torcedor do contra

Transcrição

torcedor do contra
MAIS UM DRIBLE
C A P I TA L A B E R T O • A N O 1 2 • N Ú M E R O 1 3 4 • O U T U B R O 2 0 1 4
OS INDÍCIOS DE QUE
EX-DONO DA TAURUS
ESCAPOU DE OPA VIA
AUMENTO DE CAPITAL
TORCEDOR
DO CONTRA
AVANÇO DE INVESTIDORES
QUE APOSTAM NA BAIXA
DAS AÇÕES IMPÕE NOVOS
DESAFIOS A PROFISSIONAIS
DE RI E REGULADORES
ASSETS NA MIRA
NO BRASIL E NO
EXTERIOR, GESTÃO DE
RECURSOS PASSA A
SER MAIS REGULADA
Editorial
Sábios
investidores
ANO 12 - NÚMERO 134 — OUTUBRO DE 2014
A Capital Aberto é uma publicação
mensal da Editora Capital Aberto Ltda.
Endereço Rua Wisard, 305 – sala 54 – Vila
Madalena – São Paulo, SP – CEP 05434-080
Contatos: (11) 3775-1600 – fax (11) 3775-1604
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Uma virtude inquestionável dos mercados de capitais é sua capacidade de criar.
Imaginação e inteligência são frequentemente usados para desbravar rotas que terminam em cifrões reluzentes. O que fazer quando as bolsas não sobem? Encontrar um
jeito de ganhar com a queda, é claro. Assim surgiram truques encantadores como os
derivativos e as operações de aluguel de ações, que possibilitam fazer muito dinheiro
com as inevitáveis possibilidades de insucesso. Uma simples e astuta constatação da
vida como ela é: se nem sempre as coisas vão bem, por que não achar uma forma de
ganhar na baixa?
Pois assim funcionam os chamados investidores de posição vendida, tema da reportagem de capa desta edição, produzida por Luciana Del Caro. Eles estão crescendo a
galope no Brasil e têm exigido uma resposta rápida e atenta dos reguladores e profissionais de relações com investidores (RIs). Situações estranhas podem ocorrer na rotina
desses investimentos; por exemplo, o uso do voto com a ação alugada, desprovido de
interesse em ajudar a companhia ou, por que não, propositalmente intencionado em
prejudicá-la. Não seria o caso de os RIs tentarem conhecer melhor esse investidor
— em vez de odiá-lo por não enxergar o futuro radiante que eles prometem em suas
apresentações? Mas como fazer isso se há tão pouca transparência sobre esse sócio?
Interessante que, nos Estados Unidos, os “short sellers” vêm trabalhando para mostrar sua face do bem. Ao tentar achar as companhias cujas ações têm grandes chances
de desabar, eles atuam como detetives do que está errado. Assim, enquanto uns correm
para enxergar o que vai dar muito certo antes de todo mundo, outros escarafuncham
a derrocada desde os seus primeiros sinais — e, assim, descobrem grandes trapalhadas
ou até mesmo desavergonhadas falcatruas, como conta Bruna Maia Carrion.
E, por falar em coisas erradas, nesta edição a repórter Yuki Yokoi volta a relatar os
criativos métodos do comandante da Forjas Taurus para livrar-se dos inconvenientes
causados pela presença de minoritários na companhia. A última invenção do empresário teria sido uma venda de controle camuflada por um aumento de capital ensaiado
com o comprador. A tática funcionou muito bem. E ainda adicionou um item novo à
cartela de métodos criativos para escapar das famigeradas ofertas públicas de aquisição
obrigatória — as OPAs.
Nenhuma surpresa numa conjuntura em que as soluções mirabolantes para subtrair
direitos começam a ser gestadas já no âmbito do governo federal. A história recente da
Eletrobras, também abordada nesta edição, sintetiza o descaso do setor público com
as leis e as boas práticas. Sábios os investidores que aprenderam a apostar na baixa.
Editora executiva
Simone Azevedo
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Editora
Luciana Tanoue
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Editor de texto e produção
Bruno Rodrigues
[email protected]
Repórteres
Bruna Maia
[email protected]
Yuki Yokoi
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Colaboradores
Jiane Carvalho
João Carlos de Oliveira
Luciana Del Caro
Roberto Rockmann
Colunistas
Alexandre Di Miceli da Silveira
Marta Barcellos
Ney Carvalho
Peter Jancso
Articulistas desta edição
Christian Sant’Anna
Felipe Kim
Luiz Antunes Müssnich
Projeto e direção de arte
Beto Nejme e Marco Mancini
Grau 180
Diagramação
Grau 180
Rodrigo Auada
Ilustrações
Beto Nejme
Eric Peleias
Marco Mancini
Rodrigo Auada
Impressão
Duograf Gráfica e Editora
Circulação
DPA Consultores Editoriais Ltda.
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Fone: (11) 3935-5524
Distribuição nacional
Fernando Chinaglia Comercial
e Distribuidora
Tiragem desta edição
5.000 exemplares
Data de fechamento
28/9/2014
Marketing e Circulação
Roberta Palma
Eventos
Anna Ortiz
Publicidade
Debora Manzano (11) 3775-1619
International sales
Sales Multimedia, Inc. (USA)
+1-407-903-5000 – [email protected]
Assinaturas
(11) 3775-1603
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Simone Azevedo
Nota aos leitores
As opiniões expressas nos artigos e boletins customizados são as de seus autores e não necessariamente as da capital aberto.
É proibida a reprodução ou transmissão de textos e imagens desta publicação sem autorização prévia.
Para receber um exemplar como cortesia, acesse a seção Exemplar Cortesia, em www.capitalaberto.com.br.
04 C APITAL A BERTO Outubro 2014
Circulação
auditada:
Sumário
Outubro 2014
16
Forjas Taurus
22
CAPA
28
Investidores apontam uso de aumento de capital
para disfarçar alienação de controle
Aposta na baixa
Avanço no aluguel de ações impõe
novos desafios a RIs e reguladores
Faro para encrenca
Nos EUA, ativistas de posição vendida
desmascaram companhias fraudulentas
32
Para poucos e robustos
38
Antes tarde...
42
Sob as ordens do Planalto
46
Crédito de menos
Aqui e lá fora, atividade de gestão de
recursos deve se tornar mais vigiada e cara
Dez anos depois, parcerias público-privadas
começam a usar o mercado de capitais
No governo Dilma, Eletrobras perde
metade de seu valor. E a situação pode piorar
Bancos médios fazem apostas distintas para
reagir à queda dos financiamentos
SEÇÕES
4
Editorial
6
Mural do Leitor
8
capital aberto n@ Web
9
N@ Web
10
Relevo
12
Seletas
Laurence Gomes
36
Antítese
50
Alta&Baixa
52
Notas Internacionais
54
Artigo
55
Governança
56
Histórias
58
Retrato
61
Prateleira
62
Gestoras devem ter capital mínimo?
Azul: Cemig
Vermelho: Paranapanema
Conselheiros: não se arrisquem!
Conselhos mundo afora
O colapso de 1929
Matias Spektor
Business adventures
Saideira
Outubro 2014 C APITAL A BERTO 05
Mural do Leitor
Bolsa de valores
AGRONEGÓCIO
Ed itorial
ANO 12 - NÚMERO 133 - SETEMBRO 2014
No ano passado, Delfim Netto cravou 2014 como o ano da tempestade
perfeita para a economia brasileira. Os raios e trovoadas seriam desencadeados pela combinação das fragilidades já existentes com duas más notícias
previstas: o rebaixamento do rating do País (que aconteceu em março, pela
S&P) e a alta da taxa de juro americana, decorrente da desaceleração do
programa de estímulos monetários (esta, ainda bem, foi adiada). A catástrofe não aconteceu exatamente como imaginada, mas a economia vai mal
mesmo assim: o cenário de estagflação se instalou.
Se não é perfeita para colapsar toda a conjuntura, a tempestade que cai é
suficiente para, no mínimo, fazer murchar o mercado de capitais. Os ventos
fortes o atingem de várias maneiras. O descontrole dos gastos públicos gera
mais dependência do juro alto, que, por sua vez, ofusca os investimentos
de maior risco e desencoraja a diversificação. Do lado da oferta, o risco
do intervencionismo, o baixo crescimento e a falta de confiança minam o
apetite do empresário para levantar recursos.
Quais as perspectivas, então, para o mercado de capitais retomar seu
dinamismo? O incentivo fiscal para a listagem de pequenas e médias companhias em bolsa terá algum efeito prático? Como ativar uma agenda positiva,
em que empresas abram o capital e investidores busquem diversificar suas
aplicações de forma responsável?
Para refletir sobre essas e outras questões, convidamos seis economistas
e gestores de recursos a visualizar outros caminhos para o Brasil. As entrevistas adornam esta edição de aniversário com pensamentos interessantes
e deixam clara a angústia por mudança: se mantido o formato atual de
condução da atividade econômica, afirmam, são grandes as chances de uma
nuvem negra se instalar sobre o mercado de capitais.
Novo tempo — Neste setembro, ao completar seu 11o aniversário, a
capital aberto estreia duas novidades em sua produção editorial.
A primeira é a realização de reportagens com o apoio dos Grupos de Discussão (fóruns em que reuniremos agentes do mercado para debater assuntos
relevantes e apontar tendências). Além disso, faremos publicações diárias
de conteúdo em nosso site, antecipando os temas que serão abordados na
edição impressa. Confira!
Editora executiva
Simone Azevedo
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Editora
Luciana Tanoue
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Editor de texto e produção
Bruno Rodrigues
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Repórteres
Bruna Maia Carrion
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Yuki Yokoi
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Colaboradores
João Carlos de Oliveira
Luciana Del Caro
Mariana Segala
Marianna Aragão
Colunistas
Alexandre Di Miceli da Silveira
Marta Barcellos
Ney Carvalho
Peter Jancso
Articulistas desta edição
Ana Paula Martinez
Olavo Chinaglia
Roberto Teixeira da Costa
Projeto e direção de arte
Beto Nejme e Marco Mancini
Grau 180
Diagramação
Grau 180
Rodrigo Auada
Ilustrações
Beto Nejme
Eric Peleias
Marco Mancini
Impressão
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Data de fechamento
26/8/2014
C A P I TA L A B E R T O • A N O 1 2 • N Ú M E R O 1 3 3 • S E T E M B R O 2 0 1 4
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26 C APITAL A BERTO Agosto 2014
ISENTOS DE CULPA
DECISÃO DO TCU SOBRE
PETROBRAS ENSEJA
DISCUSSÃO SOBRE
ATIVIDADE DO CONSELHO
SAÍDAS
POSSÍVEIS
ECONOMISTAS
E GESTORES DE
RECURSOS ANALISAM
OS EFEITOS DA POLÍTICA
ECONÔMICA SOBRE O
MERCADO DE CAPITAIS
E SUGEREM CAMINHOS
PARA A RETOMADA
Marketing e circulação
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Simone Azevedo
Circulação
auditada:
ANO 12 • NÚMERO 133 • SETEMBRO 2014 • R$ 34,00
Outros
caminhos
OFERTAS DE CRA
EVOLUEM, MAS RATING
E GARANTIAS AINDA
SÃO ENTRAVES
04 C APITAL A BERTO Setembro 2014
Patrícia Freitas,
conselheira da ABVCap
Marcio Verneque Soares, bancário
ESTAGFLAÇÃO
O trabalho de vocês em muito tem me
ajudado profissional e pessoalmente,
sobretudo pela independência que demonstram nos trabalhos, bem como por
renovar alguns conceitos da economia
acadêmica formal. No editorial da edição
de aniversário (setembro), no entanto, gostaria de divergir da afirmação: “O cenário
de estagflação se instalou”. Tecnicamente
não temos esse fenômeno, pois lhe falta o
verdadeiro componente do caos, o desemprego. No meu entendimento, precisamos
interpretar o novo com a mente aberta e
nos desprender de velhos conceitos que não
explicam a atual dinâmica da economia e
confundem os incautos.
ESTÍMULO PARA PMES
Parabéns à BMF&Bovespa e à CVM pelo
trabalho intenso em ampliar o acesso da
população à economia real. A matéria de
Bruna Maia Carrion em agosto (“Sem milagre”, ed. 132) é perfeita ao mostrar que não
existe milagre, mas um excelente começo.
Apesar da performance em bolsa pouca
atrativa das sete empresas apresentadas,
não se trata de uma prerrogativa delas.
O fato é que dependemos, sim, de um
milagre para que nossa economia volte a
crescer em bases sustentáveis. Quando isso
acontecer, a mesa já estará posta. Boa sorte
para todos nós e especialmente a todos os
nossos pequenos grandes empresários.
NESTA DATA QUERIDA
A capital aberto recebeu felicitações
por seu aniversário de 11 anos nas redes
sociais. No LinkedIn, Denys Roman, da
MZ, e Roberto Gonzalez, diretor do The
Media Group, destacaram a importância
da revista para o mercado de capitais
brasileiro. José Roberto Pacheco, da OdontoPrev, disse considerá-la leitura e referência obrigatória no meio. Valter Faria, da
Valor Partners, também deu os parabéns.
Outras mensagens chegaram via Facebook. O veículo recebeu a qualificação
de grande fonte de aprendizado por Julio
Meneghini, da Deloitte, e de publicação
diferenciada por Renato Chaves, da Mesa
Corporate Governance.
ERRATA
O cargo correto do empresário Luis Terepins, citado na seção Seletas de setembro (ed. 133), é membro do conselho de administração da Even.
06 C APITAL A BERTO Outubro 2014
QUEM CONHECE,
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CAPITAL ABERTO n@ Web
Blogs
Por Yuki Yokoi
Eliseu Martins
http://bit.ly/1vec4M1
M&As: a dúvida é o Brasil
Quanto vale uma árvore?
A partir de 2016, o Iasb flexibilizará a exigência de que todos os ativos
biológicos sejam avaliados a valor justo. A mudança faz parte de uma
longa evolução da contabilidade, como relata o professor no post “O balanço das árvores”. Martins lembra que, inicialmente, todos os ativos
biológicos eram registrados pelo preço de aquisição. Depois, passaram a
ser contabilizados pelo valor justo, criando um problema: árvores cujos
frutos são destinados à venda, como um pé de laranja, eram constantemente reavaliadas. Agora, a partir de um movimento liderado pela
Malásia, a regra vai mudar. Os ativos biológicos que produzam por mais
de uma vez frutos, folhas, flores, cascas, caules e raízes — estes sim, os
produtos objeto de venda — voltarão a ser contabilizados pelo custo.
A valor justo, apenas os ativos efetivamente produzidos.
Raphael Martins
Luiz Leonardo Cantidiano
//bit.ly/1sWHFPy
http://bitly/1C6l4Hg http:
Solidariedade zero
Novidades no ar
Neste mês, o advogado Raphael
Martins começa a assinar um
blog no site da capital aberto
sobre relações societárias. O texto de
estreia aborda
a arbitragem
no mercado
de capitais.
Foto: divulgação
Artigos
http://bit.ly/1rs8IpE
A responsabilidade do administrador de companhia aberta
é um dos assuntos em voga no
mercado. Todos os conselheiros de uma empresa podem ser
igualmente responsabilizados
em caso de problema? Segundo
Cantidiano, a resposta é não.
Ele explica que o Código Civil
prevê que, em caso de atos
ilícitos, a aplicação de pena
aos administradores leva em
conta a conduta individual.
Em artigo exclusivo para o site, Claudio Yamashita, da Intralinks, prevê que o número de M&As
no mundo crescerá até 10% em 2014. A perspectiva para o Brasil, no entanto, está nublada.
Os investidores estão receosos com o nível de crescimento da economia local e a ingerência política.
http://bit.ly/1tVXyu1
Imposto-surpresa
O empenho da Fazenda Pública
na cobrança de dívidas tributárias
nunca foi tão alto. Se a intenção é louvável, nem
sempre os meios utilizados para isso são ideais,
principalmente quando o objetivo é preservar a
segurança jurídica. Esse é o assunto do artigo escrito pela advogada Daniella Zagari, do escritório
Machado Meyer.
http://bit.ly/1ru2KEU
Abaixo a censura
A charge de setembro, que teve
como mote a censura do governo a análises elaboradas pelo
Santander e pela Empiricus, fez
sucesso nas redes sociais. No
Linkedin da capital aberto ,
foram quase 1,5 mil visualizações.
Roberto Teixeira da Costa
http://ow.ly/BCliR
http://bit.ly/1xatP35
BC versus Cade
Inspiração andina
Enquanto a falta de crescimento da
economia brasileira domina o noticiário, o sucesso do Peru chamou
a atenção de Roberto Teixeira da Costa. O Banco Central de Reserva,
autoridade monetária do país, anunciou no mês passado sua taxa de
investimento em relação ao PIB: 29%, contra 16,5% no Brasil. “Políticas
de estímulo à participação de capitais privados incentivaram o
crescimento do país andino”, ressaltou o ex-presidente da CVM.
08 C APITAL A BERTO Outubro 2014
Na avaliação da maioria dos participantes da enquete de setembro, é correto o Banco Central julgar
fusões e aquisições entre instituições financeiras.
61%
39%
N@ Web
Por Bruna Maia Carrion
http://bit.ly/1t3zbq9
http://bit.ly/1Cupjwy
Informação tendenciosa?
Apoio a Schwartsman
A Laep ganhou um verbete para lá de completo na
Wikipédia. O tópico foi criado em 2 de setembro e,
até o dia 22, registrava cerca de 500 atualizações — a
maioria feita por um só usuário, não identificado.
Quem produziu o conteúdo parece ter uma intenção
clara: divulgar o andamento da ação civil pública
que CVM e Ministério Público Federal (MPF) movem contra os antigos administradores da empresa.
As informações estavam tão atualizadas que informavam sobre uma audiência de conciliação prevista
para 2 de outubro. Chama a atenção, no entanto, o fato de o verbete exibir uma
lista defasada dos administradores da companhia. Estão lá os nomes de Marcus
Elias e Luiz Cesar Fernandes, dois ex-presidentes da Laep. Eles constam da lista
de acusados pelo MPF, mas já deixaram o comando da empresa.
Economistas não deixaram passar em
branco o episódio entre o Banco Central
(BC) e um ex-diretor seu, o economista
Alexandre Schwartsman. Em setembro,
o órgão registrou uma queixa-crime
contra ele por difamação, devido a
afirmações que considerou ofensivas.
Schwartsman disse, no início do ano,
que o BC tinha uma gestão “temerária” e fazia “um trabalho porco” de
controle à inflação. No Twitter, Elena
Landau criticou a atitude do BC: “Esse
processo é muito ridículo”, afirmou.
Gustavo Franco, que já esteve à frente
do órgão, também se manifestou. “Este
não é o Banco Central que eu conheci”,
ressaltou no Facebook. Pressionado, o
BC recuou e desistiu do processo. http://bit.ly/1pi5Re8
http://bit.ly/1vo3jjD
Rejeitados
Silêncio quebrado
Eike Batista possuía R$ 30 bilhões há
dois anos. Agora, ele contou à Folha de
S. Paulo que, consideradas as dívidas,
tem apenas R$ 1 bilhão — negativos.
Disse também, em entrevista, que
voltar à classe média “era um baque
gigantesco”. Feito o desabafo, o empresário e percebeu que sua frase havia
pegado mal e resolveu, depois de quase
14 meses sem dar um pio no Twitter, se
manifestar no microblog para esclarecer
eventuais mal-entendidos. O resultado
é que Eike, mesmo pobre, continua
sendo o (ex-) CEO mais popular do
Brasil. Foram 474 retuítes da primeira
frase, 351 da segunda e 267 da terceira,
além de centenas de respostas, a maioria
delas bem-humorada. “Não fique tanto
tempo sem tuitar. Aqui na classe média
temos o costume de atualizar essa rede
social algumas vezes por dia”, brincou
uma usuária.
O fundo de pensão dos funcionários
públicos da Califórnia (CalPERS) é
o maior investidor institucional do
mundo. São US$ 300 bilhões em ativos
sob gestão. Quando um colosso desses
toma uma decisão, a reação nas redes
sociais é grande, ainda que mercado
de capitais e gestão de recursos não
sejam assuntos exatamente populares
internet. Pois o CalPERS anunciou em
setembro, inclusive em sua conta do
Twitter, que estava
retirando US$ 4 bilhões aplicados em
fundos de hedge.
A notícia agradou alguns: “Adeus, gestores
medíocres”, comemorou um usuário. Embora a
fundação americana associe a
decisão ao intuito de diminuir a
complexidade e os
custos de seu portfólio,
analistas acreditam
que o motivo seja o
baixo retorno desse
tipo de veículo.
http://bit.ly/ZgXDNw
Quem avisa amigo é
Quando Nouriel Roubini faz uma previsão catastrófica, as pessoas param
para ouvir. Chegou a ser ridicularizado
no começo dos anos 2000: enquanto
todos esbanjavam otimismo, ele considerava os preços dos imóveis altos
demais. Mas eis que veio 2008 e Roubini foi reconhecido como o homem
que profetizou o inferno. Agora, ele
vem se empenhando em expor,
via Twitter, os problemas
da nova febre do ouro e do
bitcoin. “Melhor esquema
de pirâmide: compre bitcoin com ouro e ouro com
bitcoin”, ironizou.
Acompanhe a seção
Na Web no site
www.capitalaberto.com.br
Outubro 2014 C APITAL A BERTO 09
Relevo
Laurence Gomes
“O mantra é simplificar”
Entre as companhias abertas do setor de
vestuário, a Lojas Renner está em situação
privilegiada. Enquanto a maioria freia os investimentos diante do ambiente econômico
pouco amigável ao aumento do consumo, a
varejista gaúcha acelera. Investe não só na
abertura de lojas, mas em ações que farão sua
competitividade crescer. “Em 2021, quando a
Lojas Renner tiver o dobro de tamanho, estará
muito mais ágil e eficiente”, garante Laurence
Gomes, diretor financeiro e de relações com
investidores da companhia, nesta entrevista
à Relevo. O mercado, ao que tudo indica, confia
em suas palavras. No ano até 25 de setembro,
os papéis da Lojas Renner valorizavam 16,31%,
enquanto os da Hering caíam 13,03%, os da
Marisa, 12,24%, e os da Guararapes, 1,37%.
Foto: divulgação
Por Luciana Tanoue
Eliminando excessos
“O apelo das coleções, aliado à eficiência na operação das lojas, garantiu bons
resultados para a Renner no primeiro
semestre [a receita com vendas e o lucro
líquido subiram, respectivamente, 15% e
41,6% em relação ao mesmo período do
ano passado]. Nossa cultura de austeridade também tem nos favorecido. Valorizamos a disciplina e seguimos à risca
o orçamento. Em 2013, prevendo um
ritmo mais moderado de vendas, implementamos uma série de iniciativas,
com o intuito de revisar as atividades da
companhia e identificar processos que
poderiam ser melhorados ou eliminados. O mantra é simplificar.”
Pioneirismo
“Além de investir no aumento do
número de lojas, estamos aportando
recursos expressivos em infraestrutura
logística. A Lojas Renner foi pioneira
na implementação de um sistema chamado ‘push and pull’, que possibilita
a alocação mais precisa de produtos
nas lojas. O objetivo é ter o produto
certo na loja certa e na hora certa.
Essa tecnologia já está funcionando
no centro de distribuição do Rio de Janeiro e será estendida para dois outros
em construção.”
Seletividade
“Mesmo num cenário de taxa de crescimento menor no varejo, temos boas
perspectivas. O problema principal pelo
qual o Brasil passa hoje é a redução da
confiança. Num momento como esse,
há uma preferência dos consumidores
e fornecedores por marcas sólidas.
O investidor também fica mais seletivo e busca players com boa execução
do negócio, resultados consistentes
10 C APITAL A BERTO Outubro 2014
e governança elevada — coisas que,
acredito, temos conseguido entregar
nos últimos anos. Também é preciso
levar em conta que a primeira onda de
consumo, de imóveis, carros e outros
bens duráveis, já passou. Com isso, sobra espaço no bolso do brasileiro para
gastos com a moda, que envolve itens
de preço menor.”
Concorrência
“O Brasil não é fácil para iniciantes.
Os gargalos logísticos e burocráticos
são relevantes. Além disso, os concorrentes estrangeiros precisam arcar com
os custos de importação elevados. Há,
portanto, algumas barreiras de entrada
relevantes no mercado de vestuário
nacional. Estamos, obviamente, acompanhando os movimentos da concorrência, mas é bom ressaltar que atuamos
num mercado grande, em que ainda
há bastante espaço para consolidação.
Hoje, aproximadamente 40% do setor
de vestuário trabalha na informalidade.
Atuar nessa condição está mais difícil,
devido a controles e cruzamentos de
dados de informações financeiras pela
Receita Federal.”
Crescimento
“Nossa estratégia é crescer organicamente, não por aquisições. Até 2021,
planejamos ter 408 Lojas Renner abertas e 105 da Camicado [no fim de 2013,
eram 217 e 43, respectivamente]. Também
nos preparamos para abrir, no mesmo
período, 300 lojas da Youcom, startup
voltada à moda jovem [hoje, são 20 unidades]. Essa operação ainda está em seus
momentos iniciais. Os grandes grupos
internacionais que são referência para
a Youcom levaram de três a cinco anos
para estabilizar sua marca.”
Seletas
Por Yuki Yokoi
BM&FBovespa passa a cobrar taxas em ofertas de ações
A BM&FBovespa anunciou, no mês
passado, sua política de preços para
2015. A partir de janeiro, companhias
dispostas a fazer ofertas, sejam elas para
colocar novos papéis no mercado, sejam
para retirá-los da bolsa, gastarão mais.
Uma oferta pública de distribuição
de ações começará com uma despesa de R$ 50 mil, a título de análise da
operação. O serviço inclui a verificação
de documentos e orientações sobre o
negócio. A partir daí, os gastos dependerão do conjunto de taxas em que a
oferta se inserir. São três as possibilidades, de acordo com a sofisticação.
O pacote mais barato é o simplificado,
que vai abrigar emissões destinadas ao
Bovespa Mais e as realizadas por meio
da Instrução 476. Neste caso, o custo
mínimo será de R$ 95 mil. Já as ofertas
do pacote padrão custarão a partir de
Ilustração:
Rodrigo Auada
R$ 208 mil; e as do customizado, R$ 550
mil. Se o sistema de cobrança já estivesse em vigor, operações como a da Biosev e da Oi entrariam no último grupo.
A primeira, porque consistia na venda
de ações combinada com opções de
venda; a segunda, pelo elevado número
de intermediários envolvidos.
Sair da BM&FBovespa também ficará mais caro. A Bolsa passará a demandar uma taxa de R$ 200 mil pela análise
de ofertas públicas de aquisição de
ações (OPAs), além do 0,1% sobre o valor final liquidado que já cobra. A realização de OPA é prevista pela regulamentação em diversas hipóteses —
como fechamento de capital e alienação de controle —, mas também pela
própria Bolsa, em especial quando as
companhias deixam os segmentos de
listagem com governança diferenciada.
Brasil Plural assume
carteiras do BES no Brasil
Ilustração: Eric Peleias
12 C APITAL A BERTO Outubro 2014
O banco Brasil Plural assumiu as
carteiras de gestão de recursos de terceiros do Espírito Santo Investment
Bank Brasil (Besi Brasil) no fim do mês
passado. Com a cessão dos portfólios, de
R$ 1,5 bilhão, os portugueses receberão
uma parcela dos resultados gerados.
O percentual e o prazo de validade do
acordo não foram divulgados.
A delicada situação financeira da
instituição portuguesa veio à tona
durante o processo de fusão entre Oi
e Portugal Telecom. Em julho, a tele
europeia admitiu que levaria calote no
empréstimo de quase € 900 milhões
concedido à RioForte, controlada pelo
grupo Espírito Santo.
O Brasil Plural espera o aval do Cade
para finalizar o negócio. Em março,
após a compra da Geração Futuro, o
patrimônio sob gestão do banco já havia
alcançado R$ 18 bilhões.
Ilustração: Rodrigo Auada
Concórdia vira acionista relevante da Inepar
A Inepar ganhou um novo
acionista relevante no mês
passado. Em 9
de setembro, a
corretora Concórdia anunciou que seus fundos passaram a deter
5,11% das ações preferenciais e 3,61% das
ordinárias da companhia.
A notícia chegou poucas semanas
depois de a Inepar entrar com um pe-
dido de recuperação judicial. Embora
esse tipo de situação explicite fragilidades na situação financeira de uma
empresa, ela também pode aguçar o
apetite de investidores dispostos a
correr riscos.
Marcelo dos Anjos, operador da
Concórdia, relata que os fundos da
corretora já tinham ações da Inepar
em carteira, mas as compras foram
acentuadas após a notícia da recuperação judicial. “Agora, a companhia
ganhará tempo e melhores condições
de negociação com seus credores”,
justifica. O baixo valor de mercado
da Inepar — atualmente, em torno de
R$ 45 milhões — é outro atrativo; qualquer melhoria da condição atual pode
render uma vultosa valorização.
O mesmo raciocínio explica por que
os fundos da Concórdia mantêm em
carteira ações das cambaleantes empresas do grupo EBX. Uma delas é a OSX,
projeto de construção naval que entrou
com pedido de recuperação judicial em
novembro passado.
CVM inclui ações no rol de ofertas com esforços restritos
Ofertas de ações e debêntures conversíveis agora podem
ocorrer sem registro prévio na CVM, desde que destinadas
a um público restrito. A novidade é resultado da edição, em
setembro, da Instrução 551 do regulador, que alterou a 476,
de 2009. Por viabilizar uma oferta pública de ações mais ágil
e menos burocrática, a expectativa é que o normativo ajude
a retomada das emissões. Este ano, nenhuma companhia se
aventurou a fazer IPO.
A versão final da regra traz poucas mudanças em relação
àquela levada a consulta pública. Preservou princípios já
aplicados à emissão de títulos de dívida: continua proibida
a participação de investidores que não sejam qualificados e
a divulgação ampla da oferta. É possível procurar, ao todo,
75 investidores, mas somente 50 podem aderir ao negócio
— estrangeiros ficam de fora desse limite, uma vez que a
CVM não pode restringir a adesão a ofertas feitas fora de
sua jurisdição.
Todas as companhias registradas na categoria A estarão
aptas a se beneficiar da norma. Aquelas que realizarem um
IPO com esforços restritos terão suas ações limitadas à
negociação entre investidores qualificados nos primeiros
18 meses, contados a partir da data de entrada no pregão.
Caso a oferta seja feita por uma pré-operacional, os papéis
só estarão livres para ser negociados quando, além de decorrido o ano e meio de carência, a companhia tiver iniciado as
operações. De acordo com Flavia Mouta, superintendente de
desenvolvimento de mercado da CVM, só “será considerada
operacional a companhia que apresentar uma demonstração
financeira anual com receita resultante de suas atividades”.
Empresas com ações já listadas em bolsa também poderão
fazer ofertas subsequentes (os chamados follow-ons) pela
nova 476. Como contam com papéis no mercado secundário, não terão limite de negociação. A oferta poderá ocorrer
com a exclusão do direito de preferência ou com um prazo
para exercê-lo em até cinco dias. De todo modo,
deverá ser garantido o
direito de prioridade
a todos os acionistas
pré-existentes. Os antigos acionistas não serão incluídos no grupo
de até 50 investidores
que podem comprar ações, desde
que adquiram
apenas o suficiente para não
sofrerem diluição.
Com o intuito de aumentar a fiscalização sobre as ofertas
com esforços restritos, a CVM também passou a exigir dos
emissores (sejam de ações, sejam de títulos de dívida) que
avisem a autarquia quando iniciarem uma distribuição —
originalmente, a norma demandava apenas a comunicação
do encerramento da oferta. O documento deverá conter
dados básicos, como os nomes do emissor e do intermediário
e as principais características do valor mobiliário ofertado.
A mudança ajudará o regulador a rastrear quem não cumprir
as exigências.
Outra novidade foi a entrada do certificado de operações
estruturadas (COE) na norma. Paralelamente, a CVM continua trabalhando numa instrução que regulamentará os
certificados e abrirá as portas desse mercado para os intermediários. Até agora, devido à ausência de regras que estipulem, por exemplo, quais informações devem ser fornecidas
ao investidor, os COEs são emitidos apenas em transações
bilaterais — aquelas em que o banco emissor tem acesso
direto ao comprador.
Outubro 2014 C APITAL A BERTO 13
Seletas
Justiças do Rio e de São Paulo
estão atrás de Eike Batista
Eike Batista pode ter se acostumado a receber notícias ruins desde que suas principais
empresas começaram a enfrentar problemas,
mas o mês passado foi particularmente conturbado para ele. No dia 13 de setembro, o
Ministério Público Federal (MPF) do Rio de
Janeiro denunciou o empresário pelos crimes de manipulação de mercado e insider trading na OGX — atualmente em recuperação judicial
e rebatizada de OGPar.
Para garantir que o investidor seja indenizado, o MPF decretou o
bloqueio dos bens de Eike até o valor de R$ 1,5 bilhão. “Tal quantia
equivale ao prejuízo suportado pelo mercado de ações em consequência
da conduta criminosa do denunciado”, destacou o procurador Orlando
Monteiro Espíndola da Cunha.
Dois dias depois, em 15 de setembro, foi a vez do MPF de São Paulo
denunciar Eike. Desta vez, pelo uso de informações privilegiadas na OSX.
Ele arrecadou R$ 33,7 milhões com a venda de ações da companhia, dias
antes de anunciar ao mercado que a situação financeira do estaleiro
exigiria uma revisão de seu plano de negócios, sobretudo pela venda de
ativos e pela redução dos investimentos.
BC ouvirá auditores de bancos em regime especial
No dia 9 de setembro, o Banco Central (BC) publicou a Portaria
82.265, que regula o funcionamento das comissões de inquérito voltadas a problemas em instituições financeiras que foram
à bancarrota. A mudança tende a reduzir a insegurança
jurídica das firmas de auditoria.
A investigação é disparada quando se decretam os
regimes de intervenção, liquidação extrajudicial ou administração especial temporária. Auditor, controladores e
administradores de bancos sempre foram o foco da análise. A gora, o BC passará a ouvir o que os auditores das
instituições investigadas têm a dizer antes de concluir o
inquérito, caso haja indício de negligência e imperícia
na elaboração das demonstrações financeiras.
Até então, o BC não era obrigado a seguir esse
protocolo, o que aumentava o risco de as auditorias
serem listadas no relatório final que a autoridade
monetária entrega ao Ministério Público em
casos problemáticos. Uma vez citadas, elas ficam
sujeitas, inclusive, a ações de bloqueio de bens.
A medida visa resguardar recursos que sirvam
para ressarcir os credores dos bancos.
Em julho, a KPMG teve seus bens brasileiros
bloqueados devido a problemas detectados no
BVA. A firma realizava a auditoria do banco até
junho de 2013, quando a instituição foi liquidada.
14 C APITAL A BERTO Outubro 2014
Demissões na Usiminas revelam
racha no bloco de controle
O clima na Usiminas anda tenso. Em 26 de
setembro, a siderúrgica comunicou a demissão de
três de seus principais executivos: Julián Eguren,
diretor-presidente; Paolo Bassetti, diretor vice-presidente de subsidiárias; e Marcelo Chara,
diretor vice-presidente industrial. A decisão foi
tomada na reunião do conselho de administração
realizada no dia anterior e mostrou animosidade
entre os dois principais grupos que formam o
bloco de controle da siderúrgica: o NSSMC, comandado pelos japoneses da Nippon Steel; e os
argentinos da Ternium e da Tenaris, pertencentes
ao grupo Techint.
O racha ficou evidente após um conselheiro
da Usiminas, indicado pela Nippon, denunciar
os três executivos por irregularidades na remuneração. Investigações internas apontam que
eles teriam recebido benefícios não previstos no
pacote de remuneração aprovado anualmente
pelo conselho. Os diretores haviam sido indicados pelos argentinos.
A questão foi levada à reunião do board,
composto de dez membros. Votaram a favor
da destituição três conselheiros indicados pela
Nippon e dois representantes dos minoritários.
Os cinco conselheiros da cota da Ternium foram
contrários à proposta. O voto de minerva coube
ao chairman Paulo Penido Marques: alinhado aos
japoneses que o recomendaram para o cargo, ele
votou a favor do desligamento dos executivos.
A demissão gerou um burburinho — a Nippon
estaria querendo minar a influência da Ternium
na companhia. O duelo, agora, será para fazer
valer o acordo de acionistas. O documento prevê
que os integrantes do bloco de controle votem em
consenso, a partir de uma reunião previamente
realizada. Como na demissão dos executivos
não houve esse acerto, a Ternium quer provar
que a Nippon violou o trato. Temporariamente,
a Usiminas será comandada pelo diretor Rômel
Erwin de Souza.
Acompanhe a seção
Seletas no site
www.capitalaberto.com.br
Relações societárias
Venda
disfarçada
Controlador
da Forjas
Taurus é
suspeito de
mais uma
artimanha:
usar um
aumento
de capital
para escapar
de OPA
16 C APITAL A BERTO Outubro 2014
Por Yuki Yokoi
N
o dia 20 de agosto, foi homologado o mais recente aumento
de capital da Forjas Taurus. A fabricante de armas e equipamentos de segurança vendeu novas ações e conseguiu levantar
R$ 67 milhões. Dinheiro à vista, injetado diretamente no caixa. Nada mal para uma companhia que concentra resultados
ruins. Seu prejuízo somou R$ 80 milhões no ano passado e já
acumulou R$ 57 milhões nos seis primeiros meses de 2014.
Ao fim de 2013, o endividamento alcançou R$ 819 milhões, dos
quais 40% vencem no curto prazo. A bolada obtida na capitalização, no
entanto, pode render à empresa uma série de problemas. Há diversos
indícios de que Luis Fernando Estima, dono da Taurus desde a década
de 1970, usou a capitalização como disfarce para alienar o controle da
companhia.
A investidora do aumento de capital foi a Companhia Brasileira de
Cartuchos (CBC), que com a operação alcançou 52,5% do capital votante e
o posto de acionista controladora. Do ponto de vista econômico, a união
fez sentido: a maior fabricante de munições do País tornou-se sócia da
líder em produção de armas. Na forma, o aumento de capital também
foi perfeito. Mas sua essência duvidosa levou a operação ao escrutínio da
Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e do Conselho Administrativo
da Defesa Econômica (Cade).
Ilustração: Marco Mancini/Grau180.com
Outubro 2014 C APITAL A BERTO 17
Relações societárias
Alvo certo
A CBC é uma sociedade anônima de
capital fechado cujo maior acionista,
com 89,2% do capital votante, é a CBC
Ammo LLC. Está sediada no estado
americano de Delaware e, embora não
haja informações públicas a confirmar
a identidade de seu dono, o mercado dá
como certo que o empreendimento é
comandado por Daniel Birmann — seu
filho Bernardo aparece como proprietário direto, com 9,2% da CBC. Birmann
ficou conhecido por seu arrojo na
aquisição de empresas problemáticas.
Acumula condenações na CVM que vão
de irregularidades em transações com
partes relacionadas a falta de dever de
lealdade. Foi inabilitado para o cargo
de administrador de companhia aberta
duas vezes pelo regulador: uma pelo
período de dois anos, em 2005, e outra
por cinco anos, em 2009. Nos últimos
tempos, foi visto na Taurus com alguma
frequência, o que rendeu boatos de que
as duas empresas se juntariam.
Em 14 de abril deste ano, Estima
propôs o aumento de capital aos conselheiros. O board não referendou a
ideia. Os representantes indicados pelos
minoritários, detentores de quatro dos
sete assentos do board, rejeitaram a proposta. Na época, o então controlador,
com 16% do capital social (44% das ações
ordinárias), enfrentava a pior fase de um
entrave truculento com seus investidores — mais precisamente a Previ, fundo
de pensão dos funcionários do Banco
do Brasil, a gestora carioca Argucia e
Joaquim Baião, ex-dono da corretora
Geração Futuro. Eles haviam colocado
em curso uma devassa nas contas da
companhia e afirmavam estar prestes
a demonstrar que o empresário a usava
em benefício próprio.
Detentor da maior fatia individual
de ações, Estima decidiu ignorar a opinião do conselho. Chamou sozinho a
assembleia (o benefício é assegurado a
qualquer acionista com pelo menos 5%
do capital social), argumentando que a
18 C APITAL A BERTO Outubro 2014
operação capitalizaria a companhia e reduziria suas dívidas. Já detentor de 2,5%
das ações ordinárias e 0,2% das preferenciais na época, Birmann compareceu
pessoalmente ao encontro realizado no
dia 29 de abril. Votou a favor.
No dia 11 de maio, a CBC divulgou
fato relevante e notificou o Cade.
Afirmou que pretendia adquirir, na
bolsa de valores, 18% do capital social
da Taurus e também subscrever ações
no aumento de capital recém-aprovado.
Dada a baixa liquidez dos papéis da
Taurus, a compra em pregão de fatia tão
relevante não seria simples. Em 2013,
as ações preferenciais, as mais líquidas,
movimentaram em média R$ 539 mil
por pregão, segundo a Economática;
as ordinárias, concentradas na mão do
controlador, apenas R$ 32 mil ao dia.
A despeito dessa dificuldade, para surpresa geral Birmann acumulou 16,8%
do capital social da Taurus (15,6% em
ações ordinárias) até a data da subscrição. As ações, ao que tudo indica, foram
adquiridas de Estima. Entre os dias 23
e 27 de maio, o empresário se desfez de
mais de 5 milhões de ações ordinárias
em bolsa, que representavam 10,7% do
capital votante à época.
De posse dessa fatia do capital,
Birmann decidiu subscrever as ações
proporcionalmente. O direito de preferência é garantido a todos os acionistas, mas a data de corte do benefício é determinada pela companhia.
O mercado tradicionalmente adota
como referência o dia em que a operação foi aprovada (na assembleia geral
ou na reunião do conselho de administração), para evitar que atos posteriores
à deliberação alterem a subscrição.
Na Taurus, porém, o objetivo era justamente esse. Prevaleceu a data de 27 de
maio, véspera da subscrição.
Insatisfeitos com os rumos da Taurus, os minoritários ficaram de fora e
se deixaram diluir. A Previ, especificamente, estava impedida de adquirir os
papéis: dona de 26,8% do capital antes
da operação, a fundação de previdência
opera acima do limite de alocação em
ativos de renda variável e não pode comprar mais ações. Ao fim da capitalização,
ficou com 19,4% do capital da Taurus (e
apenas 7,3% em ONs). Estima, por sua
vez, apesar de possuir 12,8% do capital
(37,2% das ordinárias) às vésperas da
subscrição e de ter, ele próprio, sugerido
a operação, não comprou todas as ações
a que tinha direito — sua participação
passou a 12,1% do capital (23,2% em
ONs). A combinação do apetite voraz
de Birmann com a baixa adesão dos
minoritários e o empurrão de Estima
fez com que a CBC abocanhasse mais da
metade do capital votante da fabricante
de armas.
Outra ajuda dada pelo empresário
foi o preço de subscrição das ações, de
R$ 1,38. O valor foi calculado com base
na cotação das PNs no pregão de 9 de
abril, apesar de o aumento de capital
ter sido feito, quase que integralmente,
por meio de ações ordinárias. Levando-se em conta a média das cotações nos
30 pregões anteriores, o valor se mostra
ainda mais benevolente: embute um
deságio de 31,78%.
Caminho livre
A denúncia dos minoritários é que
toda essa articulação tinha um objetivo
claro: transferir o controle da Taurus
sem disparar uma oferta pública de
aquisição de ações (OPA). Se optasse
por uma venda tradicional de controle,
Estima e Birmann correriam o risco de
ter de computar na transação os gastos
com uma OPA sob os moldes previstos no artigo 254-A da Lei das S.As.
O dispositivo assegura aos minoritários
o direito de vender suas ações por, no
mínimo, 80% do valor pago pelos papéis
do controlador — o chamado tag along.
Embora não possuísse a maioria do capital votante, Estima sempre exerceu o
comando através da soma de duas fatias
de ações: uma em seu nome e outra
sob o chapéu da Estimapar, veículo de
investimento do qual detém 99% do
capital. Prova disso é que, em conjunto,
o empresário e a Estimapar se autodenominavam “veículo de controle” no
estatuto social.
Com o aumento de capital, Birmann
e Estima livraram-se ainda de outros
dois ônus. O primeiro escapou de uma
poison pill estabelecida pelo estatuto
da fabricante de armas. Ela exige a efetivação de uma oferta caso um acionista
adquira pelo menos 20% de qualquer
uma das classes de ações — exceto
nos casos em que essa proporção seja
alcançada por meio de um aumento de
capital. “Não faria sentido penalizar o
investidor que se propõe a colocar mais
recursos na companhia com a realização de uma oferta”, explica a advogada
Eliana Chimenti, sócia do escritório
Machado Meyer.
Estima, por sua vez, se desvencilhou
de cumprir o artigo 52 do estatuto social
Estima livrou-se de
cumprir um artigo do
estatuto social que
prevê a conversão de
todas as preferenciais
em ordinárias caso
sua participação seja
reduzida a menos de
35% das ONs
da Taurus, que prevê a conversão de todas as ações preferenciais em ordinárias
caso a participação do empresário caia
abaixo de 35% das ONs. O dispositivo foi
incluído em 2011, quando a companhia
migrou do ambiente tradicional para
o Nível 2 da BM&FBovespa. Na época,
minoritários liderados pela Previ aceitaram incorporar R$ 165 milhões em
dívidas da Polimetal, holding que controlava a Taurus, em troca de melhores
regras de governança e de uma diluição
do controlador — a participação de Estima caiu de 94,1% das ordinárias para
44%. A fim de evitar que o empresário
transferisse as dívidas da Polimetal e
depois vendesse sua participação, os
minoritários criaram a regra da conversão. Só que esse dispositivo, assim como
a pílula de veneno fixada em 20%, não
é disparado se a alteração da participação acionária for consequência de um
aumento de capital.
Apesar dos indícios de venda disfarçada do controle, não será fácil para
os minoritários da Taurus provarem
que ela aconteceu. A jurisprudência da
CVM consagrou o entendimento de que
uma alienação só se caracteriza quando
é dispendiosa. E não existe nenhuma
evidência concreta de que Estima tenha, por exemplo, transferido onerosamente seus direitos de subscrição
— o artigo 171 da Lei das S.As. concede
a qualquer acionista a possibilidade de
ceder o benefício, mas não há regras que
o obriguem a dar transparência desse
tipo de negociação. Os R$ 7,5 milhões
arrecadados por Estima com a venda
de suas ações, pouco antes do aumento
de capital, tampouco serviriam como
prova. Ainda que a CBC tenha sido a
compradora de quase toda a monta,
a negociação se deu na bolsa de valores. A rigor, qualquer acionista poderia
ter interferido e arrematado os papéis
à venda.
Na jurisprudência, há um episódio
antigo em que um aumento de capital pode ter sido usado para disfarçar
Outubro 2014 C APITAL A BERTO 19
Relações societárias
alienação de controle. Em setembro
de 1985, o dono da madeireira Manasa
cedeu gratuitamente seus direitos de
preferência num aumento de capital
e permitiu, dessa forma, a ascensão de
um novo bloco de controle. Os investidores teriam ficado sem a OPA não
fosse por um detalhe: após a subscrição,
o antigo dono, que remanesceu como
minoritário, vendeu sua fatia aos novos
proprietários abocanhando um prêmio
de controle. O caso foi parar na CVM.
Quase três anos depois da transação,
a Manasa foi obrigada a concretizar
uma OPA.
Impedido
Para frear as artimanhas que assolam
a Taurus, a CVM fragmentou seus
esforços de investigação em três processos. No SP 2014-280, iniciado após
reclamação da Previ, apura se o voto
de Estima na assembleia de 27 de junho
foi abusivo. Na ocasião, os acionistas da
Taurus foram convocados para avaliar
as recomendações de um comitê especial. Criado em abril, o grupo tinha o
objetivo de estudar possíveis medidas
diante dos sucessivos desmandos de
Estima. Entre as propostas colocadas
em votação pelo comitê estava a abertura de uma ação de responsabilidade
civil contra o empresário e os demais
conselheiros, além da aprovação de
contas dos administradores.
De acordo com o artigo 115 da Lei das
S.As., Estima não poderia votar por dois
motivos: primeiro, porque era o alvo da
ação civil; depois, por estar aprovando
as próprias contas. Mas a CBC, que a
essa altura já detinha mais da metade do
capital votante, poderia, num acordo de
cavalheiros, livrá-lo do processo. Poucos
dias antes da assembleia, entretanto, o
Cade suspendeu os direitos políticos
da CBC. A lei de concorrência em vigor
prevê que atos de concentração entre
empresas verticalmente relacionadas,
como é o caso, sejam previamente
aprovados pelo órgão antitruste — o
que não tinha ocorrido, uma vez que a
ascensão da CBC foi gerada por meio de
sucessivas operações na bolsa.
20 C APITAL A BERTO Outubro 2014
Apesar dos indícios
de venda disfarçada
do controle, não
será fácil para os
minoritários da
Taurus provarem
que ela aconteceu.
De acordo com
a jurisprudência
da CVM, uma
alienação só se
caracteriza quando é
dispendiosa. E não
há nenhuma
evidência concreta
de que Estima
tenha transferido
onerosamente
seus direitos
de subscrição
Restou a Estima, no posto de presidente da assembleia, ignorar qualquer
hipótese de impedimento de voto e
participar da deliberação. Ele ainda
detinha, na época, 14% das ações ordinárias e a Estimapar, outros 21,2%— o
suficiente para vencer os minoritários,
cuja participação se concentrava em
ações preferenciais. Em setembro, a
CVM informou a Taurus de que o voto
de Estima havia sido irregular. Não cabe
ao regulador, porém, anular a assembleia. Essa tarefa é do Judiciário, caso
seja constatado prejuízo dos acionistas.
Paralelamente, a CVM conduz o processo RJ 2013-11746, que apura indícios
de fraude contábil. De todas as investigações em curso, esta é a mais próxima
de um termo de acusação. Em 2012,
a Taurus vendeu a subsidiária Taurus
Máquinas por R$ 115,3 milhões, numa
transação que envolvia o perdão das dívidas da Wotan, arrendatária das instalações da empresa controlada. Embora a
venda tenha sido registrada no balanço,
um ano depois o valor foi reduzido à
metade, sob a justificativa de que a compradora, a SüdMetal, não tinha condições financeiras para honrar o trato.
O desarranjo reverteu o resultado anual
da companhia, transformando o lucro
de R$ 41 milhões em 2012 num prejuízo de R$ 117 milhões. As outras duas
envolvidas saíram bem do negócio: a
SüdMetal ganhou um desconto de 50%;
a Wotan permaneceu com suas dívidas
quitadas. Os minoritários, no entanto,
acreditaram em um ganho com a venda
que nunca se concretizou. Não se sabe
quem é o dono da Wotan, mas a suspeita
é de que seja o próprio Estima.
O desenrolar dessas duas investigações pode subsidiar a CVM no processo
2014-4772, o mais incipiente de todos.
Nele, o regulador pretende analisar o
uso do aumento de capital para venda
do controle. O mercado aguarda também o parecer do Cade nesse caso — o
órgão antitruste precisa dar seu aval
para que a CBC assuma o controle
majoritário. Procurados, Forjas Taurus,
Luis Estima, CBC e Daniel Birmann não
concederam entrevista.
O que muda com a 551
 
Em meio a um cenário econômico repleto de incertezas — o que se acentua em momento pré-eleitoral —, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) tem lançado mão
de diversas medidas com o objetivo de tornar o mercado de capitais um meio de fomento às pequenas e médias
empresas (PMEs) e um ambiente seguro de negociações.
Com o propósito de atender a esses objetivos, a autarquia editou, no dia 25 de setembro, a Instrução 551.
Como mais um passo na importante estruturação de um
mercado de acesso, a norma incluiu no rol de valores mobiliários passíveis de ofertas públicas com esforços restritos, entre outros: 1. ações; 2. debêntures conversíveis
em ações; 3. bônus de subscrição, mesmo que atribuídos
como vantagem adicional aos subscritores de debêntures; e 4. debêntures permutáveis por ações emitidas por
emissor registrado na categoria A.
Ao prever a emissão de títulos de propriedade e de títulos conversíveis ou permutáveis em títulos dessa natureza, mediante ofertas públicas com esforços restritos, a
CVM viabiliza um mecanismo de captação de recursos
menos custoso e torna o mercado de capitais uma fonte
de financiamento mais atrativa às PMEs.
As regras previstas pela Instrução 551 estão em linha com medidas adotadas recentemente pela autarquia
com o propósito de estimular a participação das PMEs
no mercado de capitais brasileiro e a realização de investimentos por agentes de mercado em empresas com essas características, por meio de veículos como o fundo
de ações – mercado de acesso. Os efeitos dessas medidas, contudo, ainda não puderam ser sentidos na prática.
Além das medidas de fomento ao mercado de acesso,
outro aspecto relevante da 551 é o estabelecimento de novas regras de proteção ao investidor de valores mobiliários emitidos por empresas pré-operacionais. Ainda sob
a ressaca do maremoto provocado no mercado de capitais brasileiro pelas empresas do grupo EBX, a CVM tem
direcionado seus esforços para evitar a reedição de episódios marcados pela perda repentina do valor de ações.
Lucas Akel Filgueiras
([email protected]) e Pedro Henrique
Benradt ([email protected])
são associados do Lehmann, Warde &
Monteiro de Castro Advogados
Como ponto de partida das medidas para evitar outras crises como essa, a nova instrução define empresa
pré-operacional como aquela que não tenha apresentado receita proveniente de suas operações, em demonstração financeira anual ou em demonstração financeira
anual consolidada, elaborada de acordo com as normas
da CVM e auditada por auditor independente registrado na autarquia.
A Instrução 551 determina que ações, bônus de subscrição, debêntures conversíveis ou permutáveis por ações
e certificados de depósito desses valores mobiliários emitidos por companhia em fase pré-operacional: 1. tenham
sua primeira oferta pública distribuída exclusivamente
para investidores qualificados; e 2. sejam, no período de
18 meses contados do encerramento da oferta pública inicial, negociados exclusivamente entre investidores qualificados.
Também, as ofertas públicas
com esforços restritos que tiverem
por objeto ações de emissores em
fase pré-operacional terão sua negociação restrita a investidores qualificados até que, cumulativamente:
1. a companhia se torne operacional; 2. tenham transcorrido 18 meses do encerramento da oferta; e
3. tenham passado 18 meses da
admissão à negociação das ações
em bolsa.
A Instrução 551 tratou de temas
extremamente relevantes para o desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro. De todo modo, não
se pode afirmar com certeza que as
alterações introduzidas surtirão os
efeitos desejados. Isso somente o
tempo e o mercado dirão.
O que a nova
instrução
nos diz sobre
os rumos
pretendidos
pela CVM para
o mercado de
capitais?
O boletim REGULAÇÃO é um informativo bimestral produzido por Lehmann, Warde & Monteiro de Castro Advogados (www.lwmc.com.br) e veiculado
com exclusividade pela CAPITAL ABERTO. As opiniões aqui expressas são as do escritório e não, necessariamente, as da revista.
Ilustração: Marco Mancini/Grau180.com
Capa
22 C APITAL A BERTO Outubro 2014
Avanço de
acionistas
com posições
vendidas impõe
mudanças a
profissionais
de RI e
reguladores.
Falta de dados é
motivo de alerta
Por Luciana Del Caro
P
oucas situações incomodam tanto os dirigentes
de uma companhia aberta quanto a constatação
de que certos investidores esperam a queda das
ações. Se essa expectativa vier acompanhada de
um aumento do aluguel dos papéis, o desconforto
torna-se ainda maior. Porém, diante do desenvolvimento do mercado brasileiro de empréstimo
de ações, as empresas e, mais especificamente, os
profissionais de relações com investidores (RI) terão que
aprender a lidar com os short sellers — termo usado, em
inglês, para designar o investidor de posição vendida. Nessas
operações, o aplicador aluga uma ação e a vende em bolsa,
apostando que irá recomprar o papel posteriormente por um
valor mais baixo para devolvê-lo a quem o alugou, lucrando
com a diferença de preços.
Os aluguéis de ações vêm crescendo paulatinamente: a
média anual dos contratos em aberto no Banco de Títulos
CBLC (BTC), que era de R$ 12,7 bilhões em 2009, cresceu
61% em 2010, 47% em 2011 e 5,9% em 2012. No ano passado,
eles ganharam novo impulso com as expectativas de queda
da bolsa e as distorções causadas pelo peso das empre-
sas X, de Eike Batista, no Ibovespa. Atingiram recorde de
R$ 40,8 bilhões, incremento de 27,5% sobre 2012.
Devido a sua relevância, e a pedido da BM&FBovespa, as
informações sobre aluguel foram incorporadas ao volumoso
banco de dados da Economatica sobre bolsas de valores.
O resultado foi um novo módulo dedicado aos aluguel de
ativos, lançado em setembro. A partir do sistema, a provedora
de dados elaborou um estudo sobre empréstimos de ações
com exclusividade para a capital aberto (veja tabelas e
gráfico na p. 25).
Coletados no dia 23 de setembro, os dados mostram que a
grande maioria das companhias ainda tem uma base pequena
de ações alugadas em relação ao capital em circulação. Em
apenas duas — OGX Petróleo ON e AES Tietê PN —, as
operações de empréstimo representavam mais que 10% do
free-float (12,4% e 10,1%, respectivamente), ainda bem menos
que o percentual máximo permitido para a maioria das ações.
A BM&FBovespa limita esse percentual a 20%, mas tem a
prerrogativa de mudá-lo, de acordo com sua análise. Isso já
aconteceu em fevereiro de 2013 com o aluguel de ações da
Eletropaulo. Na época, a Bolsa subiu o teto para 50% após os
Outubro 2014 C APITAL A BERTO 23
Capa
empréstimos crescerem ao ponto de faltar ações para aluguel
— uma circunstância conhecida como “short squeeze”.
Episódios como esse reforçam a importância de os departamentos de RI não estarem alheios ao tema. Afinal, trata-se
de um indicador do que o mercado está pensando sobre a
empresa: “O aluguel de ações é um termômetro”, comenta
Fernando Caio Galdi, professor da Fipecafi. Em caso de crescimento dessas operações, o que pode estar se cristalizando
é uma visão negativa sobre o desempenho da companhia.
A solução é entrar em campo
O monitoramento das operações de aluguel pelas áreas de RI,
contudo, não seria nada simples até pouco tempo atrás. Foi
só em fevereiro deste ano que a Bolsa passou a publicar diariamente as taxas de cada operação, especificando os valores
cobrados pelo doador (que entrega a ação para aluguel) e pagos
pelo tomador (que aluga o papel) — a diferença fica para as
corretoras, que intermedeiam os empréstimos. Antes, as tarifas
de aluguel, disponíveis no site da BM&FBovespa, se referiam
à média dos últimos quinze dias. Com dados sobre as taxas e
ferramentas para cruzá-los com informações do mercado à
vista, a Economatica espera oferecer aos RIs uma ferramenta
de acompanhamento dessas informações de forma sistemática.
Ainda assim, para que essa informação seja usada a favor
da companhia, outra barreira precisará ser vencida: os RIs
deverão se aproximar dos short sellers, em vez de repudiá-los, como muitas vezes acontece. Bernardo Gomes, gestor
dos fundos long-short da BBM Investimentos, observa que
nem sempre o investidor de posição vendida espera piora no
desempenho da companhia. “Muitas vezes, a venda a descoberto, feita por meio do aluguel, ocorre porque os múltiplos
de uma empresa estão muito elevados e há pouco potencial
de alta”, lembra Gomes. Esse tipo de venda é bastante usado
pelos fundos long-short, que realizam operações combinadas
de compra de algumas ações (long) e venda de outras (short).
Dessa forma, eles têm a possibilidade de lucrar com apostas
em diferentes direções — a baixa de uma ação e a valorização
de outra — ou de fazer uma arbitragem entre Ibovespa à vista
e Ibovespa futuro, vendendo um e comprando outro.
Porém, para detectar se a expansão do aluguel indica apenas movimentos táticos para ganhar nas duas pontas, como os
citados acima, ou uma visão de fato negativa sobre os rumos
do negócio, é preciso entrar em campo, como tem feito a
CPFL. Segundo Eduardo Takeiti, diretor de RI, a companhia
de distribuição de energia monitora diariamente o mercado de empréstimo de ações. “Quando percebemos que há um
aumento das operações envolvendo nossas ações, buscamos
entender o motivo.” Nesses momentos, a área de RI marca
reuniões com analistas de investimento para diagnosticar
os fatores que podem estar influenciando negativamente o
horizonte de preço dos papéis, além de informá-los sobre as
perspectivas para a companhia.
24 C APITAL A BERTO Outubro 2014
Varejo e energia são os mais requisitados
Em 2013, o movimento com aluguel foi exageradamente alto.
Isso se deve, principalmente, às expectativas negativas no
mercado acionário e à volatilidade causada pela erosão das
empresas do grupo X, que tinham peso importante no Ibovespa.
O índice futuro foi negociado com deságio em relação ao índice
à vista durante boa parte do ano, o que propiciou operações de
arbitragem — como o índice futuro estava mais barato, os investidores compravam-no e vendiam seu análogo à vista. Para efetuar
a venda, precisavam alugar as ações que compunham o índice.
A distorção foi eliminada neste ano, quando o humor dos
investidores melhorou um pouco e a bolsa mudou a metodologia
do Ibovespa, passando a dar menos peso à liquidez das ações.
Os papéis do grupo X saíram do índice, a demanda por aluguel
voltou a um patamar mais baixo e a taxa média caiu. O número
de contratos abertos no Banco de Títulos CBLC (BTC) foi de
R$ 34 milhões para R$ 30 milhões entre 15 de maio e 29 de agosto. A tarifa média do tomador das ações do Ibovespa encolheu de
1,27% para 0,79% no mesmo período, conforme a Economatica.
A expectativa, no entanto, é o aluguel continuar em ascensão:
“Há sempre novos investidores nesse mercado”, diz Michael
Viriato, coordenador do Laboratório de Finanças do Insper.
Em termos relativos, as empresas do setor de varejo e energia
elétrica possuíam a maior proporção de ações emprestadas no
dia 23 de setembro, desconsiderando a OGX: após esta, vieram
as ações de AES Tietê PN, Magazine Luiza ON , Lojas Marisa ON
e Cia. Hering ON. Quanto maior o percentual, maior o risco e a
volatilidade dos papéis. Se há mais ações em circulação alugadas, é mais provável que os preços sejam pressionados para
baixo (pela intensificação da pressão vendedora) ou para cima
(caso os investidores tenham que correr para comprar os papéis
no mercado à vista, na hipótese de elas eventualmente subirem).
O risco do aluguel pode ser analisado ao lado de outro indicador: o número de dias necessários para as vendas a descoberto
serem zeradas. Quanto maior o volume negociado e a liquidez
da ação, mais rápido o investidor consegue zerar suas posições.
Numa conjuntura em que as ações sobem, contrariando a
aposta de queda, o risco do tomador aumenta: afinal, ele se
comprometeu a devolver as ações em determinada data e terá
que comprá-las na bolsa.
Para não correr o risco de ter prejuízos elevados, ele pode se
ver obrigado a zerar sua posição, o que é feito pela compra das
ações no mercado à vista para devolvê-las ao doador. Dependendo do tamanho da posição alugada e do histórico de liquidez,
é possível prever que o investidor levará um determinado número de dias para concluir a compra de todas as ações. Nesse
quesito, a liderança estava com Telefônica Brasil ON, Embratel
Participações ON, AES Tietê PN, Cemig ON, Copasa ON e Lojas
Marisa ON. Confira os dados ao lado. (L. D. C.)
Em alta
Confira abaixo um retrato do mercado de empréstimo de ações
As cinco ações mais alugadas
Números absolutos
(valor dos contratos em aberto, em R$ bilhões)
Em relação ao free-float (em %) *
Itaú Unibanco PN
2,10
OGX Petróleo ON
12,39
Petrobras PN
2,05
AES Tietê PN
10,14
Bradesco PN
2,02
Magazine Luiza ON
9,91
Vale ON
1,36
Lojas Marisa ON
9,75
Ambev ON
1,16
Cia. Hering ON
9,37
Dados extraídos pela Economatica em 23/9/2014.
* O cálculo considera os contratos em aberto da ação no BTC sobre o valor de mercado da ação no free-float.
As cinco ações com maior
prazo para o investidor zerar
a posição de aluguel*
Telefônica Brasil ON
34,6 dias
Embratel Participações ON
27,7 dias
AES Tietê PN
22,2 dias
Cemig ON
20,5 dias
Copasa ON
20,1 dias
Dados extraídos pela Economatica em 23/9/2014.
* O resultado é a relação entre os contratos em aberto da ação no BTC e o
volume médio diário em 4 meses da ação no mercado à vista.
As dez maiores taxas de aluguel (em % ao ano)*
1 dia
30 dias
Lupatech ON
59,74
54,32
MMX Miner ON
14,09
13,55
Le Lis Blanc ON
13,87
14,50
Lojas Marisa ON
13,27
13,65
CCX Carvão ON
12,99
8,39
Dados extraídos pela Economatica em 23/9/2014.
* Taxa média do contrato do doador. O percentual é relativo ao valor do contrato.
Média anual dos contratos em aberto no BTC
Anos
Em R$ bilhões
2009
12,7
2010
20,5
2011
30,2
2012
32,0
2013
40,8
Fonte: BM&FBovespa.
Outubro 2014 C APITAL A BERTO 25
Capa
Hora de informar
Com o avanço do mercado de aluguel, muitos consideram que
está na hora de discutir o assunto mais a fundo. A transparência desejável, afinal, está longe de se encerrar com a clara
visualização das taxas de empréstimo por ação. Entidades
como o Instituto Brasileiro de Relações com Investidores
(Ibri) e a Associação de Investidores no Mercado de Capitais
(Amec) têm se debruçado sobre o tema. “O aluguel é excelente para a liquidez das ações, mas precisamos evoluir em
dois pontos: os limites do aluguel [em relação ao free-float]
e a identificação dos investidores”, resume Geraldo Soares,
presidente do conselho de administração do Ibri. Para ele, é
importante as companhias conhecerem aqueles que vendem
suas ações a descoberto. Afinal, uma possível concentração
dos empréstimos pode implicar riscos de grandes oscilações
e volatilidade nos preços. Por diligência, caberia aos diretores
de RI, inclusive, divulgar ao mercado eventuais concentrações
das posições vendidas, se dispusessem dessa informação.
A Instrução 358, de 2002, e o Ofício Circular 1 de 2014, da
Superintendência de Relações com Empresas (SEP) da CVM,
obrigam os investidores a informar o mercado sempre que
atingirem posição de 5% do capital de determinada companhia, seja no mercado à vista, seja por meio do aluguel de
ações. Da mesma forma, é compulsório que a venda de fatias
superiores a essa seja revelada. Não há exigência, entretanto,
de divulgação da posição líquida vendida (quanto o investidor está mais vendido do que comprado). Essa informação é
fundamental para entender a expectativa preponderante do
investidor para os papéis — de alta ou de baixa.
Na União Europeia, a crise de 2008 levantou a discussão
sobre o short selling, visto como benéfico em períodos de
normalidade mas pernicioso em momentos de estresse. O resultado foi uma regulamentação comum aos países-membro,
em vigor desde novembro de 2012, que impôs, entre outros
pontos, a comunicação da posição líquida vendida. Os investidores devem reportar esse dado às comissões de valores
locais sempre que atingirem 0,2% do capital de uma empresa.
Quando elas chegarem a 0,5%, é necessário informar também
o mercado. Além de ampliar a transparência, a norma visa
ajudar os reguladores a monitorar se as posições criam riscos
sistêmicos ou se estão sendo usadas com propósitos abusivos.
E faculta aos reguladores do mercado de capitais a iniciativa
de suspender temporariamente as vendas a descoberto sempre que for preciso.
Voto vazio
Outra distorção criada pelo aluguel de ações é o chamado
“empty voting”, situação em que um investidor usa ações alu-
26 C APITAL A BERTO Outubro 2014
gadas para votar numa assembleia e influenciar os resultados.
Na operação de aluguel, o doador transfere temporariamente
a propriedade do papel ao tomador e, com ela, direitos como
o de voto. O problema aí é a possibilidade de um investidor
estar simultaneamente comprado e vendido na mesma ação.
Ele pode votar em assembleia com os papéis que têm em
carteira (sua parte comprada), mesmo que elas sejam menos
relevantes que a posição vendida. Isso não significa necessariamente que ele votará contra os interesses da companhia
mas, no mínimo, que o fará sob claro conflito de interesses.
Por isso, assim como Soares, Mauro Cunha, presidente da
Amec, é favorável à identificação dos tomadores de ações e à
divulgação da posição líquida de cada investidor. Segundo ele,
são medidas que facilitariam o questionamento jurídico do
voto de um investidor contrário ao interesse da companhia
por ter alugado ações. Cunha acredita ainda numa postura
mais consciente dos investidores como outra forma de ajudar
a combater o empty voting. Acionistas de longo prazo que
emprestam suas ações para obter um rendimento adicional,
como os fundos de pensão, poderiam adotar políticas que
determinassem a interrupção do contrato de aluguel na
iminência de uma assembleia, por exemplo.
Espaço demais?
Outra discussão relevante, defende Soares, seria a dos limites para empréstimo de papéis. Embora a BM&FBovespa
estabeleça que as companhias não podem ter mais de 20% de
suas ações em circulação alugadas, ele acredita que esse teto
precisa ser discutido com o mercado. Para Takeiti, da CPFL,
o percentual é muito elevado, pois é amplo o suficiente para
gerar intensa volatilidade para as ações.
Procurada pela capital aberto para falar sobre o aluguel de ações, a BM&FBovespa não concedeu entrevista. Na
época em que expandiu o limite de empréstimo dos papéis
da Eletropaulo para 50%, sua atitude foi criticada — há uma
corrente que defende que a pressão vendedora dos tomadores
potencializa a queda das ações. Outros dizem que a desvalorização ocorreria de qualquer jeito, independentemente do
aluguel, pois o que a motiva são as perspectivas ruins para a
companhia. Independentemente de quem esteja certo, o fato
é que os aluguéis de ações vêm fazendo a cabeça de muitos
investidores. E o fenômeno é mundial. Nos Estados Unidos,
já existem até ativistas de posição vendida; eles não só torcem pela baixa das ações como encampam essa estratégia
por uma causa nobre (leia reportagem na p. 28). Os aluguéis,
portanto, deixaram de ser apenas uma modalidade alternativa
de obter ganhos. É bom RIs e reguladores aprenderem logo
a lidar com eles.
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Próximos Grupos de Discussão
16.10
Venture Capital e
Empreendedorismo
Corporate venture: uma oportunidade para companhias
e empreendedores
Empresas criam aceleradoras e fundos para investir em inovação. O que elas
estão buscando?
22.10
Relações Societárias
Tema do encontro: Acionistas na Justiça
A atuação do Judiciário na resolução de conflitos societários
30.10
Relações com Investidores
Tema do encontro: Tempo de ativismo
Como o maior engajamento dos acionistas vem transformando as relações
entre companhias e investidores
Inscrições e informações:
[email protected]
(11) 3775.1608/1600
www.capitalaberto.com.br/gd
Capa
Ilustração: Beto Nejme/Grau180.com
Capa
Super-heróis?
28 C APITAL A BERTO Outubro 2014
Nos Estados Unidos, investidores que apostam na
queda das ações desmascaram companhias e se
transformam em justiceiros
Por Bruna Maia Carrion
O
autodeclarado Batman do mercado de
ações conseguiu, nos Estados Unidos,
derrubar uma empresa espanhola. Daniel
Yu, por meio de sua firma Gotham City
Research — batizada em homenagem à
cidade fictícia do soturno super-herói —,
pôs abaixo a provedora de acesso gratuito à internet Gowex, listada no Mercado Alternativo Bursátil. Em julho, Yu afirmou
em seu site que 90% dos rendimentos alegados
pela empresa nos últimos anos eram falsos e que
a ação deveria valer zero, em vez dos quase € 20
pelos quais eram vendidas em 30 de junho.
Uma semana depois, a companhia admitiu ser
a fraude que Yu revelara. Entrou com pedido de
falência e suas ações deixaram de ser negociadas.
A trapaça tinha passado despercebida pela Comisión
Nacional del Mercado de Valores (CNMV), reguladora do mercado espanhol, e também pela bolsa
local. Foi preciso que Yu, um ativista de posição
vendida (“short seller activist”, no jargão em inglês)
que nunca mostrou seu rosto, revelasse o engodo.
O número de investidores que se proclamam
short seller activists vem crescendo nos Estados
Unidos. Alguns fazem parte de gestoras conhecidas
que também possuem posições compradas. David
Einhorn, da Greenlight Capital, é um deles. Ficou
famoso por ter identificado problemas no banco
Lehman Brothers em 2007, quase um ano antes
de a instituição falir e deflagrar a crise de 2008.
Outros são obscuros como Yu. Montam pequenas
firmas das quais são os únicos sócios e dedicam-se
exclusivamente a derrubar empresas suspeitas.
Criado em junho deste ano, o site Activist Shorts
Research monitora os ativistas de posição vendida.
Cobre 50 gestoras e investidores individuais famosos pela estratégia. Ao todo, eles já realizaram mais
de 400 campanhas pela queda de ações. O portal
divulga, inclusive, um ranking com o número de
campanhas e os resultados de 28 gestores. A lista
mede a desvalorização média dos papéis após a
intervenção dos ativistas: quanto menor o valor,
mais bem-sucedida a empreitada. No topo está a
Alfred Little, cujo dono, Jon Carnes, encabeçou
15 campanhas e conseguiu uma desvalorização
média de -62,8%.
Segundo Carnes, sua primeira tacada veio em
2010, depois de ele ter passado cinco anos estudando empresas chinesas (os principais alvos dos
short sellers) que desconfiava estarem falsificando
seus resultados. “Só vale a pena apostar na queda e
publicar meus achados depois de muito trabalho.
Preciso ter certeza de que a empresa é uma fraude”,
diz. O cuidado é não apenas para evitar acusações
falsas, mas também para não desperdiçar dinheiro.
O empréstimo de ações e as opções de venda são
as formas mais comuns de um investidor apostar
na baixa de uma companhia. A primeira estratégia
consiste em vender os papéis alugados na alta e
recomprá-los, no término do empréstimo, a um
preço inferior, embolsando a diferença. O segundo
expediente, para ser bem-sucedido, depende de o
valor de venda escolhido ser superior à cotação do
papel em bolsa, na data de vencimento da opção.
As taxas de aluguel e o preço das opções variam
conforme o emissor. Segundo Carnes, seu valor
anual pode chegar a 100% do valor da ação — o que
adiciona custos e risco à estratégia. Eventos como
o “short squeeze” também atrapalham: quando
muitos investidores ficam vendidos, a demanda
por aluguel aumenta. Com mais gente interessada,
a taxa de empréstimo e a cotação do papel sobem,
justamente o que os short sellers não querem ver.
Os ativistas de posição vendida ainda correm
um perigo extra: sofrer processo por difamação.
Carnes conta que isso já lhe aconteceu quatro vezes, mas em todas ele saiu ileso, pois ninguém conseguiu provar que estava mentindo: as empresas
eram, de fato, fraudadoras de balanços. “Os short
sellers são espertos e ficam em Nova York, estado
com um forte precedente a favor da liberdade de
expressão, o que nos protege”, explica. Um processo veio da Deer Consumer Products, companhia
chinesa que anunciava generosa margem de lucros
Outubro 2014 C APITAL A BERTO 29
Capa
na produção e na venda de utensílios de
cozinha (mais especificamente, de abridores de lata elétricos). Carnes alvejou
a empresa em março de 2011; a Nasdaq
a deslistou dois anos depois, após sucessivas interrupções das negociações.
Atualmente, ele conduz uma campanha contra a FAB Universal, companhia
chinesa de mídia e entretenimento
digital listada na Nyse por meio de uma
“empresa casca” com sede no Colorado.
Em relatório lançado em novembro
de 2013, Carnes denunciou que a FAB
possuía menos centros de distribuição
do que dizia ter e distribuía filmes americanos pirateados na China. Poucos
dias depois, em 22 de novembro, a negociação das ações foi suspensa pela Bolsa
de Nova York. Embora a princípio a
companhia tenha negado as acusações,
já em dezembro admitiu falhas internas e disse ter iniciado uma apuração.
A FAB está sendo deslistada pela Nyse
e é alvo de vários acionistas enganados
na Justiça. Se há investigações contra a
empresa na SEC, elas não são públicas.
Sob os holofotes
Daniel Yu, da Gotham City, tomou para
si o título de Batman e, como o super-herói, vive recluso. Jon Carnes, da Alfred Little, é menos misterioso: fala com
a imprensa, embora não faça muitas
aparições públicas. Os dois são o oposto
de Carson Block, da Muddy Waters,
outra gestora focada em desmascarar
companhias chinesas (leia mais na p.
seguinte). Block dá as caras em palestras
para universidades e programas de TV.
Nenhum deles, porém, busca tanto
os holofotes como Bill Ackman. O dono
da gestora Pershing Square protagonizou um infame episódio em janeiro de
2013, quando discutiu ao vivo na rede de
televisão CNBC com o ativista à moda
antiga Carl Icahn. O motivo foi Ackman
declarar que, desde maio de 2012, estava
vendido em papéis da fabricante de produtos para emagrecimento Herbalife.
Para ele, a empresa é um gigantesco
esquema de pirâmide, cuja renda vem
do recrutamento de pessoas e não da
venda de produtos. Sua aposta no fra-
30 C APITAL A BERTO Outubro 2014
Supercontroversos
Conheça os short sellers mais famosos
dos Estados Unidos
Jon Carnes:
Gestora: Alfred Little
Desvalorização média: - 62,8%
Número de campanhas: 15
É um dos mais bem-sucedidos short sellers.
Mira principalmente empresas chinesas
listadas nos Estados Unidos.
No momento, seu alvo é a FAB Universal,
distribuidora de mídia digital
David Yu:
Gestora: Gotham City
Desvalorização média: - 48,5%
Número de campanhas: 5
Yu conseguiu ver o que os reguladores
espanhóis não enxergaram. Empresa muito
bem posicionada no segmento de acesso
local, a provedora de acesso à internet
Gowex fraudava 90% de suas receitas.
Admitiu ser uma fraude uma semana
depois de as denúncias de Yu serem
publicadas na internet.
Majed Souiedan:
Gestora: Geoinvesting
Desvalorização média: - 48,5%
Número de campanhas: 38
Souiedan tem hoje cinco sócios que fazem
uma das mais intensas coberturas de fusão
reversa, processo em que uma empresa
(geralmente chinesa) passa a operar no mercado
americano após fundir-se com uma companhia
já listada nas bolsas locais (conhecida como
empresa-casca). Normalmente é nessas
operações que se encontram fraudes
e riscos de diluição.
casso da companhia não é modesta: a
posição vendida dele soma US$ 1 bilhão.
Icahn e outros nomes de peso, como
George Soros, se manifestaram veementemente a favor da empresa, na qual
estão comprados. Tão veementemente
que Icahn xingou Ackman no programa
da CNBC. Disse que ele não passava de
um menino que sofreu bullying na escola e que suas acusações eram absurdas.
A briga deu mais evidência ao ativista. Em 23 de julho deste ano, ele voltou
à CNBC, para uma apresentação em
que prometeu revelações bombásticas.
Disse que havia gastado US$ 50 milhões
em pesquisa para revelar a fraude da
Herbalife. O investimento, no entanto,
parece ter sido em vão. Ackman repetiu
seu discurso de sempre e, mais uma vez,
falhou na demonstração. Tanto que os
papéis da empresa, cujos preços haviam
despencado 15% quando ele anunciou
que faria a mais importante declaração
de sua vida, subiram 25% naquele dia.
É por situações assim que muita
gente critica os ativistas de posição
vendida. Considera-se que eles agem
não em prol do mercado, mas para manchar reputações e destruir companhias.
Seriam vilões, ao invés de super-heróis.
“Do jeito que é feito, está bem próximo
de uma manipulação do mercado”,
observa James Allen, diretor de políticas para o mercado de capitais do CFA
Institute, associação internacional que
representa analistas de investimentos.
O problema, segundo ele, é a distância entre o momento da apostas e o de
seu anúncio. Para Allen, o ético seria,
após longa e exaustiva pesquisa sobre
o assunto, os ativistas da baixa publicarem seus achados e, depois do anúncio,
adquirirem suas posições vendidas.
O CFA não possui nenhuma recomendação específica sobre o comportamento ideal de ativistas (sejam eles vendidos,
sejam comprados), mas vem pensando a
respeito. Jon Stokes, diretor de padrões
profissionais do instituto, chegou a
defender em seu blog que decisões de
investidores influentes sejam tratadas
com o mesmo cuidado e sigilo que os
fatos relevantes. “Se Warren Buffett
estivesse prestes a comprar ou vender
suas ações, um investidor razoável não
iria querer saber disso?”, questiona.
Na Securities and Exchange Commission (SEC) não há nenhum litígio
público contra short sellers. A regra
proíbe que analistas e gestores, independentemente da estratégia, divulguem
informações falsas ou enganosas para
desestabilizar o mercado. Entretanto,
ao contrário do investidor de posição
comprada, que deve avisar o mercado
quando sua participação supera 5% do
capital, o de posição vendida não precisa
informá-la (ainda que muitos o façam).
O Congresso americano discute a possibilidade de ampliar os requisitos de
transparência para short sellers.
Apesar das ressalvas, esses ativistas
têm seus defensores. No estudo How
constraining are limits to arbitrage? Evidence from a recent financial innovation,
os acadêmicos Alexander Ljungqvist e
Wenlan Qian analisaram campanhas de
short sellers e seus impactos no mercado. A conclusão: justamente por ter
um incentivo financeiro para encontrar
problemas — que seria drasticamente
menor caso seus achados viessem à tona
antes da compra das posições vendidas
—, esses investidores conseguem identificar distorções não percebidas por
reguladores. “A evidência mostra que
o mercado financeiro precisa de short
sellers para funcionar bem. Alguns deles
podem ser especuladores que não fazem
nada além de desestabilizar preços, mas
os de nossa amostra são geradores de informação que ajudam a corrigir preços”,
avaliam Ljungqvist e Qian, deixando
claro que credibilidade é fundamental
para influenciar o mercado.
Eu, vendido?
No Brasil, não se fala de ativistas de
posição vendida. E um dos motivos é
o baixo número de companhias que
teriam para alvejar. De acordo com o
Banco Mundial, enquanto nos Estados
Unidos as listadas somam mais de 4.100,
por aqui elas são 366. Dessas, apenas
cerca de 150 têm opção de compra
ou venda disponível para suas ações,
Bill Ackman:
Gestora: Pershing Square
Desvalorização média: - 42,8%
Número de campanhas: 8
É o mais famoso e polêmico short
seller. Desde o fim de 2012, se dedica
a provar que a Herbalife é um enorme
esquema de pirâmide. Ackman,
porém, ainda não conseguiu derrubar
significativamente as ações
da companhia.
Carson Block:
Gestora: Muddy Waters
Desvalorização média: - 21,8%
Número de campanhas: 13
Adora aparecer na televisão e dar
palestras. Seu foco são as empresas
chinesas com resultados bons demais
para ser verdade. Um dos mais
recentes ataques de Block atingiu a
NQ Mobile, companhia de software
para smartphones.
Jim Chanos:
Gestora: Kynikos Associates
Desvalorização média: - 1,5%
Número de campanhas: 25
É um dos mais antigos short sellers: atua
no setor desde os anos 1980. Alguns o
consideram a “versão vendida” de Warren
Buffett. Uma de suas melhores tacadas foi
apostar na queda da Enron antes do colapso.
David Einhorn:
Gestora: Greenlight Capital
Desvalorização média : 23,2%
Número de campanhas: 12
+
É um dos mais famosos. Disse, um ano antes
da crise de 2008, que o Lehman Brothers
tinha excesso de créditos podres em seu
balanço. Apesar de ter acertado nessa, ele
fez algumas apostas malsucedidas.
A Moody’s valorizou quase 200% depois
que ele anunciou a posição vendida na
agência de rating, prejudicando seu
currículo (e seu bolso).
sendo que Petrobras e Vale são as únicas
líquidas o suficiente para comportar
apostas vultosas.
A alternativa, portanto, para empreender uma posição vendida é o aluguel de ações, que requer dos locatários
um risco considerável. No Brasil, há três
tipos de contrato para essa operação:
um com prazo fixo para a devolução das
ações; outro em que o tomador pode
devolver os papéis ao locador quando
desejar; e um terceiro em que qualquer
uma das partes pode devolver ou exigir
de volta as ações quando bem entender.
A última forma é a mais comum no
Brasil: 70% dos contratos de aluguel de
2013 a utilizavam. “É complicado manter posições vendidas. Salvo eventos
atípicos como bolhas ou falências, não é
fácil ganhar dinheiro com isso”, comenta Marcos Peixoto, gestor de carteiras
long-short (que podem ter posições
compradas ou vendidas em companhias)
da XP Investimentos. O risco de short
squeeze também incentiva os gestores
a não dar publicidade a suas apostas.
Hoje, há no Brasil 163 fundos long-short, conforme a Associação Brasileira
das Entidades dos Mercados Financeiro
e de Capitais (Anbima). A capital aberto procurou alguns, mas quase todos
declinaram o pedido de entrevista. “Não
pega bem admitir que você aposta na
queda da companhia. O diretor de relações com investidores não é receptivo
com quem está vendido; você é visto
como um mero especulador”, conta um
gestor que preferiu não se identificar.
Quanto aos custos, os short sellers
brasileiros e americanos estão expostos
a despesas semelhantes. Ao contrário
dos Estados Unidos, todavia, o Brasil
não tem uma esfera jurídica preparada
para julgar processos contra investidores vendidos, o que aumenta o risco de
eles serem condenados por difamação.
Diante desses fatores, fica fácil entender
por que esse movimento não pegou por
aqui. Nossos investidores ainda treinam
para ser combativos como o tradicional
ativista de posições compradas Carl
Icahn. Yus e Bill Ackmans são apenas
uma curiosa realidade distante.
Outubro 2014 C APITAL A BERTO 31
Ilustração: Beto Nejme/Grau180.com
Investi mentos
32 C APITAL A BERTO Outubro 2014
De olho no gestor
Por Bruna Maia Carrion
Altamente
rentáveis,
firmas de
gestão de
recursos se
proliferam
com rapidez
no Brasil. Mas
a tendência,
aqui e lá fora,
é a atividade
se tornar mais
cara e vigiada
Um roteiro é cada vez mais comum
no ambiente de investimentos brasileiro: funcionários de grandes bancos
decidem que chegou a hora de empreender, deixam seus empregos, pegam
seus milhões e abrem uma gestora para
administrar o patrimônio próprio e de
terceiros. O movimento está refletido
no aumento consistente do número
de assets. Se, em janeiro de 2012, 551
gestoras eram signatárias do código
de fundos da Associação Brasileira das
Entidades do Mercado Financeiro e de
Capitais (Anbima), em setembro este
número já alcançava 647. Isso significa
um crescimento de 17% em dois anos e
meio. “No sentido da realização pessoal
e também no financeiro, abrir uma gestora pareceu uma alternativa melhor do
que continuar no banco”, conta Carlos
Calabresi, que saiu do BNP Paribas para
montar a Garde Asset Management.
Lançada em dezembro de 2013 com
R$ 50 milhões em recursos de Calabresi
e de outros seis sócios, a gestora mais
do que triplicou esse montante em
apenas dez meses de operação — nada
mal para um ano em que o mercado
espera crescimento de meros 0,3% para
a economia.
O negócio de gestão de recursos é,
de fato, muito convidativo. Embora
estejamos bem atrás dos americanos,
por exemplo — eles possuem US$ 17,05
trilhões (cerca de R$ 40,8 trilhões) aos
cuidados de terceiros; o Brasil, R$ 2,47
trilhões —, a poupança disponível para
investimentos cresce a um ritmo animador: entre 2010 e 2013, o volume de
recursos geridos em fundos no País aumentou 54,3%. Além disso, as margens
são bastante elevadas. De acordo com
dados da Anbima de julho deste ano, a
taxa de administração média dos fundos
multimercado é 1,21% do patrimônio
líquido ao ano, enquanto a de fundos de
ação é 1,85%. Além dessa remuneração,
os gestores bem-sucedidos ganham taxa
de performance (aplicada sobre o ganho
de capital). Tudo isso acompanhado de
um investimento relativamente baixo:
os principais custos das gestoras são
seus funcionários — que, em muitos
casos, são sócios — e a tecnologia para
investimento, como a dos softwares de
negociação e cálculo de risco.
Não à toa as gestoras estrangeiras
também estão atrás desse filão. A escocesa Aberdeen é um exemplo. Inaugurou sua sede brasileira em 2009, mas até
o ano passado se dedicava apenas a gerir
ativos locais para seus veículos de investimento sediados no exterior. Este ano,
a despeito do cenário econômico pouco
estimulante, decidiu lançar dois fundos
para captar recursos em solo nacional.
Já a gestora americana NCH Capital,
fundada em 1993, abriu um escritório
no Rio de Janeiro em 2012 e, em maio
deste ano, começou a operar um fundo
de ações brasileiro. Em breve, também
pretende lançar um veículo para gerir
recebíveis imobiliários. “Nossa aposta é
que o País vai desenvolver uma cultura
Outubro 2014 C APITAL A BERTO 33
Invest i m e ntos
de investimento em ações bem mais
forte que a atual. Há espaço para novas gestoras”, diz James Gulbrandsen,
gerente de portfólio da NCH no Brasil.
Capital na mão?
Algumas novidades, no entanto, podem
atrapalhar o ímpeto dos profissionais em abrir suas próprias gestoras.
Uma delas surgiu em decisão do colegiado da Comissão de Valores Mobiliários
(CVM) de 6 de agosto, que solicitou à
Superintendência de Desenvolvimento
de Mercado (SDM) um estudo sobre
“eventual obrigatoriedade de se impor
regras de capital mínimo a gestores de
recursos de terceiros”.
Não ficou claro se, com o termo
“capital mínimo”, a CVM se refere à exigência de um investimento dos sócios
nos fundos — prática já usual entre as
gestoras — ou, o que é mais provável,
a um colchão de recursos aplicado em
ativos líquidos e pouco arriscados para
cobrir contingências operacionais como
processos movidos por cotistas, multas
dos reguladores ou resgates em massa.
A SDM foi procurada pela reportagem
para esclarecer o assunto, mas afirmou
que o estudo ainda é incipiente e nada
foi definido.
Os profissionais do mercado já discutem o tema. “Dependendo do valor,
a exigência de capital mínimo pode ser
boa para dar segurança ao mercado.
Porém, a quantia não pode ser alta a
ponto de impedir a entrada de novos
participantes”, pondera Gulbrandsen.
Valério Marega Júnior, presidente da
ASK Brasil, asset com R$ 40 milhões
em recursos sob gestão e focada em
investimentos de alto risco, é contra
a obrigatoriedade de capital mínimo.
“Discutir isso é focar uma questão não
essencial para o mercado brasileiro”,
critica (leia mais argumentos favoráveis
e contrários ao requisito na coluna Antítese, à p. 36).
A decisão da CVM de pôr o assunto
em pauta segue uma tendência mundial. O tema começou a ser discutido
no âmbito da International Organization of Securities Commissions (Iosco),
34 C APITAL A BERTO Outubro 2014
Instrução 306 deve
exigir um documento
público anual com
dados sobre as
atividades da asset,
os tipos de ativo,
a remuneração dos
gestores e o perfil
dos clientes
instituição que congrega reguladores
do mercado de capitais de vários países
do mundo, logo depois de 2008, mas
ganhou destaque nos últimos dois anos.
Nos Estados Unidos, o debate tornou-se polêmico em 2012. Foi quando o
Financial Stability Oversight Council
(FSOC), órgão ligado ao Tesouro
americano e à Securities and Exchange
Commission (SEC), declarou estar considerando a hipótese de requerer um colchão de capital para compensar eventuais perdas do chamados money-market
funds (MMFs).
O MMF é o tipo mais simples e
acessível de investimento disponível
para investidores americanos e europeus: consiste na aplicação de recursos
em dívida líquida de alta qualidade
e de curto prazo — nesse sentido,
semelhante ao fundo DI brasileiro.
A diferença é que ele funciona quase
como uma conta corrente em que o
cidadão comum deixa o dinheiro para
as despesas do dia a dia, mantendo uma
remuneração mínima. “Em situações
de crise, os MMFs se assemelhariam
a um banco; resgates fortes poderiam
demandar a atuação do governo para
garantir liquidez”, explica Marcelo
Giufrida, da Garde Investimento. Por
meio da obrigação de capital mínimo
para esses fundos, os reguladores visam
minimizar os efeitos de resgates em
massa, como ocorreu em 2008 nos Estados Unidos e na Europa. Na ocasião,
alguns MMFs americanos chegaram
a receber aportes do governo federal
para garantir a liquidez das cotas.
Para o Investment Company Institute (ICI), associação de companhias
de investimento americana, o colchão
de recursos é uma péssima ideia, especialmente por ser voltado a um tipo de
fundo que oferece pouco risco e baixo
retorno. Para formar a reserva de capital, constata a associação, os gestores
de MMF teriam que levantar capital no
mercado ou retirá-lo de outras áreas do
negócio e deixá-lo praticamente parado
numa conta, sem gerar rentabilidade.
“Se os gestores não puderem obter o
retorno desejado com esses fundos, vão
buscar alternativas, como transferir seus
clientes para fundos menos regulados.
Os investidores, portanto, continuariam carregando os riscos de investir”,
alerta o ICI.
No Brasil não há nenhum veículo
nos moldes do MMF — um fundo de
investimento cuja importância no cotidiano da população levaria o Tesouro
nacional a cobrir resgates. Quando os
fundos de investimento passam por
retiradas massivas no Brasil, as gestoras
seguem o que está previsto na maioria
dos regulamentos: a instituição administradora da carteira determina a
suspensão de pagamentos aos cotistas
e convoca assembleia para deliberar o
encerramento do fundo ou a proibição
de resgates por tempo determinado.
Quanto à preocupação de fortalecer as
gestoras para o caso de cotistas moverem processos contra elas, já existem
seguros para isso. “Em nossa realidade,
o capital mínimo serviria como uma
barreira de entrada a novas assets, mas
não seria eficiente para garantir o patrimônio de investidores. De que adianta
um colchão de alguns milhões se o valor
gerido é muito maior?”, observa Otavio
Yazbek, advogado e ex-diretor da CVM.
Por que, então, o regulador estuda
implantar o capital mínimo por aqui?
De acordo com os gestores e especialistas ouvidos pela reportagem, o objetivo
da CVM seria alinhar-se às regras internacionais, de modo a evitar a arbitragem
regulatória — migração de agentes do
mercado para países com normas mais
flexíveis. “Os membros da Iosco costumam trabalhar para harmonizar as
regras, evitando a arbitragem. É natural
que a CVM discuta os tópicos debatidos
lá fora, mas isso não quer dizer que eles
devam ser aplicados no mercado brasileiro”, considera Giufrida.
Corrida pela transparência
Com ou sem capital mínimo, há uma
tendência internacional de que as gestoras de recursos passem a lidar com
regras mais duras. No estudo Asset
management 2020: a brave new world,
a consultoria PwC observa que, nos
últimos anos, reguladores e legisladores
se concentraram em colocar nos eixos
o setor bancário, cujos excessos foram
expostos após a crise financeira de 2008.
Agora, seria a vez de as assets enfrentarem as consequências de uma escalada
regulatória, que tende a ganhar intensidade até 2020. “Os reguladores estão
voltando sua atenção para os gestores
de recursos, ao escrutinar suas culturas, as interações com consumidores
e a efetividade na aplicação de regras”,
destaca o relatório da PwC, publicado
em fevereiro nos Estados Unidos.
Boa parte das mudanças deve caminhar no sentido de requerer mais
transparência dos gestores. Diante do
temor de uma nova crise e da preocupação mundial em criar leis anticorrupção,
evitar sonegação fiscal e prevenir desvio
de dinheiro para regiões sob sanção
(como países do Oriente Médio e, mais
recentemente, a Rússia), espera-se que
as assets tenham que divulgar com mais
frequência o destino de seus recursos.
Existe também a tendência, nos Estados Unidos e na Europa, de regular os
fundos de hedge, até então dispensados
de registro em muitos países. Na União
Europeia, esse endurecimento já entrou
em vigor, em julho de 2013. A Diretiva
dos Gestores de Fundos de Investimento Alternativos (AIFMD, na sigla em
inglês) limitou a alavancagem dos hedge
funds e os obrigou a realizar testes de
estresse. Além disso, passou a demandar
que divulguem anualmente um relatório com informações ao investidor,
como, por exemplo, a remuneração
dos principais gestores. Seus parentes
brasileiros, os fundos long-short, nunca
foram dispensados de registro por aqui
e estão sujeitos às mesmas regras dos
demais veículos de investimento. Por
isso, ainda não houve necessidade de
se voltar para eles.
A reforma da Instrução 306 da CVM,
posta em audiência pública em 2012,
deve trazer exigências semelhantes para
as gestoras — como a divulgação anual
de um documento nos moldes do formulário de referência costumeiramente
publicado pelas companhias abertas.
Atualmente, as assets enviam um relatório anual à autarquia, mas ele não
fica disponível ao público. A intenção é
que isso mude e todos possam acessá-lo por meio da internet. Além disso,
devem passar a ser exigidas informações
mais detalhadas sobre as atividades da
asset, os tipos de ativo, a remuneração
dos gestores e o perfil dos clientes.
A nova 306 deve requisitar ainda que os
gestores de recursos passem por exames
de certificação para poder atuar no
ramo e que as instituições divulguem
suas práticas de controle de risco. “Isso
significará um custo a mais, mas que
será compensado com um mercado
mais transparente”, opina Gulbrandsen,
da NCH.
O texto final da norma foi aprovado
em agosto pela CVM, mas ainda não
veio a público. Como cravou a PwC,
um mundo novo se avizinha para as
gestoras, e esse movimento contempla
o Brasil. Se bem dimensionado, o funil
regulatório poderá garantir mais qualidade e segurança ao investidor, sem
desencorajar talentos.
Outubro 2014 C APITAL A BERTO 35
Antítese
É válida a exigência de capital mínimo para gestoras?
O texto da Instrução 306 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM),
publicado em 1999 e submetido a alterações posteriores, teve uma proposta de
atualização levada a audiência pública
em 2011. Dada a distância entre a data
de encerramento da audiência e os dias
atuais, alguns aspectos sobre a administração de carteira de valores mobiliários
surgiram, tornando forçoso que a CVM
proponha uma nova audiência pública.
Um desses aspectos é a necessidade de
as administradoras que concentram sua
atividade na gestão de recursos — as
chamadas gestoras — apresentarem
capital mínimo para funcionar.
Sobre esse tema muito se tem discutido. Posições contra e a favor levam aos
mais diferentes raciocínios e justificativas. Um dos argumentos a favor do capital mínimo passa pelo entendimento do
papel do gestor de recursos na engrenagem do mercado de capitais, trazendo à
tona a questão da estrutura necessária
para se desempenhar a atividade.
Para qualquer tipo de público que o
gestor distribua seu veículo de investimento, qualificado ou não, uma infraestrutura adequada é indispensável,
pois oferece segurança ao investidor.
O texto proposto pela audiência pública indica requisitos mínimos para o
gestor, tais como: a realização de con-
troles internos, de gestão de risco (própria ou, se for terceirizada, monitorada
permanentemente) e compliance; a
existência de departamento técnico
de análise; o fornecimento
de informações por meio
de relatórios na periodicidade que a atividade demandar; e a disposição de
profissionais suficientes
para colocar a estrutura
em condições de funcionar, além de recursos de
tecnologia da informação
(TI) necessários para fazer
frente a toda a demanda
operacional.
Conclui-se que, para o
exercício sério da atividade,
um gestor necessita muito
mais do que a correta capacitação técnica e o indispensável faro de mercado.
Para tanto, o capital mínimo cumpre
perfeitamente esse papel. Demanda
que o gestor invista recursos em sua
infraestrutura e, assim, reúna um conjunto de requisitos que dê ao investidor
a segurança de que sua gestão possui
critérios e condições profissionais para
ser um “player” no mercado. Essa regra, se aprovada, levantará a régua das
exigências ao criar um padrão para os
novos empreendedores do mercado e
corrigir as distorções porventura existentes nos gestores em atividade. Além
disso, o capital mínimo em alguma
medida dificultará a entrada daqueles
que pretendem utilizar a
gestão em proveito próprio,
arriscando, sem estrutura, recursos de poupança
privada.
Alguns poderiam argumentar que a imposição
seria um limitador para
profissionais competentes
mostrarem suas habilidades e que o capital mínimo
não impede incompetência, fracasso e insucessos.
O raciocínio é correto, mas
a discussão não se refere a
competência nem a expertise — e, sim, ao comprometimento
de que os recursos serão gastos para
criar melhores condições de gerir o
patrimônio de terceiros. Atribuir ao
capital mínimo o papel de colchão para
ressarcimento de eventuais prejuízos a
investidores ou para eventuais demandas de solidariedade de administradores
e custodiantes também é equivocado.
Qualquer valor estabelecido seria desproporcional aos volumes sob gestão e,
portanto, aos prejuízos que poderiam
vir a ocorrer.
É preciso
mais que
capacidade
e faro para
o exercício
sério da
atividade
Luiz Antunes Müssnich ([email protected])
é advogado e conselheiro
da Holding Petra S.A.
36 C APITAL A BERTO Outubro 2014
Nos Estados Unidos, o gestor profissional é considerado um prestador de
serviço, como o médico, o contador ou
o advogado. Seu registro e sua possibilidade de atuação têm como foco a comprovação de organização e capacidade
técnica. Exames, treinamento contínuo,
procedimentos estritos e padronizados,
além de transparência, caracterizam a
atuação dos gestores (pessoas físicas e
jurídicas), conforme as exigências da
Securities and Exchange Commission
(SEC) e dos órgãos autorreguladores.
No Brasil não é diferente: a Comissão
de Valores Mobiliários (CVM) realiza
auditoria e questionamentos e demanda
comprovação de currículo e experiência.
A Associação Brasileira das Entidades
do Mercado Financeiro e de Capitais
(Anbima) requisita a formalização de
manuais e procedimentos internos, além
de aprovação em exame.
A exigência de capital mínimo nos
Estados Unidos, país em que litígios
por danos têm consequências severas, é limitada a valores módicos, que
variam de US$ 10 mil a US$ 35 mil do
patrimônio líquido da gestora. Faz
sentido que o montante seja pequeno.
Os pontos essenciais para se evitar
problemas são supervisão e controle.
Cabe lembrar que a crise de 2008 foi
gerada pela proliferação de instrumentos
com alavancagem por entidades como
bancos e fundos de hedge. Todas as
instituições eram de grande porte. Situações como o golpe de Bernard Madoff
e casos de investidores com
informação privilegiada
acontecem com ou sem
capital mínimo. Elas decorrem de má-fé ou de falhas
em auditorias.
Erros operacionais, que
poderiam levar a processo,
justificam um capital mínimo? Todas as categorias
profissionais são sujeitas a
erros. Médicos, controladores de vôo e farmacêuticos lidam com vidas. O que
seus respectivos órgãos de
regulação requisitam é a
excelência no trato da profissão. Esses
prestadores de serviço precisam apresentar capital mínimo? Não.
É preciso fomentar o mercado das
gestoras, e não o contrário. A diversidade de gestoras significa criatividade
na indústria, novos produtos e melhores serviços. Nos Estados Unidos,
as pequenas geram empregos e estimulam a descentralização geográfica.
É importante que nosso mercado de
valores mobiliários tenha vida própria,
separada do setor bancário.
Há realmente um problema a ser solucionado? O número de casos, processos e reclamações contra as pequenas é
relevante? Não. Ao contrário. O controle,
já estabelecido por entidades
como CVM e Anbima, bem
como por administradores
de fundos e auditores, é
eficiente. Gestoras menores
tendem a ter investidores
qualificados como clientes, cuja relação é próxima.
A bem da verdade, é bom
lembrar, as gestoras auxiliam
o regulador no processo
de supervisão, por serem
veículos aglutinadores e
organizadores.
Os Estados Unidos têm
em torno de 10.500 gestores.
Enquanto isso, o Brasil conta com cerca
de 600. A dinâmica de nosso jovem
mercado determinará a quantidade
de participantes. A consolidação é um
processo natural, em que a resposta virá
do cliente, o investidor.
A CVM deve zelar pelo funcionamento do mercado e pela proteção do
investidor. O número de participantes
e a lucratividade da indústria não fazem parte de seu escopo. A fiscalização
terá de crescer com o maior número
de investidores.
Não há um
problema
a ser
solucionado.
O controle
estabelecido
é suficiente
Christian Sant’Anna
([email protected]),
CFA, é gestor de recursos
na Titan Capital
Outubro 2014 C APITAL A BERTO 37
Ilustração: Beto Nejme/Grau180.com
Infraestrutura
38 C APITAL A BERTO Outubro 2014
Uma
década
de
PPPs
Ainda bastante
dependentes do
financiamento
estatal, parcerias
público-privadas
começam a usar
o mercado
de capitais
Em dezembro, a Lei 11.079, que instituiu a parceria público-privada (PPP),
completa dez anos. Criada para tirar do
papel as obras de infraestrutura brasileiras, ela inaugurou uma nova forma de
se desenvolver projetos. Nesse modelo,
o ente privado se encarrega de planejar,
financiar, executar e operar determinada obra ou serviço para a administração
pública, em troca de receber dela um
pagamento periódico, vinculado a seu
desempenho. Até o início de setembro,
segundo levantamento do portal PPP
Brasil, 65 parcerias foram assinadas: 37
pelos estados, 27 pelos municípios e 1
pela União. Mais da metade (55%) foi
celebrada nos últimos três anos. Cerca
de um quarto de todas as PPPs realizadas refere-se a projetos de saneamento.
Quando o modelo foi lançado,
cogitou-se o mercado de capitais como
possível fonte de financiamento dos
projetos a serem erguidos. A prática,
porém, não corroborou a expectativa.
“A presença do mercado de capitais é
praticamente inexistente. O financiamento está sendo feito pelos bancos
públicos, como BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social], Banco do Nordeste ou Caixa”,
afirma Fernando Albino, sócio do Albino Advogados, que contribuiu para
a elaboração do projeto de lei sobre as
PPPs, aprovado em 2004.
O motivo é simples: com a oferta de
crédito a taxas extremamente atrativas,
os bancos públicos minam o espaço do
Por Roberto Rockmann
financiamento privado. Esse cálculo
matemático levou a CAB Ambiental
a descartar o mercado de capitais na
captação de recursos para as PPPs de
que participa. A companhia de saneamento, que já cogitou abrir o capital
em 2011 no Bovespa Mais, presta dois
serviços ao poder público. Uma parceria
foi acordada com a Sabesp, em 2009, e
a outra com a concessionária alagoana
de água, a Casal, em 2012. “Poderíamos
ter buscado recursos no mercado de
capitais para executar as obras, mas
seria mais caro”, confessa Galvão.
Na associação estabelecida com a Sabesp, o financiador foi o BNDES; na da
Casal, a Caixa Econômica Federal.
A concessionária alagoana precisava
de dinheiro para engendrar um sistema
de abastecimento de água na região de
Arapiraca, a 140 km de Maceió. Sua
situação financeira, contudo — passivo
superior a R$ 500 milhões, além de patrimônio líquido negativo —, a impedia
de contratar empréstimo num banco
estatal. A alternativa foi firmar uma PPP
de 30 anos com a CAB, que prevê R$ 143
milhões em investimentos.
O sistema de água, entregue em julho, permitirá à concessionária atender
novos clientes comerciais. Entre eles,
uma mineradora, disposta a investir
R$ 1 bilhão na exploração de cobre, e
um shopping center. “O dinheiro que
receberemos da mineradora pelo fornecimento de água representa um quarto
do que devemos pagar de contrapres-
Outubro 2014 C APITAL A BERTO 39
I nfra estru tu ra
tação para o contrato de PPP. Teremos
lucro e ainda recursos para financiar a
parceria, com um sistema que fornecerá 1.500 metros cúbicos por hora de
água”, comemora o presidente da Casal,
Álvaro Menezes.
Primeiros passos
Embora o financiamento particular ainda seja escasso nas PPPs, algumas devem
começar a usar títulos do mercado de
capitais — por incentivo das próprias
instituições do governo. A Caixa Econômica Federal está oferecendo uma
linha de crédito especial, no valor de
R$ 600 milhões, para projetos urbanísticos e de saneamento que emitam certificados de recebíveis imobiliários (CRIs).
“Essas alternativas são importantes,
porque em algum momento o BNDES,
principal financiador da infraestrutura
nacional, não terá recursos para todos
os investimentos”, projeta Byung Soo
Hong, sócio do MHM Advogados. Segundo ele, algumas prefeituras estariam
estudando opções de custeio fora do
sistema bancário.
Uma delas é a de Belo Horizonte.
A prefeitura local cogitou usar fluxo
de recebíveis imobiliários, como o
Imposto Predial e Territorial Urbano
(IPTU), para financiar obras em PPP
no município. Mas, para não ficar com
a receita atrelada a um projeto por todo
o prazo da parceria, acabou optando por
usar recursos vinculados ao orçamento
geral do município. “Algumas cidades já
começam a estudar a possibilidade de
securitizar o fluxo de IPTU [em imóveis] de PPPs de saúde, com a emissão
40 C APITAL A BERTO Outubro 2014
de títulos com prazo de dez anos, para
financiar a contraprestação ao ente
privado”, conta Rosane Meira, sócia do
MHM Advogados.
A securitização de recebíveis também
tem sido adotada para financiar PPPs no
Peru. A diferença é que a emissão parte
do setor privado. Conforme a execução
do projeto caminha, o empreendedor
recebe um certificado de cumprimento
das etapas do cronograma; o Estado não
faz um desembolso, porém reconhece
possuir uma dívida a pagar. Com base
nesse direito creditório, a companhia
pode emitir um papel lastreado no reconhecimento da dívida para financiar
as outras etapas do projeto, explica
Tatiana Cymbalista, sócia do Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques,
escritório especializado no setor de
infraestrutura. “No Brasil, a debênture
incentivada de infraestrutura também
poderia ser uma opção de financiamento das PPPs”, comenta. Até agora, no
entanto, nenhuma parceria público-privada foi custeada por esse título, que
oferece isenção de Imposto de Renda
(IR) para os investidores estrangeiro e
pessoa física nacional.
Quando se firma uma PPP, a concessionária do serviço cria uma sociedade
de propósito específico (SPE), que pode
ser sociedade anônima ou empresa limitada. Mesmo a segunda tende a adotar
regras da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) de garantia de direitos aos
minoritários e transparência dos resultados. Um exemplo é a PPP da rodovia
BR-093, instituída entre o governo
da Bahia e as empreiteiras Invepar e
Odebrecht Transporte. De acordo com
Tatiana, o contrato da obra exige, numa
cláusula, que as informações prestadas
pela concessionária sigam as normas
da CVM para empresas de capital
aberto. Alguns convênios vão além: já
requerem da SPE ser uma companhia
aberta e, em alguns casos, ter valores
mobiliários negociados no mercado.
Esse tipo de cláusula existe, por exemplo, no documento que norteia a PPP da
Rodovias Tamoios.
Avanço moderado
Ainda que a legislação tenha sido estabelecida em 2004, apenas nos últimos
cinco anos os contratos ganharam
velocidade, tanto nos Estados como
nos municípios. Para se ter uma ideia,
no último ano, o número de PPPs na
área da saúde aumentou quase 150%.
As parcerias público-privadas também
evoluíram no setor de saneamento, que
registra mais de R$ 10 bilhões em negócios fechados recentemente ou em vias
de serem selados.
Em fevereiro, a cidade de Paraty, no
litoral fluminense, pactuou um convênio com a concessionária Água do
Brasil, que deve gastar R$ 85 milhões nos
primeiros quatro anos e R$ 145 milhões
em três décadas. No triênio inicial da
parceria, 100% da população que está na
área da concessão receberá água tratada
(inclusive em alta temporada) e, em cinco anos, 82% do município terá esgoto
coletado e tratado. A modelagem é inédita no Brasil. Além da contrapartida da
prefeitura, a PPP conta com recursos do
governo estadual, por meio do Fundo
Estadual de Conservação Ambiental e
Desenvolvimento Urbano, e do governo
federal, via Eletronuclear, subsidiária
da Eletrobras voltada à operação e à
construção de usinas termonucleares.
“No início, havia descrença e desconfiança em relação às parcerias. Essas
percepções foram sendo vencidas, ao
mesmo tempo em que estados e municípios aprenderam mais com a legislação”,
observa Albino.
A expansão dos procedimentos de
manifestação de interesse (PMIs) também ajudou a fomentar o progresso das
PPPs. Por meio desse instrumento, o
setor público obtém estudos técnicos
e de viabilidade econômica sobre projetos de infraestrutura em sua agenda.
A realização da pesquisa fica a cargo das
empresas interessadas em disputar contratos de concessão. Devido à falta de
corpo técnico em municípios e Estados
para realizar esse tipo de análise, o PMI
se tornou uma importante ferramenta
para fazer as parcerias público-privadas
saírem do papel. Desde 2011, quando os
estados começaram a regular a legislação do PMI, mais de cem procedimentos
de manifestação de interesse foram
feitos, segundo o coordenador do portal
PPP Brasil, Bruno Ramos Pereira. Entre
2004 e 2010 ocorreram menos de 20.
“O apetite por risco do agente privado
cresceu a partir de 2011, com as indicações de mais projetos de infraestrutura
no Brasil. Além disso, o investidor viu
que integrar uma PPP significa estar
presente num empreendimento de
maior valor agregado, em que se participa de todo o ciclo de vida dele.”
Quando se firma uma
PPP, a concessionária
do serviço cria
uma sociedade de
propósito específico
(SPE), que pode ser
sociedade anônima
ou empresa limitada.
Mesmo a segunda
tende a adotar
regras da CVM de
garantia de direitos
aos minoritários e
transparência
dos resultados
Na visão de Rosane, do MHM, a
regulamentação dos ramos de atividade ligados à infraestrutura pode ser
benéfica ao desenvolvimento das PPPs.
O setor de saneamento, que concentra
um quarto das parcerias público-privadas, não tem uma agência reguladora
federal, e alguns Estados também não
contam com entidades para normatizar
a atividade. “A presença de uma agência
reguladora dá mais independência às
decisões e confere maior segurança
regulatória. No setor de saneamento,
porém, não há indicação de que possa
haver avanços em breve”, constata.
Albino, por sua vez, defende mudanças na tributação dos projetos erguidos
pelas PPPs. Hoje, numa parceria que
contemple a construção e a gestão de um
hospital, por exemplo, a concessionária
deve pagar PIS, Cofins e IR na etapa
de construção. Um projeto de lei em
tramitação no Congresso há três anos
pretende isentar as PPPs de áreas sociais,
como saúde e educação, dessas tarifas.
“O Estado, que paga a contraprestação
do serviço, acaba sendo onerado por
essa estrutura, já que o agente privado
repassa o custo”, diz o advogado.
Considerando que as intenções de
investimentos em infraestrutura superam R$ 1 trilhão até 2018 (de acordo com
dados da Associação Brasileira de Tecnologia para Construção e Mineração),
muitas parcerias público-privadas ainda
devem ser celebradas. Com o desejo do
BNDES de aplicar menos dinheiro de
seus cofres nessas obras, o mercado de
capitais ganha uma chance de entrar
em cena.
Outubro 2014 C APITAL A BERTO 41
Estatais
Fora da
Ilustração: Beto Nejme/Grau180.com
tomada
42 C APITAL A BERTO Outubro 2014
Eletrobras perde metade
do valor de mercado no
governo Dilma, mergulha
em prejuízos após
mudança de tarifas e
ainda torra reservas para
pagar dividendos Por Yuki Yokoi
“Q
uem opta por ser acionista de uma sociedade
de economia mista tem
plena noção de que o
objetivo do controlador
poderá não ser apenas
o lucro, mas também
a prestação de serviço
público e a satisfação do interesse
comum da sociedade.” O trecho faz
parte do processo administrativo que a
Comissão de Valores Mobiliários (CVM)
move contra a Eletrobras e que aguarda
julgamento. Assinado pelo procurador
da Fazenda Nacional Luiz Frederico
de Bessa Fleury, em maio passado, faz
parte da argumentação do governo federal para justificar sua intromissão na
companhia elétrica durante o polêmico
episódio da renovação de concessões.
A frase evidencia também o maior
problema da companhia atualmente:
o turvo limite entre os interesses da
sociedade, do governo e dos acionistas
privados da Eletrobras.
Maior empresa do setor elétrico em
toda a América Latina, a Eletrobras
afunda. Desde o início do governo da
presidente Dilma Rousseff, seu valor
de mercado despencou 56%, de R$ 25,9
bilhões para R$ 11,4 bilhões. A ação ordinária caiu 54%, e a PNB, a mais líquida,
32%. O desempenho em nada lembra
o registrado nos oito anos do governo
Lula. De 2003 até 2010, ON e PNB
avançaram 203% e 303%, respectivamente. Nos dois mandatos de Fernando
Henrique Cardoso, o desempenho foi
mais modesto, porém positivo: alta de
7% para as ordinárias e de 37% para as
preferenciais. O mergulho da Eletrobras
no pregão já supera o da Petrobras.
Do início de 2011 até o dia 18 de setembro, as preferenciais da petrolífera estatal assolada por denúncias de corrupção
desvalorizaram 8%. Procurada pela
reportagem, a Eletrobras não concedeu
entrevista.
A propensão do governo Dilma ao
intervencionismo é a principal razão
para o estrago. A mão pesada do Estado ficou clara com a edição da Medida
Provisória (MP) 579, convertida na Lei
12.783. Editada em janeiro do ano passado, propôs a renovação antecipada das
concessões que venceriam entre 2013 e
2017 e determinou o estabelecimento de
novos preços. As tarifas, por megawatt-hora, caíram de cerca de R$ 90 para
R$ 30. Com isso, a União queria reduzir
o custo da energia também para os consumidores finais.
As companhias se viram obrigadas
a tomar uma decisão: garantiam suas
concessões e arcavam com os custos
do desconto imediato nos preços ou
mantinham as tarifas até o fim dos
contratos, quando deveriam enfrentar
uma licitação nova e correr o risco de
não vencê-la. Apesar da dúvida, algumas rejeitaram a proposta — entre elas
Cesp, Cemig, Copel e Celesc, empresas
de estados comandos pela oposição ao
governo federal.
Outubro 2014 C APITAL A BERTO 43
Estata i s
Ao optar pelo acatamento das novas
regras, a Eletrobras comprou uma briga
das boas com o mercado. Os fundos
geridos pela norueguesa Skagen, que
tinham 10,35% das ações preferenciais
antes da MP 579, deixaram a companhia. Não, contudo, sem antes colocar
a boca no trombone. Um de seus executivos deu entrevistas à imprensa comparando o Brasil à Venezuela. A asset
também foi à CVM reivindicar que a
companhia fosse punida por infringir o
artigo 115 da Lei das S.As., que trata do
abuso do direito de voto e de conflito
de interesses.
A Skagen se refere à assembleia
que aprovou a continuidade precoce
das concessões e a redução de tarifas.
No entendimento da gestora, a decisão deveria ter ficado nas mãos dos
minoritários, uma vez que o novo
marco regulatório foi desenhado pelo
governo federal e ele detém a maior
parte das ações votantes da Eletrobras.
A União, no entanto, simplesmente ignorou o conflito e votou na assembleia
de dezembro de 2012, desobedecendo
o artigo 115 da lei. Segundo o dispositivo, o acionista não deve votar nas
deliberações de assembleia que possam
beneficiá-lo de modo particular ou em
que ele tiver interesse conflitante com o
da companhia. A CVM decidiu processar administrativamente a Eletrobras
pelo voto abusivo — a data do julgamento ainda não foi marcada. Outros
minoritários prosseguem no confronto
e estudam a hipótese de recorrer ao
Judiciário.
Sem bateria
A adesão da Eletrobras à renovação
antecipada também criou uma celeuma
econômica. Na visão dos investidores,
ao acatar as novas regras a companhia
aceitou abrir mão de sua lucratividade.
A Eletrobras é proprietária do maior sistema de geração e transmissão de energia do País: entre seus ativos estão 50%
do capital de Itaipu, subsidiárias como
Chesf, Furnas, Eletrosul, Eletronorte e
44 C APITAL A BERTO Outubro 2014
A Eletrobras possui
o maior sistema
de geração e
transmissão de
energia do País: entre
seus ativos estão
50% do capital de
Itaipu, subsidiárias
como Chesf e Furnas,
além de diversas
distribuidoras e
metade das linhas
de transmissão
do Brasil. Na visão
dos investidores,
ao acatar as novas
regras a gigante
aceitou abrir mão de
sua lucratividade
Eletronuclear, diversas distribuidoras
e metade das linhas de transmissão
do Brasil.
Em 2012 e 2013, já sob o impacto do
novo marco regulatório, acumulou prejuízos de R$ 6,6 bilhões e R$ 6,2 bilhões,
respectivamente. Em 2011, antes das
mudanças, exibia lucro de R$ 3,7 bilhões.
Entre os investidores, a expectativa é
que, ao fim deste ano, o resultado seja
novamente negativo.
Curioso que, a despeito dos prejuízos, a companhia se mantém uma boa
pagadora de dividendos. Seu estatuto
social é bastante generoso com os
acionistas. Além de estabelecer um
dividendo mínimo de 25% do lucro
líquido, confere aos donos de ações preferenciais A e B proventos prioritários
de, respectivamente, 6% e 8% ao ano,
calculados sobre o capital de cada classe.
A benevolência serviu para atrair acionistas privados, mas hoje os dividendos
prioritários consomem a reserva de
lucro que a companhia armazenou. Em
2011, o estoque somava R$ 19,2 bilhões;
no fim do ano passado, encolheu para
R$ 11,7 bilhões.
Se a reserva acabar e puser fim aos
proventos, os investidores que ainda
veem algum atrativo na companhia
podem seguir os passos da Skagen e
ir embora. Um dos acionistas ouvidos
pela reportagem acredita que os lucros
economizados não sobreviverão ao
exercício de 2015.
Para piorar, a Eletrobras ainda gasta
dinheiro para consumar aquisições.
No mês passado, foi fechada a compra
de 51% da Celg, distribuidora pertencente ao governo estadual de Goiás,
por R$ 59 milhões. O negócio é, na
verdade, uma operação de salvamento
(e federalização) da empresa, atolada em
dívidas. Enquanto a Eletrobras assumia
o controle da companhia goiana, um
despacho do Ministério da Fazenda
permitia à União ser garantidora de um
empréstimo de R$ 1,9 bilhão que a Caixa
Econômica Federal concederá à antiga
controladora CelgPar.
À luz do interesse público
Ao mudar as regras do setor elétrico,
o governo buscava baratear os preços
cobrados pelas concessionárias e, por
consequência, as tarifas pagas pelos
consumidores. Só que deu tudo errado. Em abril, o Executivo autorizou as
elétricas a aumentar as contas de luz de
24 milhões de brasileiros. A alta variou
entre 11,6% a 29%, sob a justificativa de
que, com a estiagem, as usinas térmicas
foram mais demandadas — e a energia
produzida por elas é cerca de oito vezes
mais cara do que a das hidrelétricas.
Outros reajustes de preço são aguardados. No fim de setembro, o Ministério
do Planejamento reduziu o repasse de
R$ 4 bilhões para a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), fundo
que vem ajudando a custear as distribuidoras. Com o cobertor curto, a
União fez isso para reforçar as próprias
contas e manter o superávit primário.
Sem a ajuda, a saída das elétricas será
rever o preço cobrado do consumidor
novamente.
A trapalhada do governo à frente da
Eletrobras realçou um antigo problema
das estatais que recorrem à bolsa de
valores para captar recursos: a ampla
interpretação do artigo 238 da Lei das
S.As. O dispositivo iguala os deveres
e as responsabilidades do controlador
da sociedade de economia mista aos
de qualquer outro, mas dá ao governo
a possibilidade de “orientar as ativida-
des da companhia de modo a atender
o interesse público que justificou
sua criação”.
A expressão “interesse público”,
apesar de citada à exaustão em leis e
regras, não tem definição. No ramo
bancário, criou-se um rito. Ao limitar
a presença do capital estrangeiro nas
instituições financeiras, a Constituição
estabelece exceções, condicionadas ao
alinhamento com o interesse público.
Para comprovar esse requisito, é preciso uma autorização expressa por meio
de decreto presidencial. Foi assim que
o Banco do Brasil teve sua fatia máxima de estrangeiros ampliada de 20%
para 30% e pôde migrar para o Novo
Mercado da BM&FBovespa. No setor
elétrico, não há como caracterizar o
interesse público.
“A exceção aberta pelo artigo 238
não se sobrepõe ao entendimento de
que a companhia de economia mista
deve seguir todas as regras aplicáveis
pela Lei das S.As. às demais empresas”,
afirma Joaquim Simões Barbosa, sócio
do escritório Lobo & Ibeas. Na avaliação
do advogado, quando o diploma aborda
o interesse público, refere-se à prestação de serviços necessários à sociedade
que, do ponto de vista empresarial, não
seriam a primeira escolha de uma companhia. “Um exemplo é a eletrificação
de áreas rurais, que pode ser desenvolvida em conjunto com outros nichos,
de maior retorno”, aponta.
Outros circuitos
Para prevenir a confusão entre os
interesses econômicos e sociais — ou
mesmo os do governo —, a Austrália
adota um modelo rígido e simples:
empresas estatais não podem ter
ações negociadas em bolsa de valores. O objetivo é justamente prevenir
conflitos entre os sócios. Já o modelo
britânico é mais flexível. Concede a
abertura de capital das companhias
do Estado, porém delega às agências
reguladoras a responsabilidade de
definir preços e estipular a margem
de lucratividade delas. Assim, embora
as estatais não tenham a prerrogativa de aumentar as tarifas para gerar
mais lucro aos acionistas quando
quiserem, tampouco podem abrir mão
da produtividade.
Na visão de Emilio Carazzai, conselheiro de administração do Instituto
Brasileiro de Governança Corporativa
(IBGC), o Brasil deveria caminhar no
sentido do modelo britânico, com
agências reguladoras dotadas de mais
autonomia e regras claras. “Hoje, o
investidor está sujeito a uma governança opaca nas companhias de capital misto”, considera o executivo, que
teve passagens por diversas empresas
controladas pelo governo. Mas enquanto as mudanças não acontecem,
os fatos deixam a incômoda percepção
de que o pior ainda está por vir para
a Eletrobras.
LL.M. em
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Setembro 2014 C APITAL A BERTO 45
Análise setorial
É
preciso
diversificar
Como a queda
da cessão de
empréstimos
afeta as
perspectivas
dos bancos
médios
Por Jiane Carvalho
46 C APITAL A BERTO Outubro 2014
A fragilidade da economia brasileira
brecou o crescimento das concessões
de crédito. Ao redor de 20% em 2010,
a expansão dos empréstimos deve cair
à metade este ano. A desaceleração é
especialmente temerosa para os bancos
médios, focados na venda de financiamentos. Os efeitos dela, contudo, não
os prejudicam em igual medida, como
mostram as cotações em bolsa. Enquanto as ações de ABC Brasil, Banrisul,
Sofisa e Daycoval exibiam valorização
(do início do ano até 16 de setembro)
de, respectivamente, 21,3%, 24,3%, 28,8%
e 12,2%, os papéis de Indusval e Pan
amargavam queda de 31,7% e 29,3%. A
diferença pode ser explicada pelo modelo de negócio adotado por cada instituição. Saem na frente aquelas voltadas
à oferta de crédito para o segmento corporate — formado por companhias de
faturamento maior — ou com atuação
diversificada.
Tanto Pan como Indusval buscam o
caminho da diversificação para voltar a
operar no azul. Nenhum dos dois obteve
êxito até agora. Com o pior desempenho
em bolsa entre nove bancos médios analisados (veja gráfico), o Indusval passa por
uma reestruturação desde 2011. Um dos
passos da iniciativa foi justamente a mudança no perfil de cliente atendido: a migração do chamado “low middle market”
para o segmento corporate, composto
de empresas com faturamento superior
a R$ 400 milhões. A reformulação do
modelo de negócio também compreendeu o incremento da distribuição de
produtos e a definição de um setor como
especialidade do banco: o agronegócio.
Apesar dos esforços para se reinventar, o
Indusval ainda não conseguiu se tornar
lucrativo: teve prejuízo de R$ 9 milhões
no primeiro semestre deste ano.
Em 8 de setembro, a Moody’s rebaixou algumas notas do Indusval. Segun-
Ilustração: Beto Nejme/Grau180.com
do a agência de classificação de risco,
nos últimos seis trimestres consecutivos
o banco reportou perdas ou pequenos
ganhos, o que enfraqueceu sua capacidade de recompor capital por meio de
geração interna de resultado. “O cenário
econômico atual torna mais difícil para
o banco gerar ativos saudáveis, assim
como ganhar escala no médio prazo”,
observa Alexandre Albuquerque, analista da Moody’s. A agência pondera
que, embora a instituição tenha gerido
bem os custos operacionais das compras e parcerias realizadas, elas ainda
precisam atingir o ponto de equilíbrio.
Outra inquietude mora no arranjo da
carteira de crédito do Indusval: 21% são
direcionados ao setor do agronegócio
e a indústrias relacionadas. A concentração elevaria o risco de qualidade dos
ativos e de volatilidade de capital. “Investir num segmento específico, como
o agronegócio, não vai ajudar muito.
Somente ações conjuntas nas diversas
áreas poderão melhorar a operação, mas
isso ainda vai levar tempo”, acredita
Alcir Freitas, vice-presidente e analista
senior da Moody’s.
Quem também aparece com um
desempenho pífio em bolsa é o Pan.
Controlado atualmente pelo BTG
Pactual, o banco visa se tornar menos
dependente do crédito automotivo,
até agora sem sucesso. Na visão de João
Augusto Sales, analista da Lopes Filho
& Associados, a conjuntura econômica
atrasou os planos de diversificação do
Pan, que busca ganhar espaço na oferta
de crédito imobiliário e de recursos para
companhias pequenas e médias. “Com
a desaceleração da economia, a carteira
de veículos não vai bem, e as outras crescem lentamente”, explica. No segundo
trimestre, as concessões de empréstimos para automóveis e imóveis no
Pan recuaram, respectivamente, 11,1%
e 28,1%, na comparação com o mesmo
período do ano passado. Já a oferta de
crédito para empresas subiu 11,9%.
Lugar protegido
Enquanto Pan e Indusval se esmeram
para melhorar a última linha do balanço, ABC Brasil, Sofisa, Daycoval estão
em situação mais confortável. O motivo é, principalmente, o tipo de cliente
que atendem. No ABC Brasil, as linhas
de empréstimo são destinadas prioritariamente a pessoas jurídicas com
faturamento acima de R$ 500 milhões.
“É um banco de nicho, com foco claro
num público de risco menor”, define
Sales, da Lopes Filho & Associados. Enquanto no acumulado de janeiro a agosto, a busca por crédito entre as micro
e pequenas empresas subiu 2,8% e nas
médias recuou esse mesmo percentual,
nas grandes ela evoluiu 8,2%, conforme
dados da Serasa Experian.
Outubro 2014 C APITAL A BERTO 47
Análise setorial
No segundo trimestre, o lucro líquido do ABC atingiu 79,8 milhões
(aumento de 12,8% em relação ao trimestre anterior e de 25,7% em relação
ao mesmo período de 2013). A variação
reflete não só o aumento das carteiras
de crédito do banco, mas também a
menor despesa com provisão para devedores duvidosos. Cerca de 97% das
operações de empréstimo do ABC estão
classificadas entre AA e C, numa escala
em que AA representa créditos de maior
qualidade e H indica os piores.
Assim como o ABC, o Sofisa foi bem-sucedido em ampliar a oferta de crédito. O banco atende a pessoas jurídicas
e físicas, mas tem diminuído drasticamente a concessão de crédito para este
último público. “O Sofisa se deu muito
mal no varejo no passado e foi obrigado
a fazer um processo de limpeza dessa
carteira. Hoje, ela corresponde a R$ 25
milhões, de um total de R$ 1,8 bilhão”,
diz Freitas, da Moody’s. Enquanto a carteira de financiamento para o segmento
Empresas no Sofisa avançou 10,2% no
segundo trimestre de 2014 em relação
a um ano antes, aquela voltada para a
pessoa física recuou 81,8%.
No Daycoval, a carteira de crédito
corporativo também se expandiu: teve
alta de 16,4% nos últimos 12 meses.
O banco atende principalmente pessoas
jurídicas com receita anual entre R$ 10
milhões e R$ 300 milhões. O grande destaque, no entanto, tem sido a oferta de
empréstimo consignado, que aumentou
47,2% de um ano para cá.
tela das instituições de médio porte em
relação ao crédito vai prosseguir”, ressalta Claudio Gallina, diretor da Fitch,
lembrando que essa postura é comum
a todos os bancos, independentemente
do tamanho.
As recentes medidas anunciadas pelo
Banco Central (BC) para estimular o
crédito tampouco devem desanuviar
o horizonte. Pelas novas regras, o BC
deixou de remunenar 60% dos compulsórios sobre os depósitos a prazo
(CDBs, por exemplo); ou seja, se o banco
não emprestar esse dinheiro, ele ficará
parado nos cofres da autoridade monetária sem rendimento. Para escapar
dessa situação, os bancos têm algumas
opções, entre as quais direcionar o
Sob controle
Maioria dos bancos médios mostra valorização,
apesar do enfraquecimento da economia
Retorno entre 1/1 e 16/9/2014 (em %)
48 C APITAL A BERTO Outubro 2014
ABC Brasil
— PN
24,3
Banrisul — PNB
2,8
Bicbanco — PN
12,2
Daycoval
— PN
Indusval — PN
- 31,72
Pan
— PN
Horizonte nebuloso
Manter as carteiras de crédito rechonchudas, no entanto, será um desafio.
As instituições financeiras estão cientes
de que as taxas de crescimento tendem
a ser mais modestas daqui para a frente.
O ABC Brasil, que esperava um avanço
anual de 11% a 16% em sua carteira de
financiamentos, recentemente reduziu
essa projeção para o intervalo entre 10%
e 15%. O Pine fez o mesmo: diminuiu a
expansão prevista de 8% a 12% ao ano
para 0% a 5%. “Diante das fracas condições macroeconômicas do País, a cau-
21,3
- 29,29
Paraná — PN
- 4,7
Pine
— PN
- 11,47
Sofisa — PN
28,78
- 35
Fonte: Economatica.
- 15
0
15
30
montante para o financiamento de veículos e motocicletas ou para a compra
de carteiras de crédito de instituições
menores. É aí que os bancos médios
poderiam se dar bem. Na opinião de
Sales, da Lopes & Filho, porém, a medida deve surtir pouco efeito. “Se essas
aquisições ocorrerem, serão pontuais,
talvez voltadas para a compra de carteiras de consignado ou imobiliário”,
avalia. Um dos motivos é que, diante
do risco crescente de inadimplência, o
apetite dos grandes bancos por adquirir
carteiras de crédito é reduzido. Do lado
dos bancos médios, a necessidade de
vendê-las também é pequena. “Não tem
sentido captar mais com uma demanda
tão fraca por crédito”, explica Alexandre
Albuquerque, analista da Moody’s.
Diante da incerteza a respeito da
retomada da demanda por crédito, é
pouco provável que as ações das instituições médias agucem o apetite dos
investidores, ao menos no curto prazo.
Para quem gosta de bancos, é mais vantajoso, no momento, comprar papéis
de instituições maiores, a exemplo de
Bradesco e Itaú. De janeiro a 16 de setembro, suas ações valorizaram, respectivamente, 37,6% e 40,9%.
Como os grandes bancos têm atuação
mais diversificada, seu resultado depende menos do humor de empresários e
pessoas físicas em obterem crédito. Uma
grande parte do que ganham vem das receitas de serviços financeiros — linha do
balanço que as instituições financeiras
menores buscam incrementar. Do ponto
de vista da obtenção de capital, também
têm posição privilegiada, ao contar com
o dinheiro barato proveniente da poupança de milhões de correntistas. Entre
as médias, essa vantagem é usufruída
pelo Banrisul, controlado pelo estado
do Rio Grande do Sul. “Os bancos médios são mais interessantes para quem
tem um horizonte de investimento
longo e, principalmente, para quem
gosta de dividendos”, comenta Daniel
Utich, da Fator Corretora. O Pine, por
exemplo, oferece um retorno de 12,6%
com dividendos, bem superior ao do
Bradesco (2,9%).
As vantagens da arbitragem em operações
de venture capital
A arbitragem, embora seja um método
tradicionalmente mais caro do que um processo judicial, apresenta vantagens que geralmente justificam sua escolha em operações de venture capital.
Em primeiro lugar, destaca-se a possibilidade de as partes escolherem especialistas
para atuar como árbitros no procedimento.
Isso significa que o litígio poderá ser decidido por profissionais (advogados, acadêmicos, doutrinadores etc.) dotados de reconhecida intimidade com os conceitos, as regras
e as terminologias próprias de uma operação de venture capital. Por consequência, haverá decisões mais coerentes sem surpresas
derivadas da inexperiência do julgador com
a matéria.
A confidencialidade do processo também merece destaque. Enquanto na justiça
comum ele pode ser consultado por qualquer
interessado (salvo raras exceções) e a sentença é publicada em diário oficial, na arbitragem a regra é restringir o acesso aos autos e
à decisão somente para as partes, seus procuradores e os árbitros e funcionários da câmara arbitral. Preservam-se, assim, aquelas
informações que tanto investidor quanto investido desejariam manter afastadas do conhecimento público.
Outra conveniência é a possibilidade de
ditar as regras e os cronogramas que governarão a arbitragem, inclusive a data em que
a sentença deverá ser proferida. Essa flexibilidade permite que as partes pré-estabeleçam
prazos e mecanismos de acordo com a complexidade do litígio, otimizando os trabalhos.
Mas a qualidade mais marcante da arbitragem é, sem dúvida, a agilidade com que a
sentença é obtida, se comparada à realidade
do poder judiciário, na qual juízes se veem
cercados por milhares de processos que provavelmente aguardarão outros tantos anos
(ou décadas!) para serem finalmente julgados
pelas instâncias superiores, após a interposição de todos os recursos permitidos pela lei.
Na arbitragem não há recursos e, como dito
anteriormente, as partes podem escolher os
árbitros e flexibilizar o procedimento, o que
na prática resulta em sentenças promulgadas
em meses ou, no máximo, um ano.
Se ainda assim o custo do expediente é
fator de preocupação para as partes, há algumas formas de atenuá-lo: hoje o País conta com diversas câmaras de arbitragem, com
custos igualmente variados, sendo prudente
fazer uma pesquisa nesse sentido antes de estabelecer qual será a escolhida para dirimir
as questões oriundas do contrato. Há ainda a
possibilidade de definir qual parte será responsável por custear um eventual processo
arbitral — por exemplo, a parte reclamante, a parte vencida ou mesmo ambas as partes em igual proporção.
Embora ninguém em sã consciência celebre um negócio almejando um litígio, o fato é que as partes precisam estar preparadas
para equacionar qualquer eventual desavença no curso do contrato. A solução amigável é sempre a melhor alternativa. Quando
ela não se mostrar factível, entretanto, a arbitragem então se revela como procedimento muito mais adequado ao dinamismo e às
particularidades de uma operação de venture capital, ao oferecer a possibilidade de um
resultado rápido e consistente com as práticas habituais do mercado.
A qualidade
mais
marcante
desse
método é
a agilidade
da sentença
Rodrigo Menezes (rodrigo.
[email protected])
e Júlio Alexandrino (julio.
[email protected].
br) são, respectivamente,
sócio-fundador e advogado
de Derraik & Menezes
Advogados
Venture Capital & Empreendedorismo é um informativo bimestral produzido por Derraik & Menezes Advogados e veiculado
com exclusividade pela CAPITAL ABERTO.
Alta&Baixa
Por João Carlos de Oliveira
20
Cemig
Brecha lucrativa
19,81
24/7/2014
11,62
15
19,55
17/3/2014
22/8/2014
17,00
17/9/2014
10
Cotações no fechamento (em R$)
Elétrica se beneficia de preços no curto prazo, mas enfrenta riscos judiciais
50 C APITAL A BERTO Outubro 2014
No mesmo mês, contudo, diversos
bancos mudaram sua perspectiva para o
papel da empresa. O BTG Pactual transformou a recomendação de compra em
neutra. O J.P. Morgan baixou de neutra
para abaixo do índice de mercado. E o
Itaú BBA, embora preveja desempenho
em linha com o do mercado, recomen-
Quem mais comprou
Investidores que mais aumentaram a
participação em ações ON da Cemig
Quem entrou
Os últimos resultados da Cemig foram expressivos: lucros de R$ 1,2 bilhão
no primeiro trimestre e de R$ 750 milhões entre abril e junho. Mesmo com
a queda, o número do segundo trimestre significa crescimento de 20% sobre
o mesmo período de 2013. Esse avanço
garantiu à ação da empresa de energia
elétrica uma ascensão de 53,8% no acumulado de 2014, até 5 de setembro.
A alta seguiu a alteração das regras do
setor pelo governo federal, com a Medida Provisória 579, em 2012. O objetivo
era baixar a tarifa de energia para o consumidor final em 20%. O meio: antecipar a renovação das concessões de usinas em troca de redução do preço médio
pago pelo megawatt-hora (MWh) para
R$ 30. Tendo em vista a perda financeira, Cemig, Cesp e Copel não aceitaram
a proposta. Os contratos em vigor foram mantidos — no caso da Cemig, por
R$ 140 o MWh. A escassez de chuvas, no
entanto, levou a um desequilíbrio entre
oferta e demanda gerado pela queda da
produção das hidrelétricas. Como resultado, as distribuidoras tiveram de
recorrer ao mercado de curto prazo,
no qual o preço atingiu estratosfériocos
R$ 822,83 em setembro, beneficiando
comercializadoras desse segmento —
entre elas a Cemig.
Gestora
Valor investido
28/2/201431/5/2014
Opus Gestão de
Recursos
11
1.069
Quest Investimentos
30
2.816
Petra Asset Gestão de
Investimentos
228
2.119
Morgan Stanley
Administradora de
Carteiras
0
40.101
SPX Gestão de
Recursos
0
1.738
Angá Asset
Management
0
1.345
Fonte: Economatica.
Foram consideradas as posições finais superiores a R$ 1 milhão. Valores em R$ milhares.
Obs.: Os dados de 31/5/2014 eram os últimos disponíveis até o
fechamento desta edição.
dou postura mais cautelosa. Essas mudanças ocorreram não apenas porque
as ações já teriam subido muito, mas
sobretudo por causa de um horizonte
judicial nebuloso.
Na corte, a Cemig trava uma batalha decisiva com o governo federal pela
usina de Jaraguá. A empresa reivindica
prorrogar por mais 20 anos a concessão,
vencida em 2013, enquanto a União quer
a hidrelétrica de volta. Por enquanto,
uma liminar permite à companhia manter a posse e comercializar sua energia
no mercado de curto prazo. A decisão
final sobre Jaraguá, provavelmente no
Supremo Tribunal Federal, define o cenário para outras disputas que podem
acontecer entre a companhia mineira e
o governo federal. Na mira, as usinas de
São Simão e de Miranda.
Não é pouca coisa: juntas, as três
hidrelétricas respondem por 36,5% da
capacidade total de geração da empresa.
“Prevemos um cenário em que a Cemig
será obrigada a depositar os lucros no
tribunal”, dizem os analistas Paula
Kovarsky, Giuliano Ajeje e Arthur Pereira, do Itaú BBA. Para não ficar refém
dessa perspectiva desfavorável, a empresa adotou a estratégia de participar de
todos os leilões de geração de energia
que puder, inclusive de outras fontes,
como a solar.
Paranapanema
4
Faltaram as vendas
2,21
3
17/9/2014
2,89
2
17/3/2014
2,04
2,84
21/8/2014
4/6/2014
Cotações no fechamento (em R$)
Produtora de cobre tem resultados frustrantes depois de expansão operacional
o poder de produção anual — de 215 mil
toneladas de catodos de cobre, em 2012,
para 280 mil. No segundo trimestre,
contudo, a empresa produziu 56 mil
toneladas, o que dá um ritmo de 224
mil toneladas anuais.
Os dois investimentos faziam parte
de um plano de voo orçado em R$ 1 bi-
Quem mais vendeu
Investidores que mais reduziram a
participação em ações ON da Paranapanema
Quem saiu
Poderia ser pior? Esta pergunta é
o título do relatório do Banco Fator
sobre a Paranapanema. As ações acumulavam queda de 53,7% no ano, até o
dia 5 de setembro. E, de fato, 2014 não
tem sido bom: a fabricante de catodos
(cobre primário) e produtos de cobre
fechou o segundo trimestre com um
prejuízo quase seis vezes maior do que
o registrado no mesmo período do ano
anterior. Pior: teve queda de receita
num momento em que os custos da
matéria-prima estão em baixa. Segundo
os analistas do Fator, este foi o quarto
trimestre consecutivo de queda na venda de produtos semiacabados, o carro-chefe do futuro da empresa.
A frustração das expectativas é
maior quando se leva em conta que a
Paranapanema vinha se reestruturando
e se preparou para um aumento das
vendas. De olho no mercado de tubos
de cobre para ar-condicionado, investiu
em 2013 R$ 150 milhões na planta de
um complexo em Santo André, o que
ampliou a capacidade produtiva para 30
mil toneladas por ano. Devido à queda
nas vendas, contudo, ela produz meras
1.400 toneladas mensais (em doze meses, 16.800). Outro investimento ocorreu em Dias D’Ávila, na Bahia: R$ 330
milhões empregados para incrementar
Gestora
Valor investido
28/2/201431/5/2014
BB DTVM
3.199
2.445
Fator Administração
de Recursos
25.359
21.121
SulAmérica
Investimentos
50.196
41.976
Nenhuma gestora com mais de R$ 1 milhão
se desfez de sua posição no período.
Fonte: Economatica.
Foram consideradas as posições iniciais superiores a R$ 1 milhão. Valores em R$ milhares.
Obs.: Os dados de 31/5/2014 eram os últimos disponíveis até o
fechamento desta edição.
lhão, que teve início em 2010. No meio
desse ciclo, a companhia voltou ao radar
dos analistas e do mercado. Seu papel
registrou crescimento de 136% entre
agosto de 2012 e janeiro de 2013. Por
isso, apareceu no lado azul desta seção
em março do ano passado.
Mesmo na época, porém, a situação
não era confortável. Analistas da corretora Coinvalores criticavam o endividamento, considerado muito alto. Mas
o mercado comprou a aposta de que a
empresa seria favorecida pela chamada
Resolução 13, que encerrou a guerra
dos portos (disputa entre estados via
redução de ICMS de importação). Com
o fim do benefício aos estrangeiros, ela
ganharia espaço da concorrência. Só
que as vendas decepcionaram.
Agora, com um novo conselho eleito
em abril e depois de três presidentes
nos últimos três anos, a Paranapanema investe em mais um plano para
se recuperar. A iniciativa visa reduzir
custos, aprimorar a operação e elevar
a receita. E, com resultados melhores,
reconquistar a confiança do investidor.
A escolha das companhias para esta seção é feita a partir de um
levantamento da Economática com a oscilação e o volume negociado
mensalmente por ações que possuem giro mínimo de R$ 1 milhão
por dia. A partir daí, são escolhidas aquelas que se destacam pelas
variações positivas e negativas nos últimos seis meses.
Outubro 2014 C APITAL A BERTO 51
Notas I nternacionais
Por Bruna Maia Carrion
Profissionais de
compliance vivem
momento crucial
Após maior IPO do mundo, Alibaba oferece riscos
Números grandiosos, à altura das cifras comuns na China — país de origem
do site de comércio Alibaba. Essa foi a
marca da abertura de capital da companhia na Nyse, em 19 de setembro. A maior
listagem já realizada no mundo levantou US$ 25 bilhões, ao preço de US$ 68
por ação. Não apenas o valor é alto; a
desconfiança também.
De acordo com o estatuto, o conselho
do Alibaba, com nove cadeiras, terá 44%
de seus membros indicados por um grupo de 27 sócios, composto pelo fundador
Jack Ma e por outros executivos. Essa fatia pode atingir 55% no futuro, independentemente da participação econômica
dos 27. O desalinhamento, segundo a
consultoria MSCI, não é o único risco
a que a empresa e, consequentemente,
seus investidores estão expostos. Ainda
não sabe, por exemplo, como o Alibaba
se sairá na integração das inúmeras
empresas que adquiriu nos últimos 18
meses, nem como melhorará seu fraco
controle de privacidade. Hoje, detém
dados de 279 milhões de compradores.
Os profissionais das áreas de gestão
de risco e compliance vivem um ano
crucial: precisam elevar a carga de
trabalho e ser mais diligentes. Uma
pesquisa da Thomson Reuters ouviu
600 profissionais da área em 41 países
entre novembro de 2013 e janeiro de
2014. Mais da metade tinha a expectativa de ver sua responsabilidade pessoal
crescer ao longo do ano; 17% supunham
um aumento significativo.
As equipes de compliance também
têm levado mais tempo para acompanhar mudanças regulatórias — um terço
delas passa ao menos um dia inteiro por
semana na tarefa. O estudo, divulgado
em setembro, revelou ainda que as
companhias estão buscando profissionais com mais experiência nessas áreas.
Eles devem assumir a incumbência de
implementar mudanças duradouras nos
procedimentos de controle de riscos e
fiscalização de conduta. Não à toa, dois
terços dos entrevistados esperam um
aumento da verba para o setor este ano.
Mercados de fronteira valorizam mais que emergentes e desenvolvidos
Quem colocou dinheiro na carteira MSCI EAFE, que
contém 900 ações de países desenvolvidos (menos Estados
Unidos e Canadá), perdeu 2,50% em 2014, até 23 de setembro,
e ganhou 2,38% nos 12 meses encerrados no mesmo dia. Já
quem apostou na MSCI BRIC, com 304 companhias de Brasil,
Rússia, Índia e China, viu seu investimento subir, respectivamente, 2,13% e 0,65%. Satisfeitos estão aqueles que investiram
no MSCI FM. O índice, que contempla 127 companhias de
24 mercados de fronteira, valorizou 18,14% neste ano e 25,36%
de setembro a setembro. Trata-se de países sem estrutura
para serem considerados emergentes ou desenvolvidos, mas
com um ambiente vibrante o suficiente para atrair quem está
disposto a correr um pouco mais de risco.
Os índices da consultoria MSCI são a base de muitos
exchange traded funds (ETFs), os fundos de índice. Suas definições de países emergentes, desenvolvidos e de fronteira
servem de referência para muitos gestores. A MSCI considera
52 C APITAL A BERTO Outubro 2014
32 países como fronteiriços. A lista é um balaio de gatos:
países da União Europeia com bons índices de desenvolvimento humano e renda per capita considerável, a exemplo
de Eslovênia e Bulgária, dividem espaço com repúblicas — e
ditaduras — problemáticas em termos sociais, como Nigéria,
Arábia Saudita, Palestina, Bangladesh e Zimbábue. Até mesmo a vizinha Argentina integra o grupo.
Um relatório publicado em junho pela gestora escocesa
Aberdeen explica o interesse por esses locais. “Políticas
macroeconômicas melhores, decisões bem pensadas, estabilidade política e instituições independentes e bem geridas
impulsionaram o crescimento de muitos países pobres”,
afirma o documento. Outro motivo para o aumento do
interesse por essas nações é justamente a existência de índices específicos para elas, como o MSCI FM. Os indicadores
fornecem um histórico de desempenho e facilitam a análise
das gestoras de recursos.
Companhias pagam caro
para brigar com ativistas
Itália reduz gatilho
para ocorrência de OPA
As batalhas com investidores ativistas em 2014 custaram, em média, US$ 4,9
milhões para as empresas americanas. É o que revela um estudo publicado em
setembro pela consultoria Activist Insight. Quanto maior a companhia, maior o
gasto. As que possuem valor de mercado entre US$ 250 milhões e US$ 2 bilhões
consumiram de US$ 1,5 milhão a US$ 2 milhões; as que têm capitalização até
US$ 10 bilhões desembolsaram US$ 10 milhões. O dinheiro banca a defesa contra
propostas que a administração julga ruins, o marketing jurídico para conquistar
votos contrários a essas propostas e o reembolso do minoritário, caso ele vença.
O valor médio foi puxado por disputas custosas, como a de Dan Loeb contra
a empresa de leilões Sotheby’s. Loeb,
da gestora Third Point, publicou uma
carta em outubro de 2013 declarando
possuir 9,3% dos papéis da empresa e
estar preocupado com sua governança
e seus resultados operacionais. Em maio
deste ano, ele conseguiu uma cadeira no
conselho, junto com dois aliados.
A empresa diz ter gastado US$ 5,7
milhões para se defender de Loeb e mais
US$ 10 milhões de reembolso à Third
Point por seus custos em sete meses de
batalha. Somando a oscilação no preço
das ações causada pela batalha, o valor
total pode ter chegado a US$ 24 milhões.
Na Itália, o gatilho para que um investidor precise lançar uma oferta pública
de aquisição de ações (OPA) por compra
de fatia relevante na companhia agora
varia conforme o tamanho da empresa.
De acordo com um decreto publicado
no fim de agosto, sócios de empresas
grandes (com receita anual maior que €
50 milhões) que ultrapassarem 25% do
poder de voto terão que fazer uma OPA.
Antes, o gatilho era de 30% — proporção
mantida caso a companhia tenha um
controlador com mais de 50% do capital .
As empresas de pequeno e médio
porte terão mais flexibilidade: poderão
estabelecer o gatilho em qualquer patamar entre 25% e 40%. Para as que não
citarem o assunto no estatuto social,
valerá o percentual de 30%. Como a legislação do país permite a existência de
papéis com poder político diferenciado
— existem ações com direito a dois ou
três votos —, essa peculiaridade será
levada em conta na hora de calcular se
o limite foi ultrapassado.
Sob sanções do Ocidente,
Gazprom foge para Hong Kong
Incertezas mantêm investidor
reticente com energia renovável
A Rússia não comprou uma briga apenas com a Ucrânia ao
anexar territórios do país, que pretende sair de sua esfera de
influência e ingressar na União Europeia (UE). O entrevero é
com o Ocidente como um todo. As potências europeias e os
Estados Unidos não gostaram do avanço de Vladimir Putin
na região e impuseram sanções econômicas a companhias
russas. Uma das alvejadas foi a produtora de gás Gazprom.
Em uma nova rodada de sanções anunciada em 12 de
setembro, a companhia entrou na lista das que não podem
captar recursos em várias nações ocidentais — mais notadamente, os 28 países da UE e os Estados Unidos. Antevendo
esse tipo de movimento, em junho, a empresa começou a
negociar recibos de ações (DRs, na sigla em inglês) na Bolsa
de Valores de Cingapura. E, uma semana após o anúncio das
restrições, em 19 de setembro, anunciou em sua conta oficial
no Twitter que está conversando com a Bolsa de Valores de
Hong Kong sobre uma possível listagem.
Produtoras de energia oriunda de fontes alternativas, como
sol e vento, estão entre as empresas favoritas dos investidores socialmente responsáveis (SRI). Em 2013, elas captaram
US$ 250 bilhões em todo o mundo; neste ano, o montante deve
se repetir. A partir de 2015, contudo, deve cair e se estabilizar
em cerca de US$ 230 bilhões. Os dados são da International
Energy Agency, organização formada por 29 países, entre eles
Estados Unidos, Reino Unido e Japão.
A previsão acontece a despeito dos preços cada vez mais
competitivos da energia renovável e do aumento de sua parcela
na quantidade total de energia produzida no mundo. Em 2007,
ela representava 18%; hoje, atinge 22%. Entre os motivos do
prognóstico está a incerteza quanto ao sucesso dos negócios a
longo prazo. É difícil estimar ganhos de escala e presumir em
quanto tempo ocorrerão. O risco mais considerável, entretanto, é político. O investidor prefere esperar para ver que rumos
as nações vão tomar em termos regulatórios.
Outubro 2014 C APITAL A BERTO 53
Artigo
Risco “de mercado”
Conselho não deve validar os
relatórios contábeis na expectativa
de receber, na sequência,
análise favorável do auditor
Por Felipe Kim*
* Felipe Kim
([email protected]) é sócio
do Tauil & Chequer Advogados
54 C APITAL A BERTO Outubro 2014
A reunião é trimestral e os membros
do conselho de administração chegam
para aprovar as demonstrações financeiras do exercício. Para a surpresa de
alguns, não há parecer dos auditores
independentes assegurando a qualidade dos documentos em análise. Um
silêncio paira no ar, até que um dos
conselheiros exige o diagnóstico externo. O diretor-financeiro explica que ele
será dado após a aprovação. Em suas
palavras, essa prática, “de mercado”,
tem sido adotada pela companhia já
há algum tempo. A situação é incômoda, porém os conselheiros validam os
relatórios contábeis na expectativa de
receber o posicionamento favorável do
auditor independente na sequência.
Noutra companhia, os membros do
board recebem previamente o parecer
positivo dos auditores independentes
e opinam a favor das demonstrações
financeiras.
O contraste entre essas circunstâncias se explica pelo exame do estatuto social de cada empresa. A prática
“de mercado” não garante conforto
ao conselheiro. Afinal, a história está
cheia de casos de companhias saudáveis que anunciam esqueletos no balanço de uma hora para a outra. E os
conselheiros que o respaldaram podem
ser responsabilizados.
Embora a situação não seja nova,
ela é pouco discutida e merece análise
detida da lei e do estatuto, para identificar sua causa e as eventuais soluções.
De acordo com o caput do artigo 176
da Lei 6.404, de 1976 (a Lei das S.As.), a
diretoria zelará pela elaboração dos relatórios contábeis da companhia ao fim do exercício. Os demonstrativos, junto com o parecer dos auditores
independentes, devem ser submetidos à confirmação da assembleia geral ordinária da companhia,
conforme o artigo 133 da mesma legislação. A auditoria é obrigatória para companhias abertas e
opcional para companhias fechadas (o mesmo vale
para a existência de conselho de administração).
Entre o preparo das demonstrações financeiras
pela diretoria e a aprovação pela assembleia geral,
o estatuto social de cada empresa pode atribuir
diferentes competências ao conselho. Em geral,
o órgão ratifica os relatórios contábeis ou opina
a respeito. Se ele tiver a autoridade, prevista no
estatuto, de aprovar os documentos, também
poderá deliberar mudanças neles. No caso de realizar alterações, um novo parecer da auditoria será
necessário, para contemplar os demonstrativos
modificados. Assim, cumpre-se a exigência legal
de submissão, à assembleia geral, dos documentos contábeis junto com o exame da auditoria
independente.
Existe uma alternativa que torna o processo de
aprovação mais eficiente e, também, evita que os
membros do conselho de administração fiquem
expostos ao risco de o auditor mudar de ideia. O estatuto pode atribuir à diretoria o poder de referendar e ao conselho, a competência de opinar
ou se manifestar. Com isso, o board não teria a
autoridade de alterar as demonstrações, mas tão
somente ponderar a favor ou contra elas. Essa sequência de eventos levará a que o auditor emita o
parecer antes da reunião do conselho, conferindo
maior proteção a seus membros. Qualquer que seja
o caso, o emprego da estrutura escolhida pode ser
feito mediante alteração no estatuto social. O mais
importante é contar previamente com a opinião
da auditoria independente.
Governança
Um ou dois conselhos?
Países se diferenciam em relação à estrutura de
governança de suas companhias
Por Alexandre Di Miceli da Silveira*
Na edição passada, apresentamos os
dois sistemas de governança do mundo,
categorizados em função da concentração acionária típica das companhias.
As nações também se diferenciam quanto
à estrutura de governança exigida das
companhias abertas. Há dois modelos
predominantes: o monístico (“one-tier
board”), em que há um conselho de administração, e o dual (“two-tier board”), com
a presença de dois conselhos distintos.
A maioria dos países, inclusive o Brasil e os anglo-saxões, adota o sistema
monístico. Nele, o board é responsável por supervisionar a administração
diária, fixar as diretrizes estratégicas e
tomar outras decisões relevantes. Há
flexibilidade na distribuição dos poderes
da alta gestão: alguns conselhos tomam
as resoluções de negócio de maneira
centralizada, enquanto outros delegam
(desde que a lei nacional permita) certas
incumbências para comitês ou para a
diretoria. No Reino Unido, por exemplo,
apesar de o conselho ser responsável
pelos temas mais importantes, ele tem a
opção de transferir parte de seus poderes
para comitês.
Um debate importante no sistema
monístico diz respeito à presença ou
não de executivos da companhia no colegiado. Enquanto alguns países, como
os Estados Unidos, advogam pela maior
separação possível entre executivos e
conselheiros, outros, a exemplo do Reino Unido, acreditam que a participação
de executivos no conselho pode levar o
órgão a tomar resoluções melhores.
Sistema monístico
(conselho de administração)
Sistema dual
(conselho de supervisão
e conselho de gestão)
Opcional:
monístico ou dual
Sistema
híbrido
Austrália, Bélgica, Brasil, Canadá,
Chile, Coreia do Sul, Espanha, Estados
Unidos, Hong Kong, Israel, México,
Reino Unido, Suécia e Turquia
Alemanha, Argentina,
Áustria, Estônia,
Indonésia, Polônia e
República Tcheca
Dinamarca, Eslováquia,
Finlândia, França,
Hungria, Noruega e
Países Baixos
Itália,
Japão e
Portugal
O sistema dual foi criado pela Alemanha e é adotado por alguns outros
países. Aparece, ainda, como modelo
optativo de governança na França e
nos Países Baixos, entre outros lugares.
Nele, há uma divisão bem definida de
poderes entre o conselho de supervisão
e o conselho de gestão. Essa segregação
é reforçada pelo princípio da incompatibilidade, que impede qualquer pessoa
de atuar simultaneamente nos dois
órgãos, tendo em vista que um possui
a função de supervisionar as atividades
do outro. Como resultado, o conselho
de supervisão é composto apenas de
pessoas externas às operações diárias,
enquanto o de gestão — responsável por
determinar a estratégia da companhia
— é formado pelo corpo executivo. No
modelo dual, a flexibilidade para distribuição de poderes é reduzida, já que a
maioria das atribuições de cada um dos
conselhos é indelegável.
O quadro acima, derivado de um estudo recente da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE), mostra como diversas nações
estruturam seu modelo de governança.
Além da estrutura monística e da dual,
existe a híbrida, adotada por Itália, Japão
e Portugal. Nela, há um órgão estatuário
adicional destinado a realizar atividades
de auditoria.
Independentemente do sistema empregado, a maioria dos países exige, ou
ao menos recomenda, maioria de conselheiros independentes. Quatro deles
(Chile, França, Israel e Estados Unidos)
exigem um percentual mínimo desses
membros que varia conforme a estrutura societária. Na França e em Israel,
por exemplo, as companhias sem acionista controlador devem ter maioria
de independentes. Para aquelas com
controlador definido, a exigência é de
ao menos um terço.
* Alexandre Di Miceli da Silveira é sócio-fundador da Direzione Consultoria e autor
de Governança corporativa: o essencial
para líderes. O articulista agradece a Angela
Donaggio pelos comentários e sugestões
Outubro 2014 C APITAL A BERTO 55
Histórias
Por Ney Carvalho*
Outubro de 1929 marca o apogeu de
um longo ciclo de desenvolvimento,
seguido pelo maior crack já ocorrido
nos mercados de ações internacionais.
Corriam os últimos dias daquele mês
quando a bolsa de valores de Nova York
iniciou uma debacle que deixaria sinais
indeléveis no século 20.
A década de 1920 se caracterizou
como um período de grande opulência
no mundo ocidental. Novas tecnologias impulsionavam a evolução da
humanidade: o rádio, o cinema e a
aviação comercial representavam um
crescimento que parecia não ter fim.
O mercado de ações americano acompanhou o fenômeno de modo frenético.
Os papéis subiam constantemente.
Era apenas, no entanto, o fim da alta
de um largo ciclo econômico, como
descreveu o russo Nicolau Kondratieff.
O período de expansão é longo e suave,
mas sempre se encerra com uma bolha
espetacular. A contração seguinte é
curta, dolorosa e deixa sequelas graves
na sociedade — sobretudo desemprego
e desalento.
Ao contrário do que rezam as teorias
socialistas, não se tratou de uma crise
do capitalismo, porém de um espasmo
natural no caminho da própria humanidade. O progresso vem em ondas
sucessivas de expansão e encolhimento,
tal e qual o bater do coração humano.
56 C APITAL A BERTO Outubro 2014
O pânico começou na quinta-feira,
24 de outubro, conforme o mercado
entrava na fase de queda vertiginosa.
A multidão concentrada em Wall
Street restou inerte, assistindo à extinção do sonho de prosperidade constante.
No início da semana seguinte, o processo atingiu o paroxismo (o dia 29 ficou
conhecido como Terça-Feira Negra).
Não havia compradores para quaisquer
títulos. A derrocada foi alucinante.
O problema maior estava em que
toda a alta anterior do mercado se
fundamentara num sistema de crédito
denominado “call loans”, que os bancos
punham à disposição dos investidores.
Esses empréstimos, caucionados por
ações, poderiam requerer novas garantias a qualquer momento, na medida em
que o preço dos papéis se desvalorizasse
em bolsa. Tais solicitações, apelidadas
de margem, ocorreram em cascata,
determinando mais e mais vendas de
títulos, para poder suportar as exigências solicitadas.
O sistema de crédito de chamada
instantânea arrastou com seu método
as economias, as esperanças e os sonhos
de milhares de americanos que haviam
enriquecido no mercado. De uma hora
para a outra, eles foram conduzidos
à bancarrota.
* Ney Carvalho é historiador e
ex-corretor de valores
Montagem com fotos extraídas dos sites: Brooklyn Daily Eagle e Wikipédia.
O colapso
de 1929
A multidão
concentrada
em Wall Street
restou inerte,
assistindo
à extinção
do sonho de
constante
prosperidade
ACOMPANHE DIARIAMENTE
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Enquete
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discussão
na seção
Antítese
Clube CAPITAL
ABERTO
Benefícios
exclusivos para
assinantes
Retrato
Matias Spektor
Política
na vida
Por Marta Barcellos Foto Aline Massuca
D
omingo, 27 de outubro de 2002. Sem
acesso à televisão, proibida no prédio
da Universidade de Oxford, Matias
Spektor toma conhecimento da vitória de Luiz Inácio Lula da Silva nas
eleições presidenciais pelo rádio. Há
dois meses cursando o doutorado
em política e relações internacionais,
ele está tão adaptado aos rituais centenários da
instituição — como jantares de toga à luz de
velas — que acaba de pedir demissão do sólido
emprego no escritório das Nações Unidas (ONU)
no Brasil, para arrepio dos pais. Ficará mais cinco
anos estudando na Inglaterra.
“Eu não queria ser um burocrata”, conta hoje o
professor de relações internacionais da Fundação
Getulio Vargas (FGV) do Rio de Janeiro e colunista
de política externa da Folha de S. Paulo. “Já estava
com 24 anos, e vendo o bonde passar.” O bonde,
no caso, era seu fascínio pelo sistema educacional
britânico, “um mundo de Harry Potter” onde
estudantes tinham seus trabalhos acadêmicos
destruídos por tutores, depois de passarem a semana lendo na biblioteca. “Ali, a educação é um
processo de aprender a se defender”, explica, com
entusiasmo. Foi nesse ambiente de forte estímulo
intelectual que um dos colegas de doutorado o
questionou, durante o almoço de 28 de outubro:
por que não estava ouvindo pelo rádio os anúncios do novo governo? Ora, a posse no Brasil só
acontece em 1o de janeiro, ele respondeu, para
58 C APITAL A BERTO Outubro 2014
depois refletir e tomar notas sobre a complexidade daquela situação.
Passados 12 anos daquele momento, o assunto
de Spektor voltou a ser eleições e transição. Isso
porque o novo livro deste “intelectual público”
— o que ele preferiu ser, em vez de burocrata
da ONU — partiu justamente da reflexão feita
naqueles primeiros dias de rádio e luz de velas.
E está sendo lançado em meio a uma eleição
tão disputada quanto a de 2002. Em 18 dias:
quando Lula e FHC se uniram para conquistar o
apoio de Bush, o professor relata como os dois
ex-presidentes brasileiros trabalharam juntos
para debelar uma grave crise de imagem do País,
que levava o mercado financeiro internacional a
apostar contra o real.
Os bastidores do poder, levantados em dezenas
de entrevistas e documentos secretos, mostram
hoje como a polarização típica das campanhas
eleitorais não impede entendimentos políticos
posteriores. A leitura suscita especulações sobre
o período de passagem que começará neste mês.
“As pessoas não percebem a complexidade de uma
transição no Brasil”, observa Spektor. “Mesmo em
caso de reeleição da presidente Dilma Rousseff,
a coalizão governista precisará ser costurada novamente e a composição do poder, redesenhada,
com mudanças nos comandos da Câmara dos
Deputados, do Senado e de cada ministério.
Quem ganhar terá que se mover muito rápido
para mandar sinais claros ao mercado de uma
retomada da economia em 2015. A tensão sempre
existe, porque é necessário trocar a roda com o
carro em movimento.”
A linguagem clara e precisa de Spektor, mais
jornalística que acadêmica, segue o atual objetivo
de “alcançar um público leigo de forma sofisticada” com os livros e pesquisas. Da mesma forma,
sua mistura de sotaques revela uma vivência internacional preciosa nas análises. Carregando o
sobrenome ucraniano do pai urbanista e a cultura
ítalo-espanhola da mãe psicanalista lacaniana,
Matias Spektor nasceu em Rosário, no interior da
Argentina, passou a infância em Buenos Aires e
mudou-se com a família para Salvador aos 10 anos.
“Sou baiano”, ele brinca, ao justificar a preferência
por praia de água morna. Diferente do mar gelado
do Rio, onde voltou a morar depois de nova temporada no Reino Unido — desta vez, ocupou a
Cátedra Rio Branco no King’s College de Londres,
para escrever o livro que está lançando.
Entusiasmado tanto por praia quanto por
rituais britânicos centenários, ele só não parece
Matias Spektor, professor de relações
internacionais da Fundação Getulio Vargas:
“As pessoas não percebem a complexidade
de uma transição no Brasil. É necessário
trocar a roda com o carro em movimento”.
Outubro 2014 C APITAL A BERTO 59
Retrato
3x4
ter saudades de Brasília, onde morou
sete anos para fazer a faculdade e o
mestrado em relações internacionais
na UnB, depois de descartar o curso de
filosofia por duvidar da viabilidade de
uma carreira de filósofo. “Sempre precisei trabalhar. No colégio, dava aulas
de espanhol. Na faculdade, traduzia
documentos jurídicos para empresas
estrangeiras interessadas na privatização do sistema Telebras, para poder
passar as férias na Inglaterra.”
Após o doutorado em Oxford, cuja
tese resultou no livro Kissinger e o Brasil, ele não hesitou em relação ao país
onde buscaria o novo emprego. “Vi pelo
lado de fora a transformação brutal que
se iniciava aqui. E percebi que a opinião pública brasileira, mesmo aquela
educada e de classe média, não tinha
ideia de como a política externa e as
relações internacionais afetam sua vida
cotidiana. Quis voltar para assumir
esse papel”, diz Spektor. Na FGV, ele
não só se dedicou a levar esse conhecimento aos alunos como também agiu
na mão inversa. Em viagens ao exterior
para divulgar a criação do Centro de
Relações Internacionais da fundação,
que coordenou, e levantar fundos, era
chamado para dar palestras e participar
de debates sobre o Brasil, visto à época
como país em franca ascensão. “Isso foi
entre 2009 e 2010. Eu não dava conta
da demanda”, lembra.
Ainda hoje, por causa da repercussão da coluna na Folha, recebe muitos
e-mails de estrangeiros — de acadêmicos a operadores de mercado — interessados em suas análises. É nessa
troca permanente de pontos de vista
que Spektor se abastece diariamente:
“O fascínio das relações internacionais
é que os mesmos acontecimentos são
interpretados de maneiras radicalmente distintas, dependendo de onde você
está no mundo. Não é verdade que a
internet derrubou as fronteiras. Elas
existem e são muito reais”. Com tantas
experiências e referências internacionais aos 37 anos, Spektor sabe, como
poucos, a importância da geopolítica
na vida das pessoas.
60 C APITAL A BERTO Outubro 2014
Rotina – Saiu de uma rotina “de monge” no King’s College de Londres, onde passou um
ano redigindo seu último livro, para voltar a escrever artigos e dar aulas no Rio de Janeiro.
“Estou aproveitando a calmaria para começar o projeto do próximo livro.”
Atividade física – Por ser “horrível” em esportes com bola, passou a adolescência imerso
em livros. Hoje encontrou atividades de que gosta: em Londres remava às 6h com os amigos
da faculdade; no Rio, pratica corrida, “olhando aquela pedra maravilhosa [da Urca]”.
Férias – São raras. O máximo que consegue é passar uma semana na Bahia, na praia de
Imbassaí, durante o inverno (“Adoro praia com chuva”). No entanto, sempre se hospeda na
casa de amigos em países como Índia, Estados Unidos, África do Sul, Egito e Irã. “Não viajo
para passear, mas para conversar com as pessoas e visitar os estabelecimentos políticos
das nações.”
Livro na cabeceira – Ficou encantado com o romance Nação Crioula, do angolano José
Eduardo Agualusa, e agora está imerso no “melhor livro de história de todos os tempos”:
O império de Hitler, de Mark Mazower. “Um livraço. Leio muita história internacional.”
Fim de semana – Vai à praia e gosta de caminhar e almoçar no bairro de Santa Teresa, em
geral com os amigos estrangeiros hospedados em sua casa. “Sempre tenho um ou dois.”
Rede social – É atuante no Twitter e no Facebook, onde tem 1.467 amigos. “Fico sabendo
o que está sendo publicado e descubro o que os meus alunos assistem. Foi assim que
encontrei o Porta dos Fundos [canal de humor no Youtube].”
Série na TV – Gosta de House of cards e recomenda seu equivalente dinamarquês, o seriado Borgen, sobre as disputas políticas em torno da ascensão de uma primeira-ministra.
“Também adorei Breaking bad.”
Melhor momento – As entrevistas que fez para a pesquisa do livro 18 dias, que incluíram
conversas com os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Lula e com a ex-secretária
de estado americana Condoleezza Rice. “Ao entrevistar operadores políticos de primeiro
nível, com anos de experiência nas costas, aprendi o que não está nos livros.”
Momento mais difícil – A escrita do livro. “Foi um processo sofrido. Eu nunca estava
satisfeito com o resultado. Era a primeira vez que escrevia para um leitor leigo.”
Próximo livro – Contará a história de como o Brasil se tornou o único país dos Brics que
nunca fez um explosivo nuclear. “Havia gente que queria ter feito.”
Uma inspiração – Seu orientador de doutorado, Andrew Hurrel (“Converso com ele
20 minutos e saio cheio de ideias”), e o professor de literatura David Jordan, uma espécie
de padrinho que o abrigou em seu primeiro curso de inglês em Londres.
Conselho para quem está começando – “Siga a sua curiosidade até o limite.”
Prateleira
O tempo melhora os clássicos
A fina arte do jornalismo
de negócios em doze
capítulos escritos
na década de 1960
Não é todo dia que encontramos um
livro elogiado por Bill Gates e Warren
Buffett. Ao ler o comentário de Gates
em seu blog sobre a reimpressão de Business adventures, fiquei bastante curioso,
ávido por consumir esse clássico do início dos anos 1970. A obra do jornalista
John Brooks é uma coletânea de artigos
escritos na década anterior, sobre fatos
bastante diversos da vida corporativa
e financeira dos Estados Unidos. Eles
analisam desde o espantoso fracasso do
automóvel Edsel, da Ford, até a vertiginosa ascensão da Xerox Corporation.
A prosa é ágil e elegante. O leitor mal
se dá conta das mais de 450 páginas, ainda que a nova era dos livros eletrônicos
Business adventures:
twelve classic tales
from the world of
Wall Street
John Brooks
Editora: Open Road
Media
476 páginas
1a edição, 2014
(reimpressão)
Por Peter Jancso*
mitigue o peso psicológico de se enfrentar uma “bíblia”. Embora a obra já passe
dos 40 anos, os assuntos abordados
são extremamente atuais, reforçando
a noção de que a história se repete. Há
relatos sobre insider trading, formação
de cartéis e ataques especulativos contra
a libra esterlina — assuntos frequentemente estampados na primeira página
dos jornais contemporâneos.
Em particular, dois capítulos me atraíram mais, apesar do desfecho diametralmente oposto: o sucesso da Xerox e o
fracasso do Edsel. Enquanto o primeiro
conta a saga do desenvolvimento das
copiadoras e o aparente caos inerente às
inovações disruptivas, o segundo narra
o processo planejado e organizado para
torrar mais de US$ 350 milhões no lançamento de um carro que sofreu rejeição
absoluta do consumidor americano.
A despeito da paleta multicolorida
dos tópicos apresentados pelos 12 capítulos, é possível identificar um traço
comum às histórias. Todas elas tratam
de situações empresariais em que a liderança organizacional é determinante
para seu desfecho. O êxito e o fiasco têm
como origem o papel desempenhado
pelos responsáveis pela tomada de decisões em cada companhia. No caso do
Edsel, fica clara a desconexão entre o
discurso da direção da Ford e a prática
na linha de frente junto aos consumidores. Ao descrever a saga que foi a defesa
da libra esterlina ante sua desvalorização, o autor reconta o enorme esforço
dos banqueiros centrais sob o comando
dos Estados Unidos para atuar de forma coordenada no controle da crise
financeira. Ela ameaçava as principais
economias do mundo na época.
Nas palavras de Bill Gates, um cético
poderia muito bem se perguntar o que
uma coleção de artigos da década de
1960 tem a ensinar sobre o mundo dos
negócios hoje em dia. Naquele momento, uma copiadora Xerox custava o preço de uma casa e vinha com um extintor
de incêndio, devido a seu péssimo hábito de superaquecer. Certamente, muita
coisa mudou desde então. Os fundamentos econômicos e de negócios,
no entanto, permanecem os mesmos,
assegurando a longevidade e a relevância da obra de Brooks. Assim como os
bons vinhos, os verdadeiros clássicos
parecem melhorar com o tempo.
* Peter Jancso é professor de finanças
corporativas da Business School São Paulo
e sócio da Jardim Botânico Investimentos
Outubro 2014 C APITAL A BERTO 61
Saideira
uuuuuuu
resultados
fora u
!
uuuuu
u
o que aconteceu?
nossos números
estão ótimos...
chefe, acho que você
esqueceu... esta é a reunião
com os investidores que
alugam ações.
62 C APITAL A BERTO Outubro 2014
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