o papel da percepção no estudo dos riscos naturais

Transcrição

o papel da percepção no estudo dos riscos naturais
O PAPEL DA PERCEPÇÃO NO ESTUDO DOS RISCOS NATURAIS
Nuno Santos, Maria José Roxo, Bruno Neves
e-Geo - Centro de Geografia e Planeamento Regional
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas – Universidade Nova de Lisboa
Avenida de Berna, 26 C, 1069-061 Lisboa
Resumo
A avaliação efectiva do risco é vista como um processo de dois sentidos. Sem ouvir as
pessoas, é impossível compreender o que sabem e o que pensam. De facto, os leigos não
partilham da visão dos cientistas, quer sobre a seca quer de qualquer outro risco. Os
investigadores têm as suas percepções sobre o risco, baseadas em critérios científicos,
enquanto que o público em geral baseia a sua percepção em conhecimentos que reflectem a
sua cultura, educação, situação socio-económica. Por isso é importante, quando se tem de
gerir riscos, considerar diferenças de percepção, construindo uma ponte entre o conhecimento
dos leigos e o científico. O objectivo deste artigo é dar a conhecer os princípios básicos
propostos pela percepção de risco, e o papel que pode desempenhar na gestão dos riscos
naturais.
Palavras-chave: Riscos Naturais/ Percepção/Abordagem Psicométrica
Abstract
The effective assessment of risk is seen as a two-way process. Without listening people,
it is impossible to understand what they know and what they think. In fact, lay people do not
share the vision of scientists, whether on drought or from any other risk. The researchers have
their perceptions about the risk, based on scientific criterion, while the general public base is
perception in knowledge that reflects their culture, education, socio-economic situation. So it
is important, when you have to manage risks, consider differences of perception, building a
bridge between the knowledge of lay people and scientific. The purpose of this article is
known the basic principles proposed by the perception of risk, and the role they can play in
the management of natural hazards.
Palavras-chave: Natural Hazards/Perception/Psychometric Approach
1
I. Introdução
Nos últimos anos, tem aumentado cada vez mais os estudos dedicados à percepção dos riscos
naturais, com o objectivo de caracterizar o pensamento das pessoas sobre os perigos a que
estão expostos, e a forma como essas avaliações moldam os seus comportamentos na hora de
tomarem decisões de prevenção. Todos os dias quando abrimos os jornais, somos
confrontados com sismos, cheias catastróficas, secas ou deslizamentos de terras, que nos
lembram do quanto somos vulneráveis a estes perigos.
Desde as decisões mais comuns até às mais complexas que tomamos na nossa vida, somos
obrigados a avaliar os riscos que poderemos correr. Lima (2005) refere que não as baseamos
em informação credível e isenta (mesmo que seja possível termos acesso a ela), nem são feitas
ponderando friamente as vantagens e os inconvenientes de cada opção. Mas quando somos
chamados a tomar decisões, elas podem interferir decisivamente no nosso bem-estar,
reflectindo a nossa avaliação subjectiva do grau de ameaça de determinado evento.
Hoje vivemos num Mundo paradoxal, entre o desenvolvimento tecnológico que contribui para
uma vida mais segura e mais saudável, e a incidência de fenómenos extremos. Esse
desenvolvimento pode levar-nos a crer que a tecnologia pode destruir ou consertar tudo. É
aqui que assume especial importância, no caso do estudo da percepção dos riscos naturais, a
forma como as pessoas pensam sobre os perigos e a avaliação dos riscos a ele inerentes,
compreendendo a sua forma de agir, quando confrontados com situações de crise. Só com o
aumento da consciência das populações acerca dos riscos, é que será possível aumentar os
comportamentos de prevenção desses grupos.
Neste artigo, começaremos por abordar a evolução histórica do conceito de risco, em seguida
apresentaremos as diferentes perspectivas, risco “objectivo” versus risco “subjectivo, e por
último apresentaremos um grande domínio da investigação da percepção do risco: a
abordagem psicométrica, percebendo até que ponto poderá desempenhar um papel importante
na gestão dos riscos naturais.
2. Risco: um conceito de difícil definição
Ao longo dos séculos, a palavra risco tem sofrido profundas mudanças no seu significado,
tendo-se tornado comum a sua aplicação em inúmeras situações. As primeiras referência à
palavra “risco” datam do século 16, na língua alemã, e na segunda metade do século 17, na
língua inglesa. No entanto, o termo em latim “risicum” foi usado muito antes ao aparecimento
2
da palavra na língua alemã ou inglesa. Este conceito teve raízes na antiguidade, associados à
interferência de fenómenos naturais extremos na vida das pessoas. As pessoas sempre
olharam para essas catástrofes como uma ameaça à sua existência, e sempre foram explicados
com base em mitos e lendas.
Muitos investigadores relacionam a emergência da palavra com as aventuras marítimas. A
noção de risco surge na idade média e designava a possibilidade de um fenómeno objectivo,
de um acto de Deus, uma tempestade do mar, que não podia ser imputada qualquer conduta
incorrecta ao Homem. Este conceito de risco, portanto excluía a ideia da culpa ou
responsabilidade humana. Risco era compreendido como sendo um acto divino, uma
tempestade, uma cheia ou uma epidemia, e como tal, os seres humanos pouco podiam fazer
para estimar a probabilidade de tais eventos acontecerem e tomar medidas que pudessem
reduzir o seu impacto.
Mas as mudanças no conceito estão de facto associadas ao início do século 17, ganhando um
maior relevo e força no século 18. O Terramoto de 1755 em Lisboa, a grande capital europeia
da época, marca uma viragem na abordagem a estes eventos naturais. Para muitos naquela
época, acreditavam que aquele terramoto seria uma punição, um acto de Deus. Para Kant e
Rousseau, a catástrofe que foi o terramoto foi visto como um fenómeno natural extremo, e
enfatizaram a necessidade de construção dos edifícios em zonas de menor risco.
Esta catástrofe serviu para despertar a comunidade científica para as reais causas destes
fenómenos naturais extremos. De certa forma, o terramoto de 1755 em Lisboa marca a
separação de duas formas de ver as manifestações físicas do mundo natural. Até ao momento
do terramoto de 1755 em Lisboa, prevalecia uma visão catastrófica, onde todas as
manifestações naturais extremas não eram mais que actos de Deus. Mas rapidamente
procurou-se substituir esta forma de observar estes eventos, demonstrando que estes processos
eram regulados por leis da natureza, contrariando o argumento que tratavam-se apenas de
actos divinos que ditavam a natureza. Vai sair do domínio mitológico para entrar no domínio
lógico (Kervern:1995).
Durante os séculos 18 e 19, os estados europeus começaram a lidar com importantes
mudanças sociais derivado de uma urbanização massificada e industrialização, como
consequência da Revolução Industrial. A ciência da probabilidade e estatística começa a
desenvolver-se, tornando-se importante para a noção moderna de risco. Durante o século 18, o
conceito de risco começa-se a tornar objecto científico, desenhado sobre novas ideias da
matemática relacionada com a probabilidade. O desenvolvimento de cálculos estatísticos do
risco e a expansão da indústria dos seguros significou que o conceito de risco passou a poder
3
ser estatisticamente descrito. A noção de risco é alargada. Não é mais concentrada
exclusivamente na natureza, mas também no ser humano, na sua conduta, nas relações entre
si, e as suas relações com o meio onde vive.
Todos nós no nosso dia-a-dia lidamos com todo o tipo perigos. Esse facto impulsionou um
campo de estudo, que passou a preocupar-se na compreensão da forma como as pessoas
interpretam o risco. Hoje, existe uma busca incessante para encontrar uma fórmula de prever
esses riscos, mas se soubéssemos com toda a certeza que algum fenómeno aconteceria, não
estaríamos a lidar com o risco. No ponto seguinte, aprofundaremos o conceito de risco e como
tem sido definido de formas muito diferentes pelas mais diversas áreas do conhecimento.
3. Risco: Um Conceito, Duas Perspectivas
Sempre existiu uma diferença fundamental no uso da palavra risco, entre a linguagem
científica e a linguagem coloquial. Essas diferenças provocaram dificuldades em encontrar
uma definição única, o que por vezes conduziu à sensação de se estar a falar do mesmo,
quando na realidade referiam-se a conceitos diferentes.
De facto, existe uma grande diferença entre o chamado risco objectivo e o risco subjectivo.
No nosso dia-a-dia, quando enfrentamos os mais diversos perigos somos obrigados a fazer
uma avaliação dos riscos que corremos. Essa avaliação reflecte a nossa interacção com o
evento, o nosso passado e presente, bem como o nosso contexto social. A esse processo
podemos chamar de percepção do risco. No lado oposto, encontramos a avaliação objectiva
do risco, que não é mais que o procedimento técnico especializado de medição do risco
derivado de uma tecnologia, de uma actividade ou situação (Lima, 2005: 204). Para muitos
autores, a definição do risco é baseada apenas em função da probabilidade da ocorrência de
um desastre, outros incluem também as suas consequências, ou apenas é considerado em caso
de morte, ferimentos ou prejuízos materiais.
Até aos anos 70, predominaram estes modelos objectivistas que serviram de suporte na tarefa
de avaliar riscos e diminuir a vulnerabilidade da exposição das populações ao risco. O
problema é que frequentemente existia discórdias dessas análises, entre os leigos e os
especialistas, pois uns sobreavaliavam o risco, enquanto que outros o subavaliavam. Um
exemplo representativo dessa realidade é o da construção das incineradoras. A análise dos
riscos dos técnicos, deliberava um parecer positivo para a construção com base nas suas
avaliações, enquanto que os leigos tinham uma opinião contrária e mostravam as suas
reservas quanto à construção da incineradora. Essas divergências entre os especialistas e os
4
leigos foram interpretadas como uma reacção emocional, que reflectia a falta de informação e
de conhecimento acerca desses riscos, o que levou a um esforço de alertar as populações,
através de campanhas de sensibilização, bem como a divulgação das conclusões dos estudos
realizados pelos especialistas.
Este facto foi o ponto de partida para uma nova conceptualização, uma nova forma de
perceber como as pessoas lidam com a incerteza, como tomam as suas decisões, que vai
permitir perceber as divergências de fundo que separavam os leigos e os especialistas.
Importantes contributos foram desenvolvidos pela Psicologia Cognitiva no domínio do
pensamento humano em situações de incerteza, sendo a equipa de investigação do Decision
Research Center, Oregon orientada por Paul Slovic e Baruch Fischhoff, uma das pioneiras
nesse campo de investigação. Através dos trabalhos desenvolvidos por essa equipa, permitiu
demonstrar que avaliação do risco por parte dos leigos em nada se assemelha aos dos
especialistas, pois as pessoas no seu dia-a-dia as pessoas não fazem estimativas de
probabilidades, portanto o seu pensamento nunca se poderá resumir a uma perspectiva
unidimensional. Estes autores demonstraram que a estrutura da forma como os leigos
percepcionam os riscos dos leigos é multidimensional, não é determinada unicamente por
estatísticas unidimensionais, mas igualmente por uma variedade de características
quantitativas e qualitativas reflectidas pelas suas análises. Esta corrente de investigação teve
igualmente o mérito de contribuir para a afirmação desta corrente junto dos decisores,
influenciando decisivamente as novas estratégias de divulgação de informação e divulgação
dos conhecimentos técnicos junto das populações.
No próximo ponto iremos caracterizar uma perspectiva da avaliação de riscos,
particularmente no domínio da percepção dos riscos.
4. Percepção do Risco
A capacidade de perceber e evitar condições ambientais adversas é necessário para a
sobrevivência de todos os organismos vivos (Slovic, 1987: 220). Essa capacidade humana tem
tanto o poder de alterar o ambiente, bem como responder a ele, criando ou reduzindo o risco.
Nas décadas mais recentes, o profundo desenvolvimento da tecnologia tem sido acompanhado
por eventos cada vez mais catastróficos, que tem provocado graves danos às populações e os
seus bens. Para a maioria dessas pessoas, esses processos complexos são pouco familiares e
incompreensíveis. Até para a ciência, estas consequências negativas têm sido difíceis de
avaliar através de dados de modelos estatísticos. A partir dessa dificuldade de gerir os perigos
5
de hoje, nasceu a necessidade de criar uma nova disciplina, a “Avaliação do Risco”, com o
objectivo de ajudar na identificação, caracterização e quantificação do risco. Enquanto os
cientistas avaliam os perigos através de análises sofisticadas de avaliação do risco, a maioria
das pessoas confiam na sua intuição na hora de emitir o seu juízo, sobre o risco, o qual passou
a chamar-se de “percepção do risco”.
Por “percepção do risco” entende-se então a forma como os não especialistas (referidos
frequentemente como leigos ou público) pensam sobre o risco, e refere-se à avaliação
subjectiva do grau de ameaça potencial de um determinado acontecimento ou actividade
(Lima, 2005: 203). Essa percepção vai para além do individual, é o mundo social e cultural
que constrói as percepções, os valores e a ideologia.
Durante as últimas décadas, um número crescente de investigadores têm tentado responder a
inúmeras questões, examinando as opiniões expressas pelas pessoas quando questionadas a
avaliar os perigos a que estão, ou que poderão estar sujeitos no futuro. Com base nestes
trabalhos, tentou-se desenvolver técnicas de forma a avaliar as complexas visões que as
pessoas possuem em relação ao risco. Através destas técnicas, os investigadores procuraram
descobrir qual o significado que as pessoas atribuem, quando dizem que algo é (ou não) um
risco, e determinar quais os factores são a base dessas percepções. Percebeu-se que
compreendendo as formas como as pessoas pensam e respondem ao risco, se poderia
melhorar a comunicação entre os decisores e o público em geral, contribuindo com estratégias
efectivas de gestão do risco.
Importantes contributos para compreender a percepção dos riscos têm surgido nas mais
diversas áreas, desde a geografia, sociologia e psicologia. O estudo geográfico originalmente
tem-se focado em compreender o comportamento humano, no enfrentar dos riscos naturais.
Estudos antropológicos têm demonstrado que a percepção e aceitação do risco tem as suas
raízes em factores sociais e culturais. Outros argumentam que a resposta aos perigos é
influenciado por exemplo, pelos amigos, família, ou colegas de trabalho.
Como podemos constatar este tema tem sido abordado intensivamente nas ciências sociais,
mas é na área da psicologia que nos debruçaremos mais concretamente, analisando a
abordagem psicométrica, e o seu papel na compreensão da perspectiva leiga sobre os riscos.
5. A Abordagem Psicométrica
Decorria o ano de 1972, a primeira Conferência da ONU sobre o Ambiente tornava-se um
marco na discussão das questões ambientais, as preocupações com os riscos naturais e
6
tecnológicos começavam a surgir um pouco por todo o mundo. É por esta altura que surge o
artigo de Chauncey Starr, que ficou designado como a abordagem das preferências reveladas
ou do risco aceitável. Com este trabalho, Starr procurou determinar qual era o nível de risco
tecnológico que as sociedades consideravam aceitável correr, através de uma análise
histórico-económica dos riscos e benefícios das diversas tecnologias (Lima, 2005: 213). O
autor assumiu que o número de vítimas anuais em desastres tecnológicos é um bom indicador
dos custos das tecnologias, revelando as opções ou preferências de uma sociedade, permitindo
a previsão das tendências sociais futuras.
Este estudo pioneiro de Starr deu um grande impulso, contribuindo para o desenvolvimento
do paradigma psicométrico. Todos os méritos e deficiências da abordagem de Starr, serviu
para estimular um grupo de investigadores encabeçados por Slovic, Fischhoff e Lichenstein
no Decision Research Center de Eugene, Oregon, que assim procuraram descrever as
representações dos diferentes desastres, isto é, a forma como as pessoas pensam, classificam
ou valiam os perigos a que estão sujeitos. A abordagem psicométrica foi apresentada pela
primeira vez em 1978 por Fischhoff e colaboradores. Foi pedido às pessoas para caracterizar
um conjunto de 30 actividades e tecnologias potencialmente perigosas e os avaliarem segundo
as seguintes dimensões:
Risco assumido voluntariamente
1
2
3
4
5
6
7
Risco assumido involuntariamente
Efeito imediato
1
2
3
4
5
6
7
Efeito retardado
Risco conhecido para as pessoas
1
2
3
4
5
6
7
Risco desconhecido para as pessoas
Risco conhecido para a ciência
1
2
3
4
5
6
7
Risco desconhecido para a ciência
Risco não pode ser controlado
1
2
3
4
5
6
7
Risco pode ser controlado
Risco novo
1
2
3
4
5
6
7
Risco antigo
Risco crónico
1
2
3
4
5
6
7
Risco catastrófico
Risco comum
1
2
3
4
5
6
7
Risco assustador
Risco não fatal
1
2
3
4
5
6
7
Risco fatal
7
Esta metodologia permitiu que as pessoas pudessem dar respostas a questões complexas. A
partir de uma análise factorial destas avaliações, permitiu determinar dois factores. O
primeiro, foi designado de “risco tecnológico”, que opunha riscos novos, involuntários,
tecnológicos e com consequências a longo prazo, a riscos comuns, voluntários, com
consequências imediatas a nível individual. O segundo factor extraído foi designado
“gravidade do risco”, que opunha acontecimentos potencialmente fatais e catastróficos, a
acontecimentos com consequências pouco graves.
Estes estudos tiveram o papel decisivo de demonstrar que era possível medir e quantificar a
percepção do risco. A partir destas técnicas, passou-se a poder identificar as semelhanças e
diferenças entre grupos nas suas percepções dos riscos, demonstrando que o conceito risco
pode ter diferentes significados para diferentes pessoas.
Mais tarde, os mesmos autores desenvolveram um estudo mais alargado sobre a percepção do
risco (Slovic et al, 1980), utilizando a mesma metodologia, mas com um leque maior de
desastres (90), e acrescentando mais 10 dimensões:
1. Possibilidade – Impossibilidade de prevenção de adversidades
2. Possibilidade – Impossibilidade de controlar danos
3. Pequeno – Grande número de pessoas expostas
4. Pequena – Grande ameaça para as gerações futuras
5. Pequeno – Grande risco pessoal
6. Benefícios Iguais – Desiguais para as pessoas expostas
7. Possibilidade – Impossibilidade de provocar uma catástrofe
8. Danos Visíveis – Invisíveis
9. Riscos Crescentes – Decrescentes
10. Riscos Facilmente redutíveis – Dificilmente redutíveis
Quando extraída, a estrutura factorial encontrada foi bastante diferente da anterior, o que
mostra a importância dos estímulos introduzidos nas dimensões encontradas, o que conduziu
a um maior consenso na forma como as pessoas percebem o risco, dado que este estudo
engloba um maior número de riscos. Vemos na figura 1 a estrutura factorial encontrada neste
segundo estudo:
8
Figura 1 – Localização dos 81 perigos nos Factores 1 e 2 derivadas das inter-relações entre as 15
dimensões do risco (Slovic: 1987)
O primeiro factor, denominado por “terror” (dread), mostra uma associação entre a
controlabilidade do risco e a sua gravidade. Quando as pessoas pensam num risco que vêem
com um alto potencial de destruição, que se afigura como um perigo para as gerações
vindouras e as afecta pessoalmente, também consideram que é um risco sobre o qual não têm
controlo, e que não pode ser facilmente atenuado. No oposto, temos os perigos menos
ameaçadores, e que são percebidos como controláveis e voluntários. Analisando este factor,
facilmente percebemos uma certa forma de pensar defensiva, limitando as suas possibilidades
de controlo a desastres de pequenas dimensões, descomprometendo-se de desastres com
efeitos mais gravosos.
O segundo factor, é designado por “Familiaridade” e associa o grau de conhecimento
existente sobre o risco á sua imediaticidade. Então os riscos com resultados observáveis e
consequências imediatas são também encarados como conhecidos para os próprios e para a
9
ciência. Os riscos recentes e pouco conhecidos, pelo contrário, são igualmente percebidos
como provocando consequências não observáveis directamente e efeitos retardados.
O último factor, que não se encontra reproduzido na figura 1, é denominado por “exposição
ao risco”, é o que opõe os riscos a que estão expostas muitas pessoas àqueles que ameaçam
poucas pessoas.
O trabalho deste grupo de investigadores foi decisivo por diversos motivos. Veio trazer
alguma respeitabilidade ao conceito de risco percebido, demonstrando que não eram apenas
resultado de formas irracionais de pensamento resultado de um deficit de conhecimento,
mostraram que é possível quantificar e prever a forma como as populações pensam sobre o
risco, e que o conceito de risco utilizado pelos especialistas difere muito do que é utilizado
pelos leigos. Estes estudos abriram novas portas para uma maior compreensão da percepção
dos riscos.
6. Direcções para uma Futura Investigação
Em pleno século 21, vivemos num mundo atormentado com a ameaça de ocorrência de todo o
tipo de perigos e catástrofes naturais. Todos os danos causados às pessoas e bens estimulou
um interesse considerável em perceber e melhorar as respostas aos riscos naturais. Hoje, com
todo o desenvolvimento científico que transformou o mundo onde vivemos, temos a perfeita
noção que a tecnologia é a solução para todos os nossos problemas, mas começou a ser
evidente que essas ditas soluções tecnológicas, por elas mesmas, seriam insuficientes sem o
conhecimento das pessoas que serão afectadas. Por isso, existe a necessidade de pesquisar
cada vez mais sobre a percepção do risco, desenvolvendo estratégias eficazes que passa tanto
por um conhecimento físico do território, como dos processos sociais, psicológicos e
económicos que podem afectar as respostas das pessoas às condições adversas dos perigos a
que poderão estar sujeitas. Esta gestão dos riscos não pode estar baseada inteiramente nas
avaliações objectivas e nas estatísticas probabilísticas do risco. Uma visão integrada do risco,
poderá ajudar a compreender como as pessoas percebem o perigo, e contribuir para
desenvolver estratégias mais eficazes de prevenção.
A ciência sozinha nunca poderá resolver as questões relacionadas com os riscos (Smith, 2007:
45). Os problemas sempre surgirão na gestão dos riscos, a partir do momento que os
especialistas esperarem que as suas conclusões sejam aceites por serem “objectivas”, por parte
dos leigos, ignorando o seu lado individual, as suas preocupações e medos. Não podemos
reduzir a percepção de riscos a meros erros, ou um deficit de conhecimento. Só pelo facto das
10
pessoas não terem um conhecimento aprofundado de todos os riscos, não quer dizer que
sejam ignorantes e não saibam nada. A percepção de riscos é uma representação construída
com base numa multiplicidade de factores, ela incorpora simultaneamente a experiência
pessoal e as dimensões da realidade que transparecem nas avaliações técnicas (Lima, 2005:
237).
Todas estas questões são imensamente importantes para o futuro da nossa sociedade e para a
vida no planeta, e por isso é essencial tomarem-se decisões correctas. Mesmo com a
quantidade de informação científica disponível, a palavra segurança reveste-se de muita
incerteza, nada é garantido. Por isso serão necessários cidadãos mais informados, que possam
fazer escolhas em consciência de forma a enfrentar a incerteza do mundo.
Este artigo serviu fundamentalmente para lançar as bases para uma futura investigação sobre a
forma como as pessoas percepcionam os riscos. Esperamos, ter contribuído para que no
futuro, outros possam desenvolver esta linha de pesquisa, quer numa perspectiva teórica quer
aplicada.
7. Bibliografia
Kervern, Georges (1995), Elementos Fundamentais das Ciências Cindínicas – Compreender e
Prever os Acidentes, Catástrofes e Perigos, Instituto Piaget, Lisboa.
Lima, Maria Luísa (2005): “Capitulo 7. Percepção de Riscos Ambientais, em Contextos
Humanos e Psicologia Ambiental, Luís Soczka, Lisboa, Edições Calouste Gulbenkian, págs
203-245.
Slovic, P. (1987), Perception of risk, Science, págs. 280-285.
Smith, Keith (2006), Environmental Hazards – Assessing Risk and Reducing Disaster, fourth
edition, Routledge, London.
Starr, C. (1969), Social benefit versus technological risk, Science, págs. 1232-1238.
11

Documentos relacionados