courrier/courrier 02-06-06

Transcrição

courrier/courrier 02-06-06
c onvidado
GENTE D’AMANHÃ
EL KOALA
Agro-cantor
Face ao falhanço na defesa da lei e ordem, o Presidente quis
OLTEI triste e preocupada de Díli na semana passada.
assumir poderes excepcionais na segurança, como ComandanConversei com o Presidente, o primeiro-ministro, váte Supremo das Forças Armadas. O PM inicialmente recusou.
rios ministros, o general Taur Matan Ruak, os bispos
Depois de horas de reunião em Conselho de Estado, acabou por
de Díli e Baucau e outros amigos timorenses. Estive
ceder. Todos se esforçam por aparentar unidade. Mas a crise
com funcionários internacionais, diplomatas, jornalispolítica pode continuar por resolver. E só será resolvida quando
tas, cooperantes. Visitei as Madres Canossianas de Balia confiança e diálogo institucionais entre Governo e Presidente
de, que acolhiam já cerca de oito mil pessoas. Subi às montapossam ser realmente restabelecidos.
nhas e vi as gentes que desertaram as ruas de Díli. Ouvi tiros. E
Independentemente da acção do seu Governo, o PM Mari
vi os líderes timorenses, pela primeira vez em sintonia desde há
Alkatiri tornou-se alvo da animosidade de sectores importanmuito, anunciando o humilhante pedido de forças estrangeiras
tes da sociedade timorense. Reconhecido como competente
para restabelecer a lei e ordem. Ficou-me o sentimento de que
pelos países doadores e tendo o apoio do seu partido, o PM
este súbito descalabro podia ter sido evitado se uma solução
não foi capaz de cultivar uma boa relação com outras instituipara a crise política subjacente à de segurança tivesse sido facilições relevantes da sociedade titada e encontrada mais cedo.
ANA GOMES
morense, designadamente a
Tudo começou com acusaEurodeputada socialista e ex-dirigente do PS
Igreja Católica (tanto mais cruções de discriminação no seio
com Ferro Rodrigues, nasceu em Lisboa há 52 anos.
cial por ele ser muçulmano). A
das Forças Armadas, que uma coDiplomata formada em Direito, foi consultora
sua capacidade de comunicamissão chefiada pelo Presidente
de Eanes em Belém e representou Portugal
ção é fraca, criando uma imaXanana investigou e confirmou
na ONU, Tóquio e Londres. Destacou-se na secção
gem de insensibilidade aos
em 2004. Comandantes, maioritade interesses de Portugal na Indonésia (mais tarde
olhos de povo, que valoriza meriamente «lorosae» (do Leste da
embaixada), pela defesa do povo de Timor-Leste.
nos os progressos na estruturailha), tendiam a promover conterção do Estado do que o desemrâneos em detrimento de novos
prego e pobreza de que continua a penar.
recrutas «loromuno» (do Oeste, as zonas mais populosas de TiA animosidade contra o PM também se sente na Austrália, o
mor). Apesar dos avisos do Presidente, a solução foi tardando. Em
incontornável vizinho de Timor-Leste, onde sectores com inteMarço, 600 «peticionários» foram desmobilizados por desoberesses (petrolíferos) instalados nunca deixaram de apresentar o
diência. Em 28 de Abril os protestantes foram infiltrados por banEstado de Timor-Leste como condenado à falência.
dos delinquentes e a Polícia, apesar de sobrearmada e treinada,
Há quem se obstine em acusar mão estrangeira. Mas os lídefalhou clamorosamente (e mais se acentuaram suspeitas de manires timorenses são, sem dúvida, os principais responsáveis pela
pulação da rivalidade Leste-Oeste, sendo o ministro do Interior
crise profunda hoje vivida no país. Eles tinham a obrigação de
um «loromuno»). As forças armadas foram chamadas pelo PM,
ter aprendido com o passado...
sem consulta ao PR, para intervir contra os rebeldes, resultando
Por outro lado, o excessivo optimismo das Nações Unidas,
num disputado número de mortos. Mais grupos se rebelaram.
da União Europeia e de Portugal resultou num distanciamento
A crise de segurança evidenciou divergências profundas soprematuro do esforço que exige o apoio a qualquer jovem demobre a governação do país entre Presidente e primeiro-ministro,
cracia, ainda para mais num país que precisava de construir
nada lhes beneficiando a autoridade. O sistema constitucional
quase tudo a partir do zero. Qualquer que seja o desenlace desta
não facilita a derimição de conflitos de competências. O horizoncrise, a comunidade internacional e Portugal, devem reflectir
te de eleições legislativas e presidenciais em 2007 não favorece
sobre erros e omissões. Para evitar outras no futuro. Em Tia acalmia de tensões. E o Congresso da Fretilin também nada
mor-Leste e não só.
ajudou, antes pelo contrário.
PETER WESTENTHALER
O pós-Haider
PALAVRAS DITAS
l Enganado
«É como se me dissessem, após dez
anos de casamento, que o meu filho não
era meu». O melhor guarda-redes polaco
não foi seleccionado para jogar na selecção do Mundial 2006. Gazeta Wyborcza,
Varsóvia
ALICE COOPER,
cantor de «rock» britânico
l Fiel
«Casei-me aos 27 anos e nunca enganei
a minha mulher. Acho que sou o último
dos ‘rockers’ a poder dizê-lo: sou um romântico». The Independent on Sunday,
Londres
RICHARD HARRIES,
bispo de Oxford
l Exegeta
«As uniões ‘gays’ estão em conformidade com as verdades mais profundas contidas na Bíblia». A propósito, considera
que os tradicionalistas da Igreja anglicana
deviam «converter-se» a esta verdade. O
casamento homossexual foi legalizado no
Reino Unido em 2005. The Sunday Telegraph, Londres
EMMA BONINO,
ministra italiana das Políticas
Europeias e do Comércio Externo
l Pedagoga
«Proponho que se
traduza para árabe
o ‘Manifesto de
Ventotene’ [documento fundador da
União Europeia].
Que seja oferecido
aos democratas e
reformadores dos
Íx Ilustração de LPO
países árabes e
para «El Mundo»,
muçulmanos para
Madrid.
que o debatam e
compreendam que pátrias e que democracia se constroem entre Estados». A
ex-comissária Europeia para os Assuntos
Humanitários arvora-se assim em promotora do acto fundador do federalismo europeu. La Repubblica, Roma
GEORGE GALLOWAY,
deputado britânico
l Quezilento
Assassinar Tony Blair? «Seria moralmente justificado», responde o deputado, excluído do Partido Trabalhista pela sua virulenta oposição à guerra no Iraque. Se isso
acontecesse, explica, «seria moralmente
equivalente a ordenar a morte de milhares de inocentes, como Blair fez». GQ,
Nova Iorque
MIKHAIL SAAKACHVILI,
presidente da Geórgia
l Prudente
«Também se podia afirmar que o Tataristão, a Tchetchénia, a Inguchétia, a Kabardino-Balcária e — porque não? —, o
País Basco, a Córsega e muitas outras
regiões do mundo têm o direito à autodeterminação». Falando da independência do Montenegro em relação à Sérvia,
especificou que excluía qualquer comparação com as repúblicas autoproclamadas da Abecásia e da Ossétia, que ameaçam a integridade territorial da Geórgia.
RIA Novosti, Moscovo
MICHAEL WINNER,
cineasta britânico
l Desdenhoso
«É o que se obtém quando se limpa as
casas de banho na estação de King’s
Cross», disse o realizador, produtor e crítico gastronómico, para explicar a sua recusa em ser condecorado pela Ordem do Império Britânico. The Independent, Londres
ÖRG Haider apresenta-o como seu
único sucessor possível. É ele, de resto,
que vai defender, nas
eleições legislativas
do próximo Outono, as cores da BZÖ
(Aliança para o Futuro da Áustria), partido
de extrema-direita que Haider fundou depois da sua ruptura com o FPÖ (Partido
Liberal da Áustria), há 13 meses. Filho de
um operário, Peter Westenthaler, de 29
anos, é conhecido pelos seus discursos
agressivos. Conheceu Jörg Haider numa
discoteca, durante uma saída à noite, e
aquele recrutou-o como braço-direito. Em
atenção ao seu novo patrão, Westenthaler abandonou o seu verdadeiro apelido
— Hojac —, cuja sonoridade era demasiado eslava para o partido em que milita. A
sua carreira atingiu o zénite com a entrada do FPÖ para a coligação de Governo,
em 2000. Partiu dele o endurecimento
das leis de imigração. Em 2002, quando
Haider adoptou uma política de oposição
ao seu próprio Executivo, Westhentaler
demitiu-se do partido com a vice-chanceler Susanne Riess-Passer, levando à queda do Governo. Riess-Passer e Westhantaler foram trabalhar para o sector privado
e juraram nunca mais voltar à política.
Mas o mundo gira sem parar... segundo
certas sondagens, o BZÖ não conseguirá
sequer os quatro por cento de votos exigidos para entrar para o Parlamento. Westhantaler anunciou que gostaria, eventualmente, de se reconciliar com o FPÖ. Ralf
Leonhard, Tages-Anzeiger, Zurique
J
DR
V
DR
Ai, Timor!
JERZY DUDEK,
jogador de futebol polaco
Á algumas semanas que toda a Espanha trauteia Opá, yo viacé un corrá, [Epá, vou construir
um curral, cantado com sotaque
andaluz] com um
ar de brincadeira. A canção tem fortes
probabilidades de se tornar o êxito do
Verão. Foi escrita e produzida por um andaluz de 36 anos que tem o improvável
pseudónimo de El Koala. Manuel Jesús
Rodríguez deve esta alcunha à sua forma algo animalesca de trepar pelos andaimes. É que, antes de se tornar a última revelação do «rock» espanhol, era
operário da construção civil. Dedica-se à
música há mais de 20 anos, tocando guitarra e cantando com quase todos os
conjuntos da região de Málaga, onde
nasceu e sempre viveu. El Koala não tem
um plano de «marketing»: ensaiou e filmou o seu «clip» em casa dos pais, a sua
mulher tirou as fotografias para o álbum
e é o irmão que o acompanha no baixo.
Um amigo teve a boa ideia de difundir as
suas obras gratuitamente na Internet. Perante os milhares de descargas e a comunicação boca-a-boca, a Universal acabou por se interessar pelo fenómeno: o
álbum vendeu mais de 45 mil exemplares. El Koala lançou, além do mais, um
novo género musical, o «agro-rock». É
que os animais de criação são as verdadeiras estrelas do curral que El Koala diz
que vai construir. Epá! El País, Madrid
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