financiamento da TV pública
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financiamento da TV pública
ASSUNTO -$ em pauta A gestão e o financiamento da TV pública • Limites do público e do privado na paisagem midiática. -----------------0 Televisão pública: um debate fundamental o s últimos anos têm sido marcados pela intensificação do debate na sociedade brasileira em torno do tema TV pública. Esse resgate parece ter sido resultante de alguns fatores específicos, mas também é uma consequência natural da evolução de uma sociedade democrática e da comunicação enquanto direito do cidadão. • 20iU POR MARIA CEciLIA ANOREUCCI CURY Discutir a televisão é fundamental. Contudo, entender o papel da TV pública no modelo de rádiodifusão de um país é parte importante dessa discussão. "Assim como na esfera do mercado, a regulamentação Estatal se justifica pelo inegável interesse coletivo, presente em toda atividade de comunicação de massa, a existência de meios públicos justifica-se pela necessidade de possibilitar alternativas de comunicação, que deem entrada a todas aquelas exigências culturais que não cabem nos parâmetros do mercado, sejam elas provenientes das maiorias ou das minorias.~ (MARTíN-BARBERO, 2002, p. 75) No Brasil, as televisões comerciais parecem preencher todos os espaços. Em contrapartida, as principais democracias do mundo oferecem maior equilíbrio nesta equação - comunicação pública e privada - possibilitando, assim, mais escolhas à sociedade em geral (ou seria o contrário - este equilíbrio na comunicação é que possibilita a consolidação da democracia e o exercício da cidadania?). Diante da escassez de recursos públicos, formas alternativas de financiamento da televisão pública surgem e, junto a elas, um rastro de questionamentos, gerando discussões ideológicas, éticas e pragmáticas, especialmente dos agentes envolvidos na estratégia e viabilização desse meio de comunicação. São inúmeras questões importantes vinculadas à TV pública. Contudo, a ideia não é, nestas poucas páginas, esgotar o debate, mas sim refletir brevemente sobre a viabilização de uma TV pública - a série de práticas necessárias à sua exequibilidade, tais como a sua gestão e o seu modelo de financiamento, um elemento fundamental de sua práxis. C-+ No Brasil, as televisões comerciais parecem preencher todos os es- paços, onde a TV pública não consegue entrar e, com isso, restringem-se as escolhas e opções ao telespectador. J"BraSiL A TV BRASIL é a única emissora pública federal controlada pela socieda- A televisão pública possível Um ideal de televisão pública deveria contribuir para o equilíbrio do sistema apenas em quatro Estade comunicação de uma nação, funciodos, além de formar uma nando como um contrapeso ao sistema Rede Pública de TV com privado e fomentando a democracia outros sete canais univere a cidadania através da promoção sitários e quinze emissoda cultura, do conhecimento e da ras educativas estaduais. informação de forma universal, ética e independente, com altos padrões de qualidade programática. Isso é o que se pode sintetizar, a partir de diferentes ideias e conceitos de pensadores sobre o assunto, ainda que não pareça uma tarefa simples. Entretanto, entre o mundo ideal e o real tende a existir um universo de impossibilidades. de civil. Criada em 2008, possui canais abertos Duas variáveis impactam mais diretamente em todas as práticas de um sistema de comunicação público - sua gestão e, especialmente, suas fontes de financiamento. Isso porque tanto um ponto quanto outro vão determinar a direção, aplicação e o volume dos investimentos, sejam em conteúdo, tecnologia, serviços, entre outros. Desde 2002, o Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social- é uma organização que trabalha pela efetivação do direito humano à comunicação na sociedade, aumentando assim sua Por gestão entende-se aqui o modelo de administração, o conjunto de normas, funções e cargos que exercem a função diretiva da televisão pública. Servem para imprimir-lhe rumo, ordem e parâmetros nos processos decisórios que fazem desse sistema uma realidade, seja ela qual for. Por formas de financiamento entendem-se todas as fontes geradoras de receita ou de recursos financeiros que viabilizam qualquer iniciativa ou atividade da instituição em questão - desde o pagamento de seus colaboradores, aquisição de bens, de conteúdo, de tecnologias, contratação de serviços, treinamentos etc. É a gestão quem decide como utilizar os recursos orçamentários da televisão pública, assim como a possível diversificação nas fontes de captação de recursos. A dimensão desses recursos, geralmente, é inferior às necessidades de uma realidade ideal. E, neste caso, cabe à gestão priorizar os projetos e as diversas aplicações dos recursos, de forma a melhor aproximar-se de seus ideais. A gestão da TV pública Um modelo de gestão que se propõe a cumprir os ideais da televisão pública parte, inicialmente, da sua autonomia, da sua independência para cumpri-los e de sua representatividade. Existem diferentes formas de gestão nos diversos sistemas públicos espalhados pelo mundo. As possibilidades são inúmeras. Em geral, tende a existir um poder e um contrapoder, os quais podem ser definidos como diretoria executiva e o conselho curador e ambos buscam equilíbrio, pluralidade e limites em todos os aspectos da gestão da organização. Reconhece-se aqui, contudo, que não existe uma receita pronta, e sim diferentes modelos espalhados pelo mundo, com maior ou menor sucesso, os quais podem incluir vários conselhos ou apenas uma diretoria. Vista dessa forma, parece um modelo que tende a funcionar equilibradamente, mas, como todo participação e interferência na gestão da mídia, seja pública ou privada. "Falar sobre o que a mídia deve fazer só tem sentido se conhecidos os seus efeitos entre a sociedade.'" (BARROS FILHO, 2003, P 9) o financiamento da televisão pública O financiamento da televisão pública é um aspecto que, direta ou indiretamente, tende a influenciar a linha da programação, a escolha dos gestores e todos os seus processos decisórios. O % A taxa cobrada pelo governo do público em geral ou de uma parcela dele, para o fim específico de subsidiar a viabili- ~ dade financeira B é a principal fonte de receita da BBC, onde uma taxa é cobrada de todos os cidadãos da televisão britânicos pública possuidores de aparelhos de televisão em sua residência, a chamada Licence Fee. modelo, também tende a apresentar suas brechas, suas fissuras. Os critérios nem sempre são respeitados. Ou seja, por um lado, nem sempre a diretoria executiva é capacitada para as funções que lhe foram designadas, muitas vezes tornando-se indicações políticas ou motivadas por interesses particulares e, por outro, muitas vezes o conselho não representa, de fato, os diversos segmentos da sociedade, que por sua vez nem sempre sabe que está sendo sequer representada. Muitas críticas podem ser observadas, em relação, tanto a um como ao outro lado da gestão (LEAL FILHO, 2008). Em alguns países a sociedade civil também se organiza para fazer um contra-controle paralelo, por meio de organizações não governamentais, aumentando assim sua participação e interferência na gestão da mídía, seja pública ou privada. Quão maior for essa participação ativa e a transparência do modelo de gestão, maior tende a ser a sustentabilidade social de um sistema público de comunicação. Pierre Bourdieu já ressaltou a correlação direta do grau de autonomia de um meio de difusão com a concentração de receitas em uma ou poucas fontes, sejam privadas ou públicas (BOURDIED, 1997, p. 102). Estas últimas podem ser tanto uma fonte do governo federal, estadual ou municipal e, geralmente no Brasil, caracteriza-se como uma dotação orçamentária - termo usado na administração das contas públicas, que designa uma verba consignada em orçamento público, a qual será usada para fazer face a uma despesa com fim específico. Todavia, tanto as fontes públicas quanto as fontes privadas apresentam-se em variados formatos. Algumas formas públicas alternativas tornaramse majoritárias em outros países, como, por exemplo, uma taxa, cobrada pelo governo do público em geral ou de uma parcela dele, para o fim específico de subsidiar a viabilidade financeira da televisão pública. Na Inglaterra, a principal fonte de receita da BBC é uma taxa cobrada de todos os cidadãos britânicos possuidores de aparelhos de televisão em sua residência, a chamada Licence Fee. Não cabe a nenhum membro do governo inglês decidir ou não o repasse - ele é automático. Isso garante um amplo espaço de autonomia dos gestores das emissoras. Dentre as possíveis fontes privadas, a única que parece não gerar muita polêmica em torno da sua presença num meio público de televisão aparenta ser a contribuição espontânea de pessoas físicas e jurídicas. Essa apresenta expressiva participação no financiamento da televisão pública apenas nos E.UA., onde representa quase 30% de todos os recursos financeiros da emissora. C...• .iiJi.HO/Ai'OC<T<'iW2010· REVISTA DA ESPM "O modelo público consagrado internacionalmente é aquele que se mantém independente do Estado e do comércio, política e financeiramente,~ (LEAL FILHO, 2003). Uma fonte de financiamento significativa é a comercialização de conteúdo, de seu acervo, para outras emissoras, produtoras audiovisual, corporações etc. Nos E.u.A. representa 15% do orçamento da PBS. Outras fontes de receita são a comercializaçãode produtos e subprodutos, a prestação de serviços, a venda de assinatura, em canal fechado, com uma programação selecionada do acervo da TV pública. 11 Outras fontes de receita são a comercialização de produtos e subprodutos, a prestação de serviços, a venda de assinatura, em canal fechado, com uma programação selecionada do acervo da TV pública. Entrando numa seara bem mais discutida, chegamos aos patrocínios e apoios institucionais. São formas de publicidade, as quais podem tanto estar vinculadas a determinado programa, programação, ou até mesmo à emissora como um todo (uma cota máster). Pode ou não implicar na veiculação de filmes publicitários, podendo adicionalmente veicular-se apenas uma vinheta institucional ou uma menção ao apoio. debate começa esquentar, especialmente, na medida em que os potenciais "patrocinadores" começam a se preocupar com a audiência. Ela, como já falado anteriormente, não pode ser o fim único de uma emissora pública, mas conviver com índices inexpressivos - o famoso "traço" - pode representar uma televisão pública para ninguém, deixando assim de cumprir sua missão. E na ânsia de querer se manter o patrocinador, poder -se- ia alterar a qualidade da programação, seu conteúdo cultural/educativo. no ensejo de alcançar índices mais altos. ° R E V 1ST A D A E S P M - .:U:HO!AC1C'll!() l):- 2010 É importante notar que as receitas privadas são uma realidade em muitas redes públicas de comunicação. Ela, sozinha, tende a não definir a presença ou ausência de qualidade, tampouco sua independência. Temos bons exemplos de televisões públicas que lançam mão delas (e.g. PBS), mas também de outras que são estritamente financiadas pelo poder público (e.g. BBC). Na realidade, parece ser uma combinação de mecanismos de gestão, controle social e fontes de financiamento, a qual pode determinar o cumprimento ou não da missão maior. ° grande desafio nesse cenário é preservar os ideais da televisão pública em meio a todo esse contexto. "O modelo público consagrado internacionalmente é aquele que se mantém independente do Estado e do comércio, política e financeiramente" (LEAL FILHO, 2003). E a audiência, o que pensa sobre tudo isso? "Falar sobre o que a mídia deve fazer só tem sentido se conhecidos os seus efeitos entre a sociedade" (BARROS FILHO, 2003, p. 9). Nesse sentido, investigamos se a recepção da propaganda pelo público-cidadão na TV pública tem o mesmo potencial de polêmica. Demonstramos, numa pesquisa qualitativa recente, que a publicidade em TV pública, tende a ser bastante bem acolhida. No início do debate surgiu até certo espanto do grupo quanto ao objeto da discussão, já que eles sequer pensam uma televisão sem a presença da publicidade. Ela tende a fazer parte da paisagem midiática. Essa surpresa deve-se também ao fato de o sistema hegemônico de comunicação no Brasil ser o comercial, ao contrário de países europeus, este,s acostumados a outra realidade (CURY, 2009, p. 80-86). Se por um lado existe uma macroconvergência, por outro, quando nos aprofundamos aos formatos publicitários, percebemos algumas divergências de opinião. O modelo mais bem aceito são os filmes institucionais, uma unanimidade. Os que geram algum tipo de resistência são os filmes de varejo (típica peça publicitária varejista com objetivo de incremento de vendas a curtíssimo prazo, veiculando o conceito/benefícios/preço/condições de pagamento de forma rápida e enfática). BIBLIOGRAFIA BARROS FILHO, Clovis de. Ética na comunicação. São Paulo: Summus, 2003. BAUORILLARO, Jean. A sociedade de consumo. Lisboa: Ediçoes 70, 1995. BOURDlEU, Pierre. Sobre a televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997. Contudo, em aspectos gerais, a aceitabilidade irrestrita da presença da publicidade na televisão pública alcançou uma grande maioria (63%), seguida por uma indiferença ao fato (23%). Praticamente não existe rejeição, muito provavelmente, porque todos nasceram assistindo à TV com inserções de "comerciais" e, portanto, ela faz parte do imaginário de TV; para eles. BUCCI, Eugenio. Em Brasília, 19 horas: a guerra entre a chapabranca e o direito à informação no primeiro governo Lula. Rio de Janeiro: Record, 2008. CANCLlNI, Nestar Garcia. Consumidores e cidadãos. Rio de Janeiro: UFRJ, 2005. CURV, M. CecíliaA. Limites do público e privadO na paisagem midiática. Televisão pública: cidadania e consumo. 2009. São Paulo: ESPM. Nesse sentido, o financiamento privado não deveria ser descartado pela televisão pública, especialmente a publicidade, por seu potencial de captação de recursos. Mas não somente por isso, também porque sua presença, sozinha, não é de terminante na qualidade e no conteúdo programático. Esses dependem muito mais de sua gestão e de sua autonomia, que, como já mencionado anteriormente, estão diretamente ligados ao equilíbrio em suas fontes de receita. A ideia é horizontalizar a receita, não verticalizá-la. Ou seja, tende a ser bom depender menos'do Estado, ainda que o pêndulo não devesse pender totalmente para o outro lado. Com isso, não se recomenda a dependência estrita do mercado, nem tampouco se exime o Estado da responsabilidade de subsidiar o serviço público de comunicação. ~ GARNHAM, Nicholas, Richard COWNS, e Gareth LOCKSLEY. The economics of television: the UK case. Londres: SAGE, 1988. HABERMAS, Jurgen. Mudança estrutural da esfera pública. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. LEAL FILHO, l. A melhor7V do mundo. São Paulo: Summus, 1997. -. "Desafios para a constituição de um sistema público de comunicação." São Paulo, março de 2008, Ver transcrição completa no Anexo I da dissertação de CURVoM, Cecilia A. acima citada. -. "Por uma rede nacional de televisão." Texto apresentado no seminário "O Desafio da TV Pública", promovido TVE Rede Brasil. junho de 2003. Jesús. "Televisão pública, televisão cultural: entre a rel1Ovaçãoe a invenção." In: Televisão pública: do MARTíN-BARBERO, consumidor ao cidadão, por Omar Rincõn, 41-79. São Paulo: Friedrich Ebert Stiftung, 2002. RINCÓN, Omar. "A televisão: o mais importante, do menos impor- tante." In: Televisão pública: do consumidor ao cidadão, por Omar RINCÓN. São Paulo: Friedrich-Ebert-Stiftung, (r _MARIA 2002. -. "Televisão pública: para saber quem somos, como temos sido e o que queremos ser." In: Televisão pública: do consumidor CEcílIA ANDREUCCI CURV m Mestre em comunicaçào e práticas de consumo, ao cidadão, por Omar Rincõn, 327-350. W pela ESPM!SP. administradora de empresas, pela São Paulo: Friedrich- Ebert-Stiftung,2002. PUe/RJ, pós-graduada em rnarketmq, pela ESPMf RJ. e especializada em marketing de bens de consumo, pela Kellogg School of Business [email protected] SEPSTRUP, Preben. "The economic dilemma of television ad)) vertising." European journal ot communication, 1986: 383-405. 201() . 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