Cuba e Estados Unidos
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Cuba e Estados Unidos
internacional gabriela portilho [email protected] Cuba e Estados Unidos O primeiro passo para a derrubada do embargo RELAÇÕES DIPLOMÁTICAS Apesar de separados por pouco mais de cem quilômetros, Cuba e Estados Unidos enfrentaram um abismo no tempo, vivendo de costas um para o outro nos últimos 53 anos 28 Cidade Nova • Fevereiro 2015 • nº 2 N o dia 12 de dezembro, um telefonema de 45 minutos entre os presidentes norte-americano Barack Obama e cubano Raúl Castro colocou fim ao hiato de mais de cinco décadas, sugerindoum novo rumo para a his- Mas a volta das relações diplomáticas é apenas o primeiro passo. O embargo econômico à ilha continua em vigor, apesar das indicações do presidente Barack Obama para que o Congresso amenize as restrições ou retire o embargo à ilha. Mediação do Vaticano Pete Souza | TWH Barack Obama fala com o presidente de Cuba, Raúl Castro, da Casa Branca, em Washington O anúncio, que só ocorreu no final de dezembro, foi fruto de uma negociação que aconteceu secretamente entre os dois presidentes durante 18 meses, e que contou com a participação fundamental do papa Francisco, não se limitando às palavras de incentivo. Segundo informações do secretário de Estado do Vaticano, cardeal Pietro Parolin, à Rádio Vaticano, no ano passado, o pontífice escreveu uma carta à Obama e ao presidente cubano pedindo que efetivassem uma troca de prisioneiros e superassem os problemas entre os dois países, por meio de um acordo. Mas a normalização das relações entre a Ilha e os EUA ainda dá seus primeiros passos. A retomada das relações diplomáticas é apenas o ponto de partida, e ainda vai exigir muito diálogo entre os dois países. Histórico tória dos dois países. Estados Unidos e Cuba decidiram reatar suas relações diplomáticas, inaugurando embaixadas em Havana e Washington. Poucas horas antes do anúncio, Cuba libertou Alan Gross, americano preso há cinco anos no país. E também um cubano que trabalhou como agente secreto para os EUA e estava preso na ilha há 20 anos. Em troca, a Casa Branca ordenou a libertação de três cubanos presos por espionagem. Assim que a decisão foi anunciada, centenas de cubanos saíram às ruas de Havana para comemorar. Desde a chegada de Fidel Castro ao poder, em 1959, a relação entre EUA e Cuba se deteriorou. O então presidente cubano, em meio a um regime socialista, deu início à nacionalização de diversas empresas estrangeiras, muitas delas controladas por norte-americanos. A relação ficou ainda pior quando os EUA patrocinaram a operação de invasão à Cuba pela Baía dos Porcos, em 1961. A partir do episódio, Fidel declarou Cuba um país comunista e aliado da União Soviética – um feito imperdoável para os EUA. Em retaliação, em 1962, os EUA impuseram o embargo econômico e pararam de comprar produtos cubanos, especialmente açúcar, uma das principais fontes de renda do país. Do mesmo modo, pararam de exportar produtos para os cubanos e evitaram viagens de norte-americanos para lá, rompendo todas as relações diplomáticas. Por que a reaproximação? Mais de cinquenta anos depois, a reaproximação era uma promessa de campanha de Obama, intenção que ele deixou marcada já no início de seu primeiro mandato, declarando que os Estados Unidos deveriam “buscar um novo começo” com Cuba. Ao mesmo tempo, o governo cubano tem dado mostras de flexibilidade, conduzindo uma lenta abertura econômica. Nos seis últimos anos, foram tomadas mais de 20 medidas de liberação econômica e social pelo sucessor e irmão de Fidel. Desde que Raúl Castro assumiu o governo cubano, em 2010, Obama tem facilitado os deslocamentos e aliviado as restrições financeiras dos cidadãos dos EUA com familiares em Cuba. Aos norte-americanos também têm sido possível viajar à Ilha mais facilmente no caso de atividades jornalísticas ou religiosas. Dando indícios de uma possível aproximação, durante as cerimônias fúnebres de Nelson Mandela, na África do Sul, em 2013, os dois presidentes trocaram um aperto de mãos e gentilezas. Em seu discurso ao povo norte-americano após o anúncio da reaproximação, Obama afirmou que começava ali um novo capítulo na história das duas nações. “Ninguém está bem servido por políticas desenhadas quando a maioria de nós nem era nascida. Através dessas mudanças, tentamos criar mais oportuCidade Nova • Fevereiro 2015 • nº 2 c 29 internacional nidades para os povos americano e cubano e iniciar um novo capítulo”. Barack Obama foi o primeiro presidente estadunidense a tentar formalizar a reaproximação entre os dois países. Mas a decisão histórica de reatar relações diplomáticas com Cuba não depende apenas da vontade dele. Os Estados Unidos vivem hoje uma importante mudança de opinião da população norte-americana em relação ao bloqueio imposto à ilha socialista. Segundo o Concil on Foreign Relations, instituição que se dedica ao estudo das relações internacionais dos EUA, mais da metade dos norte-americanos incentiva a normalização das relações com Cuba, sendo que, em estados como a Flórida, onde há grande concentração de imigrantes ou pessoas de ascendência cubana, o apoio chega a 63% da população. Para o professor e doutor em História Social, Luiz Gustavo Cota, essa situação indica ao atual governo democrata de Obama um novo nicho eleitoral com o qual poderá contar para as próximas eleições. “A população de origem cubana que vive nos Estados Unidos costumava conceder apoio ao Partido Republicano nas eleições. Mas, com a reaproximação entre Estados Unidos e Cuba, isso pode mudar”, afirma. Vale lembrar que, em novembro do ano passado, os democratas foram fortemente derrotados nas eleições legislativas do país, o que deu a maioria do Congresso aos republicanos. Outro fator que impulsiona a aproximação da ilha dos Castro aos Estados Unidos são os interesses econômicos. Nos últimos anos o governo cubano tem permitido investimentos estrangeiros vindos, por exemplo, do México e da Espanha, no setor de turismo e hotelaria, e do Brasil, no setor de infraestrutura. Isso, de alguma forma, desagrada os empresários norte-americanos 30 Cidade Nova • Fevereiro 2015 • nº 2 gabriela portilho [email protected] que poderiam investir em um mercado considerável a apenas 140 quilômetros da sua costa. Com o embargo, dezenas de bilhões de dólares são perdidos em negócios que poderiam ser fechados na ilha. “Hoje já existe um forte lobby de empresas multinacionais, sobretudo do setor de agronegócios, que estão de olho na abertura econômica de Cuba”, explica o geógrafo Levon Boligian, professor do Instituto de Estudos Avançados e Pós- Graduação (ESAP). O que muda na prática Por ora, as mudanças ocorrerão basicamente no âmbito diplomático, com o ponto-chave da reabertura das embaixadas nos dois países. Cuba se comprometeu a abrir o país para organizações internacionais, como a Organização das Nações Unidas e a Cruz Vermelha. Já os EUA prometeram amenizar as restrições sobre remessas de dinheiro, viagens e relações bancárias. Obama afirmou que os cidadãos norte-americanos poderão utilizar cartões de débito e crédito em Cuba, por exemplo. Os dois países também acordaram em trabalhar juntos em questões como o combate ao terrorismo e ao tráfico de drogas. Além das transações financeiras, os cubanos poderão comprar equipamentos ele- trônicos, o que, provavelmente, ampliará o acesso à internet, ainda bastante deficitário na ilha. Segundo o historiador Luiz Gustavo Cota, as novas medidas já representam um avanço na relação entre os dois países, mas só terão grande peso com a revogação do embargo econômico, um conjunto de leis aprovadas entre 1960 e 1996 – o que depende agora da aprovação por parte do Congresso, de maioria republicana. “A maioria dos republicanos ainda se agarra às velhas razões para o embargo. Mas a reaproximação diplomática pode trazer um maior apoio popular às mudanças, gerando pressão política suficiente para a aprovação do fim do embargo, um avanço ainda mais histórico, especialmente para Cuba”, explica o historiador. A revogação do embargo é fundamental para Cuba, já que o país vive hoje uma situação econômica bastante incerta. Historicamente, a ilha dependeu de outros países para abastecer sua economia. Nos últimos anos, a Venezuela tem sido seu braço direito. Mas com a economia venezuelana em crise devido à queda na cotação do petróleo, falta de dólares e inflação elevada, o país já não serve como aliado econômico à Cuba. No anúncio da medida o presidente cubano fez questão de reforçar a urgência do fim ao embargo. “Concordamos em restabelecer as relações diplomáticas, mas isso não significava que todas as principais questões estão resolvidas. O bloqueio econômico, comercial e financeiro, que causa prejuízos econômicos e humanos enormes ao nosso país, tem que acabar”, finalizou. Já o presidente norte-americano afirmou estar ansioso para envolver o Congresso em um debate honesto e sério sobre o fim do embargo. Para o geógrafo Levon Boligian, esse é o maior desafio que o presidente dos EUA irá enfrentar agora: “Obama terá que seduzir a bancada republicana que se apresenta altamente resistente à ideia de cessar o embargo”. Se o embargo cessará em alguns meses ou não, ainda não sabemos. Mas o telefone e o aperto de mãos entre dois presidentes após mais de cinco décadas de isolamento diplomático certamente representa o primeiro passo em direção à paz e a uma relação amistosa entre os dois países.
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