Livro Plantando Conhecimento

Transcrição

Livro Plantando Conhecimento
ROBERTO FRANCISCO DE SOUZA
PLANTANDO
CONHECIMENTO
Conversando sobre Educação a Distância
& Gestão de Conhecimento
Plantando Conhecimento is licensed under a Creative Commons
Atribuição-Uso Não-Comercial-Vedada a Criação de Obras Derivadas 2.5
Brasil License.
Based on a work at www.plansis.com.br
11
A
todos os que se divertem comigo,
em minha casa,
em meu trabalho,
na vida.
12
Tenho muitas razões para acreditar numa nova educação: minha família, meu
trabalho, as pessoas com quem convivo. Já tive, sem contar pra ninguém, muito
medo da tecnologia. Podia pegar mal. Sou um profissional do ramo. Não tenho
mais. Foi um processo de cura e consciência.
Mas, mesmo acreditando nisso, num mundo que se transforma para melhor, fui me
cansando de ouvir falar em transformações que só aconteciam no papel. Senti que
era preciso começar, acreditar no que falava e sobretudo fazer acontecer.
Então comecei a usar a técnica para transformar corações e para transformar
cabeças. Tem sido assim, em todos os lugares onde tenho ido e trabalhado.
Mentes se transformando. A minha mente se transformando pela relação com o
outro.
Escrever estas conversas sobre educação a distância e gestão do conhecimento e
publicar estas crônicas na internet têm sido antes de tudo uma aventura. Meus
filhos lêem. Meu povo, que trabalha comigo, lê. Alguns clientes lêem. Às vezes,
sinto que estão reticentes, mas sigo em frente.
Só que as transformações já começaram. Como uma revolução, elas vão ganhando
corpo. Tecnologia a serviço de gente. A apropriação da internet por um grupo que
coloca a informação a seu serviço, em vez de trabalhar para ela, feito escravo. Na
Arbórea está sendo assim.
É por isso que esse livro é um ato de coragem, de superação e regozijo. A
coragem de criar, sobre a qual Rollo May nos testemunhou. A superação de meus
filhos, a quem tento ensinar que a aventura do conhecimento é muito mais que a
aprovação no vestibular. O regozijo do povo lá da empresa, onde cuidar das
plantinhas, das kalanchoes, se tornou missão crítica e estratégica para nosso
sucesso.
É também um ato de escolha. Chega uma hora na vida em que se deve escolher.
Não se pode adiar mais. Escolhi as minhas crenças, com todo o respeito ao que
me entregaram pronto, desde criança. Escolhi os meus companheiros livros, com
quem posso dialogar em perfeita sintonia.
Escolhi viver, quando tudo parecia indicar o contrário, quando somente a Carla e
seu olhar firme bloquearam o caminho, antes que eu desandasse. Obrigado!
Agora eu acredito de novo. Agora estou seguindo em frente, a despeito de teorias.
Conhecimento é gente. Plantar conhecimento é viver com e como gente. É por
isso que este livro aqui é uma conversa e eu espero, de coração, sua resposta:
www.arborea.com.br & [email protected]!!!
Até breve.
13
LIBERDADE PARA CRIAR
A educação a distância é, antes de tudo um desafio. Não há aquele
que, estando envolvido com a criação de estratégias de aprendizado a
distância, não se delicie, se for um apaixonado pelo assunto, com as
inúmeras possibilidades para se transferir conhecimento, usando a internet
como mediadora. Agora mesmo, relendo Pierre Lévy em “AS
TECNOLOGIAS DA INTELIGÊNCIA”, redescubro extasiado uma
afirmação preciosa, que transcrevo aqui de forma mais livre:
“... Ao tornar-me um ator da evolução técnica (por pouco que
seja), descobri que a margem de liberdade neste domínio é muito maior do
que geralmente é dito”.
Fico pensando em quanto é comum que nos esqueçamos da criação.
É tudo tão novo e ao mesmo tempo já experimentamos tantas novas formas
de transferir conhecimento. A internet, mediadora e tão somente
mediadora. De verdade, o aprendizado é a distância e ainda vale o correio,
o telefone, a visita pessoal.
Acho que temos que compreendê-la assim. Madre Teresa de
Calcutá nos ensina que melhor é aprender com as crianças. Tanta gente nos
ensinou isso! Quem sabe, repassando esta máxima, possamos extrair mais
de nossos limites, possamos propor formas realmente novas de ensino, só
olhando uma criança aprender no mundo de hoje.
Não vou ousar dizer que não há limites, deve haver. Mas podemos
e devemos acreditar que estas crianças que chegam agora a um mundo de
internet serão capazes de romper com barreiras de conhecimento, de
descobrir estas novas formas. E nós, nunca é demais lembrar, já fomos
crianças um dia. Ainda devemos ter remédio.
É em busca das crianças que fomos, que estamos. Todos os dias
repito para a equipe de educação da Arbórea que precisamos encontrar
14
estas novas formas de ensino. Para tanto, uma nova prontidão é necessária,
uma prontidão para o novo, para a criação.
Se assim acreditarmos, a Coragem de Criar de que nos fala Rollo
May gritará mais alto. Não teremos medo desta nova relação através do
hiperespaço e descobriremos nele, talvez tão somente por causa dele, o
quanto somos humanos.
15
A ESCOLA VIRTUAL COM QUE SONHEI
Quem já leu “A ESCOLA QUE EU SEMPRE SONHEI SEM
IMAGINAR QUE PUDESSE EXISTIR” do Rubem Alves, pode se apaixonar
ou duvidar. É assim mesmo como os colaboradores daquela escola se
definem: pessoas a quem se deve grande admiração ou desprezo crítico.
Pedem, ou melhor, deixam que se vá até lá, Vila Nova de
Famalicão, Portugal, para se ver de perto, guiado pelos alunos, como estão
revolucionando, faz muitos anos, a forma de se educar. Quem quiser que
veja com seus próprios olhos.
Não vou repetir a história toda. Está lá no pequeno livro e desde já
o recomendo.
Vou melhor é pensar na ESCOLA DA PONTE, numa Escola da
Ponte virtual. Como é que seria? Acho que lá, se os alunos fossem fazer um
modelo virtual do que fazem no dia-a-dia, não construiriam uma sala de
aula. Eles não pensam a educação assim. Suas metáforas para aprender vão
muito além. Falam é de colaboração, mas isso deve soar estranho para nós,
tão incrédulos: eles têm apenas nove anos!!!
A Escola Virtual com que sonhei constrói o conhecimento. Ela não
cria redomas de vidro, onde colocamos o que sabemos e o que estamos
aprendendo. Nessa escola, há aquele que ensina e o que aprende, mas esse
ator-quem algumas vezes é um, algumas vezes é outro. E vai-se
aprendendo, professores-alunos e alunos-professores!
Coisa pra escola-modelo, dirão alguns, não serve para treinar
vendedores! Ledo engano, penso eu. Muitos de meus interlocutores, nas
minhas andanças e na minha falação, dizem que seus treinandos não vão
estudar nem em casa, nem no trabalho. Precisam de um lugar isolado, no
horário comercial, para se dedicarem, de corpo e alma, à tarefa de
aprender.
16
Concordo, em princípio. Sei das implicações legais desse
aprendizado e sei das urgências das estratégias de marketing. Mas também
sei que, na Escola da Ponte, os alunos aprendem enquanto estão lá, dentro
do que para nós, mais velhos, parece ser uma sala de aula. Não é...
No meu tempo, na sala se copiava, em casa se estudava e algumas
vezes se aprendia.
De outro jeito: na Escola da Ponte se aprende enquanto se trabalha
e esse é o ponto: aprender sempre, mesmo que não se queira, mesmo que
não se saiba que se está aprendendo. É como diz a Cora Coralina:
“Tu encontrarás sempre no teu caminho
Alguém para a lição de que precisas.
Aprende, mesmo que não queiras”.
É isso que estamos tentando aqui, nos nossos projetos. Estratégias
para se aprender, enquanto se trabalha. Acho que isso é gestão de
conhecimento. Acho que isso é aprendizado a distância. Acho que isso é
muito mais produtivo.
De fato não importa. O que isso é mesmo, é muito mais divertido!
17
ENGENHEIRO, GRAÇAS A DEUS!
Quando surgiu o grupo de Rock “Engenheiros do Havaí”, a
mensagem estava clara: deixando de ser engenheiros, agora eram músicos.
Assim quase todo mundo percebia. Eu não!
Preferi pensar neles como engenheiros de verdade. Fui conferir
“engenho” no dicionário. Encontrei criação e as coisas da criação. Está lá.
No Aurélio ou no Houaiss, pode conferir.
Engenheiros de nome, engenheiros de software, engenheiros
músicos, engenheiros de conhecimento. Engenheiros de verdade, quero
dizer, o nome sendo mais criativo que a realidade.
Assim foi que, de muitos anos, engenheiros não pensam mais, e
Leonardo da Vinci, engenheiro supremo, pintor, escritor e cientista, este
deve se virar no túmulo de ver garotos crescendo, sendo treinados a não
pensar mais.
Que sina, a de emprestar o nome a tudo que se diz criativo e a
gente mesmo se tornar pedra, ser “impensantes”. Não quero ser isso, e por
tal ousei o neologismo.
Fui professor, sou engenheiro, amo a educação. E, de muito
tempo, desde que inteligência artificial era novidade, e já lá se vão tantos
anos, pesquiso as coisas de conhecimento.
Agora que estamos fazendo educação a distância, acho que virei
engenheiro de educação. Deve poder ser assim, já que o nome, mais que a
profissão, me autoriza a pensar.
Quantos estão por ai, tentando acertar na criação da educação
virtual, num mercado em que muitos vão querer mais é dinheiro, sem se
preocupar se, para alunos e professores, vai ser um mundo novo, cheio de
possibilidades, reinventando as regras, brincando para aprender.
18
Queremos fazer certo, isso é fato, mas queremos criar também,
ousar a mudança que nos permitirá investigar o espaço novo da educação,
tanto quanto o conteúdo que se ensina. Lévy, de novo o Pierre, nos ensina
em suas “TECNOLOGIAS DA INTELIGÊNCIA”, que “o sentido emerge e
se constrói no contexto, é sempre local, datado, transitório”.
Não congelemos então a internet e suas possibilidades como num
projeto em formato A1. Ela muda e a educação que nela se quiser fazer
mudará todo dia, plena de possibilidades.
Então, mãos à obra para a empreitada, para o experimento, para a
construção desta nova relação de conhecimento. Eu, de minha parte, quero
muito colaborar, Engenheiro que sou, graças a Deus!
19
DE VOLTA PARA O FUTURO
Semana passada caiu em minhas mãos um livrinho empoeirado pelo
qual me apaixonei logo na capa, fruto de uma curiosidade incontrolável.
Trata-se do fantástico (deixem-me considerá-lo assim) “mutações em
educação segundo Mc luhan”. Escrevo como leio na capa: Não há acentos e
a foto, que me lembra um surto num eletrocardiograma, me chega como
combinação de irreverência e respeito.
O autor? Lauro de Oliveira Lima. Para os habitantes da área não
requer apresentações. Vou então ao ponto. A primeira edição, com
modestos 5000 exemplares, é de 1971. Seguiram-se treze até 1980, ano da
edição que leio. Espera um pouco. Vou ali consultar se ainda existe e já
volto.
Estou recompensado. Passeei pelo Google e encontrei dezenas de
citações de minha pequena preciosidade, vigorosa aos trinta e dois anos.
Mas continuo...
É mesmo surpreendente a atualidade das colocações de Lauro de
Oliveira Lima. Mais surpreendente como, falando a respeito da televisão,
consegue entrever a internet. É mesmo do que falavam ele e Mc luhan,
senão vejamos:
“Os novos meios ultra-rápidos de comunicação à grande distância _
rádio, telefone, televisão _ estão a ponto de ligar o mundo inteiro numa
ampla rede de circuitos elétricos, suscitando uma nova dimensão do
engajamento do indivíduo face aos acontecimentos”.
Um afirmando, o outro comentando, nos dizem que “haverá uma
revolução no que concerne aos papéis de aluno e de professor, que os
cidadãos do futuro serão recompensados por sua diversidade e por sua
originalidade. Que a dicotomia tradicional trabalho-lazer desaparecerá em
função do próprio engajamento, cada vez mais profundo, do estudante”.
20
Não vou citar mais. Compre o livro porque vale a pena. Vou é
lembrar outro autor, Domenico de Masi, para chamar sua atenção a esta
última afirmação. São três pilares: o trabalho, o lazer e um novo estudante
resolvendo o conflito. Não estamos falando de educação, lazer e estudante,
como a lógica deveria fazer crer.
Pulo de novo na internet e revejo a matéria de capa da revista
Elearning Magazine em www.elearningmag.com. Fala de andragogia, de
um adulto que começa a abandonar cursos a distância por não se sentir bem
com eles, porque estamos sendo incapazes de reinventar a educação com
apoio da internet, porque estamos cometendo o erro dos que vieram depois
da imprensa: estamos recitando livros, agora páginas de conteúdo.
Não é isso, todos gritam em coro, e meu velho livrinho se contorce
de rir sobre a mesa, como que dizendo: mas só agora descobriram? Eu falei
há trinta anos!
Estamos falando de aprender enquanto se trabalha. Estamos falando
de uma revolução muito mais profunda, que envolve relações trabalhistas e
validade de diplomas, mas sobretudo, uma revolução de atitudes que se
abrem para o mundo: não estudo mais, não trabalho mais, não tenho mais
lazer! Caminho para a integralidade e a internet. Melhor que ser a reedição
do texto impresso, é espaço por onde navego, em busca de conhecimento.
Então é isso. Morre, prematura, a educação a distância como estão
tentando construí-la. Agora é hora dos acertos. Preciso aprender o tempo
todo e meu computador não é gráfica, é porta, porta para o mundo!
Difícil entender? Não! Lauro de Oliveira Lima podia ter dito,
naquele livreto precioso de tantos anos:
_ Conhecimento!!!
Nós redefinimos: gestão de conhecimento, que é pura filigrana.
Estão tentando inventar a educação na internet e está dando errado porque,
o que precisamos mesmo, é continuar reinventando a educação.
21
Ainda agora, recebo notícia de que, no Canadá, estão fazendo EAD
em banda larga. Muito bom! Isso conta e disso combinamos falar num outro
dia. Por agora, que Deus nos ajude, será preciso termos a firme coragem de
mudar.
22
"NIENTE SENZA GIOIA"
Prometi falar de banda de passagem em educação. Assunto sério,
meio enfadonho. Deixo pra depois. Vou mesmo é tratar de uma feliz
coincidência, destas a que a pesquisa e a educação têm o hábito de
agradecer. Vou falar de novo de escolas, livros, criatividade e alegria.
Começou assim: sábado, oito de junho, eu, rato de livraria. Desta
vez não encontrei o que prestasse. Almas tristes não catam pérolas e eu não
catei. Fiquei ali, amuado, querendo fazer a descoberta do dia e nada. Saí,
rodei e rodei e nada. Fui atender o estômago. Talvez os meus olhos
"desalimentados" não quisessem enxergar. Viam, mas não enxergavam.
Pois, insistente, voltei para tropeçar em “NIENTE SENZA GIOIA”,
lema de uma escola em Milão. E onde, onde, Deus do céu? Em “O
ESPÍRITO CRIATIVO”, volume que recomendo até para os olhos fechados
que eu tive naquela tarde. É matéria de Daniel Goleman, Paul Kaufman e
Michael Ray, matéria de primeira, em se tratando de espíritos libertos.
Vaguei por ali e o espírito criativo me cativou porque eu estava
aflito. Queria pensar empresas e escolas de uma perspectiva nova, leve, que
sobrevoasse conceitos e pudesse reinventá-los. Vivi a aflição criativa que se
aprende lá, nas páginas desta boa obra. Achei eco para as palavras do
Rubem Alves: “é preciso desaprender”. Também no meu inesperado
tesouro-livro, Buckminster Fuller, inventor, nos ensina a “ser ingênuos”.
É certo que estamos praticando um pouco diferente a criação. Aqui
em casa, aqui na empresa, estamos "desconstruindo" conceitos e isso exige
um certo minimalismo a que nos entregamos recentemente. Criar a partir
do simples. Criar o simples, contestar estratégias confusas e povoadas
demais. Quem quiser que veja, é só nos visitar. Estamos limpando a área e
criando, mas tentamos “niente senza gioia”. Móveis se transformam em
plantas e o que fosse cinza vai se colorindo.
Hora de traduzir o “niente senza gioia”: nada sem alegria!
23
De tudo que é certo em nossa experiência de criação, há um par de
fatos maiores: primeiro, estamos é tentando, nem sempre conseguindo. Só
que tentar tem dado alento, esperança de todo dia acordar sentindo uma
coisa boa, gosto de bem-feito e divertido. É por isso que temos um
lugarzinho pra contar, na nossa intranet, o que vamos fazendo de bom. E já
está ficando lotado!
A segunda? A segunda são flores que andamos cultivando, jardins,
vasos e coisas da terra, que, em educação, eu presumo, têm também razão
e vigor. Fica mais uma em minha lista de promessas: falar de jardinagem em
educação, até na educação a distância.
E nada sem alegria nessa distância para educar! Aqui religo os temas
que não deviam se haver separado. Estamos fazendo educação a distância
com uma certa melancolia. Estamos saudosos das salas de aula com carteiras
furadas para tinteiro, que dão seu canto de cisne e se vão. Cumpriram sua
missão e passaram.
Veio a coincidência: revista Nova Escola, Julho de 2002, página
cinqüenta e dois. Ali se lê da “Pedagogia dos Sentidos”. Fala de Reggio
Emilia, a mesma Reggio Emilia. Num dado ponto se conta:
“Chamamos de abordagem (pedagógica), pois temos como
princípio respeitar a maneira de cada um aprender e, para isso, precisamos
estar atentos aos caminhos que eles mesmos propõem”.
E se completa:
“... quem procurar por um método Reggio Emilia não encontrará
registro, mas irá se deparar com alguns princípios que podem ser
incorporados e colocados em prática. Um deles é a crença de que o
aprendizado nunca será o mesmo se alguém deixar de dar a sua
colaboração".
Eu devia ter vergonha de citar tanto esses autores e fontes, mas não
tenho. Cumpro a humilde tarefa da repetição como se, em o fazendo,
24
colabore laboriosamente para que suas idéias alcem vôo e o façam também
na educação a distância. É somente esta última minha possível originalidade
(e Deus permita que não!).
Quando falo destas coincidências, quero que aqueles que estão
pensando a educação a distância repensem seus conceitos. Quero que eles
entrevejam as reais possibilidades da internet como elemento de
colaboração no ensino para todas as idades. Quero que reflitam sobre o
quanto precisamos andar e crescer para que nossos conteúdos, divulgados
pela internet, deixem de ser conteúdos e passem a ser como em Reggio
Emilia, princípios, e que estes só reconheçam educação colaborativa: nada
de só publicar, nada de dar mais valor a forma e ao conteúdo do que ao
colaborar nesses espaços virtuais.
Será possível? O que digo e desafio é que já é possível, já podemos
construir esses espaços e aproximar pessoas de todas as idades, numa
verdadeira construção de conhecimento.
De todas as idades? Acho que me atirarão pedras cibernéticas de
novo, pois que imagino adultos aprendendo como crianças, com a seriedade
de crianças a que se referiu Nietzsche. Antes de afirmar que, no ensino
para adultos, postos em suas mesas de trabalho e ocupados a mais não poder
com suas tarefas do dia-a-dia, não cabem brincadeiras de pura descoberta,
sugiro que se experimente, que se visite Reggio Emilia ou Vila Nova de
Famalicão, em Portugal, lembra?
Afinal, pode ser esta a sua última chance de reencontrar o “Niente
senza Gioia!".
25
26
REVOLTA OU REVOLUÇÃO
Como cidadão, como empresário e como pai tenho escutado, com grande
constância, sobre a dificuldade das coisas, a dificuldade do fazer as coisas.
Mover-se não é fácil. Abandonar posições cômodas não é fácil. Preferível
ficar onde estamos e inventar pseudomudanças que dão a impressão de que
evoluímos. Não é diferente com o aprendizado a distância.
Muitas organizações agradeceram o advento da EAD e a brindaram como
salvação, não da qualidade do ensino ou de sua universalização, mas do
discurso. Temos que estudar o problema, o problema é complexo, todo
cuidado é pouco, temos que nos preocupar com os oportunistas.
Discutimos, discutimos, discutimos e ficamos no mesmo lugar, cobras
mordendo o rabo.
Estourava a revolução francesa e foram comunicar ao rei sobre a balburdia
que corria solta nas ruas de Paris. E o Rei, no seu distante reino mental,
perguntou:
_ estamos tendo uma revolta?
Ao que se respondeu:
_ Perdão majestade, não é uma revolta, é uma revolução!
Está assim com a educação. Não estamos tendo uma revolta. Estamos
mudando as estruturas! Não estamos simplesmente introduzindo a
tecnologia como ferramenta de incremento das práticas educacionais.
Estamos é questionando as próprias praticas educacionais.
Adoro livros. Eu os leio como se come doce. Me lambuzo com eles. A
história que contei da revolução francesa, por exemplo, está lá, nas páginas
do compêndio de história de minha filha, sétima série, livro que só se devia
27
ler para estudar, é como nos ensinam. Eu o li para me divertir, num dia de
não fazer nada e ficar à toa. Caiu, por assim dizer, nas minhas mãos.
Temos que ter respeito com os livros. Não podemos apenas repeti-los em
sala de aula, numa macaquice sem fim. De pequenos não ensinamos nossos
filhos a gostar de livros e depois os obrigamos a viver com eles, como um
castigo sem fim. Estou tentando fazer diferente em casa.
Diz mestre Ziraldo: leia para os pequenos. Eles se lembrarão dos carinhos
da sua leitura e, por decorrência, dos livros.
Também já não tenho mais o mesmo pudor e má vontade de ler textos na
internet. Como mídia, eu a estou compreendendo aos poucos e deixo que
ocupe um lugar na minha estante. É preciso respeito pelo que se escreve na
internet também.
Isso mesmo, é preciso respeito! Nada de macaquices. É preciso mudar os
conceitos. Na educação que tivemos (e Deus sabe que ainda estamos dando)
é somente na sala onde autorizamos os alunos a ler, a estudar, a correr
poucas páginas dos livros, que deviam ser seus companheiros, até o limite
do que já ensinamos, não deixando que passem daí. Estudam aritmética.
Nunca ouviram falar de Malba Tahan. Deus nos perdoe por isso!
Em vez de nos perguntarem, nos ouvem. Só sabem o que falamos e a
descoberta agora é um arremedo. Nunca se encantaram com o fato de que a
raiz de dois, somada com a raiz de três, dá o número “pi”. Estão
paralisados.
Mas o que estamos tendo é revolução. Por isso vamos mudando a ordem
das coisas. Não é nem muito original, porque Deus teve a bondade de botar
no mundo mais gente atrapalhada que nem eu, gente que também acha que
não se aprende sem perguntar, sem duvidar. Primeiro é preciso o desafio.
Por quê aprendo?
Quando eu sei porque aprendo, já compreendi meu grande projeto e o
sabor que tenho dele me empurra à frente. Quero saber, quero construir
28
conhecimento. Meu professor, quem sabe um professor-tutor, me guia
numa jornada de encantamento.
Depois é ler, ler, ler, pesquisar e ler num hiperespaço que, de tão grande,
inclui meus velhos livros em papel e os que ainda terei o prazer de
comprar. Posto o desafio, temos que deixar que aquilo cozinhe em fogo
brando. Temos que continuar a provocar um pouquinho todo dia, para que
se investigue, para que a dúvida se produza. É isso que queremos.
E aí então se produz o encontro. Aluno e guia-professor, aluno e aluno. É a
construção do conhecimento através da colaboração.
E explode nesse momento a tecnologia: banda larga. Já temos imagem e
voz, já podemos levar conhecimento de forma democrática a todas as
camadas, bastando para isso levar computadores. Simples e barato! Quem
duvidar visite “www.cdi.org.br”.
E do desafio à dúvida, a viagem continua por uma aula onde vejo, escuto e
falo com professores e colegas. Está funcionando. Podemos criar salas de
aula remotas a custos realmente baixos. Posso atender a uma classe dentro
de minha casa, com boa qualidade. Posso, da dúvida, produzir o encontro e
do encontro o conhecimento.
Esta aí para ser visto e quem tiver olhos que veja. Quem não tiver, melhor
ficar em casa e fazer o uso de sempre das nossas salas de aula, cheias de
carteiras e só de carteiras.
Afinal, estou ouvindo lá fora uma grande balburdia. São ricos, remediados,
médios e pobres. Principalmente estes últimos, querem muito aprender e
gritam.
Tenho a impressão de que não é uma revolta. Mais uma vez, como na
França, vem vindo, e já perto, uma verdadeira revolução.
29
30
FÁBULA GEOMÉTRICA
A história que vou contar, eu a ouvi com dezenove anos, na
faculdade. Haverá floreios, pelo bem do enredo, mas foi assim que
comprei, assim vendo, herança do Professor Edson Durão, grande mestre.
Havia um ponto. Um ponto solto no espaço. Ele ficava imaginando
o universo em torno dele. Como seria? Como seria não ser ponto? Olhava
de um lado, de outro, e só via pontos. Ficava triste. Achava que o mundo
não podia ser só igual a ele. Seria chato demais.
E havia uma reta. Uma reta solta no espaço. Ela ficava imaginando
o universo em torno dela. Como seria? Como seria não ser reta? Olhava de
um lado, de outro, e só via retas. Ficava triste. Achava que o mundo não
podia ser só igual a ela. Seria chato demais.
E também havia um plano. Um plano solto no espaço. Ele ficava
imaginando o universo em torno dele. Como seria? Como seria não ser
plano? Olhava de um lado, de outro, e só via planos. Ficava triste. Achava
que o mundo não podia ser só igual a ele. Seria chato demais.
Mas um dia o ponto soprou, soprou, inflou, virou reta e ficou feliz
assim. Havia, por assim dizer, crescido.
E um dia a reta soprou, inchou, virou plano e riu de felicidade.
Havia, vamos dizer, descoberto que podia mais.
Mais ainda, o plano correu o espaço e construiu formas
maravilhosas. Estava recompensado por ter conseguido.
E ponto, reta e plano continuaram a pensar se haveria mais alguma
coisa a ser descoberta no espaço lá fora, tão pleno de possibilidades...
O que uma empresa ganha com espaços de colaboração?
31
Difícil perceber, se quando olhamos para os lados não conseguimos
a transcendência. Volto em Wolfgang Wieser e cito “Organismos,
estruturas e máquinas, para uma teoria do organismo”:
“Quem poderia dizer que um componente não se torna
definitivamente modificado no próprio momento em que é retirado de sua
relação com o todo?”.
A colaboração não é somente uma invenção da técnica. É um
pressuposto do organismo. Não fazemos sentido se não colaboramos,
funcionalmente. Não obtemos identidade da organização, se não
colaboramos.
Mas não foi feliz o reducionismo da administração que tornou
linear as relações na organização. Esqueçamos os computadores, por um
instante. Sem eles, ainda estamos colaborando em nossas empresas? Somos,
por assim dizer, complementares?
Pensemos nas atividades médicas. O atendimento de um paciente
pode parecer, mas definitivamente não é, linear. Há vários aspectos a serem
considerados, várias faces da questão saúde. Não as podemos tratar como se
devessem ser resolvidas uma por vez. É moderna uma visão holística do
problema.
E, se assim é, a questão colocada esta errada. Vamos reformular: se
as organizações são definidas pelas relações das partes, se é preciso haver
colaboração das partes para que existam, como é que elas podem existir
sem espaços de colaboração?
Invertida a questão saímos da defensiva e avançamos. Veio a
internet. Ela existe. É um fato. Mais: é um organismo e também é definida
pela fluida relação entre as suas partes, gente por todos os cantos, se
conectando.
Mais ainda: pode ser encarada como um gigantesco modelo de
colaboração. A inteligência coletiva, preconizada por Lévy em
32
CIBERCULTURA, nasceu da net e para a net. Inteligência coletiva? Isso
quer dizer que nossa inteligência até então era individual?
Carlos Irineu da Costa, de novo nas “orelhas” de cibercultura,
reconhece o assunto polêmico. Para mim é esta a resposta. Formulemos:
UMA ORGANIZAÇÃO NÃO EXISTE SEM ESPAÇOS DE
COLABORAÇÃO PORQUE NÃO VIABILIZA SUA INTELIGÊNCIA
COLETIVA, QUE É, EM ÚLTIMA INSTÂNCIA, O QUE A IDENTIFICA
COMO ORGANIZAÇÃO VIÁVEL.
Só não compreendemos isso se formos “pontos” conformados. Não
vemos retas. Nos isolamos no espaço. Mas, se transcendermos,
encontraremos esses espaços virtuais como meras e convenientes entidades
que viabilizam o que já somos, que tornam plenos de possibilidades os
profissionais que sempre fomos. Agora temos onde colaborar. Agora temos
um trabalho coletivo para criar, a partir de nossa inteligência coletiva.
Espaços e tempos se encurtam. Somos times virtuais e estamos em
toda parte. Colaboramos, nos apoderando de objetos de aprendizado e
conhecimento que livremente trocamos, usamos e descartamos, na
construção desta inteligência coletiva.
E haverá algo, para lá desta inteligência coletiva? Acredito que sim.
No caminho da gestão do conhecimento, encontramos uma inteligência
coletiva não explícita, tácita, permeando estes novos espaços de
colaboração e tornando-os voláteis, adaptáveis aos problemas propostos. É
o tempo do conhecimento. Objetos, pessoas e coisas são dispostas como
num caleidoscópio: a cada momento ganham feições diferentes.
Tenho um problema. Encontro um lugar virtual de colaboração.
Exponho meu problema. O caleidoscópio gira. Surgem documentos na
tela. Surgem pessoas pertinentes ao caso. Surgem lugares virtuais a visitar.
Posso falar com estas pessoas a um toque de mouse. Junto tudo e tenho um
espaço colaborativo único no tempo e espaço. Talvez nunca mais exista,
depois que o problema se for.
33
É para lá que estamos indo. Quando vejo bancos de dados tão
lineares e educação a distância que reconstrói tão melancolicamente o
espaço presencial que sempre conhecemos, fico imaginando, de novo, que
somos pontos. É preciso prender a respiração e pular no vazio.
Então seremos retas e, de retas, planos e, de planos, espaços
inteiros, plenos de significado. Finalmente seremos organizações de
verdade, de novo e sempre com a coragem de criar a inteligência coletiva
que perdemos em algum lugar do passado.
34
DA NATUREZA DA UNANIMIDADE
Olhe fixamente esta figura?
O Que você vê? Sei... Um quadrado azul dentro de um retângulo
cinza?
Vamos falar de unanimidade. Mais precisamente, vamos falar de
conhecimento e educação. Vamos refletir sobre a tênue fronteira entre
coisa e outra, podendo a primeira, o conhecimento, estar a léguas de
distância da segunda, a educação, se não guardamos cuidado.
Faz de conta que você entrou hoje na escola, numa escola qualquer.
Vai aprender francês. Primeiro entrou, repare. Ainda sou do tempo em que
se “entrava” na escola, não se desejando com isso dizer da construção, do
prédio, mas de um suposto saber em que se fosse iniciado.
Também ainda sou do tempo em que se “aprendia”, como atividade
posta num tempo de começo e de fim.
Faz assim de conta. Estamos então estudando francês. Anos se
passam e peço que meu exemplo possa ser contado desse jeito, em anos,
porque adulto perdeu a capacidade desse “aprender” de forma simples,
rápida. Adulto é burro velho.
Dias e noites se passam e conjugo verbos e acentuo erradas as
palavras e nossos lábios têm um quê de resistência heróica para os fonemas,
como se boca de brasileiro, inglês, francês e alemão não fosse tudo uma
coisa só.
35
Triste dizer, muitos chamarão a isso “sofrimento”.
Chegará o dia em que parte de nós desiste. Chegará o dia em que
outros tantos se formam. Nos saberes mais eruditos, cobrem-se de toga e
confetes. Estão prontos. Caminharam sobre cinzas e provaram ser membros
adultos de um grupo. Para isso serve a educação: iniciação, como muitos
ainda a conhecem.
Os desterrados, aqueles que, ignorando todos os avisos, sentiram
arder os pés quando caminhavam nas brasas, aqueles que ousaram gritar
“para que servem essas brasas”, esses estão em desacordo com o “modus
vivendi”. Não sabem francês! Está decretado que não sabem.
Aos perdedores, lancemo-los aos leões. São mesmo desterrados.
Nada possuem. Nenhum reconhecimento.
Mas eu vejo a luz. Alguém haverá de lembrar que não há francês
sem a França e os outros países que falam esta língua elegante. E dirão da
torre Eifell e isso nos lembrará Santos Dumont. Haveremos de saber que
ele andou rodando ali, com suas primeiras asas. E pensaremos em quarenta
e cinco e nos aliados com seus carros de guerra libertando Paris. E
sentiremos o gosto dos vinhos em nossas bocas desejosas e as trufas, meu
Deus, aquelas de verdade, que ainda não provei, salvo em consciência. E a
música, que dizer dela? Consigo ouvir, consigo sentir a música. E rios e
castelos e a história com seus heróis e crápulas, tudo nos visitará, como que
justificando que saibamos meia dúzia de vocábulos e conjugações.
É muito possível que não haja diplomas. É muito possível que
passemos longos dias, debatendo sobre todas estas coisas vizinhas do falar. É
muito possível que a internet nos seja generosa para que compreendamos
um povo, suas conquistas e derrotas e sua história. É muito possível que
sonhos se construam, que queiramos ir até lá, tocar em suas torres e comer
em seus restaurantes, é muito possível que gente pobre e sem recursos
fique horas, passeando no ciberespaço, nos passeios eletrônicos dos Campos
Elíseos.
36
É muito possível!
A natureza da unanimidade é assim, parece-se muito com o que
aprendemos a chamar de educação e que, por tal blasfêmia, Deus nos
perdoe. A educação não devia excluir e exclui. Quem duvidar, que entre
nas favelas!
O conhecimento não, ele quer incluir, ele é um pai bondoso que
reconhece todos os saberes como válidos, praticáveis e valorizáveis. Leia-se
isso em Authier e Lévy.
O conhecimento não é e nem quer ser unânime. Parece-se mais
com um caleidoscópio em que muitas cores se formam. Ele é um caldo que
faz germinar saberes de saberes, que vão crescendo e tomando conta do
espaço da cidadania. Existo porque represento um papel em minha
comunidade, revestido de um saber que se confunde comigo, como pessoa.
Aprendi isso com comunidades carentes que desistiram das escolas que
nunca chegavam, escolas que eram uma unanimidade de desejo, mas só
promessa.
Estou fundando uma empresa de conhecimento. Chama-se
Arbórea. Lá, nós queremos plantar conhecimento. Não tenho vergonha de
dizer que, há muitos anos, me apaixonei pela idéia das árvores como
representações viáveis dos saberes. É um grande desafio porque não é
unânime. Em lugar de salas de aula, salas virtuais de conhecimento. Há
muitos loucos como eu por ai. Pensam igual.
Nestas salas não dá pra aprender francês. Em seu lugar, é preciso
estudar a França. Nestas salas não há provas, há projetos.
Também não há formatura. As pessoas ficam lá, nas salas, depois
que acaba o tempo em que o mais experiente nos ensina a andar no novo
saber. As pessoas continuam “trocando” saberes!
A Arbórea não é uma unanimidade, mas não tem importância,
vamos seguir em frente. Afinal de contas, esqueci de dizer, aquele desenho
37
lá em cima não é um quadrado azul dentro de um retângulo cinza. É que eu
olhei pra cima outro dia e tinha um teto e nesse teto tinha uma clarabóia.
Do lado de lá estava lindo, mas lindo mesmo, o céu das três horas da
tarde...
38
39
MÍDIA, CRIATIVIDADE E COLABORAÇÃO.
O EQUILÍBRIO NECESSÁRIO
A esta altura, o leitor já se deve ter acostumado com o fato de que
não escrevo em companhia pouco recomendada. Talvez polêmica. Má
companhia, de jeito nenhum!
Afirmo conceitos de educar a distância com as próprias pernas,
mas iluminado por meus amigos, através de seus livros. É captar os
temores de nosso meio, refletir sobre eles e tentar dar novo significado às
soluções, a partir do pensamento de nosso tempo. É a missão a que me
dou.
Hoje trago comigo Richard Wurman. Eu o convido pelo seu
brilhante ANSIEDADE DE INFORM@ÇÃO, editora cultura. Vamos falar
de mídia em educação, na internet. Vamos falar de forma e conteúdo.
Forma é uma armadilha, para quem faz e a quem se destina. Sento
e vejo televisão. Hans Donner já não me impressiona tanto. Meus olhos
querem mais, querem novidade e tentam inventá-la a todo tempo. Quem
faz mídia padece, aprisionado para recriar do nada e sempre. Quem assiste
mídia padece. Seus olhos desaprenderam os detalhes, as cores. Já não
conseguem se equilibrar entre a maravilhosa fotografia de Dersu
Uzala,clássico da cinematografia japonesa, e a síntese eletrônica de guerra
nas estrelas. São olhos vulgarizados.
Assim é, quando aprendemos a distância. Dou graças porque
estamos nos repetindo, nós todos que produzimos nesse mercado. Nos
repetir pela mídia, texto, foto, imagem, animação, efeito, nos repetir assim
acelera nosso caminho em direção ao que importa: educação colaborativa.
Vamos a Wurman. Ele diz:
“Saguões e corredores são não-espaços (na educação tradicional)”.
O espaço de circulação é maior do que qualquer outro nas escolas e, no
entanto, é tratado como sobra. Poderia, em vez disso, ser como arcadas sob
40
as quais as pessoas se encontrassem, conversassem, aprendessem e se
apaixonassem.”
Assim é no aprendizado a distância, como o estamos fazendo. Toda
força à sala de aula, nenhuma para colaborar. Precisamos de apresentações
bonitas, sensóreas. Nossos sentidos estão em padrão de mídia televisiva.
Monitores de vídeo se parecem com TVs e o são em essência. Queremos o
mesmo, não deixamos por menos.
Poderíamos ser Spielbergs da EAD, produzindo com maestria. Mas
onde fica a diferença? Se nos igualarmos na forma, o que nos tornará
únicos?
Colaboração é a resposta! E dois são os aspectos essenciais de se
colaborar. É preciso espaço para colaborar, arcadas cibernéticas para nos
sentarmos e falarmos do que estamos fazendo. E também é preciso gente
que nos ajude a colaborar, tutores cibernéticos que nos guiem no caminho
da descoberta.
Está lá, capítulo sete, em Wurman:
“A educação está para o aprendizado assim como o turismo em
grupo para a aventura”.
Estamos em busca do necessário equilíbrio entre mídia, criação e
cooperação, ou como ouvi dia desses, de um especialista na área: “estão
descobrindo por ai que existe algo mais além da forma, para o sucesso do
aprendizado a distância”.
Desprezamos a forma, as mídias? De jeito nenhum. Não há
nenhuma razão para que, podendo, não nos dediquemos a interfaces
interessantes com o aluno. Elas são úteis e contribuem de maneira
importante para o sucesso do aprendizado. Mas não são a essência, a
diferença! Ademais, sobre elas todo juízo é parcial. Não conheço site na
internet sobre o qual se possa estabelecer unanimidade. E por quê?
41
Porque temos formas diferentes de aprender. Alguns usarão os
olhos, outros, ouvidos, outros ainda, preferirão ler.
O equilíbrio é a colaboração. Através da troca de significados sobre
o tema, os diversos aspectos captados pelos modelos cognitivos distintos da
platéia poderão se complementar na resolução de problemas e facilitar,
finalmente, o aprendizado integral.
Olhamos para a tela. Nosso primeiro impulso é afirmar: está feio!
Está bonito!
Melhor seria procurar os pontos de colaboração e testá-los, avaliar
como, de forma efetiva, poderemos manipular as mídias nesses espaços de
colaboração. Se somos alunos, perguntamos: _ temos tutores? Professores?
Que desafios estão sendo propostos? Como posso discutir os temas?
Wurman provoca:
“Num sistema ideal, os professores não deveriam ser encarados
como máquinas de produzir fatos, como policiais ou psiquiatras, mas sim
como guias nas trilhas do interesse e, principalmente, seres capazes de
perceber as conexões de uma trilha a outra e de um interesse a outro”.
É preciso equilíbrio então. Dediquemos nossos melhores esforços a
forma, mas finquemos um pé na estrada, revirando as ferramentas, os
recursos e os conceitos necessários para a trilha da colaboração. Isso é
indispensável. Afinal, as vozes correntes concordam numa coisa: acabou o
turismo. Estamos, através da colaboração, iniciando a verdadeira aventura
do aprendizado.
42
43
VOZES QUE SURGEM DO SILÊNCIO
Há vozes que surgem do silêncio. Basta entrar numa sala de aula, presencial
ou virtual. Não acredito em fantasmas, pelo menos não acredito naqueles
que habitam o imaginário popular. Mas há fantasmas nas salas de aula, lá
isso há! São vozes que ecoam do silêncio.
Explico: fácil ensinar quando calamos aquele que aprende. Fácil ensinar
quando a comunicação tem sentido único, quando falamos para que alguém
escute e ele se emudece. Estão assim muitas das nossas salas virtuais, cheias
de vozes, gritando no silêncio. Por isso não acredito na educação a
distância, e digo isso para chocar. Se não consigo, me decepciono.
Não acredito nos que querem reconstruir a sala de aula na internet, porque
seria necessário crer que tudo o que foi feito na educação presencial, até
hoje, não carece mudança. Eu não posso.
Lido com comunidades pobres. Por causa delas, estou certo de que a
educação é um caminho de transformação, mas é lá que mais vozes gritam,
vindas do silêncio das carteiras, nas escolas. Elas somente perguntam o
porquê das coisas, com que fim estar ali sentadas, se o que se ensina não
resolve sua realidade. Ficam ouvindo respostas para perguntas que não
fizeram. Como vê, amigo leitor, vozes gritando no silêncio.
Meu Deus, pegaram toda esta “vasta” experiência e puseram na internet...
Tive uma professora de português, saudosa Tia Yolanda, que me mataria
agora pelo “puseram”, mas, querida mestra, me perdoe, não acho que
mereça mais. Não acho que mereça um “migraram”, para ficar bem ao
gosto dos internautas. Melhor o “puseram”, feito bicho que bota ovo em
qualquer canto. Foi o que se fez!
Estão jogando lá, textos cheios de animação, de cores, de filigranas
pedagógicas. Sou culpado, também: eu e os que comigo trabalham também
fazemos isso, mas tentamos a redenção, acreditando sempre que educação é
44
feita com gente, sobretudo com tutores-colegas-professores que podem
fazer nascer comunidades virtuais de fato e de direito das aulas virtuais.
Quero que as vozes falem. Melhor: quero escutá-las, porque, falar, já
falam. Meu segredo guardado é a colaboração, aprender juntos, falar e
ouvir. Meus duendes chamam-se tutores. Ficam trabalhando quietinhos,
como na fabrica do papai Noel.
Seu trabalho principal é ouvir, dar vozes aos filhos do silêncio, transformar
o significado do que se envia a eles pela ação do que respondem. Ensino
colaborativo, apropriação.
Para aqueles com quem discuto tutoria, ensino que devem defender os
alunos dos professores e da tecnologia. Absurdo?
Não, fato! Cito, com algum pudor, William Godwin, a quem nos remete
Sílvio Gallo: "o ensino público sempre gastou todas as suas energias na
defesa dos preconceitos. Ele ensina a seus alunos não a coragem de
examinar cada proposição com o objetivo de testar sua validade, mas a arte
de justificar qualquer doutrina que venha a ser criada".
Cruzemos isso com o hoje, porque Godwin escreveu em 1793.
Condenamos vozes que se calam, nas escolas, nas empresas. Nada de
questões, nada de criar, nada de respostas, nada de interferir no
conhecimento. Que escutem, apenas!
Por isso tutores, defendei de vis algozes as pobres vozes que se calam. Fazei
com que perguntem! Acredito, de verdade, que as comunidades de
conhecimento poderão ser um grito, uma grande afirmação da inteligência
coletiva, termo que não inventei e ao qual aderi com entusiasmo, há anos.
Nas empresas, nas escolas tradicionais, para onde for possível levar o
conhecimento, que não seja a distância virtual da internet mais um
instrumento para a manipulação, mas uma caixa que amplifique vozes. Que
as pessoas se apoderem desses espaços de cooperação, que os transformem,
45
que criem neles, que se reinventem e reaprendam a suprema pedagogia da
pergunta: por quê?
Cada vez em que uma voz for ouvida, jogada no ciberespaço como uma
sonda perdida no infinito, e encontre guarida em qualquer ouvido, cada vez
que a voz desse ouvido responder, estou aqui, cada vez que isso acontecer
e, se acontecer porque um tutor compreende o verdadeiro papel da
mediação no ensino, então terá valido a pena acreditar na tecnologia e em
fantasmas, por quê não, fantasmas que têm nome, endereço, realidade,
pobreza, riqueza, criatividade, soluções. Fantasmas que até mandam
mensagens pela internet. Vozes que, afinal, não mais se calam!
46
47
"QUAERERE"
“Quaerere” é procurar, do latim. Não sou versado na língua. Aprendi isso
outro dia, lendo.
Preciso que as pessoas perguntem. Na Arbórea, queremos que as pessoas
perguntem. Do fundo do coração, as perguntas irritam muito, não fui
treinado para respondê-las. Essa foi mania que adquiri mais recentemente,
lutando com bravura contra todos os preconceitos que me plantaram nas
idéias.
Não gosto, ainda não gosto, mas tento que as pessoas me façam perguntas.
Estou me acostumando. Só assim podem, podemos, crescer juntos na
direção de um aprendizado eficaz.
E não será diferente nas salas de conhecimento de que tanto falamos.
É preciso partir da pergunta e não somente isso. Precisamos de perguntas
livres de preconceito. MacCready disse que “reduzir os preconceitos é
fundamental para o processo criativo”.
Sendo, vejamos então: salas de conhecimento são para criar. Se as salas de
aula se reinventassem e evoluíssem para salas de conhecimento, nossas
crianças e jovens estariam criando mais, os preconceitos iriam para o lixo.
Nas empresas, e dou graças a Deus por isso, não está existindo espaço para
a mesmice. Se não criamos, fechamos. Agora mesmo, se o Brasil não criar,
quebra!
Então é assim: não devíamos fazer inventários de necessidades de
treinamento, melhor fazer inventário de perguntas.De que respostas
precisamos? Ai, era criar as salas de conhecimento para obter estas
respostas.
48
Não se aprende sem pergunta e que briguem os que duvidam. É por isso
que, quando iniciamos o processo de uma sala de conhecimento,
estimulamos os membros a perguntar: “Quaerere”. Por quê?
São muitos os porquês. Numa sala virtual, pessoas que chegam de lugares
diferentes, cidades diferentes, culturas diferentes, problemas diferentes.
Fazê-los refletir sobre o problema a ser resolvido é fermento que faz
crescer o bolo do conhecimento. Nunca foi tão possível que a contraposição
de realidades e culturas diferentes produzisse uma reflexão mais profunda
sobre o que temos a aprender.
Ah, ia me esquecendo. “Quaerere” deu mesmo foi em querer, ter vontade,
desejar. Não foi à toa. Algum autor que li traduziu por procurar e o pai
Aurélio também diz que querer é procurar. Deixo essa pergunta a ser
respondida pelos que, querendo, entram nas salas de conhecimento,
procurando pelo que desejam. Mas que baita e bem vinda confusão!
49
NÓS PLANTAMOS CONHECIMENTO
Educação começa em casa, palavra de minha vó, devidamente transmitida à
minha geração por meus pais. O leitor talvez suspeite que eu queira falar de
educação, de novo, ou de sua relação com o lar, com a casa. Andaram me
dando dicas do assunto num artigo sobre "homeschooling", mas não é isso.
Deste tema falamos depois.
Quero falar é do começo e com o viés, no meu caso tão manjado, da
Gestão do Conhecimento. Quando é que se começa a educar? Quando é
que se começa a aprender? Quando é que começa o projeto de
conhecimento numa empresa?
Eu me confesso acanhado por ser Arbórea Gestão de Conhecimento, uma
empresa do ramo, não uma universidade, e quando me perguntam sobre
nossos projetos é comum eu ficar pensando, pensando, pensando.
Sou mineiro. A resposta às vezes demora, mas vem. Vou contar o que
estamos fazendo.
Antigamente a gente ficava repetindo umas coisas de planejamento, de
organização, uma cantilena que nem mais eu suportava ouvir. Passamos por
muitas etapas. Faltava alguma coisa.
Eu sempre tive uma mania de descartar. Quando via um 5S, ai meu Deus,
que coisa boa. Eu queria só ficar no primeiro S, só no descarte, só me
desfazendo do que não prestasse. Ai eu tive uma idéia: e se isso fosse a
regra? O que haveria de acontecer?
Tentei.
A Coisa toda era simples. Se eu via uma cadeira, logo perguntava, pra que
sentar? Se eu via uma gaveta, pra que guardar? Perguntar tudo. Questionar
tudo.
50
Disco furado (eu sou do tempo do vinil) não ganhava de mim, de tanto
repetir isso. Mas tinha propósito. Imaginei um barco. Se pesasse muito,
encalhava, molerava (do verbo moleza, Deus que me perdoe!). Contei pras
pessoas uma história de um barco que era a gente e que se todo mundo
soubesse o ponto exato, nem mais nem menos comida, nem mais nem
menos gente, a viagem se abençoava de tão boa.
A turma foi acreditando aos poucos, ainda está acreditando aos poucos. Mas
a verdade é que, com salas mais vazias, com mesas mais vazias, com quase
nada de gavetas, com logo-logo nenhum papel, as cabeças começaram a
voar. Até achei que estavam tomando algum energético, daquele da
televisão que diz que a gente ganha asas.
E do vôo começamos a pensar em viver melhor (o nome técnico é
qualidade de vida) e a descobrir as pequenas coisas que importam. Hoje um
membro do barco me contou que precisamos criar uns incentivos, uns tapas
nas costas, um ou outro prêmio singelo que dê forças às pessoas. Acho que
se contar o nome que imaginei você, leitor, capta a mensagem: prêmio
VALEU CARA! Captou?
E quando eu ouvi isso soltei uma frase que Deus há de me ajudar que seja
original de tanto que eu gostei dela, juro que não copiei: se a gente quer
ver o cliente feliz, é simples, não pergunta a ele não, pergunta pra turma do
barco, pra equipe. Se estiverem, então estarão também os clientes. Captou
de novo?
E ai eu tive a certeza de que estamos mesmo fazendo gestão de
conhecimento. Basta pensar: estamos melhorando, tudo mais simples,
estamos conversando mais, sorrindo mais, e tendo mais certezas sobre o
trabalho. E estamos aprendendo. Isso é o maior legal!!!
Em resumo: estamos brincando mais, como quando éramos pequenos,
como queria Nietzsche.
51
Não desejaria fazer de outro modo. As empresas, se querem que suas
equipes aprendam algo, têm que preparar o terreno para o plantio, cativar
almas para que germinem e brotem.
Cada alma que nasce, numa empresa, carrega consigo a seiva do
conhecimento. É nas cabeças que ele adquire sentido, ainda que durma nos
discos rígidos. Gestão de conhecimento pode ser bobagem se não for gestão
de gente.
Estamos conseguindo isso na Arbórea. Estamos apostando em pessoas.
Nossos armários seguem, cada vez mais vazios. Nossas perguntas inundam
os reuniões. Vivemos tentando, para ver no que dá, um bando de moleques
correndo pelos corredores, cada vez com menos móveis e mais plantas de
muitas cores, uma espécie de projeto clorofila.
O que achamos importante estamos registrando. O que registramos,
estamos tentando organizar com nossas mágicas ferramentas de informática.
Vamos construindo nossas salas virtuais na internet, mas antes, antes...
Antes temos salas de verdade, uma casa cheia de gente que tenta destruir
preconceitos e fundar novos conceitos. Gente que todo dia reaprende a
dizer: deve ser possível.
Está muito divertido! Melhor que isso, aprendi que empresa suja, em
teorias de imagem corporativa, é a que tem um nome que não a descreve.
Não somos uma empresa suja. Afinal de contas, posso dizer de boca cheia,
na Arbórea, estamos mesmo plantando conhecimento.
52
53
O PAPEL DOS LIVROS
"Um país se faz com homens e livros". A frase é do Monteiro Lobato, pai
da Emília, todo mundo devia saber.
Fiquei matutando, tal qual fazia o Jeca Tatu, filho do mesmo pai. Matutar
exige sentar nos calcanhares. Eu lembro de um livro do Jeca Tatu que eu
tinha quando criança. No desenho, em bico de pena, ele estava assim,
sentado nos calcanhares. Invejei a vida inteira, mas nunca pude, inda mais
com o reumatismo que me atacou faz uns anos e que vou vencendo, graças
a Deus.
Mas fiquei matutando assim mesmo. Será que educação a distância, gestão
de conhecimento, não vão ser feitos com livros também?
Pois devia! Não consigo entender nada sem livros, nem viagem, nem
passeio curto, nem deitar na cama à noite nem fazer certas necessidades
impudicas, você sabe. Não consigo imaginar aprender a distância sem livros
também.
Eu já disse uma vez que eu cheiro livros.Quando são novos, cheiram de um
jeito. Quando são velhos, seu cheiro quase nos conta do que sabem, cheiro
da experiência. Acho que quem estuda a distância tem que cheirar livros
também, tem que pegar neles, ruminá-los, diz o Rubem Alves, vomitá-los,
dizia Dona Yolanda, velha tutora.
Não se pode aprender sem livros. Não se pode falar de qualquer ciência ou
filosofia sem fazer com que os que aprendem folheiem suas páginas, em
busca de respostas. Uma das mais belas declarações de amor aos livros de
que já tive notícia foi feita por Edgar Morin, em seu livro “A cabeça bem
feita”. Diz assim:
“Livros constituem experiências de verdade, quando nos
desvendam e configuram uma verdade ignorada, escondida, profunda,
informe, que trazemos em nós, o que nos proporciona o duplo
encantamento da descoberta de nossa verdade na descoberta de uma
54
verdade exterior a nós, que se acopla a nossa verdade, incorpora-se a ela e
torna-se a nossa verdade”.
E ele termina comentando:
“... meu viver, para sempre interrogador, nunca deixou de
recorrer ao livro”.
Nos espaços virtuais que criamos na Arbórea, costumamos incluir uma
biblioteca, mas não uma virtual. Isso nós também fazemos, mas é outra
coisa, outra coisa de aprender e conhecer. Nossa biblioteca é de
recomendações. Leia esse, consulte aquele, desse jeito.
Se o cabra quiser pode comprar, até pela rede, mas são livros de pele e
osso, nada virtuais. O ato de ler em papel vale muito. Viaja-se na eletrônica
para vir pousar nas páginas dos livros, entrar neles, e voltar para matutar
deles com os colegas do grupo, do jeito que o Jeca fazia e ainda faz.
O povo do interior, muito do interior mesmo, esse não tem livros de
papel. Seus causos são seus livros, feito os homens-livro do fahrenheit 451
do Ray Bradbury, volume e filme que recomendo. Mas, contado o causo,
eles ficam ali, e trocam suas impressões em roda da fogueira, do fogão ou
em roda do nada, bastam os calcanhares.
Quero acender fogueiras cibernéticas. Quero distribuir livros e chamar,
depois, meu povo virtual para um dedo de prosa, contar do que vi em
minhas excursões em celulose. Eu nunca sou o mesmo depois de ler. Eu
nunca sou o mesmo depois de contar o que li.
É por isso que, de minha parte, estou certo, educar e conhecer, mesmo na
internet, também se faz com homens e livros, como queria o saudoso
Lobato.
Tenho dito!
55
CARTAS PARA APRENDER
Onde é que anda o queijo que estava aqui? O rato comeu? E cadê o rato?
Comeu-o um gato. Velha brincadeira que, com meus filhos, ainda termina
em cócegas e risos de prazer e contentamento.
Perguntaram-me outro dia, no limite, como é que se faz educação a
distância, sem ferramentas. Foram magnânimos: deram-me, de primeiro, o
e-mail. Depois tiraram foi tudo!
_ E se nem e-mail tiver o cristão?
Não me pegaram. Se me derem e-mail faço assim. Finjo que não tenho nada
e que o tal correio eletrônico foi inventado ontem. Quintessência
tecnológica para a educação. Posso mandar um texto, uma foto, um jogo,
recomendar um livro, posso cantar, posso falar, aparecer em vídeo, tudo
num e-mail.
Posso montar grupos, fazer com que Paulo mande e-mail a João que manda
a Maria que envia a Carlos que prossegue a Ana que não manda pra
ninguém porque está de saco cheio e não gosta dessa forma de aprender.
Pode acontecer! Tem gente que não ia gostar dessa forma de aprender.
Obrigado Drummond, pela poesia emprestada. É assim que te rendo graças
e louvor nesses tempos de seu aniversário poético.
Mas posso mesmo, e o que me encanta é o verbo. Verbos são mais potentes
que tudo o mais na língua porque são fortes. Verbos podem. No princípio
era o verbo. Veio daí a força!
Se houver criatividade, faço ensino a distância por e-mail, crio comunidades
por e-mail e essa não é nova: estão ai as listas de discussão. Tudo feito por
gente, com tão pouca ferramenta.
O que é mais incomum é a crença de que se pode aprender e ensinar assim,
por e-mail. Normalmente querem salas, portais de cimento ou de bits,
56
pouco importa, mas portais. Só tem que não é o meio que pode, é o
emissor, o tutor. Se assim é, tiro eu mesmo o e-mail. Fico condenado!
Agora não tenho mais nada. Só tenho cartas, e ainda quero publicar na
internet. Para isso faço assim.
Lembro fotos de umas crianças pobres, fotos de futebol, meninos que
nunca sonharam em ir pra Inglaterra. Mas foram!
Tiraram as fotos, alguém mandou, virou livro publicado lá, depois aqui.
Voltou como livro de fotos. Os meninos viram e, tendo visto, suas mentes
viajaram pra longe, lá pra Inglaterra. Como deve ter sido lá? Como é que
ingleses viram estas fotos? Por quais mãos passaram até tornarem a voltar,
como livro?
Por isso, se eu mandasse cartas como há séculos já se faz nesse país, e se
recebesse disquetes ou se nem isso eu recebesse, recebesse textos que
escrevessem a mão, ainda assim eu publicava na rede. Era eu trocando o
aprender com meu povo sem máquina, era eu publicando, era eu contando
em carta como ficou bonito o desenho de um menino na internet.
Chamem-me louco e me divertirei. O que eu acho é que os estudantes a
distância iam poder sonhar: como deve ter ficado bonito na internet!
Sonhando, ficavam mais fortes, acreditavam mais. Sonhando, pediam ao
prefeito, ao banco, ao padre, ao pastor ou mesmo a Deus por
computadores, só pra ver como ficou bonito na internet o que escreveram
em cartas. E ainda lhes rogaria que não rasgassem as cartas quando
ganhassem máquinas. Cartas são para o túmulo ou para a herança. Não se
joga fora uma carta.
É por isso que me basta o e-mail, me basta até menos que isso. Estou
disposto a brincar: onde anda a aula que estava aqui? Virou conhecimento?
E pra onde foi esse tal de conhecimento? Veio de carta e foi morar na
internet.
57
Acho que, do meu jeito, essa história de educação a distância também
termina em cócegas e risos de prazer e contentamento.
58
59
O PAI, O MENINO E A MALA ou...
Do medo que temos da internet
Era uma vez, eu estava no centro de Belo Horizonte, eu e uns
amigos. A história é longa. Fala de um tal de CDI, gente querendo
democratizar o acesso à informática. A gente estava lá, sábado, em plena
rodoviária, com um monte de computadores pras pessoas visitarem, gente
que nunca tinha visto internet. Era sentar e surfar.
Fica combinado que você entendeu!
Corta para o pai, o menino e a mala, os três parados e imóveis na
porta do grande prédio, olhando a gente como se olha pro céu, tudo tão
longe, tudo tão impossível.
A Eliane tomou coragem e caminhou resoluta em direção a eles.
Acho que seus corações tremeram, o do pai, porque quem lhe desse ter
computador em casa. O do filho, pois que uma enorme vontade lhe tocava
de brincar ali, por uns minutos. É na vida, crescendo, que perdemos a
capacidade de brincar por uns minutos e ficamos querendo que tudo seja
tão permanente, que dure tanto, que não se acabe nunca. É na vida,
envelhecendo, que perdemos o sentido da frugalidade da vida.
E tremeu, é bom que se diga, o coração da mala. Quem será de
mim, pensava ela, que me abandonam aqui, sozinha e sem dono, por conta
desse raio de computador.
_ Vamos lá, gente! Está ai para ser usado. Vamos, só um
pouquinho.
O filho ia, se o pai deixasse. O pai ficava, se ela deixasse, por amor
de Deus, que ia pegar mal demais, não saber usar o tal do computador.
Foi o filho, mas ela, impertinente, fez de voltar à carga:
60
_ Vão também!!! (Pensei em escrever vamos também, mas não
desceu de jeito nenhum).
_ Mas e a mala, quem cuida dela?
Por um momento a pobre mala, desprezada, respirou aliviada.
_ Pois traz a mala também!!!
O pai foi. A mala quase não cabia em si de tanta honra. Ser
convidada assim, para uma experiência cibernética, logo ela, uma simples
malinha de rodoviária, surrada e tão sem brilho nessa vida.
Sentaram-se os três, o pai, o menino e a mala. Seus olhos, cruzados
com os do jovem professor que os atendia, estavam “dégradé”, indo do
cinza-rodoviária ao brilho de sei lá aonde, tanto lugar que foram na
internet.
E foram, e foram, e foram, e até no glorioso Cruzeiro mineiro
(Deus sabe quanto me custa glorificar o cruzeiro, porque sou galo demais
no futebol, mas achei que ficou bonito colocar a frase na crônica e que ao
menos para isso servia esse raio desse time, que me perdoem os
cruzeirenses) e viram seus jogadores preferidos e viram seus sonhos e
rodaram por ali indo dar onde a estrada molhada da internet os levasse,
surfando.
Meninos, eu vi! Eu estava lá, disfarçado de cinzeiro de saguão de
espera, vendo tudo acontecer. E não tiveram medo. E ficaram ali, por um
fugaz instante, porque logo, logo o ônibus saia e se iam os três, descendo as
escadas, o pai, o menino e a mais orgulhosa de todos, a mala, que agora não
era mais uma mala simplezinha do interior, era uma mala informatizada.
Isso impõe respeito, pensou!
Termina a história e eu estou falando é de “webquests”, exercícios
orientados na internet para trabalhos colaborativos em apoio à sala de aula.
Quem quiser uma palinha do assunto, vá logo a fonte e beba água limpa,
61
um artigo do Bernie Dodge, criador do termo, intitulado “alguns
pensamentos sobre webquests”, de 1995, encontrado nos bons sites do
ramo.
Mas lá, ele defende a idéia de que, para se aprender na internet, é
preciso um micromundo mais limitado, alguns endereços eletrônicos
restritos que não deixem o aluno ficar perdido por ai, por conta do à toa,
vagando no universo virtual.
Eu concordo, com ressalvas. Deve começar assim, pequeno,
acanhado, com muros erguidos para que se não passe dali, do saguão da
rodoviária.
Mas um dia, acho que um dia o aluno vai perguntar o que tem do
outro lado do muro, como naquele filme, muito além do jardim, do Peter
Selers. E vai pular e ver que pode explorar, com responsabilidade, esse
mundão eletrônico de meu Deus.
É por isso que respeito muito os “webquests”, mas acho que as
expedições na internet são fantásticas demais, saindo sem lenço e sem
documento, descobrindo juntos, alunos e professores, sem destino, as
coisas que Deus criou e nós homens publicamos.
Agora tenho de parar. O alto-falante chamou e o ônibus vai partir.
Pai e filho estão a postos em suas poltronas. Eu confesso, estou aliviado e
bem acomodado com eles, pobre mala reanimada, no compartimento de
bagagens.
62
63
O MUNDO ASSOMBRADO PELA QUALIDADE
Carl Sagan nos conta, na introdução de seu "mundo assombrado
pelos demônios", de um fascínio pela ciência entendida como "parte
integrante da magnífica tapeçaria do conhecimento humano". Por isso, em
Chicago, de onde partiu estudando, cientistas-professores discutiam Platão,
Aristóteles, Bach, Shakespeare, até Freud, para entender a ciência.
Faz muito tempo que li isso. Nesse tempo morreu Carl Sagan.
Lembro-me de seu rosto na televisão, talvez o primeiro cientista que
conheci como tal. Falava de estrelas com convicção. Respeitava as estrelas.
Algumas vezes, com a humildade típica dos poetas, reconhecia em público
sua pequenez diante das estrelas.
Quando eu releio Sagan, é justo uma questão de ordem e não a
ciência, que me desperta os olhos. Não me intriga a ordem entendida como
organização das coisas, mas a ordem como seqüência. Em que ordem? É
como me pergunto sobre as coisas, sendo também esse, o caso da
qualidade.
Preciso falar dela, da qualidade, por encomenda, quando se
relaciona com a Gestão de Conhecimento. Tento estratégias apropriadas,
penso por dias e dias no que dizer e fica uma pergunta só, uma que não se
calará, já me rendi. Em que ordem?
Por sina absoluta eu, que sou réu confesso por fugir de ter que
definir a gestão do conhecimento, fui por dias a fio posto a prova, tendo
que encontrar meu caminho nesse caminho maior.
Terei coragem, por Deus, terei coragem. Aqui vai a minha
resposta:
_ Eu não sei!!!
Parecerá tolo reconhecê-lo, mas me esforçarei por provar que esta
é a única resposta possível e foi nisso que Sagan me inspirou. Lá, no mesmo
64
livro, o cientista, ainda aluno estreante em Chicago, confessa ter sido
conscientemente ludibriado quando ensinaram, à guisa de exercício do
conhecimento, que o sol girava em torno da terra, como queria Ptolomeu.
Uma espécie de como-é-que-foi-que-não-souberam-para-depois-sabercomo-era-de-verdade.
Tenho manias de Aurélio. O que é, velho mestre, esse tal
conhecimento?
_ Conhecimento, responde ele, pode ser "a apropriação do objeto
pelo pensamento, como quer que se conceba essa apropriação: como
definição, como percepção clara, apreensão completa, análise..."
Informar-se é reduzir a incerteza, ensina outro mestre, Shannon.
Como vemos, as duas coisas não são a mesma coisa!
Conhecer é apropriar-se do sentido. Isso é algo que todo mundo
entende se dissermos re-conhecer, entender, compreender. Informação
tem a ver com decisão, não com compreensão.
Conhecimento exige atitude. Informação exige pressa, seu valor
morre com o tempo.
Como vemos, são exigências diferentes.
O conhecimento é o "eu não sei!". A informação é o "eu preciso
decidir!".
Conhecimento é teia. Por isso estudavam Bach para ver estrelas,
podendo assim captar todos os sentidos das estrelas. Conhecer, em
medicina, tem a ver com a plenitude do homem. Leia-se, quem desejar ler
mais, A doença como caminho, de Dethlefsen & Dahlke. Informar-se, na
mesma medicina, tem a ver com a doença, precisando o médico decidir
uma ação rápida, o que nem sempre conduz ao melhor bem estar do
paciente.
65
Conhecer da qualidade tem a ver com a plenitude das organizações,
enquanto formadas por pessoas potenciais. Informar-se da qualidade, tem a
ver com estatísticas, com ocorrências, com não conformidades, com
correções urgentes.
E o que vem primeiro?
Fujo para Thoreau em seu Walden, a vida nos Bosques, página
vinte e cinco, se lemos a mesma edição de excelente tradução de Astrid
Cabral: "seria vantajoso, mesmo em plena civilização materialista, viver
uma vida primitiva no meio do mato, nem que fosse para aprender quais
são as nossas necessidades básicas".
O conhecimento é a aceitação do não-saber. Sendo isso, vem
primeiro! Vou traduzir Thoreau: seria vantajoso, mesmo em plena
civilização materialista, que nossas empresas retornassem a relacionamentos
simplificados, nem que fosse para aprender quais são as suas necessidades
básicas.
E aumento, decorrendo de Thoreau: então, tendo conhecido a si
própria e aos seus membros, seria possível à organização informar-se,
reduzir as incertezas, decidir, fazer qualidade, sobre o essencial.
Resolvemos o problema da ordem: conhecer, depois informar-se.
Informar-se, depois produzir a qualidade.
O conhecimento, às vésperas da sabedoria, nos convida ao simples.
Ele não é habitante da complexidade. Por isso, gerir conhecimento, gerir o
não-saber, significa "quaerere", por quê?
O conhecimento rompe com o absoluto das coisas. Por quê?
Passamos a questionar tudo e das respostas emerge a simplicidade, em suas
tantas dimensões. Quer ver?
66
Primeiro eu pergunto por quê? Quando pergunto, tenho um
problema. Imagine sistemas que me instiguem a perguntar o porquê, que
não sejam somente repositórios. Por quê escrevo este documento? Haveria
jeito mais simples?
Onde posso descobrir? Eis o que quero agora! Lugares para se
reunir e colaborar, espaços para onde vou fazer a pergunta seguinte: quem
sabe?
Isso mesmo, quem sabe? Penso que possa haver meio mais simples,
mas não consigo o "insight" necessário para encontrá-lo. Não posso dizer
heureca! Então alguém deve saber e mais, qualquer um pode saber. Minha
flecha-pergunta é disparada para o vazio da organização, da internet se eu
quiser. Quem sabe?
Então ocorre o encontro e do encontro emerge o como, como
sabe? Com que coisas? Sabe com que saberes? Com que coisas?
Pessoas, lugares e coisas. Juntando tudo, minha afirmação de nãosaber adquire sentido. A inteligência coletiva, que Michel Serres defendeu
na maravilhosa introdução de As Árvores de Conhecimento, de Lévy e
Authier, emerge então:
"A esperança brilha, de uma sociedade pedagógica".
Precisamos de ferramentas para tal. Precisamos de uma inteligência
cibernética que, melhor que a geração da inteligência artificial e inanimada
dos computadores, de Hall em 2001, nos permita o encontro, a descoberta
coletiva, o conhecimento coletivo, mundo em que todos sabem e ninguém
sabe.
Pensar a qualidade nesse contexto faz então sentido. Empresas
leves, despojadas, reencontradas em sua função mais visceral, sem
penduricalhos, assim como desejava Thoureau. É isso que a gestão do
conhecimento acrescentará a qualidade, a noção do coletivo e a noção do
essencial, que precisa brotar desse coletivo.
67
Daí por diante nada mais tenho a ensinar, pois que, de fato, não sei.
Digo isso enquanto escuto uma música maravilhosa de Renato Teixeira,
irmãos da Lua. Ele diz que o caminho já não é novo e por ele passamos nós,
o povo. E nos lembra:
"O homem possui a fala e a fala edifica o canto
No canto repousa a alma, da alma depende a calma
E a calma é irmã do simples e o simples resolve tudo
Mas tudo na vida, às vezes consiste
Em não se ter nada".
Nunca pensei que Renato Teixeira entendesse tanto de qualidade!
68
A FLORAÇÃO DAS KALANCHOES
Kalanchoe blossfeldiana
Li na internet que a Kalanchoe, Kalanchoe blossfeldiana, é a flor da fortuna.
Pertence à família das crassuláceas e veio dar no Brasil feita escrava, lá das
bandas da África, com mais precisão, das montanhas da ilha de Madagascar.
Olha que chique?
Ela se vira bem com tempo quente e não briga se a água é pouca. Nos
agradece o olhar com tons de vermelho, alaranjado, amarelo, rosa, lilás e
branco. Chega a incríveis trinta centímetros de altura.
E o que tem Kalanchoes a ver com educação e conhecimento? Simples.
Escolhemos a Kalanchoe como nossa planta símbolo aqui no trabalho.
Estão, como praga, por todo lado. É virar-se e ver uma Kalanchoe, de
quem muitos nem sabem o nome.
Quando compramos, a promessa era pequena. Talvez durassem dias. Que
durassem semanas, já seria pedir muito. As flores cairiam. Muito certo que
murchassem, antes de jazer mortas nos pequenos vasos.
Mas compramos as Kalanchoes, isso compramos, dúzia e tanto delas, e há
de virem outras por aí.
Não morreram! A Rose, sabe-se lá como, posto que só hoje estou
remetendo a ela instruções de poda e rega, a Rose deu conta delas. Foi lhes
podando as flores mortas, molhou daqui, dali, vai daí, brotaram de novo,
moto-contínuo em folhas. Devolveram-nos suas cores.
No canto de suas bocas coloridas pareciam rir como a nos dizer: pensaram
que estavam livres de nós?
Ricas Kalanchoes. Já lhes falei o nome tantas vezes nessa crônica e confesso
um prazer de encher a boca pra dizer: Kalanchoe, com “K” maiúsculo!
69
São flores da fortuna, sem dúvida, mas sua maior benção, aquela que fez
nascer sentido nas cores com que nos brindam, foi quem lhes cuidou sem
saber se cuidava. A Rose!
Ela aprendeu. Acho que experimentou, foi molhando e molhando, pouco e
muito, e quando as flores voltaram deve ter sorrido:
_Pronto, consegui!
Foi o que mais importou. Tanto que ouvi, na sexta passada, ela dizer,
orgulhosa, do que tinha feito no computador, sei lá o que seja, sabendo que
aprendeu sozinha, foi o que declarou, também enchendo a boca:
_ Olha o que eu aprendi sozinha!!!
Uma declaração de amor ao aprendizado, ao crescimento, que deu prazer
ouvir. Acho que tudo que se aprende traz vida. É como tentar e conseguir
cuidar das Kalanchoes.
Parabéns, Rosinei, parabéns, não sei se aqui ou onde trabalhe, sempre
aprendendo. Eis o prazer que tive em te ouvir dizer:
_olha o que aprendi!
Isso me faz ter certeza, não se iludam, nossa empresa é mesmo uma escola!
Já é hora da gente aceitar que é melhor aprender enquanto se trabalha,
principalmente, como no caso dela, em que o importante, para a obtenção
dos resultados corporativos é, sem dúvida, a sobrevivência das Kalanchoes.
70
COISAS DE APRENDER E COISAS DE SABER
Há coisas de aprender e coisas de saber. Modernamente, chamam-nas
objetos.É “chiquerésimo”! Gosto de falar assim. Fica parecendo que sei mais
sobre elas. Objetos de aprendizado e conhecimento.
Até aqui ainda não me perguntaram que coisas são essas, salvo as que todo
mundo sabe, o bate-papo, os fóruns, esse tipo de coisas.
Pois aprendi, dia desses, que a resposta errada é o caminho da certa. Maria
Teresa Esteban chama a coisa de "ainda não saber". Dito isto, estou pronto
pra resposta, caso me perguntem:
_ Roberto, o que são objetos de aprendizado e conhecimento?
E respondo, resoluto:
_ Ainda não sei!
As coisas de aprender e de saber que vamos colocando em nossas salas de
conhecimento não se conhece "a priori". Elas vão brotando, feito a árvore
da Arbórea. Vale qualquer coisa que o grupo fizer valer, antes de tudo, um
espaço de criação. É por isso que ainda não sei.
Finjo que estudo geografia. Um tal pode querer as fotos de sua última
viagem nas Furnas de Minas (estou aqui agora) e perguntar que plantas
diferentes há por lá. Uma exposição de fotos das férias de julho. Sinto falta
das redações, nas férias julho, quando eu era criança: MINHAS FÉRIAS.
Pena que nada fazíamos com elas.
Pois é assim. Outro pode achar que música regional exprime geografia.
Tem uma do norte do Brasil, que coisa linda! Quase me ensina a ver o rio
Amazonas, quando fala das barrancas.
71
Um terceiro faz um concurso de e-mails. Recebi algo assim outro dia. Cada
um manda pro nada, num lugar do país, perguntando como é, pede fotos,
música, pede notícias de como anda o clima.
E toca a receber mensagens de quem não se conhece, mensagem de gente,
feitas coisas de aprender e conhecer, as mensagens e as pessoas.
Gosto mesmo destes termos. O Pimenta, uma cabeça privilegiada que
conheci faz umas semanas, fala que as salas de aprender que criamos são um
desafio pra cabeça, notícias do vazio que queremos preencher,
complicações da natureza humana.
É isso, caro Pimenta, elas são criadas assim, vazias. Pra não "desacudir" a
platéia e seu sentimento de nada, de vazio, colocamos lá umas poucas coisas
de aprender e conhecer. Aí começamos a cutucar, lembra dos duendes
tutores? Pois então, é o que fazem: cutucar! Ficam beliscando a choldra a
colocar pra rodar as cacholas.
Cachola! Agora me lembrei do Pedro Malazartes, até hoje tenho o disco em
vinil. Era profissional do engodo. Enrolava reis, rainhas, amantes e sérios
senhores de um império de faz de conta, com suas mentiras e desatinos. Sua
cachola funcionava. Sempre que se metia em azares, encontrava coisas de
conhecer e punha em cena.E matava em raivas os ouvintes.
_Quantas estrelas há no céu, Malazartes? Isso lhe valeria a forca, se
respondesse errado. O rei, astuto, já se via livre do Malazartes. Ele
surpreendia:
_823456788.
_Como sabes?
_Perdão, majestade. Não é, não? Então recomendo que conte!
Ah! Malazartes, não vou planejar mais respostas idiotas às perguntas que me
fizerem. Sei lá se o encontro e você também me enrola...
72
Mas também não me preocupo mais se me perguntam o que são os tais
objetos de aprender e conhecer. Se for hoje, respondo:
_ Por exemplo, o jogo da amarelinha.
_ Como assim? (surpresa).
_ Pois não é? Então tenta!
Divertido e instrutivo jogar amarelinha pra aprender geografia!
73
INÚTEIS SALAS DE CONHECIMENTO
Acabo de ler, com sentimentos de contradição e alegria, o segundo capítulo
do Elogio ao Ócio, de Bertrand Russell. Intitula-se "O conhecimento
inútil".
A contradição é falsa. Fiquei mesmo foi deliciado com a forma como
Russell emprestou sentido e utilidade ao conhecimento inútil. Para mim é
brilhante como nos propõe e justifica o ócio do saber, as coisas que,
compreendidas, dão à vida um sentido de leveza e gratuidade.
A alegria foi por juntá-lo a Maurice Maeterlinck, pensador Belga que acuso,
ainda hoje, de ter escrito o melhor livro que já li, A sabedoria e o Destino,
volume que me acompanha desde então, e já faz muito, pela vida.
Foi dai que derivei um sentido novo para as salas de conhecimento e uma
explicação menos sutil, mais direta e corajosa, para os que zelam pela
instalação de somente saberes úteis nas salas de conhecimento que
preconizamos.Querem um nada de qualquer lazer, nada de qualquer
conhecimento não utilizável de imediato.
Acusaram-me disso, veladamente, recentemente, de ter dado incluírem
frivolidades em ambientes onde somente a ciência deveria existir, soberana.
Soube responder apenas com minha comiseração pelos que não
compreendem o sentido do ócio eletrônico, mas mandaram-me falar baixo,
para que as estruturas estabelecidas não fossem atingidas em sua honra.
Agora não. Lendo Russell, um grande frescor invade os motivos que
pudesse apresentar, se falasse apenas com base na razão. Não quero mesmo
ser razoável por mais tempo.
O mundo do conhecimento, esse que dizemos que precisa ser gerido, corre
o sério risco de se prestar somente às estruturas estabelecidas,
tranformando-se em um novo capítulo da educação posta a serviço da
manutenção da ordem, ainda que esta ordem não nos interesse como
comunidade e estrutura social.
74
Incluamos então o saber inútil. Transformemos em objeto de conhecimento
tudo aquilo que possa não fazer sentido imediato ou sentido algum, m as
que possa ser coadjuvante no compreender o mundo.
Russell não disse até aqui, no ponto em que leio, mas eu concluo. O objeto
desse conhecimento é principalmente a arte em todas as suas formas,
literatura, pintura, música, e suas variantes, filosofia, sociologia, história,
tudo que nos permita agir com mais sensibilidade no que fazemos.
Devia ter sido, quando escrito, o fim de tanto desgoverno. Assim fez
parecer Russell, mas foi considerada quimera, ele próprio, todo o "Elogio
ao Ócio", exatamente o saber inútil que ele tentava explicar, saber indigno
de ser tratado por realizável pelos homens.
Trago-o a dar frescor a estas tão novas ciências da internet, a educação a
distância e a gestão do conhecimento. Nossas salas precisam ser povoadas
com estas inutilidades que fazem pensar, com um ócio corajoso que permita
misturar, sem desejar decantá-los, o trabalho útil e a mera contemplação, o
segundo sendo uma colônia para permitir que o primeiro faça um sentido
humano. O segundo, e aí uno, indelevelmente, Russel e Maeterlinck,
fazendo do sofrimento insuperável algo de relativo e compreensível,
porque posto à luz da sabedoria.
E o que isso pode ter a ver com o que estamos criando? Não tem a ver, é a
essência do que estamos criando! Não podemos separar, em nossos objetos
de aprender e conhecer, aqueles somente operativos, somente objetivos e
nada reflexivos. Temos antes, uma vez mais na história da ciência, a chance
de, usando os recursos da ciência, fazê-la guinar para a sabedoria, e
encontrá-la num curso de tanta velocidade que não se possam mais separar,
que a primeira não mais viva sem a segunda.
Estou convencido disso, por tudo em que sempre acreditei e por tudo que
aprendi, lendo o que, aparentemente, fosse conhecimento inútil. Lamento
pela academia, por qualquer tipo de academia, empresarial, educacional,
75
religiosa e governamental.Podem não suportar quando a aparente utopia
crescer e fizer os homens vicejarem de compreensão. Realmente lamento!
Por todos os lados ouço, como lembrei há dias, vozes que ecoam onde
antes só havia silêncio e resignação.Estão falando línguas incompreensíveis,
mas seu murmúrio parece crescer sempre mais.
Ao ventilar minha cabeça com Russell, começo a entender um pouco do
que falam. Falam de sonhos que habitam as esperanças de empregados,
alunos, paroquianos e funcionários públicos. Falam de sonhos em que o
trabalho faça sentido, porque sustente o ócio em que se possa criar. Estão se
movimentando e crescem em nossa direção.
De minha parte, deponho as armas. Já não quero lutar contra eles. Quero
mais que me juntar a eles. Começo a gritar, em salas cibernéticas de saberes
na internet, a sua mesma voz no caminho da felicidade em todos os lugares
em que possamos viver.
76
77
SOBRE EVASÃO ESCOLAR VIRTUAL
E JOGOS DE FUTEBOL
O caso é de futebol. O Jonar Nader me advertiu severamente para
não comparar esporte e empresa. Deve não poder esporte e educação
também. Mas, ô sina danada de bola rolando!
Meu filho no gramado. A escola dele, a de futebol, compreende,
não tem lá muitos astros, nem ele. Joga-se bem, joga-se mal, e vai-se
levando a vida, lutando muito pra perder de pouco. Vencendo e perdendo
às vezes. Vão se superando...
Pois o caso é o seguinte: quem é bom, quem não é bom. Quem é
bom em tudo? Não tem esse, não é mesmo? É o que venho falando com ele
esses dias todos, todo domingo-de-manhã-de-sol que a gente acha de ir pro
clube ter um caso de futebol.
A bola rola. Há uma certa tensão no ar. Os exercícios são
meticulosamente repetidos em escala de duplas. Depois vem o joguinho,
ser escolhido, não ser escolhido, ganhar e perder.
O jogo é de encontrar-se. O jogo é de desistir. O jogo é de ver
quem pisca primeiro. O jogo é de rigor e suores de sangue.
Falo de desistência. Falo de entrar em campo e nossos olhos, para
jogos de copa ou para jogos de filhos e filhas, nossos olhos assistem em
câmera lenta, como preconizava o saudoso canal cem.
Rola a bola. Acertos e desacertos. Esforço e recompensa.
Encontrar-se.
Descobri isso, que futebol é encontro, que educação é encontro.
Encontro de pé e bola, de jogador e jogador, encontro com o gol e com a
defesa, com o ganhar e o perder, encontro com o Ser capaz.
78
Meu pequeno anda se encontrando em ser zagueiro. Achou-se
melhor, aplicado como em final de copa. Eis seu encontro! Minha filha se
encontra em grupo, adora grupo, adora trabalho. Seu jeito de aprender.
Não se pode ganhar sempre, isto é lição do futebol.
Não se agüenta perder sempre. Isto também é lição do futebol.
Quando a torcida vai embora no meio do jogo, é preciso perguntar
sobre o time, sobre o ganhar e o perder, sobre o sentir-se, por média na
vida, capaz.
Ser capaz é mais importante que vencer sempre. Daí decorre que o
importante é não perder sempre.
Vai zagueirão, vai se encontrar em campo, vai ganhar e vai perder
mas vai ser capaz da superação.
Da próxima vez que os alunos partirem das nossas salas, presenciais
e virtuais, não vou mais acreditar tão fácil em estatísticas. Elas dizem que é
assim mesmo, paciência...
Prefiro, primeiro, perguntar se não os estamos submetendo, um
dia e outro também, a uma derrota sem fim. É como investigar, de coração
aberto, se lhes demos a chance de serem zagueiros em lugar de atacantes, e
também brilharem em campo.
79
CONSTRUERE
Construindo, de verdade, um projeto de conhecimento na empresa
TRIPALIUM
O Afonso Romano de Sant`Anna acaba de me ensinar que trabalho
vem de tripalium, instrumento de tortura composto de três paus, uma
espécie de cruz. Que bom ter, como ele, a mesma paixão por dicionários.
Veio a calhar.
Estou começando um projeto de conhecimento e, como
conhecimento é feito de gente e como gente trabalha e como é lá que
vamos fazer o projeto, ufa, então é ai que começo.
E olha que o Afonso estava falando de amor. Quem quiser saber de
onde vem amor, ele sabe. Crônica da mais absoluta qualidade no Estado de
Minas do dia quartorze de setembro. Está lá. Então vá lá ver.
Meu assunto é trabalho. Se quisermos fazer um projeto de
conhecimento, temos que começar por ele. Antes disso, temos que desfazer
o tripalium. Acabar com a tortura.
Nunca começar nada sem alegria é remédio que já receitei, vindo
lá da Itália, do Niente senza gioia da escola de Reggio Emilia. Com tortura
muito menos. Vamos ao evangelho.
80

Documentos relacionados