A Conventualidade no carisma Franciscano: uma

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A Conventualidade no carisma Franciscano: uma
1
A Conventualidade no carisma Franciscano:
uma leitura latino-americana
Frei Carlos Roberto de Oliveira Charles,OFMConv.
Custódia Imaculada Conceição do Rio de Janeiro – Brasil
1. Pressuposto
A Conventualidade, presente no franciscanismo desde sua gênese como expressão da
fraternidade evangélica, assinala a passagem da primeira juventude da aventura franciscana à
maturidade da Ordem, caracterizando-se como um estilo próprio e bem delineado de
experimentar a minoridade e viver a fraternidade como aspectos da superabundância do
carisma franciscano. Assim, como “a linguagem é a casa do ser,”1 a Conventualidade,
enquanto estilo e expressão, é a casa2, o lugar, o espaço sagrado onde a fraternidade se faz
possível em meio as ambiguidades e vicissitudes humanas de seus membros. Numa outra
imagem, sem nenhuma dicotomia, se para o franciscanismo a fraternidade menor é sua alma, a
Conventualidade é seu corpo. Duas dimensões inseparáveis que nos permitem dois pontos de
vista de uma mesma realidade: um corpo animado e um espírito encarnado. Então, mais que
um adjetivo jurídico e distintivo de uma determinada família franciscana, a Conventualidade,
que acolhe a minoridade e possibilita a fraternidade é intrínseca e necessária para a
subsistência, no tempo e no espaço, daquilo que é maior e ao mesmo tempo comum nas
Ordens, o carisma franciscano.
Em síntese, se a fraternidade é a abstração do fraterno, daquele que se faz irmão, a
Conventualidade é a abstração de convento, daquilo como os irmãos experimentam sua
relação fraterna.
1
O homem não é apenas um ser vivo, que, entre outras faculdades, possui também a linguagem, mas é muito
mais do que isso. A linguagem é a casa do Ser. Nela morando, o homem ek-siste na medida em que pertence à
Verdade do Ser, protegendo-a e guardando-a. O homem mostra-se como o ente que fala. É ser "possuído pela
língua na luz do mundo": cf. HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Petrópolis: Vozes, 2006, p. 40. O que se
pretende com essa analogia não é fazer, aqui, uma reflexão filosófica da linguagem, mas antes, e já de antemão,
acenar para o significado de Conventualidade não como parte integrante, ou adjetivo do substantivo
Fraternidade, mas como elemento constitutivo e substancial do carisma franciscano. Aliás, dizer que o nome
conventual adjetiva o substantivo Frade/fraternidade, é antes de mais nada empobrecer, legar ao periférico o
próprio conceito. Não cabe discutir essa realidade tão profunda pela mediação da gramática, porque ela a
transcende.
2
Note bem: a Conventualidade não está aqui reduzida ou minimizada na construção material da casa, convento,
mas antes, casa e convento, transcendendo a linguagem, representam a mediação física, a partir do qual é possível
o encontro, a convivência, a partilha, em síntese, a fraternidade.
2
2. Histórico
Conventualidade ou conventualismo?3 Chamaremos aqui de Conventualidade a um
estilo religioso de viver o carisma franciscano e de conventualismo, de processo de
conventualização comum entre as ordens religiosas medievais. Todavia, os dois termos, muito
parecidos, mas de significados distintos, derivam de um mesmo radical, convento.
O convento é a casa que abriga os religiosos para uma vida comunitária. É um conceito
que precede historicamente o Movimento Franciscano e por ele é assimilado e remodelado
para atender à intuição da nova fraternidade.
Etimologicamente a palavra “convento” sugere desde sua significação latina
“conventus”, ponto de encontro, con-venire, vir-com. Nesse sentido, o tugúrio, os eremitérios,
a casa, serão, na literatura franciscana, esse ponto de encontro, fundamental para a vitalidade
da fraternidade.
De
“convento”,
passamos
à
terminologia
derivada
de
“Conventualidade”,
“conventualismo”: aqueles que vivem e se organizam em conventos.
Deste modo, não é exagero afirmar que o conceito de Conventualidade encontra seus
rudimentos na primeira choupana de Rivotorto,4 onde abrigando os primeiros companheiros,
Francisco buscou organizar o simplório “locus” para o descanso e para oração, elementos
importantes para a fraternidade. Não era propriamente um convento em sentido estrito, mas
num sentido amplo, podemos considerar o tugúrio de Rivotorto a gênese da nossa
Conventualidade franciscana que se manifesta como estilo de fraternidade, e que ainda se
expressava itinerante: “reuniam-se com prazer e gostavam de estar juntos. Para eles era um
pesadelo estarem separados, o afastamento era amargo e doloroso estarem desunidos.”5
Na mudança para a Porciúncula,6 junto à capela de Santa Maria dos Anjos, o elemento
da casa vai se forjando melhor até que, com o crescimento do número dos frades, seus novos
desafios e a rápida evolução do Movimento, vamos, desde muito cedo, visualizar a marca do
estilo conventual nos frades da comunidade.
3
Embora os termos Conventualidade e Conventualismo sejam utilizados como sinônimos por muitos autores,
preferimos, aqui, distingui-los para que o primeiro seja atribuído ao carisma, e o segundo, tanto a uma forma
religiosa evolutiva, comum às Ordens quanto aquilo que geralmente sugere o sufixo “ismo”: excesso, laxismo,
etc.
4
Cf. 1Cel. 16, 42-44.
5
Cf. 1Cel. 15, 39.
6
Aí se observava a disciplina mais rígida, tanto no silêncio e no trabalho, como em todas as outras observâncias
regulares: cf. 2Cel. 12, 19.
3
Ou seja, a Conventualidade é no fundo a vida da comunidade minoritas que vive a
fraternitas a partir daquilo que a faz convergir: viver comunitariamente o Evangelho do
Senhor, como irmãos.
Uma das grandes contribuições do Testamento de São Francisco, registradas,
principalmente na quarta parte, sem dúvida nenhuma, trata-se da fraternidade formada em
torno de sua experiência de conversão:
E depois que o Senhor me deu irmãos ninguém me mostrou o que devia fazer, mas o Altíssimo mesmo
me revelou que eu devia viver segundo a forma do santo Evangelho. E eu o fiz escrever com poucas
palavras e de modo simples e o Senhor Papa (Inocêncio III) mo confirmou. E os que vinham para
abraçar este gênero de vida distribuíram aos pobres o que acaso possuíam. E eles se contentavam com
uma só túnica remendada por dentro e por fora, com um cíngulo e as calças. E mais não queríamos ter.
Nós clérigos recitávamos o ofício divino como os demais clérigos; os leigos diziam os pai-nossos. E
gostávamos muito de estar nas igrejas. Éramos iletrados e sujeitávamos a todos.7
Francisco tem consciência de não ter escolhido seus irmãos. Simplesmente acolhe a
vontade de Deus Pai, diante do qual somos todos irmãos. Para ele, a fraternidade evangélica
tem sua base sólida e fundamental no ‘querer de Deus’, que generosamente concede. “Ter um
irmão é um dom, graça de Deus. Através deste dom Deus exprime seu amor e seu cuidado
para com o homem. O dom do primeiro irmão dado a Francisco o encheu de extraordinária
alegria, que parecia que o Senhor se preocupava com ele, já que lhe mandara um companheiro
tão necessário e um amigo tão fiel (1Cel 24).”8
A constatação de que os irmãos lhe foram dados pelo Altíssimo encheu também o
coração de Francisco com a certeza de que Deus tinha um projeto diferente, que não se
enquadrava em nenhum tipo de instituição ou Regra já existentes. O Altíssimo revelou para
ele, na formação de sua primitiva fraternidade, o caminho a ser percorrido: “viver segundo a
forma do Santo Evangelho.” Do contrário, seu ideal de vida, simples e pobre, não teria
atraído tantos irmãos. Se eles existem, é porque foram dados pelo próprio Deus, que os
escolheu e chamou.
A presença dos irmãos ao seu redor exige de Francisco zelo, cuidado e
responsabilidade. Enquanto esteve só, perseguindo os ideais evangélicos, cuidando dos
leprosos, reconstruindo a igrejinha de São Damião, hospedando-se entre os monges
beneditinos, recolhendo-se nas grutas para a oração e esmolando o necessário para sua
subsistência, sua única preocupação era com a fidelidade ao estilo de vida pobre e simples que
acabara de abraçar. Quando os irmãos começam a chegar, a primeira atitude de Francisco
torna-se uma atitude materna: “e eu o fiz escrever em poucas palavras e de modo simples e o
7
8
Cf. Test. 4, 14-19
BONI, Andréa. Dicionário Franciscano, Petrópolis, Vozes, 2ª Edição, 1999, pp. 273 ( verbete fraternidade).
4
senhor papa mo confirmou...” Buscou rapidamente um mínimo de infra-estrutura para
acolher bem e proteger aqueles que o Senhor enviara. Fez uma breve regra de vida,
completamente edificada nos alicerces do Evangelho e buscou sua aprovação aos pés do Santo
Padre, o Papa Inocêncio III. Com a Regra, Francisco expressa sua fraternidade nos sinais da
pobreza, da obediência e da castidade, genuína expressão da vida, da lealdade, do respeito
ecológico e da caridade. Com a bênção papal, Francisco cerca sua frágil fraternidade (aqui
leia-se comunidade) com a proteção da Igreja.
“E os que vinham para abraçar este gênero de vida distribuíram aos pobres o que
acaso possuíam. E eles se contentavam com uma só túnica remendada por dentro e por
fora, com um cíngulo e as calças. E mais não queríamos ter.” Aqui, Francisco demonstra
sua receptividade e hospitalidade aos que chegam, deixando bem explícito que o critério do
discernimento em saber se o irmão que chegava era, realmente, chamado e escolhido por
Deus. Este critério era o despojamento fraterno, a pobreza: “distribuíram aos pobres o que
acaso possuíam.”
Os irmãos dados a Francisco estavam revivendo a primeira Comunidade dos
Apóstolos: encontravam-se para a oração e a fração do pão. Estavam sempre juntos,
estreitando os laços da fraternidade. O estar juntos dos irmãos tinha como objetivo, antes de
tudo, de permitir-lhes que, ajudando-se mutuamente, realizassem sua personalidade espiritual,
na celebração da cultualidade de sua vida e, depois, oferecendo ao mundo um serviço de
salvação através do anúncio da paz: “Nós clérigos recitávamos o ofício divino como os
demais clérigos; os leigos diziam os pai-nossos.”
“Respeitando profundamente os vínculos de sangue, a fraternidade franciscana dá o
testemunho de uma família que é gerada por Deus. A família gerada pelo homem é sagrada,
porque na família se renova a vida e a vida vem de Deus. Os vínculos da fraternidade
espiritual não são menos sólidos que os vínculos de sangue. Francisco crê firmemente na
solidez da fraternidade espiritual dos seus frades e não hesita em encorajá-los à confiança
recíproca em suas necessidades, apelando para a imagem de confiança de um filho para com a
mãe.”9
Por fim, a fraternidade que se desenvolveu em torno da figura carismática de Francisco
de Assis crescia ainda com dois aspectos muito distintos: era eclesial e minorítica: “E
gostávamos muito de estar nas igrejas. Éramos iletrados e sujeitávamos a todos”. Eclesial
porque experimentava a comunhão da Igreja, e por ela se orientava na itinerância do mundo,
9
Ibidem, pp.274.
5
vivendo e aprofundando os valores evangélicos. Era a Igreja o lugar espacial da expressão da
Comunidade Franciscana. Minorítica, porque experimentava a “minoridade”, a sujeição, “ o
ser menor” como paradigma contrário aos apelos do tempo, onde o homem buscava ser
“maggiore” em tudo o que era, em tudo o que fazia e em tudo o que possuía. Pertencer à Igreja
na fidelidade ao Evangelho era para a Comunidade Fraterna de Francisco, ao mesmo tempo,
vocação e missão para o seguimento de Cristo.
A vida fraterna aparece como intuição de Conventualidade também na Regra para os
eremitérios:10 que dois sejam as mães e os outros dois, filhos, e que façam um revezamento. O
elemento que brota daí, na figura materno-filial é, sem sombra de dúvida, o cuidado fraternal
pelo outro numa relação de amor-filia que aponta para o agápico.11 Eis a Conventualidade se
descortinando e se evoluindo, fazendo com que a passagem da intuição à instituição
salvaguarde a vida em fraternidade.
Para Vital Bommarco, Ministro geral OFMConv.,12 “da riqueza e da superabundância
do carisma do Fundador nasceram as diversas e múltiplas aplicações concretas do espírito
franciscano e uma das primeiras foi exatamente a ‘Conventualidade’, vivida com muito
empenho para responder às exigências e necessidades do tempo.”13
“Em sua narrativa sobre os primeiros frades na Inglaterra, Thomas d’Eccleston
multiplica o testemunho sobre a alegria franciscana: quando os frades se instalaram na cidade
inglesa de Cantuária, numa casa em que à noite, de regresso, acendiam o fogo, sentavam-se
em torno dele, cozinhavam uma beberagem (potus) numa panela e a bebiam em círculo. Às
vezes a bebida era tão grossa que nela precisavam jogar água, e depois a bebiam alegremente.
Da mesma forma em Sarum, os frades bebiam diante do fogo na cozinha uma imunda borra
10
Aqueles que quiserem viver como religiosos em eremitérios não sejam mais de três ou, no máximo, quatro
irmãos. Dois sejam as mães e tenham dois ou ao menos um por filho. Aqueles levem a vida de Marta e estes a de
Maria Madalena. Os dois que forem as mães levem a vida de Marta e os dois filhos a de Maria, e disponham de
um lugar cercado para morar, onde cada um tenha a sua cela para orar e dormir: Cf. Regra para os eremitérios,
em: São Francisco de Assis – Escritos e biografias de São Francisco de Assis – crônicas e outros testemunhos do
primeiro século franciscano, 5ª ed. Petrópolis: Vozes/Cefepal, 1988, p. 164.
11
Francisco convida seus irmãos a realizar o modelo de família: sua Ordem deve ser e primeiro lugar,
propriamente, mais uma fraternidade do que uma Ordem de religiosos (...) Desses irmãos ele será o pai,
segundo o modelo divino, pois Deus é para ele em primeiro lugar, um pai. Mas é uma estrutura familiar
totalmente estranha que ele recomenda a seus irmãos. Seu amor fraternal deve ser, na verdade. De natureza
maternal. A Frei Leão ele fala como uma mãe a um filho: cf. LE GOFF, Jacques. São Francisco de Assis.
Tradução de Marcos de Castro. Rio de Janeiro/São Paulo: Editora Record, 2010, 9ª edição, p. 143.
12
Vitalis Maria Bommarco de Cherso, 115º Ministro Geral – 1972/1978.
13
BOMMARCO, Vital. A Ordem dos Frades Menores Conventuais. Tradução de Geraldo Monteiro, em:
subsídios para reflexão 1/83, 1981.
6
(faeces) com tanto prazer e alegria que se divertiam em roubar uns dos outros a bebida
amigavelmente (De Adventu, 7).”14
Historicamente o conceito “conventual” sofreu alterações semânticas importantes.
Como acenamos, já no início da Ordem foi mais genérico, sendo derivativo de “convento” e
de tudo que dizia respeito à esta realidade. Depois, foi evoluindo no sentido mais específico e
ligado a acontecimentos históricos tais como “o viver e operar dos Menores naqueles
conventos e igrejas que o papa tinha declarado conventuais, distinguindo-se assim, como
religiosos conventuais, dos outros confrades que viviam nos eremitérios;”15 vida conventual
menos rígida que os eremitérios e mais ativa e comprometida com as exigências da Igreja e da
sociedade, e mais conforme à urgência de estudos e de apostolado que os conventos e as
igrejas conventuais, no centro das cidades exigiam;” difusão do estilo de vida para fora das
cidades e das nações, “com missões populares e entre os infiéis;” “afirmar-se da necessidade
apologética deste estilo de vida seguido pela comunidade conventual”; necessidade de
distinção entre Comunidade de outros grupos da Ordem.”
Na linha histórica do tempo, a “Conventualidade” foi sendo compreendida como o
distintivo de uma família franciscana voltada para esta preciosa dimensão carismática do
seráfico pai, a fraternidade para a missão. Assim, do grupo dos letrados, anterior ao capítulo
geral de 1217, ao fenômeno próprio de “conventualismo” (a partir do século XIV) comum às
Ordens religiosas, passando pelos confrontos idealizadores entre “conventuais” e
“observantes”, com relativa paz entre as duas tendências até o ano de 1500, até chegar a
definitiva ruptura e autonomia em 1517.
Fora da “Conventualidade”, a visão deste estilo franciscano de vida foi carregada de
suspeita e negativismo. Espirituais, Zelantes, Observantes, Itinerantes, cada qual em sua
época, acusaram os frades da Conventualidade de laxismo, excessos; desviados do carisma
fundacional e avessos à pobreza.
Como luzes e sombras, de sua gênese em 1209 aos dias atuais (2011), a
Conventualidade se configurou na história como expressão fraterno-evangélica do carisma
franciscano, aberto à Igreja, e através dela, ao mundo.
Como pensar, então, no conceito de Conventualidade nos dias de hoje? Sistematizar e
compreender seu significado faz parte do processo reflexivo teórico de sua internalização.
Vejamos.
14
cf. LE GOFF, Jacques. São Francisco de Assis. Tradução de Marcos de Castro. Rio de Janeiro/São Paulo:
Editora Record, 2010, 9ª edição, p. 229.
15
POMPEI, A. et alli. Frades Menores Conventuais – História e vida -1209-1995. Cidade Ocidental: edições
Kolbe, 1997, p. 88
7
3. Teorização da Conventualidade
A idealização de Conventualidade é prevista e manifesta nas Constituições Gerais, nos
documentos produzidos pelos Capítulos Gerais Extraordinários, pelo “Discipulado
Franciscano”, pela exortação epistolar dos Ministros Gerais e outros documentos que circulam
no interior da Ordem.
A partir destes documentos, a Conventualidade se define como modo peculiar de
organizar e viver a vida comunitária e pela maneira de responder às exigências pastorais da
Igreja no tempo e no mundo.
O carisma conventual, nas palavras de Bommarco, não é dado a cada frade em si, mas
a toda comunidade dos frades, que por sua vez, não é só depositária, mas deve continuamente
redescobri-lo e realizá-lo: “nós nascemos conventuais porque somos filhos daqueles
Franciscanos que dos lugares solitários passaram para o contexto das cidades, que deixaram os
eremitérios para fundar os conventos, que facilitavam um harmônico desenvolvimento da
comunidade.”16
Na opinião de muitos dos nossos pensadores, entre eles Alfonso Pompei, J. Odoradi, L.
di Fonso, Valentin Redondo, a Conventualidade se define concretamente a partir dos
elementos constitutivos da fraternidade como também pelo seu modo próprio de experimentála: ministério, capítulo, vida compartilhada (mesa e altar), formação/reflexão (estudo) e
apostolado.
Portanto, antes de refletirmos sobre estes elementos contitutivos, e recorrendo
novamente ao Testamento do Poverello, salientemos o conceito de fraternidade, que supõe a
Conventualidade, tendo como ponto de partida a experiência do Patriarca de Assis.
Francisco: acolhimento do outro como irmão
Quando Francisco disse e fez escrever em seu Testamento “e depois que o Senhor me
deu irmãos...” nasceu a fraternidade franciscana, “que se traduz essencialmente pelo
testemunho da paternidade universal de Deus e da fraternidade universal do homem.”17 Assim,
a fraternidade franciscana, é antes de tudo, fraternidade cristã, onde o homem é devolvido ao
homem como irmão, e nessa relação, experimentar e desenvolver o amor que vem de Deus. Na
16
BOMMARCO, Vital. A Ordem dos Frades Menores Conventuais. Tradução de Geraldo Monteiro, em:
subsídios para reflexão 1/83, 1981.
17
Idem, pp. 271.
8
fraternidade cristã somos chamados a aceitar a Deus como Pai e aceitar o outro como irmão,
vivendo a comunhão. A fraternidade franciscana é também uma consciência da generosidade
de Deus que funda e recria a comunhão fraterna: “os irmãos não se escolhem, mas se aceitam.
Não há fraternidade se não queremos entrar na vida de nosso irmão e se não consentimos que
ele entre na nossa. Sem esta comunhão de vida, a fraternidade seria apenas referência a uma
pertença genealógica, sem interesse para ninguém. A fraternidade franciscana testemunha o
amor que vem de Deus e para Deus volta.”18
A fraternidade franciscana é também uma relação materno-afetiva, onde o cuidado, o
zelo, a proteção e a preservação do outro como parte de si mesmo faz crescer a amizade, o
respeito mútuo e o testemunho evangélico. Na fraternidade franciscana os valores evangélicos
da pobreza, da obediência e da castidade configuram-se como uma resposta humana às
seduções mundanas e desumanizadoras do ter, do poder e do prazer. Desapegados, unidos e
transparentes, os irmãos experimentam a bondade de Deus na história pessoal e comunitária de
cada um que foi dado por Deus a toda comunidade.
A fraternidade franciscana, formada por um chamado de Deus, vive o vínculo
espiritual deste chamado através da cultualidade, ou seja, do encontro e da oração. Encontro
consigo mesmo, com o irmão, com a natureza e com Deus.
A fraternidade franciscana vive o sopro do Espírito dentro da Igreja e se faz menor,
servidora, e gentilmente amorosa, e edifica-se a partir da constituição de elementos
fundamentais, como já dissemos acima: ministério fraterno, capítulo, compartilhamento,
formação permanente, apostolado.
Elementos constitutivos da Conventualidade
No seu estilo conventual de ser, a fraternidade franciscana se caracteriza como:
a) Ministério fraterno (ministros e guardiães): exercido por ministros mediatos e
imediatos e, mais concretamente, pelos guardiães de cada convento. Estes são e devem ser os
primeiros animadores da vida fraterna. As Constituições Gerais de 1984 mencionam como
autoridade por excelência o Capítulo e como autoridades que fazem cumprir a deliberação
capitular apenas o Ministro Geral, os Ministros Provinciais, os Custódios e Delegados,
deixando os Guardiães como frades que exercem uma função conventual. Todavia, o guardião
18
Idem, pp. 274.
9
é quem preside tanto a vida comunitária quanto o capítulo conventual, chamado a promover a
Conventualidade como expressão da fraternidade local, e é quem se responsabiliza por fazer
cumprir as deliberações de cada convento: “é tarefa do guardião dirigir e coordenar a vida e as
atividades dos frades segundo a Regra, as Constituições e os Estatutos, e promover o espírito
da verdadeira fraternidade.”19 Ainda conforme as Constituições, compete ao guardião “o poder
ordinário sobre todos os frades da família e outros que residam no convento.”20
Assim, o Guardião é o frade que tem por ofício o fraterno ministério de solicitude,
tanto no cuidado, quanto no zelo e na promoção da vida dos demais frades de cada convento, e
deve exercer sua função na tensão materno-filial/fraterno-pessoal.
b) Capítulo Conventual: o encontro de todos os frades, no início ocasional, depois
sistemático, foi uma exigência da primeira geração franciscana. Nasciam assim os “capítulos”,
que diferentemente do que acontecia nas Ordens Monásticas, possuíam um caráter mais
fraterno e espiritual do que organizativo e administrativo. Verdadeiros exercícios espirituais,
nos quais os frades redescobriam o genuíno de sua vocação à luz dos ensinamentos de
Francisco, se confrontavam com a experiência dos irmãos em uma sincera revisão de vida,
reforçando os vínculos da comunhão recíproca na alegria de pertencer à mesma família. 21
Assim, o Capítulo Conventual é o encontro solene de todos os frades de um convento para o
compartilhamento da vida comunitária, produzindo, desenvolvendo e aprimorando a
fraternidade. Este compartilhamento funciona como esforço comum para cultivar a vivência
espiritual, facilitar o trabalho pastoral, corrigir fraternalmente, legislar e executar a
programação da vida dos frades.
O Capítulo Conventual deve ser entendido e vivido pela comunidade como lugar
privilegiado de ausculta do Espírito Santo, que permite discernir juntos, através do diálogo
sincero entre irmãos, aquilo que o Senhor deseja.22
c) Vida compartilhada: a imagem de mesa e altar ilustra bem a ideia que se pode ter
de vida compartilhada como ponto de partida e de chegada do encontro comunitário para a
fraternidade. Fiéis ao horário comum das refeições, em torno da mesa os frades não só
partilham o alimento comum, mas os serviços que o produzem e organizam, e através deles,
19
Cf. OFMConv. Constituições – 1984, 201, § 1.
Ibidem, § 2.
21
UCOB, O Capítulo Conventual – O discernimento comunitário, a revisão de vida e a correção fraterna. Santo
André: Província São Francisco de Assis, 1997, p. 7.
22
Cf. OFMCOnv. Capítulo Geral Extraordinário de 1998 – A formação na Ordem – linhas para um
compromisso renovado. Roma: Cúria Geral OFMConv., 1998, p. 28.
20
10
partilham a própria vida pelo diálogo descontraído, alegre e respeitoso. O mesmo se dá ao
redor do altar, mesa do Senhor, para a oração comum e a liturgia, onde a partilha comum
abrange o mistério divino e alimenta espiritualmente a vida fraterna. Mesa e altar são
referências centrais do que acontece no interior de cada comunidade, cujo compartilhamento
se constrói no encontro frequente, no diálogo franco e aberto, na mútua confiança, no respeito
e valorização do outro como pessoa, na solicitude do zelo e cuidado pelas relações
interpessoais, como também na solidariedade frente aos desafios individuais, comunitários e
pastorais.
Se a comunidade é o lugar da vida partilhada, onde a partir da mesa e do altar se
celebra a festa da vida, também, a comunidade é o lugar do perdão. Este é um elemento
evangélico salutar para refazer e amadurecer as relações de fraternidade.
d) Formação: elemento fundamental para o discernimento vocacional, para a
assimilação do carisma e constante processo de atualização formativa. Embora que toda a vida
seja um processo de conformação com Cristo, o período de formação inicial tem uma
particular importância. Constitui-se num verdadeiro tirocínio no discipulado, no qual, guiado
por seus responsáveis, o frade aprende a discernir a voz de Deus entre tantas mensagens que
ouve e, após decidir-se pelo seguimento do Senhor, é ajudado a tirar proveito do ensinamento
e da experiência que lhe é oferecida para o amadurecimento de sua opção.23
É preciso que o frade menor conventual prossiga o itinerário de interiorização dos
valores evangélicos, empreendido no período de formação inicial, ou melhor, o empenho de
um crescimento constante integra-se no direito e no dever de cada frade, principalmente em
face da vida moderna.24
Assim, a formação acontece no quotidiano da experiência comum e sempre é
promovida em nível local pelo Capítulo Conventual, e em nível jurisdicional pelos Capítulos
Gerais/Provinciais e pelo exercício de seus governos. Desta forma, preparam o frade para uma
vida responsável diante de Deus, da Igreja, da Ordem e do mundo.
e) Apostolado: para Alfonso Pompei o apostolado e a formação (estudos) estão
intimamente ligados, e esta última, considerando os estudos como adequada preparação para o
bom exercício do ministério pastoral, nasce em função do apostolado: se quisermos
permanecer
23
24
fiéis
à
Conventualidade
franciscana,
é
preciso
lembrar
o
primeiro
Cf. OFMConv. Discipulado Franciscano – Diretório Geral de Formação, 25. Roma: Cúria Geral, 2001, p. 19.
Ibidem, 102, p. 48.
11
desenvolvimento da Ordem de Francisco de Assis: recordar os tempos em que os Frades da
Comunidade organizavam o ambiente da vida religiosa franciscana (Conventos, com estudos e
escolas implementadas e eficientes; grandes igrejas para exercer aquele serviço de apoio ao
clero, sem estar ligados ao território paroquial e diocesano, clericalização que não significa
substituição do clero secular nas paróquias, mas uma ajuda específica e especializada na reevangelização interna e nas missões entre os infiéis.25
Assim rezam as Constituições, “Os frades consagrem de modo especial todas as
energias para manifestar ao mundo, com palavras e obras, a mensagem de Cristo, e comunicar
sua graça de modo que possam imbuir do espírito do Evangelho as várias coletividades e os
vários ambientes, testemunhando o advento do Reino de Deus.”26
Este trabalho apostolar/pastoral é exercido através da Igreja para evangelizar o mundo,
enchendo-o da presença do Espírito do Senhor. Portanto, realizado pela comunidade
conventual através de uma paróquia, de uma associação e de variados serviços.
Visualizados e compreendidos os elementos constitutivos da Conventualidade,
podemos afirmar com segurança, que superada a questão histórica, todas as Ordens
Franciscanas, são essencialmente conventuais, uma vez que todas contém os mesmos
elementos, os mesmos símbolos, a mesma linguagem, além do processo natural de
“conventualismo” adotado por toda e qualquer forma de vida religiosa consagrada de
expressão comunitária.
Entretanto, aquilo que é próprio de uma ordem que adjetivou, apenas em sua
nomenclatura distintiva, a substancialidade fraternitas minoritas de “Conventualidade” é
mesmo o modo como se experimenta esses mesmos elementos comuns, o que configura o
carisma específico e diferencial.
Exemplificando: a maneira conventual de exercitar o ministério; o jeito próprio de
exercer o guardianato, como a relação deste com toda a comunidade; a forma de celebrar os
capítulos e o acento que este tem sobre a vida comunitária; o encontro fraterno e a partilha da
vida na oração, na celebração, no trabalho, no lazer, no estudo e na administração (seja ela
conventual ou paroquial). Tudo isto é próprio do carisma franciscano conventual.
Ver como se dá esta idealização na prática é o grande desafio pela busca do essencial e
o vencer a si mesmo, tão próprio da religiosidade consagrada.
25
Cf. POMPEI, Alfonso. Os estudos no carisma franciscano menor conventual. Tradução de Geraldo Monteiro,
1994.
26
Cf. OFMConv. Constituições – 1984, 121, § 1.
12
4. A práxis da Conventualidade
Se por um lado, os elementos idealizadores positivos podem ser visualizados em
muitas realidades em toda a Ordem, por outro, há também, desafios de superação do negativo
na prática conventual.
A realidade do carisma conventual, vivido e experimentado nos tempos atuais, consiste
concretamente na desafiadora tentativa de colocar em prática os princípios fundadores e
basilares da aventura franciscana, sobretudo, nesses tempos modernos/pós-modernos
contrários à vida comunitária.
Frente aos desafios culturais e antropológicos do cultivo do individualismo, do
materialismo, do consumismo, onde o carisma conventual deveria ser a contra-mão e produzir
luzes suficientes para iluminar as sombras perversas das sociedades pós-modernas, tem, ao
contrário, se ofuscado e deixado se influenciar pelos meios que antes deveriam ser
transformados por ele.
Vejamos, pois, a partir dos elementos idealizados que configuram a Conventualidade,
como, de fato, conseguem se exprimir na prática, pelo menos a partir de alguns exemplos
significativos:
a) Ministério fraterno (ministros e guardiães): na prática, verifica-se em muitas
realidades a autoridade como fiscal, como mantenedor dos status institucional, e por isso, com
certo glamour no exercício do poder. O mesmo não se pode dizer do guardião, que já em
muitos lugares, sobretudo em conventos menos clássicos e menos rígidos, tornou-se uma
função obsoleta, decorativa, desprovida de autoridade; um coordenador “pro-forma” que
obedece e faz obedecer normas estruturais. Muitas vezes, visto pela comunidade como
representante local da instituição, é evitado e, quando não isolado, distanciado tanto das
partilhas pessoais quanto das subjetividades autônomas.
b) Capítulo Conventual: em muitos casos deixou de ser o lugar solene de celebração
da fraternidade para se tornar uma reunião cansativa de administração do convento e da
paróquia, como também de prestação de contas e de frequente e acalorados confrontos de
individualidades feridas. Isso, quando se consegue reunir os frades, tão atarefados em seus
compromissos pessoais e pastorais
13
c) Vida compartilhada: muitas vezes compreendida apenas como o cumprimento
canônico de horas comuns, ou seja, viver comunitariamente. A vida comunitária, por si só, não
é pressuposto de fraternidade num convento, mas por outro lado, a fraternidade só é possível
mediante a vivência comunitária dos elementos que a tornam possível: horários comuns para o
encontro interpessoal e comunitário. Assim, pode-se, num convento cumprir-se os horários
comuns de oração, de lazer, de pastoral, de refeição sem haver nenhum nível de produção
fraterna. A fraternidade que nasce do encontro, do diálogo, da partilha, do cuidado, da
pertença, da valorização do irmão, só é possível quando há um exercício constante de provocar
o compartilhamento da vida, da fé e do apostolado.
Não há convento onde não há compartilhamento da vida e de seus elementos
simbólicos, mas tão somente uma “casa paroquial” chamada de convento, que abriga pessoas
que têm funções em comum, vivem o fechamento de sua subjetividade, influenciada pela
cultura moderna do individualismo e do fechamento como também da produção
mercadológica de suas atividades.
d) Formação: assiste-se com muita frequência, em muitos lugares da Ordem, uma
formação incipiente tanto para a iniciação à vida fraterna quanto para o ministério ordenado. O
estudo, nessa linha, tem sido apenas pré-requisito para a profissão dos votos e principalmente
para a ordenação, e em muitos casos, não levados a sério para formação integral do frade
como pessoa humana. Os estudos complementares e especializados nem são motivados, dados
a urgência dos frenéticos trabalhos pastorais e da escassez sacerdotal em diversas regiões onde
se fazem presentes os Conventuais. A formação permanente, muito reduzida nos capítulos
conventuais é encarada com descaso, desinteresse, algo “pro-forma”, ou uma “desobriga”
religioso-comunitária. Muitos frades, acostumados ao comando, à direção, liderança pastoral
não se vêm motivados a continuar aprendendo, atualizando, renovando seus conhecimentos,
pois se consideram mestres, formados e bem preparados, e não conseguem mais ouvir seus
pares.
e) Apostolado: no início dos anos de 1980, o Ministro Geral já chamava atenção para a
maneira do serviço pastoral exercido pelos Conventuais nas Dioceses e paróquias: “muitas
vezes nos reduzimos a administrar as paróquias a nós confiadas como se fôssemos padres
seculares aos quais a paróquia é dada como ‘benefício’ sobre o qual eles exercem amplos
poderes. Para mitigar estes antigos poderes é que nasceu o ‘Conselho pastoral’ que alarga a
responsabilidade a toda a comunidade paroquial. Nós, porém, desde a origem, temos algo a
14
mais e de melhor que o Conselho pastoral: é o capítulo conventual, onde, com respeito aos
problemas pastorais o frade provisionado pároco deveria, poderia e pode organizar a vida
pastoral em fraterna harmonia e colaboração com todos os irmãos da Fraternidade.”27
De lá para cá, assiste-se, cada vez mais, a um “paroquialismo”28 perigoso que
compromete a vida em comunidade e a desgasta. “Paroquialismo” que transforma o frade,
provisionado como pároco, em poderoso e “super-frade”, que muitas vezes ofusca o ministério
do guardião e dos demais frades; transforma o convento e “casa paroquial”, os frades em
meros vigários paroquiais e a vida religiosa em exclusiva função pastoral/paroquial.
Em seu generalato, Vital Bommarco, talvez como um desabafo exortativo, apontava
para os novos desafios da realidade conventual; “muitas vezes engatamos uma marcha ré que
nos levou a privilegiar os assim ditos ‘modernos eremitérios’, vida em particular ou quase
apartamentos, onde se satisfazem todas as exigências de uma vida burguesa e onde, no lugar
do silêncio e da oração, entra e prospera o barulho da vida moderna. Será que muitos dos
nossos conventos não viraram boas casa paroquiais que nada têm a ver de diferente daquelas
do clero secular invadidas pelas perpétuas empregadas, radinhos, toca-discos, gravadores (e
hoje acrescentaríamos DVDs, TVs, computadores, celulares), etc? Como é difícil em muitos
conventos a renúncia à livre iniciativa particular em favor de uma orgânica vida de
comunidade, de oração em comum, recreação fraterna, de um trabalho feito em nome de
todos!... Como é pouco o tempo que hoje dedicamos à reflexão e ao estudo, nós que somos os
herdeiros dos conventos nascidos para responder a uma sempre maior exigência de formação
teológica e cultural. A administração do dinheiro sempre foi dado na Conventualidade
sabiamente delegada à comunidade, enquanto que hoje vê-se muitíssimas vezes sob variadas
formas e desculpas renascer o ‘pecúlio privado’ e desenvolver-se com tanta liberalidade a
disponibilidade e o uso do dinheiro. E com relação ao capítulo conventual, esse precioso
27
BOMMARCO, Vital. A Ordem dos Frades Menores Conventuais. Tradução de Geraldo Monteiro, em:
subsídios para reflexão 1/83, 1981.
28
Apesar da concessão feita no novo Código de Direito Canônico, a Igreja mantém nas cidades a estrutura
obsoleta da paróquia. O clero está sendo preparado para atuar dentro do quadro paroquial. Os próprios
religiosos estão integrados em paróquias. Ora, estruturalmente, a paróquia é feita para conservar, ajudar,
promover os que participam do culto, as pessoas que pertencem à pequena minoria dos que já estão no templo. A
paróquia vive em função do templo, ainda que diga o contrário. Em lugar de preparar os cristãos para
evangelizar a sociedade, ela se fecha sobre a minoria fiel às instituições do passado. A paróquia não assume as
fábricas nem os supermercados, nem as escolas, nem os colégios, nem as universidades, nem os hospitais, as
instituições esportivas, culturais, de diversão, nem os meios de comunicação da cidade. Ela está organizada ao
redor dos sacramentos e das festas litúrgicas. Nem sequer consegue organizar a catequese dos adultos, menos
ainda sua formação missionária. Ela concentra as energias dos fiéis no próprio templo, em si própria. A Igreja
está claramente a serviço de si própria. Não se pode negar as excelentes intenções de muitos párocos, toda a
imaginação para fazer uma paróquia missionária. O problema é estrutural. Já foi denunciado por Santo Tomás
de Aquino. Depois de 8 séculos ainda não se deu a solução. A conseqüência é um povo passivo, incapaz de dar
testemunho na sociedade, fechado em si mesmo, numa espiritualidade de pura interioridade: cf. COMBLIN,
José. As grandes incertezas na Igreja atual, em: REB 265 (jan. 2007, 36-38.
15
tesouro da Conventualidade? Não está na hora de reforçar este pilar das nossas comunidades e
relançar a sua validade e eficiência a todas as exigências do nosso viver e atuar em conjunto?
Se estamos convencidos de que a ‘perfecta communitas’, aquela que não oprime a pessoa, mas
a insere no bem comum, ajudando-a a superar o individualismo negativo, é a coisa mais linda
à qual devemos tender, então devemos acreditar deveras no ‘carisma da Conventualidade’,
senti-lo como motivo de fraternidade, vivê-lo juntos superando personalismos, partilhando
tudo em razão da única finalidade que nos reúne, com convicção e entusiasmo, no louvor e no
agradecimento aquele que nos chamou a viver em comunhão.”29
O que é relevante para a Conventualidade hoje: buscar a idealização como único
caminho e processo? Dispensar o projeto idealizado, e viver o carisma a partir do que é real,
concreto e possível? Iluminar a realidade com a idealização? Aperfeiçoar a idealização a partir
da realidade? Esta é uma tensão salutar própria também da Conventualidade.
5. A tensão entre Conventualidade ideal e Conventualidade real
O confronto entre aquilo que se deseja alcançar (o ideal) e aquilo que se consegue
viver (o real) produz uma tensão natural, sadia e constante na tentativa de elaboração possível
e plausível de uma síntese. É assim na dimensão pessoal, familiar, grupal, eclesial, social e
também na Vida Consagrada.
É nesta dialética que a Conventualidade pode encontrar sua sustentação, aberta ao
novo, sem perder o que lhe é próprio: o carisma fraterno para a missão, e se projetar para um
futuro luminoso. Esta dialética só é possível na medida em que se vence o medo do confronto,
considerando integralmente que o ideal não é algo do passado, caduco, mas sempre uma
proposta de iluminar e direcionar para uma melhor expressão da realidade; considerando,
ainda, que o real não se desvincula da história, da tradição e não pode ser interpretado apenas
pelo crivo das múltiplas subjetividades.
É no seio da comunidade/fraternidade (família religiosa) que o confronto deve
acontecer: vendo a realidade em que se vive, sua problemática, seus desafios, crises,
interferências culturais, energias, para iluminá-la com a idealização, julgando-a a partir da
Palavra de Deus, do carisma do fundador, da intuição das origens, da história com sua
continuidade e ruptura, também dos textos jurídicos (Regra, Constituições e Estatutos) para se
29
BOMMARCO, Vital. A Ordem dos Frades Menores Conventuais. Tradução de Geraldo Monteiro, em:
subsídios para reflexão 1/83, 1981.
16
chegar a uma vivência e ação capazes de comunicar a essência da Conventualidade como
carisma franciscano.
A síntese do confronto entre ideal e real possibilita uma nova maneira de preservar os
elementos constitutivos da Conventualidade e re-interpretá-los em cada convento, em cada
jurisdição, em cada região, etc.
Uma tentativa sintética poderia, por exemplo, se manifestar assim:
a) O ministério fraterno servirá sempre para forjar a comunhão nas diferenças
personalizadas, promovendo sempre a vida da comunidade como expressão de
Conventualidade. Neste sentido, lembrando-se sempre que é um ministério, e portanto, “umestar-a-serviço” que quebra a espinha dorsal e verticalizada do poder para que seja verdadeira
autoridade, ou seja, capacidade de liderar, influenciar e afetar a vida daqueles que integram a
Ordem em todos os seus níveis. Por isso, o Guardião deverá ser não o vigilante dos frades de
família, mas vigilante da fraternidade na promoção de sua autêntica expressão conventual.
b) O Capítulo Conventual é o espaço sagrado para experimentar esta tensão e
positivá-la em benefício do crescimento e da melhor expressão do carisma. Por isso, deve ser
resgatado, cada vez mais, como celebração fraterna e nucleação do amor-fraterno, do diálogo
interpessoal e comunitário, do compartilhamento da vida, da alteridade, do respeito mútuo, do
perdão generoso.
c) A vida compartilhada é, antes de tudo, ação do Espírito, que assume a fraqueza e
se mescla com nossa ambiguidade humana para provocar um sair de si, um desinstalar-se em
direção ao outro, sempre acolhido como dom de Deus, irmão dado pelo próprio Deus para reinventar a aventura franciscana anunciada ao mundo de hoje como projeto de evangelização.
Depois, resposta livre e humana de cada frade, movido pela graça, para se libertar das amarras
do individualismo, e livremente, contribuir para a libertação do irmão e da comunidade.
d) A formação para a vida consagrada deve calcar nos princípios elementares da
identidade humana e de suas relações interpessoais. Formar o frade para uma harmoniosa
relação consigo mesmo, também para o acolhimento da alteridade na relação com o outro; na
relação com o mundo criado (natureza) e com o Grande Outro, o Deus Criador, Libertador,
Deus da Vida. Não pode a formação ser centrada no clericalismo, na administração pastoral,
no sacramentalismo, mas antes na vida comum.
17
e) O apostolado é, e deve ser, o serviço necessário da ação da fraternidade, anúncio e
testemunho de uma comunidade afetada pelo Evangelho, que o comunica na prática a partir de
dentro do coração da família religiosa. Não é, e nem deve ser mais importante que a vida
comunitária, mas antes, onde a vida comunitária produz luminosidade evangélica para
sinalizar o Reino de Deus.
A síntese só é possível mediante a abertura e disponibilidade de cada frade, de cada
Fraternidade e jurisdição Locais, à graça de Deus no impulso e na força de seu Espírito. É o
Espírito Santo quem suscita o carisma e trabalha no escondimento para formar na liberdade a
comunidade fraterna. É o mesmo Espírito que em sua força/fraqueza assume a nossa fraqueza,
a nossa ambiguidade, para gerar vida. Por isso, diante do desafio de se chegar ao senso comum
entre projeto ideal e realidade do projeto. Há que considerar a ação do Espírito e abrir-se,
pessoal e comunitariamente a sua ação.
6. Conventualidade como expressão de esperança na América Latina
Poderíamos, então, a partir da prática, falar de uma Conventualidade própria da
América Latina? A priori não se pode esgotar o sentido de Conventualidade nem a partir de
um Continente, nem de um País, nem tão pouco de províncias diferentes, mas antes a partir do
elemento central, que é o carisma e de cada fraternidade local. Assim não há, a priori, num
sentido distintivo e conflitante, uma Conventualidade latino-americana como não há uma
Conventualidade brasileira, porque estaríamos focando a fraternidade apenas no aspecto sóciocultural e padronizando as diversas e diferentes expressões num único e padronizado bloco
geográfico-cultural.
Todavia, a partir de uma releitura do fundador e de seu carisma na ótica latinoamericana, de uma eclesiologia da missão, e de um olhar profundo e crítico para as estruturas
hodiernas da instituição, o rosto da Conventualidade, como expressão ad intra e ad extra, se
desenha com mais facilidade, porque social, cultural, antropológica, teológica e eclesialmente
a prática evangélica da Conventualidade se adéqua ao seu contexto. Desta maneira, podemos
falar de uma Conventualidade de expressão latino-americana, quando emergem latentes os
elementos da solidariedade com os empobrecidos e quando são detectados no interior dos
conventos, situados na América Latina, elementos estruturais e ideológicos importados da
cultura continental que comprometem a própria Conventualidade.
18
Francisco de Assis na ótica latino-americana
Segundo Mário Cayota, “a visão que podemos ter de Francisco, a partir da América
Latina, sem perder a necessária objetividade, é inegavelmente de feições muito próprias.
Olhamos o irmão Francisco a partir da pobreza e da marginalização. A partir de duma
conjuntura muito dolorosa; com nossos membros desconjuntados pela violência e crueldade: a
partir do sofrimento.”30
Francisco, na ótica do oprimido, é sempre libertado, libertador e livre. Libertado,
porque livrou-se das amarras estruturais e das vinculações dos sistemas para uma nova forma
de sociabilidade: a fraternidade minorítica; libertador porque buscou libertar os homens
daqueles sentimentos e práticas que os levam ao ódio e a violência; e livre porque foi, de fato,
fundamentalmente um homem livre, cujo frescor da liberdade irradiou de seus gestos e
palavras, como conquista de um longo e oneroso processo de libertação.31
Francisco intuiu que “a fraternidade entre os homens e o encontro com Deus são
obstaculizados, dificultados e até mesmo destruídos pela vontade de posse e poder. Interpomos
entre nós e os outros as coisas possuídas egoisticamente, os interesses. Tememos expor-nos,
coração a coração, olho a olho; preferimos as propriedades que nos asseguram, mas nos
afastam dos outros e assim das raízes que alimentam a nossa humanidade: a ternura, a
convivialidade, a solidariedade, a compaixão e o amor,”32 tão caras à Conventualidade. O
projeto carismático de Francisco é um plano onde todos se encontram e se confraternizam, por
isso a pobreza consistirá num esforço de remover as propriedades de qualquer tipo para que
daí resulte o encontro entre homens e se possibilite a fraternidade. Ser radicalmente pobre para
poder ser plenamente irmão, e idendificar-se com Jesus.33
Francisco é o homem pobre-solidário que voluntariamente se posicionou a favor do
empobrecido, do desclassificado, marginalizado, constituindo-se menor e fraterno num “serpara-o-outro”. Seu grito profético de consequências revolucionárias tanto para a Igreja quanto
para a sociedade não saiu tanto de sua voz, mas de seu testemunho, de seu posicionamento e
de sua experiência do Espírito, que agiu nele, libertando-o, tomando consciência da palavra,
formando comunidade para preservar, promover e gerar a vida.
Francisco, em Cristo, é o arquétipo do ser humano integrado, de uma subjetividade
aberta direcionada à experimentação do Cristo, pobre, crucificado e libertador manifestado na
30
CAYOTA, Mário et alli. Francisco na ótica latino-americana. Petrópolis: Reproarte Gráfica Ltda, 1991, p. 37.
Cf. BOFF, Leonardo. São Francisco de Assis: ternura e vigor. Petrópolis: Vozes, 1991, 5ª ed, p. 111,119,123.
32
Ibidem, p. 92.
33
Idem.
31
19
dor, no sofrimento e na exclusão dos mais vulneráveis deste mundo. É a partir desta
compreensão que a vida e o carisma do Poverello iluminam a vida fraterno-conventual no
Continente da Esperança.
Eclesiologia da missão
Em toda a América Latina a Conventualidade se experimenta em muitas e diversas
teologias, e consequentemente, em variadas eclesiologias que se misturam, que se confrontam,
convivendo dialeticamente para a expressão do carisma. Assim, encontramos elementos de
cristandade, neo-cristandade, de pentecostalismo e até neo-pentecostalismo, como também de
libertação.
Deste modo, não é a pluralidade des-convergente, que define a expressão latinoamericana da Conventualidade, mas antes a unidade na pluralidade, voltada sempre para uma
situação bem peculiar do Continente: como falar de Deus e como experimentá-Lo numa
realidade que clama, ainda, por libertação?
Uma tentativa de resposta pode ser o modo de ser Igreja em constante missão, e dentro
desta perspectiva o modo de ser frade menor conventual aberto à missão ad intra e ad extra.
Fermento na massa, sal e luz que produzam crescimento, sabor e luminosidade para o Reino
de Deus.
Vejamos, então, pelas lentes do teólogo Leonardo Boff, que eclesiologia da missão é
esta:
A Igreja na América latina fez uma opção pela libertação integral. Fala consequentemente de
evangelização libertadora, liturgia libertadora e de teologia da libertação e da pastoral libertadora. Como
o franciscano aborda essa urgência de nossa realidade? É uma temática que não olvida o conflito, pois
falamos em libertação, em oposição à opressão. Como se depreende, o tema envolve certo grau de
conflitividade com enfrentamentos inevitáveis, para quem luta pela justiça. Assim, inserir-se no
processo de libertação implica assumir as causas do povo oprimido e falar e agir a partir da ótica deles.
Os temas axiais dos oprimidos se centralizam nos temas da vida, dos meios da vida, da justiça do
trabalho, do direito á saúde, á escola, à participação nos bens na cultura. Estas exigências supõem uma
opção por uma sociedade diferente daquela que realizamos agora, marcada por um profundo conflito de
classes.34
Assim, Boff salienta “que o franciscano não se insere no meio do povo como um
mestre que sabe tudo, mas como um irmão que caminha junto. Não é fácil combinar função
ministerial-sacerdotal com estilo fraterno. A grande maioria fomos formados para sermos
mestres do povo, seus pastores, seus orientadores de vida moral.”35
34
35
BOFF, Leonardo et alli. Francisco na ótica latino-americana. Petrópolis: Reproarte Gráfica Ltda, 1991, p. 32.
Idem.
20
Assim, a Conventualidade, olhando para dentro de seu coração e de suas estruturas,
abre-se para fora como testemunho livre-libertado para efetivar libertação. “Ao andar pelo
mundo, os irmãos devem andar, evangelicamente pobres, anunciar a paz, comer o que a gente
tiver, e renunciar a qualquer tipo de violência e dar a quem pedir. O sair pelo mundo implica
num entrar mais profundamente num mundo novo.”36
Um olhar ad intra
Na América Latina, os frades são pessoas livres, libertadas das amarras estruturais,
políticas e econômicas que tanto oprimem e excluem o Povo de Deus?
Há quem diga que na Ordem não existe esta realidade conflitiva do binômio
opressor/oprimido e nem o conceito de exclusão/excluído, argumentando que todos os frades
têm os mesmos direitos e deveres como também a possibilidade de questionar, reclamar e de
se defender de possíveis posturas de exclusão e opressão religiosas, em várias instâncias tais
como os capítulos, o definitório custodial/geral/Geral.
Teoricamente, há verdade nesta afirmação! Todavia, o argumento é um tanto frágil na
prática e a partir de um olhar mais atento sobre a realidade de muitos conventos pontuados em
todas as partes do mundo, onde a Ordem se faz presente, revela que a Conventualidade,
enquanto parte da Igreja e inserida no mundo, imersa numa culturalidade moderna, não está
imune e nem alheia aos mesmos problemas e desafios detectados na sociedade e em suas
instituições. Assim, a partir de uma ótica latino-americana, percebe-se no interior de muitas
comunidades conventuais, senão o todo da lógica perversa e desumanizante da
opressão/exclusão, pelo menos partes e sombras dela.
Não se pode negar, por exemplo, que há uma clara distinção entre clérigos e leigos
(frades ordenados e frades não ordenados); párocos e vigários; governo e oposição; ilustrados
e néscios que, por si só, já acenam para a lógica dicotômica que produz enfrentamento, divisão
e exclusão. Esta, por sua vez, como exclusão na fraternidade não estaria visível na questão do
“frade problemático” que nenhum convento quer abrigar ou o frade bem idoso e enfermo
(mental ou corporalmente) que se torna um estorvo para a comunidade? O frade improdutivo
ou incapaz, como também o “Irmão leigo” que não produz economicamente em seu trabalho
pastoral, não carrega em si o estigma do excluído? As desigualdades econômicas entre
conventos e jurisdições, a dependência financeira de jurisdições matrizes, não sinalizam o
36
BOFF, Leonardo. São Francisco de Assis: ternura e vigor. Petrópolis: Vozes, 1991, 5ª ed, p. 115.
21
mesmo tipo de problema vivido especialmente na América Latina pela dinâmica de trabalhoprodução-ganho-consumo? A problemática de subjetividades fechadas, o desinteresse pelo
comum, a falta de motivação para a oração, não tem dependido, no fundo, desta mesma
dinâmica? Intervenções, quando arbitrárias (unilaterais) motivadas por falsas interpretações e
“achismo” por parte de autoridades mediatas, além de ferirem o princípio de subsidiaridade e
o princípio evangélico da correção fraterna, baseado na exaustão do diálogo, não estariam
refletindo a ideologia da opressão?
A corrida e a articulação para o poder que precedem os capítulos ordinários eletivos
como o esforço para manter ad eternum os mesmos frades nas funções administrativas,
políticas e econômicas não demonstram a contaminação do ministério-serviçal pela secular
batalha pelo poder?
Responder, com demorada reflexão, afirmativamente a estas questões é admitir que
vivemos num mesmo contexto continental e enfrentamos os mesmos desafios das sociedades
latino-americanas. No entanto, não se esgotaria o debate, pois, necessariamente tal resposta
afirmativa partiria sempre da ótica de quem sofre tal suposta opressão.
Assim, outros argumentos são necessários para se afirmar uma Conventualidade de
expressão latino-americana, como por exemplo, a partir de pontos comuns, também de uma
metodologia teológico-pastoral experimentada pela Igreja latino-americana, e por fim, da
forma familiar como são construídos a maioria dos conventos na América.
Pontos comuns dessa expressão são a alegria, simpatia, hospitalidade e esperança. 37 Na
América Latina os frades mostram-se sempre solícitos em acolher com bastante disposição
aqueles que chegam, e fazem festa, na alegria franciscana do encontro, de quem realmente
recebe, acolhendo um irmão. É também um sinal de esperança, muito próprio do Continente
também chamado da Esperança, que mesmo, “remando contra a maré”, confia, espera,
trabalhando pela transformação.
Se é verdadeira a afirmação de que sérios problemas modernos desafiam a
Conventualidade, é também verdade que na América Latina busca-se o enfrentamento dessas
questões num esforço continuado para que o Evangelho recupere sua primazia e centralidade
no coração da fraternidade. Este esforço segue, na maioria das vezes, seja na dinâmica da
comunidade, seja nos capítulos locais, nos capítulos ordinários e extraordinários das
jurisdições, seja nos demais momentos do grupo como um todo, o método latino-americano
ver-julgar-agir.
37
Expressão do Assistente Geral para a América Latina, Frei Jorge Fenandez (2011).
22
Este método, quando utilizado na estrutura conventual torna-se instrumento efetivo e
eficaz para a expressão da fraternidade na medida em que se coloca com sinceridade a
problemática experimentada, visualizando suas causas e consequências e a ilumina com o
próprio Evangelho, o carisma do fundador e o carisma da Ordem para se chegar a uma prática
transformada e facilitadora ao crescimento fraterno.
Na mesma linha, considerando as dificuldades internas e suas frequentes tentativas de
superá-las a partir da própria comunidade, visualiza-se como elemento favorável a
configuração dos próprios conventos. Estes se distiguem, em sua maioria, daqueles mais
clássicos e antigos, tornando-se, tanto na arquitetura quanto na experiência de vida fraterna,
mais familiar, mais simples, mais aberto às novas subjetividades e aberto à relação e
convivência mais calorosa com as pessoas que frequentam as paróquias, escolas e instituições
dirigidas pelos frades.
Os conventos latino-americanos são menos monacais e menos rígidos em suas
estruturas, facilitando essa relação familiar, doméstica que não se distancia da realidade
doméstica de tantas famílias.
Por fim, a síntese da tensão entre ideal e real dos elementos constitutivos do carisma
conventual na América Latina se configura como expressão latino-americana da própria
Conventualidade.
Tudo o que dissemos acima vale tanto para a Ordem como um todo e também para a
América Latina, lembrando que aquilo que é próprio da Conventualidade de expressão latinoamericana é o seu posicionamento frente aos desafios, começando pela tomada de consciência
da problemática, passando pela confrontação, até se chegar a uma síntese possível que
possibilite uma conventualidade.
Assim, a expressão latino-americana da Conventualidade, não só é real, como também
é um contributo para a Ordem como um todo, sobretudo, naqueles lugares onde os contextos
culturais se aproximam. Contributo, porque pela sua expressão, não fere os princípios
institucionais e nem tão pouco alteram em sua essência o mesmo e convergente carisma.
7. Conclusão
A Conventualidade, que evoluiu historicamente a partir do conceito de convento, é
constitutiva do carisma franciscano. O “prius” deste carisma é a fraternidade, mas seu
“primado” é a Conventualidade. Desde que nasceu a fraternidade em torno de Francisco,
23
nasceu também seu modo, sua expressão, que amadureceu na vivência comum e estrutural,
sintonizada com os novos desafios e necessidades da Igreja.
Por convento entenda-se, aqui, não só a casa, mas toda a vida da comunidade, e
sobretudo sua produção de fraternidade.
Desta forma e nesta linha, a Conventualidade é a encarnação da fraternidade, o corpo
espiritualizado no qual ela se faz possível, existe e evolui naturalmente como expressão
carismática do franciscanismo. Sem a Conventualidade, o franciscanismo tenderia há uma
mera abstração romântica ou uma espiritualização desencarnada da sua essência, que é viver
os valores evangélicos a partir da fraternidade.
A atualização do carisma se efetiva na dinâmica dialética da tensão entre entre a
Conventualidade idealizada, sistematizada e desejada e a Conventualidade possível, real,
prática.
Na América Latina há um modo muito peculiar de expressar e re-inventar a
Conventualidade, e passa, muitas vezes, pela tomada da consciência dos problemas comuns de
todo o Continente, e sobretudo, pelo desejo e empenho, de radicá-los a partir do coração da
fraternidade conventual.
Paraíba do Sul, RJ, 04 de outubro de 2011 - Festa do Seráfico Pai
São Francisco de Assis
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24
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