A escola em festa: as festividades escolares na primeira república

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A escola em festa: as festividades escolares na primeira república
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A ESCOLA EM FESTA: AS FESTIVIDADES ESCOLARES NA
PRIMEIRA REPÚBLICA NO PIAUÍ
Antonio de Pádua Carvalho Lopes
Universidade Federal do Piauí
RESUMO
O trabalho analisou a realização de festividades escolares na primeira república no Piauí, considerando
estes momentos como fundamentais para a compreensão da relação entre escola e cidade. Nas festas a
escola mostra-se e abre-se à comunidade extra-escolar, apresentando-se no apogeu de sua visibilidade
pública. Essas festas compreendem solenidades cívicas, aberturas e encerramentos de anos letivos,
formaturas, exposições escolares, aniversários da escola, festas religiosas, sessões literárias e
premiação de alunos. Para a análise das festas escolares como manifestação de sociabilidade no espaço
escolar portadora de conteúdos relevantes da cultura local e modo de visibilidade pública da escola,
utilizou-se como fonte, principalmente, jornais (escolares e não escolares) e o Almanaque da Parnaíba.
Como referencial teórico principal utilizamos Pierre Bourdieu e Norbert Elias, especialmente o
conceito de configuração de Elias. As festas escolares reuniam alunos, professores, população em
geral, autoridades públicas e intelectuais em torno da comemoração do que era festejado. Faziam-se
discursos, cantava-se, representava-se, tudo com preparação prévia visando mostrar a disciplina e a
excelência pedagógica do estabelecimento de ensino e da educação nele ministrada. As festas
escolares eram estratégia importante para tornar vísivel a ação pedagógica de novos tipos de escolas,
como as escolas reunidas e os grupos escolares, destacando seu lugar no quadro das inovações
educacionais do período.. A participação crescente dessas escolas em festividades públicas revelou-se
um marco importante para sua visibilidade pública, com alunos discursando em nome da escola, como
fez Bugyja Britto em 1917, no coreto da Praça Rio Branco, durante a celebração da Festa da Bandeira.
As festas de encerramento do período letivo, outro modo de marcar a presença da escola na cidade,
eram anunciadas nos jornais, sempre referindo-se à exposição dos trabalhos dos alunos, reveladora dos
méritos pedagógicos da escola. Os jornais relatavam a visita de seus representantes a estas exposições,
destacando o grau de aproveitamento dos alunos e elogiando a direção da escola. As festividades
escolares, embora fossem festas para marcar o consenso, ocorriam, também, para marcar
manifestações de desacordo com legislações implantadas no período. Isso ocorreu, por exemplo, em
1926, dezesseis anos após a implantação da reforma de 1910 que representou um acirramento das
idéias laicas em matéria de educação, mas ainda marcados por elas, quando da festividade de
encerramento das aulas da Escola Modelo de Teresina. Nesse ano, a Escola Modelo encerrava suas
atividades, posicionando-se sobre o ensino da religião, com a celebração da primeira comunhão de
seus alunos. O discurso do magistrado Simplício Mendes, a convite dessas professoras, revelava
exatamente o que esta festa queria marcar em relação ao ensino laico, ponto importante da reforma de
1910 e da criação desta escola: a liberdade das professoras , fora do horário das aulas,ministrarem
ensino religioso e preparem as crianças para a primeira comunhão. Mas, além das festividades
religiosas e da discussão sobre ensino laico e, ao mesmo tempo, estreitamente relacionada com elas, a
Escola Modelo encerrava suas atividades ocupando o espaço público: a praça Rio Branco com o
desfile de seus alunos; o edifício do cinema “Olympia” para distribuir os prêmios do ano letivo e,
nesse mesmo espaço, realizar a conferência de encerramento das aulas pronunciada, como
anteriormente dissemos, pelo magistrado e membro da Academia Piauiense de Letras, Simplício
Mendes, intitulada “O ideal cristão” Foi uma festividade que marcou, além da posição das professoras
sobre o ensino laico , a importância dessa escola na cidade, sendo realizada com o acompanhamento
das bandas de música da Força Militar e do 25o Batalhão de Caçadores do Exército, Festas de
inauguração de prédios escolares, como a realizada em Parnaíba(PI) em 1927, quando da inauguração
do Grupo Escolar Miranda Escolar, eram recheadas de patriotismo e de destaque ao importante
melhoramento municipal, símbolo da modernização da educação escolar da cidade.. Com esse tipo de
escola, Parnaíba passou a ter com mais freqüência as festas escolares nas ruas e praças, movimento até
então comum apenas na capital. Exemplo disto foi a Festa da Ave e a comemoração do primeiro ano
de instalação do Grupo Escolar Miranda Osório, realizada na praça da matriz no dia 15 de junho de
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1928. Havia, também, a festividade de Sete de Setembro, data escolhida pelas elites dirigentes da
cidade para marcar o novo na sua ação educacional. Assim, de diferentes formas, as festas escolares
procuraram situar a escola no contexto da escola, abrindo-a a visitação e a exposição no espaço
público, procurando demonstra a eficiência, competência e organização de seu ensino, mostrando uma
face importante da cultura escolar.
TRABALHO COMPLETO
A presença das escolas na cidade faz-se não apenas pelo murmúrio e caminhar de
estudantes em direção da escola e depois de volta para casa, mas, também, no momento em que a
escola se abre para a cidade, ocupando seus espaços ou sendo ocupada pela população. Isso ocorre,
especialmente quando a escola, suspendendo a rotina, abre-se para a festa. As festas são de diferentes
tipos e motivações, nelas ocorrendo a recolocação da escola na cidade, alterando a dinâmica da escola
e da cidade, recriando sociabilidades. As festas escolares traziam, ainda, as marcas das novidades
curriculares e das transformações pedagógicas da escola.
No Piauí, foi, especialmente com o advento das escolas reunidas e dos grupos
escolares, que a rotina de festas escolares se expandiu e se consolidou. Em que pese as multiplicidades
de usos, intencionalidades e sentidos existentes nas festas, estas eram utilizadas pelas escolas reunidas
e grupos escolares, especialmente, para tornar mais visível sua ação pedagógica no contexto escolar,
demarcando sua posição de importante inovação no aparato escolar existente. Reunião e
movimentação de um número significativo de alunos, as festas escolares demarcavam mobilidade e
status das escolas na cidade.
Assim, os grupos escolares, no período analisado, situados no topo da hierarquia do
sistema de ensino primário, participavam crescentemente das festividades públicas. Seus alunos
passavam, cada vez mais, a figurar nas solenidades públicas discursando em nome delas, como fez
Bugyja Britto, em 1917, no coreto da Praça Rio Branco, durante a celebração da Festa da Bandeira
(BRITTO, 1977, p. 78). Discursando, como os alunos de escolas confessiossionais católicas, nas
visitas de bispos a cidades do interior do Estado, como fez João Cavalcante Barros, em 1924, em
Florano (Discurso..., 1924).
As festas de encerramento do período letivo, outro modo de marcar a presença da
escola na cidade, eram anunciadas nos jornais, sempre referindo-se à exposição dos trabalhos dos
alunos, reveladora dos méritos pedagógicos da escola. O findar do ano letivo era um momento de
demonstrar à cidade o que escola realizou, a modernidade de seus métodos e o êxito de sua prática
pedagógica. Trabalhos perfeitos e exemplares eram postos para a apreciação da cidade. A escola
queria exibir-se, mostrar-se aos olhares de toda a cidade. Assim, como afirma Souza (1998, p.277),
“os exames públicos, as festas e exposições escolares e as comemorações cívicas explicitam as
múltiplas formas pelas quais a escola primária construiu sua identidade institucional e estendeu sua
pedagogia a sociedade mais ampla”.
As festas escolares como estratégias para visibilidade da escola, como prática
formativa dos alunos e expansão da ação educativa escolar tornar-se-iam atividades rotineiras dos
grupos escolares, que consolidavam-se como instituições educativas exemplares no interior do
aparato escolar piauiense, destacando a importância, modernidade, zelo e competência da educação
nela ministrada.
As festas escolares, rompendo o espaço fechado da escola, geravam uma mobilização
dos escolares por espaços importantes da cidade: as escolas de maior prestígio no aparato
educacional, as praças e ruas principais, as igrejas centrais e o cinema. Uma transformação da
dinâmica escolar e desses espaços. Mas, também transformava o espaço escolar e seus sujeitos
costumeiros, quando abria-se para a cidade e a abrigava em festas. A escola transformava-se em
espaço de baile, apresentações artísticas ou chás dançantes. Como ocorreu diversas vezes com a
Escola Normal, um imponente prédio escolar. Em 1927, quando das comemorações do centenário do
ensino primário no Brasil, a Escola Normal se abre um desse tipo de festas (ENSINO, 1927). Ainda
em 1927 um chá dançante era oferecida as normalistas onde “Mister Briss apresentará alguns de seus
trabalhos de transmissões de pensamento, chiromacia, prestidigitação em cartas e outros”
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(FESTIVAL, 1927), trazendo para o espaço escolar, além da música, números pouco usuais nas festas
ocorridas nesse espaço.
Transformada em seu uso e tendo alterada sua rotina, a cidade acorria à escola em
festa e esta abria-se e modificava-se com uma programação que incluía discursos, hinos e dramas
infantis, como a realizada pelas professoras Neném Cavalcante e Francisquinha Barros, na cidade de
Piracuruca, para comemorar o centenário do ensino primário (NOTÍCIAS, 1927). Em Teresina, a
festa do centenário colocava em suspensão o cotidiano da escola e o predomínio da infância, como
revela a notícia da Gazeta: “a criançada das vossas escholas vai ter um dia magnífico, em que ella
pontificará, em meio à ruidosa alacridade que a caracteriza (O DIA,1927).
Algumas festas marcavam publicamente a finalização dos trabalhos escolares,
anunciados para a cidade na alteração promovida pela presença dos escolares em espaços abertos,
expondo a modernidade de seus métodos e fazendo a louvação pública de seus alunos mais aplicados.
Em 1926, a Escola Modelo encerrava suas atividades ocupando o espaço público extra-escolar da
praça Rio Branco com o desfile de seus alunos e também o edificio do cinema "Olympia", para
distribuir os prêmios do ano letivo e, nesse mesmo espaço, realizar a conferência de encerramento
das aulas. Esta festa foi acompanhada por bandas de música da Força militar e do 25º Batalhão de
Caçadores do Exército (A FESTA, 1926). Bandas estas que acompanhavam diversas destas
festividades escolares, compondo, com sua música, o clima festivo, solene e diferente do cotidiano
escolar.
As inaugurações de prédios escolares marcavam, igualmente, este momento em que a
escola em festa e de roupa nova apresentava-se à cidade, demarcando sua importância, imponência e
modernidade. Exemplo disto foi a festa realizada em 1936, em Pedro II, na inauguração do Grupo
Escolar Marechal Pires Ferreira, no qual foi recitado o Hino à Árvore, de João Ferry, por coincidir
com a comemoração da festa da árvore (João Ferry, 1952.). É ainda exemplar, nesse aspecto, o modo
como o prédio do Grupo Escolar Miranda Osório de Parnaíba realizou sua inauguração em 1927.
Mesmo esta escola tendo sido instalada em junho, foi aguardada uma data que simbolicamente
representasse o patriotismo, as mudanças desejadas para a educação municipal e a autonomia de
Parnaíba, destacando-se sua ação educacional, em matéria de melhoramentos municipais, para ser
inaugurada solenimente a escola. Esta data foi 7 de setembro de 1927. Foi uma festa recheada de
patriotismo e simbolicamente marcada pela autonomia da cidade em sua ação educacional. O jornal
"O Piauhy" expôs o programa patriótico da festa:
"PROGRAMMA DA COMMEMORAÇÃO DE 7 DE SETEMBRO
Grupo Escolar Miranda Osório
1- Hymno da Independencia cantado por todos os alumnos.
II- Preleção sobre a data, pelo Director.
III- "Pátria", poesia pelo alumno do 4° anno - Leonar Cunha.
IV- "Tiradentes", poesia pela alumna do 3° anno Heudinéa Coutinho.
V- "A Morte de Tiradentes", pelo alumno do 4° anno Carlos Carvalho.
VI- ''Nossa terra, nossa gente"... poesia pela alumna do 4° anno - Neusa
Lopes.
VlI- "A Patria", poesia pela alumna do 10 anno Nonnal - Maria Elisa
Sampaio.
VIII- Alegoria do Brasil, pelas alumnas do Grupo e cursos Gymnasial
e Normal.
IX- Hymno Nacional.
II PARTE
1- Demonstração de escotismo, pelos alumnos do Grupo Escolar e
cursos gymnasial e normal.
11- Passeata pela cidade. (GRUPO, 1927).
Moderna e febril, Parnaíba passou, a partir da transformação do seu aparato escolar, a ter com
mais freqüência as festas escolares nas ruas e praças, movimento já comum na capital. Exemplo disto
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foi a Festa da Ave e a comemoração do primeiro ano de instalação do Grupo Escolar Miranda Osório,
realizada na praça da matriz, no dia 15 de junho de 1928. No discurso que fez sobre as aves, Edison
Cunha destacava a novidade que era este tipo de festa para as crianças das escolas primárias da
cidade: "Ao contemplar esta multidão de crianças que buscam sahir da obscuridade do
analphabetismo, para a apotheóse de luz, que é o saber; ao olhar estas cabecinhas irrequietas, seres
alegres e festivos que aqui passando deliciosos momentos proporcionado pela novidade da festa [...]”
(FESTA, 1928). Novidade para a cidade, mas novidade, também, para os alunos, reunidos em uma
nova forma pedagógica fora da escola e de sua rotina.
Crianças e professores ocupando, em festa, o espaço da cidade era, em Parnaíba, uma
inovação que o grupo escolar consolidou. Destas ocasiões destacava-se o sete de setembro. O Sete de
Setembro, data escolhida pelas elites dirigentes da cidade para marcar o novo na sua ação educacional
em 1927, foi, em 1928, ampliado e transformado em uma “festa litero sportiva", promovida pela
Diretoria da Instrução Municipal, contando com a participação dos "estabelecimentos de instrucção
primaria desta cidade, a mocidade do Gymnasio e da Escola Normal e o Tiro 147". Neste ano, uma das
novidades educacionais do Sete de Setembro ficou a cargo das normalistas: "as normalistas,
devidamente uniformizadas, estrearam, naquelle dia a boina basca, interessante gorro de velludo azul
escuro". As festas também marcavam mudanças na indumentária escolar cotidiana: roupa nova na
assistência e na escola. Para Veiga (2000, p. 414), “as festas escolares, cívicas ou não, foram pensadas
dentro da relação cultura nacional e educação estética, como um momento de manifestação máxima de
emoções.”
Naquele ano, o cortejo escolar seguiu do prédio do Grupo Escolar Miranda Osório até
o "campo do I.A.P.C., onde se realizaram as provas sportivas e a parte literaria do festival. As
archibancadas estavam cheias, notando-se grande número de autoridades. Todas as provas foram
admiravelmente executadas, sendo saudados com salvas de palmas os alumnos que nellas tomaram
parte”. O espetáculo desportivo era outra inovação daquele Sete de Setembro, que, como outras
festividades escolares, contou com um público amplo, caracterizando-se como um momento de
ampliação da ação educativa da escola.
As festas demarcavam hierarquias de escolas e ampliavam a visibilidade delas na
cidade, bem como o novo movimento educacional existente e a gestão deste movimento pelas
autoridades responsáveis pela instrução pública. Isso fica claro quando, em 1927, em Teresina,
comemorou-se com passeata o centenário da fundação dos cursos primários no Brasil. Nesta festa, o
ponto de partida foi o Grupo Escolar Demonsthenes Avelino, com prédio construído especificamente
para suas atividades numa época de poucos prédios escolares construídos; e o final, a Escola Modelo,
erigida em exemplo escolar. Um itinerário que demarcava hierarquias no espaço da escola e da
cidade:
às 7 da manhã reunião de todas as escolas estaduaes, municipaes e
particulares no ‘Grupo Demosthenes Avellino’, donde descerão passando
pela frente de Karnak para a praça Marechal Deodoro, onde farão exercício
de gymnastica sueca e cantarão o hymno do Centenario do Ensino Primario
no Brasil; em seguida haverá distribuição de bombons á petizada na 'Escola
Modelo’.
Esta comemoração serviu, portanto, também para delimitar as instituições melhor
aquinhoadas com a modernização escolar na capital. As solenidades tiveram como marcos
importantes de reunião dos estudantes e professores o Grupo Escolar Demóstenes Avelino e a Escola
Modelo.
No município de União, as comemorações do centenário da instrução primária foram
também realizadas sob os auspícios do Grupo Escolar da cidade. Este organizou o seguinte programa,
com números que ilustram bem a ação festiva dessas escolas no período:
1. Hymno a Bandeira por diversas alunas.
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2. 'Curiosodade' (adaptação) Theresa Lobão, Lila Marques e Maria
Esther Muniz.
3. 'O segredo de Margarida' (monologo) Arlette Coutinho.
4. 'A minha casinha' (valsa) Nahide Daniel.
5. 'A moda' (dueto) Maria de Jesus Baptista e Gervita
Monteiro.
6. 'Uma data nacional' (comedia) Nahide Daniel, Arlette Coutinho,
Maria do Rosário Lobão, Diva Lobão e Dedé Sampaio.
7. 'Caridade' (monologo) Maria de Jesus Baptista.
8. 'Saudades do Sertão' (tango) Luiza Paz.
9. 'Desaperto' (monologo) Thereza Lobão.
10. 'Oia lá João' (tango) Arlette Coutinho.
11. 'Irmã e Irmão' (dialogo) Nahiede Daniel e Maria de Jesus
Baptista.
12. 'Menina ou moça' (monologo) Maria do Rosario Lobão.
13. 'Chiquita' (cançoneta) Dedé Medeiros Sampaio.
14. 'Sertão Inutil' (monologo) Gervita Monteiro.
15. 'Assim, yayá' (tango) Maria de Lourdes Carvalho.
16. 'Baú enferrujado' (maxixe) Arlette Coutinho.
Uma festa que tinha números artísticos e demarcava a abertura da escola a cidade.
Canções, recitações, hinos, monólogos... a escola educa o gosto artístico e o patriotismo em uma festa
para comemorar a sua existência. Para Veiga (2000, p. 407), além da abertura de escolas, uma
educação para a civilidade necessitava de
uma educação estética que envolvesse habilidades manuais, a educação das
mulheres para o lar, o contato com a literatura brasileira, os cantos, a dança,
presentes no cotidiano das salas de aula, nas festas escolares, nas festas da
cidade, bem como no estilo neoclássico das grandes edificações, da escola e
da cidade.
Construindo nas festas cívicas a nacionalidade, a escola ensinava as tradições
inventadas, como afirma Bittencourt (2000, p. 47): “As tradições nacionais não poderiam, dentro
deste contexto, ser tratadas apenas pelos livros didáticos acompanhados das preleções dos professores
em sala de aula. ‘As festas e comemorações, discursos e juramentos’ tornam-se partes integrantes e
inerentes da educação escolar”. As festas são, portanto, uma ação pedagógica eficaz, tendo sua
validade relação com essa ação: “as simples comemorações, as festas, só valem pelo caráter educativo
de que se revistam, isto é, pela influência que possam ter sobre a alma infantil, antes de tudo, e pela
influência que possam ter sobre o meio social em que funcionar a escola” (LOURENÇO FILHO apud
BITTENCOURT, 2000, p. 64).
As festas de encerramento das aulas eram, muitas vezes, realizadas procurando fazêlas coincidir com datas cívicas, como em 1925, quando a festa do encerramento das aulas primárias
de Teresina ocorreu na mesma data da proclamação da república na sede da Câmara Legislativa.
Nesta festa, com a participação da elite da cidade, das professoras e de “para mais de 500 crianças”
foram expostos em três salas os trabalhos dos alunos, distribuído os diplomas aos concludentes do
curso primário e realizada conferência sobre a educação nacional a cargo de Simplício Mendes, juiz
de direito da comarca de Miguel Alves. Os trabalhos expostos procuravam mostrar a excelência do
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ensino ministrado, fazendo do espaço da festa ocasião para demonstração de atividades desenvolvidas
pelas escolas: bordados, desenhos, escritas. Festas com a participação de representantes dos poderes
estabelecidos: governador, intendente municipal, diretor da instrução pública, juízes. Discursos
pronunciados por professoras, como o que fez a professora da Escola Modelo, D. Neném Gonçalves
nesta festa. Banda de música, distribuição de bombons e danças marcavam, também, estas festas, que
eram percebidas como um dos indícios do modo como o diretor da instrução cuidava da instrução
pública (ENCERRAMENTO, 1925). Essas festas eram realizadas, também, no Teatro Quatro de
Setembro, como o encerramento das aulas primárias de 1908, realizado em 1º de dezembro de 1908
(SECRETARIO DE GOVERNO, 1908), para a qual era solicitado ao público, numa educação para o
público do teatro, “todo o silêncio [...] sem o qual o canto das crianças não poderá ser ouvido senão
por aqueles que se acharem mui próximos do palco”(FESTA, 1908).
A escola mostrava, ainda, sua face festiva quando realizava exposições escolares.
Nesses momentos demonstrava a excelência e modernidade dos métodos de ensino e dos trabalhos
realizados. Estas exposições eram muitas vezes vinculadas a festividades cívicas, como a que se
realizaria como parte das comemorações do centenário da Independência.
Festas eram, pela natureza da comemoração, realizadas, ainda, em espaços abertos,
como a festa da árvore, ocorrida em 21 de setembro de 1929, em Teresina, quando a primavera “já se
faz sentir nos belos carimbos de ouro do pau-d’arco e no perfume delicioso das flores da pitombeira”
(FESTA, 1929). Esta festa ocupava, principalmente, o espaço das praças. Em 1929, a festa ocorreu na
praça Marechal Deodoro, onde foi plantada uma árvore e realizadas competições, como o jogo
“estátua viva”. São festas formativas que unem civismo com espetáculo pedagógico, compondo a
cultura escolar do período. A festa, dividida em duas partes, teve a seguinte programação:
1º parte
1º Hino Nacional, cantando por todas as escolas;
2º Hino amor as árvores, cantando por todas as alunas;
3º Hino da Árvore, pelos 1º e 2º anos da Escola Normal
2º parte
4º Ziz-zag, exercício de destreza pelo 1º ano da Escola Normal;
5º Estátua viva, 4º ano da Escola Normal;
6º Ginástica Sueca, por um grupo de alunas da Escola Normal
3º parte
Desfile de todas as escolas pelas principais ruas da cidade. Com o seguinte itinerário: sairá da praça
Deodoro, subirá a rua Coelho Rodrigues até o palacete do coronel Luiz Ferreira, onde dobrará para a
Avenida Antonino Freire, descendo pela rua Theodoro Pacheco até a rua Riachuelo, a recolher a
Escola Normal.” (FESTA, 1929).
Esta era uma programação diversificada que envolvia várias escolas e mais de 3000
crianças (FESTA, 1929), mas destacava a Escola Normal como escola principal no conjunto das
escolas existentes. Como acontecia nestas festas a cidade era ocupada pelas escolas, que organizadas
percorria suas ruas e, suspendendo o cotidiano escolar, dava uma nova visão de si, como espetáculo.
Como em outras festas públicas, a banda de música se fazia presente. No final, como
costumeiramente se fazia, havia distribuição de bombons para as crianças, distribuição esta que podia
ser, ao mesmo tempo, um prêmio pela disciplina demonstrada no espetáculo e marca de um final de
dia festivo. Tinha, também, um caráter patriótico, procurando incutir o amor à Pátria na relação com
sua natureza, como podemos perceber no discurso pronunciado pela professora Esther Couto para as
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crianças de todas as escolas municipais reunidas na escola municipal Presidente Epitácio, de Teresina,
contando com a participação do intendente municipal, Anfrísio Lobão, em 1925: o prazer de plantar
uma árvore “em breve se transformará em amor ao solo o que quer dizer à Pátria!” (A FESTA, 1925).
As festas de formatura da Escola Normal, embora marcassem um importante
acontecimento da escola, tinha caráter mais restrito. Nela, contudo, além da entrega dos diplomas às
normalistas concludentes, havia exposição de trabalhos, concertos musicais e baile de formatura, não
somente no espaço da Escola, mas, também, em sedes de Clubes Recreativos, como a de 1921, que
ocorreu na sede do Clube Recreativo Teresinense (ESCOLA, 1929). Estas festas caracterizavam-se
por ser um ritual de passagem da condição de normalista para a de professora normalista, sendo,
geralmente, relembrado nelas o papel que agora competia à ex-estudante exercer na sociedade
piauiense.
Festas de formatura, algumas vezes, coincidiam com ou abriam comemorações
marcantes para as cidades, como aconteceu em Picos, quando da formatura dos alunos do Ginásio
Estadual Picoense, em 17 de dezembro de 1955. Esta festa abriu as comemorações do centenário de
Picos, sendo organizada com missa na Igreja Matriz, colação de grau no Cine Ideal e festa no Clube
local (NOTAS, 1955).
Festas de inauguração de fotos de diretores em prédios escolares alteram a rotina
escolar e imprimem o desejo de inscrever marcas visuais dos gestores de escola, como ocorreu em
1927, quando foi inaugurado solenemente o retrato de Cristino Castelo Branco, diretor da Escola
Normal, no salão nobre, seguida de animadas danças.
Festas de aniversário de instalação das escolas, nas quais a escola rememora sua
história e mostra sua importância para a cidade. As festas realizadas pela Escola Normal em
comemoração a sua instalação tornaram-se rotinas desde a primeira realizada em 1911, que assim foi
descrita por Arimathea Tito (1911):“ A festa da Escola Normal foi prometedora e sincera. Simbolizou
o futuro piauiense. Distendeu o circulo da nossa inteligência e das nossas aspirações. Assinalou a
efetividade almejada de um grande sonho. Satisfez o nosso gosto artístico. Incendiou-nos a alma”.
Com uma programação em que constavam discursos, recitação de poesia e música, a Escola, com sua
festa, ampliava os espaços da cidade para a realização dessas manifestações. Incorporada ao
calendário da Escola, esta festa realizar-se-ia anualmente. Em 1927, foi realizada uma festa deste tipo
em comemoração ao 17º aniversário da Escola, na qual realizou-se houve programação variada:
drama artístico, partidas de ping-pong, recitativos, etc. Esta festa comemorativa teve a peculiaridade
de ser exigido ingresso para o acesso a ela (ESCOLA, 1927). Como outras festas escolares, essa
contou com a banda da Polícia e baile.
Além das escolas públicas, festejavam seus aniversários as escolas particulares,
marcando o caráter da formação ministrada na escola, como aconteceu em 1923, com o Colégio 24 de
Fevereiro de Floriano (O NOSSO, 1923).
A Escola Normal, contando com um espaço privilegiado no interior da estrutura
escolar do período, promovia diversas modalidades de festas, uma das quais era a realização da
“Semana de Bilac”, em homenagem ao poeta Olavo Bilac, com conferências, execução de músicas,
declamações (SEMANA, 1928). Além dessas festividades, a Escola Normal abria-se para as
comemorações do aniversário do diretor da Escola, como ocorreu em 1928, quando houve um baile
na Escola em homenagem ao diretor Cristino Castelo Branco (ESCOLA, 1928). A Escola Normal e o
Liceu eram palco também para a comemoração do aniversário do diretor da instrução pública, como
ocorreu em 1925 por ocasião do aniversário de Anísio Brito, na qual houve discursos, recitativos e
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números musicais. Em 1927, nessa mesma escola, era comemorado o aniversário de Cristino Castelo
Branco, então Diretor da Instrução Pública, incluindo visitas a sua residência (DR. CRISTINO,
1927).
Havia festas, igualmente, que resgatavam a relação insistentemente posta por algumas
professores entre a escola laica e a religião católica, como as realizadas em 1926, pelas professoras da
Escola Modelo, em Teresina, para a realização da primeira comunhão dos alunos desta escola. A
escola realizava sua festa fora do espaço escolar, na Igreja do Amparo e logo após no Cinema
Olímpia, onde ocorreu a entrega de prêmios aos alunos, seguida de uma conferência pronunciada por
Simplício Mendes (PRIMEIRA, 1926). Esta festividade contou com cerca de 300 crianças que,
cantando, em forma e com lírio na dextra, adentraram na Igreja do Amparo. A festa contava com as
bandas de música do 25º Batalhão de Caçadores e da Força Militar.
A escola saía às ruas, ainda, para comemorar gestões de governantes, destacando suas
ações e enaltecendo seus feitos, como aconteceu em 1927, no terceiro ano do governo de Matias
Olímpio, quando as escolas foram ao Palácio de Karnak cumprimentá-lo (O ANIVERSÁRIO, 1927).
As festas escolares caracterizavam-se por sua diversidade e ritualidade. Apesar dessa
diversidade elas procuravam, essencialmente, expandir sua ação formativa para a cidade como um
todo. Transformavam a dinâmica da escola e da cidade, seja quando se abriam para a cidade, seja
quando circulavam pela cidade. Como afirma Ryan (1995), em relação à parada norte-americana, as
festas escolares na cidade procuravam também criar uma cultura urbana.
A preocupação com a formação cívica dos alunos parece ser a tônica destas festas,
que procuravam incutir, também, novos comportamentos culturais e estabelecer um gosto artístico. A
escola, através dessas festas, mostrava sua ação educativa e expandia essa ação para a cidade, criando
novas sociabilidades e inventando tradições.
REFERÊNCIAS
A FESTA da árvore, A Imprensa, Teresina, PI, a. 1, n. 17, 24 set. 1925.
A FESTA de domingo. O Piauhy, Teresina, PI, a. 60, n. 246, 9 nov. 1926.
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. As “tradições nacionais” e o ritual das festas cívicas. IN:
PINSKY, Jaime(org.) O Ensino de História e a criação do fato. São Paulo: Contexto, 2000.
BRITTO, Bugyja. Narrativas autobiográficas 1. Rio de Janeiro: Folha Carioca, 1977.
DISCURSO feito pelo aluno João Cavalcante Borges, na visita do Colégio 24 de Fevereiro ao Exmo.
Sr. D. Severino Vieira de Melo. O Livro, Floriano, PI, a. 8, n. 78, 15 jun. 1924.
DR. CRISTINO Castelo Branco. O Piauhy, Teresina, a. 61, n. 156, 26 jul. 1927.
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ENSINO Primário, A Imprensa, Teresina, Pi, a.II,n. 305, 15 out. 1927.
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