa. Seria necessário lidar com alguns entraves, que impedem
que dentre outras coisas, o trabalhador da saúde possa por meio da ética, a prática reflexiva da
liberdade, constituir-se num profissional saudável, diferente do atual, que é sofrido e
aprisionado por uma vigilância e poder dominante. A Educação Permanente em Saúde
poderia romper essas amarras, traduzindo-se como uma via de efetivação de mudanças. Na
concepção freireana, a educação é um processo, construído a partir da relação homemmundo, é comunicação, é diálogo, um encontro de sujeitos interlocutores, um que-fazer‖
constante. Nesse enfoque transformador, libertador e humano a gestão e a atenção em saúde
podem se constituir num espaço que proporciona ―um humanismo científico (que nem por
isso deixa de ser amoroso)‖, apoiando a ação educativa entre trabalhadores e usuários e entre
os trabalhadores num espaço solidário de gestão participativa e terapêutica. A Educação
Permanente em Saúde deve operar na micropolítica do trabalho em saúde. Assim pode
favorecer a saúde do trabalhador, ampliando o diálogo no enfoque libertador, em suas
múltiplas possibilidades e principalmente porque ocorre durante o processo de trabalho, em
serviço, transformando os espaços de reuniões de equipe, potencializando-os como espaços
de cuidado para o trabalhador. 5) Falta de trabalho em rede de atenção à saúde. Mencionam
que quando precisam de encaminhamentos para setor secundário e terciário, não conseguem
vagas, nem contato com os profissionais da rede. “Daí depende do secundário, do terciário e
a gente fica sem uma contra- resposta desses serviços.” Com relação a essa queixa,
pesquisadores da saúde coletiva analisam que a Saúde da Família não tem tido ampla
cobertura, principalmente no estado de SP, no qual a porcentagem de apenas 25,6% da
população do estado é coberta pela Saúde da Família, o que significa um dos piores índices de
alcance da estratégia no Brasil. Entretanto, em nível nacional, a Saúde da Família continua
figurando como prioridade no desenvolvimento da Atenção Básica. Contraditoriamente tem
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tido um financiamento insuficiente e carece de um projeto consistente e singular, dedicado a
cada realidade local na qual tem se implantado. Para esses pesquisadores, o impacto da Saúde
da Família dependerá da sua capacidade de integrar-se a rede atenção a saúde, incluindo
ambulatórios, hospitais, serviços secundários e terciários, urgência e emergência, saúde
mental, dentre outros. É exatamente essa dificuldade que o ACS relatou, a “dependência do
secundário, do terciário, e fica-se sem uma contra-resposta”. Isso não tem ocorrido, com o
agravante de também não organizar os serviços de saúde em toda a rede, pressuposto
importante da Atenção Básica, na qual a Saúde da Família está inserida. 6) Saídas para o
sofrimento. Diante das dificuldades apresentadas a saída que muitas vezes resta ao trabalhador
é a utilização de mecanismos de defesa tais como o silêncio, a negação, o isolamento e outras
formas paliativas. Expressam esses mecanismos da seguinte forma: ―com isso você resolve
não dar opinião. Porque eu já trabalhei em vários lugares e eu sei que sempre a parte mais
fraca a corda rebenta. Um ditado popular certíssimo”. A negação pode ser observada pela
afirmação que fazem de ―acostumar-se‖ ao sofrimento, como se isso fosse possível. Dizem:
―Sofri bastante. Agora tou melhor. O tempo já passou. A gente até fala pras novas. Que
acostumem com a idéia, que no começo se passa mal, entra em depressão, pressão alta.”
São ações que segundo a Psicodinâmica do Trabalho reforçam a alienação do trabalhador
frente a uma sociedade capitalista que é alimentada exatamente por esses mecanismos. A falta
de noção clara pelo trabalhador, da relação desses aspectos com o seu sofrimento, faz com
que o trabalhador atribua as falhas a si próprio ou ao colega, intensificando a culpabilização
de si mesmo ou conflitos e embates internos. O perigo da utilização excessiva desses
mecanismos de defesa é a loucura do trabalho, pois de um ponto em diante deixam de ser
efetivos e se rompem.
Para que os mecanismos defensivos possam se transformar em
resistências, caminhos mais saudáveis para o trabalhador, a psicodinâmica do trabalho propõe
abertura de espaços públicos de palavra, ou melhor de um ―território‖. São espaços no qual se
possa manifestar a verdadeira inquietude medos e angústias provenientes do espaço laboral
sem a sensação de ter que pagar caro por isso. É neste processo dialógico que questões
―intratáveis‖ no espaço de trabalho, ―espaço de poder‖, se tornam passíveis de uma
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manifestação do desejo e podem gerar certo efeito ―terapêutico‖. Compreende-se que a
impossibilidade da linguagem se materializar nas relações de trabalho cristaliza sofrimentos e
naturaliza-os como inevitáveis. Ao se possibilitar a expressão desse sofrimento, há um resgate
do sentido do trabalho e do desejo. Assim, a repercussão aparece na atenção ao usuário, que
também pode se expressar espontaneamente e com liberdade. Segundo a psicodinâmica do
trabalho ―a transformação do sofrimento em iniciativa e em mobilização criativa depende
fundamentalmente do uso da palavra e de um espaço de discussão onde perplexidades e
opiniões são públicas‖. Considerações finais. Como a gestão e a formação foram temas
transversais neste trabalho, com repercussões no sofrimento psíquico do ACS, inserido no
processo de trabalho da Saúde da Família, é pertinente trazer mais algumas considerações
sobre essas questões sob a ótica foucaultiana, na perspectiva do poder e seu caráter
disciplinatório, de dominação das pessoas em sociedade, dentro do que se denomina
microfísica do poder. Apesar de não ser possível um aprofundamento do tema neste espaço, é
relevante refletir que os processos rudimentares de dominação da Idade Média, quando as
pessoas eram queimadas nas fogueiras por não obedecerem às regras instituídas, foram
substituídos na modernidade por um poder disciplinatório e normatizador, tornando os corpos
dóceis e submissos, diante de dispositivos de vigilância constante. Embora visíveis, não se
apresentam claramente, enquanto uma pessoa ou setor. É pulverizado, tornando-se
disseminado por onde quer que se vá. Assim, é característica fundamental dessa vigilância ser
visível, porém inverificável. Numa situação específica de trabalho, o trabalhador tem sempre
sob seus olhos a representação da vigilância, sem saber ao certo se está ou não sendo visto e
observado por todo o tempo. Mas ―ter certeza de que sempre pode sê-lo‖ é o suficiente para se
manter submisso. A figura apresentada pelo autor para ilustrar tal mecanismo é a do
Panóptico, uma torre construída no centro de celas em forma de anel. Nessa torre permanece
um vigia, que pode ou não estar presente, que tudo vê, mas sem ser visto. É a masmorra, ao
contrário. Transporta-se a idéia para os diversos âmbitos, em sua torre de controle, o diretor
pode espionar todos os empregados que tem a seu serviço: enfermeiros, médicos,
contramestres, professores, guardas; pode modificar comportamentos, impor métodos que
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considerar melhores. É com esse poder, disseminado e sutil, que o trabalhador,
especificamente o ACS, tem que lidar no seu dia-a-dia de trabalho em saúde, tornando-se
desprotegido e vulnerável aos mais variados problemas, que em efeito cascata levam-no a um
sofrimento psíquico cada vez maior. A Educação Permanente em Saúde deveria colaborar
para uma prática na qual a liberdade fosse vivenciada, minimizando o controle a que o
trabalhador está submetido, ao morar próximo do seu trabalho, fundamentando-se numa
prática reflexiva da realidade. Seria necessário lidar com alguns entraves na operacionalização
da Educação Permanente em Saúde, como a falta de formação em serviço, que impede a
consideração de aspectos específicos da realidade laboral na formação. Segundo estudiosos da
saúde coletiva é urgente que se reconheça as fragilidades das instituições e da gestão, que
repercutem desfavoravelmente na clínica e na saúde do trabalhador. Há que se oferecer um
espaço de compartilhar solidário e de potencialização da competência técnica, levando em
conta a si mesmo e os outros num espaço transicional. É favorável que a gestão assuma essa
função, de democratização, mas também de elucidação das pulsões inconscientes que volta e
meia fragilizam as instituições. Quando existir por parte da gestão a preocupação com a
demanda dos trabalhadores, com os aspectos subjetivos e idiossincráticos no processo de
organização do trabalho, as relações intersubjetivas e diferenças não se constituirão na base
de conflitos insuperáveis, mas em relações diferenciadas, transformando-se em questões
epistemológicas transitivas e não pessoais.
BIBLIOGRAFIA
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TRABALHANDO PARA A FORMAÇÃO DO PSICÓLOGO EM POLÍTICAS
PÚBLICAS: EXPERIÊNCIAS EM PSICOLOGIA COMUNITÁRIA DO COTIDIANO
CEDEÑO, A. A. L.;
Departamento de Psicologia Social e Institucional da Universidade Estadual de Londrina
(UEL)
[email protected]
Desde 2008, participo de um processo coletivo de ―tecelagem‖ na
Universidade Estadual de Londrina: tecemos experiências de estágio e trabalho profissional
em políticas públicas de assistência e saúde mental na cidade de Londrina, no curso de
Psicologia e, recentemente, também no Serviço Social. Pretendemos apresentar no mesmo
grupo de trabalho estas iniciativas, relativas ao CRAS, à Casa de Passagem, ao Viva Vida,
AME, CAPS III e à interface entre comunidade e políticas culturais com o coletivo de cinema
Ahoramagica. No meu cotidiano de trabalho, como professora, vejo que a formação
universitária em psicologia na UEL privilegia claramente a clínica. Contudo, esta prática no
setting tradicional se faz impossível no trabalho com políticas públicas, devido ao enorme
contingente de pessoas, por atender à necessidade de empreendermos junto com eles ações
coletivas de transformação da própria realidade. Perante tal situação e com um olhar
psicossocial, propomos um trabalho de pesquisa e intervenção coletiva no cotidiano,
conversando informalmente com ―usuários‖, profissionais e familiares nos mais diversos
lugares (moradias, escolas, ruas, padarias, quadras, centros culturais, sedes das políticas
públicas etc.). Desta forma, podemos empreender processos de psicologia comunitária à luz
de Peter Spink, psicólogo social do trabalho, co-criador do CREPOP e pesquisador no
cotidiano. De formas não ortodoxas, estes processos respondem às fases metodológicas da
pesquisa-ação participante propostas por Maritza Montero: familiarização, sensibilização,
detecção de necessidades, priorização, realizações e devolução sistemática da informação.
Trabalhando em políticas públicas, que são recentes e por tanto em constante construção, que
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muitas vezes são confusas e que contam com um baixíssimo orçamento, o que obriga a
trabalhar criativamente com poucos recursos materiais, entendo a necessidade de formarmos
os alunos nesta outra ―língua‖ através de estágios e grupos de discussão com profissionais que
trabalham na área. As habilidades que considero essenciais para se praticar e atingir são a
iniciativa, o trabalho com grupos (ou como diria Peter Spink, com agrupamentos, para não
impormos técnicas ao grupo e podermos compreender a imensa diversidade de formas de
organização humana), a conversa informal, o planejamento com flexibilidade, a capacidade de
agir sem planejamento prévio e se preparando para o inesperado (o que muitas vezes se faz
necessário, devido ao caráter emergencial do trabalho). Uma outra habilidade que tem
resultado extremamente interessante é a fornecida pelas práticas artísticas no trabalho (ou
esportivas em certos casos), devido ao caráter profundamente transformador e potencializador
da arte, e da possibilidade de aliá-la à psicologia fazendo leituras da própria vida através do
trabalho com o corpo, a atuação, a produção musical ou de artes plásticas. Ao nos
transformarmos na arte, fica menos difuso o caminho para nos transformarmos na vida e para
irmos mudando, em pequenos ou grandes passos, tudo à nossa volta.
BIBLIOGRAFIA
MONTERO, M. Teoría y práctica de la psicología comunitaria la tensión entre
comunidad y sociedad. Editorial Paidós, Bueno Aires, 2003.
SPINK, P. K. O pesquisador conversador no cotidiano. Psicol. Soc., Porto Alegre, v. 20, n.
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REINVENTANDO O COTIDIANO: EXPERIÊNCIAS DE TRABALHO EM UM
SERVIÇO DE CONVIVÊNCIA E FORTALECIMENTO DE VÍNCULOS
MALINOWSKI, M. L.;
FUJI, S. K.;
Grupo de Estudos de Políticas Públicas do Conselho Regional de Psicologia do Estado do
Paraná (CRP-08)
[email protected]
A política de Assistência Social visa, entre outros trabalhos, a promoção e
proteção dos direitos das crianças e dos adolescentes. Entre as medidas e serviços propostos
por cada município para se adequar às diretrizes do SUAS (Sistema Único da Assistência
Social) em relação à prevenção de situações de risco social, está o serviço de convivência e
fortalecimento de vínculos, que é executado por diversos projetos em Londrina, dentre eles o
Viva Vida e o CFC (Centro de Formação Cidadã). Estes projetos atendem crianças e
adolescentes, de 6 a 17 anos, no contra-turno escolar, cujas famílias estejam regulares no
CAD Único (Cadastro Único) dos CRAS (Centro de Referência da Assistência Social). As
unidades do projeto Viva Vida/CFC estão alocadas em pontos estratégicos da cidade, nas
periferias e regiões carentes e que passam por diversas dificuldades, necessitando de melhor
atenção por parte do Estado. O projeto é realizado por meio de atividades promovidas por
uma equipe de agentes culturais ligados à educação não-escolar, sob o pano de fundo de
linguagens artísticas e esportivas, como capoeira, cidadania, música, esportes, etc., tendo
como principal referência teórica a pedagogia de Paulo Freire. Este trabalho tem o objetivo de
apresentar algumas considerações acerca da experiência de trabalho de dois psicólogos nestes
projetos exercendo as funções de coordenação de unidade e assistente de coordenação, em
unidades de regiões distintas de Londrina, com o olhar da psicologia social, mais
especificamente, da psicologia social comunitária, nas ações do cotidiano. O trabalho que
envolve um serviço de convivência e fortalecimento de vínculos é uma estratégia para
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prevenção de situações de exclusão social e de risco, em especial a violência doméstica e o
trabalho infantil. Tem como objetivos também a criação de oportunidades de acesso a direitos
e o favorecimento da participação social, ligadas a garantia de seguranças sociais de acolhida,
de desenvolvimento e de convívio familiar e comunitário para crianças e adolescentes. O
projeto passa por um processo de construção das formas de se materializar ações para atingir
seus objetivos, e sua formalização é relativamente recente, com a criação de um traçado
metodológico para orientar as ações. Embora não tenhamos nos inserido neste serviço com a
função específica de psicólogos, muitas demandas eram endereçadas a nós a partir desta área
de conhecimento, desde a mediação de conflitos envolvendo as crianças e adolescentes; a
escuta dos agentes culturais, assistentes sociais, auxiliares de cozinha/limpeza quanto ao
cotidiano do trabalho e as dificuldades enfrentadas; e a própria organização do trabalho como
um todo. Dado o caráter social-comunitário deste serviço, procuramos nos posicionar a partir
da perspectiva que entende o trabalho com centralidade no cotidiano como uma rede de
micro-lugares, em que podemos nos colocar como ―psicólogos conversadores‖, que valorizam
saberes e fazeres que se constroem no dia a dia, e a partir daí, juntamente com o coletivo,
organizam ações voltadas para transformações das necessidades sentidas. A partir dessa
experiência, ressaltamos três pontos a serem destacados e discutidos, quais sejam: a gestão do
serviço; a criatividade nas ações; o vínculo como objetivo do trabalho. Embora seja um
serviço público municipalizado, a contratação dos profissionais é terceirizada. A terceirização
se dá por meio de convênio com uma ONG (Organização Não-Governamental), a qual
também é responsável pela gestão do serviço - gestão compartilhada com o poder público.
Surgem então duas questões concernentes à contratação terceirizada do serviço: a alta
rotatividade de profissionais e a gestão dos recursos para o trabalho. Em relação aos
profissionais, encontramos alta rotatividade de agentes culturais nos projetos, o que ocasiona
dificuldades de vinculação com usuários e comunidades, apontando para certa ineficácia, pois
ao considerar a especificidade do próprio serviço, denominado ‗Serviço de convivência e
fortalecimento de vínculos‘, nota-se a contradição vivenciada pelos profissionais e pelas
crianças e adolescentes. Essa rotatividade tem inúmeras razões, como a dificuldade do
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trabalho, remuneração, capacitação, espaço físico para as atividades, e a violência comum
(seja pelo tráfico, pela falta de recursos, etc.) nas regiões onde estão alocadas as unidades.
Outra dificuldade enfrentada pelo serviço em relação à terceirização, refere-se à gestão dos
recursos para o trabalho. Em nossa atuação, nos deparávamos cotidianamente com a
insuficiência de recursos (físicos, materiais, humanos, etc.) de um lado, e de outro com a
reiterada exigência de um serviço de qualidade por parte da gerência. Na vivência dessa
realidade com os demais colegas de trabalho, notava-se claramente o ―sofrimento‖ coletivo
instalado por conta da discrepância entre o trabalho prescrito e o trabalho real. Além disso, os
processos de trabalho ora privilegiavam e ora desfavoreciam a participação dos profissionais
na organização do trabalho - participação que poderia amenizar o ―mal-estar‖ instalado, e que
poderia contribuir, de maneira mais legítima, para melhoria do serviço. Uma exigência
comum nesse serviço era a criatividade por parte dos profissionais, seja para a realização das
atividades junto às crianças e adolescentes, seja para driblar os problemas da falta de recursos
nas atividades propostas, como a demora para conseguir os materiais, demora no conserto das
ferramentas necessárias para o trabalho, etc. A criatividade, muito valorizada nos dias de hoje,
quando exigida para enriquecer o trabalho e diferenciá-lo de uma atividade comum, é muito
importante e rica, atribuída aos bons profissionais. Contudo, neste serviço ela era vivida quase
como meio de sobreviver e se manter no trabalho, na tentativa de cumprir os objetivos e
responder às exigências de qualidade. Outra questão relevante dentro do serviço é o
desenvolvimento e fortalecimento de vínculo para crianças e adolescentes. Muitas das ações
desenvolvidas dentro das unidades encontram dificuldades para atingir tal objetivo. Parte
dessa dificuldade pode ser respondida pela postura dos profissionais, que acabam
reproduzindo ações disciplinares irrefletidas e a base da ―autoridade‖, e outra parte diz
respeito aos tipos de atividades oferecidas em cada unidade, que muitas vezes não são
atrativas ao público alvo, desmotivando a participação e o envolvimento na unidade. Essas
são algumas das questões levantadas na experiência dentro do projeto Viva Vida/CFC, onde o
referencial da psicologia social comunitária tem se mostrado de extrema relevância diante da
necessidade de reinventar cotidianamente e coletivamente formas de trabalho frente aos
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percalços do próprio serviço, como também diante de situações inusitadas decorrentes das
vulnerabilidades dos territórios em que trabalhamos. Com isso, podemos perceber a
importância das discussões acerca de questões envolvendo o fazer das políticas públicas e a
necessidade de despontar um novo posicionamento ético e político diante do cotidiano das
políticas públicas e suas inevitáveis surpresas, dificuldades e contradições. São
transformações importantes que contribuem potencializando-nos mutuamente para o
enfrentamento da vida.
BIBLIOGRAFIA
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PSICOLOGIA, TRABALHO E SUBJETIVIDADE NA APAC-SJ: NOVAS
SOCIABILIDADES
FONSECA, J. C. F.;
SILVA, C. R.;
PESSANHA, P.;
DIAS, J. M.;
CAMPOS, G. L.;
SENDIN, C. S.;
Departamento de Psicologia da Universidade Federal de São João Del Rei (UFSJ)
[email protected]
INTRODUÇÃO
Trata-se, a nosso ver, de um esforço para enfrentar questões socialmente
relevantes, que vêm produzindo impactos cada vez mais intensos sobre o modo de vida das
sociedades contemporâneas, cujas marcas características parecem ser a efemeridade, a
incerteza e a volatilidade. Nomeadas como tardiamente modernas, pós-modernas ou qualquer
outra, é nítida a demanda por acessar e controlar processos de subjetivação que mantenham e
intensifiquem a fragilização das ordens coletivas e políticas, reduzindo a dimensão crítica aos
níveis permitidos pelas redes sociais eletrônicas. A condição humana – resultado da imbricada
relação entre o homo consumens, o homo laboris e o homo economicus – parece se constituir
sob a égide do deus-consumo, reproduzindo formas de sociabilidade que manifestam-se em
todos os campos da atividade humana, inclusive e particularmente no mundo do trabalho,
objeto de nossa atenção nesse texto.
Precarização dos vínculos contratuais, intensificação do trabalho, estratégias
de apropriação das mobilizações subjetivas, são apenas algumas das expressões desse cenário,
onde é possível perceber, de um lado, os esforços da gestão para potencializar os resultados
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do trabalho humano em favor de uma produtividade sempre crescente. De outro lado, as
formas de resistência construídas individual e coletivamente pelos trabalhadores,
expressando sua natureza dinâmica e mutante, única possibilidade de sobrevivência frente aos
imperativos anseios de controle por parte do capital. No meio de ambas as polaridades, a
mediação de um Estado cujo alinhamento político e ideológico parece cada vez menos
explícito, embora reconhecidamente comprometido com a manutenção do status quo vigente.
É nesse cenário que vamos encontrar a reedição cíclica e corrente, de um
conjunto de representações sobre o valor do trabalho enquanto forma de socialização,
confirmando a manutenção da idéia de centralidade do trabalho como uma construção
discursiva ainda prevalente, ao contrário do que afirmavam Gorz e Rifkin. Temos agora –
como antes, apenas sob novas configurações – o trabalho visto como a possibilidade de
pertencimento e inserção qualificada, pelo menos nas narrativas institucionais. Valoriza-se o
mesmo enquanto elemento de promoção de saúde, construção de identidade, desenvolvimento
econômico, purificação espiritual e remissão dos erros cometidos, recuperando noções
historicamente consolidadas nos mais diferentes discursos religiosos.
A apropriação dessas visões de trabalho pelas sociedades modernas torna-se
cada vez mais visível, principalmente na criação e consolidação de modelos alternativos
destinados à manutenção da ordem social e da própria noção de segurança pública, sendo
recuperada nas políticas públicas e projetos destinados a pensar a reinserção dos assim
chamados criminosos. Analisando o trabalho na contemporaneidade, faz-se necessário criticar
a falta de políticas prisionais mais consistentes e alertar para o fato de que, na ausência das
mesmas, as propostas de reabilitação e ressocialização dos detentos tende a simples
reprodução dos modelos liberal e neoliberal de controle e exploração da força de trabalho
humano.
A precariedade do sistema prisional brasileiro é amplamente discutida,
sendo perpassada pela elaboração de medidas preventivas da criminalidade, a estruturação da
prisão e a reintegração social dos presidiários. Em média, 90% dos presidiários reincide, ainda
segundo os últimos dados do Ministério da Justiça (2010) existem 496.251 presos no país e há
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somente 298.275 vagas. Estes dados alarmantes nos indicam a pouca efetividade do sistema
prisional em que não há espaço para a humanização e recuperação dos sujeitos, e a sua
reinserção na sociedade é feita de forma inadequada. Faz-se necessário ressaltar que estes
fatores estão no cerne da Lei de Execução Penal Brasileira que propõe a pena privativa de
liberdade com intuito de punição e recuperação do indivíduo infrator. Assim, a prisão se
fundamenta como instituição com papel de transformar os indivíduos, devendo tomar a seu
cargo todos os aspectos: treinamento físico, aptidão para o trabalho, comportamento cotidiano
e atitude moral. Nesse sentido, o presídio não cumpre sua função, como indica o alto índice de
reincidência e o aumento da criminalidade.
Diante deste contexto, a Associação de Proteção e Assistência aos
Condenados (APAC) tem se consolidado como alternativa viável ao sistema prisional. A
APAC é uma entidade civil de Direito Privado, com personalidade jurídica própria, dedicada
à recuperação e reintegração social dos condenados a penas privativas de liberdade, a partir do
método de humanização de presídios. Assim, o Projeto Novos Rumos na Execução Penal,
criado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) em 2007, utiliza-se deste método
para propor intervenções sociais que proporcionem reinserção social para os presidiários,
fazendo com que a pena seja cumprida de forma digna, porém sem perder de vista a finalidade
punitiva desta. Seu propósito é evitar a reincidência no crime e oferecer alternativas para o
condenado se recuperar, assim, para a APAC todo sujeito é recuperável desde que o
tratamento a ele aplicado seja adequado. Existem no país em torno de 94 APACs espalhadas
pelos estados brasileiros. O método é composto por doze elementos fundamentais, sendo
estes: participação da comunidade, integração família - recuperando, trabalho voluntariado,
ajuda mútua entre os recuperandos, trabalho dentro e fora da instituição, conquistas de
benefícios por mérito, centro de reintegração social (CRS), jornada de libertação em Cristo,
apoio e busca religiosa, assistência jurídica, valorização humana e assistência à saúde. Além
disso, para conseguir ingressar na APAC, o preso deve ter cumprido 1/6 de sua pena em
sistema prisional comum e deve residir ou ter cometido o crime na comarca em que a APAC
se encontra. O condenado também passa por uma avaliação interdisciplinar que deve ser
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aprovada pelo juiz. No primeiro trimestre, o recuperando- como são denominados os
condenados na APAC- fica em regime fechado na sede da APAC, em um período de
reconhecimento da culpa e conhecendo o método APAC. Após, o recuperando deve procurar
por trabalho, podendo este ser dentro ou fora da instituição.
Dentro deste contexto, ressalta-se que a função psicológica do trabalho
extrapola a sobrevivência, o trabalho é o meio de objetivação do sujeito no mundo. Assim, o
trabalho não é só mediador entre natureza e ser social, como também entre subjetividade e
objetividade. Neste sentido, o trabalho está no cerne da inclusão e da exclusão do sujeito. O
simples fato de se estar trabalhando não garante uma vida cheia de sentido, nem uma
identidade profissional digna. Nem toda atividade será útil e nem responsável pela
transformação, autoconstrução, realização, sociabilidade e liberdade. Só o trabalho, tal como
o definimos na Psicologia do Trabalho, como transformador do indivíduo ao mesmo tempo
em que este transforma o mundo, é que pode trazer às pessoas status de cidadania e de
participação efetiva na vida social. Ainda neste sentido, o trabalho é um dos aspectos dos
quais a prisão, tendo como base sua formulação, deve atentar-se ao transformar o indivíduo,
desta maneira, a estrutura prisional por si só já deve atentar-se para este aspecto.
METODOLOGIA
O presente trabalho relata a experiência de dois grupos de estágio do Curso
de Psicologia da Universidade Federal de São João Del Rei (UFSJ), durante o ano de 2010.
Nesse período, cinco alunos e um professor do Curso visitaram regularmente a APAC-SJ,
atuando basicamente em torno de dois eixos centrais, ambos vinculados à dimensão do
trabalho: a) o primeiro, com um grupo de doze internos da APAC-SJ, buscando compreender
os sentidos e significados do trabalho para eles e sua articulação com a proposta institucional
de reintegração através de diferentes tipos de trabalho; e b) o segundo, formado pelos sujeitos
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que integram a força de trabalho da própria instituição (APAC-SJ), grupo esse constituído por
quatro funcionários contratados e dois dirigentes, os quais exercem sua atividade de forma
voluntária (sem remuneração).
O primeiro grupo realizou sete encontros, no formato de oficinas
psicossociais com a participação de doze recuperandos indicadas pela Direção da APAC. As
oficinas ocorreram no espaço interno da própria instituição, em que os sujeitos eram
estimulados à discussão e reflexão sobre suas histórias de vida e trabalho, resgatando traços
identitários importantes para potencializar seus processos de inserção social. As oficinas
foram pensadas em uma dinâmica para que fosse discutido o currículo labore, com intuito de
explorar a história de vida e trabalho dos recuperandos. Também foram realizadas discussões
sobre conhecimentos, habilidades e atitudes individuais, para que assim se refletisse sobre a
dimensão do trabalho. Ainda foi feita a análise da atividade desenvolvida, como propõe Clot
(2006) e, por fim, foi realizada uma discussão de encerramento em que os recuperandos
refletiram sobre prisão, trabalho e propuseram alternativas para o atual modelo de reinserção
social.
O segundo grupo teve suas atividades desenvolvidas por duas estagiárias,
que recorreram a dois instrumentos em sua proposta de intervenção: entrevistas semiestruturadas e o método de instrução ao sósia. A entrevista foi pensada a partir de três pontos
centrais: a história de vida e trabalho do entrevistado, a sua vinculação com a APAC-SJ e o
trabalho ali executado. Já o método de instrução ao sósia, originalmente empregado por
Oddone na década de 1970, utiliza-se da seguinte instrução: ―Suponha que eu seja seu sósia e
que, amanhã, eu esteja substituindo-o em seu trabalho. Gostaria de saber como devo agir, para
que as pessoas não percebam que eu não sou você. Eu preciso de instruções detalhadas‖.
Através da entrevista e da instrução ao sósia, pôde-se melhor compreender como os
funcionários e voluntários da APAC compreendem sua atividade e os efeitos dessa mesma
atividade sobre os próprios trabalhadores. Nesse subgrupo foram realizadas seis entrevistas,
sendo quatro com os funcionários e duas com os dirigentes.
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RESULTADOS
Como resultados da experiência na APAC-SJ, no que se refere aos
trabalhadores da instituição, pode-se perceber a demanda por um serviço de atendimento que
se preocupe com a saúde do trabalhador e que lhe ofereça uma escuta e possibilidade de
expressão de seus sentimentos. Percebeu-se a dificuldade de descrever a atividade, já que o
trabalho prescrito difere-se, em muito, do trabalho real. Outra questão diz respeito as
peculiaridades do trabalho em ONG's, em que o trabalho não é pautado em prescrições rígidas
e a divisão de tarefas é realizada de maneira interativa, assim, as atividades são desenvolvidas
com a participação de todos os trabalhadores. Também notou-se a grande dedicação de toda a
equipe de funcionários para fazer com que a APAC funcione como um lugar mais
humanitário, se estabelecendo como alternativa ao modelo tradicional de prisão.
Durante as oficinas com os recuperandos da APAC, pode-se perceber que a
representação da prisão é de um lugar de deformação dos sujeitos, e não de punição e
recuperação como se propõe. Relataram sobre a distância de se pensar o trabalho, já que
estavam no crime e depois na prisão, não considerando o trabalho como possibilidade. Esta
questão está em consonância com a bibliografia no que diz respeito ao processo de radical
separação entre ―trabalhadores‖ e ―bandidos‖, assim, ser ―bandido‖ exclui ser ―trabalhador‖,
sendo este aspecto da vida negado por estes sujeitos. Pontuaram a respeito da dificuldade de
encontrar emprego e do preconceito existente com presidiários, propuseram que haja
incentivo fiscal para que as empresas sejam estimuladas a oferecer oportunidades de trabalho.
Expuseram ainda que os indivíduos que estão cumprindo pena não podem concorrer a
concursos públicos, apontando assim para uma contradição do Estado que deveria se voltar
para a reinserção desses sujeitos no mundo do trabalho, e não fechar suas próprias
possibilidades de trabalho para esse grupo. Outra questão apontada diz respeito à necessidade
de parcerias para qualificação profissional, como cursos profissionalizantes, superiores. Por
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fim, apontaram como maior desafio resistir ao crime como alternativa para a dificuldade que
encontram em conseguir um trabalho lícito e garantir, assim, a subsistência.
Faz-se necessário pontuar a capacidade dos recuperandos em sustentar uma
visão crítica sobre os modos de subjetivação por eles experimentados, ao mesmo tempo em
que foram chamados a repensar sua relação com a instituição e com a própria sociedade, a fim
de assumir uma condição de maior protagonismo em suas vidas. Além disso, foi desmitificada
a dicotomia ―bandido e trabalhador‖, sendo esclarecida através da história de vida e trabalho
os conhecimentos, habilidades e atitudes dos recuperandos enquanto sujeitos e não como
criminosos.
BIBLIOGRAFIA
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exclusão. In: KYRILLOS NETO, Fuad et al.(org.). Subjetividade(s) e sociedade:
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SESSÃO 05
Trabalho, Saúde e Gestão
DO TRABALHO TERAPÊUTICO AO DIREITO AO TRABALHO – UMA
REFLEXÃO NO CONTEXTO DA ARTICULAÇÃO SAÚDE MENTAL E
ECONOMIA SOLIDÁRIA.
ANDRADE, M. C.;
Departamento de Psicologia da Universidade Estadual de Maringá (UEM)
[email protected]
INTRODUÇÃO
Nesse ensaio, que tem como indicativo o tema ―Trabalho e Direito do
Trabalhador‖, a proposta é provocar uma reflexão sobre o direito do trabalhador de trabalhar e
produzir de maneira coletiva e autogestionária no contexto da Economia Solidária – uma
outra economia produzida nas brechas do capitalismo como um mosaico de experiências de
trabalho coletivo, associativo e cooperativo que tem como princípios a autogestão e a
solidariedade no trabalho em sua concepção, organização, execução e em sua relação com o
mercado enquanto espaço de consumo e comercialização que produz trocas simbólicas e
materiais. Portanto, nosso interesse é no trabalho em sua diferenciação epistemológica em
relação ao emprego, este sendo uma das formas de se trabalhar onde se recebe um salário na
relação patrão-empregado. A produção acadêmica de conhecimento sobre outras formas de
trabalho para além do emprego ainda é muito escassa. A invisibilidade desses processos
contribui para se manter a perspectiva em voga de que trabalhar é ter emprego e carteira
assinada. Sabemos que questões relacionadas à saúde e à precarização do trabalho também
estão presentes nestas outras formas, inclusive nos empreendimentos econômicos solidários.
Entretanto, mesmo discutindo os impactos do trabalho na vida do trabalhador da economia
solidária, pretendemos avançar para além das relações de trabalho no contexto do emprego,
marcada pela heteronomia fundada na hierarquia e na divisão social do trabalho, e caminhar
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no sentido da luta política pelo direito do trabalhador de trabalhar de outra forma no contexto
da economia solidária. Para isso, é preciso que os empreendimentos econômicos solidários
recebam o mesmo apoio e incentivo que o Estado destina às grandes coorporações que
negociam os investimentos tendo como moeda de troca a oferta de novas vagas de emprego e
a não demissão de trabalhadores por um determinado período. Indo mais além, o que nos
interessa é provocar a reflexão no âmbito da economia solidária sobre a possibilidade concreta
de trabalhadores, que lidam com a experiência da loucura e possuem uma história marcada
por internações em hospitais psiquiátricos, terem o direito de trabalhar, assumindo sua
condição de cidadãos nas relações de produção e de reprodução da vida pela via da
convivência social e do trabalho como atividade no mundo das trocas simbólicas e materiais e
não somente para o cuidado de si mesmo, como um recurso terapêutico. Nesse contexto, é
preciso contemporizar a precariedade existente no campo das políticas públicas de saúde
mental e de trabalho relacionadas à economia solidária, e em especial ao direito do usuáriotrabalhador de trabalhar de maneira coletiva e autogestionária. Atualmente, sua condição de
reinserção social pelo trabalho é regida pela Lei 9.867, de 10 de novembro de 1999, que
regulamenta o funcionamento das cooperativas sociais como modalidade de trabalho dos que
estão em situação de desvantagem social, caracterizando-o como um trabalho assistido onde a
autonomia do trabalhador é mediada pela assistência a ele oferecida pelo Estado. Para tratar
sobre tema parto da experiência profissional que produzi através da bricolagem entre vários
percursos de vida começando pela formação acadêmica e do que chamo de parto institucional
de saída do curso de graduação seguido pela atuação profissional a partir de múltiplas
perspectivas, campos e lugares, caminhos, dentre estes, a Saúde Mental e a economia
solidária. Essa trajetória me tem provocado a produção de uma elaboração teórica,
metodológica e prática como contribuição para a produção do conhecimento em Psicologia.
Atuei profissionalmente, de 1990 a 1992, na política pública da saúde mental em uma
Unidade Básica de Saúde e em um Ambulatório Especializado em Saúde Mental em uma
cidade no interior de Minas Gerais, isso antes da Reforma Psiquiátrica. Adotei o referencial
coletivo da equipe que era a psicanálise freudiana, mas também tentei me pautar na
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perspectiva teórico-prática das experiências em curso em outros serviços no Brasil que tinham
como referencial a Psiquiatria Democrática Italiana, a Análise Institucional e a
Esquizoanálise. Como não existiam leitos para usuários dos serviços de saúde mental na
cidade, a internação destes era feita em um hospital de uma cidade do interior de São Paulo,
que foi posteriormente interditado pelo Ministério da Saúde. O transporte era feito em uma
Kombi da prefeitura, que somente levava os usuários quando o veículo estava com todos os
lugares preenchidos. Então, alguns esperavam em casa mais que outros até receberem o
atendimento que lhes era destinado. Situação que indignava a todos da equipe, o que nos fazia
questionar a pertinência da internação da maneira como acontecia e a ausência de leitos
psiquiátricos no hospital público da região. A mim esse protocolo incomodava bastante
porque o atendimento era para dentro do serviço com foco no indivíduo com uma perspectiva
clínica sem intervenção junto à comunidade e também não havia outros recursos terapêuticos
como oficinas, acompanhamento às famílias e suporte para se lidar com o usuário em crise,
que muitas vezes era atendido apenas com a medicação e posterior internação. Esse incômodo
pessoal, que impactou sobre a minha própria saúde mental, me fez procurar outros espaços de
trabalho por conta da dificuldade em lidar com a prática de atendimento nesse contexto que
não era coerente com o que era preconizado pelo Movimento Nacional da Luta
Antimanicomial e consolidado no projeto da Reforma Psiquiátrica brasileira. No início do
século XXI, ainda no emaranhado das mudanças estruturais e desestruturantes engendradas
pelo processo de globalização econômica, tecnológica e informacional, estando em situação
de desemprego, me encontro com a Economia Solidária – um movimento contra-hegemônico
no campo socioeconômico com enfoque nas dimensões político-sócio-cultural e ético-estético
da economia. O convite para compor a equipe de um projeto de ―Incubadora de
Empreendimentos de Economia Popular Solidária‖, voltado para trabalhadores em situação de
desemprego ou trabalhando na informalidade que desejassem se organizar coletivamente em
torno do trabalho, me colocou diante de uma realidade não muito diferente daquela na qual
vivia naquele momento, o que talvez tenha favorecido uma melhor pactuação com os
trabalhadores a partir de nossas vivências intersubjetivas pautadas pela solidariedade diante da
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vulnerabilidade em relação ao mundo do emprego. Ainda sem saber o que seria uma
economia solidária, mas com o acesso ao mundo da rede global de comunicação, me deparei
com uma intensidade de informações que somente poderia ter contato através de buscas
alternativas por não existirem publicações de fácil acesso sobre o tema. No contato com as
pessoas protagonistas dessa outra economia no Brasil e em outros países me dei conta desse
movimento instituinte em curso e de sua materialidade através dos relatos de experiências e
dos encontros promovidos no contexto da coletividade e da prática da autogestão que
culminaram na primeira edição do Fórum Social Mundial em 2001 em Porto Alegre e fazem
parte da agenda deste até hoje no eixo ―Economias Soberanas‖. Além disso, a disponibilidade
de acesso à informação e às produções publicadas em sites, revistas eletrônicas e o
despojamento dos sujeitos dessas experiências em socializar seus conhecimentos e me incluir
como participante desse processo me fizeram acreditar que a produção de outro modo de
subjetivação estava acontecendo nos interstícios da sociedade individualista, competitiva e
descartável preconizada pelo capitalismo financeiro global. Nesse contexto senti um
reencantamento pelo mundo ao perceber que não existia uma única via e que alternativas
estavam sendo produzidas nas brechas da sociedade capitalista. Entretanto, onde encontrar
referencial teórico-metodológico e prático na psicologia para a minha atuação profissional na
economia solidária? Compreendi que não encontraria suporte na psicologia organizacional
porque todo o referencial desta está contextualizado na sociedade do emprego, não
contemplando o campo fugidio e multifacetado do desemprego e da informalidade do
trabalho. Além disso, a ressignificação desse saber poderia ser problemática porque a questão
seria justamente o contrário – desconstruir o saber hegemônico e produzir um saber contrahegemônico junto com os atores sociais das estratégias de sobrevivência material e subjetiva
através do trabalho coletivo e autogestionário. Retomei, então, antigos companheiros de luta
desde os tempos de graduação no campo da psicologia social e comunitária em sua
perspectiva crítica como Silvia Lane e Bader Sawaia; Pichón-Riviére e seu grupo operativo
com foco na tarefa e não no líder; Paulo Freire e sua pedagogia do oprimido; René Lourau e
Georges Lapassade e sua análise institucional. Na retomada, o encontro com a
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psicossociologia francesa de Eugène Enriquez e André Lévy e a psicodinâmica do trabalho de
Christophe Dejours. Em 2005, como professora colaboradora em uma universidade pública
estadual, ao aceitar o pedido de uma aluna para supervisioná-la no estágio em um serviço de
saúde mental, sugeri que iniciasse sua inserção escutando os usuários para depois conversar
com os trabalhadores. Ao escutar suas histórias de vida percebemos a presença constante de
relatos da trajetória de trabalho e da interrupção das atividades em função do processo de
sofrimento psíquico. Buscando referenciais bibliográficos encontramos a articulação saúde
mental e economia solidária que havia sido deflagrada desde o encontro ―Oficina de
Experiências de Geração de Renda e Trabalho dos Usuários dos Serviços de Saúde Mental‖,
realizada pelos Ministérios da Saúde e do Trabalho e Emprego em 2004. Neste contexto,
desenvolveu-se o estágio em Psicologia do Trabalho no campo da Saúde Mental e Economia
Solidária. O contato, após dez anos, com um serviço de saúde mental constituído como um
dispositivo da reforma psiquiátrica brasileira foi bastante mobilizador por trazer à tona algo
aparentemente superado em minha trajetória profissional, mas que continha em seu bojo um
reencontro com a dimensão política que moveu meu ingresso no mundo do trabalho. Esse
acontecimento sendo provocado pela minha opção de atuar como professora universitária
tendo como linha de ação teórico-prática e de pesquisa a economia solidária junto a uma
Incubadora Universitária de Empreendimentos Econômicos Solidários. Todo esse percurso
culmina na realização do doutorado em Psicologia e Sociedade, ainda em curso, no âmbito da
Saúde Mental em Saúde Coletiva em sua articulação com a Economia Solidária. O trabalho de
pesquisa junto aos que lidam com a experiência da loucura, que são atendidos em um Centro
de Atenção Psicossocial (CAPs 1) em uma cidade de pequeno porte, tem os seguintes
objetivos: 1) conhecer as histórias de vida de trabalho dos que se interessam em participar das
oficinas de geração de trabalho e renda (que têm uma metodologia diferente das oficinas
terapêuticas); 2) refletir criticamente sobre a relação entre eles diante da construção de um
projeto coletivo de trabalho e deles, nessa nova condição de trabalhadores, com a equipe de
saúde mental, suas famílias, os moradores da cidade e os consumidores em potencial de seus
produtos; 3) a partir da intercessão-pesquisa, produzir uma práxis de pré-incubagem de
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possíveis projetos de empreendimentos econômicos solidários, a partir do interesse dos
participantes, que possa ser uma ferramenta de trabalho para a equipe do CAPs na realização
das oficinas de geração de trabalho e renda, que são parte integrante do projeto terapêutico
dos que são atendidos na atenção psicossocial.
METODOLOGIA
A implantação da Reforma Psiquiátrica no Brasil e a implementação dos
serviços denominados como de Saúde Mental configuram-se como campos de pesquisa que
demandam estratégias de produção do conhecimento que articulem fazeres e saberes
hegemônicos e contra-hegemônicos, contraditórios e muitas vezes concorrentes. Pode-se dizer
que existe uma luta de contrários, permeada por históricas relações teórico-técnico-políticas
que continuam sendo engendradas no contexto da formação acadêmica e seus modelos de
atuação profissional, no contexto do Estado e suas políticas públicas e no contexto da práxis
cotidiana dos trabalhadores da saúde mental em sua ação↔interlocução com os usuários dos
serviços, seus familiares, com o poder público e com a comunidade na qual trabalham. Estes
contextos têm como centralidade o ser humano e seus direitos sociais e políticos e apontam
para a construção do conhecimento através do paradigma onde se busca conhecer e analisar a
realidade a ser pesquisada, sem a intenção de categorizá-la. Requer a utilização e a construção
de recursos metodológicos pautados pela dialogia entre sujeitos, por isso lançamos mão da
dimensão da complexidade para lidar com as contradições e relações de poder presentes nesse
intenso universo psicossocial. Sabemos que as experiências de trabalho coletivo e
autogestionário dos que lidam com o sofrimento psíquico intenso são construídas no contexto
de uma história de lutas políticas contra a exclusão social no âmbito da sociedade capitalista.
Sabemos, também, que o encontro entre a saúde mental e a economia solidária enquanto uma
alternativa ao modo de produção capitalista é algo incipiente, desafiador, com referenciais
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teórico-metodológicos em construção e acontece em uma sociedade ainda marcada pela lógica
manicomial e pelo modo de produção capitalista que estão presentes em todos nós. Sendo
assim, é preciso que também provoquemos processos de singularização em nós mesmos na
relação com as contradições que vivenciamos no cotidiano do qual participamos. Sendo
assim, é imprescindível considerar o significado e impacto do trabalho na vida dos que lidam
com a experiência da loucura e como trabalho e loucura estão entrelaçados no decorrer da
História, tanto na consolidação do capitalismo como modo de produção e modelo de
sociedade, como na relação com o Estado, com a Ciência e com o Direito. Como todos esses
elementos atuam determinantemente no campo da materialidade da existência e da produção
de subjetividade pelo sujeito da experiência da loucura. Acreditamos que somente nos é
possível desencadear outros processos e modos de subjetivação se provocarmos e
construirmos outras formas de pensar, agir e existir que suscitem rupturas e outras
configurações nesses elementos fundantes da vida de todos nós. As reflexões apresentadas
fundamentam a construção do Dispositivo Intercessor como metodologia da intercessãopesquisa no trabalho de campo (as oficinas de geração de trabalho e renda realizadas junto
com os que lidam com a experiência da loucura atendidos na atenção psicossocial) e do Modo
de Produção do Conhecimento a partir da elaboração do intercessor-pesquisador sobre sua
práxis produzida na relação com esse campo de pesquisa. Nessa metodologia, busca-se
construir uma dialogia entre as referências epistemológicas, teóricas e metodológicas do
Materialismo Histórico, da Psicanálise Lacaniana; da Análise Institucional; e da
Esquizoanálise. Como é uma metodologia de pesquisa em construção, talvez se faça
necessário um esclarecimento sobre o conceito de intercessor a partir da esquizoanálise em
Deleuze (1992) como alguém que é demandado a participar dos processos de reflexão e
transformação de um coletivo e produz sua participação neste não como um especialista
(consultor, assessor, psicólogo ou mesmo restrito à função de pesquisador), mas como alguém
que desliza no movimento desse coletivo sem ser o agente e nem a referência desse
movimento, embora possa com sua ação como um de seus integrantes, suscitar a reflexão
coletiva que desencadeie o movimento. No campo da intercessão-pesquisa, a demanda social
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por um intercessor pelos que lidam com a experiência da loucura e são atendidos no CAPs,
bem como a dos próprios trabalhadores que compõe a equipe de atenção psicossocial,
aconteceu em função de haver um processo produtivo que desencadeia a possibilidade de
comercialização do que é produzido pelo trabalho nas oficinas terapêuticas. A partir disso, os
envolvidos no processo têm refletido sobre a possibilidade de ir para além do trabalho como
construção de si (terapêutico) e discutem essa possibilidade através da organização coletiva,
solidária e autogestionária dessa produção com a intencionalidade de produzir para a
comercialização (trabalho para o intercâmbio) e constituir um empreendimento de economia
solidária. Vemos, então, que o Dispositivo Intercessor toma a noção de campo como o
território da realidade concreta e da intersubjetividade onde se dá a prática social dos sujeitos
que compõem esse território que se caracteriza como o campo de intercessão, que vai para
além da intervenção porque sua ação não se esgota no próprio campo. É a partir dele que a
prática social do intercessor-pesquisador – sua práxis ligada à universidade – é construída,
mas a posteriori de sua ação – como um modo de produção do conhecimento. Sendo que esta
pode vir a contribuir com a práxis dos que acompanham experiências do encontro entre a
loucura e o trabalho na economia solidária, tanto no âmbito da Atenção Psicossocial
(intercessor-trabalhador de saúde mental) como no âmbito das incubadoras universitárias e
comunitárias que atuam nesse campo (intercessor-incubador). As ferramentas da pesquisaintercessão e do modo de produção do conhecimento a partir da práxis do intercessor,
advindas da análise institucional e a esquizoanális, são o diário de campo como um guia para
a ação no campo da intercessão e para a elaboração teórica a partir da análise de implicação
do intercessor; a análise da implicação a respeito dos lugares que o intercessor ocupa no
campo da intercessão e o seu envolvimento pessoal com o mesmo, bem como dos jogos de
interesse e de poder presentes nesse campo dos quais o intercessor também participa; e a
cartografia dos afetos como uma maneira de entender as estratégias de formação do desejo no
campo da intercessão, inventando ações contextualizadas tanto neste como em sua
sensibilidade ao se relacionar com os que dele participam.
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RESULTADOS
Nesse momento, é importante considerar que a intercessão-pesquisa ainda
está em curso e o processo de elaboração a respeito do campo da intercessão não está
consolidado dentro dos limites que nos são possíveis. Entretanto, algumas considerações
podem ser feitas sem que se configurem como resultados finais ou conclusões. O acesso à
história de vida dos que se interessaram em participar das conversas informais sobre o
trabalho e as possibilidades de se trabalhar de uma maneira diferente da condição de usuário
nas oficinas terapêuticas e de empregado em alguma empresa aconteceu a partir da criação de
um espaço dentro do CAPs identificado como oficinas de geração de trabalho e renda, uma
denominação já existente na atenção psicossocial que nomeia a solicitação dos trabalhadores
relacionada à organização de uma estratégia de comercialização da produção dos usuários. As
histórias contadas na roda de conversa das oficinas, atravessadas por manifestações da
alteridade radical, como disse Basaglia, de seus participantes, nos possibilitaram conhecer as
experiências de trabalho de alguns e o incômodo da ausência deste na vida de outros; as
situações de precarização no trabalho enfrentadas e os impactos destas sobre a saúde mental,
muitas vezes sendo o pivô do acesso à aposentadoria por invalidez; e a realidade de quem
nunca trabalhou como empregado e, ainda jovem, com expectativas de fazê-lo, considerando
o risco de com isso perder o acesso ao benefício de prestação continuada. Estas questões tão
atuais e comuns ao ser humano somente aparecem porque esse dispositivo de atenção ao
sofrimento psíquico o permite e nos faz pensar a respeito da centralidade do trabalho nas
vidas dessas pessoas, homens e mulheres adultos que lidam com a experiência da loucura.
Além disso, ao se pensar no acesso ou no retorno a uma atividade de trabalho, a forma de
concebê-lo é a do emprego – acordar cedo todo dia, passar o dia trabalhando, chegar em casa
cansado, ter um patrão que possa orientar e elogiar, receber o salário no final do mês, mas
também ter que se submeter às ordens de quem manda, fazer as atividades sob a pressão do
tempo, etc. Nesse primeiro momento, não consideraram outras formas de trabalhar sendo uma
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delas a de trabalhar junto, sem patrão, assumindo tanto a produção como o planejamento e a
gestão do próprio trabalho e, ao invés de salário, dividir as sobras (termo usado no
cooperativismo) depois de pagar todos os custos. Foi preciso redefinir os que se interessavam
por essa perspectiva do trabalho coletivo (lembrando que o CAPs pode atender o interesse de
inserção pelo emprego, mas a contribuição na intercessão-pesquisa tem como foco a
economia solidária). Começou-se pela construção de um possível projeto comum definindo
qual seria a atividade produtiva (a partir das idéias de todos os que quiseram continuar) como
e onde se daria a produção, quem seriam os fornecedores de matéria-prima e os consumidores
dos seus produtos. Estas são estratégias da economia solidária para provocar os participantes
do grupo a se organizarem a partir dos seus interesses singulares na tentativa de encontrar um
interesse comum e daí, quem sabe, acontecer uma vinculação grupal mediada por uma tarefa
coletiva – o trabalho para o intercâmbio. Outra questão interessante é de que ao se
identificarem como trabalhadores somente se viam como produtores, sem considerar as outras
atividades como suas já querendo delegá-las aos que possuem características de liderança no
grupo e maior experiência como trabalhador assalariado. Para lidar com essa questão foi
preciso a descentralização da tarefa de se pensar e executar o projeto do empreendimento da
figura da intercessora-pesquisadora e do assistente social do CAPs que participa das oficinas
desde o seu início. Essa é a estratégia da construção da autogestão pela via da prática
cotidiana nas oficinas destituindo-se do lugar do poder da autoridade do especialista
deixando-o vago para que possa ser ocupado, refletindo com os participantes sobre a
importância de esse poder ser circulante, prevenindo a configuração da figura do chefe do
grupo, o que colocaria em risco a autonomia e a participação ativa dos demais integrantes e a
cristalização do projeto no formato do emprego. No movimento do grupo é possível
cartografar seus afetos e compreender a distribuição do poder e a divisão sexual do trabalho
na maneira como eles atribuem as tarefas entre si. Através da problematização desse
movimento conseguiram percebê-lo, vamos ver se alguma mudança acontecerá quando do
início da produção. Partimos da premissa de que é preciso sonhar, ter idéias para realizar esse
sonho e transformá-lo em um projeto a ser testado na realidade. Nessa perspectiva,
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construímos uma metodologia onde toda a produção dos participantes em relação à
socialização dos sonhos, ao levantamento das idéias, à identificação da matéria-prima e dos
equipamentos necessários, quem seriam os possíveis clientes foi registrada e anexada à parede
da sala de oficinas do CAPs e compõe hoje um mosaico da produção coletiva deles com a
nossa colaboração. Lembrando sempre que em todas as possibilidades de atividade produtiva
estavam presentes as tarefas cotidianas de planejamento, produção e gestão coletiva do
empreendimento, Depois disso, cada idéia foi discutida com a participação de todos a partir
da realidade atual do grupo de concretizá-la e foram criados por eles os critérios de escolha.
Desse crivo, como um teste de realidade, ficaram duas idéias como atividades produtivas do
grupo, fato que marcou o início de sua existência. A concretude diária dessa produção como
um documento da história coletiva tem contribuído para a constituição do grupo e do vínculo
entre os seus participantes, assim como nos permite cartografar o seu movimento e o nosso
também enquanto intercessores. Algumas questões estão para serem refletidas e colocadas na
realidade social. Como se dá a relação desse projeto em curso com o CAPs que o abriga?
Com os familiares dos que dele participam? Com a com a cidade onde moram? Com os
empreendimentos econômicos solidários da região? Com o poder público local? Com a
política estadual e nacional de saúde mental e de economia solidária? Nesse momento,
estamos cuidando deste projeto como uma atividade desenvolvida pelo CAPs dentro do
projeto terapêutico dos que dele participam, ou seja, não se configura como uma cooperativa
social formalizada porque está no âmbito do trabalho assistido pelo poder local no contexto
das políticas públicas de saúde mental e de trabalho. Estamos discutindo nas oficinas,
tentando construir a autogestão e evitar a serialidade do grupo, qual é o espaço físico do CAPs
que abrigará a produção. Além disso, está sendo realizada, pelos próprios participantes, a
pesquisa de preço da matéria-prima necessária, a definição de onde será feito o mapeamento
de consumo (uma estratégia da economia solidária), o nome e o slogan do projeto que serão
os elementos identificadores do trabalho do grupo e o como apresentar esse projeto para os
moradores da cidade, para os fornecedores e os possíveis consumidores. O processo de
mudança paradigmática e de produção de um modo de subjetivação provocados pelo trabalho
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no contexto de uma prática de constituição de um empreendimento econômico solidário pelos
que lidam com a experiência da loucura é tarefa instigante e desafiadora, mas que também
traz em seu bojo idiossincrasias que podem impactar sobre a saúde e a vida dessas pessoas.
Sabemos que as condições de trabalho desse grupo no início de suas atividades não serão as
melhore. Mesmo porque nesse momento ainda não é possível contar com o apoio mais efetivo
de políticas públicas, sendo preciso contar com os próprios recursos do grupo e de seus
familiares, do CAPs no acompanhamento de perto de todo o processo, do poder local e da
comunidade para a sua efetivação e manutenção. Entretanto, nos é possível realizar a
vigilância em relação aos impactos dessa experiência em seus participantes problematizando
com todos, em cada oficina, sobre suas expectativas, preocupações e estratégias de lidar com
estas no contexto da realidade de suas condições de existência e do território onde pretendem
atuar como trabalhadores. Além disso, nos é possível promover o acesso desse grupo a
atividades de formação e de organização das redes sociais da economia solidária na região,
com a política pública da assistência social com seus programas de qualificação profissional
no âmbito da inclusão produtiva, e com os serviços de saúde pública no contexto dos Núcleos
de Atenção à Família. Além disso, existem experiências dessa natureza em outras cidades
próximas e uma Rede Nacional de Empreendimentos de Saúde Mental e Economia Solidária
constituída pelos empreendimentos mapeados pela Área Técnica de Saúde Mental do
Ministério da Saúde através de um cadastro em seu site, sendo possível incluir esse grupo
nessa rede. Ainda temos um longo caminho a percorrer no relacionamento com esse grupo em
sua trajetória rumo à constituição de um coletivo de trabalho autogestionário, mas o mais
importante nisso é experimentar o encontro com outros que podem vir a ser sujeitos do seu
próprio existir, de seu saber e de seu fazer, que se abrem para o risco de estar junto com
alguém que lhes propõe uma situação inédita onde se é possível aos envolvidos, mas não
garantido, construir outros saberes e fazeres a respeito de si mesmos e sobre alguma questão
que lhes seja pertinente e que provoque em ambos a busca por algo que talvez nem seja
conhecido, nem seja alcançado, mas que possa ser vivido, compartilhado, refletido e
nomeado.
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BIBLIOGRAFIA
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Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas,
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(1914-1918). In: ALTOÉ, Sônia (Org.) René Lourau: Analista Institucional em Tempo
Integral. São Paulo: HUCITEC, 2004. p. 212-223.
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TRABALHO E COOPERATIVISMO: ESTUDO DA ORGANIZAÇÃO DOS
TRABALHADORES DA COLETA SELETIVA E RECICLAGEM EM LONDRINA
PR (2009-2010)
LANZA, F.;
Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina (UEL)
BETTIOL, L.;
Departamento de Serviço Social da Universidade Estadual de Londrina (UEL)
SANTOS, L. M. L;
Departamento de Administração da Universidade Estadual de Londrina (UEL)
MORAES, E. E.;
Curso de Graduação em Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina (UEL)
Agência Financiadora: PIBIC-UEL
PELANDA, S. S.;
Curso de Graduação em Ciências Contábeis da Universidade Estadual de Londrina (UEL)
Agência Financiadora: FUNDAÇÃO ARAUCÁRIA
[email protected]
INTRODUÇÃO
No século XIX em pleno desenvolvimento da segunda Revolução Industrial
na Europa Ocidental a mobilização dos trabalhadores apresentava-se como a maior
contradição frente à indústria capitalista e seus proprietários, nesse processo uma parte do
movimento socialista, procurou desenvolver estratégias que subvertesse o sistema capitalista,
e propôs um modelo de produção em que as sobras, e não salários, fossem partilhadas pelo
grupo, ou cooperados, não havendo assim expropriação da mais-valia por parte do empresário
capitalista. Nessa perspectiva Socialista Utópica, é possível uma forma de organização de
trabalho não-capitalista, utilizando do modelo de produção industrial e economia de mercado.
As discussões contemporâneas sobre a relação desses processos da classe
trabalhadora têm permitido a visualização de duas estratégias distintas, uma é de organizar
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politicamente trabalhadores empregados, outro é de proporcionar uma forma de trabalho nãocapitalista dentro do sistema capitalista para aqueles que estão desempregados, ou à margem
do sistema social e produtivo. Ou seja, responder às necessidades imediatas com vista a
projeções futuras. Uma das questões posta pelos sujeitos vinculados a perspectiva do
Socialismo Utópico é criar mecanismos para que o trabalhador seja proprietário dos meios de
produção e dos resultados obtidos do processo produtivo.
Mais recentemente, no último quarto do século XX, houve um
revigoramento destes ideais que resultaram em múltiplas alternativas que se encontram na
busca por soluções contra a miséria, a exclusão, o desemprego e a cultura individualista
dominante, ao que respondem com iniciativas balizadas em ideais de igualdade, cooperação e
solidariedade, movimento que se tornou genericamente conhecido por Economia Solidária.
É verdade que cada período econômico da história humana apresentou seus
obstáculos na distribuição das riquezas. Mas o capitalismo recente apresenta discrepâncias
sociais abissais e em processo ascendente em todo o mundo, o que leva a conseqüências
desastrosas para toda a humanidade.
O conceito de Economia Solidária não é, todavia, tão claramente delineado
e possui diferentes perspectivas para o trato teórico na atualidade. No caso colocado por esse
trabalho a perspectiva teórica sobre a Economia Solidária indica que os experimentos e
organizações cooperativistas, vinculados a ela, possuem uma função maior do que apenas
uma resposta econômica à incapacidade do capitalismo de integrar todos seus membros ao
mercado de consumo, mas pode ser uma alternativa com maior qualidade e superior ao
capitalismo, tendo em vista que não estão restritos à produção econômica, mas promovem
uma maior qualidade de vida e uma nova sociabilidade entre os membros. No sentido de
aprofundar essas análises sobre trabalho e cooperativismo (Economia Solidária) o recorte
investigativo privilegiou o segmento de trabalhadores da coleta seletiva de Londrina PR.
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METODOLOGIA E DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA
A pesquisa partiu dos estudos e da pesquisa sobre as propostas atuais de
Economia Solidária com o viés de Políticas Públicas para o segmento de trabalhadores da
coleta seletiva de Londrina PR. A investigação ocorreu, em 2009 e 2010, por meio de
pesquisa bibliográfica, documental (dados oficiais a partir da CMTU - Companhia Municipal
de Transito e Urbanização e da Secretaria Municipal de Assistência Social) e de campo com
observação e entrevistas com sujeitos envolvidos: representantes das políticas públicas do
município, trabalhadores da reciclagem e membros do experimento de economia solidária Coopersil.
Na cidade de Londrina, a Companhia Municipal de Transito e Urbanização
(CMTU) teve papel ativo no desenvolvimento inicialmente de associações (ONGs –
Organizações não Governamentais) de trabalhadores na área na última década. Na atual
gestão da administração municipal (2009-2010) a estratégia da política pública foi alterada e o
foco passou de atuação passou a incentivar a forma de organização dos trabalhadores em
cooperativas. Nesse caso, as cooperativas de reciclagem que apenas recentemente avançaram
suas negociações de prestação de serviço para a Prefeitura de Londrina.
A coleta seletiva em Londrina é regulada pela CMTU. Como nos contou em
entrevista a Assistente social e gestora executiva da coleta seletiva de Londrina Marilys
Garani, há uma divisão das regiões da cidade para a coleta, desta forma além de melhor
organizado, há uma divisão mais justa entre os catadores, lembrando que entre os catadores
não cadastrados pela CMTU, e até mesmo antes desse projeto, todos coletavam de forma
irregular, sem uma área determinada, o que gera uma série de conflitos entre catadores e
―atravessadores‖, além de fazer com que eles se desloquem para regiões longínquas de sua
residência. Sendo essa, ainda, uma realidade para muitos catadores que não aceitaram se
cadastrar e se vincular a essa nova forma de organização, a Coopersil.
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A assistente social esclareceu ainda que o processo de criação e organização
dos catadores em cooperativa foi precedido de diversas dificuldades, como o fato destes
trabalhadores estarem estabelecidos em ONGs. Mas em detrimento da Lei Federal 8666/93
(Lei de Licitações) que dispensa a necessidade de licitação para cooperativas que são
formadas exclusivamente por catadores de materiais recicláveis (Ver artigo 24, inciso XXVII,
da Lei 8666/93), por isso tiveram que modificar sua forma de organização e próprio enfoque
da política pública municipal.
A Coopersil foi constituída por trabalhadores que integravam anteriormente
17 ONGs de reciclagem de um total de 30 dentro do mesmo escopo de atuação. A Coopersil
possui contrato com a prefeitura para fazer a coleta seletiva na cidade, a partir de 01 de março
de 2010. Este contrato foi finalizado após uma série de negociações entre a Prefeitura e os
catadores, processo acompanhado, assessorado e conduzido pelo corpo técnico da CMTU.
A Cooperativa recebe subsídio da prefeitura para a coleta seletiva na cidade,
em contrapartida deve prestar contas à Prefeitura, tal como o pagamento dos encargos
previdenciários, além de obrigações gerais como qualquer empresa prestadora de serviços ao
município.
No que tange as parcerias da Coopersil com empresas privadas e seus
projetos de responsabilidade sócio-ambiental, conta com o apoio de apenas duas organizações
empresarias do setor: a Sonoco e a Tetra Pak que em parceria com a Secretaria Estadual de
Meio Ambiente (SEMA), fizeram a doação de duas prensas que facilitam o trabalho dos
catadores e agregam valor ao material. A Coopersil recebeu ainda 500 telhas feitas a partir do
aproveitamento de plástico e alumínio das embalagens da empresa Tetra Pak que serão
utilizadas na expansão das instalações da cooperativa.
Em abril de 2010 a Coopersil recebeu o primeiro pagamento da prefeitura
de Londrina pelo serviço prestado no valor de R$ 62 mil reais. Além do valor fixo, também há
o repasse de R$ 0,20 por domicilio atendido pelos cooperados.
As inovações tecnológicas também estão sendo inseridas na coleta seletiva.
Um ótimo exemplo é a utilização de carrinhos elétricos que foram produzidos pela Usina
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Itaipu Binacional e repassados para o Movimento Nacional dos Catadores de Materiais
Recicláveis (MNCR). Segundo a assistente social Marylis Garani, em Londrina o carrinho
elétrico foi testado e aprovado por 80% dos trabalhadores, porque não é necessário o mesmo
esforço físico para puxar o carrinho carregado de material coletado, bem como, otimizou o
tempo necessário de trabalho e a quantidade de material reciclável arrecadado, o que trouxe
uma série de benefícios ao trabalhador da coleta seletiva, tanto de qualidade laboral como de
retorno financeiro. O carrinho elétrico é capaz de carregar até 300 kg com uma bateria com
duração de 8 horas ou 25 a 30 km, o custa médio de aquisição foi de R$ 6,8 mil.
Analisando no que tange a relação de capital trabalho, a forma de
organização da Coopersil está vinculada ao modelo de economia solidária, em que não há
exploração da mais-valia, mas sim a divisão da sobra a partir do trabalho efetuado dos
cooperados, e dessa forma esses indivíduos exercem sua singularidade, autonomia e
dignidade.
A Central de Pesagem e Venda (Cepeve) é outra organização que faz a
coleta de material reciclável em Londrina desde 2002. Para tanto a instituição demanda desde
2009 recursos procedidos da Prefeitura da cidade. A Cepeve, todavia, não aderiu a Coopersil
durante o processo de contratação da mesma e, portanto não é beneficiária dos recursos que a
Prefeitura repassa aos catadores da Coopersil.
Nesse processo de gestão da coleta seletiva em Londrina há contradições e
disputas políticas, tanto entre as duas organizações de catadores como na esfera das
instituições locais. Nesse sentido, o vereador Marcelo Belinatti solicitou um pedido de
informação quanto a este impasse junto a Prefeitura/CMTU e questionou a exclusão da
Cepeve da contratação como empresa prestadora de serviço de coleta e reciclagem para a
Prefeitura de Londrina. Igualmente argüiu quanto a legitimidade jurídica da contratação e
apoio da Coopersil pela Prefeitura.
Para maior aprofundamento sobre o perfil dos trabalhadores envolvidos com
a coleta seletiva e reciclagem de materiais em Londrina, foi investigado a partir do IRSAS Sistema de Informatização da Rede de Serviços da Assistência Social do município de
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Londrina, implementado para facilitar a reunião dos dados da população atendida – o perfil da
população que atua no segmento estudado.
A responsável técnica pela gestão do sistema e pelas informações colhidas
em fevereiro de 2010 foi a Assistente Social Sâmia Mustafá, tendo em vista o recorte
investigativo, a partir deste cadastro digital é possível ter uma noção real do perfil dos
catadores de materiais recicláveis beneficiários da Secretaria Municipal da Assistência Social
e que não necessariamente estão envolvidos com a Coopersil ou Cepeve. Foi possível
perceber a partir desses dados pesquisados junto a Secretaria de Assistência Social dos 360
trabalhadores do segmento da reciclagem cadastrados no IRSAS 245 são mulheres enquanto
apenas 115 são homens. Percebe-se igualmente que a faixa etária que mais compreende
catadores está entre 31 a 50 anos.
A escolaridade é um fator importante para compreender a realidade destes
trabalhadores. Dos trabalhadores da coleta seletiva cadastrados, nenhum deles possui Ensino
Superior, 4 não informaram sua escolaridade, 8 possuem o ensino fundamental completo
enquanto apenas 13 deles possuem o ensino médio completo. Existem ainda 26 trabalhadores
que iniciaram o ensino médio, mas não o completaram e 33 completaram a 4ª série. O número
de analfabetos é de 44. A grande maioria está em dois grupos: 113 não concluíram a 4ª série e
119 estão entre a 5ª e 8ª séries incompletas.
RESULTADOS E CONSIDERAÇÕES FINAIS
A sociedade capitalista é marcada pelo consumo, em que os produtos
tornam-se obsoletos com uma velocidade cada vez maior, seja através da introdução de
―inovações‖, ou por meio de indução publicitária com forte apelo a modismos e produção de
necessidades. Portanto há relação ideológica entre produção de novos produtos e conceito de
qualidade de vida, felicidade e desejos. Por outro lado esse aumento exagerado de produtos
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consumíveis gera uma massa de materiais que são descartáveis, ou seja, lixo (resíduos sólidos
urbanos, industriais, hospitalares, entre outros).
Tendo em vista as análises sobre o momento atual do desenvolvimento
capitalista, bem como a transição da cultura fordista de produção para uma cultura consumista
na atualidade, os processos vinculados a difusão da economia consumista estão vinculados ao
movimento das mercadorias e a ampliação das relações de compra dos consumidores, o que
permite que o dinheiro mude de mãos; sempre que isso acontece, alguns produtos são
descartados nos depósito de lixo –mesmo não sendo esgotada sua vida útil, o que tornou a
velocidade do uso e do descarte o mecanismo realimentador do sistema, tentando sempre que
criar novos desejos aos consumidores em ciclos de vida-utilização dos produtos cada vez mais
curtos.
Ainda, alguns teóricos sugerem que dessa forma, a sociedade capitalista
fundamentada pela sua lógica interna permitiu uma situação paradoxal, em que é necessário
consumir desenfreadamente, como estilo de vida na sociedade atual, e ainda, criar formas de
gestão dos resíduos sólidos descartados (domésticos ou industriais) de uma maneira que não
sejam uma ameaça a todos por meio dos inúmeros problemas socioambientais.
Assim, uma sociedade de produção em massa é ao mesmo tempo uma
produtora de lixo em massa. Depois da Eco-92 (RJ) e a criação da Carta da Terra foi dado
maior ênfase na questão sócioambiental, e novas propostas sobre a reciclagem como
alternativa para diminuição de recursos naturais entraram na agenda política. Até esse
momento o lixo era destinado aos aterros descontrolados, vulgo lixões. Assim a população
excluída do consumo garimpava restos de comida, roupas, sapatos e objetos que pudessem ser
úteis para eles, ou até mesmo serem trocados e vendidos, realidade que pode ser observada no
documentário Estamira.
Essa política de meio ambiente e reciclagem incentivou a reorganização das
cadeias produtivas, pois a partir desse momento o que era lixo passa a possuir valor de
mercado e mesmo sendo lixo volta a ser mercadoria, ou seja de lixo, material descartado passa
a ser novamente matéria prima para novos produtos. E esse processo permanece na lógica
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capitalista estimulando não somente a consciência ambiental, mas o acumulo de capital, a
partir dos negócios de materiais recicláveis: plástico, papel, papelão, vidro, alumínio e
borracha. Portanto é um ramo altamente rentável, mas rentável para a indústria de
transformação.
Por outro lado essa política de proteção do meio ambiente fornece
possibilidade de um novo emprego aos excluídos economicamente das demais cadeias
produtivas do sistema capitalista. A partir de então não é necessário mais se deslocar aos
aterros descontrolados e se contaminar com toda espécie de bactéria e vírus.
Na cidade de Londrina não foi diferente, devido ao alto consumo, produz-se
muito material que se não coletado como reciclável é destinado ao aterro diminuindo sua vida
útil. Como alternativa de renda muitos moradores de rua e desempregados sem outra
possibilidade de emprego se destinaram a fazer à coleta desse material, vendendo aos
atravessadores e estes a indústria.
Dessa maneira a relação de exploração da mais-valia está inserida no
processo da reciclagem, relação que está ocultada mediante o discurso de proteção ao meio
ambiente e geração de emprego e renda. A partir da pesquisa documental e de campo foi
possível identificar como proposta para superar essa relação de exploração a formação, por
incentivo da Prefeitura Municipal de Londrina na década passada, cerca de 30 ONG´s e
associações de catadores de material reciclável na cidade, na expectativa de aumento de renda
e sem uma relação de patrão e empregado.
No entanto, a partir das entrevistas na observação de campo, essa forma de
associação na última década não supriu as necessidades desses trabalhadores, uma vez que a
demanda da coleta é alta, e não possuíam os devidos equipamentos e formas de gestão e
venda dos materiais coletadas, o que fez com que diminuísse o valor do material reciclado,
diminuindo também, a renda dos catadores, além de condições de trabalho precárias e receita
incapaz de garantir o mínimo de dignidade para estes trabalhadores.
A partir dos dados levantados e da pesquisa de campo junto à realidade local
há um consenso sobre as dificuldades presentes em várias cooperativas e associações, trata-se
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da autogestão. Isso se deve ao fato de que embora o ideário cooperativista seja solidário (da
Economia Solidária), tal cooperativa está inserida numa economia de mercado. Ratificando
essa análise, em uma atividade de extensão com os membros da Coopersil em conjunto com a
equipe de pesquisadores (e autores) quando visitaram outra cooperativa desse segmento no
município de Apucarana - COCAP, podemos observar que a lógica de administração das
cooperativas, em certa medida, tem de ser pautada pela lógica do mercado, senão todo o
trabalho, todo o investimento e luta não tem resolutividade.
Outro fator importante a ser analisado é a formação cultural do
cooperativismo. Há relatos do presidente da Coopersil de que os cooperados oscilam em dois
extremos, ou se acham empresários e não se preocupam em querer trabalhar tanto quanto os
outros, ou se sentem como funcionários não querendo assumir as responsabilidades da
cooperativa. Isso se deve aos processos ideológicos de mercado e relação de naturalização da
exploração do trabalho. Portanto se faz necessário promover um renovo de cultura e
contribuir para que esses cooperados assumam sua responsabilidade e direito frente a empresa
prestadora de serviços ao município londrinense.
Assim, o papel do poder público frente à necessidade desses catadores tem
sido efetivo, no entanto não se demonstra uma política de geração de trabalho e renda, mas
sim de saneamento e gestão dos resíduos sólidos urbanos (lixo), pois se não fossem esses
catadores, os recursos públicos seriam destinados a qualquer outra empresa.
Ao longo de 2010 foi possível perceber por meio de outras ações da
Prefeitura Municipal que não se trata de uma política de geração de trabalho e renda devido à
realidade do restante dos trabalhadores informais na cidade de Londrina, tendo em vista como
por exemplo, aqueles vendedores ambulantes que estão sendo destituídos de seu trabalho em
nome de ―revitalização‖ de praças, calçadão e terminal urbano, e após esse processo de
―revitalização‖ será aberta nova licitação de alvarás para os respectivos segmentos. No
entanto, esses trabalhadores informais (vendedores ambulantes, carrinheiros de lanche, entre
outros) provavelmente não conseguirão ganhar os processos de licitação, tendo em vista a
concorrência com empresários de alimentação e similares de Londrina.
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Há que se considerar a oportunidade impar vivenciada pela parceira
Coopersil e Poder Público em se viabilizar uma articulação capaz de unir a necessidade de
geração de trabalho e renda para grupos historicamente excluídos de todo o tipo de direitos e
ao mesmo tempo garantir a execução de atividades essenciais à população e que são de
responsabilidade do Estado. Quer-se aqui ressaltar a possibilidade de expansão de um modelo
de parceria entre o poder público e iniciativas de economia solidária em que as segundas
tenham privilégios na disputa pelo atendimento a demandas públicas.
Dessa forma cabe a Coopersil desempenhar seu trabalho da melhor forma
possível, se estruturar e organizar, promover a integração de todos os trabalhadores no
objetivo da cooperativa autogestionária e, assim, ser competitiva em comparação com outras
empresas especializada. Como hipótese, caso a Coopersil não consiga efetivar suas ações e
cumprir o contrato de prestação de serviços junto a Prefeitura Municipal, seu contrato será
extinto e abrirá caminho para a iniciativa privada atuar nessa área da coleta seletiva e
reciclagem.
Por último, temos que considerar que a iniciativa privada não possui uma
atuação significativa junto ao setor, bem como no estabelecimento de parcerias (exercício da
responsabilidade social) com as ONGs de reciclagem ou as Cooperativas (Coopersil ou
Cepeve). Se por um lado tem-se certo isolamento, o que de inicio dificulta o desenvolvimento
das atividades, considerando-se a escassez e a precariedade de recursos disponibilizados por
estas organizações, por outro lado gera-se certa independência na condução dos
empreendimentos, o que obstaculiza uma possível cooptação por parte de forças empresariais
privadas, além de criar uma autonomia que possibilita patamares mais elevados de
emancipação social.
Ao identificar vários aspectos que foram destacados ao longo desse estudo,
alguns eixos centrais são colocados como desafios na busca dessa forma de organização
produtiva autogestionária, democrática e solidária: - o interesse dos sujeitos envolvidos e a
clareza do projeto a seguir; a articulação entre a mobilização social desses sujeitos e as
políticas públicas, bem como, a importância da assessoria técnica; o papel das universidades
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no contexto regional; e a importância da compreensão do valor da propriedade coletiva e a
conquista dos benefícios na mesma forma.
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REDIMENSIONANDO O PROJETO DE SER PROPRIETÁRIOS DE EMPRESA
FAMILIAR
DAMBRÓS, C. P.;
EIDAM, A. B.;
MELLO, A. A. M.;
SOUZA, R. R. P. D.;
FREITAS, S. M. P.;
Departamento de Psicologia da Universidade Estadual de Maringá (UEM)
[email protected]
O presente trabalho refere-se à apresentação de uma parte do estudo
realizado em uma empresa familiar de médio porte, na cidade de Maringá/PR, durante o
estágio orientado na ênfase Trabalho, no quinto ano do curso de Psicologia da Universidade
Estadual de Maringá, Paraná. Este trabalho refere-se ao Diagnóstico Organizacional
Interventivo direcionado aos proprietários, sendo analisado à luz do Existencialismo
sartreano. De acordo com esta abordagem, o homem é concebido como um ser histórico,
dialético e social. Com base na consciência intencional, sendo para Sartre o único meio pelo
qual a dialética pode existir, o homem se relaciona com o mundo ao direcionar sua
consciência para algo nesse, interiorizando-o e atribuindo a ele um sentido que, por sua vez,
fundamentará suas ações. Neste movimento dialético, ocorrem, respectivamente, a
objetivação da subjetividade e a subjetivação da objetividade. No entanto, o homem não se
relaciona somente com as coisas, mas também com outras consciências ontologicamente
livres. Através desta intersubjetividade, o que Sartre também chama de sociabilidade, as
sínteses dessas relações humanas são consideradas pelo mesmo autor, como construção social.
Sendo verdades construídas por ações humanas, tornam-se histórias a serem transcendidas. E
é assim, que a história da humanidade é construída. A cada transcendência transcendida novas
histórias são criadas. A partir desta concepção, o homem não pode ser somente entendido
como um indivíduo apartado da história e do social. Sua existência é criada tendo como base a
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relação entre o individual/coletivo, o singular/universal. A temporalidade também é um fator
importante a ser considerado na compreensão da existência humana, uma vez que esta não se
dá de maneira linear. Passado, presente e futuro assim também existem pela consciência, que
é capaz de transcender temporalmente. Destarte, o futuro para o existencialismo é considerado
como aquele que define as ações do presente. Pela imaginação, que para Sartre é uma das
maneiras de intencionar o mundo, além da percepção, o homem lança-se no vazio do futuro a
fim de construir seu Projeto de Ser, contudo, é somente nas ações presentes que o expressa.
Seu passado já tornou história, que será perpetuada caso o homem opte por mantê-lo enquanto
projeto futuro. Portanto, sempre será uma história a ser transcendida. Neste movimento de
lançar-se ao futuro para preencher o vazio da consciência, é que o homem busca fugir de sua
condição ontológica de negatividade. A busca pela totalização-em-curso, de maneira dialética,
é que permitirá a construção de sua história e da humanidade, já que suas escolhas não findam
em-si, uma vez que em seu bojo possui a concepção do homem sobre a humanidade. Melhor
explicando: a cada escolha, o homem a faz de acordo com a concepção de humanidade que
possui. Suas ações então, serão fundamentadas nas respectivas moral e ética que resguardam a
concepção do que é a humanidade para si. Com isso, seu Projeto de Ser e sua sociabilidade
estarão assim também fundamentados. Sartre ao considerar a liberdade ontológica, a qual o
homem não pode deixar de escolher, também considera que esta é limitada no sentido
antropológico, haja vista que no mundo este encontra resistências para a concretização de seu
projeto de Ser, inclusive por relacionar-se com outros que possuem a mesma condição livre. E
é por existir tais resistências que o homem pode exercer sua liberdade. Este paradoxo dá o
sentido dialético do movimento existencial, pois sendo, em princípio, homem e mundo
instâncias distintas, estas se interdependem. A fim de driblar as resistências, principalmente as
liberdades alheias geradoras de conflitos, Sartre coloca que o homem lança mão de duas
condutas de posse: (1) trata o outro como sujeito que o transcende. Ao buscar assimilar a
visão que o outro tem de si, age para com o outro tal qual este segundo o percebe. Assim,
rouba-lhe a sua consciência e; (2) trata o outro como sujeito que transcende. Neste caso,
contra ataca o olhar do outro, reconduzindo-lhe o seu. Neste embate de consciências livres,
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constrói-se o cenário das relações humanas: seus conflitos e comunhões. Geralmente os
conflitos são gerados quando na reciprocidade não existe o reconhecimento da alteridade, ou
seja, há a dificuldade do reconhecimento do Outro como aquele que não sou eu, podendo
ocorrer o projeto de usar o outro para que se atinja o fim desejado. Ao lançar mão de uma das
duas condutas de posse anteriormente mencionadas, busca-se alienar a consciência alheia. A
este movimento, Sartre denomina de reciprocidade negativa. É importante enfatizar que, tal
projeto somente terá êxito se o outro também escolher alienar-se. Já, no caso da reciprocidade
positiva, há a comunhão de projetos que são comuns a ambos, dessa maneira, unem-se os
esforços para que se atinja o mesmo fim em comum. O sistema capitalista, sendo uma verdade
social criada pela sociabilidade, requer formas de controle das liberdades para que seu projeto
que visa a lucro conjugando a produtividade com o consumo, seja mantido. Diversas são as
maneiras de as classes hegemônicas expressarem as condutas de posse, ao ponto de afetarem a
saúde do trabalhador, ao buscarem coisificá-los, e assim, desumanizá-los. No entanto, à
questão do lucro e do consumo, está associado o poder, e a este, a liberdade. Nas práxis
capitalistas, a liberdade de Ser sugere agregar a idéia do poder, ter e fazer. Quanto mais se
produz, mais se oportuniza a condição de ter para consumir e quanto mais se tem, considerase, de maneira alienada, que se é livre. Enfim, antropologicamente numa sociedade capitalista,
a maneira para transcender as resistências, dá-se através do acúmulo do capital, que por sua
vez agrega o poder. A posse da liberdade alheia então, pode ser instituída por formas de
gestão, que por sua vez, revelam também o projeto de ser individual e coletivo dos atores
envolvidos.
Diante
à
concepção
anteriormente
exposta,
buscaremos
analisar
compreensivamente, o projeto de ser dos proprietários da referida empresa familiar, que por
sua vez, fundamenta o projeto para com a empresa e a maneira de geri-la. Pensando em
empresa familiar, sua criação representa a objetivação dos mentores no mundo, através da
qual, a subjetividade destes pode perpetuar-se na história, caso outros, por exemplo, os filhos,
concordem em dar prosseguimento ao projeto originário. No entanto, nem sempre é assim que
a história se processa. Pesquisas apontam que, geralmente, a falência de empresas familiares
deve-se mais a conflitos familiares do que a problemas de mercado. Podemos pensar que em
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nossa vida, e aqui, dentro do contexto empresarial, a cada transcendência transcendida, uma
história do coletivo é construída. A criação dessa empresa encontra-se em sua primeira
geração, mas mesmo tendo um dos membros da segunda também trabalhando na mesma, a
sua história em específico não agrega o comum que vemos em diversas histórias de empresas
familiares, com problemas relacionados à sucessão ou mesmo de conflitos entre os membros
da família. De acordo com o diagnóstico interventivo, realizado através de entrevistas com os
fundadores da empresa, observamos nos seus relatos, que o projeto que a fundou direcionouse somente aos lucros que, na época, há mais de vinte anos, seus fundadores poderiam obter
com a matéria-prima comercializada na mesma. Com o decorrer do tempo, o mercado
desaqueceu-se no tocante a essa matéria-prima, surgindo a necessidade de criar novas
estratégias para se manter o projeto inicial. Contudo, diante os relatos dos proprietários, da
compreensão da história da empresa obtida através dos relatórios anteriores de estágios lá
realizados, bem como da percepção das ações cotidianas dos mesmos, pudemos observar
nexos entre suas ações que mostram a manutenção e perseguição do projeto inicial de lucro.
Sartre coloca que o homem, nas menores de suas ações, mostra-se em sua totalidade,
contendo em cada uma delas nexos que denunciam o projeto de ser. No nosso caso, as ações
dos proprietários orientam-se pela manutenção do lucro, no entanto, findando neste projeto, a
maneira como se sabem sendo proprietários da empresa não abarcam o projeto de
engajamento com a empresa de uma maneira global. Tal fenômeno é percebido quando em
suas falas e ações, demonstram não saber qual o projeto a longo prazo têm para com a
empresa. A ausência de uma consciência futura acarreta uma gestão por crise, tendo cada
problema que ser resolvido momentaneamente, sem um planejamento que busque evitar ou
transcender tais intercorrências. A gestão de uma empresa, tal qual nossa vida diária, cujas
escolhas devem se fundamentar no que projetamos para nós no futuro, não foge a esta
máxima: se não sabemos para onde ir, qualquer caminho serve. Sendo o lucro uma
consequência de tudo que envolve a dinâmica da empresa, focar somente nele é buscar
intencionar o mundo do trabalho de maneira mágica, pela própria emoção, como se o lucro
fosse atingido naturalmente, contando somente com a força do trabalho ou mesmo com a boa
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vontade de alguém assumir o controle em prol do mesmo. A presença da emoção na empresa
é percebida pelo clima organizacional que é permeado pelo mesmo afeto que a família
proprietária escolhe para lidar entre si, portanto, paradoxalmente, a cultura da empresa não
escapa da ideologia da fidelidade que os membros de uma família devem ter entre si. Assim,
através da má-fé, como uma forma de escapar da angústia da responsabilidade pelo
empreendimento para com a empresa como um todo, os proprietários não tinham uma
consciência reflexiva da maneira como escolhiam colocar seu projeto de lucro em prática. Na
maioria das vezes, delegando a responsabilidade da gestão da empresa a outro, para que assim
pudessem usufruir somente dos lucros e viver a liberdade ideológica do capitalismo, ou seja,
através da reciprocidade negativa, os funcionários deveriam fazer acontecer o projeto do lucro
dos proprietários. Embutido neste projeto também encontra-se a crença que fundamenta
muitas empresas familiares: a de conceberem os funcionários como membros da família,
imaginando que este único sentido dado seria o suficiente para que as ações destes últimos
estivessem já comprometidas com o projeto da própria família, assim como muitas famílias
acreditam que somente o laço de consaguinidade é o suficiente para que seus membros
abracem o mesmo projeto de seus progenitores. Sem o reconhecimento da alteridade,
podemos desejar que o outro passe a ser extensão nossa, anulando assim sua liberdade através
do controle, mesmo que de maneira afetiva, como percebemos também em várias maneiras de
se assediar moralmente. Diante tal realidade empresarial, nenhuma mudança significativa
poderia ocorrer sem antes os proprietários terem consciência reflexiva da maneira como
colocam em prática seus projetos para com a empresa. Se não concebem reflexivamente sua
parcela de responsabilidade na maneira de gerir a empresa, mantém a má-fé ao
responsabilizar o outro pelo sucesso ou fracasso de seus próprios projetos. Quaisquer
intervenções realizadas com os funcionários dependeriam dialeticamente das ações dos
proprietários, pois muitos projetos mesmo que compartilhados, nem sempre são assumidos
reflexivamente, ou seja, nem sempre a consciência do sujeito volta a si mesma, preferindo se
manter no mundo das coisas sem refletir sobre o pensamento mesmo, fazendo com que o
sujeito apreenda-se no auto-engano. Assim, estando com os proprietários o poder para
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viabilizar quaisquer mudanças vindas dos funcionários, e, acreditando que suas próprias
mudanças afetariam também a vida laboral de seus funcionários, optamos por realizar nossas
intervenções primeiramente com os proprietários, através de reuniões semanais, bem como
com intervenções pontuais diárias, quando percebidas ações baseadas na má-fé e no controle.
Pautamo-nos para tanto no método progressivo-regressivo de Sartre, que é composto por dois
momentos: o analítico-regressivo e o progressivo- sintático. O primeiro consiste na regressão
que o sujeito deve fazer em sua história para compreender o seu ser-no-mundo. O segundo
momento consiste num movimento do passado ao presente, numa tentativa de redescobrir o
presente que é elucidado pelo processo fenomenológico. Assim, buscamos ampliar a
consciência dos mesmos, a partir da compreensão de como significam suas próprias
experiências enquanto família, bem como profissionais da empresa. Utilizando-se também do
método comparativo, pudemos mostrar os nexos existentes entre as ações de cada um que
visam somente o lucro, ou seja, com o resultado final, e o não engajamento com a dinâmica
da empresa, as práxis nela construídas diariamente para que se obtenha este fim. Através
deste empreendimento, oportunizamos o revelar do Eu proprietário construído de maneira
alienada a um projeto imaginário e, contando com a disponibilidade dos mesmos em se
engajarem neste projeto, vimos oportunizando a reflexão crítica que constrói agora, um Eu
comprometido com a história da empresa e sua situação atual, não mais, de maneira
irreflexiva e no uso da má-fé, atribuindo aos outros a conquista de seus projetos. Temos a
oportunidade de presenciar ações mais éticas que respeitam os funcionários como pessoas
diferentes, mas que também concebem sua responsabilidade para com a empresa pela opção
de ali estarem. Encaminhamos o trabalho para a construção de uma reciprocidade positiva,
cujos projetos de ações na empresa partam da construção em conjunto, para que assim, todos
possam se reconhecer através das mesmas, dando sentido aos seus trabalhos e vislumbrando
uma concepção da empresa construída de maneira dialética, histórica e social. Finalizando,
também buscamos mostrar com este trabalho que o existencialismo pode fundamentar ações
do psicólogo no contexto do trabalho.
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SUBJETIVIDADE E TRABALHO: QUANDO O TRABALHO ADOECE
SIMÕES, F. I. W.;
Faculdade de Ciências e Letras de Assis da Universidade Estadual Paulista (UNESP)
[email protected]
INTRODUÇÃO
Este trabalho propõe relatar estudos provenientes de uma dissertação de
mestrado. O objetivo principal foi compreender a relação existente entre a constituição do
mundo psíquico do indivíduo, isto é, a formação da mente humana e a ocorrência de uma
doença decorrente de exercício profissional do trabalhador. A psicanálise e a psicossomática
psicanalítica constituíram-se como as principais referências teóricas desta dissertação. Para a
coleta de dados foi elaborado um roteiro semiestruturado de entrevista. O roteiro constituiu-se
da história de vida do indivíduo abrangendo não apenas o momento presente, mas também as
várias etapas de sua existência. Tais dados foram relacionados com a vivência profissional.
Como resultado deste estudo pôde-se observar que as experiências infantis e as relações que
se estabelecem no seio familiar são determinantes para a estruturação do psiquismo humano e
interferem na vivência profissional desses trabalhadores. Entretanto fatores relacionados ao
trabalho também contribuem decisivamente para o adoecimento do indivíduo no trabalho. O
participante do estudo que será relatado a seguir trata-se de uma pessoa com indicação de
doenças relacionadas com o trabalho, sendo do gênero masculino, divorciado, 36 anos,
residente em uma cidade do interior do estado de São Paulo. Quanto à formação escolar,
possui curso técnico de auxiliar de enfermagem e especialização em enfermagem do trabalho.
O critério de inclusão do participante foi definido em função de alguns aspectos, a saber: ser
portador de alguma doença relacionada ao trabalho; estar em acompanhamento médico e
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vinculado à Clínica de Medicina do Trabalho, ter sido indicado pelo médico do trabalho para
participar da pesquisa; concordar em participar da pesquisa, formalizando sua anuência
mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O nome do
entrevistado é fictício.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
A vida psíquica começa com uma experiência de fusão absoluta com a mãe.
O prolongamento imaginário dessa vivência representa não somente um papel essencial na
vida psíquica do recém-nascido, mas também irá reger o seu funcionamento somatopsíquico
como demonstra a psicanalista McDougall em seus estudos. Para o bebê, sua mãe e ele
constituem uma unidade indissolúvel e qualquer situação que coloque em risco esse laço
torna-se angustiante. Ele tenta, de todas as formas, impedir esse rompimento. No momento
em que ele chora e a sua cuidadora responde afetivamente, o seu sofrimento é modificado, seu
temor é apaziguado e a ilusão de fusão é recriada. Gradativamente, a criança consegue
perceber que, ambas, são seres separados, diferentes e que possuem vontades próprias. No
momento em que fica só, ou que alguma dificuldade emerge, ela tenta recriar a ilusão da
presença materna, apoiando-se nas representações inconscientes de seu psiquismo. Dessa
forma, consegue recriar um ambiente acolhedor e afetuoso baseado nas vivências anteriores
de ter sido cuidada e atendida por sua mãe. Esta presença materna pode ser substituída por um
objeto da realidade externa como um pano, uma pelúcia ou qualquer outro elemento que
represente o acolhimento e o aconchego da mãe. O fato dessa representação poder ser evocada
é essencial para a estruturação do psiquismo, pois permite à criança assumir por si só, as
funções maternas introjetadas, desde que as palavras da mãe sejam capazes de garantir
conforto. De acordo com a psicanalista acima referida qualquer fracasso nesse processo irá
comprometer a capacidade da criança de integrar e de reconhecer como seus o corpo, o
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pensamento e o afeto. Conforme nos mostra Dejours a criança é sensível ao sofrimento
psíquico dos seus pais com relação ao desempenho profissional. Dependendo de como os pais
vivem e processam essas experiências, a criança pode fundir-se à experiência da percepção
dessas vivências de angústia e ansiedade e registrá-la como sua. Um desses registros pode
conter a representação de que o trabalho pode ser fonte de ameaça e frustração, podendo ser
reeditado num momento em que haja situação de conflito e angústia na esfera profissional.
Na opinião de Melanie Klein a instância laborativa também pode ser o local em que as
relações primitivas do seio familiar entram em cena e a relação entre as figuras arcaicas
reaparecem com freqüência e que problemas não resolvidos na infância são revividos, ainda
que de maneira modificada. Assim, por exemplo, a atitude em relação a um subordinado ou a
um superior repete até certo ponto a relação com um irmão menor ou com um dos pais
quando uma pessoa está totalmente sob o domínio de situações e relações arcaicas, seu
julgamento sobre as pessoas e eventos está destinado a ser perturbado. Com base na
compreensão da referida autora, é possível atribuir ao trabalho uma nova dimensão: o trabalho
representa não apenas a execução de uma função, mas, ao se considerar a dimensão
emocional envolvida no desempenho desta atividade, ele passa a ter importância para a vida
emocional do indivíduo. Dessa forma, ocupa um espaço de destaque na vida e no psiquismo
do trabalhador. Situações da vida pregressa que não puderam ser vividas ou suficientemente
elaboradas poderão ser revividas no momento presente, quer seja no plano pessoal e social,
quer seja por meio das relações que se estabelecem no ambiente de trabalho. Dentro dessa
perspectiva, a organização interfere na saúde mental do indivíduo. Se a atividade profissional
ajuda a conferir sentido emocional à vida do ser humano pressupõe-se que haja, então, um
envolvimento afetivo inconsciente no desempenho de suas atribuições. Entretanto, há algumas
situações em que não é possível externar alguns sentimentos e o aparelho psíquico vê-se
impossibilitado de dar vazão pelas vias normais. Restam, então, as manifestações orgânicas
como forma de eliminar essa tensão. Nessas situações o indivíduo adoece por não ter
conseguido expressar através da linguagem verbal o seu sofrimento psíquico. O exercício
profissional, por vezes, pode ocasionar um desgaste à saúde mental e física do trabalhador e,
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em alguns casos, pode refletir no adoecimento corpóreo do indivíduo. Desde o nascimento, o
aparelho mental teve de desenvolver formas para aliviar a descarga da tensão e obter o
equilíbrio pulsional diante das situações de angústia e frustração do cotidiano. O problema
é que alguns indivíduos encontram na somatização a forma habitual de reação frente a todo e
qualquer evento que envolva um aumento de tensão psíquica. Evidentemente, cada ser
humano possui sua maneira de defender-se dos conflitos afetivos bem como tem um limiar
para suportar as tensões provenientes do mundo interno ou do externo. Algumas saídas
encontradas pelo aparelho psíquico podem ser saídas criativas, apesar do conflito; outras serão
soluções por via somática, uma vez que não foi possível elaborar mentalmente a vivência
conflitiva. É o sofrimento que não é possível nomear por meio da palavra ou, conforme define
McDougall, é o sofrimento sem palavras de forma que a expressão psicossomática do conflito
psíquico é o horizonte último desses atos que tomam o lugar do imaginário e da capacidade de
sentir; é a regressão mais profunda e primária do ser. O corpo se transforma em um campo de
batalha, como se a luta aí travada exigisse esse preço para ser ouvida. O corpo torna-se via de
expressão somática no instante em que essas experiências não puderam ser incluídas nas
cadeias simbólicas da linguagem. Dessa forma, os conceitos propostos pela autora acima
referida contribuem para a compreensão da constituição do psiquismo e do modo pelo qual as
pessoas acometidas por enfermidades orgânicas relacionam-se com o mundo externo e o
trabalho. Passaremos, então, à apresentação do material clínico.
APRESENTAÇÃO DO CASO CLÍNICO
IDENTIFICAÇÃO
Marcelo, 36 anos, separado, fez curso técnico de enfermagem com
especialização em enfermagem do trabalho. Estava havia dez anos na empresa quando foi
demitido. Seu trabalho era o de fazer curativos, ministrar medicamentos, aferir pressão arterial
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etc. Durante o exercício de sua função, caiu e fraturou a coluna com luxações em várias partes
do corpo. Desenvolveu alteração da pele conhecida por psoríase.
COMPORTAMENTOS NÃO VERBAIS
Marcelo atendeu às ligações da pesquisadora somente após a intervenção do
médico, solicitando a sua colaboração. Ele explicou, posteriormente, que o motivo pelo qual
não atendia às tentativas de contato era porque imaginou que pudesse ser algum ―espião‖ do
trabalho ou do INSS. Esclarecidos os objetivos da pesquisa, foi possível realizar as
entrevistas. É fácil notar, pela maneira arcada e lenta com que caminham, os problemas de
coluna que Marcelo adquiriu ao longo dos anos: as suas mãos estão sempre hermeticamente
fechadas com o objetivo de tentar esconder uma psoríase e evitar a repugnância, o nojo e
medo que as pessoas têm de serem contaminadas por ele. Sua fala pausada é acompanhada
por um olhar distante do foco; além disso, às vezes é interrompida por longos silêncios, como
se estivesse sozinho, refletindo sobre sua vida, submerso em seu próprio mundo. Mas, quando
sorri, estampa um largo sorriso que demonstra um bom humor, descontração e alegria de
viver incomum entre os demais participantes da pesquisa. Atribui o fato de lidar melhor com a
doença após ter passado por processo psicoterapêutico de aproximadamente três anos. Em
alguns momentos que falou sobre o relacionamento familiar, mais especificamente sobre sua
relação com o pai, emocionou-se bastante. Demonstrou grande alegria quando falou
abertamente sobre alguns sonhos que ainda deseja realizar.
LEMBRANÇAS DA ÉPOCA DA INFÂNCIA
É o primogênito de uma prole de três filhos. Conta que os pais eram
proprietários de um sítio, tocavam lavoura de café e ele precisava trabalhar porque tinha duas
irmãs de treze anos e era preciso ajudar na manutenção da casa. Marcelo compreende a
infância como um período da vida em que a criança deve brincar e divertir-se sem
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compromisso com o trabalho remunerado. Mas, para ele, a vida laborativa iniciou-se aos sete
anos acompanhando o seu pai na roça.―[...] se eu falar que eu brinquei quando criança é
mentira. Eu nunca brinquei. Não tive infância eu não sei o quê é isso.‖Sobre a imagem que
tem de seus pais, ele comenta: A minha mãe também não fazia nada, sempre tem aqueles
negócios de família, sempre tem aquele que puxa. A mãe puxava o saco da irmã e puxa até
hoje. Eu fui o Cristo sempre estive aqui, nunca deixei faltar nada pra eles [...] Meu pai [...]
acho que ele não gostava de mim, não sei se gostava. Só sei que não gosta. Hoje eu sei que
não gosta. O meu pai é osso duro de roer, mineiro meio ruim, ele fala que é pedra, é pedra e
acabou. Relata que começou a trabalhar ―como gente grande mesmo‖ aos sete anos de idade,
limpando tronco de café. Como queria estudar, tinha de andar quatro quilômetros para chegar
até a escola e, depois, mais quatro pra voltar. Quando cresceu mais um pouco, com onze anos,
queria cursar o ginásio. O seu pai foi contrário à idéia; então, ele acordava às quatro horas da
manhã, trabalhava o dia todo na roça, abanando café, e quando eram dezesseis horas,
interrompia o trabalho, voltava para casa e tinha que escolher entre comer ou tomar banho,
porque para fazer as duas coisas não havia tempo. Preferia tomar banho e, em seguida, a perua
passava para levar os estudantes até a cidade. Voltava da escola por volta de meia noite e ia
dormir sem jantar porque o cansaço era maior do que a fome. Seu pai nunca concordou com o
fato dele querer estudar, sempre dizia: ―estudar pra quê? Isso não vale de nada!‖. Quanto ao
pai, a imagem que tem dele é a de uma pessoa muito rude, ―o meu pai é osso duro, mineiro,
meio ruim, se ele fala que é pedra, é pedra e acabou‖; e, por isso, nunca conseguiu estabelecer
um bom relacionamento com ele. Acha que o seu pai nunca gostou dele: ―hoje sei que ele não
gosta‖. Marcelo diz que sempre fez de tudo para o pai, mas ele nunca disse ―obrigado‖.
Chegou até a dizer ao pai que queria pedir um exame de DNA para confirmar se era mesmo
seu filho, pois não conseguia acreditar como um pai poderia ser capaz de tratar um filho com
tanto desprezo. O entrevistado conta um episódio que ocorreu quando ele tinha cinco anos: ele
foi tentar cortar um pé de mandioca com um facão, errou e cortou a sua mão: [...] abriu a
minha mão e daí foram gastos mais ou menos uns quinze alqueires de mandioca para
consertar a minha mão. O pai ficou revoltado com os gastos. Os médicos acharam que eu ia
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ficar aleijado, mas ficou perfeito! Acho que o pai pegou mais raiva ainda de mim. Acho que
ele não gostava de mim. Eu até cheguei a falar isso prá ele, ele falou que era bobagem minha,
mas também não desmentiu.
CONTATO COM O TRABALHO E REPERCUSSÕES EM SUA VIDA PESSOAL E NO
TRABALHO
Começou a trabalhar aos cinco anos de idade na lavoura com o pai. Aos
dezenove anos mudou-se para a cidade de.... Fez o curso de Auxiliar de Enfermagem,
especializou-se em Enfermagem do Trabalho e ingressou na Empresa.... Foi demitido desta
empresa mesmo estando afastado para tratamento de saúde. Marcelo relata que sempre foi
muito saudável, praticava esportes, nadava com freqüência e aos trinta e cinco anos de idade
entrou para a empresa, aonde veio a adoecer. Exercia a função de auxiliar técnico de
enfermagem e trabalhava sozinho no laboratório. Neste setor desempenhava funções de
auxiliar de enfermagem, que consistiam em atender os acidentes de trabalho e realizar
curativos, fornecer e administrar aos funcionários as medicações prescritas pelo médico. Não
dava tempo para fazer as refeições e também não tinha ninguém para revezar nos turnos.
Abaixo transcrevemos a sua rotina: Eu trabalhava vinte e quatro horas por dia, entrava semana
e passava semana e eu tava lá, trabalhando sozinho. Não dava tempo pra comer. Tinha dia que
nem almoçava, porque chegava acidente e eu tinha que atender. Era uma média de dez a doze
suturas por dia. A empresa não tinha equipamentos adequados, então, o pessoal se machucava
muito. O encarregado geral dizia que eu tinha que ficar lá no laboratório porque não tinha
mais ninguém prá cuidar do setor. Ele também dizia que não tinha condições para contratar
mais funcionários. Então, com isso, eu passei a morar no serviço, né. Dormia encolhido nestas
banquetas que tem em consultório médico, de um metro e pouco, porque nem deitar na maca
podia. Eu morava na empresa. O pessoal que trazia roupa de casa e levava a suja pra mim. Eu
tomava banho sabe onde? Numa pia dessas de lavar feridas e machucados, e eu guardava as
minhas roupas em baixo da pia do laboratório porque não tinha lugar. A minha vida foi no
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laboratório durante um ano e meio. Depois arrumaram uma pessoa para me ajudar, mas ela
precisava sair mais cedo porque estudava. Então, eu ainda tinha que cobrir o horário dela, até
às 23 horas. A carga horária era grande, mas ainda era menos. Foi aí que a psoríase estourou.
Neste período, eles nunca forneceram luvas de procedimentos para lavar e fazer os curativos.
Era muita coisa, mas eu nem imaginava o quê estava por vir, foi onde me arrebentei. Certo
dia, passaram cera no piso e ele escorregou, caiu e feriu o ombro; como tinha muito serviço,
―deixou a coisa correr‖. Dois meses depois, caiu novamente e, a partir de então, começou a
ficar muito nervoso no trabalho, porque as dores o incomodavam e dificultavam a execução
de suas funções. Quando ele pôde ir ao médico e fazer alguns exames para investigar as
lesões, foi diagnosticado que havia uma cifose crônica, escoliose, lordose e a perda de
cinqüenta por cento do movimento do braço; o ombro direito caiu, o que o impossibilita de
mexê-lo; perdeu cinqüenta por cento dos movimentos do pescoço, o que o impede de virar
para os lados. Mesmo o ortopedista tendo indicado repouso, uso de aparelho e colete, ele
ainda continuou trabalhando durante dois meses, pois era um tipo de gesso que usava no
pescoço para imobilizar e manter a sustentação do corpo. Acabou por usar este aparelho no
período de setembro de 2000 até o final do ano de 2007. No final do ano de 2000, por não ter
mais condições de trabalhar, decidiu tirar licença médica para tratamento de saúde. Além
deste problema ortopédico, também adquiriu no trabalho um doença chamada psoríase. Na
verdade, Marcelo conta que fez a ocorrência de acidente de trabalho quando caiu e se
machucou, mas, a ―empresa‖ rasgou os papéis e não deixou que desse entrada no processo. O
médico do trabalho relatou o acontecido e solicitou cama para dormir e contratação de
funcionários, mas foi tudo negado pela empresa. Relata que, quando se afastou para
tratamento, começou a ter crises nervosas, tomava medicamentos para dormir e não dormia,
tinha problemas na coluna, pressão alta, psoríase e, para ajudar, uma depressão. Nesta época,
chegou a pesar cinqüenta quilos. Com todos esses problemas físicos e psicológicos teve de
ficar imobilizado numa cama e não podia mais morar sozinho, pois dependia totalmente dos
cuidados de outras pessoas. Como se isso não bastasse, passava por dificuldades financeiras.
Estava sem trabalhar, os tratamentos e os medicamentos eram muito caros; a solução
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encontrada foi a de vender a sua casa e voltar a morar com os pais para que tivesse como
custear os tratamentos e ter alguém que pudesse cuidar dele. Marcelo diz que a opinião da
empresa parece ser muito clara; desde o início, nunca aceitou ajudá-lo ou mesmo concordou
com o fato de que poderia haver uma parcela de responsabilidade dela sobre o seu
adoecimento. Quando caiu e fez a ocorrência de acidente de trabalho, não aceitaram e
rasgaram-na dentro da própria empresa; quando teve a psoríase, que é uma doença contraída
durante o exercício profissional, disseram que ele estava mentindo e que aquilo era uma
alergia qualquer. A princípio, o seu quadro foi diagnosticado como doença do trabalho e o
laudo final apontava para uma invalidez total. Eles demitiram o médico da empresa que
assinou o laudo. Contrataram outro médico que, por sua vez, não aceitou o laudo anterior,
alegando que o que ele tinha não era nada grave, e assim possibilitou a sua demissão, mesmo
estando doente. A empresa resolveu pagar uma perícia e foi confirmado o primeiro laudo de
invalidez total. Agora, o caso está na justiça, os advogados tentando provar o óbvio: ―eu tenho
três laudos atestando a mesma coisa e, além do mais, querem que a empresa pague uma
indenização pelo tempo de serviço que eu ainda teria se não tivesse adoecido‖. A empresa
continua alegando que o funcionário está mentindo, mesmo após o INSS ter concedido o
afastamento.
RELAÇÃO ENTRE A DOENÇA E ASPECTOS EMOCIONAIS
Apesar da sobrecarga de trabalho, Marcelo submetia-se ao regime
escravocrata ditado pela empresa motivado pela crença de que deveria provar ao seu pai que
não era vagabundo e que merecia o seu reconhecimento. Esclarece que a compreensão de sua
vida emocional só foi possível após um processo psicoterápico de mais de três anos. Só assim
pôde perceber que os seus sintomas e o envolvimento excessivo com o trabalho ocorriam por
falta de significação de seus conflitos internos. Dessa forma, o sofrimento patológico no
trabalho pode ser transformado em sofrimento criativo. Nesse sentido, foi possível articular a
sua história passada e a atual, estabelecer relações simbólicas e dar vazão à curiosidade
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infantil, o que é condição essencial para que o ser humano idealize sonhos, realize-os e
caminhe em direção a novos projetos de vida. Ao descrever os processos de trabalho na
empresa, ele relaciona o seu adoecimento a alguns fatores da empresa como a desvalorização
do funcionário e a competitividade entre eles, a sobrecarga de serviço, e também a alguns
fatores de sua constituição de personalidade e a sua história de vida, que foram fatores que
contribuíram para a falta de iniciativa para reagir à exploração que sofreu no trabalho. Em
relação à sobrecarga excessiva a que se submeteu no trabalho, acaba conseguindo no decorrer
das entrevistas se lembrar de uma conversa que teve com o seu pai, quando tinha mais ou
menos uns quinze anos.Ele diz que o que marcou muito foi o seu pai dizer: ―Você não tem
capacidade para nada! E ainda me chamar de vagabundo, sendo que eu trabalhava, estudava e
ajudava no sustento de casa, e daí eu pensava: Eu vou provar quem é vagabundo [choro]. Eu
acho que eu trabalhava 24 horas que era pra ele me reconhecer, fui tentar mostrar pra ele que
eu era trabalhador, mas ele nunca falou nada! No fim, eu só me arrebentei e ele não falava
nada que eu era trabalhador [risos]. Era pra ele falar: Você é meu filho e é trabalhador! Como
ele nunca se pronunciava eu trabalhava mais e mais até que eu conseguisse arrancar isto dele,
mas, eu nunca ouvi nada! Meu Deus! Ah! Sabe o que ele disse? Bem feito pra você! E ainda
falou: porque se matou? Pra quê trabalhar tanto? Que burrice, e ainda se machucou, ficou
rico? Quer dizer, acho que ele não mandou eu trabalhar tanto assim, senão ele não me diria
isso! Puxa, era coisa da minha cabeça! Sabe, a mãe falava: Pare com isso, vai descansar se
quiser te mandar embora, que mande, arruma outro serviço! E sabe o que eu respondia? Que
nada, vamo trabalhar! Aí, olha no que deu, que burrice! Na minha cabeça tava que eu não era,
mas que ele me chamava de vagabundo. Agora, ficou pior, se ele quiser me chamar de
vagabundo, pode chamar, que eu sô mesmo, estou sem trabalhar [risos]. E, o meu pai dizia
que quem ficava parado era vagabundo e que o trabalho engrandece a pessoa. Eu concordo,
mas acho que esse aí me destruiu! Eu tive que estourar para aprender. Hoje, eu digo que
aprendi muito nesses seis anos [choro] e não faria nada disso de novo, mas agora tem de
agüentar as conseqüências, a minha cabeça melhorou muito, mas, infelizmente, o corpo não
acompanha.
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SÍNTESE INTERPRETATIVA E DISCUSSÃO DE RESULTADOS
Marcelo estabelece uma relação entre o seu adoecimento no trabalho com
aspectos da constituição de seu psiquismo. Acha que se ―matou de trabalhar‖ para que tivesse
o reconhecimento de seu pai, entretanto, no decorrer das entrevistas, lança uma hipótese de
que as exigências de seu pai, ou o fato dele pensar que o filho era vagabundo, poderia ser
parte de suas fantasias. A obstinação em provar ao seu pai que esses pensamentos não eram
verdadeiros, não lhe permitiu sentir o cansaço físico e nem o limite de seu corpo. É como se
Marcelo tivesse encontrado no trabalho excessivo uma forma ―adicta‖ de dar vazão ao seu
desejo de ser reconhecido por seu pai. McDougall evidencia em seus estudos que pode haver
fatores etiológicos que determinam este tipo de comportamento. Em certas famílias,
preconiza-se um discurso de um ideal de inafetividade que despreza qualquer tipo de
experiência imaginativa. Quando há a ausência de sonhos e de fantasias, a pessoa passa a
vivenciar concretamente os seus pensamentos e, então, onde deveriam existir fantasias, há a
presença de reações somáticas ou sensações corpóreas, as quais seriam o equivalente do afeto.
Essas pessoas, segundo a referida autora, recorrem a mecanismos primitivos de defesa como a
clivagem e a identificação projetiva como forma de protegerem-se do sofrimento mental.
Dentro dessa perspectiva, o indivíduo, por não conseguir recalcar as representações mentais
ligadas a uma idéia ou à sua qualidade emocional, ou representá-la mentalmente, trata de
ejetar de sua consciência essa idéia e o afeto que a acompanha, conforme nos mostra Mello
Filho, pessoas que têm um mundo interno muito empobrecido, diante de situações de conflito
emocional, tendem a realizar grandes investimentos na realidade externa, de forma
compensatória, para aplacar a sua ansiedade. A dedicação desmedida a uma atividade
laborativa pode ser considerada como uma atividade compensatória, ou seja, estas
representações carregadas de afetos, que no momento ocupam o lugar de objeto interno, são
afastadas da mente e, como não encontram uma saída psíquica, têm de ser drenadas pela via
somática. No caso de Marcelo, prevalece a dissociação entre corpo e mente, entre psíquico e o
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somático; o psiquismo permanece desprovido de linguagem verbal. O corpo permanece então
como algo pertencente ao mundo externo. Neste caso, a pessoa não reconhece os sentimentos
que habitam o corpo por não conseguir unir o corpo e sua representação mental. Para o
referido autor, a imagem psicossomática desempenha um papel fundamental na constituição
da identidade do ego. A maneira como o ego vive o seu corpo pode fornecer-nos informações
importantes a respeito da relação que estabelece com o mundo. Há o risco de não conseguir
separar o eu e o outro, interior e exterior. Quando ele não acredita que o corpo lhe pertence e
que o habita, as relações que estabelecem com o outro podem ficar confusas e até mesmo
terrificantes. Marcelo torna-se insensível para a dor física e psíquica até o ponto de desabar a
sua unidade psicossomática e cair doente sem esperanças futuras de recuperação. A
psicanalista McDougall demonstra através de sua experiência clínica que
essa forma
particular de lidar com a sensibilidade corpórea, remonta à época das primeiras relações com
a figura materna. Logo ao nascer, a criança não consegue discriminar uma dor física de uma
psíquica. O bebê elege a mãe como figura de segurança por meio da maternagem despendida
a ele. A mãe pode gradativamente auxiliar a discriminar as sensações e as percepções que no
início de sua vida são assimiladas como assustadoras e perseguidoras. Esta figura desempenha
um papel decisivo na integração ou não da personalidade da criança. Marcelo mergulha no
trabalho como forma de proteger-se do surgimento de angústias primitivas. A falta de
vivências infantis, a dúvida quanto ao amor paterno e o desprezo da figura materna levam-no
a uma busca incessante por ser amado e reconhecido pelos outros. A identificação com uma
mãe frágil não permite que a criança exprima conteúdos muito carregados de afetos. Dessa
forma, a descarga destes conteúdos não pode ocorrer pelas vias normais do sonho e do
devaneio. Quando falham as funções oníricas, não é possível que a tensão seja eliminada
através da satisfação alucinatória. Para proteger o psiquismo da morte, ele evacua as tensões
sem palavras, através de sinais em seu corpo. Os dados das entrevistas mostram que ele ainda
permanece vinculado aos pais, apesar de ser uma relação repleta de mágoas e ressentimentos,
mas que, também, há espaço para a gratidão e o reconhecimento por tê-lo acolhido e cuidado
dele até hoje. Os dados provenientes das entrevistas realizadas com os participantes da
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pesquisa mostram que, nos casos de adoecimento no trabalho, havia, de forma geral, um
componente psíquico que favorecia o desenvolvimento de uma doença relacionada ao
trabalho. Entretanto, cabe assinalar que o modo de funcionamento da mente humana, além de
ser influenciado por fatores da história pessoal de cada indivíduo, também recebe
interferências de fatores ambientais, - especialmente dos aspectos relacionados ao ambiente
de trabalho; deixando os trabalhadores mais susceptíveis ao adoecimento orgânico.
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BURNOUT SOB A PERSPECTIVA DA TEORIA ANALÍTICA:
INTERFACES ENTRE A TEORIA JUNGUIANA E AS DOENÇAS RELACIONADAS
AO TRABALHO
PERES, S. L.;
GAZZOLA, R. A.;
Faculdade de Ciências da Saúde de Garça / Associação Cultural e Educacional de Garça
(FASU/ACEG)
[email protected]
INTRODUÇÃO
A Síndrome de Burnout integra a lista de transtornos mentais relacionados à
vida dos trabalhadores e das organizações públicas ou privadas, contudo, na maioria das vezes
é confundida com estresse ou outras doenças que impedem as atividades de trabalho. Neste
artigo a Síndrome de Burnout é abordada como uma ―deterioração psíquica‖ que se manifesta
em apatia, desesperança, baixa-auto-estima, insatisfação com a vida, depressão, ansiedade, e
outros fatores ligados à saúde mental. A Síndrome de Burnout tem sido observada como uma
doença endêmica entre os profissionais da saúde. Se apresenta como uma intensa exaustão
emocional, resultando em uma diminuição de sentimento da realização pessoal e
despersonalização do outro. ―Os transtornos leves indicam alguma afecção da estrutura de
vida psíquica do trabalhador, portanto, existem interrelações com sua vida social‖. A partir do
levantamento bibliográfico, o tema é abordado visando investigar a literatura em Psicologia,
em âmbito nacional, a fim de traçar panorama do que está sendo pesquisado e publicado na
área, verificando a existência de tendências e correlações atuais e possíveis entre os tipos
psicológicos e a identificação com os arquétipos que atuam sobre os indivíduos, propiciando
assim o surgimento da Síndrome. A gama de trabalhos que abordam o tema sob o ponto de
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vista da psicologia analítica é inexistente, ao menos no território nacional. Este aspecto por si
só justifica esta pesquisa, pois verifica-se que a Síndrome de Burnout está presente em todos
os ambientes de trabalho, incapacitando muitas pessoas não só no exercício profissional,
como também, para a vida em seu sentido mais amplo, e a abordagem analítica pode
contribuir no seu tratamento terapêutico. O artigo se propõe a oferecer elementos para a
compreensão e ferramentas para que o profissional da saúde, no caso, o psicólogo possa
contribuir para a promoção do bem-estar dos pacientes. A metodologia adotada neste estudo
foi somente a análise de textos. Várias publicações foram consultadas e procurou-se encontrar
uma maneira de sintetizá-los em um estudo que tivesse o caráter de objetividade, riqueza de
dados e que pudesse ampliar o tema em questão. O método utilizado para a coleta de dados
foi o levantamento bibliográfico, através busca eletrônica de artigos indexados nas bases de
dados de revistas especializadas, a partir das palavras-chave: burnout, psicologia junguiana,
estresse. Quanto ao tratamento dos dados levantados, foi realizada análise qualitativa,
agrupando-se as informações mais relevantes acerca dos artigos pesquisados, tais como: Os
profissionais de saúde e seu trabalho, Burnout: quando o trabalho ameaça o bem estar do
trabalhador, Entendendo os tipos psicológicos: Tipologia de C. G. Jung. Burnout: uma breve
revisão de literatura sobre o transtorno - Surgido no início da década dos anos 1970, o
conceito Burnout aparece nos Estados Unidos com o psiquiatra Herbert Freudenberger (19271999) em 1974, mas descrito pela psicóloga social estadunidense Christina Maslach, autora
do Maslach Burnout Inventory – Inventário de Análise Fatorial (MBI) que é aplicado em
trabalhadores para verificar a presença ou não da Síndrome de Burnout. ―O Burnout não é
uma síndrome clínica, e sim um diagnóstico de situação de trabalho‖. São acometidos os
profissionais ligados às áreas da saúde, educação e militar, ou seja, profissões que lidam
diretamente com pessoas, e cujo sucesso depende das mesmas. Etimologicamente Burnout
significa ―estar queimado‖. ―É uma desistência de quem não pode desistir‖. Trata-se do
sofrimento gerado quando há uma combinação dos seguintes fatores: vitória e frustração na
execução de um trabalho conforme seus projetos, desejos e esperanças pessoais, resultando
em ansiedade, melancolia, baixa auto-estima, sentimento de exaustão física e emocional, de
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impotência, inadequação e inutilidade para com o trabalho e a vida em geral, quer por fatores
do próprio indivíduo, como idade, sexo, instabilidade familiar, quer do ambiente de trabalho.
É comum a confusão entre Burnout e Estresse Laboral, contudo Burnout apresenta um quadro
mais grave, a ponto de levar o indivíduo a sua despersonalização. A diferença pode ser
verificada da seguinte maneira: Burnout: é uma defesa caracterizada pela desistência; as
emoções tornam-se embotadas; o principal dano é emocional; a exaustão afeta a motivação e
a iniciativa; produz desmoralização; pode ser melhor entendido como uma perda de ideais e
esperança; a depressão é causada pela mágoa engendrada pela perda de ideais e esperança;
produz uma sensação de abandono e desesperança; produz paranóia, despersonalização e
desligamento; não mata, mas pode fazer com que uma vida longa pareça não valer a pena ser
vivida. Estresse: caracteriza-se pelo super envolvimento; as emoções tornam-se hiperreativas; é físico; a exaustão afeta a energia física; produz desintegração; como uma perda de
combustível e energia; a depressão é causada pela necessidade do organismo de se proteger e
conservar energia; produz uma sensação de urgência e hiperatividade; produz desordens
associadas ao pânico, fobias e ansiedades; pode matar prematuramente, e o indivíduo não terá
tempo para concluir o que começou. Portanto, Burnout trata-se de uma dificuldade muito
intensa de se lidar com a afetividade pessoal relacionada com o ambiente social do trabalho,
isto é, com os demais colegas de trabalho, devido à dificuldade de atribuir uma significação
positiva às atividades laborais que executa junto a outras pessoas, especialmente porque, o
―resultado‖ do seu trabalho está nos outros, pois são eles que respondem pela sua qualidade,
porque eles recebem o investimento de uma grande energia pessoal e íntima destes
profissionais, devido ao sentimento de altruísmo idealista, e isto compromete não só a
produtividade, como também a qualidade do seu trabalho; e, ao avaliar os ―resultados‖
conclui-se desperdício de tempo, mas principalmente de afetos-subjetivos, pois não se verifica
dados animadores para o emprego desta energia, deixando como sintomas: ―exaustão
emocional, despersonalização e baixo rendimento pessoal no trabalho‖. A exaustão emocional
se dá quando o paciente percebe nele mesmo que não têm mais os recursos necessários, antes
disponíveis para oferecer ao público, antes sente um intenso cansaço, grande irritabilidade,
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forte propensão de sofrer acidentes, ansiedade generalizada, e o surgimento de doenças
psicossomáticas. ―Esse idealismo e sentimentos altruístas levam os profissionais a implicar-se
excessivamente nos problemas dos usuários e convertem em uma direção pessoal para
solução dos problemas. O próprio indivíduo tolera que se sinta culpado das falhas, tanto
próprias como alheias, o qual resultará em baixos sentimentos de realização pessoal no
trabalho‖. As condições de trabalho estimulam o trabalhador a elaborar estratégias para
responder às exigências físicas, cognitivas e psíquicas a que está submetido, e este é o fator
fundamental para o surgimento da Síndrome. O prazer no trabalho está diretamente associado
a valorização e reconhecimento da tarefa executada, se esta é considerada importante,
significativa para a organização e a sociedade em geral. Além disso, se o trabalhador
empregar a sua criatividade, e realizar a tarefa à sua maneira, isto o deixará orgulhoso e
despertará admiração de outras pessoas, dando-lhe, assim, prazer em sua execução. O
sofrimento é experimentado quando se atende padrões estabelecidos por terceiros;
subestimação das potencialidades do trabalhador; exigir obediência à hierarquia; cumprimento
de tarefas meramente burocráticas; ingerência de terceiros em suas atividades; falta de
participação nas decisões ou desprezo das sugestões; o não reconhecimento das tarefas
executadas; e a pequena expectativa de crescimento profissional. Quanto à despersonalização,
trata-se da fase de maior relevância, que é quando o paciente apresenta um total esfriamento
quanto à atividade que deve desenvolver junto aos outros, mas que os trata como meros
objetos, demonstrando-lhes atitudes negativas e insensíveis. É um estado psíquico em que
prevalece o cinismo ou a dissimulação afetiva, a crítica exacerbada de tudo e de todos os
demais e do meio ambiente. E, pelo fato de haver um baixo envolvimento pessoal com o
trabalho, seu rendimento é sensivelmente diminuído, causando assim uma avaliação baixa e
negativa de si mesmo. Tal quadro pode resultar em depressão, isto é, sensação de ausência de
prazer e alegria na vida de modo geral. Trata-se de uma ―sensação de estar ―acabado‖. Estes
fatores ―podem aparecer associados, mas são independentes‖. Os que sofrem de depressão
tem algumas vantagens sobre os que sofrem de Burnout: ―Comparados a indivíduos
deprimidos, os que têm Burnout: 1) apresentam mais vitalidade e são mais capazes de obter
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prazer nas atividades; 2) raramente apresentam perda de peso, retardo psicomotor ou ideação
suicida; 3) têm sentimentos de culpa mais realistas, se os têm; 4) atribuem sua indecisão e
inatividade à fadiga (e não à própria doença); e 5) apresentam mais frequentemente insônia
inicial, em vez de terminal (como na depressão)‖. ―Essa doença chega à raiz do sentido de
vida das pessoas, o trabalho acaba perdendo o sentido e o significado, chegando ao extremo
da exaustão, sobrecarga, desumanização e falta de prazer‖. ―Os trabalhadores sentem-se
descontentes consigo mesmos e insatisfeitos com seus resultados no trabalho‖. Portanto, tratase de um transtorno que provoca sérias consequências psicofisiológicas, que afeta diretamente
ao indivíduo, e à empresa em que trabalha. ―Os estudos sobre burnout evidenciam que a
pessoa afasta-se da realidade, obedece cegamente à burocracia e busca se tornar inconsciente
dos seus atos, atitudes, sentimentos, emoções, coisificando-se e desumanizando-se para não
sofrer. Acaba por responsabilizar os outros dos males sofridos e enfrentados na profissão, vê
tudo que é relacionado ao trabalho como negativo, desiste estando trabalhando; muitas
pessoas não sabem que tem essa doença‖. ―Burnout é um processo gradual, de uma
experiência subjetiva, envolve atitudes e sentimentos que acarretam problemas de ordem
prática e emocional ao trabalhador e à organização. Ocorre quando o lado humano do trabalho
não é considerado‖. ―Manifesta-se uma espécie de desencanto e cansaço que, frequentemente,
implicam situação de abandono e de desesperança, falta de expectativa no trabalho e maior
dificuldade no seu enfrentamento‖.
A TEORIA ANALÍTICA DE C. G. JUNG EM BUSCA DA COMPREENSÃO DA
SÍNDROME DE BURNOUT
Carl Gustav Jung (1875-1961) identificou, inicialmente, pelo menos dois
tipos de pessoas: extrovertidos e introvertidos. Jung parte da seguinte questão: ―será que
existem pelo menos dois tipos diferentes de pessoas, um dos quais se interessa mais pelo
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objeto e o outro por si mesmo?‖ Tanto extrovertidos quanto introvertidos podem desenvolver
o transtorno de Burnout. Os extrovertidos: ―Correm o risco de ser envolvidos demais pelo
mundo externo e suas exigências, ficando assim muito distantes de suas próprias necessidades
pessoais‖. E, os introvertidos: ―o foco de atenção é deslocado para o seu mundo interno de
impressões, emoções e pensamentos – os seus próprios processos internos‖. Como Burnout
surge e se desenvolve a partir do ambiente laboral: ―Nas organizações, a tipologia poderá
orientar a organização de grupos de trabalho, quanto ao tipo de tarefa a ser feita e quanto à
dinâmica do grupo em questão. A tipologia também é útil para identificar a origem de
conflitos em grupos de trabalho e oferece propostas para sua solução. Pode ser muito útil,
ainda, nos processos de desenvolvimento profissional, identificando capacidades a serem
trabalhadas e apoiando propostas de reorganização de funções e tarefas.‖ Além da tipologia
humana deve-se verificar a vivência arquetípica do paciente com Burnout. ―Os arquétipos são,
em si mesmos, irrepresentáveis. Seus efeitos, contudo, são discerníveis nas imagens e nos
motivos arquetípicos‖. O paciente com Burnout está sob a influência de vários arquétipos ao
mesmo tempo, como da Grande Mãe e Pai; Persona, Sombra, Anima e Animus, Herói e do
Self. O sofrimento de Burnout pode ser entendido quando há uma identificação com um
destes arquétipos, deixando o indivíduo sem iniciativa própria, mas se vendo obrigado a
cumprir exigências do cargo que desempenha que há muito perdeu significado para ele. ―O eu
só conserva sua independência se não se identificar com um dos opostos mas conseguir
manter o meio-termo entre eles‖. ―A identificação pode ser benéfica, na medida em que o
indivíduo não pode seguir seu próprio caminho. Quando, porém, uma oportunidade melhor se
apresenta, a identificação mostra seu caráter mórbido, tornando-se um impedimento tão
grande quanto antes fora um auxílio e um apoio inconscientes. Seu efeito passa a ser
dissociativo, cindindo o indivíduo em duas personalidades mutuamente desconhecidas‖. A
psicologia junguiana se ocupará do fenômeno da identificação, contribuindo para que o
paciente realize e mantenha um processo de diferenciação da sua pessoa com suas atribuições
profissionais, que o levará ao propósito final da terapia junguiana, a saber, a individuação. ―A
diferenciação é tanto um processo natural de crescimento como um empenho psicológico
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consciente [...] A individuação é um processo que exige uma diferenciação; uma pessoa
dependente de suas projeções tem pouca ou nenhuma ideia daquilo que ela é ou de quem ela
é‖. Neste sentido justifica-se que o sofrimento no trabalho pode ser um ―elemento para a
normalidade [...] quando existe um compromisso entre o sofrimento e a luta individual e
coletiva contra ele, sendo o saudável não uma adaptação, mas o enfrentamento das imposições
e pressões do trabalho que causa uma desestabilidade psicológica, tendo lugar o prazer
quando esse sofrimento pode ser transformado‖.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os profissionais que lidam diretamente com pessoas estão mais sujeitos à
Síndrome de Burnout, especialmente aqueles que se envolvem a partir de um ideal altruísta,
pois quando se avalia os resultados de seu empreendimento pode se verificar um baixo
rendimento, comprometendo assim o sentimento de realização pessoal no trabalho, associado
à queixa de natureza somática. A falta de prazer nas atividades profissionais pode levar o
indivíduo a perder o sentido da sua própria vida, chegando a se ―coisificar‖, com o propósito
de não sofrer, bem como a vida das pessoas com quem trabalha, ou presta algum trabalho. A
terapia junguiana pode contribuir para que o indivíduo se conscientize de seu tipo psicológico,
introvertido ou extrovertido, e busque um lugar mais apropriado no local de trabalho, para que
possa se sentir pessoalmente realizado. Além disso, é necessário que mantenha a sua própria
identidade como pessoa, sem se identificar com a sua tarefa laboral, procurando ―manter o
meio-termo‖, se diferenciando de suas atividades profissionais, livrando-se da identificação
com algum arquétipo.
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OS DESAFIOS DA REINSERÇÃO LABORAL DOS AFASTADOS POR
TRANSTORNOS MENTAIS E COMPORTAMENTAIS
ALEVATO, H.;
Escola de Engenharia da Universidade Federal Fluminense (UFF)
[email protected]
INTRODUÇÃO
As doenças e mortes provocadas pelo trabalho representam, sem dúvida, um
alto custo pessoal, familiar, empresarial e social. Segundo o Ministério da Previdência Social,
só em 2009 foram registrados mais de 720.000 acidentes de trabalho no Brasil, sem
contabilizar as ocorrências vividas por profissionais autônomos, empregadas domésticas e
muitas outras situações nas quais a notificação não é praticada. Desse total, mais de 320.000
acidentes levaram os trabalhadores a mais de 15 dias de afastamento. No Brasil, morre um
trabalhador a cada 3 horas e meia, em média. Em termos de gastos públicos, tal cenário de
mortes e acidentes de trabalho representa uma despesa de mais de 1 bilhão de reais por
semana, considerando apenas os custos financeiros e oficiais. Dentre os 3 códigos da CID-10
mais prevalentes nas estatísticas da Previdência Social na última década – seja em relação a
auxílios-doença acidentários, seja previdenciários – estão as lesões (traumatismos,
queimaduras, intoxicações etc.), os transtornos osteomusculares e os transtornos mentais e
comportamentais. O trato com a vida humana no trabalho traz, porém, inúmeras
peculiaridades a considerar. Uma das mais relevantes é o fato de que um ser humano não é
um somatório de partes independentes e, ainda que único, é inerentemente social. Um
operário que tem sua mão amputada por uma máquina, por exemplo, não perde apenas aquela
parte de seu corpo: perde funcionalidades, perde habilidades, tem sua imagem corporal
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afetada, vive o desafio de redesenhar sua autoestima e enfrentar muitas outras perdas e
exigências emocionais. Além disso, não é apenas a ele que a amputação atinge: sua família é
chamada a se reorganizar diante da nova realidade, sua capacidade laboral é alterada; os
colegas de trabalho também precisam se adaptar à sua falta e continuar a lidar com a mesma
máquina que mutilou seu companheiro, muitas vezes representando uma revivescência
duradoura e de grande impacto para o grupo. Por outro lado, o operário ferido pela máquina
frequentemente não é vítima de sua inabilidade ou falta de treinamento, ainda que essas
sejam os focos prevalentes nos programas de prevenção de acidentes. No âmbito da pesquisa
que serve de referência para este texto, ao entrevistar trabalhadores acidentados é comum
encontrar pessoas experientes que não conseguem explicar o instante do acidente que
viveram. Alguns relatam distração por alguma circunstância no ambiente de trabalho, outros
falam de preocupações relativas ao desemprego iminente ou pressões por resultados de
desempenho além de suas forças. Há também aqueles que citam o consumo de analgésicos
durante a noite para aplacar uma dor de dentes insuportável. Neste sentido, é interessante
fazer um parêntese para ressaltar que acidentado – ou não – o trabalhador brasileiro é um
trabalhador sem boca, já que a Odontologia do Trabalho ainda não é uma realidade nas
empresas e organizações, nem as patologias da cavidade bucal e estruturas adjacentes
(doenças periodontais, lesões da mucosa oral etc.) aparecem nas estatísticas, a despeito de já
terem seus quadros estabelecidos em relação aos riscos da atividade laboral. A partir do
simples exemplo citado acima – do trabalhador amputado na operação de uma máquina –,
portanto, é possível observar que o trato com a saúde e segurança no trabalho não é uma
questão que se preste a análises e propostas simplistas. Saúde e segurança no trabalho envolve
a complexidade do humano em totalidade, além de trazer imbricadas as múltiplas
determinações associadas à vida laboral do sujeito. Perceber o trabalho como função
psicológica e a função psicológica do trabalho é considerar também o que acontece depois do
acidente ou do afastamento por doença do trabalho. Nesse sentido, um breve levantamento
desenvolvido pela equipe de pesquisa mostra que a temática da reinserção laboral – em
especial no que se refere aos afastamentos para tratamento médico psiquiátrico – ainda está
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insuficientemente abordada pela literatura científica mais qualificada, segundo os critérios
Qualis/CAPES. O presente material se destina, então, a contribuir para as discussões relativas
ao aprimoramento dos processos de reinserção laboral, a partir de um resumo dos resultados
de uma das fases da pesquisa desenvolvida pela equipe do Núcleo de Educação e Saúde no
Trabalho, da Universidade Federal Fluminense. O objetivo dessa fase foi analisar as
peculiaridades dos aspectos subjetivos e organizacionais associados ao processo de reinserção
laboral de profissionais afastados por transtornos mentais e comportamentais (CID-10,
Capítulo V).
METODOLOGIA
A metodologia empregada no estudo obedeceu a uma abordagem de
natureza compreensiva, desenvolvida a partir de entrevistas semiabertas com 5
administradores (gerentes, supervisores e afins) com experiência neste tipo de reinserção e
relatos de vida de 5 profissionais com histórico de afastamento pela psiquiatria. O material
coletado nas entrevistas e nos relatos recebeu tratamento qualitativo, com apoio da análise de
discursos, conforme a escola francesa.
RESULTADOS
Os resultados, portanto, não permitem qualquer generalização, mas servem
de apoio para os programas e projetos voltados a tal situação de reinserção, chamando atenção
para especificidades e idiossincrasias que podem não apenas levar as iniciativas ao fracasso,
como também provocar o agravamento das situações geradoras da doença. O levantamento da
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literatura científica aponta para o fato de que o processo de reinserção laboral é atravessado
por muitas variáveis: tempo de afastamento, natureza da atividade, cargo ocupado,
relacionamento interpessoal, modelos de gestão de pessoas e outras, mas, de um modo muito
destacado, aparece a especialidade médica associada ao diagnóstico que justificou o
afastamento e o momento de retornar. No que tange a esta variável, há também características
que diferenciam o trato com a situação de afastamento implicando em formas bem ou mal
sucedidas de favorecer a reinserção laboral. Como exemplo é possível destacar questões
como: a pessoa que está sendo afastada foi vítima de assalto ou situação muito traumatizante?
A pessoa que está sendo afastada apresenta alguma patologia que dificulte o trato com os
colegas e as situações do dia a dia? Os motivos do afastamento são depressão, pânico ou
outras manifestações cujo diagnóstico inclua aspectos confundidos com preguiça, desinteresse
ou má vontade, pelo senso comum? As perguntas poderiam continuar a ser formuladas mas,
por trás de todas, estão alguns pontos comuns, que se sintetizam na fala de um dos
administradores entrevistados: “-Esse negócio de transtorno mental é muito complicado. Se o
cara chega pro psiquiatra e faz um showzinho, lá vem cheio de si, dizendo que tem síndrome
do pânico, que tá na moda.Prova que tem! Quero ver se não é encenação! Pânico tenho eu,
só de pensar como vou lidar com esse monte de doido que anda por aí!” Muitas expressões e
palavras chamam atenção nessa frase, dentre as quais é possível destacar: a associação entre
simulação e sofrimento psíquico; a fragilidade dos diagnósticos disponíveis, em meio a uma
sociedade invadida por uma profusão de exames complementares que parecem substituir a
relação médico/paciente; a desconfiança generalizada,diante de um cenário de transição moral
e ética que expõe atitudes questionáveis e decisões baseadas mais no bom individual do que
no bem comum; a polissemia do termo ―pânico‖, usado pelo senso comum como uma
sensação de insegurança passageira diante de um desafio, muito diferente do sentido oferecido
pela clínica psiquiátrica. Outro aspecto a refletir é o fato que aqueles afastamentos
determinados pelo contato com agentes químicos sem a devida proteção por EPI
(equipamentos de proteção individual) e/ou equipamentos coletivos (o delirium provocado
pela exposição ao benzeno, por exemplo), ou por circunstâncias que extrapolam o ambiente
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de trabalho (formas mais convencionais de esquizofrenia e/ou diagnósticos estruturais e/ou
genéticos, por exemplo), tendem a ser recebidas pelos companheiros e administradores de
modo diferenciado daquelas circunstâncias nas quais as evidências dos fatores etiológicos
não podem ser determinadas com a mesma objetividade Nesse caso, conforme explica um dos
trabalhadores que relataram suas histórias de vida nessa pesquisa, a relação com o ambiente
de trabalho é muito diferenciada: “-Eu comecei a sentir umas fraquezas estranhas, as pernas
ficavam moles, um cansaço danado, eu não conseguia me controlar, eu dizia umas bobagens,
sei lá, era muito estranho. Aí fui a um médico da empresa que me disse que eu devia ter uma
tal neuropatia, mas não me deu nenhum remédio. Eu perguntei por que eu sentia aquilo e ele
disse que desconfiava de uma neuropatia, mas que tinha que ter mais dados para saber. Me
deu uns dias para ficar em casa, mas até em casa tudo doía. Ora! Tudo doía, para que ficar
em casa? Era uma coisa muito doida também o jeito que os colegas falavam comigo. Eu
estava sempre mal humorado, não conseguia ver graça em nada. Até minha mãe me olhava
assustada. O que ele queria dizer com ter mais dados? Sei lá! Eu tenho 37 anos hoje, então
eu comecei a ser assim com uns 33, depois que fui trabalhar lá. Nunca senti nada, aí comecei
a desconfiar que tinha alguma coisa lá e fui pra outro médico que prestou mais atenção no
que eu falava, eu acho.” O depoimento deste profissional aponta para muitas outras questões
envolvidas quando o tema é a saúde e segurança no trabalho em sua relação com os
transtornos mentais e comportamentais. Dentre elas, é importante destacar a fragilidade dos
exames médico-ocupacionais quando não consideram o ambiente de trabalho, mas apenas o
homem que se apresenta à avaliação. A formação do médico do trabalho, bem como suas
práticas e as circunstâncias sob as quais atua – ainda que não sejam tema deste texto –
aparecem nesse depoimento como centrais para o diagnóstico oferecido. É possível admitir
que sabendo que o profissional estava exposto ao benzeno e sob quais condições atuava – se
tais dados fossem adequadamente aproveitados na avaliação das queixas do entrevistado – o
tratamento poderia ter sido iniciado mais prontamente, talvez evitando o agravamento da
situação e o prolongamento do afastamento por doença. Ao mesmo tempo, com um
diagnóstico mais bem fundamentado, também poderiam ser tomadas iniciativas de proteção
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aos trabalhadores expostos, evitando que novos casos – novas situações de adoecimento e
sofrimento – se instalassem ou agravassem. Em termos de reinserção, em casos semelhantes a
este, a despeito da desconfiança gerada por uma sintomatologia assemelhada à preguiça e/ou
ao descompromisso, a possibilidade de estabelecimento da relação entre o risco químico e as
manifestações tende a favorecer o acolhimento ao retorno do adoentado. De um modo geral,
quando pode ser determinada uma causa externa ao trabalhador – seja epidemiologicamente,
seja culturalmente (caso das reações a assaltos, por exemplo) – a tendência do grupo de
companheiros é de caminhar pelo viés da solidariedade, ainda que os sintomas possam ser
confundidos com a preguiça, a esperteza (vantagem pessoal advinda do afastamento do
trabalho) e o descaso ou desinteresse. Casos como esses – acidentes e doenças diagnosticados
pela psiquiatria, mas associados a situações e causas bem circunscritas e fora dos sujeitos
adoecidos – no entanto, não estão completamente livres de dificuldades de acolhimento pelo
grupo de companheiros, na ocasião da reinserção. É o caso de uma das profissionais que
ofereceram suas histórias de vida para análise por esta pesquisa. Ela explica: “- Quando eu
saí de licença depois do assalto todo mundo ligava pra mim e me dava a maior força. Todo
dia tinha alguém querendo notícias e tal. Só que depois que o médico acertou a tal dose do
remédio e eu comecei a reagir ao meu problema depois do assalto lá do banco, começaram
as cobranças. Era um tal de „você volta quando?‟ e „que vida boa, doença legal a sua,
moleza, né?‟, „também quero ser assaltado pra ficar em casa como você‟.Acho que eles
estavam cansados de fazer o meu trabalho e o deles, deve ser isso... Eu me sentia forçada a
voltar, mas só de pensar naquela arma apontada pra mim, o cara parecia drogado, acho que
eu era transparente para ele... só de pensar nisso eu não dormia mais, chorava a noite toda e
o médico aumentava a dose do remédio de novo... Não acabava nunca!”. Conforme o relato
aponta, a causa do afastamento sendo conhecida, configura-se entre os colegas de trabalho um
período de tolerância à ausência da companheira, mas logo a dificuldade de encontrar um
ponto de ―cura‖ começa a afetar os demais, sobrecarregando-os e levando-os à cobrança pelo
retorno. No entanto, um dos elementos mais relevantes em relação aos afastamentos por
―transtornos mentais e comportamentais‖, diferentemente de outras categorias de afastamento,
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está no desenvolvimento do processo de recuperação dos sujeitos adoentados. De um modo
geral, as dosagens medicamentosas precisam ser personalizadas e ajustadas a cada situação
particular, demandando um tempo relativamente mais longo do que aquele estabelecido para o
controle sintomatológico em outros cenários de adoecimento. Um de nossos administradores
entrevistados nos permite compreender um pouco melhor tais situações: ―-Tive um camarada
afastado do grupo por depressão que não ficava bom para voltar ao trabalho nunca. Eu não
sabia mais o que fazer porque não podia contratar outro e, ao mesmo tempo, o cara não
voltava. Todo mundo reclamava que o trabalho estava pesado porque o fulano fazia falta. Até
que um dia, um grupo viu que ele estava tomando um refrigerante na maior tranquilidade no
bar da quadra da praia. Chegaram aqui revoltados!‟O cara pode ficar lá no bem-bom e nós
aqui segurando as barras todas. Também quero ficar doente assim!‟‖ Neste recorte, é
possível reconhecer uma das diferenças mais relevantes entre os afastamentos por transtornos
mentais e comportamentais e os afastamentos originados em outros códigos da CID. Em
alguns casos, o processo de recuperação de uma pessoa afastada por depressão inclui uma
espécie de ―exercício de enfrentamento de lugares públicos‖. Não é raro encontrar
recomendações médicas indicando que o paciente deva buscar sua recuperação enfrentando
situações abertas, em geral representativas da superação das ameaças mais invisíveis. A
sugestão pelo refrigerante no bar pode ter um cunho terapêutico, apresentado pelo médico
apenas após os primeiros sinais de recuperação, já que enfrentar situações antes de dispor de
ferramentas para superá-las é apenas agravar a situação patológica original. Dizendo de outra
maneira, encontrar um colega com a perna engessada tomando um refrigerante num bar tem
um efeito sobre as concepções de saúde/doença dos companheiros de trabalho diferente
daquele provocado por um profissional afastado pela psiquiatria. Ainda que para este último a
ida ao bar seja bem mais difícil e terapêutica do que para o colega com a perna engessada,
para aqueles que não compreendem bem o processo de adoecimento de natureza mental ou
comportamental, a cena do bar guarda aspectos bastante incômodos. Nesse sentido, a fala
(acima) do administrador entrevistado também chama atenção para a interferência de suas
competências profissionais e dos aspectos relativos à organização do trabalho no
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encaminhamento bem sucedido das questões pertinentes à saúde e segurança. A tal cenário
acrescem-se as concepções de ―normalidade‖ fundadas em médias e na naturalização do
modo humano de ser. Tais concepções tendem a alimentar a idéia de ―perfis‖ profissionais,
popularizadas na década de 50 do século XX, e influentes até o presente nos discursos
corporativos. Bom exemplo do que está sendo dito é encontrado no trecho da entrevista com
um dos administradores contatados pela equipe de pesquisa: “-Quando eu olho o que está
acontecendo hoje eu fico pensando se ninguém sofria antigamente. Hoje é um tal de faltar ao
trabalho porque está com dor de cabeça, está deprimido, está com TPM e sei lá mais o quê..
Toda hora sei de alguém que ameaça com um processo porque o chefe disse isso ou disse
aquilo que eu não sei onde vai parar. Esses caras hoje não querem é nada. Depois voltam de
uma licença médica que ninguém explica direito e querem que a equipe apóie. Não acho que
tem que apoiar não. Não faço força nenhuma. O cara que foge quando o bicho pega não
pode achar que os outros são otários e ficam aqui trabalhando para ele voltar com tudo
organizadinho. Não tem nada organizadinho se você não se esforçar”.Neste trecho, chama
atenção, além de outros pontos, a dificuldade de lidar com a reinserção dos afastados não
apenas da perspectiva de quem retorna, mas também daqueles que o receberão e da situação
de trabalho ligada ao afastamento. Ou seja, se é possível imaginar que alguém acidentado por
um equipamento mal utilizado ou por uma falha na segurança proporcionada pela empresa ao
retornar de seu afastamento não se exporá novamente às mesmas circunstâncias – seja porque
a empresa implementou medidas de segurança, seja porque o acidentado se recolocou em
relação à situação vivida – no caso dos transtornos mentais e comportamentais é bem
diferente. Geralmente o trabalhador afastado enfrenta, no retorno, as mesmas circunstâncias
que o afastaram, não raro agravadas, especialmente se aquilo que originou seu adoecimento
está ligado à organização do trabalho. Em relação aos transtornos mentais e comportamentais
é preciso não esquecer que contrariamente a outros riscos e ameaças – um tijolo caindo na
construção civil ou a qualidade do EPI disponível para o manuseio de material biológico, por
exemplo –, os adoecimentos psíquicos, mentais e comportamentais não dependem de um EPI
ou de algo externo aos sujeitos para serem prevenidos e/ou controlados, à exceção de algumas
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situações muito específicas relacionadas ao trato com alguns elementos químicos. Não há EPI
que proteja contra uma distribuição equivocada da carga de trabalho, das ameaças de
desemprego, dos assaltos e/ou de pressões originadas no fracasso diante de metas impostas
arbitrariamente. As conclusões deste estudo permitem afirmar – provisoriamente, de modo
não generalizável – que as formas mais presentes de reinserção a partir do afastamento por
transtornos mentais e comportamentais na atualidade – depressões, transtornos de estresse
pós-traumático, transtornos de ansiedade generalizada, pânico e outras – além daquelas
situações nas quais a situação psíquica e mental é co-responsável pelo sofrimento, pelos
acidentes e pelo adoecimento no trabalho, representam os maiores desafios à reinserção
laboral dos profissionais atendidos pela Previdência Social. As análises dos discursos
coletados por esta pesquisa e das histórias de vida registradas apontam para dois núcleos
principais e diferenciados de tradução da relação entre os afastamentos por transtornos
mentais e comportamentais e a reinserção laboral: um destes núcleos gira em torno dos
conceitos de pena, compaixão e conformação por parte do grupo que recebe o trabalhador
reinserido; o outro, em torno dos conceitos de desconfiança, preconceito e rejeição em relação
ao trabalhador que volta. Em ambos, a força do medo permeia as concepções: numa, diante do
―não sei o que fazer‖; na outra, diante do ―tudo é possível, não sei em que acreditar‖, forte
elemento integrante de insegurança. Em síntese, dentre as características de tais desafios, é
possível destacar: o cenário político-econômico da sociedade do trabalho nos dias atuais; a
presença de preconceitos e suposições fundadas no senso comum nas decisões e iniciativas de
projetos e programas de reinserção laboral; a fragilidade conceitual e técnica dos
administradores diante dos atuais cenários de adoecimento no trabalho; a fragilidade da
atuação das equipes focadas em saúde e segurança no trabalho (médicos, engenheiros e
outros) no que diz respeito à administração do cotidiano da reinserção; a complexidade dos
tratamentos associados às manifestações de transtornos mentais e comportamentais; a carga
de preconceitos, medos e outras manifestações sociais da relação com a saúde mental e seus
parâmetros de normalidade. Finalizando, é preciso não esquecer que tanto em relação às
causas de afastamento por fatores físicos, químicos ou biológicos, quanto em relação àqueles
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fatores socioambientais capazes de atingir a saúde mental e comportamental dos
trabalhadores, a reinserção implica em controle das ameaças. Para tanto, é indispensável
considerar que o sujeito que trabalha é um todo e que ao retornar ao ambiente que o adoeceu
ele depende das transformações deste ambiente para não adoecer novamente.
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DA IN(TER)VENÇÃO À IN(VES)TIGAÇÃO: CONSIDERAÇÕES DE UMA
EXPERIÊNCIA COM TRABALHADORES AFASTADOS POR LER/DORT NO
INTERIOR DO RIO GRANDE DO SUL/RS
LOPES, C. S.;
MENDES, J. M. R.;
Núcleo de Estudos e Pesquisa em Saúde e Trabalho (NEST) da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS)
[email protected]
INTRODUÇÃO
No atual contexto mundial, permeado pelo avanço tecnológico e pelas
constantes modificações estruturais que atravessam o mundo de trabalho, são significativas as
repercussões na ocorrência de patologias e acidentes de trabalho que acometem inúmeros
trabalhadores.
As condições desta nova ordem têm determinado transformações na vida
das populações, com reflexos nos níveis de emprego e de saúde dos trabalhadores em
particular. Nesse âmbito, o trabalhador tende a se equilibrar ao fio da navalha para adaptar-se
física e mentalmente às exigências produtivas cada vez maiores.
No Brasil, as Lesões por Esforços Repetitivos (LER) ou Doenças
Osteomusculares Relacionadas ao Trabalho (DORT), tem se colocado como tema atual e de
mobilização progressiva na medida em que se apresentam como uma das principais causas de
afastamento no trabalho e de aposentadorias precoces, ocasionando um forte impacto nas
contas da Previdência.
Partindo do reconhecimento da LER/DORT, surge uma vasta revisão
bibliográfica que aponta para uma maior amplitude e complexidade que esta veio assumindo
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nas últimas décadas em nossa sociedade. Entretanto, o curso da magnitude epidemiológica
que envolve a LER/DORT, só será compreendida, a partir do momento em que partirmos
diretamente da realidade, da percepção e possibilidade dos trabalhadores envolvidos neste
processo.
Face essa polêmica, em Santa Cruz do Sul /Rio Grande do Sul (RS), o
Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias do Fumo e da Alimentação (STIFA) em parceria
com a Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC) através da formação do grupo:
LER/DORT: O que eu faço agora?, têm buscado viabilizar um espaço de reflexão e ação aos
trabalhadores afastados do trabalho, colocando em evidência o sofrimento produzido pela
LER/DORT. Destas práticas, têm se encontrado uma sistematização de idéias inovadoras que
articuladas têm contribuído para o esclarecimento dos processos saúde/doença.
Neste ínterim, com o objetivo de garantir um espaço onde se possam
produzir estratégias de ação na área de saúde do trabalhador, o presente trabalho tem como
proposta apresentar algumas problematizações realizadas junto a esta organização sindical,
partindo diretamente da organização do grupo de trabalhadores afastados do trabalho por
LER/DORT. Acredita-se que a intervenção junto a esses trabalhadores transcende a
intervenção individual, curativa ou terapêutica, exigindo ações voltadas tanto para a
organização do trabalho fabril quanto para as políticas de saúde do trabalhador e seus
serviços, na medida em que possibilita que os mesmos se reconheçam como trabalhadores
capazes de refletirem sobre a realidade social em que se encontram.
Com o intuito de ressaltar o contexto dessa temática contemporânea,
entende-se que o diferencial e a contribuição deste estudo deslocam-se no sentido de dar uma
maior visibilidade da situação de vida e de trabalho, em um local geograficamente distante de
expressivos espaços de articulação e de discussão dos atores nela envolvidos.
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METODOLOGIA
O universo deste estudo contou com a participação do grupo: LER/DORT:
O que eu faço agora? constituído ao longo do 1º (primeiro) e do 2º (segundo) semestre do ano
de 2005, envolvendo em torno de 15 (quinze) trabalhadores afastados do trabalho em
decorrência da LER/DORT. No total, foram 12 (doze) encontros, com duração aproximada de
01 (uma) hora e 30 (trinta) minutos, de periodicidade quinzenal, conduzidos na sede do
STIFA por estudantes do curso de psicologia da UNISC.
Durante os encontros, buscou-se refletir sobre o adoecimento a partir das
relações produzidas no campo do trabalho e o papel de cada trabalhador frente a ações
coletivas no combate a LER/DORT. Deste modo, para a exploração da realidade empírica,
percebeu-se a necessidade de conduzir este estudo numa perspectiva metodológica que
ressaltasse sua dimensão qualitativa, de modo a compreender os significados atribuídos ao
adoecimento por LER/DORT por este grupo de trabalhadores.
Partindo da narrativa do grupo de trabalhadores, foi adotado como técnica
de tratamento de dados, a análise de conteúdo, numa perspectiva mais aproximada de um
estudo crítico. Este método busca obter de forma sistemática, informações que permitam a
realização de inferências acerca do objeto de estudo. Com efeito, sua notabilidade foi
justificada no momento em que foi possível organizar informações que antes se encontravam
dispersas no grupo, conferindo-lhe uma nova importância como fonte da pesquisa.
RESULTADOS
Os dados obtidos através da análise de conteúdo foram capazes de
evidenciar algumas questões norteadoras sobre os efeitos da LER/DORT na vida deste grupo
de trabalhadores no interior do RS, a saber:
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a) insatisfação com a organização do trabalho: a insatisfação e o
sentimento de descaso das empresas com relação à saúde do trabalhador
tornam-se evidente, na medida em que esta não reconhece o nexo-causal da
doença com as relações de trabalho. “O funcionário só é bom quando está
apto ao trabalho, quando este não consegue mais trabalhar, ele se torna um
Zé Ninguém”. ―Depois que eu me afastei do trabalho, a firma nunca mais
quis saber como eu estava, nem um telefonema me deram. Mas quando eu
era bom, eles se lembravam de mim”. “Se não fosse o sindicato, eu nem
saberia que eu tinha direito a uma CAT, ia ir para a rua sem direito
nenhum”.
b) preconceito e discriminação social: neste caso, o sentimento de
exclusão dos trabalhadores tanto do grupo familiar quanto do grupo de
trabalho, torna-se evidente, na medida em que estes desconhecem o
sofrimento causado pela LER/DORT bem como os seus sintomas. “Eu nem
sei como me sinto, só sei que passo muita humilhação, até em casa as
pessoas não me entendem, chegando a me chamarem de mula paralítica, tu
sabe o que é passar por esta situação?”. “Existe um preconceito muito
grande em cima de nós, os colegas de trabalho não entendem esta “dor” e
dizem que a gente não quer trabalhar”.
c) descaso dos peritos no reconhecimento da LER/DORT: o
descomprometimento; a falta de postura; a falta de preparo e de informações
dos médicos peritos do Instituto Nacional de Segurança Social (INSS) são
questões que se repetem inúmeras vezes nos encontros do grupo, uma vez
que são estes os ―detentores‖ do saber sobre o processo de saúde/doença dos
trabalhadores. “As perícias estão ficando cada vez mais rigorosas, eles
chegam a olhar as nossas mãos procurando calos, pois se tiver, dizem que
estamos trabalhando em casa, é muita humilhação, mas eu não vou desistir,
vou fazer perícia enquanto eu puder suportar”. “Esse negócio das pessoas
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irem lá e fingirem sentir dor, se torna muito ruim pra nós que realmente
sofremos, com isso estoura a corda do nosso lado”.
d) sentimento de desvalia: neste sentido foi possível perceber nas
narrativas, um tema bastante comum anterior a LER/DORT, o fato de poder
ser ―útil‖, independente e que lamentavelmente só lhes restaram as
lembranças deste passado. “Quando eu não tinha LER/DORT eu podia
cozinhar, trabalhar, sem sentir dor, hoje eu não consigo nem lavar um
prato”. “Eu gostava de trabalhar, não me queixava disso, sempre fazia
tudo sozinha, sem ajuda, e hoje eu tenho que pedir ajuda de minha filha pra
tudo, não sei o que seria de mim sem ela, pra mim é difícil, muito difícil”.
e) falta de informação sobre a LER/DORT: o desconhecimento da
existência das redes de proteção no município e região; a dificuldade de
acesso a informações sobre LER/DORT são questões facilmente
identificadas e reconhecidas pelos trabalhadores. “A gente não ouve falar de
LER/DORT na televisão, não vê nos jornais. As pessoas nos discriminam
muito por isso, a gente não sabe quem pode ajudar, mas vai caminhando
até encontrar mais informações, nos precisamos muito disso!”.
f) necessidade de mobilização da classe trabalhadora: o reconhecimento
da necessidade de legitimação dos seus direitos, de espaços de luta e de
mobilização que denunciem os agravos relacionados à saúde dos
trabalhadores, são temáticas inovadoras que passaram a ser discutidas no
interior do grupo de trabalho. “As pessoas carecem de informações, a gente
enquanto classe tem que bolar algo legal, para que os trabalhadores que
ainda não adoeceram não sejam as próximas vítimas”. “Acho que seria
interessante no próximo ano, começarmos a reivindicarmos pelo o que é
nosso”.
Como principais resultados desta análise, pôde-se evidenciar entre os
trabalhadores situações como: insatisfação; limites decorrentes da lesão;
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impactos na vida emocional; discriminação ao trabalhador com LER/DORT
e o descaso das empresas e dos peritos do INSS em relação à saúde do
trabalhador, evidenciando que as dificuldades estão para além das limitações
impostas por aspectos fisiopatológicos da doença. Além de ser um espaço
de reflexão, o grupo parece ter se configurado enquanto espaço favorável na
transformação do sofrimento, na medida em que viabiliza o coletivo refletir
sobre o adoecimento a partir das relações produzidas no campo de trabalho e
a reavaliar a partir daí o papel de cada trabalhador frente às ações coletivas
no combate a LER/DORT.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As reflexões construídas pelos trabalhadores no interior do grupo:
LER/DORT: O que eu faço agora? demonstrou ser um fio condutor de uma possível prática
em saúde do trabalhador, que deve continuar sendo (re)pensada, já que denotou não só as
limitações impostas pelos aspectos fisiopatológicos da doença, mas também de um sofrimento
resultante da inserção de um universo de relações pautadas pela descrença, por se perder a
saúde, por não ser reconhecido, pela discriminação, pela humilhação nas perícias médicas e
por ser excluído do ambiente de trabalho.
Porém, entende-se que ainda existem lacunas a serem preenchidas e que o
trabalho desenvolvido deva continuar em outros espaços, problematizando, o cenário
precarizado das relações de trabalho. Entretanto, é preciso estar atento que para se envidar
esforços na luta por melhores condições de saúde, devemos antes de qualquer coisa, respeitar
a história, a subjetividade e o conhecimento prático advindo do trabalhador que a nós se
apresenta.
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Logo, com a realização deste estudo, presenteia-se que uma intervenção no
âmbito da saúde coletiva, torna-se possível. Porém, não é tarefa fácil, uma vez que o nosso
papel não pode ser concebido como um produto a ser entregue, mas como uma proposta, que
deve estimular a percepção do exercício do ―fazer‖, na medida em que se aprende,
compreende e intervém no contexto social que a nós se apresenta de forma multifacetada.
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ANAIS DO III FÓRUM TRABALHO E SAÚDE: SAÚDE E PRECARIZAÇÃO DO HOMEM QUE TRABALHA • 10 e 11 Agosto 2011 ● UEL-Londrina-PR-Brasil
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SAÚDE DO TRABALHADOR E PROTEÇÃO SOCIAL
WÜNSCH, D. S.;
MENDES, J. M. R.;
Núcleo de Estudos e Pesquisa em Saúde e Trabalho (NEST) da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS)
[email protected]
INTRODUÇÃO
O presente artigo busca refletir sobre a saúde do trabalhador na
contemporaneidade, problematizando sobre os mecanismos de proteção social implicados na
relação saúde-doença e trabalho. A saúde do trabalhador, como campo de conhecimento e
intervenção, reconhece a construção social do processo de saúde-doença e as necessidades
sociais decorrentes dos agravos produzidos por esse processo. Condição essa, que requer um
conjunto de respostas, as quais passam, fundamentalmente, pela conformação de um sistema
de proteção social que materialize direitos sociais, frente às diferentes formas de degradação
do trabalho que repercutem, historicamente, sobre a saúde do trabalhador e intensificam-se na
atualidade.
Nessa perspectiva, a discussão saúde do trabalhador e proteção social situase num debate amplo, envolvendo a análise das diferentes expressões do trabalho hoje e sua
conformação como produto da crise capitalista em seu processo de reestruturação. Ela
também envolve a compreensão dos rebatimentos das mudanças políticas e econômicas
legitimadas pelo Estado, e, por conseguinte, o papel que esse assume frente as grandes
fraturas resultantes da acumulação predatória do capital. Evidencia-se que, a questão social,
enquanto produto da produção e reprodução das relações sociais e da centralização da riqueza
é a expressão, sem retoques, de como são produzidas as desigualdades sociais na sociedade
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capitalista. Pensar formas de enfretamento das desigualdades passa por uma rigorosa
discussão teórica e política que reafirme o direito à saúde do trabalhador, em detrimento à
banalização da vida, bem como pela construção de espaços públicos de debate em torno de
políticas publicas de proteção social.
Busca-se fazer, neste artigo, inicialmente, uma discussão em torno do
trabalho na atualidade e suas repercussões sobre a saúde do trabalhador, para, posteriormente,
se fazer a relação de como, historicamente, vem se configurando a proteção social no contexto
do trabalho e da saúde e as lacunas presentes nesse campo, quer seja pela sua ausência ou,
pela sua inoperância. Busca-se, assim, evidenciar como se apresentam as novas necessidades
produzidas pelo sócio-metabolismo do capital na atualidade. Essas são questões teóricas que
desafiam o campo de conhecimento sobre trabalho e saúde; são categorias, que nem sempre
conseguem ser capturadas na realidade, nas suas contradições e totalidades históricas, dadas
as características que perpassam a saúde do trabalhador na conflitante relação capital e
trabalho, face a crescente forma de apropriação desse, pelo capital.
AS CONFIGURAÇÕES DO TRABALHO E A SAÚDE DO TRABALHADOR
A indissociabilidade entre trabalho e saúde, embora milenar, vem ganhando
maior visibilidade e repercussão na atualidade, frente a dois fenômenos contemporâneos. De
um lado, pelo crescimento das doenças relacionadas ao trabalho e de outro, pela intensificação
do trabalho como fator desencadeador do adoecimento, mas invisibilizado pelas diferentes
formas de ocultamento social dessa relação. Para o desvendamento desse fenômeno, torna-se
essencial interrogar-se sobre que trabalho é esse que provoca o adoecimento, e que
configurações adquire esse trabalho que tem na sua natureza, a apropriação da saúde. Essas
questões remetem à análise do processo de reestruturação produtiva como parte da ofensiva
do capital frente a sua atual crise. O capitalismo, na sua fase de financeirização, traz
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conseqüências destrutivas sobre o trabalho, evidenciadas nas diferentes e crescentes formas de
precarização e precariedade do trabalho. Na literatura atual a noção de precarização está
associada à perda de direitos, os quais são resultantes de conquistas históricas da classe
trabalhadora; já a ideia de precariedade, refere-se às atuais características do trabalho vivo
como mercadoria, e que vem atingindo as diversas dimensões da vida social. Características,
portanto, do novo ciclo de acumulação capitalista que intensifica a sua função predatória
estrutural, constitutiva do seu sócio-metabolismo, resultando na ampliação da mercantilização
e banalização do trabalho humano.
Compreender a saúde do trabalhador requer, assim, uma investigação sólida,
de como o trabalho se configura na atualidade, e de que exigências recaem sobre o
trabalhador. Contemporaneamente, muitas são as expressões do trabalho e essas estão
representadas, fundamentalmente: a) nas atuais exigências sobre o trabalho como: ritmo
aumentado, controle reforçado, redução de tempos mortos, complexificação dos sistemas; b)
nas formas de prescrição do trabalho, como: as mudanças de natureza do trabalho definido
como uma missão; exigências comportamentais – implicações subjetivas, e auto-prescrição o trabalhador é cronômetro de si, e por fim; c) nas mudanças que incidem sobre do emprego e
trabalho, que se manifestam na precarização objetiva e subjetiva, nas formas diversificadas de
contrato, organização e condições de trabalho e em diferentes formas de instabilidade. Ou
seja, tem-se perversas expressões do trabalho oriundas das transformações situadas no
chamado ―mundo do trabalho‖, mas que, em si, sintetizam as grandes mudanças societárias.
Tais mudanças se caracterizam como produto sócio-histórico da relação capital e trabalho e,
ao mesmo tempo, atingem todas as formas de sociabilidade humana. O trabalho invade a
esfera da vida social e familiar do trabalhador de forma a mantê-lo conectado a esse
initerruptamente; centralidade essa, dada pela capacidade do capital de subordinação de todo
tipo de trabalho ao processo de acumulação através da apropriação do valor-trabalho. Tal
realidade tem acarretado novas determinações sobre o processo de saúde-doença representado
pela sobresolicitação do trabalho, resultantes das formas de organização e gestão do trabalho,
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cada vez mais intensificadas e planificadas em metas e prazos, ajustados à exigência de uma
produtividade sem limites.
O cenário atual em o trabalho se apresenta, não pode ser dissociado da
complexa configuração da classe trabalhadora e sua heterogênea composição. Os elementos
presentes não dizem respeito apenas à sua materialidade, mas substancialmente, sobre a
subjetividade do trabalhador, enquanto sujeito histórico e coletivo, e, por conseguinte, para
sua classe social. A fragmentação do trabalhador e de sua classe social é compreendida como
resultante da combinação de processos sociais em curso, que se fazem acompanhar das
formas fetichizadas, de como o capital se apresenta. Essas cumprem funções ideológicas e
políticas que destituem o trabalhador de sua condição de produtor da riqueza socialmente
produzida, para a condição de ―colaborador‖ da riqueza individualmente apropriada.
Contraditoriamente, o desenvolvimento das forças produtivas, como parte
da combinação do avanço técnico-científico, favorece a expansão do capital, sem que o
trabalho possa usufruir de seus produtos. A manifestação mais drástica desse processo, é que
ele torna ―descartável‖ uma parcela cada vez maior de trabalhadores. São trabalhadores que se
encontram no mesmo ―mundo‖ do trabalho, porém, passam a compor um grande exército de
reserva, com características, nem sempre claramente identificáveis. A distinção e
conformação da classe trabalhadora, nos seus aspectos quantitativos e qualitativos, muitas
vezes, referem apenas aos dados de sua representação na divisão sócio-técnica do trabalho,
nas formas de ocupação, qualificação e exigências dadas pelo mercado de trabalho. Tal
análise, não traduz quem é esse trabalhador hoje, sua forma de ser e trabalhar contemporânea
e não consegue abstrair sua dimensão de ser histórico frente a conflitiva relação que se
estabelece na inversão de sujeito-objeto em tempos de capital fetiche.
Na medida em que se aprofunda a discussão sobre o trabalho, ampliam-se as
possibilidades de compreender a saúde do trabalhador como constitutiva da contradição
capital e trabalho. Significa, que, ao mesmo tempo em que se acentuam essas contradições é
fundamental coloca-las como centrais da luta social contemporânea. A dimensão política da
saúde do trabalhador coloca em relevo antigas e atuais confrontações cotidianas que incidem
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sobre o processo de saúde e doença, perspectivas teóricas, modelos de atenção à saúde do
trabalhador e mecanismo de reconhecimento de direitos sociais.
Mais especificamente, esse embate teórico e político deve contribuir com a
superação do modelo hegemônico que, historicamente, norteou práticas profissionais e
investigações no campo profissional e científico da saúde do trabalhador. Modelo esse,
assentado nos ―riscos‖ socialmente aceitáveis relacionados ao trabalho, foi sendo legitimado
por um estatuto legal que suplantou o conceito de erro, negligência e exploração. O risco
indenizável, não questiona o que acarretou o agravo sobre a saúde do trabalhador,
contribuindo para ampliar a naturalização do acidente e do adoecimento relacionado ao
trabalho e sua invizibilização como construção sócio-histórica. Dessa forma, esses elementos
são constitutivos de um processo que não reconhece a saúde-doença como resultante da
organização do trabalho e das condições de vida, tendendo à individualização do fenômeno,
em detrimento da sua dimensão social. Esse caráter de direito individual se constituiu sobre a
lógica securitária da proteção desde o século XIX, atravessando o século XX, e
permanecendo, no tempo presente, alheio às mudanças processadas na esfera do trabalho.
A (DES) PROTEÇÃO À SAÚDE DO TRABALHADOR: ASPECTOS HISTÓRICOS E
CONTEMPORÂNEOS
As mudanças que envolvem a esfera do trabalho na sociedade atual, num
contexto marcado pela radicalização do capital sobre o trabalho, produzem novas
necessidades sociais. Essas necessidades emergem das atuais formas produtivas, que estão
alterando, não só a natureza dos seus processos, mas principalmente, a condição de trabalho
assalariado. Elas representam antigas manifestações, socialmente reconhecidas, da questão
social e historicamente enfrentadas e mediadas pelo Estado, que passou a disciplinar e regular
as relações sociais da produção capitalista. A emergência do sistema de proteção social tem
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sua origem e evolução, assentadas, fundamentalmente, nas desigualdades sociais que
acompanham os diferentes estágios da sociedade capitalista e foi sendo sedimentada através
do trabalho assalariado. A proteção social, assim, se expressa em mediações da representação
entre Estado e classes sociais e se consolida como estratégia de atendimento das necessidades
sociais, a partir da luta por reconhecimento da classe trabalhadora, como ator político
fundamental para a produção e reprodução dessa sociedade.
A concepção de proteção social surgiu a partir do modelo de seguro social e
evoluiu para o conceito de seguridade social, constituindo-se num campo jurídico formal,
garantidor de direitos. Representou em si a incorporação de direitos sociais, conquistados pelo
movimento sindical, nas relações contraditórias entre as classes sociais. Historicamente, a
proteção social se efetivou através da intervenção do Estado na implantação de políticas
sociais, como produto do embate político e econômico e resposta ao ciclo de acumulação
capitalista.
A instituição da seguridade social como constitutiva do Estado social, após
a segunda guerra mundial foi uma resposta efetiva à crise capitalista desse período. Os
avanços obtidos, pela classe trabalhadora, entretanto, foram sendo suprimidos pelo advento do
sistema neoliberal, assentado no paradigma do Estado mínimo, a partir dos anos 70 do século
XX. Tal modelo buscou legitimar-se politicamente e ideologicamente na contramão do
recrudescimento do trabalho. Ou seja, de um lado o papel do Estado se alterando, e do outro,
o trabalho, como mecanismo central de acesso a proteção social, se precarizando, tendo como
consequência a escassez crescente de acesso a renda e a serviços públicos constitutivos de
políticas sociais, cujas insuficiências demonstram a falta de investimento público nesse
campo.
No Brasil, a concepção de seguridade social, constitucionalmente garantida
pela Constituição de 1988, traz avanços no campo da proteção social, basicamente na
universalização da saúde e no reconhecimento da assistência social como política pública.
Entretanto, o campo da previdência social – núcleo central do sistema de proteção social
brasileiro - mantém seu viés contratual e assegurador de direitos apenas a quem contribui. O
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paradoxo entre mudanças relacionadas à forma de como trabalho circula no sistema capitalista
e a reedição de um modelo de proteção social securitário, vem gerando uma crescente camada
de trabalhadores totalmente desprotegidos. Assim, a inserção precarizada de trabalhadores no
mercado de trabalho e a ausência do vínculo formal, acaba por comprometer o acesso aos
direitos previdenciários e, consequentemente, o direito do trabalhador frente às necessidades
relacionadas, fundamentalmente, ao adoecimento, acidentes do trabalho, e demais
necessidades decorrentes dos ciclos vitais. Realidade essa que
demostra , o não
reconhecimento de que novas formas de desigualdades sociais estão sendo produzidas. Esse
modelo não atende, ou não irá atender, aproximadamente 40% da população brasileira, que
realiza um trabalho sem quaisquer garantias legais. Dados da Previdência Social (5) brasileira,
com base na Pesquisa Nacional de Amostra à domicilio – PNAD, revelam que de cada 10
(dez) trabalhadores da População Economicamente Ativa – PEA, 4 (quatro) não possuem
cobertura da previdência social.O assalariamento ainda permanece como condição principal
para o vínculo contratual com a previdência social e a garantia de direitos é decorrente dessa
relação, embora haja a possibilidade de vincular-se como trabalhador individual, esse é
inexpressivo frente às condições em que o trabalho ―por conta‖ é realizado. Destarte, dessas
considerações que há uma grande fratura no sistema de proteção social no Brasil, onde uma
significativa massa de trabalhadores não encontra nenhum mecanismo de proteção social. É
nesse contexto, a saúde do trabalhador vem a expor de forma dramática as contingências
trazidas do processo de saúde-doença. Revela que, ao mesmo tempo em que a perda da saúde
representou uma forma de apropriação do capital sobre o trabalho, cujas necessidades de
proteção social, advindas desse processo, não são atendidas. Ainda há de se considerar que,
mesmo para o trabalhador assalariado, a negação desse direito tem se constituído numa
realidade adversa as suas necessidades. O caráter de seguro social e a concepção de risco
aceitável contribuem para manter elevado o número de doenças não reconhecidas como
decorrentes do trabalho, mesmo em que pese a introdução pela previdência social de novas
formas de estabelecimento de nexo causal. Direito previdenciário que não se efetiva na sua
plenitude no campo previdenciário, ocasionando uma crescente judicialização desse direito.
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Por outro lado, a face mais perversa desse modelo estrutural de proteção
social e que não encontra resposta no âmbito da seguridade social, está no não asseguramento
de direitos para os trabalhadores, que são descartados pela lógica produtivista do capital. São
trabalhadores considerados sem, ou com perda, da ―capacidade útil‖ para o trabalho. Sua
funcionalidade para o capital está associada a novas exigências, que não se adequam ao perfil
desse trabalhador. Nesse mesmo lugar, está o trabalhador que sofreu acidente, teve doenças
relacionadas ao trabalho ou qualquer outra forma de adoecimento. Sua exclusão do ―mundo
do trabalho‖ vai além das sequelas decorrentes desses agravos sobre sua saúde, são resultantes
de marcas socialmente construídas sobre o trabalho, que contêm no seu valor a mesma lógica
da utilidade e descartabilidade como qualquer outra mercadoria que circula no processo de
produção e de riqueza da sociedade capitalista.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A saúde do trabalhador e suas determinações históricas e contemporâneas
são intrínsecas às formas em que o trabalho, enquanto produtor de riqueza se apresenta na
atualidade. Ao mesmo tempo, revela que o direito à saúde do trabalhador requer estratégias e
mecanismos de proteção social, frente a um cenário que vem demonstrando uma tendência
cada vez mais crescente de precarização do trabalho face ao agudizamento da relação capitaltrabalho. Cenário esse, que conforma uma nova sociabilidade humana, atravessada pelas
diferentes formas de como as desigualdades sociais são construídas, gerando insegurança e
incertezas, cotidianamente, aos trabalhadores. A proteção social adquire novos significados
perante a indissociável relação trabalho e processo de saúde-doença e o contexto societário.
A garantia do direito à saúde é multidimensional, e representa um direito
primordial. Requer a presença efetiva do Estado, com vistas a coibir a destruidora força do
capital sobre a saúde do trabalhador, e que, ao mesmo tempo, precisa garantir e criar
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mecanismos que possam barrar a perda de outros direitos, que emergem da negação do
primeiro direito – a saúde. São necessidades de renda, de acesso a bens e serviços a serem
supridas, mas também de reconhecimento do trabalhador, enquanto sujeito político. Dessa
forma, a saúde do trabalhador precisa ser dotada de força social, incorporada a outras formas
de organização social, para assim, contribuir no enfrentando da lógica destrutiva do capital
sobre o trabalho e que se reproduz sobre todas as dimensões da vida social.
BIBLIOGRAFIA
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PEREIRA, Potyara A. P. Necessidades Humanas: subsídios à critica dos mínimos sociais,
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