Parte I

Transcrição

Parte I
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Parte Um
INTRODUÇÃO À DINÂMICA DE GRUPO
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Origens da Dinâmica de Grupo
Se um estafado hipotético marciano pudesse ver ingenuamente os habitantes da
Terra, talvez ficasse impressionado com o tempo despendido pelos homens em fazer coisas reunidos em grupos. Notaria que quase todas as pessoas se congregam em grupos
relativamente pequenos, cujos participantes moram na mesma casa, satisfazem suas necessidades biológicas fundamentais no interior do grupo, dependem da mesma fonte para
o sustento econômico, a criação dos filhos e o cuidado mútuo da saúde. Observaria que a
educação e a socialização das crianças quase sempre ocorrem em outros grupos, geralmente maiores, isto é, igrejas, escolas e outras instituições sociais. Verificaria que grande
parte do trabalho do mundo é executado por pessoas que desempenham suas atividades
em estreita interdependência, no interior de associações relativamente duradouras. Talvez
se entristecesse ao descobrir grupos de homens empenhados em guerra, na qual conseguem coragem e elevado moral através do orgulho em sua unidade e do sentimento de
segurança com relação aos companheiros. Poderia alegrar-se ao ver grupos de pessoas
que se divertem em recreações e esportes de vários tipos. Finalmente, poderia ficar intrigado com os motivos pelos quais tanta gente gasta tanto tempo em pequenos grupos, planejando, conversando e “em conferência”. Com certeza concluiria que, para compreender
bem o que se passa na Terra, deveria examinar com muita atenção as maneiras pelas
quais os grupos se formam, funcionam e desaparecem.
Se voltarmos a una perspectiva mais conhecida e observarmos a nossa sociedade
através de olhos dos habitantes da Terra, descobriremos que cada vez mais se reconhece,
como um dos principais problemas da sociedade, o funcionamento e o mau funcionamento dos grupos. No comércio, no governo e nos meios militares existe um grande interesse
em aumentar a produtividade dos grupos. Muitos estudiosos se alarmam com o [4] enfraquecimento e a aparente desintegração da família. Educadores começam a acreditar que
não podem realizar integralmente suas tarefas se não compreenderem o funcionamento da
classe como um grupo social. Os interessados no bem-estar social procuram, diligentemente, maneiras de reduzir os conflitos intergrupais entre o trabalho e o capital, e entre
grupos religiosos e étnicos. O funcionamento de gangs juvenis é um dos obstáculos mais
difíceis nas tentativas de impedir o crime. Comprova-se que muitas doenças mentais provêm, de alguma forma, das relações do indivíduo com os grupos e que os grupos podem
ser utilizados eficientemente na terapia mental.
Quer se deseje compreender, quer se deseje aperfeiçoar o comportamento humano, é preciso conhecer a natureza dos grupos. Não é possível ter uma visão coerente do
homem, nem uma tecnologia social adiantada, sem respostas seguras a uma série de quesCartwright e Zander • Dinâmica de grupo | Origens da dinâmica de grupo
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tões referentes ao funcionamento dos grupos, à ligação dos indivíduos com os grupos e à
relação entre estes e a sociedade mais ampla. Quando e em que condições se formam os
grupos? Quais as condições necessárias para o seu desenvolvimento e funcionamento
eficiente? Quais os fatores que provocam o declínio e a desintegração dos grupos? Quais
os tipos de grupos-possíveis? Podem possuir qualquer série arbitrária de propriedades ou
só pode existir uma determinada combinação? Como os grupos influenciam o comportamento, o pensamento, a motivação e o ajustamento dos indivíduos? O que faz com que
alguns grupos tenham grande influência sobre seus: participantes, enquanto outros exercem uma influência pequena ou nula? Quais as características individuais que são determinantes importantes das propriedades dos grupos? Quais as combinações de personalidade, aptidão, motivação e valores dos participantes que influenciam a natureza e o funcionamento dos grupos? O que determina a natureza das relações entre grupos? Quando
os grupos fazem parte de um sistema social mais amplo, quais as circunstâncias que fortalecem ou enfraquecem a organização interior? De que maneira o ambiente social de um
grupo influi em suas características? Questões como estas precisam ser respondidas antes
de obtermos uma compreensão real da natureza humana e do homem. Precisam, também,
ser respondidas antes de podermos esperar o planejamento e a realização de uma sociedade melhor. [5]
O estudioso de dinâmica de grupo se interessa por conhecimentos sobre a natureza
dos grupos e principalmente sobre as forças psicológicas e. sociais a eles associadas. É
claro que, há séculos, esse interesse vem motivando as atividades intelectuais dos pensadores. A mais antiga literatura filosófica de que se tem; conhecimento contém muita sabedoria sobre a natureza dos grupos e as relações entre indivíduos e grupos. Apresenta,
igualmente, uma série de especificações sobre as “melhores” maneiras de organizar a
vida coletiva. No período entre o século dezesseis e o dezenove, criou-se na Europa uma
significativa literatura a respeito da natureza do homem e de seu lugar na sociedade. Nessa literatura pode-se encontrar a maioria das principais tendências ou “suposições básicas” que orientam as atuais pesquisas e reflexões sobre grupos. É evidente que o estudante atual de dinâmica de grupo tem interesses fundamentais semelhantes aos dos que escreveram em outras épocas através de séculos. Apesar disso, é igualmente claro que a
maneira de estudar os grupos, conhecida como “dinâmica de grupo”, é, estritamente, um
desenvolvimento do século XX; difere significativamente da forma de estudo dos séculos
precedentes.
O que é, então, a dinâmica de grupo? A expressão popularizou-se desde a Segunda Grande Guerra, mas, infelizmente, com a maior divulgação, seu sentido tornou-se impreciso. Segundo um emprego freqüente, a dinâmica de grupo refere-se a um tipo de ideologia política, interessada nas formas de organização e direção dos grupos. Essa ideologia
acentua a importância da liderança democrática, a participação dos membros nas decisões, e as vantagens, tanto para a sociedade quanto para os indivíduos, das atividades
cooperativas em grupos. Os críticos desse ponto de vista às vezes fazem sua caricatura,
dizendo que apresenta a “participação” como a virtude suprema que propõe que tudo deva ser feito em grupos, que não têm e não precisam de um líder, porque todos participam
inteira e igualmente das atividades. Outro conhecido emprego da expressão dinâmica de
grupo refere-se a um conjunto de técnicas tais como o desempenho de papéis, discussões,
observação e “feedback” de processos coletivos – muito empregadas nas duas últimas
décadas em programas de treinamento, planejados para o desenvolvimento de habilidade
em relações humanas e na direção de conferências e comissões. Essas técnicas identificam-se mais estreitamente com os National Training Laboratories cujos programas
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anuais em Bethel e Maine se tornaram muito [6] conhecidos. Segundo o terceiro emprego
da expressão dinâmica de grupo, esta refere-se a um campo de pesquisa dedicado a obter
conhecimento a respeito da natureza dos grupos, das leis de seu desenvolvimento e de
suas inter-relações com os indivíduos, outros grupos e instituições mais amplas.
Evidentemente, não é possível legislar quanto ao emprego das expressões de uma
língua. Contudo, é importante, para a clareza do pensamento e da comunicação, distinguir
entre essas três coisas tão diferentes, rotuladas da mesma forma nas discussões leigas.
Ainda que não sejam capazes de apresentá-la muito explicitamente, todos têm uma ideologia sobre as formas de organização da vida coletiva. Os responsáveis pela direção de
grupos e pelo treinamento de pessoal para participar de grupos só podem fazê-lo através
do emprego de um ou outro tipo de técnicas. Todavia, não existe uma correspondência
rígida entre uma determinada ideologia sobre a natureza “ideal” dos grupos e o emprego
de técnicas específicas de direção e treinamento. E deve ser evidente que a busca de melhor compreensão da natureza da vida coletiva não precisa ligar-se a uma determinada
ideologia ou depender da aceitação de determinadas técnicas de direção. Neste livro, limitaremos o emprego da expressão dinâmica de grupo às referências ao campo de pesquisa dedicado a desenvolver o conhecimento sobre a natureza da vida coletiva.
Neste sentido, a dinâmica de grupo é um ramo do conhecimento ou uma especialização-intelectual. Como se interessa pelo comportamento humano e pelas relações sociais, pode ser localizado entre as ciências sociais. Todavia, não pode ser identificado
imediatamente como um setor de uma das disciplinas acadêmicas tradicionais. Para compreender melhor em que a dinâmica de grupo difere dos outros campos conhecidos, consideremos rapidamente algumas de suas características distintivas.
1. Acentuação da pesquisa empírica, teoricamente significativa. Observamos
acima que, na história, é possível encontrar um interesse por grupos, e esse interesse não
pode, portanto, distinguir a dinâmica de grupo das disciplinas mais antigas. A diferença
está, principalmente, na maneira pela qual se explora esse interesse. Até o início deste
século, quem sentia curiosidade pela natureza dos grupos para obter-respostas às suas
questões dependia, sobretudo, da experiência pessoal [7] e de documentos históricos.
Sem a necessidade de explicar uma acumulação de dados empíricos cuidadosamente reunidos, os escritores desse período de especulações dedicaram suas energias à criação de
explicações teóricas e compreensivas dos grupos. Esses sistemas teóricos, principalmente
os criados no século dezenove, eram complexos e muito amplos, pois foram criados por
homens de notável capacidade intelectual. A lista de nomes desse período apresenta
grandes pensadores, entre os quais Cooley, Durkheim, Freud, Giddings, LeBon, McDougall, Ross, Tarde, Tönnies e Wundt. Suas idéias ainda são encontradas nas discussões
contemporâneas da vida coletiva.
Por volta da segunda década deste século começou, na ciência social, uma rebelião empírica, principalmente nos Estados Unidos, e ligada sobretudo à psicologia e à
sociologia. Em vez de aceitar as especulações sobre a natureza dos grupos, algumas pessoas começaram a procurar os fatos e tentaram separar dados objetivos e impressões subjetivas. Embora, inicialmente, essa pesquisa tenha sido orientada por questões empíricas
muito simples, estabeleceu-se um critério, fundamentalmente novo, para avaliar o conhecimento sobre grupos. Em vez de perguntar apenas se certa proposição; sobre a natureza
dos grupos era; plausível ou logicamente consistente, os interessados nos grupos começaram a exigir que a proposição se apoiasse em dados seguros, que poderiam ser reproduzidos por um outro pesquisador. O principal esforço consistiu em planejar e aperfeiçoar
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técnicas de pesquisa empírica, a fim de proporcionar precisão de medidas, padronização
da observação, planos experimentais eficientes e análises estatísticas de dados. Quando,
pelo fim da década de 30, a dinâmica de grupo começou a aparecer como campo identificável, a rebelião empírica já tinha avançado na psicologia social e na sociologia, e desde
o início a dinâmica de grupo pôde empregar os métodos de pesquisa característicos de
uma ciência empírica. De fato, a dinâmica de grupo distingue-se de suas predecessoras
intelectuais principalmente por depender, basicamente, de observação, quantificação,
mensuração e experimentação cuidadosas.
Mas não se deve identificar a dinâmica de grupo exclusivamente com um empirismo extremo. Mesmo em seus primeiros tempos, o trabalho em dinâmica de grupo demonstrou interesse pela construção de teoria e por hipóteses testáveis, derivadas da teoria,
e chegou, progressivamente,a manter estreita inter-relação entre a coleta de dados e o
avanço teórico. [8]
2. Interesse pela dinâmica de interdependência dos fenômenos. Embora a expressão dinâmica de grupo especifique os grupos como o objeto de estudo, concentra, ainda
mais nitidamente, a atenção nas questões de dinâmica da vida coletiva. O estudante de
dinâmica de grupo não se satisfaz unicamente com descrições das características dos grupos ou com fatos ligados a estes. Nem se contenta com uma classificação de tipos de grupos ou de formas de comportamento coletivo. Deseja saber como os fenômenos que observa dependem um do outro, e quais os novos fenômenos que podem provir da criação
de condições não observadas anteriormente. Em resumo, procura descobrir os princípios
gerais, segundo os quais certas condições produzem determinados efeitos.
Essa pesquisa exige a preposição de muitas perguntas minuciosas sobre a interdependência entre fenômenos específicos. Se se modifica a participação num grupo, que
outros aspectos do grupo se modificarão e quais permanecerão estáveis? Em que condições um grupo tende a sofrer mudança de liderança? Quais as pressões que, num grupo,
produzem uniformidade de pensamento entre seus participantes? Quais as condições que
inibem a capacidade criadora dos participantes? Quais as transformações num grupo que
aumentam, diminuem ou não alteram a produtividade? Se aumenta a coesão do grupo que
outros aspectos serão alterados? As respostas a perguntas como estas revelam como determinados processos e características dependem de outros.
As teorias da dinâmica de grupo tentam formular relações causais entre fenômenos como esses. À medida que foram elaboradas, essas teorias orientaram o trabalho de
dinâmica de grupo para a investigação intensiva de mudança, resistência à mudança,
pressão social, influência, coerção, poder, coesão, atração, rejeição, interdependência,
equilíbrio e instabilidade. Termos como estes referem-se, através da indicação do funcionamento de forças psicológicas e sociais, a aspectos dinâmicos de grupos e desempenham
um importante papel nas teorias da dinâmica de grupo.
3. Importância interdisciplinar. É importante reconhecer que a pesquisa da dinâmica de grupo não se ligou, exclusivamente, a uma das disciplinas das ciências sociais.
Os sociólogos naturalmente dedicaram grande energia ao estudo dos grupos, como o demonstram as pesquisas sobre família, “gangs”, [9] grupos de trabalho, unidades militares
e associações voluntárias. Os psicólogos dirigiram sua atenção a muitos grupos do mesmo tipo, concentrando-se, principalmente, na maneira pela qual os grupos influenciam o
comportamento, as atitudes e as personalidades dos indivíduos, e os efeitos das características destes últimos no funcionamento do grupo. Os antropólogos culturais, ao investiCartwright e Zander • Dinâmica de grupo | Origens da dinâmica de grupo
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gar muitos tópicos estudados por sociólogos e psicólogos, contribuíram com dados sobre
grupos que vivem em condições muito diferentes das encontradas na sociedade industrial
contemporânea. Os especialistas em ciência política ampliaram seu tradicional interesse
pelas grandes instituições e realizaram estudos sobre o funcionamento de grupos de pressão e sobre a influência eleitoral da participação no grupo. E, cada vez mais, os economistas passaram a reunir dados sobre a maneira pela qual a família decide gastar ou economizar dinheiro, sobre a influência, no número dos que trabalham, das necessidades e
relações da família; sobre a influência dos objetivos dos sindicatos nas decisões dos negócios e sobre a maneira de os vários ramos de negócios chegarem a decisões que têm
conseqüências econômicas. Como as diversas ciências sociais têm interesse pelos grupos,
é claro que qualquer conhecimento geral sobre a dinâmica dos grupos tem significação
para todas.
4. Aplicabilidade potencial dos resultados. Todos aqueles que sentem responsabilidade pelo aperfeiçoamento do trabalho coletivo e pela qualidade de suas conseqüências
para os indivíduos e a sociedade devem fundamentar suas ações numa visão mais ou menos explícita dos resultados de diferentes condições e processos. Todos aqueles que se
interessam pelo aperfeiçoamento da qualidade do trabalho numa equipe de pesquisa, pela
eficiência de uma classe de escola dominical, pela moral de uma unidade militar, pela
redução das conseqüências destrutivas do conflito intergrupal, ou que procuram atingir,
através dos grupos, qualquer objetivo socialmente desejável, podem alimentar sua eficiência, fundamentando-a num firme conhecimento das leis que governam a vida do grupo.
As diversas profissões que se especializam no tratamento das necessidades específicas dos indivíduos e da sociedade têm muito a ganhar com os progressos do estudo
científico dos grupos. No século passado, um desenvolvimento notável nas sociedades
mais adiantadas foi a progressiva diferenciação por que passaram as profissões tradicionais – medicina, direito, educação e [10] teologia. Atualmente existem pessoas que recebem um preparo extensivo e dedicam suas vidas a especializações profissionais: mediação nas relações trabalhistas, educação sanitária, aconselhamento matrimonial, relações
humanas, relações intergrupais, trabalho em equipe, aconselhamento religioso, administração hospitalar, educação de adultos, administração pública, psiquiatria e psicologia
clínica – para mencionar apenas algumas. A especialização nesses vários campos criou
um desejo autoconsciente de melhorar os padrões e estabelecer exigências de preparação
adequada. Atualmente, as principais universidades têm escolas especializadas em muitos
desses campos. À medida que esse estudo se expandiu e racionalizou, os especialistas
perceberam, cada vez mais, a necessidade de conhecer os resultados e os princípios fundamentais criados nas ciências sociais. Todos esses profissionais precisam lidar com pessoas, não apenas individualmente, mas em grupos e através de instituições sociais. Portanto, não é surpreendente verificar que os cursos de dinâmica de grupo se tornam cada
vez mais comuns nas escolas de formação especializada, que agências interessadas pelo
preparo profissional empregam pessoas com preparo em dinâmica de grupo e que a pesquisa neste campo se realiza, freqüentemente, ligando-se ao trabalho dessas agências.
Em resumo, propomos que a dinâmica de grupo se defina como um campo de
pesquisa dedicado ao conhecimento progressivo da natureza dos grupos, das leis de seu
desenvolvimento e de suas inter-relações com indivíduos, outros grupos e instituições
mais amplas. Pode ser identificada por quatro características distintivas: (a) uma acentuação da pesquisa empírica, teoricamente significativa, (b) um interesse pela dinâmica e
pela interdependência entre os fenômenos, (c) uma importância geral para todas as ciênCartwright e Zander • Dinâmica de grupo | Origens da dinâmica de grupo
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cias sociais e (d) a aplicabilidade potencial dos resultados nas tentativas de aperfeiçoar o
trabalho dos grupos e suas conseqüências nos indivíduos e na sociedade. Dentro desta
concepção, a dinâmica de grupo não precisa estar ligada a qualquer ideologia específica,
referente às maneiras pelas quais os grupos devem ser organizados e dirigidos, nem com
a utilização de.quaisquer técnicas específicas de direção de grupo. De fato, um dos objetivos básicos da dinâmica de grupo é proporcionar um melhor fundamento científico para
a ideologia e a ação. [11]
Condições que estimularam o desenvolvimento da dinâmica de grupo
A dinâmica de grupo apareceu, como um campo identificável de pesquisa, nos Estados Unidos, no fim da década de 30. Sua origem como especialidade separada está ligada, sobretudo, a Kurt Lewin (1890-1947), que popularizou a expressão dinâmica de
grupo, fez significativas contribuições tanto à pesquisa quanto à teoria e, em 1945, estabeleceu a primeira organização dedicada especificamente à pesquisa nesse campo A contribuição de Lewin foi de grande importância; todavia, como veremos minuciosamente, a
dinâmica de grupo não foi criada apenas por uma pessoa. De fato, foi o resultado de muitos desenvolvimentos ocorridos durante um período de vários anos e em diversas disciplinas e profissões. Numa perspectiva histórica, a dinâmica de grupo pode ser vista como
a convergência de determinadas tendências nas ciências sociais e, mais amplamente, como o produto da sociedade específica em que surgiu.
A época e o lugar do aparecimento da dinâmica de grupo não foram, naturalmente, acidentais. A sociedade americana da década de 30 fornecia o tipo de condições exigidas para a emergência desse movimento intelectual. E, através dos anos, desde aquele
tempo, unicamente determinados países apresentam um ambiente favorável para o seu
desenvolvimento. Atualmente, a dinâmica de grupo enraizou-se principalmente nos Estados Unidos e nos países do noroeste da Europa, embora tenham aparecido estudos importantes em Israel, no Japão e na Índia. Três condições básicas parecem indispensáveis para
o seu aparecimento e subseqüente desenvolvimento.
O apoio da sociedade
Para que qualquer campo de pesquisa se desenvolva, é preciso haver uma sociedade que proporcione o apoio suficiente dos necessários recursos institucionais. Pelo fim
da década de 30, as condições culturais e econômicas dos Estados Unidos favoreciam o
aparecimento e o desenvolvimento da dinâmica de grupo. Atribuía-se grande valor à
ciência, à tecnologia, à solução racional dos problemas e ao progresso. [12] Havia uma
convicção fundamental de que, numa democracia, a natureza humana e a sociedade podem ser deliberadamente aperfeiçoadas, através da educação, da religião, da legislação e
de muito trabalho. Acreditava-se que a indústria americana se desenvolvera com muita
rapidez, não só por causa da abundância de recursos naturais, mas, principalmente, porque adquirira “métodos” tecnológicos e administrativos. Os heróis do progresso americano eram inventores – como Franklin, Fulton, Whitney, Morse, Bell e Edison – e industriais que modelaram novas organizações sociais, para a eficiente produção em massa.
Embora tenha crescido o mito do inventor como lobo solitário, trabalhando em sua caverna de instrumentos, a pesquisa já se tornava uma operação em larga escala – o que
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pode ser visto pelo fato de as despesas públicas e privadas para a pesquisa, em 1930, terem atingido US$ 160.000.000 nos. Estados Unidos e terem aumentado, mesmo durante o
período de depressão, a quase US$ 350.000.000, por volta de 1940.
A maior parte dessa pesquisa era feita, naturalmente, em ciências naturais e biológicas, assim como em engenharia e medicina. A idéia de que a pesquisa poderia ser proveitosamente dirigida para a solução dos problemas sociais conseguiu uma aceitação
muito mais lenta. No entanto, mesmo na década de 30 destinaram-se recursos significativos para as ciências sociais. A extraordinária utilização dos testes de inteligência durante
a Primeira Grande Guerra estimulou a pesquisa das capacidades humanas e a aplicação
de programas de testes nas escolas, na indústria e no governo. “A direção científica”,
embora lenta no reconhecimento da importância dos fatores sociais, estabeleceu as bases
de uma forma científica de direção das organizações. Começava a ser aceita a crença de
que a solução de “problemas sociais” poderia ser facilitada pela pesquisa sistemática dos
fatos. Por volta de 1920, Thomas e Znaniecki (45) demonstraram que as dificuldades
inerentes à absorção dos imigrantes pela sociedade americana podiam ser investigadas
sistematicamente; criaram-se diversos centros de pesquisa para aumentar o conhecimento
e aperfeiçoar a ação referente ao bem-estar das crianças; pelo início da década de 30 modificaram-se as práticas do serviço social e das cortes juvenis, a partir dos resultados de
uma grande série de estudos de “gangs” juvenis de Chicago, realizada por Thrasher (46)
[13] e Shaw (40); em 1939, já havia um número suficiente de pesquisas sobre relações
intergrupais, o que permitiu a Myrdal (31) escrever um tratado compreensivo do “Problema do Negro” nos Estados Unidos. O estabelecimento, em 1936, da Society for the
Psychological Study of Social Issues, com 333 participantes, é sintomático da crença na
possibilidade de realização de pesquisa empírica de problemas sociais. Quando, depois da
Segunda Grande Guerra, começou a rápida expansão da dinâmica de grupo, havia setores
importantes da sociedade americana preparados para apoiar financeiramente essa pesquisa. O apoio veio não só de instituições e fundações acadêmicas, como também do mundo
dos negócios, do Governo Federal e de várias organizações preocupadas com o aperfeiçoamento das relações humanas.
Não se deve esquecer a importante contribuição, para o aparecimento e a difusão
da dinâmica de grupo, das normas administrativas das instituições acadêmicas americanas. O caráter interdisciplinar e multiprofissional da dinâmica de grupo só poderia desenvolver-se no interior de instituições acadêmicas com uma considerável flexibilidade administrativa. A pesquisa de dinâmica de grupo foi facilitada onde havia disposição para
romper as separações tradicionais entre os departamentos de ciências sociais das escolas
especializadas, assim como entre uma e outra disciplina. É significativo, por exemplo,
que o primeiro trabalho especificamente denominado dinâmica de grupo tenha sido realizado não num dos departamentos tradicionais de ciência social, mas na Child Welfare
Research Station, na Universidade Estadual de Iowa, e tenha contado com a colaboração
de psicólogos, nutricionistas, assistentes sociais e engenheiros industriais. O Research
Center for Groups Dynamics, a primeira instituição dedicada explicitamente à pesquisa
desse novo campo, estabeleceu-se no Massachusetts Institute of Technology, em condições que permitiam elevado nível de liberdade para inovação. Quando se transferiu para a
Universidade de Michigan, o Centro se tornou uma parte de uma unidade administrativa,
o Institute for Social Research, planejado para permitir compromissos conjuntos com
qualquer departamento adequado ou escola especializada. Outros importantes centros de
pesquisa no campo de dinâmica de grupo gozaram de liberdade semelhante quanto a restrições [14] disciplinares, tal como ocorre com o Research Center for Human Relations
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da Universidade de New York, o Laboratory for Research in Social Relations da Universidade de Harvard, e o Institute for Research in Social Science da Universidade de Carolina do Norte.
Elevado nível de especialização
A tentativa de formular uma visão coerente da natureza da vida coletiva pode ser
motivada pela curiosidade intelectual ou pelo desejo de aperfeiçoar a ação social. Um
estudo das condições criadoras da dinâmica de grupo revela que essas duas motivações
desempenharam um papel importante. Muito cedo evidenciou-se entre os cientistas sociais – que, segundo um estereótipo comum, são motivados por curiosidade absurda –
interesse por grupos e o reconhecimento de sua importância na sociedade. Todavia, devese também notar que alguns dos primeiros e mais significativos trabalhos sistemáticos
sobre a natureza dos grupos foram escritos por profissionais liberais, cuja motivação tem
sido freqüentemente considerada como exclusivamente prática. Antes de considerar a
origem da dinâmica de grupo na ciência social, descreveremos, resumidamente, alguns
dos desenvolvimentos nas profissões liberais e que facilitaram seu aparecimento.
Na década de 1930 surgiram novas profissões liberais, provavelmente mais nos
Estados Unidos que em qualquer outro país. Muitas delas trabalhavam diretamente com
grupos de pessoas e, à medida que se preocupavam com o aperfeiçoamento qualitativo de
sua ação, tentaram codificar processos de descobrir princípios gerais para lidar com grupos. Gradualmente ficou evidente, em algumas profissões mais do que em outras, que as
generalizações a partir da experiência não podiam ultrapassá-la e que, para chegar à compreensão mais profunda, é necessária a pesquisa sistemática. Portanto, quando a dinâmica
de grupo começou a surgir como um campo distinto, os líderes de algumas profissões
liberais estavam bem preparados para aceitar a idéia de que a pesquisa sistemática da vida
coletiva poderia trazer uma contribuição significativa para as suas especializações. Conseqüentemente, diversas profissões liberais [15] contribuíram para a criação de uma atmosfera favorável para o financiamento das pesquisas de dinâmica de grupo; deram, a
partir de sua experiência acumulada, uma ampla concepção sistemática do funcionamento
do grupo, a partir da qual era possível formular hipóteses de pesquisa; deram meios para
a realização de pesquisas; forneceram os princípios de uma tecnologia para criar e manipular as variáveis na experimentação com grupos. Quatro profissões desempenharam um
papel especialmente importante na origem e desenvolvimento da dinâmica de grupo.
Serviço social. Esta profissão deve ser mencionada em primeiro lugar por ter sido
uma das primeiras a reconhecer explicitamente que os grupos podem ser orientados de
forma a obterem seus participantes as modificações desejadas. Responsáveis pela administração de clubes, grupos de recreação, acampamentos, quadros esportivos, os assistentes sociais compreenderam que suas técnicas de lidar com grupos tinham efeitos importantes nos processos coletivos e nos comportamentos, nas atitudes e nas personalidades
dos participantes. Embora o objetivo do serviço social incluísse finalidades diversas, tais
como “formação do caráter”, “recreação construtiva”, “retirar as crianças da rua e evitar
problemas para elas”, e, posteriormente, “psicoterapia”, gradualmente ficou evidente que,
qualquer que fosse o objetivo, algumas técnicas de orientação do grupo obtinham mais
êxito do que outras. Um dos primeiros estudos experimentais de grupos referia-se aos
resultados de diferentes formas de liderança no ajustamento de meninos aos alojamentos,
nos acampamentos de verão (33). A riqueza de experiência obtida pelos assistentes soCartwright e Zander • Dinâmica de grupo | Origens da dinâmica de grupo
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ciais foi sistematizada por Busch (9), Coyle (11), e Wilson e Ryland (54). Inicialmente, a
dinâmica de grupo esteve muito ligada a essa experiência, e os especialistas. continuaram
a colaborar com os assistentes sociais em diversos projetos de pesquisa.
Psicoterapia de grupo. Embora a psicoterapia de grupo seja usual como um ramo
da psiquiatria, a utilização de grupos para fins psicoterapêuticos ultrapassou os limites
estritamente médicos, do que é um exemplo notável o movimento dos A.A. (Alcoólatras
Anônimos). No desenvolvimento de uma forma especializada de psicoterapia de grupo, a
teoria psicanalítica exerceu uma influência básica, mas não [16] exclusiva. A obra de
Freud (principalmente: Psicologia Coletiva e Análise do Ego) estabeleceu os princípios,
mas muitas das técnicas para tratar com grupos e grande parte da acentuação sobre processos de grupo foram contribuições de pessoas provenientes do campo do serviço social
– ver, por exemplo, os trabalhos de Redl (37), Scheidlinger (39) e Slavson (43). Uma
tradição um pouco diferente, embora fortemente psicanalítica em sua orientação, se desenvolveu na Inglaterra, sob a influencia de Bion (7) e um grupo de pessoas ligadas ao
Tavistock Institute of Human Relations (53). Um aspecto importante dessa perspectiva é a
aplicação do trabalho psicanalítico de grupo a grupos “naturais”, em estabelecimentos
militares, industriais e na comunidade. Ainda outra forma de psicoterapia de grupo foi
estabelecida pela obra extraordinariamente criadora e pioneira de Moreno (90). Suas técnicas de desempenho de papéis (mais precisamente, psicodrama e sociodrama) e a sociometria foram algumas das primeiras contribuições para este campo e tiveram um grande valor, tanto na psicoterapia de grupo quanto na pesquisa de dinâmica de grupo. Embora muitos dos progressos na. psicoterapia de grupo e na dinâmica de grupo tenham sido
contemporâneos, os primeiros trabalhos de psicoterapia de grupo tiveram uma influência
clara e distinta no trabalho inicial em dinâmica de grupo. E as duas linhas de esforços
continuaram a influir uma na outra, como se pode verificar, por exemplo, no tratamento
sistemático da psicoterapia de grupo de Bach (3).
Educação. A revolução na educação pública americana, no primeiro quartel deste
século, fortemente-influenciada pela obra de Dewey, ampliou a concepção das finalidades e dos processos da educação. O objetivo da educação nas escolas públicas tornou-se a
preparação das crianças para a vida em sociedade, em vez de ser a simples transmissão de
conhecimento. “Aprender fazendo” tornou-se um slogan popular através de projetos coletivos, atividades extracurriculares e autogoverno dos alunos. Os professores procuraram
ensinar capacidade de liderança, cooperação, participação responsável e relações humanas. Pouco a pouco tornou-se evidente que os professores, como os assistentes sociais,
precisavam influir no que ocorria nos grupos de crianças e precisavam de princípios que
dirigissem o comportamento para finalidades construtivas. Simultaneamente, na educação
de adultos apareceu uma tendência semelhante, pois os problemas eram aí mais evidentes, dada a [17] natureza voluntária da participação nos programas de educação. Começou
a surgir a concepção do professor como um líder do grupo, que influi na aprendizagem
dos alunos, não só por sua competência na matéria, como também por sua habilidade em
alimentar a motivação, estimular a participação e criar entusiasmo. Embora continue até
hoje a controvérsia quanto a essa maneira geral de encarar a educação, os educadores
tinham acumulado, no fim da década de 30, um considerável conjunto de conhecimento
sobre a vida dos grupos. A dinâmica de grupo se utilizou dessa experiência, ao formular
hipóteses de pesquisa, e seus especialistas estabeleceram estreitas relações de trabalho
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com os educadores e escolas de educação.1 Tanto a prática educacional quanto a pesquisa
de dinâmica de grupo se beneficiaram com essa associação.
Administração. Todo um conjunto de especialidades se reúne sob esse rótulo, todas interessadas pela direção de grandes organizações. Entre elas, estão profissões específicas, tais como administração comercial, administração pública, administração hospitalar
e administração escolar. Embora cada uma deva criar especialistas em sua esfera específica de ação, todas têm necessidade de planejar processos eficientes para a coordenação
do comportamento das pessoas. Por esta razão, têm um interesse comum pelos resultados
da ciência social. Seria de esperar, portanto, que as formas de tratamento sistemático dos
processos de direção logo reconhecessem a importância dos grupos nas grandes empresas, e que se desenvolvessem as formas de direção dos grupos. Na realidade, os fatos históricos são muito diferentes. Até a década de 1930, os esforços para desenvolver os princípios de direção ignoravam nitidamente a existência de grupos. Uma exceção marcante
são os trabalhos de Mary P. Follett (13, 14), que, depois da Primeira Grande Guerra, tentou construir uma forma sistemática de estudo da administração e, de maneira mais geral,
do governo, em que se reconheciam os grupos como elementos importantes. Todavia,
suas idéias tiveram pouca aceitação.
De fato, a orientação individualista foi predominante até 1933, quando apareceu o
primeiro dos diversos livros de Mayo e colaboradores (27, 38). Essas publicações apresentaram um [18] programa extensivo de pesquisas, iniciadas em 1927 na fábrica Hawthorne da Western Electric Company. O objetivo inicial dessa pesquisa era estudar a relação entre as condições de trabalho e a incidência da fadiga nos operários. Introduziu-se
uma série de variações experimentais – freqüência das pausas para descanso, quantidade
de horas de trabalho, natureza dos incentivos salariais – com a intenção de verificar sua
influência sobre a fadiga e a produtividade. O grande mérito desses pesquisadores foi
aceitar a existência de efeitos não previstos, pois, segundo se verificou, as modificações
importantes provocadas por seus experimentos apareceram nas relações interpessoais
entre operários e entre os operários e a administração. Os resultados desse programa de
pesquisa levaram Mayo e seus colaboradores a acentuar, principalmente, a organização
social do grupo de trabalho, as relações sociais entre o supervisor e os subordinados, os
padrões informais que dirigem o comportamento dos participantes dos grupos de trabalho, os motivos e atitudes dos operários no contexto do grupo.
Dificilmente se pode exagerar o impacto dessa pesquisa em todos os ramos da
administração. Haire descreve-o da seguinte maneira (17, 376):
Depois da publicação dessas pesquisas, mudou radical e irrevogavelmente o pensamento sobre os problemas industriais. Já não era possível considerar uma redução da
produtividade apenas como função de mudanças de iluminação, fadiga física e coisas semelhantes. Não era mais possível procurar uma explicação da mobilidade do operário
apenas através de um homem econômico, procurando ganhar o máximo possível. O papel
do líder começou a passar de dirigente do trabalho para mobilizador da cooperação. O incentivo para o trabalho não mais foi compreendido como simples e unitário, mas como
infinitamente variado, complexo e mutável. A nova perspectiva não só permitiu, mas exigiu novas pesquisas e novas conceituações, destinadas a enfrentar os problemas.
Outra importante contribuição para essa nova visão da administração foi a teoria
sistemática de administração, publicada em 1938 por Barnard (5), e resultante de muitos
1
Nas universidades americanas, os professores para escolas primárias e secundárias devem obter diplomas em escolas de educação. (Nota do tradutor).
Cartwright e Zander • Dinâmica de grupo | Origens da dinâmica de grupo
10
anos de experiência como gerente de empresa comercial. Embora esse livro não coloque
a principal ênfase no grupo como tal, considera, em primeiro lugar, as necessidades humanas e os processos sociais. Barnard deixou claro que só se pode compreender satisfatoriamente e modelar eficientemente a prática da administração se se concebem as grandes
organizações como [19] instituições sociais, compostas por pessoas em inter-relações
sociais.
O aparecimento da dinâmica de grupo, no fim da década de 1930, ocorreu quando
administradores e teóricos da organização começaram a acentuar a importância dos grupos e das “relações humanas” na administração. Nos anos subseqüentes os resultados da
pesquisa de. dinâmica de grupo foram progressivamente incorporados aos tratamentos
sistemáticos de administração, e um número cada vez maior de administradores apóia, de
várias formas, a pesquisa de dinâmica de grupo.
Antes de abandonar a discussão do papei das profissões liberais na origem e no
desenvolvimento da dinâmica de grupo, devemos observar que os desenvolvimentos aqui
apresentados tiveram correspondentes, em diversos graus, em outros campos da ação
social, muitos dos quais não apresentaram elevado nível de especialização. Deve-se mencionar especialmente o apoio proveniente dos interessados em proporcionar um fundamento científico para o trabalho em relações intergrupais, saúde pública, forças militares,
educação religiosa, organização comunitária e linguagem.2
Desenvolvimento das ciências sociais
Ao considerar as condições que estimularam a perspectiva atual da dinâmica de
grupo, nas ciências sociais, é essencial reconhecer que essa perspectiva só pôde aparecer
porque houve determinados progressos em todas as ciências sociais. O aparecimento da
dinâmica de grupo exigiu, portanto, não só uma sociedade que a apoiasse, mas também o
desenvolvimento de profissões liberais e das ciências sociais.
Uma premissa básica da dinâmica de grupo é o emprego de métodos científicos
no estudo de grupos. Só se poderia manter seriamente essa suposição depois da aceitação
da crença mais [20] geral de que o homem, seu comportamento e suas relações sociais
podem ser adequadamente estudados pela pesquisa científica. E, naturalmente, o emprego
de métodos científicos, para o conhecimento do comportamento humano e das relações
sociais, não poderia aparecer antes de suficiente desenvolvimento dos métodos científicos. As discussões sérias dessa possibilidade ocorreram somente no século dezenove. O
tratamento extensivo do positivismo, apresentado por Comte em 1830, contribuiu com o
principal avanço no exame autoconsciente das suposições básicas da possibilidade de
submeter os fenômenos humanos e sociais à pesquisa científica; as controvérsias sobre as
teorias evolucionistas do homem, na última metade do século, apresentaram uma visão
drasticamente nova da possibilidade de expansão da atividade científica ao comportamento humano. Antes das últimas décadas do século dezenove não havia muitas pessoas dedicadas a observar e medir o comportamento humano ou realizar experimentos nesse
campo. O primeiro laboratório psicológico só foi instalado em 1879.
2
Por exemplo, ao mesmo tempo que Lewin estabeleceu o Research Center for Group Dynmics at M.I.T.,
o Congresso Judeu-Americano criou uma organização correlata, conhecida como a Community Interrelations, para realizar “pesquisa em ação”.de problemas de relações intergrupais. E houve grande apoio
financeiro, para pesquisa, do National Institute of Mental Health, da marinha e.aeronáutica dos E.U.A.,
assim como de diversas grandes organizações comerciais.
Cartwright e Zander • Dinâmica de grupo | Origens da dinâmica de grupo
11
É quase impossível imaginar como poderia surgir a dinâmica de grupo antes de se
firmar a crença quanto à possibilidade de realizar pesquisas empíricas com grupos de
pessoas, de medir fenômenos sociais importantes, de manejar, para fins experimentais, as
variáveis de grupo e de descobrir as leis que governam a vida do grupo. Só recentemente
essas crenças tiveram aceitação, embora desde o século XVII tenham sido defendidas
ocasionalmente por alguns autores; ainda hoje, não são universalmente aceitas. Ainda
existem os que afirmam que o comportamento humano não obedece a leis, que os fenômenos sociais importantes não podem ser quantificados e que a experimentação com grupos é impossível ou imoral, ou ambas as coisas. William H. Whyte Jr. (52), em seu ataque ao “homem da organização”, justificou, com a maior eloqüência, os que se conservam céticos quanto à possibilidade de aplicação de métodos científicos ao estudo do homem. Define cientismo como “a promessa de criar, finalmente, com as mesmas técnicas
que obtiveram êxito nas ciências físicas, uma ciência exata do homem”. Identifica o cientismo a um componente importante da Ética Social que, em sua opinião, está enfraquecendo a sociedade americana. A tragédia do cientismo, afirma ele, é basear-se numa ilusão, pois “uma ciência do homem não pode atuar de acordo com o que dela [21] esperam
os seres crentes”. Se predominasse esse ponto de vista, seria impossível o desenvolvimento da dinâmica de grupo.
A realidade dos grupos. Uma parte importante do progresso inicial na ciência social consistiu no esclarecimento de determinadas suposições fundamentais a respeito da
realidade dos fenômenos sociais. As primeiras expansões do método científico ao comportamento humano ocorreram em estreita ligação com a biologia. As técnicas de experimentação e mensuração foram aplicadas inicialmente a pesquisas das reações dos organismos, a estimulação dos órgãos sensoriais e a modificações dessas reações pela estimulação repetida. Nunca houve muita dúvida quanto à “existência” de organismos individuais. Contudo, quando a atenção se voltou para grupos de pessoas e instituições sociais,
houve uma grande confusão. A discussão dessas questões apresentou expressões tais como “mentalidade coletiva”, “representações coletivas”, “inconsciente coletivo” e “cultura”. E as pessoas discutiam acaloradamente se tais expressões se referiam a algum fenômeno real ou se eram simples “abstrações” ou “analogias”. De maneira geral, as disciplinas dedicadas a instituições (antropologia, economia, ciência política e sociologia) atribuíram livremente uma realidade concreta a entidades supra-individuais, enquanto a psicologia, com seu interesse pelos fundamentos fisiológicos do comportamento, relutou em
admitir a existência de alguma coisa além do comportamento dos organismos. Mas em
todas essas disciplinas houve conflitos entre “institucionalistas” e “comportamentistas”.
A cisão mais marcante ocorreu, naturalmente, nos primeiros dias da psicologia
social, pois esta lida diretamente com as relações entre o indivíduo e a sociedade. Nesta
disciplina, o grande debate sobre a “'mentalidade coletiva” atingiu seu clímax na década
de 1930. Embora muitos tomassem parte, os nomes de William McDougall e Floyd Allport são os mais estreitamente ligados a essa controvérsia. Num extremo sustentava-se
que grupos, instituições e cultura têm uma realidade independente dos indivíduos componentes. Sustentava-se que um grupo pode continuar a existir, mesmo depois de ter havido
uma completa mudança dos seus participantes; que apresenta características, tais como
divisão de trabalho, sistema de valores e estrutura de papéis, que não podem ser concebidas como características individuais, e que as leis que [22] governam essas características
de nível coletivo devem ser apresentadas em nível coletivo. Um slogan que reflete essa
perspectiva é a afirmação, atribuída a Durkheim, segundo a qual “toda vez que um fenômeno social é explicado diretamente por um fenômeno psicológico, podemos estar certos
Cartwright e Zander • Dinâmica de grupo | Origens da dinâmica de grupo
12
do erro dessa explicação.” Em direta oposição a tudo isso, encontra-se a opinião apresentada de maneira mais eficiente por Allport, segundo a qual unicamente os indivíduos são
reais, enquanto grupos e instituições são “conjuntos de ideais, pensamentos e hábitos,
repetidos em cada mente individual, e existentes unicamente nessas mentes” (1, 9). Portanto, os grupos são abstrações. a partir de reuniões de organismos individuais. A “mente
coletiva” refere-se apenas a semelhanças entre mentes individuais, e os indivíduos não
podem ser partes de grupos, pois os grupos existem apenas na mente dos homens.
Pode parecer estranho que cientistas sociais se tenham envolvido em considerações filosóficas sobre a natureza da realidade. Contudo, a visão que o cientista social tem
da realidade exerce muita influência em seu comportamento científico. Em primeiro lugar, determina o que pretende submeter à pesquisa empírica. Lewin indicou sucintamente
esse tato, na seguinte afirmação (22, 190):
Rotular uma coisa de “inexistente” equivale a declará-la “fora dos limites” para o
cientista. Atribuir “existência” a um item, automaticamente faz com que o cientista tenha
o dever de considerá-lo como objeto de pesquisa; inclui a necessidade de considerar suas
características como “fatos” que não podem ser desprezados no sistema total de teorias;
finalmente, implica que os termos com que se refere ao item são aceitáveis como “conceitos” científicos (e não como “simples palavras”).
Em segundo lugar, a história da ciência mostra uma estreita interação entre as técnicas de pesquisa, disponíveis em determinado momento, e as predominantes quanto à
realidade. A insistência quanto à existência de fenômenos que, em determinado momento, não podem ser objetivamente observados, medidos ou experimentalmente controlados,
tem pouco valor científico, se não permite a invenção de técnicas adequadas de pesquisa
empírica. Na prática, o cientista pode eliminar entidades supostamente reais, mas cuja
investigação empírica parece impossível. Apesar disso, logo que uma nova técnica possibilita o tratamento empírico de alguma nova entidade, [23] para o cientista, essa entidade
adquire, imediatamente, uma “realidade”. Como observou Lewin (22, 193): “É provável
que a maneira mais eficiente de destruir o tabu, quanto à crença na existência de uma
entidade social, seja lidar experimentalmente com ela.”
A história da controvérsia da “mentalidade coletiva” exemplifica muito bem esses
aspectos. A insistência inicial na realidade da “mentalidade coletiva”, antes do desenvolvimento de técnicas de pesquisa desses fenômenos, pouco contribuiu para seu estudo
científico. Allport, ao negar a realidade do grupo, exerceu, na verdade, uma grande influência libertadora para os psicólogos sociais, pois dizia: “Não nos imobilizemos ao insistir na realidade de coisas com que não podemos lidar, através das técnicas de pesquisa
atualmente existentes.” Allport e os psicólogos dessa tendência conseguiram empreender
um programa de pesquisa extremamente produtivo quanto às atitudes dos indivíduos
diante das instituições e quanto ao comportamento dos indivíduos nos contextos sociais.
Embora essa visão da realidade fosse demasiadamente limitada para encorajar o estudo
empírico das características dos grupos, estimulou o desenvolvimento das técnicas de
pesquisa que, posteriormente, proporcionaram uma visão mais ampla da realidade cientificamente analisável. Até o aparecimento dessas técnicas, aqueles que continuavam a
atribuir realidade aos grupos e instituições eram obrigados a apoiar-se em estudos puramente descritivos ou especulações de gabinete, a partir de experiência pessoal, e esse
trabalho foi legitimamente criticado como “subjetivo”, pois raramente as técnicas objetivas da ciência eram aplicadas a tais fenômenos.
Cartwright e Zander • Dinâmica de grupo | Origens da dinâmica de grupo
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O desenvolvimento de técnicas de pesquisa. Portanto, a organização de técnicas
de pesquisa extensíveis à pesquisa de grupo teve a máxima importância para o aparecimento da dinâmica de grupo. Naturalmente, foi um processo demorado. Começou na
última metade do século dezenove, com o aparecimento da psicologia experimental. Nos
anos seguintes, um número cada vez maior de aspectos da experiência e do comportamento humanos foi submetido a técnicas de mensuração e experimentação. Durante o
primeiro terço deste século, por exemplo, fizeram-se progressos notáveis na mensuração
das atitudes. Entre eles destaca-se a escala de “distancia social”, criada por Bogardus (8),
o tratamento compreensivo dos problemas das escalas, por Thurstone (47) e Thurstone e
Chave [24] (48), e a técnica de escala, muito mais simples, criada por Likert (24). Paralelamente a esses trabalhos, e em interação com eles, houve desenvolvimentos básicos na
estatística. No fim da década de 1930, tinham sido formulados importantes métodos estatísticos que possibilitaram eficientes planejamentos experimentais e a avaliação da significação dos resultados quantitativos. Naturalmente, esses progressos tiveram importância
não só para o aparecimento da dinâmica de grupo, como também para o desenvolvimento
de todas as ciências do comportamento.
Nesse desenvolvimento geral, podemos observar três progressos metodológicos,
que contribuíram especificamente para o aparecimento da dinâmica de grupo.
1. Experimentos de comportamento individual nos grupos. Como observamos
acima, a pesquisa de dinâmica de grupo tem uma grande dívida para com a psicologia
experimental, pela invenção de técnicas para realizar experimentos sobre as condições
que influenciam o comportamento humano. Todavia, a psicologia experimental não se
interessou, de início, pelas variáveis sociais; apenas no início deste século alguns pesquisadores se empenharam em pesquisa experimental, planejada para pesquisar a influência
das variáveis sociais no comportamento de indivíduos. G. W. Allport (2, 46) assim descreveu a natureza desses primórdios da psicologia social experimental:
Formulou-se o primeiro problema experimental – na realidade o único, nas primeiras três
décadas de pesquisa experimental – da seguinte maneira: Que mudança ocorre na ação
isolada de um indivíduo normal quando outras pessoas estão presentes?
E, segundo Allport, a primeira resposta de laboratório a essa questão foi dada por
Triplett (49), que comparou a atividade de crianças ao enrolar a linha de pescar, sozinha
ou junto a outras crianças. A partir desse experimento, Triplett concluiu que a situação
coletiva tende a provocar um aumento no gasto de energia e na realização.
O trabalho de Moede (28), iniciado em Leipzig, em 1913, teve maior significação
para o desenvolvimento da psicologia social experimental. Procedeu a uma pesquisa sistemática das conseqüências da participação simultânea de várias pessoas nos diversos
experimentos psicológicos então padronizados. Esse [25] trabalho teve influência no desenvolvimento da psicologia social sobretudo porque Münsterberg chamou a atenção de
F. H. Allport, estimulando-o a repeti-lo e ampliá-lo. Allport (1) não só realizou diversos
experimentos admiráveis, mas também criou um quadro de referência teórico para a interpretação de seus resultados. Por volta de 1935, Dashiell (12) conseguiu escrever um
longo resumo do trabalho, comparando o comportamento provocado quando o sujeito
trabalha isolado e quando trabalha na presença de outros. Outro estudo importante dessa
época foi o realizado por Moore (29), no qual demonstrou experimentalmente a influência, nos julgamentos morais e estéticos, da opinião do “especialista” e da “maioria”. Esses experimentos iniciais não só demonstraram a possibilidade de realizar experimentos
Cartwright e Zander • Dinâmica de grupo | Origens da dinâmica de grupo
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sobre a influência dos grupos no comportamento individual, mas também desenvolveram
técnicas usadas até hoje.
Uma tendência de pesquisa um pouco diferente, mas estreitamente ligada à primeira, tentou comparar a realização dos indivíduos e dos grupos. Nesses estudos, como o
exemplificam as obras de Gordon (16), Watson (50) e Shaw (41), empregaram-se tarefas
que poderiam ser realizadas por indivíduos ou por grupos de pessoas, e procurava-se saber se o melhor trabalho seria realizado por indivíduos ou pelos grupos. Segundo se verificou, a pergunta era irrespondível, a menos que as condições fossem mais especificadas;
apesar disso, essa pesquisa forneceu muitos ensinamentos.
Todo esse trabalho, ao trazer os grupos para o laboratório, tornou muito mais provável a possibilidade de desenvolvimento da dinâmica de grupo. Embora, a rigor, esses
experimentos iniciais não tratassem das características dos grupos, tornaram evidente que
a influência dos grupos sobre os indivíduos pode ser estudada experimentalmente e facilitaram a concepção de variações experimentais, no laboratório, das características do grupo.
2. Observação controlada da interação social. Poder-se-ia pensar que o recurso
mais óbvio para conhecer a natureza do funcionamento do grupo seria apenas observar os
grupos em ação. Na verdade, em toda a História, esse processo tem sido empregado por
cronistas e jornalistas, e continua a ser uma fonte de dados, sobretudo quando empregada
pelos antropólogos sociais em suas descrições do comportamento, da [26] cultura e da
estrutura social das sociedades primitivas. O principal inconveniente do processo, como
técnica científica é que as descrições (dados científicos) apresentadas por observadores
dependem diretamente da capacidade e da sensibilidade do observador, assim como de
suas interpretações prediletas. (Essa dificuldade pode ser facilmente demonstrada pela
comparação de descrições feitas por diversas pessoas, que observaram independentemente alguma interação social, ainda que pouco complexa. As primeiras tentativas sérias para
aperfeiçoar métodos de observação, a fim de obter dados objetivos e quantitativos, ocorreram por volta de 1930, no campo da psicologia infantil. Despendeu-se grande esforço
para a construção de categorias de observação que permitissem a um observador indicar
apenas a presença ou a ausência, durante o período de observação, de um tipo específico
de comportamento ou interação social. De modo geral, aumentou-se a precisão, limitando-se a observação a interações muito evidentes, cujo “sentido” poderia ser revelado num
curto limite de tempo e cuja classificação exigisse pouca interpretação do observador.
Desenvolveram-se, também, métodos de amostragem das interações de um grande grupo
de pessoas, durante um longo tempo, a fim de que fossem possíveis estimativas eficientes
da interação total, a partir de observações mais limitadas. Conseguiu-se uma alta precisão
dos dados quantitativos, através da utilização desses processos e de um treino cuidadoso
dos observadores. Os principais pesquisadores responsáveis por esses melhoramentos
foram Goodenough (15), Jack (19), Olson (34), Parten (35) e Thomas (44).
A observação controlada da interação social, desenvolvida inicialmente para,a obtenção de dados objetivos e quantitativos sobre o comportamento de crianças em seu ambiente natural, difundiu-se, posteriormente, na pesquisa de dinâmica de grupo. Um aperfeiçoamento importante foi a combinação das técnicas de observação com processos experimentais, a fim de obter avaliações quantitativas dos resultados, sobre a interação nos
grupos, das diversas condições experimentais. Nos Capítulos 7, 22, 26, 28 e 33 encontram-se exemplos do emprego da observação controlada.
Cartwright e Zander • Dinâmica de grupo | Origens da dinâmica de grupo
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3. Sociometria. Uma outra maneira de estudar os grupos é fazer perguntas aos participantes. Naturalmente, os dados obtidos desta maneira refletem unicamente o que o
indivíduo é capaz de relatar e deseja dizer. Apesar disso, esses relatórios subjetivos dos
membros de um grupo podem acrescentar [27] informações valiosas a observações mais
objetivas de comportamento. Dentre os muitos recursos para obter informações dos participantes do grupo, um dos primeiros e mais usados é o teste sociométrico inventado por
Moreno (30). Durante a Primeira Grande Guerra, Moreno foi o administrador responsável
por um campo de tiroleses deslocados de guerra e observou que era melhor o ajustamento
das pessoas quando se permitia que formassem seus grupos no interior do campo. Mais
tarde, nos Estados Unidos, empreendeu a verificação de sua idéia, com uma pesquisa
mais sistemática com grupos de pessoas em instituições tais como escolas e reformatórios. Construiu, para isso, um questionário simples, onde a pessoa indicava aquelas com
quem preferiria trabalhar em alguma atividade específica. Logo se tornou evidente que
esse recurso e suas modificações poderiam fornecer informações valiosas sobre atrações
e rejeições interpessoais no interior de um grupo. A publicação do principal livro de Moreno (30), em 1934, baseado na experiência obtida com o teste, e a fundação, em 1937, da
revista Sociometria, provocaram uma quantidade prodigiosa de pesquisas que empregam
o teste sociométrico e suas numerosas variações.
A significação da sociometria para a dinâmica de grupo está na provisão de uma
técnica útil de pesquisa de grupos, assim como na atenção que dirigiu para alguns aspectos dos grupos, tais como: posição social, padrões de amizade, formação de subgrupos e,
de maneira mais ampla, estrutura informal.
Origens da dinâmica de grupo
Em meados da década de 1930, as ciências sociais estavam maduras para um rápido desenvolvimento da pesquisa empírica com grupos. E, de fato, ocorreu nos Estados
Unidos uma grande explosão dessa atividade, pouco antes de sua entrada na Segunda
Grande Guerra. Essa pesquisa, além disso, passou a apresentar, nitidamente, as características hoje associadas ao trabalho em dinâmica de grupo. Num período de aproximadamente cinco anos, empreenderam-se vários e importantes projetos de pesquisa, mais ou
menos independentes um do outro, mas todos apresentando esses aspectos distintivos.
Examinaremos, agora, resumidamente, quatro dentre os mais influentes. [28]
Criação experimental de normas sociais
Em 1936, Sherif (42) publicou um livro contendo uma análise sistemática e teórica do conceito de norma social e uma engenhosa pesquisa experimental sobre a origem
das normas sociais entre grupos de pessoas. Provavelmente o aspecto mais importante do
livro foi a reunião de idéias e observações da sociologia e antropologia às técnicas da
psicologia para a experimentação de laboratório. Sherif começou por aceitar a existência
de costumes, tradições, padrões, regras, valores, modas e outros critérios de conduta (que
subordinou ao título geral de norma social). Concordou, também, com Durkheim, supondo que essas “representações coletivas” tenham, do ponto de vista do indivíduo, características de exterioridade e coerção. Ao mesmo tempo, concordou com F. H. Allport, supondo que as normas sociais tenham sido freqüentemente tratadas como uma coisa místiCartwright e Zander • Dinâmica de grupo | Origens da dinâmica de grupo
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ca, e que o progresso científico só possa ser atingido sujeitando-se os fenômenos a técnicas aceitáveis de pesquisa empírica. Propôs o exame das normas sociais, realizado simultaneamente de duas maneiras: (a) como o produto de interação social e (b) como estímulos sociais que atingem todos os indivíduos, membros de um grupo com essas normas.
Assim concebidas, seria possível estudar experimentalmente a origem das normas sociais
e de sua influência sobre os indivíduos.
Ao formular o seu problema de pesquisa, Sherif apoiou-se nitidamente nos resultados obtidos, no campo da percepção, pela psicologia gestaltista. Observou que esse
trabalho estabelecia não haver necessariamente uma correlação fixa, ponto-por-ponto,
entre o estímulo físico e a experiência e o comportamento que provoca. O quadro de referência que a pessoa leva para a situação tem influência significativa na sua maneira de
ver. Sherif propôs que, do ponto de vista psicológico, uma norma social funciona como
esse quadro de referência. Portanto, se duas pessoas com normas diferentes enfrentam a
mesma situação (por exemplo, um muçulmano e um cristão diante de uma refeição de
costeletas de porco), verão e reagirão de maneiras totalmente diferentes. Para ambas, contudo, a norma serve para dar um sentido e apresentar uma maneira estável de reagir ao
ambiente.
Depois de ligar as normas sociais à psicologia da percepção, Sherif procurou saber como surgem as normas. Ocorreu-lhe que poderia apreender esse problema se colocasse as [29] pessoas numa situação sem estrutura nítida, onde não se poderiam valer de
qualquer quadro de referência ou norma social previamente adquiridos. Sherif assim
apresentou o objetivo geral de sua pesquisa (42, 90, 91):
... Que fará um indivíduo quando colocado numa situação objetivamente instável,
em que falta qualquer base de comparação, no que se refere ao campo externo de estimulação? Em outras palavras, que fará ele quando se eliminar o quadro de referência externo, quanto ao aspecto em que estamos interessados? Apresentará uma miscelânea de julgamentos insólitos? Ou estabelecerá seu próprio ponto de referência? Os resultados consistentes nessa situação podem ser tomados como índices de um quadro de referência
subjetivamente desenvolvido...
No nível social, podemos ampliar o problema. Que fará um grupo de pessoas na
mesma situação instável? Os diferentes indivíduos do grupo apresentarão uma miscelânea
de julgamentos? Ou se estabelecerá uma norma comum, peculiar à situação específica do
grupo e dependente da presença desses indivíduos reunidos e de sua influência mútua? Se
percebem, a tempo, a incerteza e a instabilidade da situação que enfrentam em comum, de
maneira a conferir-lhe algum tipo de ordem, percebendo-a como ordenada por um quadro
de referência desenvolvido entre eles no decorrer do experimento, e se esse quadro de referência é peculiar ao grupo, podemos dizer que temos, pelo menos, o protótipo do processo psicológico existente na formação de uma norma num grupo.
A fim de submeter essas questões à análise experimental, Sherif empregou o que,
em psicologia, se conhece como o efeito autocinético. Já se demonstrara antes, na pesquisa de percepção, que, se um sujeito, numa sala totalmente escura, olhar para um ponto de
luz parado, logo depois verá o ponto em movimento. Além disso, existem consideráveis
diferenças individuais na amplitude do movimento percebido. O experimento de Sherif
consistiu em colocar os sujeitos isolados na sala escura e obter os julgamentos sobre os
limites do movimento aparente. Verificou que, com a repetição do teste, o sujeito estabelece limites para seus julgamentos e que esses limites são específicos para cada pessoa.
Sherif repetiu o experimento, mas, desta vez, grupos de sujeitos observavam a luz e apresentam o julgamento em voz alta. Verificou que os limites individuais de julgamento
Cartwright e Zander • Dinâmica de grupo | Origens da dinâmica de grupo
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convergiam para um limite coletivo, específico do grupo. Em novas variações, Sherif
conseguiu demonstrar que “quando o indivíduo, que estabeleceu antes, individualmente,
limites e uma norma entre os limites, é posto numa situação de grupo, com outros indivíduos, que:também vêm para a situação com seus limites e normas, estabelecidos em sessões [30] individuais, os limites e as normas tendem a convergir” (42, 104). Além disso,
“quando um membro de um grupo, posteriormente, enfrenta sozinho a mesma situação –
depois do estabelecimento dos limites da norma de seu grupo – percebe a situação em
função dos limites e da norma que trouxe da situação coletiva” (42, 105).
O estudo de Sherif muito contribuiu para demonstrar a possibilidade da pesquisa
experimental de fenômenos coletivos. Deve-se observar que não procurou estudar as
normas sociais existentes em qualquer grupo natural. Ao contrário, formou novos grupos
no laboratório e observou o desenvolvimento de uma norma social inteiramente nova.
Embora, para o antropólogo e o sociólogo a situação experimental de Sherif possa parecer artificial, e mesmo trivial, exatamente esse artificialismo deu aos resultados uma generalidade que não se obtém comumente, com a pesquisa naturalista. Ao submeter à análise psicológica um conceito de nível coletivo, como a norma social, Sherif contribuiu
para suprimir o que considerava uma infeliz separação categórica entre o indivíduo e o
grupo. E sua pesquisa permitiu estabelecer, entre os psicólogos, a idéia da realidade de
determinadas características dos grupos, pois, como concluiu, “o fato de a norma, assim
estabelecida, ser específica do grupo, sugere a existência de uma base, nos fatos psicológicos, para os argumentos dos psicólogos sociais e dos sociólogos, segundo os quais, nas
situações coletivas, surgem qualidades novas e supra-individuais.” (42, 105).
O alicerce social das atitudes
Nos anos de 1935-39, Newcomb (32) dirigiu uma pesquisa intensiva, referente ao
mesmo tipo geral de problema que interessou a Sherif, mas com métodos muito diferentes. Newcomb escolheu um ambiente “natural” em vez do “laboratório”, a fim de estudar
o funcionamento das normas sociais e dos processos de influência social; para a obtenção
dos dados, apoiou-se, principalmente, em técnicas de medida de atitudes, sociometria e
em entrevistas. O local do estudo foi o Bennington College; os sujeitos eram o corpo discente, e o conteúdo das normas sociais era constituído pelas atitudes diante de questões
políticas. [31]
Inicialmente, estabeleceu-se que a atmosfera política dominante da Universidade
era “liberal” e que os estudantes, ao ingressar, vindos de lares predominantemente “conservadores”, traziam atitudes diversas das aceitas na cultura da escola Demonstrou-se o
poder da comunidade universitária para mudar as atitudes dos alunos pelo fato de que, em
cada ano, os da última série eram mais liberais que os calouros Todavia, o aspecto mais
significativo desse estudo foi a cuidadosa documentação das maneiras pelas quais funcionam essas influências Newcomb demonstrou, por exemplo, como a comunidade “recompensa” os alunos, quando adotam as atitudes aprovadas Um teste do tipo sociométrico – onde os alunos escolhem “os mais capazes de representar a Escola numa reunião
intercolegial” – revelou que os alunos escolhidos em cada classe eram nitidamente, menos conservadores que os não escolhidos E os alunos conhecidos como mais identificados
com a Escola, como “bons cidadãos”, eram também relativamente mais liberais, em suas
atitudes políticas Através de diversos recursos engenhosos, Newcomb conseguiu descobrir o “papel subjetivo” do aluno, ou a sua auto-impressão quanto à relação com a comuCartwright e Zander • Dinâmica de grupo | Origens da dinâmica de grupo
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nidade estudantil. A análise desses dados revelou várias e diferentes maneiras pelas quais
os alunos se acomodavam às pressões sociais da comunidade. Nessa análise, apresentam
um interesse específico as provas de conflito entre lealdades coletivas quanto à participação na comunidade escolar e à participação no grupo familial, assim como algumas das
condições que determinavam a relativa influência de ambas.
O estudo de Newcomb demonstrou que as atitudes dos indivíduos estão fortemente arraigadas nos grupos de que fazem parte, que a influência de um grupo sobre as atitudes de um indivíduo depende da natureza da relação entre o indivíduo e o grupo, e que,
pelo menos em parte, os grupos avaliam os membros segundo seu conformismo às normas do grupo. Embora quase todas essas questões tenham sido formuladas, de uma ou de
outra forma, por autores da fase especulativa da ciência social, esse estudo foi especialmente significativo porque apresentou provas minuciosas, objetivas e quantitativas. Demonstrou assim – tal como já o fizera, de outra maneira, o estudo de Sherif – a possibilidade de realização de pesquisa científica sobre aspectos significativos da vida do grupo.
[32]
Grupos na sociedade de esquina
Os fundamentos sociológicos e antropológicos da dinâmica de grupo estão ainda
mais evidentes no terceiro estudo importante dessa fase. Em 1937 Whyte mudou-se para
uma das áreas superpovoadas e decadentes de Boston e iniciou um estudo de três anos e
meio dos clubes sociais, organizações políticas e negócios ilícitos. Seu método foi o de
“observador participante”, que teve o maior desenvolvimento na pesquisa antropológica.
Apoiou-se, mais especificamente, na experiência de Warner e Arensberg, derivada dos
estudos de “Yankee City”. Conseguiu, de diversas maneiras, ser admitido na vida social e
política da comunidade e anotou fielmente os vários acontecimentos que observou ou de
que teve conhecimento. No livro que escreveu, Whyte (51) descreve, viva e minuciosamente, a estrutura, a cultura e o funcionamento da “gang” de Norton Street e do Clube
Italiano. Documentou extensivamente a importância desses grupos sociais na vida dos
participantes e na estrutura política da sociedade mais ampla.
Na interpretação e na sistematização dos resultados, Whyte foi muito influenciado
pelo ponto de vista “interacionista”, que estava sendo desenvolvido por Arensberg e
Chapple e, posteriormente, apresentado por vários autores, entre os quais Chapple (10),
Bales (4) e Homans (18). A orientação – derivada por Mayo e colaboradores dos estudos
da Western Electric – encontra-se, também, evidente na análise que Whyte faz dos seus
dados. Embora não tenha feito qualquer esforço para quantificar as interações que observou, o grande cuidado com minúcias deu muita objetividade à apresentação das interações entre as pessoas observadas. Seus conceitos de “ordem mais elevada” – como estrutura social, coesão, liderança e status – ligam-se nitidamente a interações mais diretamente observáveis entre pessoas, fornecendo-lhes um estreito elo com a realidade empírica.
Para o trabalho posterior em dinâmica de grupo, esse estudo apresenta três aspectos importantes: (a) dramatizou e descreveu, meticulosamente, a grande significação dos
grupos, tanto para a vida dos indivíduos, quanto para o funcionamento dos sistemas sociais mais amplos; (b) estimulou a interpretação de características e processos coletivos,
em função de interações entre indivíduos; (c) formulou uma série de hipóteses [33] sobre
as relações entre variáveis, tais como iniciativas da interação, liderança, status, obriga-
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ções mútuas e coesão coletiva. Essas hipóteses orientaram muitos dos trabalhos posteriores que Whyte realizou sobre grupos, assim como as pesquisas de muitos outros cientistas.
Controle experimental da atmosfera do grupo
O trabalho de maior influência, nos primórdios da dinâmica de grupo foi o de Lewin, Lippitt e White (23, 25, Cap. 28). Realizadas na lowa Child Welfare Research Station, entre 1937 e 1940, essas pesquisas sobre a atmosfera de grupo e estilos de liderança
conseguiram uma síntese criadora das diversas tendências e dos vários desenvolvimentos
acima considerados. Ao descrever o histórico dessa pesquisa, Lippitt observou que a discussão quanto à “boa” liderança surgiu entre especialistas em educação, serviço social e
administração; observou que, com exceção dos estudos da Western Electric, poucas foram as pesquisas realizadas para orientar a ação nessas profissões. Ao propor o problema
teórico, Lippitt partiu explicitamente do trabalho anterior de psicologia social, psicologia
clínica e infantil, de sociologia, antropologia cultural e ciência política. E, ao planejar a
pesquisa, empregou, com grandes modificações, as técnicas existentes de psicologia experimental, observação controlada e sociometria. Esse trabalho, portanto, apoiou-se muito nos progressos anteriores das ciências sociais e das aplicações práticas, mas teve uma
originalidade e uma significação que, imediatamente, provocaram um impacto marcante
em todos esses campos.
O objetivo básico dessa pesquisa foi estudar as influências no grupo como um todo, e em cada um dos participantes, de determinadas “atmosferas de grupo” ou “estilos de
liderança”, experimentalmente provocados. Organizaram-se grupos de crianças de dez e
onze anos de idade, que deviam reunir-se regularmente, durante um período de várias
semanas, sob a liderança de um adulto, que provocaria as diferentes atmosferas de grupo.
Ao criar esses grupos, procurou-se assegurar sua comparabilidade inicial; na medida do
possível as características dos vários grupos foram equiparadas, através da utilização do
teste sociométrico de observações no recreio e de entrevistas [34] com professores; a formação e as características individuais dos participantes foram igualadas para todos os
grupos, através dos boletins escolares e de entrevistas com as crianças; utilizaram-se as
mesmas atividades coletivas e o mesmo ambiente físico para todos os grupos.
O controle experimental consistiu em fazer com que cada um dos líderes adultos
se comportasse, em cada tratamento experimental, de maneira preestabelecida; a fim de
isolar as influências diferenciais das personalidades dos líderes, cada um orientou um
grupo em uma das condições experimentais. Pesquisaram-se três tipos de liderança ou
atmosfera coletiva: a democrática, a autocrática e a permissiva [“laissez-faire”].
À luz do conhecimento atual está claro que, em cada estilo de liderança, combinaram-se muitas variáveis independentes. Todavia, talvez exatamente por essa razão os
efeitos produzidos no comportamento do grupo tenham sido grandes e dramáticos. Nos
grupos autocráticos, por exemplo, ocorreram formas muito graves de aparecimento de
bodes expiatórios; no final do experimento, as.crianças em alguns dos grupos autocráticos resolviam destruir o que tinham construído. Além disso, cada grupo desenvolveu um
nível característico de agressividade e ficou demonstrado que, quando um participante era
transferido de um grupo para outro, mudava a sua agressividade, a fim de aproximá-la do
nível existente no grupo. Permitiu-se uma interessante apreensão da dinâmica da agressão, através de uma “explosão” emocional bastante violenta, provocada quando alguns
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grupos, que reagiam com grande submissão à liderança autocrática, receberam um novo
líder, mais liberal.
Como se poderia esperar – sabendo-se que essa pesquisa era original e se referia a
questões emocionalmente carregadas de ideologia política – foi imediatamente submetida
a críticas, algumas justas, outras injustas. Todavia, o principal resultado, para as ciências
sociais e para as aplicações especializadas, foi desvendar novos horizontes e elevar o nível de aspiração. A criação, no laboratório, de “sistemas políticos em miniatura” e a demonstração de sua influência no comportamento e nas relações sociais das pessoas demonstraram que é possível submeter ao método experimental os problemas práticos de
direção dos grupos e que os cientistas sociais poderiam empregar os métodos da ciência
para resolver problemas de significação vital para a sociedade. [35]
Para as pesquisas posteriores de dinâmica de grupo, teve importância básica a
maneira de Lewin formular o objetivo essencial desses experimentos. Selecionou-se, para
pesquisa, o problema de liderança, em parte por sua importância prática na educação, no
serviço social, na administração e nas questões políticas. Apesar disso, ao criar no laboratório os diferentes tipos de liderança, a intenção não foi copiar ou simular um “tipo puro”,
que possa existir na sociedade. Ao contrário, o objetivo foi descobrir algumas das mais
importantes variações de comportamento do líder e verificar como os vários estilos de
liderança influenciam as características dos grupos e o comportamento dos participantes.
De acordo com Lewin (21, 74), o objetivo não era repetir uma autocracia ou uma democracia determinada, ou estudar uma autocracia ou uma democracia “ideal”, mas criar ambientes para apreender a subjacente dinâmica de grupo. Essa afirmação, publicada em
1939, parece ter sido a primeira em que Lewin empregou a expressão “dinâmica de grupo”.
É importante observar, cuidadosamente, como Lewin generalizou o problema da
pesquisa. Poderia considerar essa pesquisa, em primeiro lugar, como uma contribuição à
tecnologia da direção do grupo no serviço social ou na educação. Ou poderia colocá-la no
contexto da pesquisa de liderança. Todavia, na realidade, propôs o problema da maneira
mais abstrata, como conhecimento da dinâmica subjacente à vida do grupo. Acreditou ser
possível construir um conjunto coerente de conhecimento empírico a respeito da natureza
da vida do grupo, que seria significativo quando especificado para qualquer tipo determinado de grupo. Imaginou, dessa maneira, uma teoria geral dos grupos, capaz de abranger
questões aparentemente muito diversas, tais como a vida familiar, equipes de trabalho,
salas de aula, comissões, unidades militares e comunidade. Além disso, compreendia,
como parte do problema geral de compreensão da natureza da dinâmica de grupo, problemas específicos tais como liderança, status, comunicação, normas sociais, atmosfera
coletiva e relações intergrupais. Quase imediatamente Lewin e seus colaboradores iniciaram vários projetos de pesquisa, planejados para contribuir com informações significativas para uma teoria geral da dinâmica de grupo. French dirigiu um experimento de laboratório planejado para comparar os efeitos do medo e da frustração em grupos organizados e em [36] grupos desorganizados. Bavelas (6) realizou um experimento a fim de determinar se o treino poderia modificar significativamente o comportamento real dos líderes de grupos juvenis. Mais tarde, Bavelas sugeriu a Lewin um conjunto de idéias que
vieram a ser conhecidas como “decisão do grupo”. Com a entrada dos Estados Unidos na
guerra, ele, French e Marrorv (26) analisaram, a decisão do grupo e técnicas semelhantes,
vistas como meios para aperfeiçoar a produção industrial; Margaret Mead interessou Lewin no estudo de problemas ligados ao racionamento de alimento durante a guerra e, as-
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sim, Radke e outros (20, 36) realizaram experimentos de decisão coletiva, como um meio
de modificar hábitos alimentares.
Sumário
A dinâmica de grupo é um campo de pesquisa dedicado ao desenvolvimento de
conhecimento sobre a natureza dos grupos, as leis de seu desenvolvimento e suas interrelações com indivíduos, outros grupos e instituições mais amplas. Esse campo de estudo
pode ser identificado através de: dependência da pesquisa empírica, a fim de obter dados
com significação teórica, ênfase na pesquisa e teoria dos aspectos dinâmicos da vida coletiva, sua grande importância para todas as ciências sociais e possibilidade potencial de
aplicação dos resultados, para o aperfeiçoamento da prática social.
Tornou-se um campo identificável, pelos fins da década de 1930, nos Estados
Unidos; passou, a partir de então, por um rápido desenvolvimento, estimulado por determinadas condições particularmente favoráveis nos Estados Unidos, pouco antes do início
da Segunda Grande Guerra. Essas mesmas condições facilitaram seu desenvolvimento,
desde esse período, tanto nos Estados Unidos quanto em alguns outros países. Entre tais
condições teve uma importância específica a aceitação, em setores significativos da sociedade, da crença na possibilidade de realizar e, finalmente, utilizar pesquisas com grupos. Essa crença foi, inicialmente, encorajada por um grande interesse pelos grupos, entre
especialistas em serviço social, psicoterapia de grupo, educação e administração. Tornouse possível porque as ciências sociais tinham atingido suficiente progresso através do
esclarecimento de hipóteses básicas sobre [37] a realidade dos grupos e através do planejamento de técnicas de pesquisa para o estudo de grupos, de forma que podiam realizar
pesquisas empíricas sobre o funcionamento dos grupos.
Por volta do fim da década de 1930, deu-se a convergência de diversas tendências,
e com isso tomou forma um novo campo da dinâmica de grupo. Então já estava documentada empiricamente a importância prática e teórica dos grupos. A possibilidade de
realizar pesquisas objetivas e quantitativas sobre a dinâmica da vida do grupo já era indiscutível. E a realidade dos grupos foi afastada do domínio do misticismo e solidamente
colocada no domínio da ciência social empírica. Era possível medir objetivamente as
normas do grupo e até criá-las experimentalmente no laboratório; tinham sido verificados
alguns dos processos pelos quais as normas influenciam o comportamento e as atitudes
dos indivíduos. Verificou-se que determinados estados emocionais dos indivíduos dependem da atmosfera predominante no grupo. Criaram-se experimentalmente, diferentes
estilos de liderança e foram verificadas as suas conseqüências marcantes no funcionamento dos grupos. Depois de uma interrupção imposta pela Segunda Guerra Mundial, foi
possível realizar rápidos progressos na construção de um conjunto de conhecimentos sistemáticos e empiricamente fundamentados, referentes à dinâmica da vida do grupo.
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