A fórmula mágica da assimilação e/ou diluição do racismo

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A fórmula mágica da assimilação e/ou diluição do racismo
CURSO EDUCAÇÃO, RELAÇÕES RACIAIS E DIREITOS HUMANOS
DENISE ROSA BERGAMO
A fórmula mágica da assimilação e/ou diluição do racismo nas
periferias: Depoimento de uma periférica
SÃO PAULO
2012
I. Histórias nossas
Falo como cidadã brasileira, pertencente a uma árvore genealógica
tipicamente brasileira: miscigenada. Falo como residente de uma comunidade
tipicamente brasileira: pobre. Com todas as deficiências que o poder público
perpetua desde sempre. Comunidade que tem como convivas: negros,
brancos, cafuzos, mamelucos, mulatos, cablocos, criolos. Falo como ser único
que sou, pertencente a um determinado espaço geo-político, social e cultural.
Inserida em determinado contexto, em determinada época e com determinada
ideologia imposta.
Não admitia ver o racismo, pois para mim, ele não existia. Meu histórico
fala por mim. Com uma gama de amigos negros, professores e parentes
negros, nunca “discriminei” ninguém como: “meu primo preto”, “minha
professora preta”, mas só e simplesmente como: “minha professora”, “meu
primo”. Também nunca consegui ver as barreiras impostas para as pessoas da
cor. O que sempre foi um estigma, que compartilhei junto aos negros e brancos
da periferia, era o preconceito de classe.
Na procura de um emprego, na inscrição de cursos, mentir o nome do
bairro que se mora. “Capão Redondo?” Nunca! O certo é dizer: “Distrito de
Santo Amaro.” O nome do bairro diz muito para determinadas instituições. E
essa sempre foi a barreira imposta (uma das muitas) para mim e para as
demais pessoas que habitam as periferias, grande parte delas: negras.
E minha visão, fragmentada das coisas, me dava como panorama, tal
como via até tempos atrás: O problema é sócio-econômico, o que não deixa de
ser, mas essa é uma forma de diluir o que eu ainda iria chegar a ver.
O que minha “ignorância” me deu de bom foi o fato de eu nunca ter o
olhar discriminatório, assim como o falar de preto e brancos, até então eu era
daltônica, todos eram, dentro da periferia, para mim, iguais.
II. A cultura como conscientização política
Eis que me adentro nos meio acadêmicos. Todas as formas de saber
são válidas, independente da ideologia da instituição. O fato de estar em uma
instituição que tinha como discente determinada classe social não me impediu
de querer estudar as coisas de minha classe social, para isso eu tinha que
buscar a cultura do meu local de morada.
Ainda via e sofria o preconceito de classe, sempre sofri e sempre
sofrerei com isso. Sou branca, mas não era poupada de certas piadas e
comentários maldosos do bairro de qual provinha. Assim, por ver só meu eu,
assimilei que todos os que moram nas periferias sofrem da mesma causa.
Tomei de minhas experiências para generalizar esta problemática social.
Na busca de conhecimento da cultura periférica, vi que as africanidades
prevaleciam como matriz de tudo o que se produzia e se produziu às margens
da cidade, pois a comunidade negra é a raiz das manifestações culturais
periféricas, por questões históricas. Desse modo, comecei a ampliar os olhares
para além de minhas conclusões equivocadas sobre preconceito.
E vi que há, desde sempre, na pátria brasileira, a prática do racismo, as
periferias são o reflexo disso. Iniciei minhas reflexões sobre o racismo, que
para mim, era algo impalpável, pois nunca em meu ciclo social presenciei atos
racistas, posso até mencionar os exemplos das abordagens policiais, pois
quem apanhava era o negro e o branco, por serem simplesmente favelados.
Minhas constatações então para mim me bastavam.
Até o momento que me infiltrei nos movimentos de resistência periféricos
tão cheios de África. As músicas, as danças, os versos e a história negra me
deram a conscientização sobre rever meus conceitos sobre as práticas
preconceituosas em nosso país. Foi ao ouvir os tambores, alfaias, macumbas,
atabaques, que pude sentir que eles são força expressiva de uma cultura muito
rica e que ao mesmo tempo não eram admitidos em muito lugares, sempre
escondidos na fuga de uma repressão “branca”.
A linguagem africana sempre vista como inferior, assim como as
vestimentas, os hábitos e costumes, postos à margem da sociedade branca
“erudita”, antes e depois, nem depois da abolição do racismo se findou, a
cultura branca foi uma forma de perpetuá-lo. Foi ao conhecer mais sobre a
cultura negra que eu me “alfabetizar” politicamente sobre como está diluídas
em nossa sociedade certas práticas racistas, que não nos fazem ver o racismo,
dando a entender que é simplesmente questões sociais o grande problema, a
má distribuição de renda e etc. O que ainda acho que também é isso, e isso é
uma forma de diluir o racismo.
III. Direitos humanos
O atual cenário político mostra o quanto importante é a discussão sobre
os direitos humanos para sua efetividade e para que as pessoas tomem
conhecimento dele para cobrá-lo do estado seus direitos.
E tamanhos são os desdobramentos do racismo na sociedade que só
pode ver claramente quem convive com ele por ser negro ou quem tem o
conhecimento para identificar as formas das quais ele se dilui nas diversas
relações socais. A consciência de uma identidade negra para quem é negro
são os primeiros passos para que se faça valer os direitos humanos, (por mais
redundante que possa parecer a sentença) assim com quem não é negro, mas
tem consciência sobre essa luta de séculos da negritude por seus direitos
humanos e se solidariza pela causa, até por sofrer outros tipos de
preconceitos, são premissas para a continuidade das mobilizações já feitas
pelos negros desde que aqui aportaram.
Logo, o (re) conhecimento de que o racismo existe e que a sociedade
(negra) precisa entender como ele opera em sociedade de forma assimilada e
diluída para poder mobilizar não só a sociedade negra, mas toda a sociedade.
E acredito que mobilizações pontuais e com conteúdos diversos dentro da
temática negra, são ferramentas para operacionalizar e viabilizar essa luta.
Direitos que temos que cobrar, assim que for disseminado. De dentro
das periferias, ainda há o não saber. Nossas preocupações ainda são outras.
Muito já está sendo feito, e não é de hoje, mas o reconhecimento pelos negros
de periferia da existência do racismo precisa ser e estar em discussão
permanente, discussões estas realizadas pelos movimentos culturais de
periferia, mas que ainda não atinge a grande massa periférica é um trabalho
árduo.
Dei início a este artigo me expondo como exemplo, recortando o que
vejo muito nas periferias, ainda não temos, como periféricos que somos, a
visão total do racismo, por vezes não acreditamos que ele exista, nos
escondendo em uma ocidentalização européia a fim de assimilar o que já foi
criado para essa mesma finalidade.
Queremos muitas vezes sustentar uma imagem que nos é imposta por
mídias hegemônicas que regem o nosso viver, vendando nossos olhos e nos
conformando (confortando) com um padrão de vida distorcido, onde pensamos
que teremos o que eles têm, fazendo o que eles fazem, no jogo de inversão de
papéis, em uma ideologia forte e sustentada por séculos de mentiras,
resultantes no preconceito e no ferimento dos direitos humanos.
É um exercício constante, militância e resistência de um panorama
cristalizado e “intocável”, mas sujeito a questionamento, com o conhecimento
de seu modo operante, gerando a mobilização social e a partir dela nos dando
suporte para sejamos mais que questionadores, mas também agentes de
mudanças contra esse sistema opressor, buscando igualdade e não a troca de
papéis.
Prezando pela democracia, pela igualdade de diferenças e a tolerância
por estas diferenças, para a confraternização de nossa nação e busca
igualitária de oportunidades e dos direitos a plena cidadania.

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