Livro Plantando Conhecimento
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Livro Plantando Conhecimento
ROBERTO FRANCISCO DE SOUZA PLANTANDO CONHECIMENTO Conversando sobre Educação a Distância & Gestão de Conhecimento Plantando Conhecimento is licensed under a Creative Commons Atribuição-Uso Não-Comercial-Vedada a Criação de Obras Derivadas 2.5 Brasil License. Based on a work at www.plansis.com.br 11 A todos os que se divertem comigo, em minha casa, em meu trabalho, na vida. 12 Tenho muitas razões para acreditar numa nova educação: minha família, meu trabalho, as pessoas com quem convivo. Já tive, sem contar pra ninguém, muito medo da tecnologia. Podia pegar mal. Sou um profissional do ramo. Não tenho mais. Foi um processo de cura e consciência. Mas, mesmo acreditando nisso, num mundo que se transforma para melhor, fui me cansando de ouvir falar em transformações que só aconteciam no papel. Senti que era preciso começar, acreditar no que falava e sobretudo fazer acontecer. Então comecei a usar a técnica para transformar corações e para transformar cabeças. Tem sido assim, em todos os lugares onde tenho ido e trabalhado. Mentes se transformando. A minha mente se transformando pela relação com o outro. Escrever estas conversas sobre educação a distância e gestão do conhecimento e publicar estas crônicas na internet têm sido antes de tudo uma aventura. Meus filhos lêem. Meu povo, que trabalha comigo, lê. Alguns clientes lêem. Às vezes, sinto que estão reticentes, mas sigo em frente. Só que as transformações já começaram. Como uma revolução, elas vão ganhando corpo. Tecnologia a serviço de gente. A apropriação da internet por um grupo que coloca a informação a seu serviço, em vez de trabalhar para ela, feito escravo. Na Arbórea está sendo assim. É por isso que esse livro é um ato de coragem, de superação e regozijo. A coragem de criar, sobre a qual Rollo May nos testemunhou. A superação de meus filhos, a quem tento ensinar que a aventura do conhecimento é muito mais que a aprovação no vestibular. O regozijo do povo lá da empresa, onde cuidar das plantinhas, das kalanchoes, se tornou missão crítica e estratégica para nosso sucesso. É também um ato de escolha. Chega uma hora na vida em que se deve escolher. Não se pode adiar mais. Escolhi as minhas crenças, com todo o respeito ao que me entregaram pronto, desde criança. Escolhi os meus companheiros livros, com quem posso dialogar em perfeita sintonia. Escolhi viver, quando tudo parecia indicar o contrário, quando somente a Carla e seu olhar firme bloquearam o caminho, antes que eu desandasse. Obrigado! Agora eu acredito de novo. Agora estou seguindo em frente, a despeito de teorias. Conhecimento é gente. Plantar conhecimento é viver com e como gente. É por isso que este livro aqui é uma conversa e eu espero, de coração, sua resposta: www.arborea.com.br & [email protected]!!! Até breve. 13 LIBERDADE PARA CRIAR A educação a distância é, antes de tudo um desafio. Não há aquele que, estando envolvido com a criação de estratégias de aprendizado a distância, não se delicie, se for um apaixonado pelo assunto, com as inúmeras possibilidades para se transferir conhecimento, usando a internet como mediadora. Agora mesmo, relendo Pierre Lévy em “AS TECNOLOGIAS DA INTELIGÊNCIA”, redescubro extasiado uma afirmação preciosa, que transcrevo aqui de forma mais livre: “... Ao tornar-me um ator da evolução técnica (por pouco que seja), descobri que a margem de liberdade neste domínio é muito maior do que geralmente é dito”. Fico pensando em quanto é comum que nos esqueçamos da criação. É tudo tão novo e ao mesmo tempo já experimentamos tantas novas formas de transferir conhecimento. A internet, mediadora e tão somente mediadora. De verdade, o aprendizado é a distância e ainda vale o correio, o telefone, a visita pessoal. Acho que temos que compreendê-la assim. Madre Teresa de Calcutá nos ensina que melhor é aprender com as crianças. Tanta gente nos ensinou isso! Quem sabe, repassando esta máxima, possamos extrair mais de nossos limites, possamos propor formas realmente novas de ensino, só olhando uma criança aprender no mundo de hoje. Não vou ousar dizer que não há limites, deve haver. Mas podemos e devemos acreditar que estas crianças que chegam agora a um mundo de internet serão capazes de romper com barreiras de conhecimento, de descobrir estas novas formas. E nós, nunca é demais lembrar, já fomos crianças um dia. Ainda devemos ter remédio. É em busca das crianças que fomos, que estamos. Todos os dias repito para a equipe de educação da Arbórea que precisamos encontrar 14 estas novas formas de ensino. Para tanto, uma nova prontidão é necessária, uma prontidão para o novo, para a criação. Se assim acreditarmos, a Coragem de Criar de que nos fala Rollo May gritará mais alto. Não teremos medo desta nova relação através do hiperespaço e descobriremos nele, talvez tão somente por causa dele, o quanto somos humanos. 15 A ESCOLA VIRTUAL COM QUE SONHEI Quem já leu “A ESCOLA QUE EU SEMPRE SONHEI SEM IMAGINAR QUE PUDESSE EXISTIR” do Rubem Alves, pode se apaixonar ou duvidar. É assim mesmo como os colaboradores daquela escola se definem: pessoas a quem se deve grande admiração ou desprezo crítico. Pedem, ou melhor, deixam que se vá até lá, Vila Nova de Famalicão, Portugal, para se ver de perto, guiado pelos alunos, como estão revolucionando, faz muitos anos, a forma de se educar. Quem quiser que veja com seus próprios olhos. Não vou repetir a história toda. Está lá no pequeno livro e desde já o recomendo. Vou melhor é pensar na ESCOLA DA PONTE, numa Escola da Ponte virtual. Como é que seria? Acho que lá, se os alunos fossem fazer um modelo virtual do que fazem no dia-a-dia, não construiriam uma sala de aula. Eles não pensam a educação assim. Suas metáforas para aprender vão muito além. Falam é de colaboração, mas isso deve soar estranho para nós, tão incrédulos: eles têm apenas nove anos!!! A Escola Virtual com que sonhei constrói o conhecimento. Ela não cria redomas de vidro, onde colocamos o que sabemos e o que estamos aprendendo. Nessa escola, há aquele que ensina e o que aprende, mas esse ator-quem algumas vezes é um, algumas vezes é outro. E vai-se aprendendo, professores-alunos e alunos-professores! Coisa pra escola-modelo, dirão alguns, não serve para treinar vendedores! Ledo engano, penso eu. Muitos de meus interlocutores, nas minhas andanças e na minha falação, dizem que seus treinandos não vão estudar nem em casa, nem no trabalho. Precisam de um lugar isolado, no horário comercial, para se dedicarem, de corpo e alma, à tarefa de aprender. 16 Concordo, em princípio. Sei das implicações legais desse aprendizado e sei das urgências das estratégias de marketing. Mas também sei que, na Escola da Ponte, os alunos aprendem enquanto estão lá, dentro do que para nós, mais velhos, parece ser uma sala de aula. Não é... No meu tempo, na sala se copiava, em casa se estudava e algumas vezes se aprendia. De outro jeito: na Escola da Ponte se aprende enquanto se trabalha e esse é o ponto: aprender sempre, mesmo que não se queira, mesmo que não se saiba que se está aprendendo. É como diz a Cora Coralina: “Tu encontrarás sempre no teu caminho Alguém para a lição de que precisas. Aprende, mesmo que não queiras”. É isso que estamos tentando aqui, nos nossos projetos. Estratégias para se aprender, enquanto se trabalha. Acho que isso é gestão de conhecimento. Acho que isso é aprendizado a distância. Acho que isso é muito mais produtivo. De fato não importa. O que isso é mesmo, é muito mais divertido! 17 ENGENHEIRO, GRAÇAS A DEUS! Quando surgiu o grupo de Rock “Engenheiros do Havaí”, a mensagem estava clara: deixando de ser engenheiros, agora eram músicos. Assim quase todo mundo percebia. Eu não! Preferi pensar neles como engenheiros de verdade. Fui conferir “engenho” no dicionário. Encontrei criação e as coisas da criação. Está lá. No Aurélio ou no Houaiss, pode conferir. Engenheiros de nome, engenheiros de software, engenheiros músicos, engenheiros de conhecimento. Engenheiros de verdade, quero dizer, o nome sendo mais criativo que a realidade. Assim foi que, de muitos anos, engenheiros não pensam mais, e Leonardo da Vinci, engenheiro supremo, pintor, escritor e cientista, este deve se virar no túmulo de ver garotos crescendo, sendo treinados a não pensar mais. Que sina, a de emprestar o nome a tudo que se diz criativo e a gente mesmo se tornar pedra, ser “impensantes”. Não quero ser isso, e por tal ousei o neologismo. Fui professor, sou engenheiro, amo a educação. E, de muito tempo, desde que inteligência artificial era novidade, e já lá se vão tantos anos, pesquiso as coisas de conhecimento. Agora que estamos fazendo educação a distância, acho que virei engenheiro de educação. Deve poder ser assim, já que o nome, mais que a profissão, me autoriza a pensar. Quantos estão por ai, tentando acertar na criação da educação virtual, num mercado em que muitos vão querer mais é dinheiro, sem se preocupar se, para alunos e professores, vai ser um mundo novo, cheio de possibilidades, reinventando as regras, brincando para aprender. 18 Queremos fazer certo, isso é fato, mas queremos criar também, ousar a mudança que nos permitirá investigar o espaço novo da educação, tanto quanto o conteúdo que se ensina. Lévy, de novo o Pierre, nos ensina em suas “TECNOLOGIAS DA INTELIGÊNCIA”, que “o sentido emerge e se constrói no contexto, é sempre local, datado, transitório”. Não congelemos então a internet e suas possibilidades como num projeto em formato A1. Ela muda e a educação que nela se quiser fazer mudará todo dia, plena de possibilidades. Então, mãos à obra para a empreitada, para o experimento, para a construção desta nova relação de conhecimento. Eu, de minha parte, quero muito colaborar, Engenheiro que sou, graças a Deus! 19 DE VOLTA PARA O FUTURO Semana passada caiu em minhas mãos um livrinho empoeirado pelo qual me apaixonei logo na capa, fruto de uma curiosidade incontrolável. Trata-se do fantástico (deixem-me considerá-lo assim) “mutações em educação segundo Mc luhan”. Escrevo como leio na capa: Não há acentos e a foto, que me lembra um surto num eletrocardiograma, me chega como combinação de irreverência e respeito. O autor? Lauro de Oliveira Lima. Para os habitantes da área não requer apresentações. Vou então ao ponto. A primeira edição, com modestos 5000 exemplares, é de 1971. Seguiram-se treze até 1980, ano da edição que leio. Espera um pouco. Vou ali consultar se ainda existe e já volto. Estou recompensado. Passeei pelo Google e encontrei dezenas de citações de minha pequena preciosidade, vigorosa aos trinta e dois anos. Mas continuo... É mesmo surpreendente a atualidade das colocações de Lauro de Oliveira Lima. Mais surpreendente como, falando a respeito da televisão, consegue entrever a internet. É mesmo do que falavam ele e Mc luhan, senão vejamos: “Os novos meios ultra-rápidos de comunicação à grande distância _ rádio, telefone, televisão _ estão a ponto de ligar o mundo inteiro numa ampla rede de circuitos elétricos, suscitando uma nova dimensão do engajamento do indivíduo face aos acontecimentos”. Um afirmando, o outro comentando, nos dizem que “haverá uma revolução no que concerne aos papéis de aluno e de professor, que os cidadãos do futuro serão recompensados por sua diversidade e por sua originalidade. Que a dicotomia tradicional trabalho-lazer desaparecerá em função do próprio engajamento, cada vez mais profundo, do estudante”. 20 Não vou citar mais. Compre o livro porque vale a pena. Vou é lembrar outro autor, Domenico de Masi, para chamar sua atenção a esta última afirmação. São três pilares: o trabalho, o lazer e um novo estudante resolvendo o conflito. Não estamos falando de educação, lazer e estudante, como a lógica deveria fazer crer. Pulo de novo na internet e revejo a matéria de capa da revista Elearning Magazine em www.elearningmag.com. Fala de andragogia, de um adulto que começa a abandonar cursos a distância por não se sentir bem com eles, porque estamos sendo incapazes de reinventar a educação com apoio da internet, porque estamos cometendo o erro dos que vieram depois da imprensa: estamos recitando livros, agora páginas de conteúdo. Não é isso, todos gritam em coro, e meu velho livrinho se contorce de rir sobre a mesa, como que dizendo: mas só agora descobriram? Eu falei há trinta anos! Estamos falando de aprender enquanto se trabalha. Estamos falando de uma revolução muito mais profunda, que envolve relações trabalhistas e validade de diplomas, mas sobretudo, uma revolução de atitudes que se abrem para o mundo: não estudo mais, não trabalho mais, não tenho mais lazer! Caminho para a integralidade e a internet. Melhor que ser a reedição do texto impresso, é espaço por onde navego, em busca de conhecimento. Então é isso. Morre, prematura, a educação a distância como estão tentando construí-la. Agora é hora dos acertos. Preciso aprender o tempo todo e meu computador não é gráfica, é porta, porta para o mundo! Difícil entender? Não! Lauro de Oliveira Lima podia ter dito, naquele livreto precioso de tantos anos: _ Conhecimento!!! Nós redefinimos: gestão de conhecimento, que é pura filigrana. Estão tentando inventar a educação na internet e está dando errado porque, o que precisamos mesmo, é continuar reinventando a educação. 21 Ainda agora, recebo notícia de que, no Canadá, estão fazendo EAD em banda larga. Muito bom! Isso conta e disso combinamos falar num outro dia. Por agora, que Deus nos ajude, será preciso termos a firme coragem de mudar. 22 "NIENTE SENZA GIOIA" Prometi falar de banda de passagem em educação. Assunto sério, meio enfadonho. Deixo pra depois. Vou mesmo é tratar de uma feliz coincidência, destas a que a pesquisa e a educação têm o hábito de agradecer. Vou falar de novo de escolas, livros, criatividade e alegria. Começou assim: sábado, oito de junho, eu, rato de livraria. Desta vez não encontrei o que prestasse. Almas tristes não catam pérolas e eu não catei. Fiquei ali, amuado, querendo fazer a descoberta do dia e nada. Saí, rodei e rodei e nada. Fui atender o estômago. Talvez os meus olhos "desalimentados" não quisessem enxergar. Viam, mas não enxergavam. Pois, insistente, voltei para tropeçar em “NIENTE SENZA GIOIA”, lema de uma escola em Milão. E onde, onde, Deus do céu? Em “O ESPÍRITO CRIATIVO”, volume que recomendo até para os olhos fechados que eu tive naquela tarde. É matéria de Daniel Goleman, Paul Kaufman e Michael Ray, matéria de primeira, em se tratando de espíritos libertos. Vaguei por ali e o espírito criativo me cativou porque eu estava aflito. Queria pensar empresas e escolas de uma perspectiva nova, leve, que sobrevoasse conceitos e pudesse reinventá-los. Vivi a aflição criativa que se aprende lá, nas páginas desta boa obra. Achei eco para as palavras do Rubem Alves: “é preciso desaprender”. Também no meu inesperado tesouro-livro, Buckminster Fuller, inventor, nos ensina a “ser ingênuos”. É certo que estamos praticando um pouco diferente a criação. Aqui em casa, aqui na empresa, estamos "desconstruindo" conceitos e isso exige um certo minimalismo a que nos entregamos recentemente. Criar a partir do simples. Criar o simples, contestar estratégias confusas e povoadas demais. Quem quiser que veja, é só nos visitar. Estamos limpando a área e criando, mas tentamos “niente senza gioia”. Móveis se transformam em plantas e o que fosse cinza vai se colorindo. Hora de traduzir o “niente senza gioia”: nada sem alegria! 23 De tudo que é certo em nossa experiência de criação, há um par de fatos maiores: primeiro, estamos é tentando, nem sempre conseguindo. Só que tentar tem dado alento, esperança de todo dia acordar sentindo uma coisa boa, gosto de bem-feito e divertido. É por isso que temos um lugarzinho pra contar, na nossa intranet, o que vamos fazendo de bom. E já está ficando lotado! A segunda? A segunda são flores que andamos cultivando, jardins, vasos e coisas da terra, que, em educação, eu presumo, têm também razão e vigor. Fica mais uma em minha lista de promessas: falar de jardinagem em educação, até na educação a distância. E nada sem alegria nessa distância para educar! Aqui religo os temas que não deviam se haver separado. Estamos fazendo educação a distância com uma certa melancolia. Estamos saudosos das salas de aula com carteiras furadas para tinteiro, que dão seu canto de cisne e se vão. Cumpriram sua missão e passaram. Veio a coincidência: revista Nova Escola, Julho de 2002, página cinqüenta e dois. Ali se lê da “Pedagogia dos Sentidos”. Fala de Reggio Emilia, a mesma Reggio Emilia. Num dado ponto se conta: “Chamamos de abordagem (pedagógica), pois temos como princípio respeitar a maneira de cada um aprender e, para isso, precisamos estar atentos aos caminhos que eles mesmos propõem”. E se completa: “... quem procurar por um método Reggio Emilia não encontrará registro, mas irá se deparar com alguns princípios que podem ser incorporados e colocados em prática. Um deles é a crença de que o aprendizado nunca será o mesmo se alguém deixar de dar a sua colaboração". Eu devia ter vergonha de citar tanto esses autores e fontes, mas não tenho. Cumpro a humilde tarefa da repetição como se, em o fazendo, 24 colabore laboriosamente para que suas idéias alcem vôo e o façam também na educação a distância. É somente esta última minha possível originalidade (e Deus permita que não!). Quando falo destas coincidências, quero que aqueles que estão pensando a educação a distância repensem seus conceitos. Quero que eles entrevejam as reais possibilidades da internet como elemento de colaboração no ensino para todas as idades. Quero que reflitam sobre o quanto precisamos andar e crescer para que nossos conteúdos, divulgados pela internet, deixem de ser conteúdos e passem a ser como em Reggio Emilia, princípios, e que estes só reconheçam educação colaborativa: nada de só publicar, nada de dar mais valor a forma e ao conteúdo do que ao colaborar nesses espaços virtuais. Será possível? O que digo e desafio é que já é possível, já podemos construir esses espaços e aproximar pessoas de todas as idades, numa verdadeira construção de conhecimento. De todas as idades? Acho que me atirarão pedras cibernéticas de novo, pois que imagino adultos aprendendo como crianças, com a seriedade de crianças a que se referiu Nietzsche. Antes de afirmar que, no ensino para adultos, postos em suas mesas de trabalho e ocupados a mais não poder com suas tarefas do dia-a-dia, não cabem brincadeiras de pura descoberta, sugiro que se experimente, que se visite Reggio Emilia ou Vila Nova de Famalicão, em Portugal, lembra? Afinal, pode ser esta a sua última chance de reencontrar o “Niente senza Gioia!". 25 26 REVOLTA OU REVOLUÇÃO Como cidadão, como empresário e como pai tenho escutado, com grande constância, sobre a dificuldade das coisas, a dificuldade do fazer as coisas. Mover-se não é fácil. Abandonar posições cômodas não é fácil. Preferível ficar onde estamos e inventar pseudomudanças que dão a impressão de que evoluímos. Não é diferente com o aprendizado a distância. Muitas organizações agradeceram o advento da EAD e a brindaram como salvação, não da qualidade do ensino ou de sua universalização, mas do discurso. Temos que estudar o problema, o problema é complexo, todo cuidado é pouco, temos que nos preocupar com os oportunistas. Discutimos, discutimos, discutimos e ficamos no mesmo lugar, cobras mordendo o rabo. Estourava a revolução francesa e foram comunicar ao rei sobre a balburdia que corria solta nas ruas de Paris. E o Rei, no seu distante reino mental, perguntou: _ estamos tendo uma revolta? Ao que se respondeu: _ Perdão majestade, não é uma revolta, é uma revolução! Está assim com a educação. Não estamos tendo uma revolta. Estamos mudando as estruturas! Não estamos simplesmente introduzindo a tecnologia como ferramenta de incremento das práticas educacionais. Estamos é questionando as próprias praticas educacionais. Adoro livros. Eu os leio como se come doce. Me lambuzo com eles. A história que contei da revolução francesa, por exemplo, está lá, nas páginas do compêndio de história de minha filha, sétima série, livro que só se devia 27 ler para estudar, é como nos ensinam. Eu o li para me divertir, num dia de não fazer nada e ficar à toa. Caiu, por assim dizer, nas minhas mãos. Temos que ter respeito com os livros. Não podemos apenas repeti-los em sala de aula, numa macaquice sem fim. De pequenos não ensinamos nossos filhos a gostar de livros e depois os obrigamos a viver com eles, como um castigo sem fim. Estou tentando fazer diferente em casa. Diz mestre Ziraldo: leia para os pequenos. Eles se lembrarão dos carinhos da sua leitura e, por decorrência, dos livros. Também já não tenho mais o mesmo pudor e má vontade de ler textos na internet. Como mídia, eu a estou compreendendo aos poucos e deixo que ocupe um lugar na minha estante. É preciso respeito pelo que se escreve na internet também. Isso mesmo, é preciso respeito! Nada de macaquices. É preciso mudar os conceitos. Na educação que tivemos (e Deus sabe que ainda estamos dando) é somente na sala onde autorizamos os alunos a ler, a estudar, a correr poucas páginas dos livros, que deviam ser seus companheiros, até o limite do que já ensinamos, não deixando que passem daí. Estudam aritmética. Nunca ouviram falar de Malba Tahan. Deus nos perdoe por isso! Em vez de nos perguntarem, nos ouvem. Só sabem o que falamos e a descoberta agora é um arremedo. Nunca se encantaram com o fato de que a raiz de dois, somada com a raiz de três, dá o número “pi”. Estão paralisados. Mas o que estamos tendo é revolução. Por isso vamos mudando a ordem das coisas. Não é nem muito original, porque Deus teve a bondade de botar no mundo mais gente atrapalhada que nem eu, gente que também acha que não se aprende sem perguntar, sem duvidar. Primeiro é preciso o desafio. Por quê aprendo? Quando eu sei porque aprendo, já compreendi meu grande projeto e o sabor que tenho dele me empurra à frente. Quero saber, quero construir 28 conhecimento. Meu professor, quem sabe um professor-tutor, me guia numa jornada de encantamento. Depois é ler, ler, ler, pesquisar e ler num hiperespaço que, de tão grande, inclui meus velhos livros em papel e os que ainda terei o prazer de comprar. Posto o desafio, temos que deixar que aquilo cozinhe em fogo brando. Temos que continuar a provocar um pouquinho todo dia, para que se investigue, para que a dúvida se produza. É isso que queremos. E aí então se produz o encontro. Aluno e guia-professor, aluno e aluno. É a construção do conhecimento através da colaboração. E explode nesse momento a tecnologia: banda larga. Já temos imagem e voz, já podemos levar conhecimento de forma democrática a todas as camadas, bastando para isso levar computadores. Simples e barato! Quem duvidar visite “www.cdi.org.br”. E do desafio à dúvida, a viagem continua por uma aula onde vejo, escuto e falo com professores e colegas. Está funcionando. Podemos criar salas de aula remotas a custos realmente baixos. Posso atender a uma classe dentro de minha casa, com boa qualidade. Posso, da dúvida, produzir o encontro e do encontro o conhecimento. Esta aí para ser visto e quem tiver olhos que veja. Quem não tiver, melhor ficar em casa e fazer o uso de sempre das nossas salas de aula, cheias de carteiras e só de carteiras. Afinal, estou ouvindo lá fora uma grande balburdia. São ricos, remediados, médios e pobres. Principalmente estes últimos, querem muito aprender e gritam. Tenho a impressão de que não é uma revolta. Mais uma vez, como na França, vem vindo, e já perto, uma verdadeira revolução. 29 30 FÁBULA GEOMÉTRICA A história que vou contar, eu a ouvi com dezenove anos, na faculdade. Haverá floreios, pelo bem do enredo, mas foi assim que comprei, assim vendo, herança do Professor Edson Durão, grande mestre. Havia um ponto. Um ponto solto no espaço. Ele ficava imaginando o universo em torno dele. Como seria? Como seria não ser ponto? Olhava de um lado, de outro, e só via pontos. Ficava triste. Achava que o mundo não podia ser só igual a ele. Seria chato demais. E havia uma reta. Uma reta solta no espaço. Ela ficava imaginando o universo em torno dela. Como seria? Como seria não ser reta? Olhava de um lado, de outro, e só via retas. Ficava triste. Achava que o mundo não podia ser só igual a ela. Seria chato demais. E também havia um plano. Um plano solto no espaço. Ele ficava imaginando o universo em torno dele. Como seria? Como seria não ser plano? Olhava de um lado, de outro, e só via planos. Ficava triste. Achava que o mundo não podia ser só igual a ele. Seria chato demais. Mas um dia o ponto soprou, soprou, inflou, virou reta e ficou feliz assim. Havia, por assim dizer, crescido. E um dia a reta soprou, inchou, virou plano e riu de felicidade. Havia, vamos dizer, descoberto que podia mais. Mais ainda, o plano correu o espaço e construiu formas maravilhosas. Estava recompensado por ter conseguido. E ponto, reta e plano continuaram a pensar se haveria mais alguma coisa a ser descoberta no espaço lá fora, tão pleno de possibilidades... O que uma empresa ganha com espaços de colaboração? 31 Difícil perceber, se quando olhamos para os lados não conseguimos a transcendência. Volto em Wolfgang Wieser e cito “Organismos, estruturas e máquinas, para uma teoria do organismo”: “Quem poderia dizer que um componente não se torna definitivamente modificado no próprio momento em que é retirado de sua relação com o todo?”. A colaboração não é somente uma invenção da técnica. É um pressuposto do organismo. Não fazemos sentido se não colaboramos, funcionalmente. Não obtemos identidade da organização, se não colaboramos. Mas não foi feliz o reducionismo da administração que tornou linear as relações na organização. Esqueçamos os computadores, por um instante. Sem eles, ainda estamos colaborando em nossas empresas? Somos, por assim dizer, complementares? Pensemos nas atividades médicas. O atendimento de um paciente pode parecer, mas definitivamente não é, linear. Há vários aspectos a serem considerados, várias faces da questão saúde. Não as podemos tratar como se devessem ser resolvidas uma por vez. É moderna uma visão holística do problema. E, se assim é, a questão colocada esta errada. Vamos reformular: se as organizações são definidas pelas relações das partes, se é preciso haver colaboração das partes para que existam, como é que elas podem existir sem espaços de colaboração? Invertida a questão saímos da defensiva e avançamos. Veio a internet. Ela existe. É um fato. Mais: é um organismo e também é definida pela fluida relação entre as suas partes, gente por todos os cantos, se conectando. Mais ainda: pode ser encarada como um gigantesco modelo de colaboração. A inteligência coletiva, preconizada por Lévy em 32 CIBERCULTURA, nasceu da net e para a net. Inteligência coletiva? Isso quer dizer que nossa inteligência até então era individual? Carlos Irineu da Costa, de novo nas “orelhas” de cibercultura, reconhece o assunto polêmico. Para mim é esta a resposta. Formulemos: UMA ORGANIZAÇÃO NÃO EXISTE SEM ESPAÇOS DE COLABORAÇÃO PORQUE NÃO VIABILIZA SUA INTELIGÊNCIA COLETIVA, QUE É, EM ÚLTIMA INSTÂNCIA, O QUE A IDENTIFICA COMO ORGANIZAÇÃO VIÁVEL. Só não compreendemos isso se formos “pontos” conformados. Não vemos retas. Nos isolamos no espaço. Mas, se transcendermos, encontraremos esses espaços virtuais como meras e convenientes entidades que viabilizam o que já somos, que tornam plenos de possibilidades os profissionais que sempre fomos. Agora temos onde colaborar. Agora temos um trabalho coletivo para criar, a partir de nossa inteligência coletiva. Espaços e tempos se encurtam. Somos times virtuais e estamos em toda parte. Colaboramos, nos apoderando de objetos de aprendizado e conhecimento que livremente trocamos, usamos e descartamos, na construção desta inteligência coletiva. E haverá algo, para lá desta inteligência coletiva? Acredito que sim. No caminho da gestão do conhecimento, encontramos uma inteligência coletiva não explícita, tácita, permeando estes novos espaços de colaboração e tornando-os voláteis, adaptáveis aos problemas propostos. É o tempo do conhecimento. Objetos, pessoas e coisas são dispostas como num caleidoscópio: a cada momento ganham feições diferentes. Tenho um problema. Encontro um lugar virtual de colaboração. Exponho meu problema. O caleidoscópio gira. Surgem documentos na tela. Surgem pessoas pertinentes ao caso. Surgem lugares virtuais a visitar. Posso falar com estas pessoas a um toque de mouse. Junto tudo e tenho um espaço colaborativo único no tempo e espaço. Talvez nunca mais exista, depois que o problema se for. 33 É para lá que estamos indo. Quando vejo bancos de dados tão lineares e educação a distância que reconstrói tão melancolicamente o espaço presencial que sempre conhecemos, fico imaginando, de novo, que somos pontos. É preciso prender a respiração e pular no vazio. Então seremos retas e, de retas, planos e, de planos, espaços inteiros, plenos de significado. Finalmente seremos organizações de verdade, de novo e sempre com a coragem de criar a inteligência coletiva que perdemos em algum lugar do passado. 34 DA NATUREZA DA UNANIMIDADE Olhe fixamente esta figura? O Que você vê? Sei... Um quadrado azul dentro de um retângulo cinza? Vamos falar de unanimidade. Mais precisamente, vamos falar de conhecimento e educação. Vamos refletir sobre a tênue fronteira entre coisa e outra, podendo a primeira, o conhecimento, estar a léguas de distância da segunda, a educação, se não guardamos cuidado. Faz de conta que você entrou hoje na escola, numa escola qualquer. Vai aprender francês. Primeiro entrou, repare. Ainda sou do tempo em que se “entrava” na escola, não se desejando com isso dizer da construção, do prédio, mas de um suposto saber em que se fosse iniciado. Também ainda sou do tempo em que se “aprendia”, como atividade posta num tempo de começo e de fim. Faz assim de conta. Estamos então estudando francês. Anos se passam e peço que meu exemplo possa ser contado desse jeito, em anos, porque adulto perdeu a capacidade desse “aprender” de forma simples, rápida. Adulto é burro velho. Dias e noites se passam e conjugo verbos e acentuo erradas as palavras e nossos lábios têm um quê de resistência heróica para os fonemas, como se boca de brasileiro, inglês, francês e alemão não fosse tudo uma coisa só. 35 Triste dizer, muitos chamarão a isso “sofrimento”. Chegará o dia em que parte de nós desiste. Chegará o dia em que outros tantos se formam. Nos saberes mais eruditos, cobrem-se de toga e confetes. Estão prontos. Caminharam sobre cinzas e provaram ser membros adultos de um grupo. Para isso serve a educação: iniciação, como muitos ainda a conhecem. Os desterrados, aqueles que, ignorando todos os avisos, sentiram arder os pés quando caminhavam nas brasas, aqueles que ousaram gritar “para que servem essas brasas”, esses estão em desacordo com o “modus vivendi”. Não sabem francês! Está decretado que não sabem. Aos perdedores, lancemo-los aos leões. São mesmo desterrados. Nada possuem. Nenhum reconhecimento. Mas eu vejo a luz. Alguém haverá de lembrar que não há francês sem a França e os outros países que falam esta língua elegante. E dirão da torre Eifell e isso nos lembrará Santos Dumont. Haveremos de saber que ele andou rodando ali, com suas primeiras asas. E pensaremos em quarenta e cinco e nos aliados com seus carros de guerra libertando Paris. E sentiremos o gosto dos vinhos em nossas bocas desejosas e as trufas, meu Deus, aquelas de verdade, que ainda não provei, salvo em consciência. E a música, que dizer dela? Consigo ouvir, consigo sentir a música. E rios e castelos e a história com seus heróis e crápulas, tudo nos visitará, como que justificando que saibamos meia dúzia de vocábulos e conjugações. É muito possível que não haja diplomas. É muito possível que passemos longos dias, debatendo sobre todas estas coisas vizinhas do falar. É muito possível que a internet nos seja generosa para que compreendamos um povo, suas conquistas e derrotas e sua história. É muito possível que sonhos se construam, que queiramos ir até lá, tocar em suas torres e comer em seus restaurantes, é muito possível que gente pobre e sem recursos fique horas, passeando no ciberespaço, nos passeios eletrônicos dos Campos Elíseos. 36 É muito possível! A natureza da unanimidade é assim, parece-se muito com o que aprendemos a chamar de educação e que, por tal blasfêmia, Deus nos perdoe. A educação não devia excluir e exclui. Quem duvidar, que entre nas favelas! O conhecimento não, ele quer incluir, ele é um pai bondoso que reconhece todos os saberes como válidos, praticáveis e valorizáveis. Leia-se isso em Authier e Lévy. O conhecimento não é e nem quer ser unânime. Parece-se mais com um caleidoscópio em que muitas cores se formam. Ele é um caldo que faz germinar saberes de saberes, que vão crescendo e tomando conta do espaço da cidadania. Existo porque represento um papel em minha comunidade, revestido de um saber que se confunde comigo, como pessoa. Aprendi isso com comunidades carentes que desistiram das escolas que nunca chegavam, escolas que eram uma unanimidade de desejo, mas só promessa. Estou fundando uma empresa de conhecimento. Chama-se Arbórea. Lá, nós queremos plantar conhecimento. Não tenho vergonha de dizer que, há muitos anos, me apaixonei pela idéia das árvores como representações viáveis dos saberes. É um grande desafio porque não é unânime. Em lugar de salas de aula, salas virtuais de conhecimento. Há muitos loucos como eu por ai. Pensam igual. Nestas salas não dá pra aprender francês. Em seu lugar, é preciso estudar a França. Nestas salas não há provas, há projetos. Também não há formatura. As pessoas ficam lá, nas salas, depois que acaba o tempo em que o mais experiente nos ensina a andar no novo saber. As pessoas continuam “trocando” saberes! A Arbórea não é uma unanimidade, mas não tem importância, vamos seguir em frente. Afinal de contas, esqueci de dizer, aquele desenho 37 lá em cima não é um quadrado azul dentro de um retângulo cinza. É que eu olhei pra cima outro dia e tinha um teto e nesse teto tinha uma clarabóia. Do lado de lá estava lindo, mas lindo mesmo, o céu das três horas da tarde... 38 39 MÍDIA, CRIATIVIDADE E COLABORAÇÃO. O EQUILÍBRIO NECESSÁRIO A esta altura, o leitor já se deve ter acostumado com o fato de que não escrevo em companhia pouco recomendada. Talvez polêmica. Má companhia, de jeito nenhum! Afirmo conceitos de educar a distância com as próprias pernas, mas iluminado por meus amigos, através de seus livros. É captar os temores de nosso meio, refletir sobre eles e tentar dar novo significado às soluções, a partir do pensamento de nosso tempo. É a missão a que me dou. Hoje trago comigo Richard Wurman. Eu o convido pelo seu brilhante ANSIEDADE DE INFORM@ÇÃO, editora cultura. Vamos falar de mídia em educação, na internet. Vamos falar de forma e conteúdo. Forma é uma armadilha, para quem faz e a quem se destina. Sento e vejo televisão. Hans Donner já não me impressiona tanto. Meus olhos querem mais, querem novidade e tentam inventá-la a todo tempo. Quem faz mídia padece, aprisionado para recriar do nada e sempre. Quem assiste mídia padece. Seus olhos desaprenderam os detalhes, as cores. Já não conseguem se equilibrar entre a maravilhosa fotografia de Dersu Uzala,clássico da cinematografia japonesa, e a síntese eletrônica de guerra nas estrelas. São olhos vulgarizados. Assim é, quando aprendemos a distância. Dou graças porque estamos nos repetindo, nós todos que produzimos nesse mercado. Nos repetir pela mídia, texto, foto, imagem, animação, efeito, nos repetir assim acelera nosso caminho em direção ao que importa: educação colaborativa. Vamos a Wurman. Ele diz: “Saguões e corredores são não-espaços (na educação tradicional)”. O espaço de circulação é maior do que qualquer outro nas escolas e, no entanto, é tratado como sobra. Poderia, em vez disso, ser como arcadas sob 40 as quais as pessoas se encontrassem, conversassem, aprendessem e se apaixonassem.” Assim é no aprendizado a distância, como o estamos fazendo. Toda força à sala de aula, nenhuma para colaborar. Precisamos de apresentações bonitas, sensóreas. Nossos sentidos estão em padrão de mídia televisiva. Monitores de vídeo se parecem com TVs e o são em essência. Queremos o mesmo, não deixamos por menos. Poderíamos ser Spielbergs da EAD, produzindo com maestria. Mas onde fica a diferença? Se nos igualarmos na forma, o que nos tornará únicos? Colaboração é a resposta! E dois são os aspectos essenciais de se colaborar. É preciso espaço para colaborar, arcadas cibernéticas para nos sentarmos e falarmos do que estamos fazendo. E também é preciso gente que nos ajude a colaborar, tutores cibernéticos que nos guiem no caminho da descoberta. Está lá, capítulo sete, em Wurman: “A educação está para o aprendizado assim como o turismo em grupo para a aventura”. Estamos em busca do necessário equilíbrio entre mídia, criação e cooperação, ou como ouvi dia desses, de um especialista na área: “estão descobrindo por ai que existe algo mais além da forma, para o sucesso do aprendizado a distância”. Desprezamos a forma, as mídias? De jeito nenhum. Não há nenhuma razão para que, podendo, não nos dediquemos a interfaces interessantes com o aluno. Elas são úteis e contribuem de maneira importante para o sucesso do aprendizado. Mas não são a essência, a diferença! Ademais, sobre elas todo juízo é parcial. Não conheço site na internet sobre o qual se possa estabelecer unanimidade. E por quê? 41 Porque temos formas diferentes de aprender. Alguns usarão os olhos, outros, ouvidos, outros ainda, preferirão ler. O equilíbrio é a colaboração. Através da troca de significados sobre o tema, os diversos aspectos captados pelos modelos cognitivos distintos da platéia poderão se complementar na resolução de problemas e facilitar, finalmente, o aprendizado integral. Olhamos para a tela. Nosso primeiro impulso é afirmar: está feio! Está bonito! Melhor seria procurar os pontos de colaboração e testá-los, avaliar como, de forma efetiva, poderemos manipular as mídias nesses espaços de colaboração. Se somos alunos, perguntamos: _ temos tutores? Professores? Que desafios estão sendo propostos? Como posso discutir os temas? Wurman provoca: “Num sistema ideal, os professores não deveriam ser encarados como máquinas de produzir fatos, como policiais ou psiquiatras, mas sim como guias nas trilhas do interesse e, principalmente, seres capazes de perceber as conexões de uma trilha a outra e de um interesse a outro”. É preciso equilíbrio então. Dediquemos nossos melhores esforços a forma, mas finquemos um pé na estrada, revirando as ferramentas, os recursos e os conceitos necessários para a trilha da colaboração. Isso é indispensável. Afinal, as vozes correntes concordam numa coisa: acabou o turismo. Estamos, através da colaboração, iniciando a verdadeira aventura do aprendizado. 42 43 VOZES QUE SURGEM DO SILÊNCIO Há vozes que surgem do silêncio. Basta entrar numa sala de aula, presencial ou virtual. Não acredito em fantasmas, pelo menos não acredito naqueles que habitam o imaginário popular. Mas há fantasmas nas salas de aula, lá isso há! São vozes que ecoam do silêncio. Explico: fácil ensinar quando calamos aquele que aprende. Fácil ensinar quando a comunicação tem sentido único, quando falamos para que alguém escute e ele se emudece. Estão assim muitas das nossas salas virtuais, cheias de vozes, gritando no silêncio. Por isso não acredito na educação a distância, e digo isso para chocar. Se não consigo, me decepciono. Não acredito nos que querem reconstruir a sala de aula na internet, porque seria necessário crer que tudo o que foi feito na educação presencial, até hoje, não carece mudança. Eu não posso. Lido com comunidades pobres. Por causa delas, estou certo de que a educação é um caminho de transformação, mas é lá que mais vozes gritam, vindas do silêncio das carteiras, nas escolas. Elas somente perguntam o porquê das coisas, com que fim estar ali sentadas, se o que se ensina não resolve sua realidade. Ficam ouvindo respostas para perguntas que não fizeram. Como vê, amigo leitor, vozes gritando no silêncio. Meu Deus, pegaram toda esta “vasta” experiência e puseram na internet... Tive uma professora de português, saudosa Tia Yolanda, que me mataria agora pelo “puseram”, mas, querida mestra, me perdoe, não acho que mereça mais. Não acho que mereça um “migraram”, para ficar bem ao gosto dos internautas. Melhor o “puseram”, feito bicho que bota ovo em qualquer canto. Foi o que se fez! Estão jogando lá, textos cheios de animação, de cores, de filigranas pedagógicas. Sou culpado, também: eu e os que comigo trabalham também fazemos isso, mas tentamos a redenção, acreditando sempre que educação é 44 feita com gente, sobretudo com tutores-colegas-professores que podem fazer nascer comunidades virtuais de fato e de direito das aulas virtuais. Quero que as vozes falem. Melhor: quero escutá-las, porque, falar, já falam. Meu segredo guardado é a colaboração, aprender juntos, falar e ouvir. Meus duendes chamam-se tutores. Ficam trabalhando quietinhos, como na fabrica do papai Noel. Seu trabalho principal é ouvir, dar vozes aos filhos do silêncio, transformar o significado do que se envia a eles pela ação do que respondem. Ensino colaborativo, apropriação. Para aqueles com quem discuto tutoria, ensino que devem defender os alunos dos professores e da tecnologia. Absurdo? Não, fato! Cito, com algum pudor, William Godwin, a quem nos remete Sílvio Gallo: "o ensino público sempre gastou todas as suas energias na defesa dos preconceitos. Ele ensina a seus alunos não a coragem de examinar cada proposição com o objetivo de testar sua validade, mas a arte de justificar qualquer doutrina que venha a ser criada". Cruzemos isso com o hoje, porque Godwin escreveu em 1793. Condenamos vozes que se calam, nas escolas, nas empresas. Nada de questões, nada de criar, nada de respostas, nada de interferir no conhecimento. Que escutem, apenas! Por isso tutores, defendei de vis algozes as pobres vozes que se calam. Fazei com que perguntem! Acredito, de verdade, que as comunidades de conhecimento poderão ser um grito, uma grande afirmação da inteligência coletiva, termo que não inventei e ao qual aderi com entusiasmo, há anos. Nas empresas, nas escolas tradicionais, para onde for possível levar o conhecimento, que não seja a distância virtual da internet mais um instrumento para a manipulação, mas uma caixa que amplifique vozes. Que as pessoas se apoderem desses espaços de cooperação, que os transformem, 45 que criem neles, que se reinventem e reaprendam a suprema pedagogia da pergunta: por quê? Cada vez em que uma voz for ouvida, jogada no ciberespaço como uma sonda perdida no infinito, e encontre guarida em qualquer ouvido, cada vez que a voz desse ouvido responder, estou aqui, cada vez que isso acontecer e, se acontecer porque um tutor compreende o verdadeiro papel da mediação no ensino, então terá valido a pena acreditar na tecnologia e em fantasmas, por quê não, fantasmas que têm nome, endereço, realidade, pobreza, riqueza, criatividade, soluções. Fantasmas que até mandam mensagens pela internet. Vozes que, afinal, não mais se calam! 46 47 "QUAERERE" “Quaerere” é procurar, do latim. Não sou versado na língua. Aprendi isso outro dia, lendo. Preciso que as pessoas perguntem. Na Arbórea, queremos que as pessoas perguntem. Do fundo do coração, as perguntas irritam muito, não fui treinado para respondê-las. Essa foi mania que adquiri mais recentemente, lutando com bravura contra todos os preconceitos que me plantaram nas idéias. Não gosto, ainda não gosto, mas tento que as pessoas me façam perguntas. Estou me acostumando. Só assim podem, podemos, crescer juntos na direção de um aprendizado eficaz. E não será diferente nas salas de conhecimento de que tanto falamos. É preciso partir da pergunta e não somente isso. Precisamos de perguntas livres de preconceito. MacCready disse que “reduzir os preconceitos é fundamental para o processo criativo”. Sendo, vejamos então: salas de conhecimento são para criar. Se as salas de aula se reinventassem e evoluíssem para salas de conhecimento, nossas crianças e jovens estariam criando mais, os preconceitos iriam para o lixo. Nas empresas, e dou graças a Deus por isso, não está existindo espaço para a mesmice. Se não criamos, fechamos. Agora mesmo, se o Brasil não criar, quebra! Então é assim: não devíamos fazer inventários de necessidades de treinamento, melhor fazer inventário de perguntas.De que respostas precisamos? Ai, era criar as salas de conhecimento para obter estas respostas. 48 Não se aprende sem pergunta e que briguem os que duvidam. É por isso que, quando iniciamos o processo de uma sala de conhecimento, estimulamos os membros a perguntar: “Quaerere”. Por quê? São muitos os porquês. Numa sala virtual, pessoas que chegam de lugares diferentes, cidades diferentes, culturas diferentes, problemas diferentes. Fazê-los refletir sobre o problema a ser resolvido é fermento que faz crescer o bolo do conhecimento. Nunca foi tão possível que a contraposição de realidades e culturas diferentes produzisse uma reflexão mais profunda sobre o que temos a aprender. Ah, ia me esquecendo. “Quaerere” deu mesmo foi em querer, ter vontade, desejar. Não foi à toa. Algum autor que li traduziu por procurar e o pai Aurélio também diz que querer é procurar. Deixo essa pergunta a ser respondida pelos que, querendo, entram nas salas de conhecimento, procurando pelo que desejam. Mas que baita e bem vinda confusão! 49 NÓS PLANTAMOS CONHECIMENTO Educação começa em casa, palavra de minha vó, devidamente transmitida à minha geração por meus pais. O leitor talvez suspeite que eu queira falar de educação, de novo, ou de sua relação com o lar, com a casa. Andaram me dando dicas do assunto num artigo sobre "homeschooling", mas não é isso. Deste tema falamos depois. Quero falar é do começo e com o viés, no meu caso tão manjado, da Gestão do Conhecimento. Quando é que se começa a educar? Quando é que se começa a aprender? Quando é que começa o projeto de conhecimento numa empresa? Eu me confesso acanhado por ser Arbórea Gestão de Conhecimento, uma empresa do ramo, não uma universidade, e quando me perguntam sobre nossos projetos é comum eu ficar pensando, pensando, pensando. Sou mineiro. A resposta às vezes demora, mas vem. Vou contar o que estamos fazendo. Antigamente a gente ficava repetindo umas coisas de planejamento, de organização, uma cantilena que nem mais eu suportava ouvir. Passamos por muitas etapas. Faltava alguma coisa. Eu sempre tive uma mania de descartar. Quando via um 5S, ai meu Deus, que coisa boa. Eu queria só ficar no primeiro S, só no descarte, só me desfazendo do que não prestasse. Ai eu tive uma idéia: e se isso fosse a regra? O que haveria de acontecer? Tentei. A Coisa toda era simples. Se eu via uma cadeira, logo perguntava, pra que sentar? Se eu via uma gaveta, pra que guardar? Perguntar tudo. Questionar tudo. 50 Disco furado (eu sou do tempo do vinil) não ganhava de mim, de tanto repetir isso. Mas tinha propósito. Imaginei um barco. Se pesasse muito, encalhava, molerava (do verbo moleza, Deus que me perdoe!). Contei pras pessoas uma história de um barco que era a gente e que se todo mundo soubesse o ponto exato, nem mais nem menos comida, nem mais nem menos gente, a viagem se abençoava de tão boa. A turma foi acreditando aos poucos, ainda está acreditando aos poucos. Mas a verdade é que, com salas mais vazias, com mesas mais vazias, com quase nada de gavetas, com logo-logo nenhum papel, as cabeças começaram a voar. Até achei que estavam tomando algum energético, daquele da televisão que diz que a gente ganha asas. E do vôo começamos a pensar em viver melhor (o nome técnico é qualidade de vida) e a descobrir as pequenas coisas que importam. Hoje um membro do barco me contou que precisamos criar uns incentivos, uns tapas nas costas, um ou outro prêmio singelo que dê forças às pessoas. Acho que se contar o nome que imaginei você, leitor, capta a mensagem: prêmio VALEU CARA! Captou? E quando eu ouvi isso soltei uma frase que Deus há de me ajudar que seja original de tanto que eu gostei dela, juro que não copiei: se a gente quer ver o cliente feliz, é simples, não pergunta a ele não, pergunta pra turma do barco, pra equipe. Se estiverem, então estarão também os clientes. Captou de novo? E ai eu tive a certeza de que estamos mesmo fazendo gestão de conhecimento. Basta pensar: estamos melhorando, tudo mais simples, estamos conversando mais, sorrindo mais, e tendo mais certezas sobre o trabalho. E estamos aprendendo. Isso é o maior legal!!! Em resumo: estamos brincando mais, como quando éramos pequenos, como queria Nietzsche. 51 Não desejaria fazer de outro modo. As empresas, se querem que suas equipes aprendam algo, têm que preparar o terreno para o plantio, cativar almas para que germinem e brotem. Cada alma que nasce, numa empresa, carrega consigo a seiva do conhecimento. É nas cabeças que ele adquire sentido, ainda que durma nos discos rígidos. Gestão de conhecimento pode ser bobagem se não for gestão de gente. Estamos conseguindo isso na Arbórea. Estamos apostando em pessoas. Nossos armários seguem, cada vez mais vazios. Nossas perguntas inundam os reuniões. Vivemos tentando, para ver no que dá, um bando de moleques correndo pelos corredores, cada vez com menos móveis e mais plantas de muitas cores, uma espécie de projeto clorofila. O que achamos importante estamos registrando. O que registramos, estamos tentando organizar com nossas mágicas ferramentas de informática. Vamos construindo nossas salas virtuais na internet, mas antes, antes... Antes temos salas de verdade, uma casa cheia de gente que tenta destruir preconceitos e fundar novos conceitos. Gente que todo dia reaprende a dizer: deve ser possível. Está muito divertido! Melhor que isso, aprendi que empresa suja, em teorias de imagem corporativa, é a que tem um nome que não a descreve. Não somos uma empresa suja. Afinal de contas, posso dizer de boca cheia, na Arbórea, estamos mesmo plantando conhecimento. 52 53 O PAPEL DOS LIVROS "Um país se faz com homens e livros". A frase é do Monteiro Lobato, pai da Emília, todo mundo devia saber. Fiquei matutando, tal qual fazia o Jeca Tatu, filho do mesmo pai. Matutar exige sentar nos calcanhares. Eu lembro de um livro do Jeca Tatu que eu tinha quando criança. No desenho, em bico de pena, ele estava assim, sentado nos calcanhares. Invejei a vida inteira, mas nunca pude, inda mais com o reumatismo que me atacou faz uns anos e que vou vencendo, graças a Deus. Mas fiquei matutando assim mesmo. Será que educação a distância, gestão de conhecimento, não vão ser feitos com livros também? Pois devia! Não consigo entender nada sem livros, nem viagem, nem passeio curto, nem deitar na cama à noite nem fazer certas necessidades impudicas, você sabe. Não consigo imaginar aprender a distância sem livros também. Eu já disse uma vez que eu cheiro livros.Quando são novos, cheiram de um jeito. Quando são velhos, seu cheiro quase nos conta do que sabem, cheiro da experiência. Acho que quem estuda a distância tem que cheirar livros também, tem que pegar neles, ruminá-los, diz o Rubem Alves, vomitá-los, dizia Dona Yolanda, velha tutora. Não se pode aprender sem livros. Não se pode falar de qualquer ciência ou filosofia sem fazer com que os que aprendem folheiem suas páginas, em busca de respostas. Uma das mais belas declarações de amor aos livros de que já tive notícia foi feita por Edgar Morin, em seu livro “A cabeça bem feita”. Diz assim: “Livros constituem experiências de verdade, quando nos desvendam e configuram uma verdade ignorada, escondida, profunda, informe, que trazemos em nós, o que nos proporciona o duplo encantamento da descoberta de nossa verdade na descoberta de uma 54 verdade exterior a nós, que se acopla a nossa verdade, incorpora-se a ela e torna-se a nossa verdade”. E ele termina comentando: “... meu viver, para sempre interrogador, nunca deixou de recorrer ao livro”. Nos espaços virtuais que criamos na Arbórea, costumamos incluir uma biblioteca, mas não uma virtual. Isso nós também fazemos, mas é outra coisa, outra coisa de aprender e conhecer. Nossa biblioteca é de recomendações. Leia esse, consulte aquele, desse jeito. Se o cabra quiser pode comprar, até pela rede, mas são livros de pele e osso, nada virtuais. O ato de ler em papel vale muito. Viaja-se na eletrônica para vir pousar nas páginas dos livros, entrar neles, e voltar para matutar deles com os colegas do grupo, do jeito que o Jeca fazia e ainda faz. O povo do interior, muito do interior mesmo, esse não tem livros de papel. Seus causos são seus livros, feito os homens-livro do fahrenheit 451 do Ray Bradbury, volume e filme que recomendo. Mas, contado o causo, eles ficam ali, e trocam suas impressões em roda da fogueira, do fogão ou em roda do nada, bastam os calcanhares. Quero acender fogueiras cibernéticas. Quero distribuir livros e chamar, depois, meu povo virtual para um dedo de prosa, contar do que vi em minhas excursões em celulose. Eu nunca sou o mesmo depois de ler. Eu nunca sou o mesmo depois de contar o que li. É por isso que, de minha parte, estou certo, educar e conhecer, mesmo na internet, também se faz com homens e livros, como queria o saudoso Lobato. Tenho dito! 55 CARTAS PARA APRENDER Onde é que anda o queijo que estava aqui? O rato comeu? E cadê o rato? Comeu-o um gato. Velha brincadeira que, com meus filhos, ainda termina em cócegas e risos de prazer e contentamento. Perguntaram-me outro dia, no limite, como é que se faz educação a distância, sem ferramentas. Foram magnânimos: deram-me, de primeiro, o e-mail. Depois tiraram foi tudo! _ E se nem e-mail tiver o cristão? Não me pegaram. Se me derem e-mail faço assim. Finjo que não tenho nada e que o tal correio eletrônico foi inventado ontem. Quintessência tecnológica para a educação. Posso mandar um texto, uma foto, um jogo, recomendar um livro, posso cantar, posso falar, aparecer em vídeo, tudo num e-mail. Posso montar grupos, fazer com que Paulo mande e-mail a João que manda a Maria que envia a Carlos que prossegue a Ana que não manda pra ninguém porque está de saco cheio e não gosta dessa forma de aprender. Pode acontecer! Tem gente que não ia gostar dessa forma de aprender. Obrigado Drummond, pela poesia emprestada. É assim que te rendo graças e louvor nesses tempos de seu aniversário poético. Mas posso mesmo, e o que me encanta é o verbo. Verbos são mais potentes que tudo o mais na língua porque são fortes. Verbos podem. No princípio era o verbo. Veio daí a força! Se houver criatividade, faço ensino a distância por e-mail, crio comunidades por e-mail e essa não é nova: estão ai as listas de discussão. Tudo feito por gente, com tão pouca ferramenta. O que é mais incomum é a crença de que se pode aprender e ensinar assim, por e-mail. Normalmente querem salas, portais de cimento ou de bits, 56 pouco importa, mas portais. Só tem que não é o meio que pode, é o emissor, o tutor. Se assim é, tiro eu mesmo o e-mail. Fico condenado! Agora não tenho mais nada. Só tenho cartas, e ainda quero publicar na internet. Para isso faço assim. Lembro fotos de umas crianças pobres, fotos de futebol, meninos que nunca sonharam em ir pra Inglaterra. Mas foram! Tiraram as fotos, alguém mandou, virou livro publicado lá, depois aqui. Voltou como livro de fotos. Os meninos viram e, tendo visto, suas mentes viajaram pra longe, lá pra Inglaterra. Como deve ter sido lá? Como é que ingleses viram estas fotos? Por quais mãos passaram até tornarem a voltar, como livro? Por isso, se eu mandasse cartas como há séculos já se faz nesse país, e se recebesse disquetes ou se nem isso eu recebesse, recebesse textos que escrevessem a mão, ainda assim eu publicava na rede. Era eu trocando o aprender com meu povo sem máquina, era eu publicando, era eu contando em carta como ficou bonito o desenho de um menino na internet. Chamem-me louco e me divertirei. O que eu acho é que os estudantes a distância iam poder sonhar: como deve ter ficado bonito na internet! Sonhando, ficavam mais fortes, acreditavam mais. Sonhando, pediam ao prefeito, ao banco, ao padre, ao pastor ou mesmo a Deus por computadores, só pra ver como ficou bonito na internet o que escreveram em cartas. E ainda lhes rogaria que não rasgassem as cartas quando ganhassem máquinas. Cartas são para o túmulo ou para a herança. Não se joga fora uma carta. É por isso que me basta o e-mail, me basta até menos que isso. Estou disposto a brincar: onde anda a aula que estava aqui? Virou conhecimento? E pra onde foi esse tal de conhecimento? Veio de carta e foi morar na internet. 57 Acho que, do meu jeito, essa história de educação a distância também termina em cócegas e risos de prazer e contentamento. 58 59 O PAI, O MENINO E A MALA ou... Do medo que temos da internet Era uma vez, eu estava no centro de Belo Horizonte, eu e uns amigos. A história é longa. Fala de um tal de CDI, gente querendo democratizar o acesso à informática. A gente estava lá, sábado, em plena rodoviária, com um monte de computadores pras pessoas visitarem, gente que nunca tinha visto internet. Era sentar e surfar. Fica combinado que você entendeu! Corta para o pai, o menino e a mala, os três parados e imóveis na porta do grande prédio, olhando a gente como se olha pro céu, tudo tão longe, tudo tão impossível. A Eliane tomou coragem e caminhou resoluta em direção a eles. Acho que seus corações tremeram, o do pai, porque quem lhe desse ter computador em casa. O do filho, pois que uma enorme vontade lhe tocava de brincar ali, por uns minutos. É na vida, crescendo, que perdemos a capacidade de brincar por uns minutos e ficamos querendo que tudo seja tão permanente, que dure tanto, que não se acabe nunca. É na vida, envelhecendo, que perdemos o sentido da frugalidade da vida. E tremeu, é bom que se diga, o coração da mala. Quem será de mim, pensava ela, que me abandonam aqui, sozinha e sem dono, por conta desse raio de computador. _ Vamos lá, gente! Está ai para ser usado. Vamos, só um pouquinho. O filho ia, se o pai deixasse. O pai ficava, se ela deixasse, por amor de Deus, que ia pegar mal demais, não saber usar o tal do computador. Foi o filho, mas ela, impertinente, fez de voltar à carga: 60 _ Vão também!!! (Pensei em escrever vamos também, mas não desceu de jeito nenhum). _ Mas e a mala, quem cuida dela? Por um momento a pobre mala, desprezada, respirou aliviada. _ Pois traz a mala também!!! O pai foi. A mala quase não cabia em si de tanta honra. Ser convidada assim, para uma experiência cibernética, logo ela, uma simples malinha de rodoviária, surrada e tão sem brilho nessa vida. Sentaram-se os três, o pai, o menino e a mala. Seus olhos, cruzados com os do jovem professor que os atendia, estavam “dégradé”, indo do cinza-rodoviária ao brilho de sei lá aonde, tanto lugar que foram na internet. E foram, e foram, e foram, e até no glorioso Cruzeiro mineiro (Deus sabe quanto me custa glorificar o cruzeiro, porque sou galo demais no futebol, mas achei que ficou bonito colocar a frase na crônica e que ao menos para isso servia esse raio desse time, que me perdoem os cruzeirenses) e viram seus jogadores preferidos e viram seus sonhos e rodaram por ali indo dar onde a estrada molhada da internet os levasse, surfando. Meninos, eu vi! Eu estava lá, disfarçado de cinzeiro de saguão de espera, vendo tudo acontecer. E não tiveram medo. E ficaram ali, por um fugaz instante, porque logo, logo o ônibus saia e se iam os três, descendo as escadas, o pai, o menino e a mais orgulhosa de todos, a mala, que agora não era mais uma mala simplezinha do interior, era uma mala informatizada. Isso impõe respeito, pensou! Termina a história e eu estou falando é de “webquests”, exercícios orientados na internet para trabalhos colaborativos em apoio à sala de aula. Quem quiser uma palinha do assunto, vá logo a fonte e beba água limpa, 61 um artigo do Bernie Dodge, criador do termo, intitulado “alguns pensamentos sobre webquests”, de 1995, encontrado nos bons sites do ramo. Mas lá, ele defende a idéia de que, para se aprender na internet, é preciso um micromundo mais limitado, alguns endereços eletrônicos restritos que não deixem o aluno ficar perdido por ai, por conta do à toa, vagando no universo virtual. Eu concordo, com ressalvas. Deve começar assim, pequeno, acanhado, com muros erguidos para que se não passe dali, do saguão da rodoviária. Mas um dia, acho que um dia o aluno vai perguntar o que tem do outro lado do muro, como naquele filme, muito além do jardim, do Peter Selers. E vai pular e ver que pode explorar, com responsabilidade, esse mundão eletrônico de meu Deus. É por isso que respeito muito os “webquests”, mas acho que as expedições na internet são fantásticas demais, saindo sem lenço e sem documento, descobrindo juntos, alunos e professores, sem destino, as coisas que Deus criou e nós homens publicamos. Agora tenho de parar. O alto-falante chamou e o ônibus vai partir. Pai e filho estão a postos em suas poltronas. Eu confesso, estou aliviado e bem acomodado com eles, pobre mala reanimada, no compartimento de bagagens. 62 63 O MUNDO ASSOMBRADO PELA QUALIDADE Carl Sagan nos conta, na introdução de seu "mundo assombrado pelos demônios", de um fascínio pela ciência entendida como "parte integrante da magnífica tapeçaria do conhecimento humano". Por isso, em Chicago, de onde partiu estudando, cientistas-professores discutiam Platão, Aristóteles, Bach, Shakespeare, até Freud, para entender a ciência. Faz muito tempo que li isso. Nesse tempo morreu Carl Sagan. Lembro-me de seu rosto na televisão, talvez o primeiro cientista que conheci como tal. Falava de estrelas com convicção. Respeitava as estrelas. Algumas vezes, com a humildade típica dos poetas, reconhecia em público sua pequenez diante das estrelas. Quando eu releio Sagan, é justo uma questão de ordem e não a ciência, que me desperta os olhos. Não me intriga a ordem entendida como organização das coisas, mas a ordem como seqüência. Em que ordem? É como me pergunto sobre as coisas, sendo também esse, o caso da qualidade. Preciso falar dela, da qualidade, por encomenda, quando se relaciona com a Gestão de Conhecimento. Tento estratégias apropriadas, penso por dias e dias no que dizer e fica uma pergunta só, uma que não se calará, já me rendi. Em que ordem? Por sina absoluta eu, que sou réu confesso por fugir de ter que definir a gestão do conhecimento, fui por dias a fio posto a prova, tendo que encontrar meu caminho nesse caminho maior. Terei coragem, por Deus, terei coragem. Aqui vai a minha resposta: _ Eu não sei!!! Parecerá tolo reconhecê-lo, mas me esforçarei por provar que esta é a única resposta possível e foi nisso que Sagan me inspirou. Lá, no mesmo 64 livro, o cientista, ainda aluno estreante em Chicago, confessa ter sido conscientemente ludibriado quando ensinaram, à guisa de exercício do conhecimento, que o sol girava em torno da terra, como queria Ptolomeu. Uma espécie de como-é-que-foi-que-não-souberam-para-depois-sabercomo-era-de-verdade. Tenho manias de Aurélio. O que é, velho mestre, esse tal conhecimento? _ Conhecimento, responde ele, pode ser "a apropriação do objeto pelo pensamento, como quer que se conceba essa apropriação: como definição, como percepção clara, apreensão completa, análise..." Informar-se é reduzir a incerteza, ensina outro mestre, Shannon. Como vemos, as duas coisas não são a mesma coisa! Conhecer é apropriar-se do sentido. Isso é algo que todo mundo entende se dissermos re-conhecer, entender, compreender. Informação tem a ver com decisão, não com compreensão. Conhecimento exige atitude. Informação exige pressa, seu valor morre com o tempo. Como vemos, são exigências diferentes. O conhecimento é o "eu não sei!". A informação é o "eu preciso decidir!". Conhecimento é teia. Por isso estudavam Bach para ver estrelas, podendo assim captar todos os sentidos das estrelas. Conhecer, em medicina, tem a ver com a plenitude do homem. Leia-se, quem desejar ler mais, A doença como caminho, de Dethlefsen & Dahlke. Informar-se, na mesma medicina, tem a ver com a doença, precisando o médico decidir uma ação rápida, o que nem sempre conduz ao melhor bem estar do paciente. 65 Conhecer da qualidade tem a ver com a plenitude das organizações, enquanto formadas por pessoas potenciais. Informar-se da qualidade, tem a ver com estatísticas, com ocorrências, com não conformidades, com correções urgentes. E o que vem primeiro? Fujo para Thoreau em seu Walden, a vida nos Bosques, página vinte e cinco, se lemos a mesma edição de excelente tradução de Astrid Cabral: "seria vantajoso, mesmo em plena civilização materialista, viver uma vida primitiva no meio do mato, nem que fosse para aprender quais são as nossas necessidades básicas". O conhecimento é a aceitação do não-saber. Sendo isso, vem primeiro! Vou traduzir Thoreau: seria vantajoso, mesmo em plena civilização materialista, que nossas empresas retornassem a relacionamentos simplificados, nem que fosse para aprender quais são as suas necessidades básicas. E aumento, decorrendo de Thoreau: então, tendo conhecido a si própria e aos seus membros, seria possível à organização informar-se, reduzir as incertezas, decidir, fazer qualidade, sobre o essencial. Resolvemos o problema da ordem: conhecer, depois informar-se. Informar-se, depois produzir a qualidade. O conhecimento, às vésperas da sabedoria, nos convida ao simples. Ele não é habitante da complexidade. Por isso, gerir conhecimento, gerir o não-saber, significa "quaerere", por quê? O conhecimento rompe com o absoluto das coisas. Por quê? Passamos a questionar tudo e das respostas emerge a simplicidade, em suas tantas dimensões. Quer ver? 66 Primeiro eu pergunto por quê? Quando pergunto, tenho um problema. Imagine sistemas que me instiguem a perguntar o porquê, que não sejam somente repositórios. Por quê escrevo este documento? Haveria jeito mais simples? Onde posso descobrir? Eis o que quero agora! Lugares para se reunir e colaborar, espaços para onde vou fazer a pergunta seguinte: quem sabe? Isso mesmo, quem sabe? Penso que possa haver meio mais simples, mas não consigo o "insight" necessário para encontrá-lo. Não posso dizer heureca! Então alguém deve saber e mais, qualquer um pode saber. Minha flecha-pergunta é disparada para o vazio da organização, da internet se eu quiser. Quem sabe? Então ocorre o encontro e do encontro emerge o como, como sabe? Com que coisas? Sabe com que saberes? Com que coisas? Pessoas, lugares e coisas. Juntando tudo, minha afirmação de nãosaber adquire sentido. A inteligência coletiva, que Michel Serres defendeu na maravilhosa introdução de As Árvores de Conhecimento, de Lévy e Authier, emerge então: "A esperança brilha, de uma sociedade pedagógica". Precisamos de ferramentas para tal. Precisamos de uma inteligência cibernética que, melhor que a geração da inteligência artificial e inanimada dos computadores, de Hall em 2001, nos permita o encontro, a descoberta coletiva, o conhecimento coletivo, mundo em que todos sabem e ninguém sabe. Pensar a qualidade nesse contexto faz então sentido. Empresas leves, despojadas, reencontradas em sua função mais visceral, sem penduricalhos, assim como desejava Thoureau. É isso que a gestão do conhecimento acrescentará a qualidade, a noção do coletivo e a noção do essencial, que precisa brotar desse coletivo. 67 Daí por diante nada mais tenho a ensinar, pois que, de fato, não sei. Digo isso enquanto escuto uma música maravilhosa de Renato Teixeira, irmãos da Lua. Ele diz que o caminho já não é novo e por ele passamos nós, o povo. E nos lembra: "O homem possui a fala e a fala edifica o canto No canto repousa a alma, da alma depende a calma E a calma é irmã do simples e o simples resolve tudo Mas tudo na vida, às vezes consiste Em não se ter nada". Nunca pensei que Renato Teixeira entendesse tanto de qualidade! 68 A FLORAÇÃO DAS KALANCHOES Kalanchoe blossfeldiana Li na internet que a Kalanchoe, Kalanchoe blossfeldiana, é a flor da fortuna. Pertence à família das crassuláceas e veio dar no Brasil feita escrava, lá das bandas da África, com mais precisão, das montanhas da ilha de Madagascar. Olha que chique? Ela se vira bem com tempo quente e não briga se a água é pouca. Nos agradece o olhar com tons de vermelho, alaranjado, amarelo, rosa, lilás e branco. Chega a incríveis trinta centímetros de altura. E o que tem Kalanchoes a ver com educação e conhecimento? Simples. Escolhemos a Kalanchoe como nossa planta símbolo aqui no trabalho. Estão, como praga, por todo lado. É virar-se e ver uma Kalanchoe, de quem muitos nem sabem o nome. Quando compramos, a promessa era pequena. Talvez durassem dias. Que durassem semanas, já seria pedir muito. As flores cairiam. Muito certo que murchassem, antes de jazer mortas nos pequenos vasos. Mas compramos as Kalanchoes, isso compramos, dúzia e tanto delas, e há de virem outras por aí. Não morreram! A Rose, sabe-se lá como, posto que só hoje estou remetendo a ela instruções de poda e rega, a Rose deu conta delas. Foi lhes podando as flores mortas, molhou daqui, dali, vai daí, brotaram de novo, moto-contínuo em folhas. Devolveram-nos suas cores. No canto de suas bocas coloridas pareciam rir como a nos dizer: pensaram que estavam livres de nós? Ricas Kalanchoes. Já lhes falei o nome tantas vezes nessa crônica e confesso um prazer de encher a boca pra dizer: Kalanchoe, com “K” maiúsculo! 69 São flores da fortuna, sem dúvida, mas sua maior benção, aquela que fez nascer sentido nas cores com que nos brindam, foi quem lhes cuidou sem saber se cuidava. A Rose! Ela aprendeu. Acho que experimentou, foi molhando e molhando, pouco e muito, e quando as flores voltaram deve ter sorrido: _Pronto, consegui! Foi o que mais importou. Tanto que ouvi, na sexta passada, ela dizer, orgulhosa, do que tinha feito no computador, sei lá o que seja, sabendo que aprendeu sozinha, foi o que declarou, também enchendo a boca: _ Olha o que eu aprendi sozinha!!! Uma declaração de amor ao aprendizado, ao crescimento, que deu prazer ouvir. Acho que tudo que se aprende traz vida. É como tentar e conseguir cuidar das Kalanchoes. Parabéns, Rosinei, parabéns, não sei se aqui ou onde trabalhe, sempre aprendendo. Eis o prazer que tive em te ouvir dizer: _olha o que aprendi! Isso me faz ter certeza, não se iludam, nossa empresa é mesmo uma escola! Já é hora da gente aceitar que é melhor aprender enquanto se trabalha, principalmente, como no caso dela, em que o importante, para a obtenção dos resultados corporativos é, sem dúvida, a sobrevivência das Kalanchoes. 70 COISAS DE APRENDER E COISAS DE SABER Há coisas de aprender e coisas de saber. Modernamente, chamam-nas objetos.É “chiquerésimo”! Gosto de falar assim. Fica parecendo que sei mais sobre elas. Objetos de aprendizado e conhecimento. Até aqui ainda não me perguntaram que coisas são essas, salvo as que todo mundo sabe, o bate-papo, os fóruns, esse tipo de coisas. Pois aprendi, dia desses, que a resposta errada é o caminho da certa. Maria Teresa Esteban chama a coisa de "ainda não saber". Dito isto, estou pronto pra resposta, caso me perguntem: _ Roberto, o que são objetos de aprendizado e conhecimento? E respondo, resoluto: _ Ainda não sei! As coisas de aprender e de saber que vamos colocando em nossas salas de conhecimento não se conhece "a priori". Elas vão brotando, feito a árvore da Arbórea. Vale qualquer coisa que o grupo fizer valer, antes de tudo, um espaço de criação. É por isso que ainda não sei. Finjo que estudo geografia. Um tal pode querer as fotos de sua última viagem nas Furnas de Minas (estou aqui agora) e perguntar que plantas diferentes há por lá. Uma exposição de fotos das férias de julho. Sinto falta das redações, nas férias julho, quando eu era criança: MINHAS FÉRIAS. Pena que nada fazíamos com elas. Pois é assim. Outro pode achar que música regional exprime geografia. Tem uma do norte do Brasil, que coisa linda! Quase me ensina a ver o rio Amazonas, quando fala das barrancas. 71 Um terceiro faz um concurso de e-mails. Recebi algo assim outro dia. Cada um manda pro nada, num lugar do país, perguntando como é, pede fotos, música, pede notícias de como anda o clima. E toca a receber mensagens de quem não se conhece, mensagem de gente, feitas coisas de aprender e conhecer, as mensagens e as pessoas. Gosto mesmo destes termos. O Pimenta, uma cabeça privilegiada que conheci faz umas semanas, fala que as salas de aprender que criamos são um desafio pra cabeça, notícias do vazio que queremos preencher, complicações da natureza humana. É isso, caro Pimenta, elas são criadas assim, vazias. Pra não "desacudir" a platéia e seu sentimento de nada, de vazio, colocamos lá umas poucas coisas de aprender e conhecer. Aí começamos a cutucar, lembra dos duendes tutores? Pois então, é o que fazem: cutucar! Ficam beliscando a choldra a colocar pra rodar as cacholas. Cachola! Agora me lembrei do Pedro Malazartes, até hoje tenho o disco em vinil. Era profissional do engodo. Enrolava reis, rainhas, amantes e sérios senhores de um império de faz de conta, com suas mentiras e desatinos. Sua cachola funcionava. Sempre que se metia em azares, encontrava coisas de conhecer e punha em cena.E matava em raivas os ouvintes. _Quantas estrelas há no céu, Malazartes? Isso lhe valeria a forca, se respondesse errado. O rei, astuto, já se via livre do Malazartes. Ele surpreendia: _823456788. _Como sabes? _Perdão, majestade. Não é, não? Então recomendo que conte! Ah! Malazartes, não vou planejar mais respostas idiotas às perguntas que me fizerem. Sei lá se o encontro e você também me enrola... 72 Mas também não me preocupo mais se me perguntam o que são os tais objetos de aprender e conhecer. Se for hoje, respondo: _ Por exemplo, o jogo da amarelinha. _ Como assim? (surpresa). _ Pois não é? Então tenta! Divertido e instrutivo jogar amarelinha pra aprender geografia! 73 INÚTEIS SALAS DE CONHECIMENTO Acabo de ler, com sentimentos de contradição e alegria, o segundo capítulo do Elogio ao Ócio, de Bertrand Russell. Intitula-se "O conhecimento inútil". A contradição é falsa. Fiquei mesmo foi deliciado com a forma como Russell emprestou sentido e utilidade ao conhecimento inútil. Para mim é brilhante como nos propõe e justifica o ócio do saber, as coisas que, compreendidas, dão à vida um sentido de leveza e gratuidade. A alegria foi por juntá-lo a Maurice Maeterlinck, pensador Belga que acuso, ainda hoje, de ter escrito o melhor livro que já li, A sabedoria e o Destino, volume que me acompanha desde então, e já faz muito, pela vida. Foi dai que derivei um sentido novo para as salas de conhecimento e uma explicação menos sutil, mais direta e corajosa, para os que zelam pela instalação de somente saberes úteis nas salas de conhecimento que preconizamos.Querem um nada de qualquer lazer, nada de qualquer conhecimento não utilizável de imediato. Acusaram-me disso, veladamente, recentemente, de ter dado incluírem frivolidades em ambientes onde somente a ciência deveria existir, soberana. Soube responder apenas com minha comiseração pelos que não compreendem o sentido do ócio eletrônico, mas mandaram-me falar baixo, para que as estruturas estabelecidas não fossem atingidas em sua honra. Agora não. Lendo Russell, um grande frescor invade os motivos que pudesse apresentar, se falasse apenas com base na razão. Não quero mesmo ser razoável por mais tempo. O mundo do conhecimento, esse que dizemos que precisa ser gerido, corre o sério risco de se prestar somente às estruturas estabelecidas, tranformando-se em um novo capítulo da educação posta a serviço da manutenção da ordem, ainda que esta ordem não nos interesse como comunidade e estrutura social. 74 Incluamos então o saber inútil. Transformemos em objeto de conhecimento tudo aquilo que possa não fazer sentido imediato ou sentido algum, m as que possa ser coadjuvante no compreender o mundo. Russell não disse até aqui, no ponto em que leio, mas eu concluo. O objeto desse conhecimento é principalmente a arte em todas as suas formas, literatura, pintura, música, e suas variantes, filosofia, sociologia, história, tudo que nos permita agir com mais sensibilidade no que fazemos. Devia ter sido, quando escrito, o fim de tanto desgoverno. Assim fez parecer Russell, mas foi considerada quimera, ele próprio, todo o "Elogio ao Ócio", exatamente o saber inútil que ele tentava explicar, saber indigno de ser tratado por realizável pelos homens. Trago-o a dar frescor a estas tão novas ciências da internet, a educação a distância e a gestão do conhecimento. Nossas salas precisam ser povoadas com estas inutilidades que fazem pensar, com um ócio corajoso que permita misturar, sem desejar decantá-los, o trabalho útil e a mera contemplação, o segundo sendo uma colônia para permitir que o primeiro faça um sentido humano. O segundo, e aí uno, indelevelmente, Russel e Maeterlinck, fazendo do sofrimento insuperável algo de relativo e compreensível, porque posto à luz da sabedoria. E o que isso pode ter a ver com o que estamos criando? Não tem a ver, é a essência do que estamos criando! Não podemos separar, em nossos objetos de aprender e conhecer, aqueles somente operativos, somente objetivos e nada reflexivos. Temos antes, uma vez mais na história da ciência, a chance de, usando os recursos da ciência, fazê-la guinar para a sabedoria, e encontrá-la num curso de tanta velocidade que não se possam mais separar, que a primeira não mais viva sem a segunda. Estou convencido disso, por tudo em que sempre acreditei e por tudo que aprendi, lendo o que, aparentemente, fosse conhecimento inútil. Lamento pela academia, por qualquer tipo de academia, empresarial, educacional, 75 religiosa e governamental.Podem não suportar quando a aparente utopia crescer e fizer os homens vicejarem de compreensão. Realmente lamento! Por todos os lados ouço, como lembrei há dias, vozes que ecoam onde antes só havia silêncio e resignação.Estão falando línguas incompreensíveis, mas seu murmúrio parece crescer sempre mais. Ao ventilar minha cabeça com Russell, começo a entender um pouco do que falam. Falam de sonhos que habitam as esperanças de empregados, alunos, paroquianos e funcionários públicos. Falam de sonhos em que o trabalho faça sentido, porque sustente o ócio em que se possa criar. Estão se movimentando e crescem em nossa direção. De minha parte, deponho as armas. Já não quero lutar contra eles. Quero mais que me juntar a eles. Começo a gritar, em salas cibernéticas de saberes na internet, a sua mesma voz no caminho da felicidade em todos os lugares em que possamos viver. 76 77 SOBRE EVASÃO ESCOLAR VIRTUAL E JOGOS DE FUTEBOL O caso é de futebol. O Jonar Nader me advertiu severamente para não comparar esporte e empresa. Deve não poder esporte e educação também. Mas, ô sina danada de bola rolando! Meu filho no gramado. A escola dele, a de futebol, compreende, não tem lá muitos astros, nem ele. Joga-se bem, joga-se mal, e vai-se levando a vida, lutando muito pra perder de pouco. Vencendo e perdendo às vezes. Vão se superando... Pois o caso é o seguinte: quem é bom, quem não é bom. Quem é bom em tudo? Não tem esse, não é mesmo? É o que venho falando com ele esses dias todos, todo domingo-de-manhã-de-sol que a gente acha de ir pro clube ter um caso de futebol. A bola rola. Há uma certa tensão no ar. Os exercícios são meticulosamente repetidos em escala de duplas. Depois vem o joguinho, ser escolhido, não ser escolhido, ganhar e perder. O jogo é de encontrar-se. O jogo é de desistir. O jogo é de ver quem pisca primeiro. O jogo é de rigor e suores de sangue. Falo de desistência. Falo de entrar em campo e nossos olhos, para jogos de copa ou para jogos de filhos e filhas, nossos olhos assistem em câmera lenta, como preconizava o saudoso canal cem. Rola a bola. Acertos e desacertos. Esforço e recompensa. Encontrar-se. Descobri isso, que futebol é encontro, que educação é encontro. Encontro de pé e bola, de jogador e jogador, encontro com o gol e com a defesa, com o ganhar e o perder, encontro com o Ser capaz. 78 Meu pequeno anda se encontrando em ser zagueiro. Achou-se melhor, aplicado como em final de copa. Eis seu encontro! Minha filha se encontra em grupo, adora grupo, adora trabalho. Seu jeito de aprender. Não se pode ganhar sempre, isto é lição do futebol. Não se agüenta perder sempre. Isto também é lição do futebol. Quando a torcida vai embora no meio do jogo, é preciso perguntar sobre o time, sobre o ganhar e o perder, sobre o sentir-se, por média na vida, capaz. Ser capaz é mais importante que vencer sempre. Daí decorre que o importante é não perder sempre. Vai zagueirão, vai se encontrar em campo, vai ganhar e vai perder mas vai ser capaz da superação. Da próxima vez que os alunos partirem das nossas salas, presenciais e virtuais, não vou mais acreditar tão fácil em estatísticas. Elas dizem que é assim mesmo, paciência... Prefiro, primeiro, perguntar se não os estamos submetendo, um dia e outro também, a uma derrota sem fim. É como investigar, de coração aberto, se lhes demos a chance de serem zagueiros em lugar de atacantes, e também brilharem em campo. 79 CONSTRUERE Construindo, de verdade, um projeto de conhecimento na empresa TRIPALIUM O Afonso Romano de Sant`Anna acaba de me ensinar que trabalho vem de tripalium, instrumento de tortura composto de três paus, uma espécie de cruz. Que bom ter, como ele, a mesma paixão por dicionários. Veio a calhar. Estou começando um projeto de conhecimento e, como conhecimento é feito de gente e como gente trabalha e como é lá que vamos fazer o projeto, ufa, então é ai que começo. E olha que o Afonso estava falando de amor. Quem quiser saber de onde vem amor, ele sabe. Crônica da mais absoluta qualidade no Estado de Minas do dia quartorze de setembro. Está lá. Então vá lá ver. Meu assunto é trabalho. Se quisermos fazer um projeto de conhecimento, temos que começar por ele. Antes disso, temos que desfazer o tripalium. Acabar com a tortura. Nunca começar nada sem alegria é remédio que já receitei, vindo lá da Itália, do Niente senza gioia da escola de Reggio Emilia. Com tortura muito menos. Vamos ao evangelho. 80