Cuba e Estados Unidos

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Cuba e Estados Unidos
internacional
gabriela portilho
[email protected]
Cuba e Estados Unidos
O primeiro passo para a derrubada do embargo
RELAÇÕES DIPLOMÁTICAS Apesar de separados
por pouco mais de cem quilômetros, Cuba
e Estados Unidos enfrentaram um abismo
no tempo, vivendo de costas um para o outro
nos últimos 53 anos
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o dia 12 de dezembro, um
telefonema de 45 minutos
entre os presidentes norte-americano Barack Obama
e cubano Raúl Castro colocou fim
ao hiato de mais de cinco décadas,
sugerindo­um novo rumo para a his-
Mas a volta das relações diplomáticas é apenas o primeiro passo. O
embargo econômico à ilha continua
em vigor, apesar das indicações do
presidente Barack Obama para que o
Congresso amenize as restrições ou
retire o embargo à ilha.
Mediação do Vaticano
Pete Souza | TWH
Barack Obama fala com
o presidente de Cuba,
Raúl Castro, da Casa
Branca, em Washington
O anúncio, que só ocorreu no final de dezembro, foi fruto de uma
negociação que aconteceu secretamente entre os dois presidentes durante 18 meses, e que contou com a
participação fundamental do papa
Francisco, não se limitando às palavras de incentivo.
Segundo informações do secretário de Estado do Vaticano, cardeal
Pietro Parolin, à Rádio Vaticano, no
ano passado, o pontífice escreveu
uma carta à Obama e ao presidente cubano pedindo que efetivassem
uma troca de prisioneiros e superassem os problemas entre os dois países, por meio de um acordo.
Mas a normalização das relações
entre a Ilha e os EUA ainda dá seus
primeiros passos. A retomada das
relações diplomáticas é apenas o
ponto de partida, e ainda vai exigir
muito diálogo entre os dois países.
Histórico
tória dos dois países. Estados Unidos
e Cuba decidiram reatar suas relações diplomáticas, inaugurando embaixadas em Havana e Washington.
Poucas horas antes do anúncio,
Cuba libertou Alan Gross, americano
preso há cinco anos no país. E também um cubano que trabalhou como
agente secreto para os EUA e estava
preso na ilha há 20 anos. Em troca, a
Casa Branca ordenou a libertação de
três cubanos presos por espionagem.
Assim que a decisão foi anunciada, centenas de cubanos saíram
às ruas de Havana para comemorar.
Desde a chegada de Fidel Castro
ao poder, em 1959, a relação entre
EUA e Cuba se deteriorou. O então
presidente cubano, em meio a um
regime socialista, deu início à nacionalização de diversas empresas
estrangeiras, muitas delas controladas por norte-americanos.
A relação ficou ainda pior quando os EUA patrocinaram a operação
de invasão à Cuba pela Baía dos Porcos, em 1961. A partir do episódio,
Fidel declarou Cuba um país comunista e aliado da União Soviética –
um feito imperdoável para os EUA.
Em retaliação, em 1962, os EUA
impuseram o embargo econômico e
pararam de comprar produtos cubanos, especialmente açúcar, uma das
principais fontes de renda do país.
Do mesmo modo, pararam de exportar produtos para os cubanos e
evitaram viagens de norte-americanos para lá, rompendo todas as relações diplomáticas.
Por que a reaproximação?
Mais de cinquenta anos depois, a
reaproximação era uma promessa de
campanha de Obama, intenção que
ele deixou marcada já no início de seu
primeiro mandato, declarando que
os Estados Unidos deveriam “buscar
um novo começo” com Cuba.
Ao mesmo tempo, o governo
cubano tem dado mostras de flexibilidade, conduzindo uma lenta abertura econômica. Nos seis últimos
anos, foram tomadas mais de 20
medidas de liberação econômica e
social pelo sucessor e irmão de Fidel.
Desde que Raúl Castro assumiu
o governo cubano, em 2010, Obama tem facilitado os deslocamentos
e aliviado as restrições financeiras
dos cidadãos dos EUA com familiares em Cuba. Aos norte-americanos
também têm sido possível viajar à
Ilha mais facilmente no caso de atividades jornalísticas ou religiosas.
Dando indícios de uma possível
aproximação, durante as cerimônias fúnebres de Nelson Mandela,
na África do Sul, em 2013, os dois
presidentes trocaram um aperto de
mãos e gentilezas.
Em seu discurso ao povo norte-americano após o anúncio da reaproximação, Obama afirmou que
começava ali um novo capítulo na
história das duas nações. “Ninguém
está bem servido por políticas desenhadas quando a maioria de nós
nem era nascida. Através dessas mudanças, tentamos criar mais oportuCidade Nova • Fevereiro 2015 • nº 2
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nidades para os povos americano e
cubano e iniciar um novo capítulo”.
Barack Obama foi o primeiro
presidente estadunidense a tentar
formalizar a reaproximação entre
os dois países. Mas a decisão histórica de reatar relações diplomáticas
com Cuba não depende apenas da
vontade dele. Os Estados Unidos vivem hoje uma importante mudança de opinião da população norte-americana em relação ao bloqueio
imposto à ilha socialista. Segundo
o Concil on Foreign Relations, instituição que se dedica ao estudo das
relações internacionais dos EUA,
mais da metade dos norte-americanos incentiva a normalização das
relações com Cuba, sendo que, em
estados como a Flórida, onde há
grande concentração de imigrantes
ou pessoas de ascendência cubana,
o apoio chega a 63% da população.
Para o professor e doutor em
História Social, Luiz Gustavo Cota,
essa situação indica ao atual governo democrata de Obama um novo
nicho eleitoral com o qual poderá
contar para as próximas eleições. “A
população de origem cubana que
vive nos Estados Unidos costumava
conceder apoio ao Partido Republicano nas eleições. Mas, com a reaproximação entre Estados Unidos e
Cuba, isso pode mudar”, afirma.
Vale lembrar que, em novembro
do ano passado, os democratas foram
fortemente derrotados nas eleições
legislativas do país, o que deu a maioria do Congresso aos republicanos.
Outro fator que impulsiona a
aproximação da ilha dos Castro aos
Estados Unidos são os interesses
econômicos. Nos últimos anos o governo cubano tem permitido investimentos estrangeiros vindos, por
exemplo, do México e da Espanha,
no setor de turismo e hotelaria, e do
Brasil, no setor de infraestrutura.
Isso, de alguma forma, desagrada­
os empresários norte-americanos
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que poderiam investir em um mercado considerável a apenas 140
quilômetros da sua costa. Com o
embargo, dezenas de bilhões de
dólares são perdidos em negócios
que poderiam ser fechados na ilha.
“Hoje já existe um forte lobby de
empresas multinacionais, sobretudo do setor de agronegócios, que estão de olho na abertura econômica
de Cuba”, explica o geógrafo Levon
Boligian, professor do Instituto de
Estudos Avançados e Pós- Graduação (ESAP).
O que muda na prática
Por ora, as mudanças ocorrerão
basicamente no âmbito diplomático, com o ponto-chave da reabertura das embaixadas nos dois países.
Cuba se comprometeu a abrir o país
para organizações internacionais,
como a Organização das Nações
Unidas e a Cruz Vermelha. Já os EUA
prometeram amenizar as restrições
sobre remessas de dinheiro, viagens
e relações bancárias. Obama afirmou
que os cidadãos norte-americanos
poderão utilizar cartões de débito e
crédito em Cuba, por exemplo.
Os dois países também acordaram em trabalhar juntos em questões como o combate ao terrorismo
e ao tráfico de drogas. Além das
transações financeiras, os cubanos
poderão comprar equipamentos ele-­
trônicos, o que, provavelmente, ampliará o acesso à internet, ainda bastante deficitário na ilha.
Segundo o historiador Luiz Gustavo Cota, as novas medidas já representam um avanço na relação entre os
dois países, mas só terão grande peso
com a revogação do embargo econômico, um conjunto de leis aprovadas
entre 1960 e 1996 – o que depende agora da aprovação por parte do
Congresso, de maioria republicana.
“A maioria dos republicanos ainda se agarra às velhas razões para
o embargo. Mas a reaproximação
diplomática pode trazer um maior
apoio popular às mudanças, gerando pressão política suficiente para
a aprovação do fim do embargo,
um avanço ainda mais histórico,
especialmente para Cuba”, explica
­
o historiador.
A revogação do embargo é fundamental para Cuba, já que o país
vive hoje uma situação econômica
bastante incerta. Historicamente, a
ilha dependeu de outros países para
abastecer sua economia. Nos últimos
anos, a Venezuela tem sido seu braço
direito. Mas com a economia venezuelana em crise devido à queda na
cotação do petróleo, falta de dólares
e inflação elevada, o país já não serve como aliado econômico à Cuba.
No anúncio da medida o presidente cubano fez questão de reforçar a urgência do fim ao embargo.
“Concordamos em restabelecer as
relações diplomáticas, mas isso não
significava que todas as principais
questões estão resolvidas. O bloqueio econômico, comercial e financeiro, que causa prejuízos econômicos e humanos enormes ao nosso
país, tem que acabar”, finalizou. Já
o presidente norte-americano afirmou estar ansioso para envolver o
Congresso em um debate honesto e
sério sobre o fim do embargo.
Para o geógrafo Levon Boligian,
esse é o maior desafio que o presidente dos EUA irá enfrentar agora:
“Obama terá que seduzir a bancada republicana que se apresenta
altamente resistente à ideia de cessar o embargo”.
Se o embargo cessará em alguns
meses ou não, ainda não sabemos.
Mas o telefone e o aperto de mãos
entre dois presidentes após mais
de cinco décadas de isolamento
diplomático certamente representa
o primeiro passo em direção à paz
e a uma relação amistosa entre os
dois países.

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