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ZAINE FERREIRA AMIN SABER
A PSICOLOGIA COMO AGENTE TRANSFORMADORA
DA CONSCIÊNCIA AMBIENTAL NO HOMEM.
IBMR – LAUREATE
CURSO DE PSICOLOGIA
RIO DE JANEIRO – RJ
2011
ZAINE FERREIRA AMIN SABER
A PSICOLOGIA COMO AGENTE TRANSFORMADORA
DA CONSCIÊNCIA AMBIENTAL NO HOMEM
Monografia apresentada para conclusão do
curso de psicologia do IBMR – Laureate.
Orientadora: Prof. Dra. Ramona Palierarqui
RIO DE JANEIRO – RJ
2011
Pensamos em demasia e sentimos bem pouco.
Mais do que de máquinas, precisamos de humanidade.
Mais do que inteligência, precisamos de afeição e doçura.
Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido.
Charlie Chaplin
As pessoas felizes lembram do passado com gratidão,
se alegram com o presente e encaram o futuro sem medo.
Epicuro
A Deus presente na Natureza, a Mãe
Natureza, a meus Pais, Irmão e Amigos
por dividirem este ciclo da vida comigo.
AGRADECIMENTOS
Primeiramente agradeço a Deus por ter me presenteado com meus
pais, que incentivam minhas escolhas desde sempre, criando-me com muito
amor
e
liberdade,
sempre
confiando
nas
minhas
escolhas,
e
me
proporcionaram esta formação, a vocês dedico esta monografia. Muito
Obrigado!
Agradeço também ao Rodrigo Andrade, que fez parte deste ciclo
desde 2007, e que quando tranquei a faculdade, muito me incentivou a
regressar, sempre me apoiando nos meus sonhos e projetos. E a sua família
também. Muito Obrigado por tudo!
Agradeço também a meu irmão Samyr Saber e minha cunhada
Monique. A doçura de todos meus amados amigos destes anos que fizeram
parte desta história aqui no Rio de Janeiro aos amigos da faculdade que
começamos juntos e que já se formaram. A Júlia, Sílvio, Marcelinha, Ivi, Thaís,
Luíza, Stefânia, etc. O meu amigo irmão Gabriel Sabiá.
Agradeço também às psicólogas do setor de Psicologia EGP, que
compreenderam o momento final de faculdade e me apoiaram quando eu
precisei,à amiga Bianca que ganhei de presente no final da faculdade, à
professora Telma Vasconcelos, ao professor Eduardo Brandão, à amiga Marta
Gouveia, à amiga Bruna Stein e principalmente minha orientadora professora
Ramona que com muito carinho me ajudou a concluir este trabalho! Muito
Obrigado!
Agradeço à mãe Natureza que sempre me inspira a ser uma pessoa
melhor, sempre revitalizando minhas forças para caminhar nessa jornada! Irei
amar e cuidar de você sempre! Muito Obrigado!
RESUMO
O presente trabalho objetivou desenvolver a conscientização
ambiental no homem, enfatizando a importância da Psicologia no atual
momento da Era Moderna contemporânea, na qual vivenciamos grandes
catástrofes naturais, coletivas e individuais, salientando à falta de Amor e
Harmonia para com o semelhante e com a Natureza, colaborando a
conscientizar e transformar no homem formas de se relacionar com a mesma,
tornando-se necessárias reflexões de novos paradigmas, educacionais: a
necessidade da educação ambiental nas escolas, ambientais, estéticos,
familiares, de moda, de mídia, cultura, arte, novas produções de subjetividade
individual e coletiva; na perspectiva de produzir no Homem que Pensa, sua
responsabilidade para com o futuro próximo da Humanidade. Neste projeto
registramos novas vertentes da Psicologia: a Ecopsicologia ou Psicologia do
meio ambiente; pensamos e discutimos a relevância da Natureza como
representante
original
de
totalidade
e
referência
de
integração
do
desenvolvimento humano. Utilizamos a metodologia bibliográfica, e para
caracterizar minuciosamente o resgate do Homem com a Natureza; O resgate
do Homem com si mesmo, destacamos autores como: Roazak; Boff; Bauman;
Guattari; Moscovici.
Palavras-chave: Homem, Natureza, Modernidade
ABSTRACT
This study aimed to develop environmental awareness in humans,
emphasizing the importance of psychology in the present situation of the
modern era contemporary, which experienced major natural disasters, collective
and individual, emphasizing the lack of love and harmony to one's fellows and
with nature , helping to raise awareness and transform the human ways of
relating with the same, making it necessary reflections of new paradigms,
education: the need for environmental education, environmental, aesthetic,
family, fashion, media, culture, art , new productions of individual and collective
subjectivity, in view of producing the thinking Man, his responsibility to the future
of humanity. In this project we recorded new aspects of Psychology:
Ecopsychology and the psychology of the environment, think and discuss the
relevance of nature as a representative and reference the original full
integration of human development. The methodological literature, and to
characterize in detail the rescue of man with nature; The redemption of man to
himself, as authors point out: Roazak; Boff; Bauman; Guattari.
Keywords: Man, Nature, Modernity
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................ 9
1
A RELAÇÃO HOMEM – NATUREZA .............................................. 12
1.1 A ruptura homem-natureza ............................................................ 15
1.2 Ecologia mental: uma visão sustentável ....................................... 18
1.3 A Ecopsicologia ............................................................................ 19
2
A ERA DA MODERNIDADE ............................................................ 23
2.1 A educação da criança na era moderna ........................................ 26
3
UMA PERSPECTIVA FUTURA DA HUMANIDADE ........................ 30
CONCLUSÃO ........................................................................................ 35
REFERÊNCIAS ..................................................................................... 36
ANEXO .................................................................................................. 37
INTRODUÇÃO
Com o passar dos séculos e com o estabelecimento das sociedades
modernas, fatores como a revolução industrial, a necessidade de expansão e
desenvolvimento econômico, no qual o interesse coletivo passa a ser
substituído pelo valor individual, nasce a concepção de homem o que
chamamos de indivíduo. Nesta dinâmica, o tempo passa e vemos o homem
cada vez mais distante e desintegrado da natureza e distanciando-se também
do pensamento coletivo de bem-estar da humanidade, ocorrendo a cisão
Homem - Natureza.
A Natureza é representante da condição original de totalidade e
referência de integração do desenvolvimento humano. Contudo, segundo LéviStrauss devemos ultrapassá-la em alguns aspectos, para que o homem
consiga
sua sobrevivência grupal, em sociedade. Ocorre então o homem
fazedor de cultura e a condição do estabelecimento da lei, para a continuidade
de sua espécie, dos outros animais e da própria natureza que está aí antes do
advento do Homem. Afastando-nos dela, é dissociarmos de nós mesmos.
Segundo Jung, o destino do homem está na integração com sua natureza. Esta
integração ele a chamou de individuação, comprovando todo um processo
onde a psique busca sempre atingir sua condição de “ser total”.
Presenciamos um momento em que ocorre uma Revolução
Ambiental e cada vez mais pessoas se sensibilizam com esta questão, vemos
a retomada da consciência ecológica como assunto de interesse coletivo e de
importância vital para o avanço da sociedade.
Enquanto em tempos passados a natureza era a única base de
conhecimento, guiando todos os passos do homem, as sociedades modernas
analisaram e julgaram como sendo conhecimento informal ou não acadêmico.
Sabemos que a consciência humana não faz essa distinção, e precisa da
natureza no seu dia-a-dia.
O conhecimento acadêmico não está sendo suficiente para
apaziguar as pulsões e necessidades do homem. Para nós é um desafio e uma
10
realização pessoal a construção monografia. A natureza nos traz
experiências nobres e de bem estar e todo o sentido ao longo de nossa vida,
comprovando ser uma forma terapêutica na mesma. Ao “tratarmos da
Ecopsicologia nos referimos sobre a nítida importância da reintegração do
Homem com a natureza.” Os ecopsicólogos acreditam que há um vínculo
emocional entre os seres humanos e o meio ambiente natural pelo qual nos
envolvemos ( Brown, 1995,p.xvi). Para Brown a Ecopsicologia se delineia como
uma investigação da alma humana e um processo terapêutico de reencontro
com ela, em suas origens ecológicas.
A Ecopsicologia ou Psicologia do Meio Ambiente é um campo
emergente a reconhecer que não se pode viver saudavelmente sem um
relacionamento salutar com seu meio ambiente. De forma consistente ela se
apresenta como um movimento a partir de The voice of the Earth: na
exploration of Ecopsychology, do historiador e crítico social Theodore Roszack,
EUA. No Brasil ela foi abordada por Marco Aurélio Bíblio, Psicólogo e Doutor
em Desenvolvimento Sustentável. Para o autor, as últimas décadas de
pesquisas apontam a existência de uma correlação entre o contato com
ambientes naturais e melhores índices de saúde mental. Esta revisão de visão
do mundo mostra como é urgente e fundamental a reintegração do homem
com a natureza, face à gravidade dos desequilíbrios ambientais que vem sendo
provocado pala ação predatória e irresponsável do Homem no Planeta Terra.
A ciência da Ecopsicologia vem estimulando uma reflexão profunda
sobre as distorções existentes na relação do homem com a natureza. Ao
restabelecer a integração com os ambientes naturais o ser humano encontra
muito mais do que a garantia de sua sobrevivência; encontra estados de
equilíbrio interior e de transcendência. Realizar o potencial deste retorno e bem
estar através da natureza é uma poderosa ferramenta de combate ao stress, à
ansiedade e à depressão, fatores presentes em nosso universo cotidiano e
contemporâneo.
A Ecopsicologia trabalha as relações do ser humano com o planeta e
com os ecossistemas. A idéia é que na raiz da nossa psique existe uma
conexão básica com a natureza. A repressão desta conexão na sociedade
industrial, moderna a qual vivemos nos faz perder o senso de pertencimento à
natureza, nos fazendo reprimir nosso mais sincero estado de equilíbrio e
11
harmônico do ser. A natureza enquanto representante da condição original de
totalidade é um incentivo ao desenvolvimento humano. Vista como referência
de integração; para Jung esta integração, foi chamada de individuação. Jung
fala de uma cosmovisão e de seu modo de observação psicológica:
A cisão entre fé e saber é um sintoma da cisão da consciência
que caracteriza o estado de perturbação espiritual da época
moderna. A separação de sua natureza instintiva leva o
homem civilizado ao conflito inevitável entre consciência e
inconsciente. Entre espírito e natureza, fé e saber, ou seja, a
cisão de sua própria natureza, que num dado momento se
torna patológica, uma vez que a consciência não é mais capaz
de negligenciar ou reprimir a natureza instintiva. (Jung,1957
p.37)
O tema apresentado nos leva a refletir, repensar e entender a
importância deste resgate do Homem com a Natureza, do pertencimento de
nós mesmos ao todo, ao planeta em que vivemos do equilíbrio com a sanidade
mental do nosso estado de consciência, da percepção de que nós seres
humanos nascemos da Mãe Natureza e com ela temos o dever de cuidar e
respeitar da melhor forma possível para uma vida digna de bem – estar, numa
perspectiva de questionamento: como está nosso mundo hoje? Como está a
saúde física e mental do homem de hoje? Será que evoluímos para um
progresso significativo? Onde é que vamos parar? A partir desses
questionamentos nós podemos repensar a nossa história, nosso passado,
presente e futuro.
12
1 A RELAÇÃO HOMEM – NATUREZA
O homem surgiu da mãe Natureza, com quem supõe-se a existência
de um vínculo, no que tange às esferas de preservação , de aproveitamento,
de uso, de sua própria conservação e principalmente de amor e respeito. A
partir deste preâmbulo esta pesquisa salienta a importância da relação
harmônica do homem com a Natureza desde seu surgimento até os dias
atuais, mesmo sabendo da significância que o mesmo se difere dos outros
animais. O homem é provido de razão e responsável pelo equilíbrio da sua vida
e com o planeta.
A existência do homem difere da de outros organismos; achase em um estado de desequilíbrio constante e inevitável. A vida
do homem não pode ser vivida repetindo o padrão de sua
espécie: ele tem de viver. O homem é o único animal que pode
aborrecer-se, que pode ficar descontente, que pode sentir-se
expulso do paraíso. O homem é o único animal para quem sua
própria existência é um problema que ele tem de solucionar e
do qual não pode fugir. Ele não pode voltar ao estado préhumano de harmonia com a Natureza; tem de prosseguir para
desenvolver sua razão até que se torne o senhor da Natureza,
e de si mesmo. (Fromm, 1972 p.44)
Segundo Fromm, o Homem é um ser limitado à totalidade harmônica
com a natureza o que o difere da espécie animal. Em “Análise do Homem”,
Fromm afirma que existe no Homem a consciência de si mesmo, razão e
imaginação que rompem com a “harmonia” que a existência animal tem com a
Natureza, ele faz parte dela, está sujeito as suas leis físicas, porém é incapaz
de mudá-las, “ele é posto à parte, embora sendo uma parte”. Na concepção do
autor, a razão é a bênção do homem e também sua maldição, ela o força a
enfrentar a tarefa de resolução de uma insolúvel dicotomia. O homem por meio
da razão desenvolve-se a criar um mundo seu em que possa sentir-se à
vontade consigo mesmo e com seus semelhantes.
Tendo perdido o paraíso, a unidade com a Natureza, tornou-se
o eterno vagabundo (Ulisses, Édipo, Abraão, Fausto); é
impelido a ir avante e com esforço perene para tornar
conhecido o desconhecido, preenchendo com respostas as
lacunas de seu conhecimento. Ele tem de prestar contas de si
a si mesmo, bem como do significado de sua existência. Ele é
impelido a sobrepujar essa cisão interior, atormentado por um
13
anseio pelo absoluto, por outra espécie de harmonia que possa
afastar a maldição que o separou da Natureza, de seus
semelhantes e de si mesmo. (Fromm, p.44)
Todos os seres vivos mantêm uma relação com a Natureza, contudo
há diferenças nas modalidades desta e, segundo Fromm, o Homem por ser
contraditório, seu relacionamento com a Natureza é no sentido de prosseguir
um caminho. Desde os tempos primórdios observamos facilmente que a
Natureza oferece o necessário e o básico para que o Homem, ser vivo,
harmoniza-se com Ela e consigo próprio, lhe oferecendo a sobrevivência e
equilíbrio. Com o passar dos tempos vamos perdendo essa relação com o
concreto que a natureza nos traz.
Uma civilização surge do sentido de ser que os humanos deram a si
e das práticas que ensaiaram para historiá-lo em relação consigo mesmo, com
os demais, com a natureza, com o passado e com a Divindade. A evolução
histórica dos seres humanos se dá primeiramente com o conhecimento sobre si
e a Natureza, seguido de acúmulo de saberes, junto ao domínio do mundo a
sua volta e conseqüentemente a construção das sociedades. Os seres
humanos da sociedade primitiva no contato direto com a natureza acumularam
conhecimentos e aprimoraram a técnica, a habilidade manual, levou-os a
construir instrumentos a partir de equipamentos, utilizando-se da madeira, da
pedra e da pele de animais para a própria sobrevivência no domínio da fauna e
da flora.
A expressão pré-história designa tudo o que houve antes da história
humana se desenrolar, que vai desde o surgimento da vida na terra, a evolução
da espécie humana, indo até o aparecimento da escrita. A divisão pré-histórica
se dá em três grandes períodos: Período Paleolítico em que predominou a
sociedade de homens caçadores de animais e coletores de sementes, frutos e
raízes (Idade da pedra lascada), a principal característica deste período foi o
Nomadismo; Período Neolítico em que se desenvolveu a agricultura e a criação
de animais (Idade da pedra polida) e a Idade dos Metais- Período em que se
desenvolveu a fundição de metais. No final do período Paleolítico, o Homem já
havia aperfeiçoado várias técnicas; construía abrigos, produzia roupas com
pele de animais, aprimorando os utensílios de pedra e os instrumentos de caça
14
e de pesca e começaram a se organizar socialmente. A vida em grupo evoluiu
então para a forma de clã, onde havia uma divisão simples do trabalho de
acordo com o sexo, trabalhando apenas para garantir a sobrevivência, não
tendo a preocupação de acumular alimentos para trocar com outros clãs, o
produto obtido através do trabalho era comunitário (repartido entre os membros
do clã). O controle do fogo foi uma das grandes realizações humanas,
vencendo dois grandes inimigos o frio e a fome. O período final da pré-história
foi quando o homem descobriu a escrita e com isso mudou o mundo até hoje
(em torno de 12.000 A.C.).
Surgem as primeiras formas de agricultura, domesticação de
espécie de vegetais e pecuárias; formação das primeiras aldeias agrícolas.
Nesse período, o uso do fogo e de algumas ferramentas como do esterco
animal, passaram a fazer parte dos aglomerados urbanos, dando origem às
cidades.
Foi necessário que a nossa civilização, conotando um conjunto
de aptidões gerais, universais e transmissíveis, cedesse o lugar
à de cultura, tomada uma nova acepção, pois ela denota então
outros tantos estilos de vida particulares, não transmissíveis,
compreendidos sob a forma de produções concretas: técnicas,
usos, costumes instituições, crenças; mais do que capacidades
virtuais, e correspondendo a valores observáveis em lugar de
verdades, ou como tal supostas. (Strauss, 1986 p.52)
Na concepção de Strauss não se deve esquecer que para o
humanismo antigo a cultura, o primordial e único se refere ao trabalho da terra,
que tem por objetivo o aperfeiçoamento de uma Natureza Selvagem, quer seja
a do solo quer seja a do indivíduo por cultivar com perfeição libertando-o das
servidões mentais inerentes ao seu passado e ao seu grupo, lhe permitindo
ascender ao estado civilizado. Os materiais brutos que o meio ambiente natural
oferece à observação e reflexão são tão ricos e diversos, que nosso espírito é
capaz de aprender apenas uma fração.
Segundo Strauss, a relação do Homem com a Natureza é submetida
a certas imposições do meio natural, o uso diverso dos recursos oferecidos
pelo meio estabeleciam uma relação muito mais integrada do homem com a
natureza. Algumas sociedades humanas, ao enxergarem o domínio da
natureza, uma “melhora” de suas condições de vida, acabaram subjugando o
15
planeta e outras sociedades aos seus próprios interesses, comprometendo os
rumos da humanidade. Desta forma rompemos com a solidariedade básica da
simplicidade que nos une a tudo no cosmos e no nosso planeta, perdemos a
forma mais natural e direta de lidar com a natureza e conseqüentemente de
lidar com a vida. Tudo se torna mecânico e racional na forma que lidamos com
as coisas em nosso redor e o nosso eu interior. O contato com a Natureza
ajuda o homem a estabelecer a relação com o seu íntimo, nos permitindo
transcender de forma livre o pensamento. Aliar-se a ela é a forma mais sana de
se viver mentalmente bem e equilibrada. De acordo com a constituição do Meio
Ambiente Art.225 (p.103), podemos constatar que nos foi assegurado o direito
de uma vida equilibrada com o meio-ambiente: “Todos têm direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial
à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e a coletividade o
dever de defendê-lo e preservá-lo para presentes e futuras gerações.”
Para assegurar a efetividade desse direito, incube-se ao Poder
Público (p. 104):
I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e
prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; II preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético
do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e
manipulação de material genético; IV- exigir na forma de lei,
para a instalação de obra ou atividade potencialmente
causadora de significativa degradação do meio ambiente,
estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;
V-controlar a produção, a comercialização e o emprego de
técnicas, métodos e substancias que comportem risco para a
vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;VI- promover a
educação ambiental em todos os níveis de ensino e a
conscientização pública para a preservação do meio
ambiente;VII- proteger a fauna e a flora,vedadas, na forma da
lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica,
provoquem a extinção de espécies ou submetem os animais a
crueldade (Constituição federal,1988 p.104).
1.1 A ruptura homem-natureza
Com o passar dos tempos, com a conquista da liberdade,
principalmente uma liberdade racionalista com suas descobertas e criações o
homem foi se tornando cada vez mais independente e distante da Natureza,
rumo à um “progresso” civilizatório desenfreado, retirando dela o “quantum” de
conteúdos necessários para este fim.
16
Nossa convicção de base é por demais racionalista.Nossa
filosofia não é mais uma forma viva como era a dos antigos,
mas uma questão exclusivamente intelectual. Nossas
confissões com seus ritos legitimamente arcaicos e formas de
representação exprimem uma imagem do mundo que, embora
não tivesse ainda causado na Idade Média nenhum dano
considerável, se tornou incompreensível para o homem de
hoje. No entanto, mesmo considerando todo o conflito existente
com as concepções modernas, um instinto profundo ainda nos
provoca a manter representações que literalmente já não se
ajustam ao desenvolvimento espiritual dos últimos cinco
séculos. (Jung, 1957 p.33)
Séculos e eras se passaram, e o homem se distingue de seus
ancestrais, o homem primitivo construía seus instrumentos, através do fazer, a
ruptura se dá quando o instrumento passa a ser a tecnologia. Somos
indiscutivelmente uma civilização tecnológica, usamos a técnica como forma
primordial de relacionamento com a natureza. Essa atitude instrumental rompe
com o imediatismo e com o contato direto com a mesma. Com o
estabelecimento das sociedades modernas, fatores como a Revolução
Industrial, a necessidade de expansão e desenvolvimento econômico, a
consciência do homem do poder que ele tem nas mãos na manipulação da
natureza para seu progresso, o interesse coletivo passa a ser substituído pelo
valor individual, fazem com que o homem rompa sua relação direta com a
Natureza, rumo à desintegração com a mesma.
Nós descobrimos, então, que deveríamos partir do fato de que
homens e mulheres pensaram que os problemas seriam
resolvidos e que os ideais seriam atingidos se eles fizessem
sua história, isto é, se transformassem suas sociedades. É tão
verdadeiro que cada indivíduo, cada grupo encontrou suas
razões últimas para agir e os limites da realidade geral. Mas e a
Natureza? Está claro que a escolha de realizar através das
ciências e das técnicas aquilo que deveria ser realizado por
nós mesmos, não somente transformou a sociedade e fez
história, como também mudou a natureza. (Moscovici, 2007
p.82)
A Revolução Industrial acelerou o afastamento do Homem da
Natureza, em sentido mais pragmático que significou a substituição da
ferramenta pela máquina, contribuindo na consolidação do capitalismo como
modo de produção dominante. Esse momento revolucionário de passagem da
energia humana para a motriz é o ponto culminante de uma evolução
17
tecnológica, social, e econômica, que vinha se processando na Europa desde a
Idade Media. As principais conseqüências do processo de industrialização são
a divisão do trabalho, a produção em série, a urbanização e o controle de
campo, onde a burguesia cada vez mais fortalecida, passa a investir também
no campo e cria os cerceamentos (grandes propriedades rurais),novos
métodos agrícolas, aumentam a produtividade e racionalização do trabalho,
assim muitos camponeses deixam de ter trabalho no campo ou são expulsos
de suas terras. Vão buscar trabalho nas cidades e são incorporados pelas
indústrias.
A característica fundamental da civilização contemporânea é o poder
– dominante. As vontades do ser humano deste domínio nos fazem dominados
e sujeitos a viver em uma terra degradada, sem pensar no que revela o futuro
para nossa espécie e descendentes. Hoje a terra se encontra em fase
avançada de exaustão na qual se cada um de nós não refletirmos sobre tal
situação o futuro próximo estará comprometido. A percepção do ser humano
enquanto espécie vivente deste planeta tem que estar em equilíbrio com o
meio ambiente natural de forma que não ocorra um desvirtuamento deste em
contato com meio ambiente artificial. O meio ambiente natural faz parte da
natureza humana , nos fortalecendo , fazendo com que vivenciemos dias mais
seguros em que é possível estabelecer uma consciência ecológica em que o
ambiente natural e o artificial não entrem em colisão nos tornando incapazes
de colaborar com a Terra no presente e garantir o futuro para gerações futuras.
A partir do momento que mudamos a nossa consciência, estaremos
colaborando com as gerações presentes e futuras em busca de um ambiente
natural e artificial em equilíbrio com o nosso planeta e o universo o qual
pertencemos. Sairmos do comodismo de pensamento mecânico e padronizado
que se estabeleceu em nossa civilização, seria permitimos ser livres. Boa parte
da solidão que aflige o Homem, a falta de sentido da vida, a “Doença da Alma”,
que é visto freqüentemente no mundo civilizado ocidental deve-se à perda da
conexão com a origem da vida e a incapacidade de pararmos e refletirmos para
dentro de nós mesmos.
18
1.2 Ecologia mental: uma visão sustentável
Boff nos ajudou a pensar em uma Ecologia mental partindo do
pressuposto de que a Natureza está dentro de nós. Para ele existe uma
ecologia interior e uma ecologia exterior que se condicionam mutuamente. O
estado de mundo está ligado ao estado de nossa mente. Se o mundo está
enfermo isso significa que o estado de nossa psique está enfermo também. A
ecologia mental busca construir uma integração psíquica do ser humano para
com o meio natural e social para fortalecer o equilíbrio mais duradouro com o
universo. Podemos nos referir de uma responsabilidade de cada um de nós
aqui na Terra que seria a Ética ecológica: responsabilidade pelo nosso Planeta.
Ser ético seria potenciar a solidariedade geracional no sentido de respeitar o
futuro daqueles que ainda não nasceram.
No dizer de Boff, em “A ecologia radical: crise do espírito (p.24)”:
Quer dizer, é crise de nosso paradigma dominante, do nosso
modelo de relações mais determinante, de nosso sentido de
viver preponderante. Qual o sentido primordial das sociedades
mundiais hoje? Já o dissemos: é o progresso, a prosperidade,
o crescimento ilimitado de bens materiais e de serviços.Como
se alcança este progresso? Mediante a utilização, exploração e
potenciação de todas as forças e energias da natureza e das
pessoas. O grande instrumento para isso é a ciência e técnica
que produziram o industrialismo, a informatização e a
robotização. Estes instrumentos não por pura curiosidade. Mas
de vontade de poder, de conquista e de lucro. ( Boff, 1995 p.
24)
A crise sustentável que ocorre nos dias atuais em nossas vidas, no
nível mundial se agravou de tal forma que nos obriga imediatamente a tomar
decisões em ordem à ação, mas não de qualquer jeito. Deve ser os parâmetros
de um novo paradigma. O imperativo que se anuncia não é de mudar o mundo,
mas de conservá-lo. Porém para conservá-lo devemos mudá-lo? Estamos num
momento ao qual não podemos mais esperar nada a ser feito por ninguém e
principalmente pelas autoridades e sim mudarmos as nossas atitudes para com
o respeito mútuo à natureza. O prazo para mudança se faz cada vez mais
curto, mas nunca é tarde. Há os que dizem: já é tarde demais, a máquina dos
meios de produção; vamos de encontro a um colapso natural do sistema-Terra.
Outros são otimistas e dizem: ainda podemos mudar de rumo e confiamos na
capacidade de suportabilidade e regeneração de Gaia. Fala-se então da
19
sustentabilidade do desenvolvimento. Significa quanto podemos consumir, sem
degradar o estoque de capital natural e de capital feito pelo trabalho humano?
Os dois tipos de capitais, naturais e humanos, numa perspectiva histórica
global, são complementares.
A sustentabilidade deve garantir a recuperação por si mesma
dos dois tipos de capital. Sem essa recuperação cometemos
uma dupla injustiça ecológica, em primeiro lugar, uma injustiça
para com a natureza que se organizou durante milênios para
encontrar seu equilíbrio dinâmico, agora rompido, e, em
segundo lugar, uma injustiça para com as gerações futuras,
que tem direito de herdar uma qualidade de vida minimamente
saudável, direito que lhe és negado. (Boff, 1995 p.198 e 200).
O autor analisa e corrobora a relevância de nossos atos cotidianos,
fazendo toda a diferença no todo coletivo, colaborando para um planeta mais
sustentável e equilibrado que deve ser feita por todos. As leis citadas acima (no
item 1.1), pela constituição do nosso país nos alerta o direito e dever da
conscientização ambiental que nos foi dada. A ética Ecológica refere-se a
todos, os desejos e preferências individuais existem e sempre existirão, porém
estamos num momento de reflexão no interesse coletivo do Planeta. O ser humano é um ser responsável, devendo ser ético com suas atitudes, Boff
enfatiza a ética Ecológica, para ele, ética seria potencializar a solidariedade
geracional no sentido de respeitar o futuro daqueles que ainda não nasceram,
preservando nosso habitat, procurando limitar os interesses do Homem na
vantagem individual e menos exploração de classes. Um pensamento mais
coletivo e humanitário preservando nossas fontes Naturais, nossa espécie e
conseqüentemente nosso planeta Terra.
1.3 A Ecopsicologia
Reflexões poéticas do ecopsicólogo neo-zelandês Olaf Skardholt nos
esclarecem o propósito da Ecopsicologia: Para quebrar este isolamento
reentrar no círculo da vida e se re-conectar à totalidade do próprio ser, é
necessário antes de tudo, afinar a capacidade de escutar, para capturar a
presença e a voz do sentir-se a si mesmo, a si próprio e do sentir aos outros.
Depois, é preciso desenvolver a atenção e o respeito por tudo que vive: a partir
de nossas próprias emoções, até o ponto de incluir os outros seres humanos,
20
cada outro ser vivente, a natureza em sua totalidade. Quando a abertura se
torna tal ao ponto de acolher tanto o mundo pessoal interno como o mundo
externo, a vida se revela aos seus níveis mais altos e o individuo poderá
reconhecer-se como parte de um projeto muito mais amplo e não terá que
sentir-se solitário ou solitária. Nunca mais. Pelo contrário saberá estar
conectado profundamente com tudo aquilo que existe.
A Ecopsicologia passa a analisar o Homem como parte integrante e
ativa da Natureza. Para ela os três elementos básicos da Relação HomemNatureza são: Subjetividade Humana, Relações Social e Meio Ambiente. A
necessidade de compreender o ser humano em sua totalidade e de resgatar a
relação Homem-Natureza sob a luz da psicologia, que serve de arcabouço para
o entendimento e aprofundamento desta relação, requerendo uma análise
holística da subjetividade humana, das relações que caracterizam o convívio
social e das relações do Homem com a Natureza. A Ecopsicologia, Psicologia
do Meio Ambiente ou Psicologia Relacional da Terra, deverá buscar,
essencialmente o restabelecimento do indivíduo com a Natureza. Num primeiro
momento, é preciso repensarmos a nossa visão de mundo.
O ser humano é um símbolo, constituído por um conjunto de signos,
imagens, metáforas e mitos que lhe conferem um significado de mundo
particular. Se não houver um novo direcionamento para a percepção desta
relação do homem com o todo, através de novos hábitos e novas maneiras de
ver, respeitar, fazer parte e admirar a beleza da Natureza, a sua destruição
completa acontecerá sem que muitos a percebam como uma conseqüência de
um processo evolutivo dos quais todos tiveram participação. Encontra-se aqui o
principal papel a ser desempenhado pela Psicologia, que deterá seu foco no
despertar da consciência do homem (todos nós) para sua responsabilidade da
realidade criada por ele próprio, ao contrário, a situação futura de nossa
espécie, nossa evolução estará seriamente comprometida. John E. Mack
(1995) afirma que, nós precisamos explorar nosso relacionamento com a Terra
e entender como e por que nós criamos instituições para destruí-la. Uma
Psicologia Relacional da Terra seria mais ampla do que a Freudiana, incluindo
nosso relacionamento com as pessoas e outras criaturas do planeta Terra
mesmo como uma entidade viva.
O fundamental para nós neste momento, é entender e respeitar a
21
noção de temporalidade da evolução, tomando a consciência de que o
surgimento do homem é recente perante a Natureza.Quanto mais exploramos
a nossa terra, percebemos que menos conhecimento real adquirimos; o ideal
seria explorarmos o de melhor que ela nos traz e nos fornece
singela e
gratuitamente. A Natureza toma o que dela se retira em excesso, sem real
proveito à humanidade. Aos poucos podemos começar uma revolução interna
de profunda reflexão em saber: Qual propósito de estarmos aqui? O que
queremos afinal? Disputa do Homem com seus semelhantes e contra a
Natureza através da conquista de técnicas e do consumo ou aliarmos à ela
numa perspectiva integrada Global do real progresso da Humanidade.
No
dizer
de Theodore
Roazak
existem
oito
princípios
da
Ecopsicologia:
1- O centro da mente humana é o Inconsciente Ecológico. A repressão do
Inconsciente Ecológico é a mais profunda raiz da loucura dita normal da
sociedade industrial. A Ecopsicologia abre o acesso para o Inconsciente
Ecológico que é o caminho para a sanidade.
2- Os conteúdos do inconsciente Ecológico representam em algum grau, e em
algum nível de nossa consciência, o registro da evolução cósmica. Estudos
contemporâneos sobre o complexo ordenamento da Natureza nos contam que
a vida e a mente emergem desta historia evolutiva como um sistema que
emerge natural dentro da seqüência em que desabrocham os sistemas físico,
biológico,mental e cultural a que nós chamamos de universo.
3- Assim como o objetivo de prévias terapias é recuperar os conteúdos reprimidos
do inconsciente, o objetivo da Ecopsicologia é despertar o senso inerente de
reciprocidade ambiental que está adormecido no Inconsciente Ecológico.
Outras terapias buscaram curar a alienação entre pessoas e pessoas, pessoas
e família, pessoas e sociedade. Ecopsicologia busca curar a alienação mais
fundamental entre pessoas e natureza.
4- Para a Ecopsicologia, assim como as outras terapias ,o estágio crucial da vida
é a infância. O inconsciente Ecológico é regenerado, como se fosse um dom,
no senso de encantamento com o mundo em cada criança que nasce.
Ecopsicologia busca recuperar a qualidade animilística inata da experiência
infantil em adultos funcionalmente saudáveis. Para isso, volta-se para técnicas
tradicionais de cura dos povos centrados na terra, o misticismo da natureza
como expresso na religião e na arte, a experiência da inserção nos ambientes
selvagens e os insights da Ecologia Profunda. Ela adapta essas fontes ao
objetivo de criar o ego ecológico.
5- O ego-ecológico amadurece na direção de um senso de responsabilidade ética
para com o planeta, que é experienciado como é o nosso senso de
responsabilidade para com as outras pessoas. Ele busca tecer essa
responsabilidade na criação das relações dentro da sociedade e no âmbito da
decisões políticas.
22
6- Um dos projetos mais importantes para a Ecopsicologia é a reavaliação de
certos traços de caráter compulsivamente masculinos que permeiam as
estruturas do poder político e as quais nos impulsionam a dominar a natureza,
como se ela fosse algo estranho a nós e sem direitos.Nesse sentido, a
Ecopsicologia apóia-se em alguns insights do Ecofeminismo e da
Espiritualidade Feminista, como uma visão desmetificadora dos estereótipos
sexuais.
7- A Ecopsicologia questiona a sanidade essencial de nossa cultura urbanoindustrial centrada na valorização do gigantismo e no crescimento sem fim, seja
ela de orientação capitalista ou coletivista em sua organização. Porém, faz esse
questionamento sem rejeitar a genialidade tecnológica de nossa espécie, e
nem algumas medidas para melhoria do viver oriundos do poder industrial.
Ecopsicologia é pós-industrial e não anti-industrial em sua orientação social.
8- Ecopsicologia acredita que existe uma interação sinérgica entre o bem-estar
planetário e o bem-estar pessoal. O termo sinergia foi escolhido por sua
conotação teológica tradicional, a qual ensinava que o humano e o divino estão
cooperativamente ligados na busca pela cura. A tradução ecológica
contemporânea do termo seria: as necessidades do planeta são as
necessidades da pessoa, e os direitos da pessoa são os direitos do planeta.
Segundo dizeres de Roazac, não é uma tarefa nada fácil pensar e
introduzir a Ecopsicologia na Sociedade moderna em que vivemos, porém
sabemos o quanto é importante e necessário a introdução da mesma
principalmente nas grandes cidades, onde características como a eterna
insatisfação, excesso de informação e falta de tempo. De acordo com o autor
existe uma barreira que se cria entre o nosso “eu” e a nossa natureza mais
autêntica que se exprime também através das emoções. Quando negamos
nossas emoções, negamos tudo o que é natural e espontâneo no nosso
entorno. Fechamo-nos à percepção a toda outra dimensão que escape do Ego.
Quando se formo um casulo em torno daquilo que consideramos o nosso
pequeno e importantíssimo “eu”, perde-se a capacidade de ver e sentir tudo
aquilo que existe ao nosso redor.
23
2 A ERA DA MODERNIDADE
Bauman (2004), refere-se ao momento histórico contemporâneo,
que foi se desenvolvendo gradativamente desde a eclosão do capitalismo
industrial e vem se intensificando nos dias de hoje, conforme o seu avanço.
Como já apontava Marx no Manifesto Partido Comunista (1988) o capitalismo
tem como uma de suas características principais “dissolver-se”, tudo aquilo que
é sólido. Bauman utiliza-se do adjetivo líquida para se referir à modernidade,
porque a considera um momento onde a volatilidade predomina, ao invés da
solidez. O autor nos esclarece melhor isso nos dizeres :
O modo capitalista e seu crescente apelo consumista se reflete
na maneira como nos relacionamos uns com os outros, isto é,
nos relacionamos com nós mesmos e com o outro de forma
superficial, frágil, instantânea e descartável. Posto isso, se
relacionar assume o mesmo sentido que consumir, de modo
que não estabelecemos relações, mas sim consumimos
"objetos" para nossa satisfação imediata. O outro é visto agora
como um objeto que pode ser utilizado e descartado a qualquer
momento e nesse sentido, torna-se mais interessante
colecionar objetos, do que estabelecer uma relação estável e
duradoura. (Bauman, 2001 p.63)
Segundo Bauman, a modernidade impõe um ritmo acelerado ao
nosso dia-a-dia, nos expondo a um sentimento de vulnerabilidade frente a
tantas mudanças e informações, principalmente nas grandes metrópoles, nos
impedindo de estabelecermos relações que exijam de nós doações maiores e
mais profundas ficando reféns do imediatismo, do instantâneo.
A necessidade do ter, a falta de tempo, faz com que nós sejamos
reprimidos de alguma forma pelo sistema vigente, fazendo surgir doenças,
sentimentos reprimidos, frustrações, sentimento de estar perdido no tempo e
no espaço e insegurança, características visíveis na contemporaneidade. O
autor nos coloca a refletir sobre o tipo de sociedade que estamos vivendo e o
tipo de homem que a mesma está produzindo: para ele o homem moderno é
desprovido de vínculos. A sociedade a qual vivemos é volátil e frágil
construindo homens igualmente frágeis e voláteis, incapacitados de estabelecer
vínculos reais e duradouros.
24
O homem moderno não se reconhece na natureza, ao contrário
desde sempre o destino do homem foi sempre afastar-se dela. O homem se
distingue de seu ancestral: o homo sapiens que sabia construir instrumentos
que lhe permitiam agir sobre a natureza, manipulando a terra, seja no manejo
de uma lasca para raspar o solo e conseguir raízes para comer, ou na caça;
estes instrumentos são resultados de uma cultura e vão se modificando pela
geração seguinte que aprenderá a manipular aperfeiçoamentos.
O Homem de hoje se afasta da natureza, essa ruptura se dá quando
ele se distingue da mesma, decidindo modificá-la diante de suas necessidades,
desejos e de perspectivas de seu futuro imediato, ou seja, ele se opõe à ela. A
sensibilidade do homem moderno é reprimida pelo próprio uso da razão e da
ciência, da submissão aos valores da sociedade, que lhe rouba os elementos
essenciais de sua estrutura enquanto individuo, despersonalizando-o. O
indivíduo
na
sociedade
moderna
consumista
nunca
consegue
saciar
plenamente os seus desejos, pois sempre existirão novas demandas que
desapontarão seu horizonte existencial.
A princípio servidor da natureza, o homem, que se proclamou
mestre, abre os olhos sobre sua solidão infinita no coração
desta, como sobre o deserto da inteligência na superfície do
planeta perdido onde ele vive. Assim, o mal-estar de nosso
tempo revela-se no desencantamento do mundo. Neste final de
milênio, as vozes levantam-se freqüentemente para se
inquietar no sentido de que as ciências, que enriqueceram
nosso espírito de admiráveis descobertas, não tenham
consciência para empobrecê-lo ao mesmo tempo. No lugar de
propagar como elas prometiam, a luz da razão e a
magnificência da natureza, as ciências tão incentivadas,
tornando-se abstratas e exotéricas, nos afastaram da razão e
nos barraram o contato com a natureza. Elas estreitaram o
espaço luminoso, reduzindo-o a uma mancha clara, em torno
do qual se difunde uma impenetrável obscuridade. É porque,
não é exagero dizer, nós vivemos num mundo verdadeiramente
desencantado. (Moscovici, 2007 p.86)
Segundo Moscovici, nós demos as costas ao mundo pleno e
animado citando como exemplo poderes extraordinários: o pôr do sol, o nascer
da lua, a correnteza dos rios, e assim sucessivamente, e vamos de encontro a
um mundo desencantado. Para ele o desencantamento do mundo sustenta um
todo racional e abstrato, nos obrigando a observar fenômenos através das
máquinas conforme as necessidades do homem racional e pragmático. O autor
25
destaca que vivemos nos tempos modernos uma sociedade sem qualidades na
superfície, produzindo homens sem qualidades. Em suma o mundo moderno é
ocupado pela exploração das energias materiais, cada vez mais eficaz e
intensa, buscando satisfazer as necessidades externas da vida, se excedendo
no desperdício, criando no homem uma enormidade de necessidades inéditas
que nunca serão satisfeitas. Pela falta de tempo que nos submete à velocidade
da modernidade, tudo vira objeto, pensamos que tudo podemos comprar,
compensamos todo tempo que não temos de sermos realmente felizes nos
contentado com os exageros do consumismo na aquisição excessiva de bens.
O texto a seguir, “Você tem o relógio, eu tenho tempo”, é uma entrevista
concedida ao jornalista espanhol Victor M. Amela para La Vanguardia, pelo
escritor Tuareg Moussa Ag Assarid que sustenta nossa reflexão. Expresso
abaixo a passagem 1 do texto que melhor representa as diferenças de
percepções culturais e que resultam no ser de cada um:
- Do que mais tenho saudade é do leite de camela. E do fogo de madeira. E de
caminhar descalço sobre a areia tépida. E das estrelas: lá, nós as admiramos todas as
noites, e cada estrela é diversa da outra, como cada cabra é diversa da outra. Aqui, à
noite, vocês ficam vendo televisão.
- Sim. Na sua opinião, qual é a pior coisa que existe aqui?
- A insatisfação. Vocês têm tudo, mas nada lhes é suficiente. Vivem se
queixando. Na França, passam a vida queixando-se. Vocês se acorrentam por toda a
vida a um banco por causa de um empréstimo, e existe essa ânsia de possuir, essa
correria, essa pressa. No deserto não existem engarrafamentos, sabe por que?
Porque lá ninguém quer passar à frente de ninguém!
- Relate um momento de felicidade intensa que você viveu no seu distante
deserto.
- Esse momento ali se repete a cada dia, duas horas antes do pôr-do-sol: o
calor diminui, o frio da noite ainda não chegou, homens e animais retornam lentamente
ao acampamento e seus perfis aparecem como recortes contra o céu que se tinge de
rosa, azul, vermelho, amarelo, verde…
- É fascinante. E então…
- Esse é um momento mágico… Entramos todos na tenda e fervemos a água
para o chá. Sentados, em silêncio, escutamos o barulho da água que ferve… A calma
toma conta de nós… As batidas do coração entram no mesmo compasso dos gluglus
da fervura…
- Que paz…
- Aqui vocês têm o relógio; lá, temos o tempo.
O ambiente influencia as relações do homem e está presente como
1
Ver Anexo para leitura do texto completo.
26
interveniente nos processos de formação do Eu e na construção dos conceitos
de cada individuo. Sabemos que sofremos a forte influência da cultura a qual
vivemos, onde o sujeito está entrelaçado com seu meio, e que a natureza não
pode ser separada da cultura, entretanto devemos pensar e refletir até que
ponto a cultura capitalística do sistema vigente pode influenciar nossa
subjetividade individual. No texto vemos um homem cuja cultura simples de
felicidade integrada com o equilíbrio com a natureza e seu povo na admiração
e conexão pura e direta com a terra, encontra dificuldades de viver na cidade,
as frustrações e a falta de tempo dos homens, as diferenças de realidade, a
insatisfação do homem que tudo tem e a todo tempo ainda se queixa e nada
faz, o surpreendem. A moral do texto é o intuito de uma profunda reflexão, do
ritmo de vida, dos valores que nos são impostos, e principalmente repensarmos
o valor da riqueza pra cada um de nós, como diz o próprio personagem, que na
cidade todos tem tudo e estão sempre insatisfeitos.
Pensamos sim que nossas realidades são bem diferentes,
nascemos em uma sociedade onde os valores são opostos, porém isso não
nos impede da reflexão do que queremos para nossas vidas? Queremos ser
felizes ou nos queixarmos da vida infeliz e da falta de tempo que o ritmo das
cidades nos impõe? O que nós queremos para a humanidade? Convém deixar
uma reflexão individual dos tempos em que vivemos que se desenvolvam
culturas particulares, inventando-se ao mesmo tempo, outros contatos de
cidadania, fazendo com que a singularidade funcione junto com a ordem estatal
e equilibrada com o planeta terra.
2.1 A educação da criança na era moderna
Todos os países do mundo estão lidando com a questão de como
educar uma criança nos tempos atuais. Os educadores se perguntam quais os
ensinamentos devem ser mais relevantes a serem passados para as novas
gerações, econômico ou culturais e principalmente sócio-ambientais.
Educar com uma visão econômica significa visar uma maior e mais
rápida inserção no mercado; porém esta inserção é na verdade o quão rápido o
mercado absorve a nova mão de obra. E, não há maneiras de se prever que
mercado estará absorvendo mão de obra em determinado momento. Logo
27
torna-se uma busca incessante de inserção porém sem reais padrões de como
basear a educação dessa geração que está sempre por vir.
A outra maneira que vem sendo muito discutida é de como passar a
mensagem individualmente de que cada pessoa tem seu valor no todo, onde
existam valores sociais e culturais compartilhados por todos, e que através da
cooperação e aceitação de seu papel cultural o grupo e o individuo cresçam e
se fortaleçam mutuamente. Porém, como manter sua identidade cultural de
caminho à Globalização?
Félix Guattari (2001) nos ajuda a pensarmos a situação atual. O
sistema educacional atual foi desenvolvido na época do iluminismo e da
revolução industrial. Estudar, formar-se, graduar-se e ter um bom emprego é
um modelo desacreditado pelas crianças dos dias de hoje.
Atualmente é observado nas crianças um grande índice de déficit de
atenção; questionamos a validade desses diagnósticos, revendo questões
como a falta de perspectiva da criança, o momento da medicina atual que visa
combater o sintoma através de remédios, drogando a criança pesadamente, e
de forma determinante, o momento social moderno e atual, onde a criança é
bombardeada por informações de todos os lados nos mais diferentes formatos
e, ao chegar na escola, se depara com um formato antigo, ultrapassado, lento
e desinteressante, e assim torna-se e demonstra-se sem atenção nas salas de
aula, sem interesse nos processos educacionais. Esses estereótipos julgam e
comprometem a criança, por exemplo, podendo ser rotulada como “burra”, na
escola, por não se adequar aos padrões ditos normais de inteligência, ou que
não se enquadre naquele âmbito educacional. Vemos diretamente ligado o
aumento do índice de déficit de atenção com a implementação dos testes e
provas padronizados e sugerimos que o ensino atual vise anestesiar os alunos
para que correspondam em sala de aula ao invés de inspirá-los a se
identificarem com as questões e trazer o que pessoal e individual de cada
aluno.
A questão atual já é analisada por alguns educadores visionários da
necessidade de uma mudança do Paradigma Educacional, nos dias de hoje. O
sistema de educação continua organizado para satisfazer o capitalismo
industrial e de tal forma ele o é. Os alunos são tratados como máquinas numa
linha de produção, separados, listados e catalogados, para mais tarde serem
28
empilhados por multinacionais nos escritórios em grandes edifícios. E dessa
mesma maneira a pessoa passa a ver o mundo, estando finalmente educada,
quer dizer finalmente moldada ao sistema vigente. A grande questão é
pensarmos a diferença de habilidades e aptidões de cada indivíduo uma tarefa
difícil para o sistema educacional, mas não impossível.
O que está em questão é a maneira de viver daqui em diante
sobre esse planeta, no contexto da aceleração das mutações
técnico - cientificas e do considerável crescimento
demográfico. Em função do contínuo desenvolvimento do
trabalho maquínico redobrado pela revolução informática, as
forças produtivas vão tornar disponível uma quantidade cada
vez maior do tempo de atividade humana potencial. Mas com
que finalidade? A do desemprego, da marginalidade opressiva,
da solidão,da ociosidade, da angustia, da neurose, ou da
cultura, da criação,da pesquisa,da reinvenção do meio
ambiente,do enriquecimento dos modos de vida e de
sensibilidade?No terceiro mundo, como no mundo
desenvolvido, são blocos inteiros da subjetividade coletiva que
se afundam ou se encarquilham em arcaísmos. (Guattari, 1990
p.7)
Isso mostra claramente o que para o sistema significa ter educação.
Educar-se significa compreender e aceitar o seu papel na cadeia de eventos
desenhada para o amortecimento e acomodamento das massas, com o
controle da classe operária, explorada até à exaustão, e a classe intelectual
aprisionada
num
sistema
educacional
que
padroniza
e
restringe
o
conhecimento, evitando novas perspectivas de pensamento e expressões da
criatividade, limitando o pensamento do ser humano que vem a se formar mais
adiante.
Suas inúmeras possibilidades de expandir a consciência tornam-se
limitada. Devido à influência da educação na vida das crianças, estas podem
mudar toda forma da mesma lidar com o mundo. Uma situação que visa a
padronização e a supressão da liberdade permite que o ser - humano passe a
ter uma visão de mundo restrita, e tudo derivado do sistema educacional atual.
Concluímos que deve-se pensar a capacidade humana de maneira diferente,
quebrar o paradigma de que tudo deve ser acadêmico ou não acadêmico,
abstrato ou concreto. Pensarmos na importância da educação de uma criança,
quando plantamos boas sementes a colheita indiscutivelmente é dada com
muito sucesso. Pensarmos formas de educar uma criança, é pensarmos num
29
futuro melhor para todos e para o Planeta a qual vivemos.
Sabemos que a atuação da Psicologia na conscientização ecológica,
muito pode colaborar para um futuro mais digno para todos, principalmente
para as crianças, visto a importância na infância da relação com a Natureza, do
respeito,do amor que se desenvolve para com a Terra e para com todos, de
como essas crianças crescem de forma mais equilibrada e forte para a vida e
na construção dos seus sonhos, libertando suas mentes da padronização
coletiva.
Nesse projeto cabe também ressaltar a vontade de um trabalho com
crianças das mais necessitadas e também as mais privilegiadas, ajudando-as a
restabelecer o contato direto com a Natureza, fazendo com que as mesmas
sintam-se capacitadas, conscientes e fortes, estando integradas e conectadas
com o seu ser, e conscientes desde já da importância da consciência ecológica
na construção de seus sonhos e de um mundo mais humano, digno e
ecológico. A Natureza tem essa característica unificadora e conseqüentemente
pacificadora na perspectiva de um futuro mais humano para todos; ela
une,agrega e integra. Portanto a educação ecológica nas escolas deveria ser
prioridade em face de diversos momentos catastróficos que vivenciamos
atualmente na Natureza.
30
3 UMA PERSPECTIVA FUTURA DA HUMANIDADE
Neste capítulo deixamos claro o intuito de uma reflexão, longe de
uma pretensão profética de nossa parte, apenas o desejo de nos fazermos
entender, pensarmos e questionarmos sobre o futuro da Humanidade, na
compreensão da necessidade de mudanças de paradigmas, hábitos e vícios
que nos cercam a todo instante. Desde as últimas décadas do século XX,
assistimos profundas mudanças, de forma rápida, transformações sociais,
econômicas, políticas, culturais, ética e principalmente da educação em âmbito
mundial. Na conhecida formulação desenvolvida por Bauman (2001), estamos
passando da Modernidade sólida para Modernidade líquida. A sólida derretia-se
para colocar outros melhores em seus lugares. A líquida derreteu tudo o que
era, ou parecia ser sólido, porém não coloca nada sólido em seu lugar. A
proposta é a imersão de uma reflexão sobre o nosso papel como ser humano
transformador e profissional num mundo de tantas e tão rápidas mudanças que
estão cada vez mais exigente e competitivo, onde o instantâneo e o prazer
imediato junto ao mundo veloz e fugaz tomam conta de nosso ser.
Somente uma inteligência que se dê conta da dimensão planetária
dos conflitos atuais poderá fazer frente e pensar a complexidade de nosso
mundo contemporâneo, a vida está ameaçada pela tecnologia e ciência que
apenas obedecem à lógica assustadora da eficácia pela eficácia. No mundo
contemporâneo existe um saber cada vez mais acumulativo, títulos sem
aplicações úteis, e um ser interior cada vez mais empobrecido, que nos levam
a refletir um novo panorama para a humanidade futura sobre os planos
individual e social.
Guattari (2001) nos leva a reflexão sobre a necessidade de
mudanças, o que está em questão é a maneira de viver daqui em diante sobre
esse planeta, no contexto da aceleração das mutações técnico – científica e do
considerável crescimento demográfico.
Parece-me essencial que se organizem assim novas práticas
micropolíticas e microssociais, novas solidariedade-des, uma
nova suavidade juntamente com novas práticas estéticas e
novas práticas analíticas das formações do inconsciente.
31
Parece-me que essa é a única via possível para que as
práticas sociais e políticas saiam dessa situação, quero dizer,
para que elas trabalhem para a humanidade e não mais para
um simples reequilíbrio permanente do Universo das
semióticas capitalísticas. (Guattari, 2001, p.35)
Segundo Guattari não haverá verdadeira resposta à crise ecológica
a não ser em escala planetária na condição de que se opere uma autêntica
revolução política, social e cultural restabelecendo os objetivos da produção de
bens materiais e imateriais. Para o autor uma finalidade do trabalho social
regulada de maneira unívoca por uma economia de lucro e por relações de
poder só pode no atual momento, levarem a dramáticos impasses. Na
concepção do autor reencontramos um paradoxo lancinante: de um lado um
desenvolvimento contínuo de novos meios técnico-científicos potencialmente
capazes de resolver as problemáticas ecológicas dominantes e determinar o
reequilíbrio das atividades socialmente úteis sobre a superfície do planeta e, de
outro lado, a incapacidade das forças sociais organizadas e das formações
subjetivas na apropriação destes meios para torná-los operativos, ou seja, cabe
a urgência de uma mudança na finalidade do trabalho social e de novos
projetos a desenvolverem nas práticas de âmbito familiar, do casal, do contexto
urbano, do trabalho, do social etc. Desenvolvendo estes novos projetos com o
propósito de modificar e principalmente reinventar maneiras de se viver em
sociedade.
Certamente seria inconcebível pretender retomar a fórmulas
anteriores, correspondentes a períodos nos quais, ao mesmo
tempo, a densidade demográfica era mais fraca e a
densidade das relações sociais mais forte que hoje. A questão
será literalmente reconstruir o conjunto das modalidades do
ser em grupo. E não somente pelas intervenções
“comunicacionais”, mas também por mutações existenciais
que dizem respeito à essência da subjetividade. Nesse
domínio, não nos ateríamos às recomendações gerais, mas
faríamos funcionar práticas efetivas de experimentação tanto
nos níveis microssociais quanto em escalas institucionais
maiores. (Guattari, 2001 p.15)
Guattari faz referência à ecosofia, que se trata de dispositivos de
produção de subjetividade, indo no sentido de uma re-singularização individual
ou coletiva, ao invés de irmos ao sentido de uma usinagem pela mídia,
32
sinônimo de desolação e desespero. Para o autor há uma urgência na
rearticulação dos três registros fundamentais da Ecologia que são: a Ecologia
social, a Ecologia mental e a Ecologia ambiental. A Ecologia social deverá
trabalhar na reconstrução das relações humanas em todos os níveis do socius,
tendo em vista a expansão do poder capitalista; ampliando seu domínio sobre o
conjunto da vida social, econômica e cultural do Planeta. A Ecologia mental
deverá tratar da vida cotidiana individual, doméstica, conjugal, de vizinhança,
de criação e de ética pessoal; a questão será, no futuro, a de cultivar a
produção singular da existência, podendo surgir a todo o momento, em todos
os lugares, para além dos conjuntos bem constituídos na ordem individual ou
coletiva. Esta Ecosofia será levada a reinventar a relação do sujeito com o
corpo, com fantasma, com o tempo que passa, com os mistérios da vida e da
morte. “Ela será levada a procurar antídotos para a uniformização midiática e
telemática, o conformismo das modas, as manipulações da opinião pela
publicidade, pelas sondagens etc”. A Ecologia ambiental põe em causa o
conjunto da subjetividade e das formações de poder capitalístico; O princípio
particular à ecologia ambiental é o de que tudo é possível tanto as piores
catástrofes quanto as evoluções flexíveis. Cada vez mais, os equilíbrios
naturais dependerão das intervenções humanas. Um tempo virá em que será
necessário empreender imensos programas para regular as relações entre o
oxigênio, o ozônio e o gás carbônico na atmosfera terrestre. Poderíamos
perfeitamente requalificar a ecologia ambiental de ecologia maquínica já que,
tanto do lado dos cosmos tanto das práxis humanas, a questão é sempre a de
máquinas. Mas a aceleração dos progressos técnico-científicos conjugada ao
enorme crescimento demográfico faz com que se deva empreender, sem
tardar, uma espécie de corrida para dominar a mecanosfera. Ao contrário, não
pensarmos a união destas três Ecologias, infelizmente irá pressagiar perigos
como: do racismo, do fanatismo religioso, das cismas nacionalitárias caindo em
fechamentos reacionários, à exploração do trabalho das crianças, a opressão
das mulheres, a revolta dos menos favorecidos, a desigualdade etc.
Invocando
paradigmas
éticos,
sublinharemos
aqui
a
responsabilidade e o necessário comprometimento não somente dos
profissionais de Psicologia, mas de todos aqueles que estão na posição de
intervir nas instâncias psíquicas individuais e coletivas, (através da educação,
33
saúde, cultura, esporte, arte, mídia, moda, etc). Pensando junto aos escritos do
autor, sabemos que certamente seria um absurdo querer voltar atrás para
tentar reconstruir as antigas maneias de se viver. Jamais o trabalho humano ou
hábitat voltarão a ser o que eram, há poucas décadas atrás, depois das
revoluções da informática, robóticas, depois do desenvolvimento do gênio
genético e depois da mundialização do conjunto dos mercados, a aceleração
das velocidades de transporte e de comunicação, a interdependência dos
centros urbanos, constituindo um estado de fato irreversível, que conviria antes
de tudo reorientar-se, lidar com este estado implica uma recomposição dos
objetivos e dos métodos do conjunto do movimento social nas condições de
hoje. Mais do que nunca a natureza não pode ser pensada separada da
cultura, temos que aprender a pensar “transversalmente” as interações entre
ecossistemas e universos de referência sociais e individuais, com objetivo de
novos modos de produção de subjetividade, Isto é, de conhecimento, cultura,
sensibilidade e sociabilidade.
Na visão do autor não se trata de propor um modelo de sociedade
pronto para usar, mas o de assumir um papel cujo objetivo será em particular, a
instauração de novos sistemas de valorização. Outros sistemas de valor
deveriam ser levados em conta como a “rentabilidade” social, os valores de
desejo, etc. Parece necessário insistir sobre o fato de que novos substitutos
sociais, tais como fundações reconhecidas como de sendo de utilidade social e
não somente o Estado arbitraria em campos de valor decorrente do lucro
capitalista. O sistema de valorização capitalístico aniquila os outros modos de
valorização, que ficam alienados a sua hegemonia. Convêm superpor
instrumentos de valorização fundados nas produções existenciais que não
podem ser determinadas unicamente em função do tempo de trabalho abstrato,
nem de um lucro capitalista esperado.
No futuro a questão não será apenas a da defesa da natureza,
mas a de uma ofensiva para reparar o pulmão amazônico, para
fazer reflorescer o Saara. A criação de novas espécies vivas,
vegetais e animais, estão inelutavelmente em nosso horizonte
e torna urgente não apenas a adoção de uma ética ecosófica
adaptada a essa situação, ao mesmo tempo terrificante e
fascinante, mas também de uma política focalizada no destino
da humanidade. (Guattari, 2001 p.52).
34
O autor transmite a importância de um pensamento coletivo,
político, ambiental, social na preocupação com o destino da humanidade, no
âmbito planetário e, cada vez mais a natureza e seus recursos necessitam da
nossa intervenção, das nossas mãos. Ele enfatiza à problemática dos
recursos naturais do planeta terra, e como a aceleração do progresso técnicocientífico junto ao crescimento demográfico contribuem para o excesso de
exploração dos recursos naturais. A ética ecosófica tanto abordada pelo autor
consiste, um novo tipo, ao mesmo tempo prática e especulativa, ético-política
e estética, substituindo as antigas formas de engajamento religioso, político,
associativo. Seria um movimento de múltiplas faces dando lugar às instâncias
e dispositivos analíticos e produtores de subjetividade, esta tanto individual
quanto coletiva. “É preciso mais uma vez invocar a História! No mínimo pelo
fato de que corremos o risco de não mais haver história humana se a
humanidade
não
reassumir
a
si
mesma
radicalmente.”
(Guattari,
2001p.54).Numa perspectiva futura do meio ambiente e da humanidade,no
bem coletivo individual e planetário devemos inquestionavelmente pensarmos
novas práticas sociais, novas práticas estéticas, novas práticas de si na
relação com o outro. Um processo contínuo de ressingularização, Os
indivíduos devem se tornar a um só tempo solidário e cada vez mais
diferente. O mesmo se passa com a necessidade da ressigularização do
Estado, das escolas, das prefeituras, do urbanismo, etc. Toda essa
organização Estatal instaura-se no mundo do meio ambiente, dos grandes
Agenciamentos sociais e Institucionais e habitam a subjetividade, na mais
íntima esfera do indivíduo. O Homem numa perspectiva futura da humanidade
integrada com a natureza e consigo próprio, há de reconquistar um grau de
autonomia criativa num campo particular invocando outras reconquistas em
outros campos. Assim toda uma retomada de confiança da humanidade em si
mesma e no outro estará por vir.
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CONCLUSÃO
Através deste trabalho foi possível pensarmos e refletirmos, o
caráter de urgência no Mundo Moderno contemporâneo (embutido de exagero
no domínio capitalístico na exploração de bens naturais) para a necessidade de
mudanças, análises e reflexões de novos parâmetros e paradigmas do modo
de se viver em sociedade, individualmente e coletivamente, um olhar
diferenciado à Natureza, no resgate do Homem com a mesma, na sua forma
mais natural de ser com ele mesmo e no meio em que vive.
O tema proposto tem como objetivo incentivar o pensamento; em
qual perspectiva de evolução queremos para a humanidade? Vivemos numa
Era em que desastres Naturais imprevistos acontecem por toda parte, e que a
racionalidade cientifica não prevê; mais do que nunca a conscientização
Ecológica se faz necessária no meio em que vivemos e principalmente nas
Escolas, onde se concentram o futuro; crianças de todos os níveis
socioeconômicos, podendo muito colaborar para um futuro ambiental digno
para a humanidade. Sabemos até então que o desenvolvimento técnico –
cientifico é incessante e muito contribuiu para o desenvolvimento do Homem na
civilização, proporcionando ao mesmo, muitas facilidades no modo de se viver
em grupo. Longe de nós o desmerecimento à ciência, a questão é pensar no
exagero, imediatismo, fugacidade e comodismo que a mesma nos proporciona
e que cada vez mais racional e maquínica nos afasta da natureza. Até que
ponto essa evolução trouxe ao pensamento do Homem benefícios éticos e
salutares?
Destacamos com o tema proposto: “A Psicologia como agente
transformadora da consciência do Homem”, a necessidade e responsabilidade
da Psicologia na conscientização ambiental no Homem, nas escolas e no meio
social, de que já existem vertentes e caminhos recentes ainda sujeitos a
preconceitos como a Ecopsicologia ou Psicologia ambiental, que se refere a
reintegração Homem-Natureza, contribuindo à sanidade mental e condições
terapêuticas nobres, rumo ao equilíbrio mútuo com o Planeta, com o universo
cotidiano, com o ecossistema e principalmente do homem consigo próprio.
36
REFERÊNCIAS
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Ed., 2001.
BOFF, Leonardo. Ecologia: Grito da Terra, Grito dos pobres. São
Paulo: Ática, 1995.
FROMM, Erich. A Análise do Homem. 8 Ed.; Traduzido por Octavio
Alves Velho. Rio de Janeiro: Zahar, 1972.
GUATTARI, Félix. As três Ecologias. 11 Ed.;Traduzido por
Maria Cristina Bittencourt. Campinas: Papirus, 1990.
____________.Caosmose: um novo paradigma estético. São Paulo:
Editora 34, 1992.
JUNG, Carl. Presente e Futuro. 2 Ed.; Vozes,1957.
MOSCOVICI, Serge. Natureza: para pensar a ecologia. Rio de Janeiro:
Maud X: Instituto Gaia, 2007.
ROSZAK, Theodore.The voice of the earth: An exploration of
ecopsychology. Grand Rapids: Phannes Press.
STRAUSS, Lévi. O Olhar Distanciado: Perspectivas do Homem.70
Ed.;Lisboa:Lda,1983.
STRAUSS, Lévi. O pensamento Selvagem.Traduzido por Tânia
Pellegrini.Campinas:Papirus,1989.
FEDERAL,Constituição. Código Civil. Saraiva,2009
INTERNET
ROSZAK,
Theodore.
Eco-Psychology.
Disponível
em:
<http://www.williamjames.com/transcripts/roszak.htm> - Acessado em
23/09/2011.
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ANEXO
Entrevista concedida ao jornalista espanhol Victor M. Amela para La
Vanguardia, pelo escritor Tuareg Moussa Ag Assarid:
- Não conheço minha idade: nasci no deserto do Saara, sem endereço
nem documentos…! Nasci num acampamento nômade tuareg entre Timbuctú e Gao,
ao norte do Mali. Fui pastor dos camelos, cabras, cordeiros e vacas que pertenciam a
meu pai. Hoje, estudo Administração na Universidade de Montpellier, no sul da França.
Estou solteiro. Defendo os pastores tuaregs. Sou muçulmano, mas sem fanatismo.
- Que turbante bonito!
- É apenas um tecido fino de algodão: permite cobrir o rosto no deserto
quando a areia se levanta e, ao mesmo tempo, você pode continuar vendo e
respirando através dele.
- Sua cor azul é belíssima…
- Ela é a razão pela qual chamam a nós, tuaregs, de homens-azuis: o
tecido aos poucos desbota e tinge nossa pele com tons azulados.
- Como vocês produzem esse intenso azul anil?
- Com uma planta chamada índigo, misturada a outros pigmentos naturais.
O azul, para os tuaregs, é a cor do mundo.
- Por quê?
- É a cor dominante: a do céu, a do teto da nossa casa.
- Quem são os tuaregs?
- Tuareg significa “abandonado”, porque somos um velho povo nômade do
deserto, um povo orgulhoso: “Senhores do Deserto”, nos chamam. Nossa etnia é a
amazigh (berbere), e nosso alfabeto, o tifinagh.
- Quantos vocês são?
- Cerca de três milhões, a maioria ainda nômades. Mas a população
diminui… “É preciso que um povo desapareça para que percebamos que ele existia!”
denunciou certa vez um sábio: eu luto para preservar o meu povo.
- A que ele se dedica?
- Ao pastoreio de rebanhos de camelos, cabras, cordeiros, vacas e asnos,
num reino feito de infinito e de silêncio.
- O deserto é mesmo tão silencioso?
- Quando se está sozinho naquele silêncio, ouve-se as batidas do próprio
coração. Não existe melhor lugar para quem deseja encontrar a si mesmo.
- Que recordações da sua infância no deserto você conserva com maior
nitidez?
- Acordo com o sol. Perto de mim estão as cabras de meu pai. Elas nos
dão leite e carne, nós as conduzimos onde existe água e grama… Assim fez meu
bisavô, meu avô e meu pai… E eu. No mundo não havia nada além disso, e eu era
muito feliz assim!
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- Bem, isso não parece muito estimulante…
- Mas é, e muito. Aos sete anos de idade, já permitem que você se afaste
do acampamento e descubra o mundo sozinho, e para isso lhe ensinam coisas
importantes: a cheirar o ar, a escutar e ouvir, a aguçar a visão, a se orientar pelo sol e
as estrelas… E a se deixar conduzir pelo camelo; se você se perde, ele lhe conduzirá
onde existe água.
- Esse é um conhecimento muito valioso, não há dúvida…
- Lá tudo é simples e profundo. Existem poucas coisas no deserto, e cada
uma delas possui grande valor.
- Assim sendo, este mundo e aquele são bem diferentes, não é mesmo?
- Lá, cada pequena coisa proporciona felicidade. Cada roçar é valioso.
Sentimos uma enorme alegria pelo simples fato de nos tocarmos, de estarmos juntos!
Lá ninguém sonha com chegar a ser, porque cada um já é.
- O que mais o chocou ao chegar pela primeira vez na Europa?
- Ver a gente correr nos aeroportos. No deserto, só corremos quando uma
tempestade de areia se aproxima. Fiquei assustado, é claro…
- Corriam para buscar suas bagagens…
- Sim, devia ser isso. Também vi cartazes mostrando moças nuas: por que
essa falta de respeito para com a mulher?, Perguntei-me… Depois, no Hotel Íbis, vi
uma torneira pela primeira vez em minha vida: vi a água correr… e tive vontade de
chorar.
- Que abundancia, que desperdício, não é mesmo?
- Até então, todos os dias da minha vida tinham sido dedicados à procura
d’água. Até hoje, quando vejo as fontes e chafarizes decorativos que existem aqui,
sinto uma dor imensa dentro de mim.
- E por quê?
- No começo dos anos 90 houve uma grande seca, os animais morreram,
nós adoecemos… Eu tinha uns doze anos, e minha mãe morreu… Ela era tudo para
mim. Contava-me histórias e ensinou-me a contá-las bem. Ensinou-me a ser eu
mesmo.
- Que aconteceu com sua família?
- Convenci meu pai a deixar-me frequentar a escola. Todos os dias eu
caminhava quinze quilômetros para chegar até ela. Até que um professor arrumou
uma cama para eu dormir, e uma senhora me dava comida quando eu passava em
frente à sua casa. Entendi: era minha mãe que me ajudava…
- De onde veio essa paixão pelos estudos?
- Dois anos antes, o rally Paris-Dakar passou pelo nosso acampamento, e
caiu um livro da mochila de uma jornalista. Eu o apanhei e devolvi a ela. Mas ela me
deu o livro de presente e disse que ele se chamava “O Pequeno Príncipe”. Naquele
instante prometi a mim mesmo que um dia seria capaz de lê-lo…
- E você conseguiu…
- Sim. Foi assim que consegui uma bolsa para estudar na França…
- Um tuareg na universidade!
- Do que mais tenho saudade é do leite de camela. E do fogo de madeira.
E de caminhar descalço sobre a areia tépida. E das estrelas: lá, nós as admiramos
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todas as noites, e cada estrela é diversa da outra, como cada cabra é diversa da outra.
Aqui, à noite, vocês ficam vendo televisão.
- Sim. Na sua opinião, qual é a pior coisa que existe aqui?
- A insatisfação. Vocês têm tudo, mas nada lhes é suficiente. Vivem se
queixando. Na França, passam a vida queixando-se. Vocês se acorrentam por toda a
vida a um banco por causa de um empréstimo, e existe essa ânsia de possuir, essa
correria, essa pressa. No deserto não existem engarrafamentos, sabe por que?
Porque lá ninguém quer passar à frente de ninguém!
- Relate um momento de felicidade intensa que você viveu no seu distante
deserto.
- Esse momento ali se repete a cada dia, duas horas antes do pôr-do-sol: o
calor diminui, o frio da noite ainda não chegou, homens e animais retornam lentamente
ao acampamento e seus perfis aparecem como recortes contra o céu que se tinge de
rosa, azul, vermelho, amarelo, verde…
- É fascinante. E então…
- Esse é um momento mágico… Entramos todos na tenda e fervemos a
água para o chá. Sentados, em silêncio, escutamos o barulho da água que ferve… A
calma toma conta de nós… As batidas do coração entram no mesmo compasso dos
gluglus da fervura…
- Que paz…
- Aqui vocês têm o relógio; lá, temos o tempo.