micologia em foco
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micologia em foco
Micologista em Destaque | Laura Rosado A Doutora Laura Rosado foi uma das pioneiras da Micologia em Portugal tendo iniciado a sua actividade nesta área entre 1979-1980. Licenciada em Ciências Biológicas pela Faculdade de Ciências de Lisboa (1960-1965) foi convidada pelo Professor Arnaldo Sampaio, em 1971, para integrar o quadro do Instituto Superior de Higiene, anterior designação do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA). Nesse mesmo ano foi destacada em comissão de serviço para o Hospital de S. Vicente em Cabo Verde, na qualidade de responsável técnica do Laboratório de Análises Clínicas, um desafio que se revelou rico em aprendizagem pelas dificuldades existentes no laboratório. Quando, em 1973, regressou ao INSA, foi convidada a criar um Serviço de Micologia, que simultaneamente incluísse uma área clínica e outra alimentar, tarefa que aceitou entusiasticamente. micologia em foco Boletim Informativo da Associação Portuguesa de Micologia Médica Número 1/2011 [email protected] www.ecmm.eu/aspomm Apresentação atípica de entomoftoromicose causada por Conidiobolus coronatus A entomoftoromicose rinofacial é uma zigomicose subcutânea rara causada por Conidiobolus coronatus. Esse agente afecta principalmente a mucosa do trato respiratório superior e dos tecidos adjacentes por via subcutânea, induzindo uma reacção granulomatosa em que as hifas são encapsuladas num material amorfo eosinofílico (fenómeno Splendore-Hoeppli). Este fenómeno geralmente manifesta-se com o desenvolvimento de nódulos duros no tecido subcutâneo da face, congestão nasal e epistaxis. Quando, em 1973, regressou ao INSA, foi convidada a criar um Serviço de Micologia, que simultaneamente incluísse uma área clínica e outra alimentar, tarefa que aceitou entusiasticamente. Incentivada pela Professora Laura Ayres, realizou diversos estágios, dos quais se destacam o realizado no Serviço de Dermatologia do Hospital de Santa Maria, orientado pela Dra. Júlia Cabrita, uma das pioneiras da Micologia Clínica em Portugal, e ainda o estágio realizado na Faculdade de Farmácia e no Instituto Pasteur de Lyon orientado pela Professora Eveline Guého, investigadora e grande impulsionadora da Micologia em França. Neste país realizou ainda vários cursos de pós graduação com os grandes mestres franceses precursores da Micologia (Segretain, Mariat e Drouet). Iniciado em 1979, o Serviço de Micologia do INSA, do qual foi coordenadora durante 30 anos, foi sendo continuamente melhorado através da aquisição de novos conhecimentos e metodologias laboratoriais tendo-se actualizado até à estrutura de Laboratório de Referência tal como se apresenta actualmente, foi ainda orientadora de diversos mestrados e doutoramentos e responsável pela formação em Micologia de vários profissionais de saúde. Doutorada em Micologia Médica, Laura Rosado foi Membro do Conselho Cientifico do INSA, Vice-presidente da Associação Portuguesa de Micologia Médica (ASPOMM) entre 1996 e 2000, sendo uma das suas fundadoras. Foi ainda Delegada Portuguesa da ASPOMM na Confederação Europeia da Micologia Médica (ECMM) tendo integrado a Comissão Organizadora e Cientifica do 3º Congresso desta Confederação. Na área da Micologia Ambiental, iniciou em 1989 um estudo pioneiro em Saúde Pública sobre a “Qualidade Micológica das Areias das Praias” propondo vários parâmetros de qualidade e seus respectivos limites expandindo esta área em colaboração com várias entidades portuguesas e também com congéneres europeias. Notícias Caso clínico Em geral, o diagnóstico é feito a partir de biópsias de pele das lesões, com subsequente cultura micológica e exame histopatológico. Descrevemos (1) um caso anómalo de entomoftoromicose rinofacial num doente do sexo masculino proveniente da Guiné-Bissau, admitido no Hospital Egas Moniz em Lisboa, com queixa de febre e apresentando uma tosse produtiva com secreção mucopurulenta e perda de peso. Na admissão, foi diagnosticada caquexia, edema facial generalizado, candidíase orofaríngea e duas fístulas no palato. Foram detectados BAAR no escarro, posteriormente identificados como Mycobacterium tuberculosis. Culturas do exsudado e da biópsia palatina somente permitiram o isolamento de Candida albicans. Foram administradas drogas antituberculose e fluconazol ao doente, mas o seu quadro clínico continuava a deteriorar-se progressivamente, até começar a sentir desconforto respiratório e nódulos subcutâneos no rosto. As biópsias da hipofaringe, nasal e nódulos revelaram então a presença de hifas largas e pouco septadas em exame directo e foi isolado em cultura Conidiobolus coronatus. Após o início do tratamento antifúngico, a condição clínica do doente melhorou significativamente. Neste trabalho é relatada uma apresentação pouco comum de entomoftoromicose bem como das dificuldades clínicas que atrasaram o seu diagnóstico. Ficha técnica: TIMM-2011. Valencia! O 5º Congresso “Trends in Medical Mycology” acontecerá em Valencia, Espanha, 2-5 Outubro, 2011. - www.timm2011.org Curso ”Identificação morfológica de fungos com relevância clínica” Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, 7 a 8 Novembro de 2011. Inscrições abertas, mais informação em www.insa.pt, Contactos: [email protected] A ASPOMM Tem uma nova imagem, com um especial agradecimento a João Oliveira: Coordenação Cristina Veríssimo. Corpo editorial Carla Viegas, Carlos Martins, Catarina Pinheiro, Célia Pais, Clélia Costa, Elisabete Fernandes, João Brandão, Laura Rosado, Maria da Luz Martins, Maria Manuel Lopes, Manuela Cano, Nicole Dias, Nelson Lima, Paula Sampaio, Raquel Sabino, Zélia Videira Patrocínio Merck, Sharp & Dohme - Portugal (1) Bento D, Tavares R, Martins ML, Faria N, Maduro AP, Araújo C, Ventura F, and Mansinho K. 2010. “Atypical presentation of Entomophthoromycosis caused by Conidiobolus coronatus”, Medical Mycology 48: 1099–1104. Fungo em destaque | Aspergillus Os fungos pertencentes ao género Aspergillus foram assim denominados por Pietro Antonio Micheli que observando o fungo no microscópio se lembrou da forma de um aspergillum (borrifador de água santa), e nomeou o fungo de acordo com o objecto. O género Aspergillus é composto por várias centenas de espécies encontradas em diversos ambientes. Trata-se de um género ubíquo e usualmente isolado do solo e de matéria orgânica em decomposição. Os esporos destes fungos são de pequena dimensão, pelo que se encontram em suspensão no ar e são facilmente inalados. A sua identificação ao nível da espécie baseia-se em características da colónia como a textura e cor (muito variável consoante a espécie), bem como em características microscópicas. O género Aspergillus desempenha um papel relevante em três áreas clínicas distintas: Micotoxicoses Doenças causadas por micotoxinas, termo usado para designar um grupo de compostos, altamente tóxicos, produzidos por certos fungos, nomeadamente pelos fungos do género Aspergillus. As micotoxicoses podem ser causadas pela ingestão de alimentos contaminados com micotoxinas -amendoim, milho, trigo, nozes, castanhas, frutas secas, cevada, café ou ainda pela inalação destas em forma de partículas suspensas, principalmente em locais onde os alimentos contaminados são tratados ou manipulados. As micotoxinas podem causar efeitos desde gastrointestinais a carcinogénicos. Estados Alérgicos A aspergilose broncopulmonar alérgica é uma doença pulmonar que ocorre em pacientes imunocompetentes e pertence às patologias de hipersensibilidade induzidas por Aspergillus. Factores genéticos e a activação de células do epitélio brônquico na asma ou na fibrose cística estão na base da sua manifestação. As pessoas afectadas apresentam respiração sibilante, falta de ar, e umas décimas de febre. Infecções oportunistas Nestes casos, o fungo afecta exclusivamente pacientes imunodeprimidos ou aqueles que apresentam condições basais que permitem o estabelecimento de infecção. A aspergilose invasiva é uma infecção sistémica (dispersase pela corrente sanguínea) e cuja frequência tem vindo a aumentar em todo o mundo e depende do balanço entre a susceptibilidade do hospedeiro e a exposição ambental. Em pacientes imunocomprometidos, a taxa de mortalidade da aspergilose invasiva pode atingir os 85%. Os grupos em maior risco de adquirir uma infecção invasiva por Aspergillus são os pacientes transplantados de medula óssea (alogénicos ou autólogos) ou órgão sólido, pacientes sujeitos a quimioterapia, cirurgia profunda recente, diabéticos e queimados. Superfícies contaminadas e fontes de humidade têm vindo a ser indicadas como potenciais fontes de infecção por Aspergillus spp. A prevalência de Aspergillus em ambiente hospitalar tem sido determinada nalguns estudos, verificando-se que o aumento da aspergilose invasiva está relacionado com o aumento da concentração de conídios no ar, muitas vezes causada pela ocorrência de obras de construção perto do hospital. As espécies de Aspergillus mais frequentemente isoladas em contexto clínico são Aspergillus fumigatus, A. flavus, A. niger e A. terreus. Curiosamente, são também estas as espécies mais frequentemente isoladas do ambiente. Uma vez que as infecções fúngicas são rapidamente progressivas, serão necessários cada vez mais esforços no sentido de uma maior prevenção, diagnóstico precoce e tratamento mais eficaz destas infecções. Raquel Sabino, Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge Curiosidades Micologia Ambiental e Saúde Pública Segundo Ingunn W. Jolma, um investigador norueguês da Universidade de Stavanger, o bolor do pão, ou o fungo Neurospora, tem características fascinantes, tal como outros cogumelos, por exemplo. Jolma explica que estes têm ciclos circadianos – eventos que regulam nosso metabolismo durante o dia e princípios diurnos – partilhados com os dos humanos. (…) Caso o cogumelo seja transferido de fuso horário, consegue adaptar-se ao novo ambiente e à nova hora. Tal como o ser humano, o processo levará algum tempo e o fungo poderá ficar “stressado”. Os estudos científicos permitem determinar que o relógio biológico dos cogumelos é regido por genes cuja expressão é regulada por ondulações retroactivas, positivas ou negativas. Segundo o investigador, ao compreender o processo dos cogumelos, pode-se conseguir perceber o funcionamento do relógio biológico dos seres humanos. A descoberta pode ainda melhorar a compreensão de fenómenos, como a diferença de horários, efeitos nefastos na saúde do trabalho em turnos e doenças ligadas ao ritmo circadiano das células. Contaminação fúngica do ar em unidades de restauração colectiva de dez hospitais de Lisboa Extraído de: CiênciaHoje 31/12/2010 Investigação & Desenvolvimento | Infecções por Aspergillus fumigatus Um número crescente de casos de aspergilose invasiva tem vindo a ser relatado a partir de unidades de cuidados intensivos, blocos operatórios e unidades de hematologia e oncologia. Apesar das alternativas terapêuticas disponíveis, a aspergilose invasiva é actualmente uma das doenças mais mortíferas nas unidades hospitalares, com taxas de mortalidade que atingem cerca de 80% mesmo após instituição de terapêutica antifúngica. A aspergilose invasiva é primariamente causada pela inalação de esporos de Aspergillus fumigatus e, posteriormente, pela germinação e crescimento das hifas fúngicas. O fungo patogénico A. fumigatus é ubíquo e frequentemente encontrado no ar e água de unidades clínicas hospitalares. Alguns estudos realizados no Hospital S. João, no Porto, mostraram que com os sistemas de filtração e diversas medidas de prevenção é possível reduzir as concentrações dos fungos totais no ar hospitalar para valores inferiores a 10 unidades formadores de colónias por m3 de ar. No entanto, o fungo A. fumigatus pode aceder às unidades hospitalares mais protegidas por outras vias, como por exemplo as roupas, sistemas de ventilação ou de canalização. Dentro das unidades clínicas, mesmo as mais protegidas, verificase uma elevada diversidade genética na população de A. fumigatus (acima de 90 % de estirpes únicas), o que aponta para que os esporos fúngicos circulem fácil e livremente dentro dum hospital. Este fungo apresenta ainda uma taxa de mutação genética elevada e induz a formação de novas populações de A. fumigatus em apenas alguns meses; é raro recuperar a mesma estirpe em amostragens consecutivas. Assim, quando se detecta uma diminuição da diversidade do fungo patogénico A. fumigatus em alguns locais do hospital, pode significar uma colonização mais grave desses locais. Estes estudos são realizados com um conjunto de 8 marcadores moleculares – Short Tandem Repeats (STRs) que permitem determinar com rigor a diversidade genética dos fungos nas unidades clínicas. Marcadores semelhantes são normalmente empregues em testes de paternidade ou identificação humana. As estirpes clínicas e ambientais de A. fumigatus são geralmente susceptíveis aos fármacos antifúngicos mais usados na clínica, mas alguns isolados resistentes a estes fármacos antifúngicos detectaram-se recentemente em vários hospitais europeus. Além disso, na presença de alguns fármacos frequentemente administrados a doentes de risco, tais como a albumina humana e o propofol (anestésico usado nos hospitais), o padrão de susceptibilidade dos fungos pode alterar tornando-se mais resistentes aos antifúngicos. Medidas adicionais de prevenção poderão ser necessárias no futuro em unidades clínicas de toda a Europa que admitem doentes hematológicos ou transplantados. Ricardo Araújo, Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Estudos realizados em ambiente hospitalar têm evidenciado a presença de várias espécies de fungos potencialmente patogénicos. A população microbiana de um determinado ambiente é influenciada por muitos factores, incluindo o número de visitantes e a quantidade de materiais provenientes do exterior. Em algumas áreas hospitalares, como os blocos operatórios, as UFC/ m3 apresentam valores muito baixos quando comparados com outras áreas hospitalares. A exposição a fungos em ambiente hospitalar é de particular importância devido à susceptibilidade dos utentes, sendo por isso essencial o conhecimento da carga fúngica em áreas de maior risco como as unidades de restauração colectiva. Com o intuito de avaliar a contaminação fúngica do ar nesses locais, foi realizado estudo transversal no último semestre do ano de 2010 em dez unidades restauração colectiva de hospitais de Lisboa. Foram, para o efeito, realizadas 50 amostras de ar de 250 litros colhidas através do método de impacto, nas cozinhas, áreas de empratamento de comida para os doentes, despensas, linhas de refeição, refeitórios e, ainda, no exterior, sendo este o local considerado como de referência. Simultaneamente, foram também avaliados os parâmetros ambientais temperatura e humidade relativa através do equipamento, Babouc LSI Sistemas e de acordo com a norma internacional ISO 7726. Trinta e duas espécies de fungos foram identificados no ar, sendo os dois géneros mais frequentes o Penicillium sp. (43,6%) e Cladosporium sp. (23,2%). Em relação às leveduras, apenas Rhodotorula sp. (84,2%) e Trichosporon sp. (15,8%) foram isolados. Houve coincidência entre os géneros predominantes no interior e exterior das instalações, porém todas as unidades apresentaram espécies fúngicas diferentes das isoladas do exterior. Além disso, nove das dez unidades de restauração colectiva apresentaram espécies de Aspergillus, como A. flavus, A. ochraceus, A. versicolor, A. candidus, A. fumigatus, A. niger e A. niveus. Não houve relação significativa (p> 0,05) entre a contaminação fúngica e os parâmetros ambientais avaliados. Com este estudo, foi possível verificar que as unidades de restauração colectiva podem ser uma fonte de contaminação interna, potenciando a disseminação fúngica em ambiente hospitalar. Viegas C, Ramos C, Almeida M, Sabino R, Veríssimo C Rosado L. Medidas de controlo ambiental na asma O conjunto de medidas de controlo ambiental que visam diminuir a quantidade de alergenos e irritantes nocivos para as vias aéreas e evitá-los constitui um dos eixos do tratamento da asma, sendo essas medidas preconizadas para todos os asmáticos. Há muito que se conhece a relação do quadro alérgico com as características do domicílio, porém, as medidas de controlo ambiental só ganharam um maior destaque após a identificação de diferentes alergenos domiciliares, que são importantes para esse controle. Esses alergenos domiciliares estão, mais comummente, presentes em objectos acumuladores de poeira, tais como quartos de dormir, carpete, colchão e travesseiro. A poeira doméstica é constituída de material orgânico e inorgânico, tais como ácaros, insectos, pelos e epitélios de animais, fungos, pólens e restos alimentares. Os géneros de fungos predominantemente causadores de quadros alérgicos são Aspergillus, Penicillium, Curvularia, Cladosporium, Fusarium, Rhizopus, Drechslera, Absidia e Alternaria. De realçar que para se conseguir uma boa prevenção da asma, as condições da casa e, principalmente, do quarto da criança têm de ser respeitadas, a saber: supressão de acumuladores de poeira (cortinas, tapetes, carpetes, brinquedos de peluche); além disso, a colocação de capas impermeáveis aos ácaros no colchão e no travesseiro, piso impermeável e limpeza correcta. Elisabete Fernandes INSA, IP