segunda geração modernista

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segunda geração modernista
COLÉGIO
ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA
Módulo I
VILAS
SEGUNDA GERAÇÃO MODERNISTA
PROSA DE 30
Situação Histórica (1)
Vamos observar o comentário de duas renomadas estudiosas: Tânia Pellegrini e Marina Ferreira
autoras da série “Português-Palavra e Arte”, sobre esses anos (1930-45).
“A crise crônica da República Velha e de sua economia baseada no café atravessa os anos 20. A
Grande Depressão que atingiu todo o mundo capitalista, a partir de 1929, fez com que se esgotassem
as possibilidades de expansão do mercado brasileiro, que não tinha mais compradores lá fora. “A
economia do país oscila, enquanto, politicamente, surgem forças contrárias à velha oligarquia cafeeira.
Essas forças são compostas por setores das classes médias urbanas, pelos tenentes empenhados na
“moralização do regime” e por oligarcas insatisfeitos com o incentivo exclusivo ao café: é a chamada
Aliança liberal, que tenta eleger Getúlio Vargas. Derrotada fraudulentamente nas eleições, só resta um
caminho à Aliança Liberal: a revolução. É a Revolução de Outubro (ou Revolução de 30). Tropas nas
ruas, embates, depredações, saques, sangue e morte: de norte a sul do país explode o
descontentamento que levará Vargas ao poder. É o fim da República Velha.
Sobre essas ruínas começa um novo tempo: o poder centralizado que acaba com a autonomia dos
Estados, unifica o mercado e adota medidas industrializantes. Mas o governo Vargas mostrará cada vez
mais sua face autoritária, com o apoio de setores militares.
Assim, os anos entre 1937 e 1945, quando Getúlio é deposto pelo Exército que antes o prestigiara,
foram tempos de repressão, de torturas e exílio para todos que se opunham ao regime. A produção
cultural passou a ser vigiada e cerceada: escritores, compositores e até ranchos, blocos carnavalescos
e escolas de samba eram submetidos à censura prévia do DIP (Departamento de Imprensa e
Propaganda), que também divulgava o ufanismo da política oficial.
Mas é também a época da popularização do futebol, que aos poucos deixa de ser um esporte de
elite, trazido pelos ingleses, e da oficialização do carnaval, festa popular agora submetida à organização
e controle do governo. É a época áurea do rádio, o primeiro meio de comunicação de massa brasileiro,
também usado como veículo de propaganda oficial. Surge o samba-canção, diferente dos sambas de
carnaval; as composições de Noel Rosa, Pixinguinha. Ataulfo Alves. Herivelto Martins, Dorival Caymmi
conquistam o gosto popular. Aparecem os primeiros “ídolos das multidões”, os cantores Francisco
Alves, Araci de Almeida, Carmem Miranda, Vicente Celestino. E é também tempo do cinema americano,
que invade as telas de todo o mundo.
Nesse contexto pleno de fatos relevantes em todos os níveis, floresce a literatura da segunda fase
modernista.
Completando a conjuntura da época, perceba o posicionamento do Professor Sergius Gonzaga em
relação ao período e ao crack da Bolsa de Nova Yorque (1929). Aproveitando o ensejo, assista ao
fantástico filme “A luta gela esperança”, que tematiza as consequências da quebra da Bolsa Nova
Iorquina:
“O crack da Bolsa de Nova Iorque, em 1929, foi a mais devastadora crise econômica até hoje
enfrentada pelo sistema industrial-capitalista, não apenas porque os Estados Unidos e dezenas de
outros países afundaram na recessão e no desemprego, mas principalmente porque uma onda de
pessimismo e desespero tomou conta do mundo.
Aos loucos e felizes anos 20, marcados por ânsia de viver, inovações artísticas e otimismo quanto
ao futuro (exceto talvez na Alemanha), seguiu-se a década de 30, com suas sombras agourentas
(fascismo e nazismo), e, por consequência, com uma terrível sensação de mal-estar que Freud
antecipou genialmente, num texto escrito em 1930:
A meu juízo, o destino da espécie humana será decidido se o desenvolvimento cultural conseguir
fazer frente às perturbações da vida coletiva, vindas do instinto de agressão e de autodestruição. (...)
Nossos contemporâneos chegaram a tal extremo no domínio das forças elementares, que com sua
ajuda lhes seria fácil exterminar-se mutuamente até o último homem.
Também Sartre evocou a crise de consciência e o espanto individual perante os eventos daquela
década:
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A crise mundial, o advento do nazismo, a guerra civil da Espanha nos abriram os olhos; parecia que
o chão ia desaparecer debaixo de nossos pés. (...) Cada promessa que havíamos saudado se tornava
uma ameaça. Cada dia que vivíamos desvendava seu verdadeiro rosto: nos havíamos entregues
confiantes e nos empurravam para uma nova guerra.
O Romance do nordeste
Atente para o primoroso comentário feito pela estudiosa Luciana Stegagno Picchio no seu livro
“História da Literatura Brasileira”:
“O romance do Nordeste tem como estímulo imediato a lição de Gilberto Freyre e o Manifesto
Regionalista expresso pelo Congresso de Recife de 1926, embora publicado só em 1952. É daí que
parte a nova geração de ficcionistas nordestinos, atrás dos quais se encontra, porém, toda a literatura
do Norte, aberta, em 1876, por Távora; e todo o nativismo naturalista e a seguir parnasiano da “Padaria
Espiritual” de Fortaleza (1892-1913), da qual tinham saído escritores como Oliveira Paiva, Rodolfo
Teófilo. Capistrano de Abreu, Clóvis Bevilacqua, Antônio Sales e Adolfo Caminha. Uma tradição de
fidelidade a terra e aos problemas do homem sentidos interdisciplinarmente, mas numa dimensão em
que literatura e artes visuais, política e urbanística, arte culinária e magia, música e artesanato, se
tronam, todos singular e coletivamente, ramo de ação social e instrumento de interpretação sociológica.
Algo que nas intenções desejava ser muito diferente, mais sério e “comprometido” do que o nativismo
estetizante e irônico do Modernismo paulista: que no seu ativo, porém, tinha todas as conquistas
instrumentais, a interdisciplinaridade em primeiro lugar, e expressivas daquele movimento. José Lins do
Rego, que no sistema funcionará um pouco como o intérprete literário e o popularizador do pensamento
científico de Gilberto Freyre, dirá:
Por esse modo, o Nordeste absorvia o movimento moderno, no que ele tinha de mais sério.
Queríamos ser do Brasil, sendo cada vez mais da Paraíba, de Recife, de Alagoas, do Ceará.
Presença do Nordeste na literatura, 1957.
Queria-se um regionalismo que substituísse o comportamento saudosista e romântico de
Gonçalves Dias e de Alencar, ou o realismo denunciador dos primeiros naturalistas, uma visão
“objetiva” da realidade local; um nacionalismo que levasse ao internacionalismo por meio da região; e
um regionalismo que superasse a receita literária e se tornasse teoria de vida. Todavia, como todas as
poéticas, também esta tinha necessidade de escritores e artistas a fim de fazer arte e literatura. E esses
escritores e artistas foram, unidos em torno de Gilberto Freyre e do jornal por ele dirigido, a Província de
Recife, personagens como José Lins do Rego, Olívio Montenegro, Aníbal Fernandes, Sílvio Rabelo.
Todos em polêmica sociopolítica com o “mestre”, como aqueles que teriam escolhido estradas não
coincidentes com a trilhada por ele: ou aqueles simplesmente atraídos ao circulo de seu fascinante
programa de revalorização dos valores tradicionais, como Jorge de Lima e Manuel Bandeira.
Graças a Gilberto Freyre e à sua “escola”, o Nordeste volta a ser nos anos trinta e quarenta o
segundo polo da dialética cultural brasileira: como no Seiscentos dos jesuítas e dos holandeses, no
Setecentos das academias, no Oitocentos romântico do maranhense Gonçalves Dias e do cearense
José de Alencar, e no Oitocentos positivista de Tobias Barreto e de Silvio Romero. E se, nos anos vinte,
o centro cultural do País parecia ter-se deslocado, definitivamente, para o triângulo São Paulo-Belo
Horizonte-Rio, pouco depois o recifense Manuel Bandeira poderá anunciar, entre divertido e cônscio,
com frase roubada de Tobias Barreto:
“São os do Norte que vêm.”
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ROMANCE DE 30
- A ESTÉTICA DO COMPROMISSO
Situação Histórica (2)
Getúlio Vargas → classes médias urbanas → Tenentes → oligarquias
rurais não ligadas ao café = REVOLUÇÃO DE 30.
E a Literatura?
A geração de 30 significou, a princípio a mesma aliança: elite rural não
ligada ao café + setores progressistas da classe média.
MAS...
Os revolucionários de 30 logo se conciliam com os cafeicultores e com a velha ordem.
Já os Artistas...
Aprofundam as contradições existentes e radicalizam-se ideologicamente: o integralismo e o
comunismo → possibilidades de transformação da realidade brasileira.
LOGO...
OS ESCRITORES:
 Terão uma visão crítica das relações sociais. Darão uma resposta artística ao momento de
fermentação política e ideológica que estavam vivendo.
 Questionarão a função da arte, a necessidade de sua integração na realidade política social.
 Irão se conscientizar das suas realidades circundantes.
 Irão realizar um aproveitamento e aprofundamento de aspectos de nossa tradição romanesca:
Romântica, realista-naturalista, pré-modernista (não há antipassadismo!)
Daí a preocupação central:
HUMANO-SOCIAL
Homem → Hostilizado pelo ambiente, pela terra, pela cidade, pelos poderosos. O homem sendo
devorado pelos problemas que o meio lhe impõe.
Alguns traços marcantes
Os escritores vão encarar suas obras como agentes de transformação social.
↓
Tematização:
 drama da seca
 crise nos engenhos
 cangaço
 luta pela terra
 coronelismo
 problemas do homem urbano etc.
↓
Daí as vertentes
 Regionalista
 Psicológica oi Intimista
↓
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Lema:
“Denunciar uma questão social, para solucionar, literatura mais construtiva, mais politizada.”
↓
Expressão linguística:
Usarão uma linguagem mais próxima da fala, do falar regional, condizente como grau de instrução
das personagens.
↓
Sintetizando:
 Realismo crítico
 Enfoque de tipos marginalizados
 Denúncia social
 Procura da verossimilhança
 Linearidade cronológica
 Análise psicológica
 Tipificação social
 Correspondência entre linguagem e a realidade.
Bases ideológicas da Moderna ficção Regionalista
(Análise feita pelo Professor Jayme Barros).
a) Analisando-se, em conjunto a ficção regionalista moderna, pode-se identificar nela 04 princípios
básicos.
1.
HUMANISMO — A preocupação central é o homem.
Homem analisado em sua existência aviltada, degradada, explorada.
socioeconômicas regionais como responsáveis pela destruição do homem.
As
estruturas
2.
DETERMINISMO — A interpretação determinista provém do século XIX. Os regionalistas, porém,
deixam de lado os aspectos biológicos e enfatizam o determInismo econômico-social e político. Em
outros termos as estruturas socioeconômico-políticas causam a destruição do homem que,
enquanto indivíduo, não tem como superar tais fatores determinantes.
3.
REFORMISMO — Embora fatores determinantes da destruição humana, as estruturas
sociopolitico-econômicas regionais são mutáveis. Daí o apelo revolucionário da ficção regionalista.
Operar mudanças profundas nas estruturas regionais é a única forma de evitar-se a destruição do
homem.
4.
INSTRUMENTALISMO — Nesta atuação, revolucionária, a literatura é um instrumento de ação:
“Escrever é um ato de militância”. “Escrever é uma ação social”.
b) Concluindo essa caracterização ideológica do regionalismo moderno, vale a pena citar Bezerra
de Freitas, para quem a ficção moderna se caracteriza pela “marca da ansiedade”, pela “busca
de transformação radical dos nossos sentimentos e processos literários”.
Para Soares Amora, existe “uma ânsia da realidade presente”.
Ainda Bezerra de Freitas: “O romance moderno caracterizou-se por uma afirmação absoluta de
nossas ânsias de viver sem limitações comprometedoras. Daí o apego ao realismo, o repúdio e a
negação da fantasia.”
“O Modernismo foi um movimento de angústia e ansiedade, porque se destinava a denunciar o erro
dos valores absolutos ou tradicionais e a interromper a comédia do nosso puritanoísmo literário e
estético. Os modernistas demonstraram possuir a coragem de enfrentar as realidades integrais de
nossa existência.
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c)
1. Atitude
Narrativa
Básica
2. Ambiental
Regional
3. Preocupação
Central
4. Temática
5. Linguagem
REGIONALISMO DE 30
Realista — daí a visão fotográfica do real e a utilização de técnicas como
a do documentário, das reportagens, etc.
Mostragem da realidade socioeconômico-politica regional, vista e
analisada numa perspectiva sócio-histórica.
Humano-social. Daí o caráter de denúncia, de contestação da realidade
regional, como anuladora e destruidora do homem. Isso leva ao apelo de
mudanças na própria estrutura regional, à consciência da necessidade de
luta por tais mudanças.
Em consequência dos itens anteriores, os temas básicos da geração de 30
buscam evidenciar os aspectos falsos da estrutura regional, os desníveis
da classe social, a exploração das classes dominantes no plano político,
social e econômico.
Decorrente da “visão fotográfica”, utiliza-se a linguagem oral, regional, a
linguagem cotidiana, explorando-se os aspectos mais expressivos e tentando elevá-lo à categoria literária.
Atenção!
(A vitória do neorrealismo)
(Conjunto de narrativas, escritas entre os anos de 1930 e 1960, por uma mesma geração, oriunda
de famílias oligárquicas decadentes, com uma visão de mundo crítica, um sentido missionário da
literatura e padrões artísticos bastante próximos do realismo do século XIX).
Características
 Ênfase nas questões ideológicas e sociais, e não mais no projeto estético da geração de 1922.
 Rejeição ao experimentalismo técnico e ao gosto pela paródia, substituídos por um realismo
mais ou menos trivial: retrato direto da realidade, busca da verossimilhança, linearidade
narrativa, etc.
 Tipificação social explícita (indivíduos que representam as várias classes sociais).
 Construção de um ficcional que deve dar a ideia de abrangência e totalidade.
 Tomada de consciência do subdesenvolvimento (atraso e miséria do país).
 Denúncia contínua da situação opressiva vivida por camponeses e operários.
 Tentativa de comunicação com as massas através de uma linguagem coloquial.
 Valorização da realidade rural que levou os críticos a designarem o período como regionalista.
Principais autores
JOSÉ AMÉRICO DE ALMEIDA
“Há uma miséria maior do que morrer de fome no deserto: é não ter o que
comer na terra de Canaã”.
(Trecho do prefácio de A Bagaceira)
Nasceu em Areia Branca, na Paraíba, descendente de uma poderosa
família rural. Desde cedo, interessou-se pela política e pela literatura e, como
era de praxe nessas circunstâncias, foi estudar Direito no Recife, formando-se
em 1908. Entre 1911 e 1929 exerceu o cargo de procurador geral em seu
Estado. Ao lançar, em 1922, o ensaio A Paraíba e seus problemas, obteve alguma repercussão nos
meios letrados da região. Porém, em 1928, sacudiria o país com a publicação de A bagaceira. Cansada
da agitação modernista, a juventude intelectual brasileira viu no romance a plataforma de um novo tipo
de arte.
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TEXTO
A Bagaceira
Era o êxodo da seca de 1898. Uma ressurreição de cemitérios antigos — esqueletos redivivos, com
o aspecto terroso e o fedor das covas podres.
Os fantasmas estropiados como que iam dançando, de tão trôpegos e trêmulos, num passo
arrastado de quem leva as pernas, em vez de ser levado por elas.
Andavam devagar, olhando para trás, como quem quer voltar. Não tinham pressa em chegar;
porque não sabiam aonde iam. Expulsos do seu paraíso por espadas de fogo, iam, ao acaso, em
descaminhos, no arrastão dos maus fados.
Fugiam do sol e o sol guiava-os nesse forçado nomadismo.
Adelgaçados na mangueira cômica, como se o vento os levantasse. E os braços afinados desciamlhes aos joelhos, de mãos abanando.
Vinham escoteiros. Menos os hidrópicos* — de ascite consecutiva à alimentação tóxica — com os
fardos das barrigas alarmantes.
Não tinham sexo, nem idade, nem condição nenhuma. Eram os retirantes. Nada mais.
Meninotas, com as pregas da súbita velhice, careteavam, torcendo as carinhas decrépitas de exvoto*. Os vaqueiros másculos, como titãs alquebrados, em petição de miséria. Pequenos fazendeiros,
no arremesso igualitário, baralhavam-se nesse anônimo aniquilamento.
Mais mortos do que vivos. Vivos, vivíssimos só no olhar. Pupilas do sol da seca. Uns olhos
espasmódicos de pânico, como se estivessem assombrados de si próprios. Agônica concentração de
vitalidade faiscante.
Fariscavam o cheiro enjoativo do melado que lhes exacerbava os estômagos jejunos. E, em vez de
comerem, eram comidos pela própria fome numa autofagia erosiva.
hidrópico: que sofre de hidropisia, ou seja, de acúmulo anormal de líquido em partes do corpo.
ascite: acúmulo de líquido na cavidade abdominal, o mesmo que barriga-d’água.
ex-voto: imagem, foto, objetos de cera ou madeira, etc., levados à igreja por conta de uma graça alcançada.
Atenção!
 Analise a frase “Não tinham sexo, nem idade, nem condição nenhuma. Eram os retirantes. Nada
mais”. Estabeleça uma comparação com os quadros de Portinary.
 Reflita: “Fugiam do sol e o sol guiava-os.”
 Observe a linguagem usada pelo autor: “utiliza um vocabulário mais apurado, com alguns termos
científicos (lembra de “Os sertões”?) e muito regionalismo; trabalha bem as frases curtas.
GRACILIANO RAMOS E AS VIDAS SECAS
GRACILIAnO RAMOS
(Quebrângulo-AL. 1892 — Rio de Janeiro, 1953
Muito nessa época. Caetés, seu primeiro romance, saiu em 1933. São
Bernardo, em 1934. Apaixonado por educação, Graciliano Ramos não
conseguiu permanecer muito tempo em cargos políticos. No início de 1936,
aceitou ser funcionário da instrução Pública de Alagoas. Sob a alegação de
que era comunista, foi preso no mês de março. Ficou nove meses na prisão,
sendo solto porque não havia provas: ele só entraria para O Partido Comunista
anos depois, em 1945. Morreu no Rio de Janeiro, em 1953.
CATEGORIAS
Romances narrados em primeira pessoa (Caetés, São Bernardo e Angústia): evidencia-se a
pesquisa progressiva da alma humana, ao lado do retrato e da análise social.
Romance narrado em terceira pessoa (Vidas Secas): são enfocados os modos de ser e as
condições de existência, segundo uma visão distanciada da realidade.
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Autobiografias (Infância e Memórias do Cárcere): o autor se coloca como problema e como caso
humano; nelas transparece uma irresistível necessidade de depor.
Um nordestino corajoso
Em uma das cartas, de fevereiro de 1946, Graciliano comenta com grande coragem que a miséria
se tornou para os dois um ganha-pão. Havia escrito Vidas Secas, em 1938, e Portinari pintado a tela
Retirantes, em 1944: “Dizem que somos pessimistas e exibimos deformações; contudo as deformações e a miséria existem fora da arte e são cultivadas pelos que nos censuram. O que às vezes
pergunto a mim mesmo, com angústia, Portinari, é isto: se elas desaparecessem, poderíamos continuar
a trabalhar? Desejaremos realmente que elas desapareçam, ou seremos também uns exploradores, tão
perversos como os outros, quando expomos desgraças? Dos quadros que você me mostrou quando
almocei em Cosme Velho pela última vez, o que mais me comoveu foi aquela mãe a segurar a criança
morta. Saí de sua casa com um pensamento horrível: numa sociedade sem classes e sem miséria seria
possível fazer-se aquilo? Numa vida tranquila e feliz, que espécie de arte surgiria? Chego a pensar que
faríamos cromas, anjinhos cor-de-rosa, e isto me horroriza. Felizmente a dor existirá sempre, a nossa
velha amiga, nada a suprimirá. E seríamos ingratos se desejásse- mos a supressão dela, não lhe
parece?”
(Época, 06/01/03)
 Para o autor, o ofício do escritor não deve nunca ocultar a realidade sob um manto de ufanismo
vazio, de exotismos ou de retórica oca; pelo contrário, o escritor deve voltar-se para aqueles que
sofrem e expor-lhes o sofrimento. Isso significa fazer uma obra participante, uma obra que
acredita na análise dos problemas sociais e humanos como forma de ajudar a resolvê-los.
 Tensão: Homem x meio
Natural
Social
Gera violência, transfigura o que o homem tem de bom.
 Graciliano realiza uma síntese entre indivíduo e ambiente.
 Destaca-se: SENSO - estético
- sociológico
- psicológico
 Em Graciliano, o regional não caminha na direção do específico, do particular ou do pitoresco;
ao contrário, as especificidades do regional são um meio para alcançar o universal. Suas
personagens, em vez de traduzirem experiências isoladas, traduzem uma condição coletiva, a
do homem explorado socialmente ou brutalizado pelo meio.
VIDAS SECAS
OU A ATROFIA DA
PALAVRA
POR JOÃO CEZAR DE
CASTRO ROCHA
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Num ensaio de 1943, Otto Maria Carpeaux propôs uma leitura surpreendente do livro publicado
apenas cinco anos antes: “Não é o sertão o culpado; ‘Vidas Secas’ é o seu romance relativamente mais
sereno, relativamente mais otimista. O culpado é – superficialmente visto, numa primeira aproximação –
a cidade”.
A oposição entre meio rural e meio urbano nada tem de nova. E parece mais interessante pensar
que a cidade surge como a reserva de utopia em “Vidas Secas”. Na projeção de Sinhá Vitória e
Fabiano, no parágrafo que encerra o romance, andavam para o Sul, metidos naquele sonho. Uma
cidade grande, cheia de pessoas fortes. Os meninos em escolas, aprendendo coisas difíceis e
necessárias”.
Dimensão utópica. Entretanto caracterizar “Vidas Secas” pela serenidade e pelo otimismo constitui
um achado que merece ser desenvolvido. Afinal, superficialmente visto, o romance começa com uma
“mudança” (título do primeiro capítulo) e termina numa “fuga” (título do último capítulo). Nomes diversos
para o mesmo destino de retirantes em busca da sobrevivência. Os 13 capítulos do livro emolduram as
ações transcorridas entre duas secas, ou seja, o termômetro das vidas severinas de Fabiano, Sinhá
Vitória, os dois filhos, a cachorra Baleia e o papagaio – “mudo e inútil. Não podia deixar de ser mudo.
Ordinariamente a família falava pouco”. Otimismo e serenidade?
A observação de Carpeaux exige que se recupere a dimensão utópica disseminada por Graciliano
Ramos em pequenos gestos de suas personagens. “Utopia” pode ser uma palavra excessiva para o
estilo só-lâmina, de Graciliano. Mas o princípio esperança, esse não foi abandonado por Fabiano, até
diante da iminência de nova estiagem: “Seria necessário mudar-se? Apesar de saber que era
necessário, agarrou-se a esperanças frágeis. Talvez a seca não viesse, talvez chovesse”.
Sinhá Vitória aprendeu a lição e, outra vez na estrada, resolveu acreditar que “talvez esse lugar
para onde iam fosse melhor do que os outros onde tinham estado”. Embora infundada, a esperança
retorna nos momentos mais adversos, alimentando uma crença relativamente serena que não se
confunde com fatalismo, pois a esperança surge no fim do romance na possibilidade de superação de
limites. Uma possibilidade frágil, já se viu. Mas muito distante da leitura consagrada, sintetizada por
Álvaro Lins: “O final do livro é uma retirada, como o princípio fora uma chegada, dentro de uma
fatalidade que o romance sugere (...)”.
Porém, como descobrir em “Vidas Secas” um texto em alguma medida otimista? De um lado, a
resposta se encontra no princípio. De outro, na extraordinária investigação linguística e epistemológica
que confere unidade ao romance. Esse é um ponto fundamental. A interpretação dominante
estabeleceu padrão oposto, mais uma vez expresso por Álvaro Lins: “(...) a novela, tendo sido articulada
em quadros, os seus capítulos, assim independentes, não se articulam formalmente com bastante
firmeza e segurança”.
Ora, Graciliano não pretendia representar pobres retirantes; o que, numa abordagem tradicional,
demandaria uma narrativa estruturada através de ações continuadas dos personagens. Pelo contrário,
Graciliano esforçou-se por apresentar a pobreza em suas consequências mais graves: a atrofia da
linguagem e a anemia do pensamento.
A dificuldade no controle da linguagem e o consequente embaraço na ordenação do pensamento
são os verdadeiros protagonistas de “Vidas Secas”. No primeiro capítulo, a sobrevivência da família é
assegurada com a morte do papagaio: “ A fome apertara demais os retirantes e por ali não existia sinal
de comida”. Os sinais de diálogo eram igualmente escassos: “Depois daquele desastre viviam todos
calados, raramente soltavam palavras curtas”. Em todos os capítulos, observações semelhantes
retornam obsessivamente, estruturando a narrativa em torno da relação entre palavras raras e
pensamento inarticulado.
O menino mais velho ficara intrigado com a palavra “inferno”, o que irritara sua mãe. Depois de um
castigo que considerou injusto, buscou aconselhar-se com Baleia: “Tinha um vocabulário quase tão
minguado como o do papagaio que morrera no tempo da seca. Valia-se, pois, de exclamações e de
gestos, e Baleia respondia com o rabo, com a língua”. O filho mais velho aprendera como o pai, que “às
vezes utilizava nas relações com as pessoas a mesma língua com que se dirigia aos brutos –
exclamações, onomatopeias”.
Com tais recursos linguísticos, o pensamento pode se tornar tão hostil quanto o clima. O menino
mais novo queria impressionar seu irmão e a cachorra. Fracassou, “fez tenção de entender-se com
alguém, mas ignorava o que pretendia dizer. A égua alazã e o bode misturavam-se, ele e o pai
misturavam-se também”. O filho mais novo aprendera com a mãe, que enfrentava idêntica dificuldade
para expressar o desejo por uma cama de gente como a de Seu Tomás da bolandeira: “Isto lhe sugeriu
duas imagens quase simultâneas, que se confundiram e neutralizaram”.
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Ora, essa arquitetura sutil se completa no último capítulo, “Fuga”, simétrico invertido do primeiro,
“Mudança”. Nesse, os retirantes mudavam-se de uma fazenda a outra, mas em nada alteravam sua
condição de “quase uma rês na fazenda alheia”. Rês, res: coisa, apenas. Naquele, ao contrário, os
viventes buscavam fugir do círculo perverso, imaginando um lugar, “uma terra desconhecida”, a cidade
grande.
E como fazê-lo? Através do controle inesperado da linguagem. Nesse capítulo, “Fuga”, os
personagens deixam de trocar palavras: eles realmente dialogam. “Sinhá Vitória precisava falar. (...)
Chegou-se a Fabiano, amparou-o e amparou-se”. Nas páginas finais, Graciliano semeia diversas vezes
a palavra decisiva: conversa. É através da linguagem que os viventes se fortalecem. E, pela primeira
vez no romance, Fabiano “mostrou os dentes sujos num riso infantil”. Riso de quem era infans, de quem
pouco falava e quase nada escutava. Agora, “as palavras de Sinhá Vitória encantavam-no. Iriam para
diante (...)”
A linguagem transformou “quatro sombras” numa família. E quem sabe no capítulo que não foi
escrito os dois meninos recebessem nomes próprios.
João Cezar de Castro Rocha é professor de literatura comparada na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. É autor de “Literatura e
Cordialidade” (Eduerj) Folha de São Paulo
ENREDO
É a história de uma família de retirantes que vive em pleno agreste os sofrimentos da estiagem (...),
pequena obra-prima de sobriedade formal (...), abre ao leitor o universo esgarçado e pobre de um
homem, uma mulher, seus filhos e uma cachorra tangidos pela seca e pela opressão dos que podem
mandar (...). O que havia de unitário nas obras anteriores (do autor), apoiadas no eixo de um
protagonista, dispersa-se nesta em farrapos de ideias, no titubear das frases, nos “casulos da vida
isolada que são os diversos capítulos”, enfim, na desagregação a que o meio arrasta os destinos inúteis
de Fabiano, Sinhá Vitória, Baleia...
(Alfredo Bosi -História Concisa da Literatura Brasileira)
TEMPO
As anotações sobre o tempo são bastante escassas, a duração da intriga não é determinada.
Fabiano e os seus vêm não se sabe donde e caminham não se sabe para onde. Ignora-se quando
chegaram, quanto demoraram, e durante quanto tempo terão de caminhar.
“( ) dobrando o cotovelo da estrada, Fabiano sentiu distanciar-se um pouco dos lugares onde tinha
vivido alguns anos; o patrão, o soldado amarelo e a cachorra Baleia esmoreceram no seu espírito.”
Essa notação permite inferir que o desenrolar da intriga abrangeu mais de um ano, o que é reforçado
pela alusão ao negócio de criar gado de que Fabiano tinha de dar conta ao patrão.
LINGUAGEM
Num raro senso de adequação, a linguagem usada pelo romancista é concisa, despida, “seca” –
por isso mesmo de alta eficiência expressiva.
Narrativa em terceira pessoa. Embora tenhamos no livro a presença do diálogo-a-um, não é a
personagem que ressalta nele, mas o narrador que se faz sentir pelo discurso indireto. Segundo Rui
Morão, aliás, “não se compõe uma narrativa, compõem-se narrativas nucleares, seccionadas, desde
que coisa alguma ocorre em perspectiva. Os fatos, de um modo geral, terminam em si, não surgindo
para ocupar lugar numa cadeia de acontecimentos e quando, excepcionalmente, têm a faculdade de
gerar consequências, a curto prazo essas se verificam ou a sua expectativa é desfeita, desarmando
incontinenti a curiosidade do leitor. É o caso, por exemplo, da marcha inicial dos retirantes, da briga, na
cidade, com o soldado, da aventura do menino mais novo que projeta imitar o pai a amansar a água
alezã, da dramática preparação de Fabiano para o sacrifício de Baleia. Em todo o livro, por duas vezes
apenas – no ressurgimento do soldado e na evolução do segundo ciclo da seca – a matéria de um
capítulo continua a ser tratada em outro”.
9
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Módulo I
VILAS
No livro há a descrição de dois mundos:
1
Fabiano
- Fabiano
- Sinhá Vitória
- O menino mais velho
- Baleia e o papagaio
2
X
Mundo composto pela sociedade
- Seu Tomás da bolandeira
- O patrão de Fabiano
- O soldado amarelo
Observação: Tanto as personagens do primeiro grupo como as do segundo vivem na mesma
região, sofrendo todas a mesma seca.
Atenção!
Entre os dois mundos que acabamos de descrever “não há um sistema de trocas, senão um
mecanismo de opressão e bloqueio.” O que parece ser importante para Graciliano Ramos é denunciar a
desigualdade entre os homens, a opressão social, injustiça. São esses os temas de Vidas Secas,
daí o ter-se afirmado no início desse estudo não podermos considerar o livro regionalista. Em momento
algum o esmagamento de Fabiano e de sua família é explicado apenas pela seca ou qualquer fator
geográfico.
PERSONAGENS
a)
O Patrão de Fabiano: não tem necessidade de fugir da seca, pois ele que possui as terras e o
dinheiro, ele que emprega os trabalhadores e faz deles meros escravos sem qualquer direito a
uma vida digna e independente. – Opressor.
O patrão atual, por exemplo, berrava sem precisão. Quase nunca vinha à fazenda, só botava os
pés nela para achar tudo ruim O gado aumentava, o serviço ia bem, mas o proprietário descompunha o
vaqueiro. Natural. Descompunha porque podia descompor, e Fabiano ouvia as descomposturas com o
chapéu de couro debaixo do braço, desculpava-se e prometia emendar-se. Mentalmente jurava não
emendar nada, porque estava tudo em ordem, e o amo só queria mostrar autoridade, gritar que era
dono. Quem tinha dúvida?
b)
Seu Tomás da bolandeira: culto, sabia comunicar-se com precisão. Sua linguagem significa a
cultura e a edu- cação. (I). Ele simboliza um status econômico de conforto, segurança (II).
I.
Lembrou-se de seu Tomás da bolandeira...Em horas de maluqueira Fabiano desejava imitá-lo:
dizia palavras difíceis, truncando tudo e convencia-se de que melhorava. Tolice. Via-se
perfeitamente que um sujeito como ele não tinha nascido para falar certo.
II.
Era melhor esquecer o nó e pensar numa cama igual à de seu Tomás da bolandeira. Seu
Tomás tinha uma cama de verdade, feita pelo carpinteiro, um estrado de sucupira alisado a
enxó, com as juntas abertas a formão, tudo embutido direito, e um couro cru em cima, bem
esticado. Ali podia um cristão estirar os ossos.
c)
O Soldado Amarelo: simboliza o governo, a entidade que humilha Fabiano e que condiciona o
humilhado à incapacidade de reagir.
“O soldado, magrinho, enfezadinho, tremia. E Fabiano tinha vontade de levantar o facão de novo.
Tinha vontade, mas os músculos afrouxavam... Vacilou e coçou a testa. Havia muitos bichinhos assim
ruins, havia um horror de bichinhos assim fracos e ruins.
Afastou-se, inquieto. Vendo-o acanalhado e, ordeiro, o soldado ganhou coragem, avançou, pisou
firme, perguntou o caminho. E Fabiano tirou o chapéu de couro.
– Governo é governo.
Tirou o chapéu de couro, curvou-se e ensinou o caminho ao soldado amarelo.”
10
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Módulo I
VILAS
d)
Fabiano: condição animalizada dentro da sociedade a que pertence. Ignorante, bruto, mal
articulava uma ou outra palavra só sabia grunhir.
Affonso Romano de Sant’ana faz uma aproximação de Fabiano a Baleia. Segundo o estudioso, o
pensamento de Fabiano, no capítulo que recebe seu nome, passa por três etapas.
Primeiramente, ele se considera positivamente dizen- do: ‘– Fabiano, você é um homem.’
Depois se estuda com menos otimismo, e considerando mais realisticamente sua situação se
corrige –’ Você é um bicho, Fabiano’. Ou seja: um indivíduo que não sendo exatamente um homem,
pelo menos sabia se safar dos problemas. No entanto, poucas frases adiante, nova alteração se dá
em suas considerações. E de homem que se aceitara apenas como um bicho esperto, ele se
coloca como um animal: ‘o corpo do vaqueiro derreava-se, as pernas faziam dois arcos, os braços
moviam-se desengonçados. Parecia um macaco. Entristeceu.”
Decaindo do ponto mais elevado da escala, passando a indivíduo apenas esperto e depois a
um semelhante do animal, Fabiano termina por se aproximar de Baleia, a quem, em contraposição,
em seu diálogo-a-um ele considera:’ – Você é bicho, Baleia ‘. Nesta frase estaria integrado o
sentido duplo do termo ‘bicho’, aplicado a Baleia: animal/ esperteza, positivo/ negativo. Uma análise
mais interessada nestes levantamentos poderia perfilar dento do livro todos os processos
sistemáticos de zoomorfização dos animais, destacando principalmente os verbos e adjetivos
conferidos a um e outro elemento numa mesma simbiose metafórica.
e)
Sinhá Vitória: aquela que alimenta pequenos sonhos, nunca realizados. Único apoio de
Fabiano. É desumanizada pelo autor, é apresentada num mundo confuso. Num mundo não
muito lúcido, entre concreto e abstrato.
f)
Baleia: ela é como uma pessoa da família. Brinca com os filhos e ajuda no trabalho (caçar
preás). Fica doente e morre.
Atenção: Há uma aproximação entre Sinhá Vitória e o papagaio.
A identificação entre Vitória e o papagaio se acentua sobretudo no capítulo “Sinhá Vitória”, quando
ela tenta perceber o sentido da comparação que seu marido fizera de seu modo de caminhar com o do
papagaio:
“Ressentido, Fabiano condenara os sapatos de verniz que ela usara nas festas, caros e inúteis.
Calçada naquilo, trôpega, mexia-se como um papagaio, era ridícula.”
“A partir daí a imagem dos pés de Vitória vai se fundindo à imagem do papagaio, até que
estilisticamente a superposição se destaca em frases como essas: ‘Olhou os pés novamente. Pobre do
louro’. Aí o adjetivo ‘pobre’ já não se refere exclusivamente ao papagaio que foi morto para matar a
fome da família, mas descreve a própria Sinhá Vitória tão ‘infeliz’ como aquele ‘pobre louro’. No resto do
capítulo, o autor usa de um processo de recorrência da imagem da ave, agora ampliando-lhe a área
semântica, referindo-se à galinha, especialmente a ‘galinha pedrês’ devorada pela raposa.”
g) Os filhos: são apresentados como coisas e não são individualizados por um nome. Assim como
os demais, assemelham-se a espectros. As idades das personagens (todas!) não são mencionadas.
COMENTÁRIO
As personagens são focalizadas cada uma por sua vez, o que nos mostra o seu afastamento. Cada
uma delas tem sua vida particular, acentuando a solidão em que vivem. Vidas Secas é, portanto, a
dramática descrição de pessoas que não conseguem comunicar-se. Nem os opressores se
comunicam com os oprimidos, nem cada grupo se comunica entre si. A nota predominante do livro é o
desencontro dos seres. Os diálogos são raros e as palavras ou frases que vêm diretamente da boca
das personagens são apenas xingatórios, exclamações ou mesmo grunhidos. A terra é seca mas
sobretudo o homem é seco. Daí o título Vidas Secas. O discurso do narrador é igualmente construído
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Módulo I
VILAS
através de frases curtas, incisivas, enxutas, quase sempre períodos simples. Escritor extremamente
contido, com o pavor da verbosidade, Graciliano prefere a eloquência das situações fixadas, à
eloquência puramente verbal. O que há de libelo no livro se coloca na sua própria estrutura, e não em
discursos das personagens ou do autor.
Vidas Secas começa por uma fuga e acaba com outra. No início da leitura, tem-se a impressão
de que Fabiano e sua família fogem da seca:
“Entrava dia e saía dia. As noites cobriam a terra de chofre. A tampa anilada baixava, escurecia,
quebrada apenas pelas vermelhidões do poente.
Miudinhos, perdidos no deserto queimado, os fugitivos agarraram-se, somaram-se as suas
desgraças e os seus pavores.”
O último capítulo. Fuga, descreve cena semelhante:
A vida na fazenda se tornara difícil. Sinhá Vitória benzia-se tremendo, manejava o rosário, mexia os
beiços franzidos rezando rezas desesperadas. Encolhido no banco do copiar, Fabiano espiava a
caatinga amarela, onde as folhas secas se pulverizavam, torturadas pelos redemoinhos, e os garranchos se torciam, negros, torrados. No céu azul as últimas arribações tinham desaparecido. Pouco a
pouco os bichos se finavam, devorados pelo carrapato. E Fabiano resistia, pedindo a Deus um milagre.
GRACILIANO RAMOS:
UM MESTRE DA PALAVRA
Sucinta, dura e descarnada: assim é a tessitura verbal de Vidas Secas. Sua obsessão pela redação
gramaticalmente imaculada e elegante lembra Machado de Assis. Graciliano prima pela correção da
escrita, embora faça concessões aos regionalismos, necessários para a veracidade da linguagem das
personagens. Não admite populismos.
Onomatopeias, monossílabos guturais e gestos aglutinam-se para demonstrar a revolta, a
impotência e o mutismo das personagens diante da opressão social, política e econômica que devora
os homens nordestinos.
Praticamente não existem diálogos, daí a presença quase absoluta do monólogo interior. As
personagens se comunicam por meio de exclamações, interjeições guturais, onomatopeias, muxoxos,
resmungos e gestos. A comprovação da marginalidade linguística dos retirantes é uma das chaves
decisivas para a compreensão do livro.
Não era propriamente conversa, eram frases soltas, espaçadas, com repetições e incongruências.
As vezes uma interjeição gutural dava energia ao discurso ambíguo. Na verdade nenhum deles
prestava atenção às palavras do outro: iam exibindo as imagens que lhes vinham ao espírito, e as
imagens sucediam-se, deformavam-se, não havia meio de dominá-las. Como os recursos de expressão
eram minguados, tentavam remediar a deficiência falando alto.
O estilo de Graciliano Ramos se caracteriza pela sobriedade no uso dos adjetivos; ele prefere dar
nome às coisas, daí o critério na seleção dos substantivos.
O acúmulo de orações coordenadas e de frases nominais, curtas e densas, sugere a pouca
complexidade de pensamento e amplia as sugestões de revolta e desencanto: Falta de criação. Tinha lá
culpa? O sarapatel se formara, o cabo abrira caminho entre os feirantes que se apertavam em redor: —
“Toca pra frente”. Depois surra e cadeia, por causa de uma tolice. Ele, Fabiano, tinha sido provocado.
Tinha ou não tinha? Salto de reiúna em cima da alpercata. Impacientara-se e largara o palavrão.
Natural, xingar a mãe de uma pessoa não vale nada, porque todo o mundo logo vê que a gente não tem
a intenção de maltratar ninguém. Um ditério sem importância.
A obra São Bernardo, de Graciliano Ramos, apesar de pertencer à Segunda Geração Modernista,
cujos propósitos, em prosa, ligam-se à denúncia social, à apresentação questionadora e crítica do
Brasil, afasta-se, ao mesmo tempo, dela.
Notamos, ao analisar o romance, que, se há denúncia, ela fica em segundo plano. Todo o romance
envolve a tensão psicológica de Paulo Honório, que se desenvolverá, aqui, em dois planos: o Paulo
Honório narrador, e o Paulo Honório personagem.
Paulo Honório causa-nos o “estranhamento” por ser um herói problemático, buscando o
entendimento na avaliação de si mesmo. A história é contada num tempo posterior aos fatos, ou seja,
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Módulo I
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Paulo Honório, no passado, vivenciou uma série de experiências, que, agora, num tempo atual (já com
cinquenta anos), pretende relatar em livro.
Toda a narrativa se envolverá num processo de circularidade e alternâncias: no enredo central,
teremos PauloHonório personagem; na narração, aparecerá o Paulo Honório avaliativo, distante dos
fatos, buscando entender a si, ao mundo e até mesmo ao seu processo de criação.
Inicialmente, o narrador explica ao leitor todo o seu processo de escritura, fazendo-o participar da
obra. Em todo o primeiro capítulo do livro, Paulo Honório narrador expõe seu projeto de fazer a obra
pela “divisão do trabalho”. Para tanto, “Padre Silvestre ficaria com a parte moral e as citações latinas;
João Nogueira aceitou a ortografia e a sintaxe; prometi ao Arquimedes a composição tipográfica; para a
composição literária convidei Lúcio Gomes de Azevedo Gondim, redator e diretor do ‘Cruzeiro’.” (p.7).
Percebe-se que, por meio de um processo de metalinguagem, coloca-se o processo da escritura
em discussão. Junto com ele, descobrimos que o processo de elaboração é falho (“O resultado foi um
desastre.” p. 8), pois mascara seu autor: ele é um homem rústico, e não aquilo que estavam fazendo
que ele parecesse (“... está pernóstico, está safado, está idiota. Há lá quem fale dessa forma!” – p. 9).
Dessa maneira, Paulo Honório coloca-se como alguém simples, não afeito a técnicas narrativas
normalmente consideradas sofisticadas, dai as referências à “língua de Camões”. É por isso que
assumirá a escritura do romance que tratará de sua história, desde guia de cegos a proprietário da
fazenda São Bernardo: narrativa que se pretende escrita de forma rústica para tratar de uma “alma
agreste”, conforme ele se autoqualifica.
Porém engana-se o leitor se imagina encontrar um texto desconexo, escrito por alguém que se diz
semianalfabeto; ao contrário, deparamo-nos com um texto que, em termos de linguagem, poderia,
inclusive, ser classificado como clássico: a linguagem é “enxuta”, sem preocupação descritiva ou abuso
de linguagem figurada; é a nítida preferência pelo substantivo, pela informação direta, aproximando-se
de uma linguagem referencial, bastante afastada daquilo que chamaríamos, tradicionalmente, de
poético. Nesse sentido, poderíamos fazer uma comparação com Machado de Assis, pois é a mesma
preferência pela análise psicológica, por conseguinte ocupando maior espaço na obra.
É aí que encontramos a iconicidade: é a linguagem reveladora da personagem, ambos agrestes,
áridos. Todavia essa simplicidade não nos leva a uma narrativa primitiva, linearmente organizada. O
texto é carregado de digressões e processos metalinguísticos.
O narrador quer criar a ilusão de que está escrevendo o texto sem planejamento, sem cálculo
prévio, forjando um primitivismo literário num livro de memórias: Paulo Honório narrador conta a história
de Paulo Honório personagem. Seu método seria algo semelhante à técnica narrativa impressionista,
contando os fatos conforme vão surgindo na memória, daí a “desordem”, a falta de linearidade
cronológica; por exemplo, ficamos sabendo que o filho de Madalena já havia nascido, porque o narrador
o apresenta chorando:
“O pequeno berrava como bezerro desmamado. Não me contive: voltei e gritei para d. Glória e
Madalena:
— Vão ver aquele infeliz. Isso tem jeito? Aí na prosa, e pode o mundo vir abaixo. A criança
esgoelando-se!
Madalena tinha tido um menino.” (p. 123).
(Alice Home Page - Análises literárias - São Bernardo)
JORGE AMADO (1912-2001)
TEXTO DE JORGE AMADO
PRÓPRIO, ESCRITO EM 92
SOBRE
SI
Gosto de escrever apenas pela manhã. Gosto de
morar ora na Bahia, ora em Paris. Meu ideal de
felicidade é Zélia. Sou mais condescendente com os
erros do amor.
Homem marcante: Cervantes. Mulher marcante:
Zélia Gattai. Religião: nenhuma.
Estilo musical: samba.
Escritor: Manuel A. de Almeida. Partido político: nenhum. Sonho: ser nomeado cardeal.
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Módulo I
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Primeiro amor: uma puta da Bahia que exercia no beco de Maria Paz, nos idos de 1927.
Vício: comer. Superstição: todas.
Símbolo da Bahia: Castro Alves; e do Brasil: Dorival Caymmi.
Romance seu de que mais gosta: Dona Flor, Tenda, Tocaia Grande e Sumiço da Santa.
Qualidade masculina: bondade. Qualidade feminina: a bunda. Ocupação preferida: vadiar.
Para saber um pouco mais...
Presença da mulher é eixo da vida e da carreira
CYNARA MENEZES
Quantos escritores foram capazes de concluir suas memórias com uma ode a ela, à flor de cacto,
ao “pasto de miosótis”, à “mestra de meninos” à “luz de candeeiro”, à “peladinha” — enfim, ao órgão
sexual feminino?
Pois é assim que termina, à guisa de desejo final, a autobiografia de Jorge Amado, “Navegação de
Cabotagem” (1992), “apontamentos para um livro de memória que jamais escreverei”, no dizer do
escritor.
“Na hora derradeira quero nela pousar a mão, tocar-lhe a penugem, a pétala do grelo, sentir-lhe a
doce consistência, a maciez, nela depositar meu último suspiro”, escreve.
A presença da mulher na obra de Jorge Amado é forte e quase tão importante quanto sua obra em
si — não à toa, são elas o principal alvo das mais famosas adaptações feitas para o cinema e TV de
seus livros: Tieta, Gabriela, Dona Flor, Tereza Batista.
Mulheres do povo, morenas e sensuais, onde o escritor despejou toda a sua paixão pelo sexo
feminino, personificada, na vida pessoal, na figura de Zélia Gattai, a companheira de mais de meio
século (descendente de italianos, completamente diferente, pelo menos no físico, das heroínas criadas
pelo marido; embora, como disse ele, possua “o dengue, o requebro, o samba no pé”).
“A mulher é o eixo em vários romances de Jorge Amado. O homem tem um papel secundário”, diz
a professora de literatura brasileira da Universidade Estadual de Feira de Santana Denise Ribeiro
Patrício, autora de “Imagens de Mulher em Gabriela” (Fundação Casa de Jorge Amado).
A professora aponta ainda a “positivização” que a figura feminina tem nos romances do escritor. “É
uma mulata sensual bem diferente, por exemplo, da Rita Baiana de “O Cortiço”, de Aluísio de Azevedo,
que destrói a vida do português Jerônimo, seu amante”, diz. “Já Nacib prospera a partir da presença de
Gabriela em sua vida. Ela o trai apenas porque não domina o código de ‘esposa’.”
Com Tieta, a heroína do romance homônimo, também é assim: a prostituta que volta, rica e
disposta a ajudar a família. Ou Dona Flor, dona de casa dedicada e cheia de virtudes que, embora
entediada com o segundo marido, só conhece a infidelidade quando reencontra o defunto redivivo
Vadinho, seu primeiro amor.
Sultão da literatura, Jorge Amado sabia como tratar suas mulheres — real e imaginárias. É ele
mesmo quem diz, nos versos que escreveu para Gabriela, cantados por Djavan: “O que fizeste sultão,
de minha alegre menina? / Palácio real lhe dei, um trono de pedraria / Sapato bordado a ouro,
esmeraldas e rubis / Ametista para os dedos, vestidos de diamantes / Escravas para servi-la, um lugar
no meu dossel / E a chamei de rainha e a chamei de rainha.”
Grande divulgador da ideia da miscigenação, Jorge Amado fez de sua experiência
particular um modelo de ‘ser brasileiro’
Jorge Amado nunca quis ser antropólogo, mas sempre o foi sem querer. Suas personagens são
pessoas das ruas de Salvador, a Bahia que descreveu foi aquela que o pintor Carybé encontrou em
Jubiabá (1935) e se deixou ficar; o mundo que criou na verdade já nasceu criado.
Grande pregador da ideia da mestiçagem, Jorge Amado fez de sua experiência particular um
modelo de “ser brasileiro. Oriundo de famílias enriquecidas pelo cacau, o escritor, sem jamais ter
deixado o seu universo cultural, foi de encontro a outro. Nesse novo cenário está o cais de Salvador, o
can- domblé, a capoeira, as festas religiosas, os heróis de cada dia. É assim que em seus livros, sem
abandonar o mundo dos coronéis — como em Menino Grapiúna (1981), ou Tereza Batista Cansada de
Guerra (1972) —, Jorge Amado adiciona um novo tempero dado pelo cotidiano mestiço da Bahia.
Fortemente influenciado pela geração da “Academia dos Rebeldes” — esses jovens meninos que
com seus 16 anos experimentavam a realidade para entender a literatura —, Jorge Amado acabou
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Módulo I
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sendo porta-voz de uma grande reviravolta. Com efeito, até os anos 30, as elites intelectuais nacionais
eram profundamente influenciadas por teorias raciais que viam com descrédito o sangue negro que
corria em nossas veias, e ainda mais a mestiçagem.
Pensadores como Sílvio Romero, Tobias Barreto e Euclides da Cunha entendiam o cruzamento
racial como fator de desequilíbrio e de degeneração; para não falar de Nina Rodrigues, médico radicado
na Bahia, que acabou virando personagem de Jorge Amado, em Tenda dos Milagres (1969).
Foi só após os anos 30 que deixamos de pensar que éramos gregos, latinos e espanhóis e
passamos — sobretudo a partir da divulgação da obra de Gilberto Freyre — a falar sobre as virtudes e a
originalidade da brasilidade.
Em “Tenda dos Milagres” (1969), por exemplo, Jorge Amado apresenta não só a violência dos
brancos, diante desses rituais de origem africana, como oferece o ingresso para um outro mundo, onde
a mistura não é só de raças, mas também de religiões. Mas ele é mesmo o grande divulgador da
mestiçagem. Em suas obras ela é tão evidente que muitas vezes não precisa ser afirmada. Todos
sabem que Tereza Batista é mulata, assim como Tieta, e que Dona Flor é cabo verde (essa mistura
particular de branco com negro e índio), mas não é o autor que usa os termos como definição. No seu
universo parecem não caber classificações que descrevem a cor, mas não a relação; que delatam
exclusivamente a violência, sem falar da convivência. O que Jorge etnógrafo encontrou na Bahia foi um
mundo complicado de ser afirmado, mas fácil de ser reconhecido. Uma certa brasilidade que, se não
pode ser entendida de forma absoluta, ajuda a pensar que há uma determinada especificidade na nossa
convivência racial e mesmo no tipo de preconceito aqui existente. Convivência não quer dizer ausência
de conflito: mistura não é sinônimo de falta de hierarquia. Ao contrário, esse universo complexo está
todo lá: a pobreza, os coronéis e seus jagunços, a boemia, a religião que mistura santos católicos com
orixás africanos.
Assim como é certo que a mistura, seja cultural, religiosa ou biológica, ainda não se realizou entre nós
de forma harmoniosa, é evidente que Amado — agora xamã — nos confunde com o mistério da literatura.
OBRA:
a) Obra inicial: O País do carnaval (1931).
b) Ciclo do cacau: Cacau, Terras do Sem-Fim, São Jorge dos Ilhéus, Gabriela, Cravo e Canela,
Tocaia Grande.
c) Ciclo urbano: Suor, Jubiabá, Capitães da Areia, Mar Morto, Dona Flor e Seus Dois Maridos, Os
Velhos Marinheiros, Tenda dos Milagres.
d) Ciclo da seca: Seara Vermelha.
e) Obras ideológicas: O ABC de Castro Alves, O Cavalheiro da Esperança, O Mundo de paz, Os
subterrâneos de Liberdade (3 volumes).
“Na última fase, abandonaram-se os esquemas de literatura ideológica que nortearam os romances
de 30 e 40; e tudo se dissolve no pitoresco, no “saboroso”, no “gorduroso”, no apimentado regional.”
Teresa Batista, cansada de guerra
Tieta do Agreste
O Sumiço da Santa
Navegação de Cabotagem
Com um estilo marcado pela simplicidade da linguagem e pela coexistência de realismoromantismo, Jorge Amado abordou tanto a zona rural quanto a urbana de Salvador, sempre preocupado
em fixar tipos sociais marginalizados e, através deles, analisar as estruturas sociais e, com isso, “traçar
um amplo painel do povo brasileiro, usando a Bahia como representação da diversidade étnica e social
brasileira”, ressaltando o caráter multicultural e multirracial da nossa gente. “Jorge Amado é o
romancista da vida popular, que retrata em sua ficção a maneira de ser da população baiana, seus
costumes, sonhos, e também suas misérias.”
O crítico literário Alfredo Bosi faz uma importante classificação da obra do autor:
a) “Um primeiro momento de águas-fortes da vida baiana, rural e citadina (Cacau, Suor), que lhe
deram a fórmula do “romance proletário”;
b) Depoimentos líricos, isto é, sentimentais, espraiados em torno de rixas e amores marinheiros
(Jubiabá, Mar Morto, Capitães da Areia);
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c) Um grupo de escritos de pregação partidária (O Ca valeiro da Esperança, O Mundo da Paz);
d) Alguns grandes afrescos da região do cacau, certamente suas invenções mais felizes, que
animam de tom épico as lutas entre coronéis e exportadores (Terras do Sem-Fim, São Jorge dos
Ilhéus);
e) Mais recentemente, crônicas amaneiradas de costumes provincianos (Gabriela, Cravo e Canela,
Dona Flor e Seus Dois Maridos). Nessa linha formam uma obra à parte, menos pelo espírito que
pela inflexão acadêmica do estilo, as novelas reunidas em Os Velhos Marinheiros. Na última
fase, abandonam-se os esquemas de literatura ideológica que nortearam os romances de 30 e
de 40; e tudo se dissolve no pitoresco, no "saboroso", no "gorduroso", no apimentado do
regional".
Jorge Amado projeta-se para o futuro, preocupando-se em valorizar o homem. Suas personagens
caracterizam-se, principalmente, pela busca incessante da liberdade (estado social ou de espírito),
como forma de realização humana. Tendo nos marginais, prostitutas, jogadores, biscateiros, malandros,
jagunços e capitães da areia seus principais tipos, o autor os cerca de muita simpatia e compreensão
humana. Analisa-os sempre de maneira ideológica, justificando seus atos, tentando provar que são
puros e bons. O inverso ocorre com as personagens burguesas, mais complexas em suas ambições e
interesses. A elas o autor nega o carinho e o apoio com que trata aqueles; contenta-se em caricaturálos, aponta-lhes os defeitos, vícios e más-intenções, deixa-os ao sabor do destino, a menos que tenham
decaído social ou economicamente, como Quincas Berro D'Água ou alguns coronéis empobrecidos.
Considerações finais de Álvaro Cardoso Gomes:
Vista, no conjunto, a obra de Jorge Amado apresenta altos e baixos. Sua grande virtude reside no
fato de ter desenvolvido uma literatura de cunho social, acessível ao comum dos leitores. Há também o
fato de que, nos altos momentos dos romances épicos, o autor conseguiu ser fiel a uma época. Contudo
é preciso refletir que a grande facilidade de escrever, o abuso de clichês e lugares-comuns, o lirismo às
vezes piegas e as soluções fáceis impedem que a obra de Jorge Amado atinja o nível que seria de se
esperar de nosso mais festejado escritor moderno. No entanto é impossível desprezar o papel que
exerceu em nossa época e, sobretudo, seu profundo humanismo, fruto de uma consciência sincera e
sempre atuante.
Atenção!
Divisão caracterizada das "fases":
1a Fase:
•
•
•
•
•
Sentido político
Caráter panfletário
Maniqueísmo
Neonaturalismo
Linguagem simples, coloquial, popular, com uso de termos de baixo calão
2a Fase:
•
•
•
•
Crônicas de costumes
Caráter irônico
Visão mais humanizada das classes marginalizadas
Utilização de elementos do folclore e da tradição popular
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JOSÉ LINS DO REGO (1901-1957)
Paraibano, é considerado um dos melhores representantes da literatura
regionalista do Modernismo. Em Recife, aproxima-se de José Américo de
Almeida e Gilberto Freire, intelectuais responsáveis pela divulgação do
modernismo no nordeste e pela preocupação regionalista. Mais tarde também
conhece Graciliano Ramos, e depois vai para o Rio de Janeiro, onde participa
ativamente da vida literária. Sua infância no engenho influenciou fortemente sua
obra.
Suas obras Menino de Engenho, Doidinho, Banguê, Moleque Ricardo, Usina e Fogo Morto
compõem o que se convencionou chamar “ciclo da cana de açúcar”. Nessas obras, J. L. Rego narra a
gradativa decadência dos engenhos e a transformação pela qual passam a economia e a sociedade
nordestina. Sua técnica narrativa se mantém nos moldes tradicionais da literatura realista: linearidade,
construção da personagem baseada na descrição dos caracteres, linguagem coloquial, registro da vida
e dos costumes. O tom memorialista é o fio condutor de uma literatura que testemunha uma sociedade
em desagregação: a sociedade do engenho patriarcalista, escravocrata. As obras mais representativas
dessa fase são Menino de Engenho e Fogo Morto. A primeira é a história de um menino, órfão de pai e
mãe, que é criado no Engenho Santa Rosa, de seu avô José Paulinho, típico representante do
latifundiário nordestino. Há momento de grande emoção na obra, como a descrição da enchente, o
castigo dos escravos, a descoberta da própria sexualidade.
OBRA: O próprio autor classificou seus romances em três ciclos.
a) ciclo da cana-de-açúcar: Menino de engenho (1932); Doidinho (1933); Banguê (1934); Fogo
morto (1943).
b) ciclo do cangaço, misticismo e seca: Pedra Bonita (1938); Cangaceiro (1953).
c) obras independentes: O moleque Ricardo (1934); Pureza (1937); Riacho doce (1939) –
independentes, mas relacionadas aos ciclos anteriores; Água-mãe (1941) e Eurídice (1947) – os
únicos romances que não têm o Nordeste como cenário.
Escreveu ainda crônicas e ensaios.
 Menino de Engenho − Narra a história de Carlinhos, que havendo perdido a mãe precisou morar
com o avô Zé Paulino no engenho Santa Rosa. O narrador é o próprio Carlos de Melo. Suas
memórias envolvem não só sua iniciação nas coisas do prazer, mas também sua situação de
pobre menino rico pelo rompimento do elo familiar.
Atenção!
O narrador (1a pessoa) Carlos de Melo, já adulto, recorda-se de sua infância. Ele é órfão de mãe,
assassinada pelo pai demente. Ele foi criado pela Tia Maria, no engenho do avô.
Carlos cresce dividido entre os cuidados que recebe por ser doente e a liberdade que compartilha
com os moleques do engenho, ouvindo histórias, assistindo a violências e desigualdades, iniciando-se
no sexo. No final do livro, já adolescente, é mandado para o colégio interno, para “endireitar”.
Escravos x Foreiros
Narrador: a perspectiva amadurecida do narrador adulto é diferente da do Menino de Engenho.
Há na obra traços autobiagráficos.
Outros temas da obra de José Lins: misticismo, religiosidade popular, cangaço. A atmosfera de sua
obra é de tristeza e decadência.
O autor está mais preocupado em reunir flashes do passado do que em produzir uma análise
aprofundada de sua realidade.
 Doidinho − É praticamente continuação do romance anterior. Carlinhos foi mandado para um
internato e não suporta a escola e os colegas. Seu sonho é voltar para o Santa Rosa.
 Banguê − Carlos de Melo volta ao Santa Rosa, após dez anos de ausência, já homem feito e
advogado. Tudo o incomoda: a decadência do engenho, a velhice do avô, sua impotência. A
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monotonia toma conta da vida de Carlinhos, nada dá certo nem o amor por Maria Alice, que
havia lhe proporcionado os melhores dias de sua vida.
 Usina − A vinda das usinas e suas máquinas faz com que a economia semifeudal do engenho
entre em colapso. O império do coronel Zé Paulino transforma-se na usina Bom Jesus.
 Fogo Morto − É a obra-prima do autor. Retrata o momento de decadência total dos engenhos. O
coronelismo é representado por Lula de Holanda Chacon; Antônio Silvino representa o cangaço,
entrevisto como única saída para os pobres. O Mestre José Amaro, celeiro, homem de
convicções democráticas, termina sendo preso, acusado de ser informante dos cangaceiros.
Vitorino Carneiro da Cunha vive para a política local; é uma figura quixotesca dada a bravatas e
discursos inflamados contra os poderosos e corruptores.
Atenção!
A divisão em três partes de Fogo morto [...] se unifica pelas interrelações humanas que se
estabelecem, envolvendo análises de detalhes circunstanciais, para a visão sintética da paisagem física
e humana na subregião açucareira. Caracterizada em si mesma, ela é, ao mesmo tempo, condicionada
por toda a realidade humana e social da região nordestina. É como se os seus limites se dilatassem e
logo se retraíssem, como presenças interferentes de múltiplos valores, circunstanciais e reações, num
momento agudo de redefinição da condição e do destino humano naquela paisagem. Convergem assim
para este romance os componentes fundamentais de toda a obra regionalista do autor, e não somente
aqueles do ciclo da cana-de-açúcar. Suas personagens se apresentam como expressão de todas as
dimensões do homem nordestino, preso a raízes telúricas profundas, ao mesmo tempo num esforço
dramático de libertação, para o reencontro de uma justa condição humana.
Antonio Candido e J. AderaldoCastello. Presença da literatura brasileira —
Modernismo, São Paulo/Rio de Janeiro, Difel, 1979.
RACHEL DE QUEIROZ
Rachel de Queiroz nasceu em Fortaleza, Ceará, em novembro de 1910. Viveu parte de sua infância
na capital e parte, no interior, na fazenda dos pais. Depois da seca de 1915, que atingiu a propriedade
familiar, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde ficou por pouco tempo, transferindo-se para o Belém do
Pará.
De volta ao Ceará, em 1921, retomou os estudos regulares, como interna do Colégio Imaculada
Conceição, formando-se professora em 1925. Ingressou no jornalismo como cronista em 1927. Em
1930, lançou seu primeiro romance, O Quinze, que recebeu o primeiro prêmio, concedido pela
Fundação Graça Aranha. Em 1931, veio ao Rio de Janeiro para recebê-lo, onde travou contato com o
Partido Comunista Brasileiro. Nos anos seguintes, participou da ação política de esquerda, pela qual foi
presa em 1937. Sem abandonar a ficção, continuou colaborando regularmente com jornais e revistas,
dedicando-se à crônica jornalística, ao teatro e à tradução. Foi, durante muito tempo, cronista exclusiva
da revista O Cruzeiro. Em 1977, foi a primeira escritora a ingressar na Academia Brasileira de Letras,
um grupo que, até então, tinha sido exclusivamente masculino. Embora more no Rio de Janeiro, tem
retornado, com frequência, às suas raízes – a fazenda no interior do Ceará.
Trecho do romance O QUINZE
O fragmento mostra Chico Bento e família no terceiro dia da retirada em direção à capital,
Fortaleza.
“Chegou a desolação da primeira fome. Vinha seca e trágica, surgindo no fundo sujo dos sacos
vazios, descarnada nudez das latas raspadas.
— Mãezinha, cadê a janta?
— Cala a boca, menino! Já vem!
— Vem lá o quê!
Angustiado, Chico Bento apalpava os bolsos... nem um triste vintém azinhavrado...
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Lembrou-se da rede nova, grande e de listas que comprara em Quixadá por conta do vale de
Vicente.
Tinha sido para a viagem. Mas antes dormir no chão do que ver os meninos chorando, com a
barriga roncando de fome.
Estavam já na estrada do Castro. E se arrancharam debaixo dum velho pau-branco seco, nu e
retorcido, bem dizer ao tempo, porque aqueles cepos apontados para o céu não tinham nada de abrigo.
O vaqueiro saiu com a rede, resoluto:
— Vou ali naquela bodega, ver se dou um jeito...
Voltou mais tarde, sem a rede, trazendo uma rapadura e um litro de farinha:
— Tá aqui. O homem disse que a rede estava velha, só deu isso, e ainda por cima se fazendo de
compadecido.
Faminta, a meninada avançou: e até Mocinha, sempre mais ou menos calada e indiferente,
estendeu a mão com avidez.
Contudo que representava aquilo para tanta gente? Horas depois, os meninos gemiam:
— Mãe, tou com fome de novo...
— Vai dormir, dianho! Parece que tá espritado! Soca um quarto de rapadura no bucho e ainda fala
em fome! Vai dormir!
E Cordulina deu o exemplo, deitando-se com o Duquinha na tipoia muito velha e remendada.
A redinha estalou, gemendo.
Cordulina se ajeitou, macia, e ficou quieta, as pernas de fora, dando ao menino o peito rechupado.
Chico Bento estirou-se no chão. Logo, porém, uma pedra aguda lhe machucou as costelas. Ele
ergueu-se, limpou uma cama na terra, deitou-se de novo.
— Ah! Minha rede! Ô chão duro dos diabos! E que fome! Levantou-se, bebeu um gole na cabaça. A
água fria, batendo no estômago limpo, deu-lhe uma pancada dolorosa. E novamente estendido de
ilharga, inutilmente procurou dormir.
A rede de Cordulina que tentava um balanço, para enganar o menino — pobrezinho! o peito estava
seco como uma sola velha! — gemia, estalando mais, nos rasgões.
E o intestino vazio se enroscava como uma cobra faminta, e em roncos surdos resfolegava furioso:
rum, rum, rum...
De manhã cedo, Mocinha foi ao Castro, ver se arranjava algum serviço, uma lavagem de roupa,
qualquer coisa que lhe desse para ganhar uns vinténs.
Chico Bento também já não estava no rancho. Vagueava à toa, diante das bodegas, à frente das
casas, enganando a fome e enganando a lembrança que lhe vinha, constante e impertinente, da
meninada chorando, do Duqinha gemendo:
“To tum fome! dá tumê!
Parou. Num quintalejo, um homem tirava o leite a uma vaquinha magra.
Chico Bento estendeu o olhar faminto para a lata onde o leite subia, branco e fofo como um
capucho...
E a mão servil, acostumada à sujeição do trabalho, estendeu-se maquinalmente num pedido... mas
a língua ainda orgulhosa endureceu na boca e não articulou a palavra humilhante.
A vergonha da atitude nova o cobriu todo; o gesto esboçado se retraiu, passadas nervosas o
afastaram.
Sentiu a cara ardendo e um engasgo angustioso na garganta.
Mas dentro da sua turbação lhe zunia ainda aos ouvidos: “Mãe, dá tumê!”
E o homenzinho ficou, espichando os peitos secos de sua vaca, sem ter a menor ideia daquela
miséria que passara tão perto, e fugira, quase correndo...”
Atenção!
Observe a diferença da linguagem do narrador e a das personagens: as personagens utilizam
expressões e modismos populares (identifique-os!). Já o narrador utiliza uma linguagem culta.
Na indústria da seca, quem sai mais prejudicado e quem lucra com a miséria? Reflita sobre a
questão fazendo uma aproximação com a migração do Nordeste para o Sudeste.
Há dois planos na obra:
1. Plano social: consiste na apresentação dos efeitos da seca sobre os sertanejos.
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2. Plano individual: baseado nas experiências de Conceição, que intenta definir sua identidade
numa sociedade patriarcalista. Por isso mesmo, recusa-se a casar com um jovem proprietário
rural, chamado Vicente, a quem ama mas com o qual não está disposta a viver, porque viver
com ele significaria abandonar o seu mundo urbano e os seus interesses culturais (atitude de
vanguarda!).
Para ela, a seca era a grande causadora da desgraça do nordestino. A escritora não atinge um
verdadeiro entendimento político para entender os horrores do Nordeste, isto é, não compreende que a
miséria tinha razões mais fundas que o cataclismo da natureza.
A obra harmoniza o social e o psicológico. Conceição interroga e investiga o seu destino, a verdade
é que, visto a partir dele, o drama social dos flagelados parece diluir-se no pano de fundo da paisagem
calcinada que a linguagem da autora recupera de um ângulo lírico e alvaivo, mas cheio de verdade e
corrosão.
Para você ter um melhor entendimento dessa obra singu- lar, observe a síntese do enredo e dos
dois planos feito pelo estudioso Renato Lima para o JC Online - Virtual Book Store:
OBRAS:
 Romances: O Quinze (1930) e João Miguel (1932) – seca; coronelismo: impulsos passionais |
Caminho de Pedras (1937) e As três Marias (1939) – literatura engajada, esquerdizante, social e
política, trata ainda da emancipação feminina | O Galo de Ouro (folhetim em “O Cruzeiro”) |
Memorial de Maria Moura (1992; surpreende seu público e é adaptado para a televisão).
 Teatro: Lampião (1953), A Beata Maria do Egito (1958, raízes folclóricas), A Sereia Voadora.
 Crônica: A Donzela e a Moura Torta (1948), Cem Crônicas Escolhidas (1958), O Brasileiro
Perplexo (1963, Histórias e Crônicas), O Caçador de Tatu (1967).
 Literatura Infantil: O Menino Mágico, Andira.
Detentora de uma linguagem simples, fluente e uma narrativa dinâmica, aborda temas comuns à
prosa regionalista da época, notadamente nas obras O Quinze e João Miguel, como a seca, o retirante,
através de um estilo no qual convivem os aspectos psicológico e social. Após a experiência com a
literatura engajada politicamente, em Caminho de Pedras, aos poucos o aspecto social vai perdendo
espaço para a análise psicológica, como fica patente em As três Marias.
ÉRICO VERÍSSIMO
Autodenominado “contador de histórias”, parte de sua
narrativa (Clarissa, Caminhos Cruzados, Música ao longe, Um
lugar ao sol, Saga, Olhai os lírios do campo, O resto é silêncio),
retrata a vida urbana da província de Porto Alegre, a crise da
sociedade moderna, cuja nota marcante é a falta de
solidariedade, o cotidiano caótico. Evidencia-se a preocupação
do autor com aspectos morais, espirituais, existenciais da vida
em sociedade. Em O tempo e o vento, em que se combinam os
elementos mítico, histórico e social, o autor dá uma tonalidade
mais épica, ao retratar o passado e a formação histórica do Rio Grande do Sul, por meio da saga das
famílias Terra-Cambará e Amaral. Já em obras como O Senhor Embaixador, O Prisioneiro, Incidentes
em Antares, destacam-se temas políticos e o tom de engajamento.
Olhai os lírios do campo
Olhai os Lírios do Campo é um dos romances mais famosos de Érico Veríssimo, um verdadeiro
best-seller que resultou até em novela na Argentina. A narrativa da primeira parte é feita em flashback.
Eugênio vai lembrando de momentos da sua vida enquanto se dirige ao hospital onde está Olívia.
Eugênio era um menino tímido e medroso que teve uma infância pobre, era ridicularizado na escola
e tinha como objetivo máximo a ascensão social; para isso, faria de tudo para um dia vencer na vida.
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Achava que o que tinha era feio e sem graça, das roupas até o seu próprio corpo. Não se entrosava
com os demais colegas de classe e por isso devotava todo o seu tempo aos estudos. Sonhava em
deixar de ser simplesmente o Genoca para ser o Dr. Eugênio Fontes.
Tinha pena do pai, o alfaiate Ângelo, com quem não conseguia se comunicar facilmente. O seu
irmão, Ernesto, não esmerava-se na educação e acabou perdido na vida. Com muito esforço, Eugênio
consegue cursar Medicina. Na faculdade conhece Olívia – única mulher da turma. Na festa de
formatura, os dois se aproximam e fazem sonhos e confissões juntos, sobre o futuro, e tornam-se
grandes amigos.
Durante a Revolução de 30, após uma operação-mal sucedida no hospital militar, Olivia convida
Eugênio a sua casa e passam uma noite de amor. Dias depois, ela recebe uma proposta para trabalhar
em Nova Itália, e novamente se entrega aos braços de Eugênio.
Durante um atendimento médico, Eugênio conhece Eunice Cintra, filha de um riquíssimo
proprietário. Eugênio casa-se com Eunice com objetivo único de ascender socialmente. O sogro trata de
arranjar um emprego de fachada (“assinar documentos”) numa de suas fábricas. Eugênio começa a
frequentar a alta sociedade, mas não se sente parte dela. O seu complexo de inferioridade aumenta ao
ver os contrastes desse outro mundo, de emoções contidas, de meias-palavras. Conhece pessoas
como Filipe Lobo, construtor obstinado a construir o “Megatério”, um arranha-céu, mas não se importava com a família. Infeliz e perturbado, Eugênio reencontra Olívia, que lhe apresenta a sua filha, fruto
do último encontro dos dois, Anamaria. Ao chegar ao Hospital onde estava Olívia, recebe a noticias de
sua morte.
A segunda parte passa-se após a morte de Olívia e é intercalada com a leitura das cartas que ela
escreveu para Eugênio sem nunca tê-la enviado. Eugênio toma coragem e separa-se de Eunice, apesar
de todos os inconvenientes sociais. Vai além e passa a ser um médico popular, com ideias de socializar
a medicina. Trabalha com o Dr. Seixas, um velho médico que sempre atendeu aos pobres. A memória
de Olívia, nas cartas, nas fotos ou no olhar de Anamaria, fortalece-o quando pensa nas dificuldades.
O original da obra, com correções a mão feitas por Érico Veríssimo, encontra-se hoje na gigantesca
biblioteca de José Midlin.
O Tempo e o Vento (síntese)
 O Continente – Considerado pela crítica o melhor dos três volumes, focaliza o período
compreendido entre 1745 e 1895, tempo das guerras entre as fronteiras portuguesas e
castelhanas; depois entre farrapos e imperialistas, durante o separatismo; finalmente, entre
maragatos e florianistas, na Revolta da Armada de 1893. A família Terra tem como fundadora
simbólica a personagem Ana Terra, que, solteira, tem um filho com o índio Pedro Missioneiro. Os
irmãos dela, sentindo-se ultrajados pelo fato, matam Pedro, por ordem do pai. Anos depois, os
castelhanos invadem a estância onde moravam, matam os pais e os irmãos de Ana, além de
dois escravos, e a violentam. Escapam ela, o filho, a cunhada e a sobrinha, que partem em
busca de nova vida. A partir daí tem-se o núcleo do qual sairão personagens descendentes de
Ana e de seu filho. Bibiana, neta de Ana Terra, casa-se com o capitão Rodrigo Cambará, dando
origem aos Terra Cambará, inimigos dos Amarais. Essa rivalidade está presente sobretudo no
primeiro romance da trilogia.
 O Retrato – Situado entre 1909 e 1915, é uma continuação do romance anterior, mas já
mostrando a decadência do código ético que sustentou a construção do Estado gaúcho.
 O Arquipélapo – A narrativa ocorre a partir de 1945, mas há várias digressões em que se retoma
o passado. O protagonista, que já havia feito parte do volume anterior, Dr. Rodrigo Cambará, é
um velho corrupto moral e socialmente, representando o último nível de degradação da família.
Focalizam-se as revoluções de 1923 e de 1930, o Estado Novo e a Segunda Guerra Mundial.
(Clenir Bellizi de Oliveira In: Arte literária Brasileira)
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SÍNTESE DA SEGUNDA GERAÇÃO
A) A ascensão e queda dos coronéis: Banguê e Fogo morto, de
José Lins do Rego; Terras do sem fim e São Jorge dos Ilhéus, de
Jorge Amado; e O tempo e o vento, de Érico Veríssimo. Esses
relatos oscilam entre a saga (exaltação com traços épicos) e a
crítica mais contundente, seja a ideológica (Jorge Amado), ou
ética (Érico Veríssimo). No caso especifico de José Lins do
Rego, predomina um tom nostálgico e melancólico diante das
ruínas dos engenhos.
Romances de
temática agrária
B) Os dramas dos trabalhadores rurais: Seara vermelha, de Jorge
Amado, e Vidas secas, de Graciliano Ramos. Ambos
correspondem a uma impugnação da realidade latifundiária
nordestina.
C) O confronto entre o Brasil rural e o Brasil urbano, visível no
choque entre Paulo Honório e Madalena, em São Bernardo, de
Graciliano Ramos. A obra sintetiza o descompasso entre a
mentalidade patriarcal-latifundiária e a urbana modernizada.
Também de Graciliano Ramos, Angústia revela a solidão e a
destruição de Luís da Silva, descendente da oligarquia, na teia
complexa das relações citadinas.
Por outro lado, tanto em A bagaceira, de José Américo de Almeida,
romance inaugural do ciclo de 1930, quanto em O quinze, de Rachel
de Queiroz, as personagens principais, Lúcio e Conceição - embora
filhos das velhas elites agrárias foram modernizadas pela
escolarização na cidade. Por isso, acabam questionando o horror da
seca, da miséria e o atraso do latifúndio.
Romances de
temática urbana
A urbanização ininterrupta do país levou os narradores a olharem
para a nova realidade que se constituía, fosse sob o prisma da
denúncia (Jorge Amado, Amando Fontes), da adesão crítica (Érico
Veríssimo) ou de uma tristeza impotente (Cyro dos Anjos). Os
núcleos temáticos abordados foram:
A) As camadas populares, trabalhadores e marginais: Jubiabá,
Capitães da Areia e Mar Morto, de Jorge Amado; Os Corumbás e
Rua do Siriri, de Aman do Fontes.
B) Os setores médios (pequena burguesia): A tragédia burguesa,
de Otávio de Faria, Os ratos, de Dyonélio Machado, e toda a
primeira fase de Érico Veríssimo, o chamado ciclo de Clarissa.
Questões de Sala
01. Alguns dias antes estava sossegado, preparando látegos, consertando cercas. De repente, um
risco no céu, outros riscos, milhares de riscos juntos, nuvens, o medonho rumor de asas a anunciar
destruição. Ele já andava meio desconfiado vendo as fontes minguarem. E olhava com desgosto a
brancura das manhãs longas e a vermelhidão sinistra das tardes.
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O crítico Álvaro Lins, referindo-se a “Vidas Secas”, obra de Graciliano Ramos, da qual se extraiu o
trecho anterior, afirma que, além de ser o mais humano e comovente dos livros do autor, é “o que
contém maior sentimento da terra nordestina, daquela parte que é áspera, dura e cruel, sem deixar
de ser amada pelos que a ela estão ligados teluricamente”. Por outro lado, merece destaque,
dentre os elementos constitutivos dessa obra, a paisagem, a linguagem e o problema social.
Assim, a respeito da linguagem de “Vidas Secas”, é correto afirmar-se que:
a) Apresenta um estilo seco, conciso e sem sentimentalismo, o que retira da obra a força poética e
impede a presença de características estéticas.
b) Caracteriza-se por vocabulário erudito e próprio dos meios urbanos, marcado por estilo
rebuscado e grandiloquente.
c) Revela um estilo seco, de frase contida, clara e correta, reduzida ao essencial e com vocabulário
meticulosamente escolhido.
d) Apresenta grande poder descritivo e capacidade de visualização, mas apoia-se em sintaxe
marcada por períodos longos e de estrutura subordinativa, o que prejudica sua compreensão.
e) Marca-se por estilo frouxo e sintaxe desconexa, à semelhança da própria estrutura da novela
que se constrói de capítulos soltos e ordenação circular.
02. No dia seguinte, Fabiano voltou à cidade, mas ao fechar o negócio notou que as operações de
Sinhá Vitória, como de costume, diferiam das do patrão. Reclamou e obteve a explicação habitual:
a diferença era proveniente de juros.
Não se conformou: devia haver engano. Ele era bruto, sim senhor, via-se perfeitamente que era
bruto, mas a mulher tinha miolo. Com certeza havia um erro no papel do branco. Não se descobriu
o erro, e Fabiano perdeu os estribos. Passar a vida inteira assim no toco, entregando o que era
dele de mão beijada! Estava direito aquilo? Trabalhar como negro e nunca arranjar carta de alforria!
(Graciliano Ramos, Vidas secas)
Nesse trecho do capítulo “Contas”, de “Vidas secas”, Fabiano se mostra:
a) surpreendentemente revoltado, pois em nenhuma outra passagem da novela há nele desejo de
reagir contra quem o oprime.
b) francamente indignado, mas, na sequência, mais uma vez não encontrará palavras e forças
para enfrentar quem o oprime.
c) perturbado e indeciso entre os cálculos dos juros feitos pelo patrão e aqueles feitos pela mulher.
d) como alguém que se sente um bicho, para quem toda violência humana é equivalente às
violências da natureza.
e) irritado e desconfiado, mas, na sequência, terá certeza da trapaça e acabará por se impor
diante do patrão.
03. A velha Sinhá não sabia mesmo o que se passava como seu marido. Fora ele sempre de muito
gênio, de palavras duras, de poucos agrados. Agora, porém, mudara de maneira esquisita. Via-o
vociferar, crescer a voz para tudo, até para os bichos, até para as árvores. Não podia ser velhice, a
idade abrandava o coração dos homens. Pobre da Marta que o pai não podia ver que não viesse
com palavras de magoar até as pedras. Por ela não, que era um resto de gente só esperando a
morte. Mas não podia se conformar com a sorte de sua filha. O que teria ela de menos que as
outras? Não era uma moça feia, não era uma moça de fazer vergonha. E no entanto nunca
apareceu rapaz algum que se engraçasse dela. Era triste, lá isso era. Desde pequena via aquela
menina quieta para um canto e pensava que aquilo fosse até vantagem. A sua comadre Adriana lhe
chamava a atenção:
— Comadre, esta menina precisa ter mais vida.
Não fazia questão. Moça era para viver dentro de casa, dar-se a respeito. E Marta foi crescendo e
não mudou de gênio. Botara na escola do Pilar, aprendeu a ler, tinha um bom talhe de letra, sabia
fazer o seu bordado, tirar o seu molde, coser um vestido. E não havia rapaz que parasse para
puxar uma conversa. Havia moças mais feias, mais sem jeito, casadas desde que se puseram em
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ponto de casamento. Estava com mais de trinta anos e agora aparecera-lhe aquele nervoso, uma
vontade desesperada de chorar que lhe metia medo. Coitada da filha. E depois ainda por cima o pai
nem podia olhar para ela. Vinha com gritos, com despropósitos, com implicâncias. O que sucederia
à sua filha, por que Deus não lhe dera uma sina mais branda?, pensava assim a velha Sinhá
enquanto na tenda o mestre José Amaro batia sola. Aquele ofício era doentio.
(José Lins do Rego, Fogo morto.)
“Fogo morto”, de José Lins do Rego, é um romance característico:
a) do regionalismo romântico do século XIX, como se comprova pela descrição da personagem
idealizada pelo sofrimento exagerado.
b) da ficção dos anos 30 e 40 do século XX, em que a observação do meio social não reduz o
alcance da análise dos conflitos humanos.
c) da experimentação dos anos 20 do século XX, uma vez que o autor critica os valores da família
burguesa e sua inadequação aos padrões culturais.
d) do regionalismo realista-naturalista de finais do século XIX, pois o comportamento das
personagens é deter- minado pelo meio natural.
e) da prosa de vanguarda dos anos 60 do século XX.
04. Inimigo da riqueza e do trabalho, amigo das festas, da música, do corpo das cabrochas. Malandro.
Armador de fuzuês. Jogador de capoeira navalhista, ladrão quando se fizer preciso.
Jorge Amado, Capitães da Areia
O tipo cujo perfil se traça, em linhas gerais, neste excerto, aparece em Capitães da areia e em
outros romances da literatura brasileira. Essa recorrência indica que:
a) certas estruturas e tipos sociais, originários do período colonial, foram repostos durante muito
tempo, nos processos de transformação da sociedade brasileira;
b) o atraso relativo das regiões Norte e Nordeste atraiu para elas a migração de tipos sociais que o
progresso expulsara do Sul/Sudeste;
c) os romancistas brasileiros, embora críticos da sociedade, militaram com patriotismo na defesa
de nossas personagens mais típicas e mais queridas;
d) certas ideologias exóticas influenciaram negativamente os romancistas brasileiros, fazendo-os
representar, em suas obras, tipos sociais já extintos quando elas foram escritas;
e) a criança abandonada, personagem central do livro em questão, torna-se, na idade adulta, um
elemento nocivo à sociedade dos homens de bem.
05. UNIRIO – 2008 TEXTO
Gabriela, cravo e canela
Só Gabriela parecia não sentir a caminhada, seus pés como que deslizando pela picada muitas
vezes aberta na hora a golpes de facão, na mata virgem. Como se não existissem as pedras, os
tocos, os cipós emaranhados. A poeira dos caminhos da caatinga a cobria tão por completo que era
impossível distinguir seus traços. Nos cabelos já não penetrava o pedaço de pente, tanto pó se
acumulara. Parecia uma demente perdida nos caminhos. Mas Clemente sabia como ela era
deveras e o sabia em cada partícula de seu ser, na ponta dos dedos e na pele do peito. Quando os
dois grupos se encontraram no começo da viagem, a cor do rosto de Gabriela e de suas pernas era
ainda visível e os cabelos rolavam sobre o cangote, espalhando perfume. Ainda agora, através da
sujeira a envolvê-la, ele a enxergava como a vira no primeiro dia, encostada numa árvore, o corpo
esguio, o rosto sorridente, mordendo uma goiaba.
— Tu parece que nem veio de longe ... Ela riu:
— A gente tá chegando. Tá pertinho. Tão bom chegar. Ele fechou ainda mais o rosto sombrio:
— Num acho não.
— E por que tu não acha? — levantou para o rosto severo do homem seus olhos ora tímidos e
cândidos, ora insolentes e provocadores. — Tu não saiu para vir trabalhar no cacau, ganhar
dinheiro? Tu não fala noutra coisa.
— Tu sabe por quê — resmungou ele com raiva. — Pra mim esse caminho podia durar a vida
toda. Num me importava ...
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No riso dela havia certa mágoa, não chegava a ser tristeza, como se estivesse conformada
com o destino:
— Tudo que é bom, tudo que é ruim também termina por acabar.
Uma raiva subia dentro dele, impotente. Mais uma vez controlando a voz, repetiu a pergunta
que lhe vinha fazendo pelo caminho e nas noites insones:
— Tu não quer mesmo ir comigo pras matas? Botar uma roça, plantar cacau junto nós dois?
Com pouco tempo a gente vai ter roçado seu, começar a vida.
A voz de Gabriela era cariciosa mas definitiva:
— Já te disse minha tenção. Vou ficar na cidade, não quero mais viver no mato. Vou me
contratar de cozinheira, de lavadeira ou pra arrumar casa dos outros ...
Acrescentou numa lembrança alegre:— Já andei de empregada em casa de gente rica, aprendi
cozinhar.
— Aí tu não vai progredir. Na roça, comigo, a gente ia fazendo seu pé-de-meia, ia tirando pra
frente ...
Ela não respondeu. Ia pelo caminho quase saltitante. Parecia uma demente com aquele cabelo
desmazelado, envolta em sujeira, os pés feridos, trapos rotos sobre o corpo. Mas Clemente a via
esguia e formosa, a cabeleira solta e o rosto fino, as pernas altas e o busto levantado. Fechou
ainda mais o rosto, queria tê-la com ele para sempre. Como viver sem o calor de Gabriela?
AMADO, Jorge. Gabriela, cravo e canela.
São Paulo: Martins, s.d. pág. 82-3.
No trecho Só Gabriela parecia não sentir a caminhada, seus pés como que deslizando pela
picada muitas vezes aberta a golpes de facão..., a ação de Gabriela é descrita de forma
atenuada nas expressões:
a)
b)
c)
d)
e)
“não sentir” / “deslizando”
“a caminhada”/ “seus pés”
“pela picada”/ “aberta a golpes de facão”
“parecia” / “deslizando”
“muitas vezes”/ “aberta”
06. Érico Veríssimo relata, em suas memórias, um episódio da adolescência que teve influência
significativa em sua carreira de escritor.
Lembro-me de que certa noite – eu teria uns quatorze anos, quando muito – encarregaram-me
de segurar uma lâmpada elétrica à cabeceira da mesa de operações, enquanto um médico fazia os
primeiros curativos num pobre-diabo que soldados da Polícia Municipal haviam “carneado”. (...)
Apesar do horror e da náusea, continuei firme onde estava, talvez pensando assim: se esse
caboclo pode aguentar tudo isso sem gemer, por que não hei de poder ficar segurando esta
lâmpada para ajudar o doutor a costurar esses talhos e salvar essa vida? (...)
Desde que, adulto, comecei a escrever romances, tem-me animado até hoje a ideia de que o
menos que o escritor pode fazer, numa época de atrocidades e injustiças como a nossa, é acender
a sua lâmpada, fazer luz sobre a realidade de seu mundo, evitando que sobre ele caia a escuridão,
propícia aos ladrões, aos assassinos e aos tiranos. Sim, segurar a lâmpada, a despeito da náusea
e do horror. Se não tivermos uma lâmpada elétrica, acendamos o nosso toco de vela ou, em último
caso, risquemos fósforos repetidamente, como um sinal de que não desertamos nosso posto.
(VERÍSSIMO, Érico. Solo de Clarineta. Tomo I. Porto Alegre: Editora Globo, 1978.)
Neste texto, por meio da metáfora da lâmpada que ilumina a escuridão, Érico Veríssimo define
como uma das funções do escritor e, por extensão, da literatura,
a)
b)
c)
d)
e)
criar a fantasia.
permitir o sonho.
denunciar o real.
criar o belo.
fugir da náusea.
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Módulo I
VILAS
GABARITO
EXERCÍCIOS DE SALA
01. C
02. B
03. B
04. A
05. A
06. C
Questões para Casa
01. O texto a seguir foi retirado da obra de Graciliano Ramos, Vidas Secas. Esse romance completou,
em agosto de 2008, 70 anos de sua primeira publicação. É narrado em 3a pessoa (ao contrário das
obras anteriores de Graciliano) e pertence a um gênero intermediário entre romance e livro de
contos.
Fabiano, uma coisa da fazenda, um triste, seria despedido quando menos esperasse. Ao ser
contratado, recebera o cavalo de fábrica, peneiras, gibão, guarda-peito e sapatões de couro, mas
ao sair largaria tudo ao vaqueiro que o substituísse.
Sinhá Vitória desejava possuir uma cama igual à de seu Tomás da bolandeira. Doidice.
Não dizia nada para não contrariá-la, mas sabia que era doidice. Cambembes podiam ter luxo?
E estavam ali de passagem.
Qualquer dia o patrão os botaria fora, e eles ganhariam o mundo, sem rumo, nem teria meio de
conduzir os cacarecos. Viviam de trouxa amarrada, dormiriam bem debaixo de um pau.
Olhou a caatinga amarela, que o poente avermelhava.
Se a seca chegasse, não ficaria planta verde. Arrepiou-se. Chegaria, naturalmente. Sempre
tinha sido assim, desde que ele se entendera.
E antes de se entender, antes de nascer, sucedera o mesmo – anos bons, misturados com
anos ruins. A desgraça estava em caminho, talvez andasse perto. Nem valia a pena trabalhar. Ele
marchando para casa, trepando a ladeira, espalhando seixos com as alpercatas – ela se
avizinhando a galope, com vontade de matá-lo.
(Vidas Secas - Graciliano Ramos)
Pode-se dizer que no primeiro parágrafo do texto o autor procurar expressar:
a)
b)
c)
d)
e)
a fazenda como lugar de produção agrícola.
a boa relação entre patrão e empregado nos grandes latifúndios.
a tristeza e melancolia da vida rural.
a condição de insegurança do trabalhador rural, sem qualquer estabilidade.
a necessidade de apetrechos especiais para o trabalho rural.
02. Fui devidamente matriculado no ginásio episcopal por minha mãe, que pagou a matrícula com o
seu dinheiro. Andei macambúzio naqueles meses de princípios de 1920. Doía-me a ideia de ter de
passar nove meses inteiros longe de minha gente e de minha casa. Um novo capítulo na minha
vida estava por começar.
Nunca minha terra natal me pareceu mais suave e bela que naquele verão do primeiro ano da
década de 20. Eu saía em passeios de despedida pelas ruas da cidade, em casa olhava com uma
ternura particular para a ameixeira-do-japão, que tanta coisa parecia dizer-me em seu silêncio.
O meu “drama” era consideravelmente agravado por um fato sentimental da maior relevância. Eu
estava então seriamente enamorado duma menina pouco mais moça que eu e que correspondia ao
meu afeto. Chamava-se Vânia, tinha nas veias sangue italiano, um rosto redondo e corado e uma
vivacidade que frequentemente embaraçava o Tibicuera de D. Bega.
Chegou o dia da partida. Despedi-me de Vânia na véspera, com um simples aperto de mão.
Combinamos a melhor maneira de manter uma correspondência secreta durante minha ausência.
Juramo-nos amor eterno.
VERÍSSIMO, Érico. Solo de clarineta. 5ª ed. Porto Alegre,
Globo, 1974. P. 122-3
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Módulo I
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A partir da leitura do texto, é correto afirmar que:
a)
b)
c)
d)
e)
o texto é narrado em terceira pessoa.
a predominância do tempo verbal marca a terceira pessoa.
o texto mostra um emissor centrado em pronomes de terceira pessoa.
o narrador não exterioriza suas opiniões ou sentimentos, mas apenas relembra fatos antigos.
o texto mostra um emissor centrado em si mesmo, daí a predominância da primeira pessoa.
03. [Sem-Pernas] queria alegria, uma mão que o acarinhas-se, alguém que com muito amor o fizesse
esquecer o defeito físico e os muitos anos (talvez tivessem sido apenas meses ou semanas, mas
para ele seriam sempre longos anos) que vivera sozinho nas ruas da cidade, hostilizado pelos
homens que passavam, empurrado pelos guardas, surrado pelos moleques maiores. Nunca tivera
família. Vivera na casa de um padeiro a quem chamava “meu padrinho” e que o surrava. Fugiu logo
que pôde compreender que a fuga o libertaria. Sofreu fome, um dia levaram-no preso. Ele quer um
carinho, u’a mão que passe sobre os seus olhos e faça com que ele possa se esquecer daquela
noite na cadeia, quando os soldados bêbados o fizeram correr com sua perna coxa em volta de
uma saleta. Em cada canto estava um com uma borracha comprida. As marcas que ficaram nas
suas costas desapareceram. Mas de dentro dele nunca desapareceu a dor daquela hora. Corria na
saleta como um animal perseguido por outros mais fortes. A perna coxa se recusava a ajudá-lo. E a
borracha zunia nas suas costas quando o cansaço o fazia parar.
A princípio chorou muito, depois, não sabe como, as lágrimas secaram. Certa hora não resistiu
mais, abateu-se no chão. Sangrava.
Ainda hoje ouve como os soldados riam e como riu aquele homem de colete cinzento que fumava
um charuto.
(Jorge Amado. Capitães da areia.)
O emprego da figura de linguagem conhecida como “prosopopeia” (ou “personificação”) põe mais
em evidência a principal razão pela qual Sem-Pernas é estigmatizado. O trecho que contém essa
figura é:
a)
b)
c)
d)
e)
A perna coxa se recusava a ajudá-lo.
Em cada canto estava um com uma borracha comprida.
(...) depois, não sabe como, as lágrimas secaram.
E a borracha zunia nas suas costas (...)
Mas de dentro dele nunca desapareceu a dor daquela hora.
04. Quando vou a São Paulo, ando na rua ou vou ao mercado, apuro o ouvido; não espero só o
sotaque geral dos nordestinos, onipresentes, mas para conferir a pronúncia de cada um; os
paulistas pensam que todo nordestino fala igual; contudo as variações são mais numerosas que as
notas de uma escala musical. Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí têm no
falar de seus nativos muito mais variantes do que se imagina. E a gente se goza uns dos outros,
imita o vizinho, e todo mundo ri, porque parece impossível que um praiano de beira-mar não
chegue sequer perto de um sertanejo de Quixeramobim. O pessoal do Cariri, então, até se orgulha do falar deles. Têm uns tês doces, quase um the; já nós, ásperos sertanejos, fazemos um duro
au ou eu de todos os terminais em al ou el-carnavau, Raqueu... Já os paraibanos trocam o l pelo r.
José Américo só me chamava, afetuosamente, de Raquer.
(Queiroz, R. O Estado de São Paulo. 09 maio 1998
– fragmento adaptado).
Raquel de Queiroz comenta, em seu texto, um tipo de variação linguística que se percebe no falar
de pessoas de diferentes regiões. As características regionais exploradas no texto manifestam-se:
a)
b)
c)
d)
e)
na fonologia.
no uso do léxico.
no grau de formalidade.
na organização sintática.
na estruturação morfológica.
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Módulo I
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05. A par do contraste entre casa-grande e senzala, comum a todas as regiões dependentes do
trabalho escravo, a zona açucareira do Nordeste viveu também o contraste entre:
a) os monarquistas escravocratas e os republicanos abolicionistas, tal como se desenvolve em “O
Quinze”.
b) a força do coronelismo conservador e a dos políticos modernos e arrojados, tal como se narra
em “São Bernardo”.
c) a cultura do homem do litoral, mais aberta, e a do homem do sertão, mais conservadora, tal
como surge em “Menino de engenho”.
d) o mandonismo dos grandes fazendeiros e a ação dos grupos de jagunços, tal como se narra em
“Grande sertão: veredas”.
e) o modo de produção arcaico do engenho e o mais moderno da usina, tal como se narra em
“Fogo morto”.
06. Na planície avermelhada os juazeiros alargavam duas manchas verdes. Os infelizes tinham
caminhado o dia inteiro, estavam cansados e famintos. Ordinariamente andavam pouco, mas como
haviam repousado bastante na areia do rio seco, a viagem progredira bem três léguas. Fazia horas
que procuravam uma sombra. A folhagem dos juazeiros apareceu longe, através dos galhos
pelados da caatinga rala.
Arrastaram-se para lá, devagar, sinhá Vitória com o filho mais novo escanchado no quarto e o baú
de folha na cabeça, Fabiano sombrio, cambaio, o aió a tiracolo, a cuia pendurada numa correia
presa ao cinturão, a espingarda de pederneira no ombro. O menino mais velho e a cachorra Baleia
iam atrás.
Tendo como base o trecho em questão, é correto afirmar que a viagem de Fabiano, Sinhá Vitória,
os filhos e a cachorra Baleia caracteriza-se:
a)
b)
c)
d)
e)
pelo desânimo, pela aflição e pela imprudência.
pelo sentimentalismo exacerbado e impactante.
pelo otimismo, apesar da fome e da frustração.
pela desventura, pelo infortúnio e pela privação.
pela tragédia, pelo realismo e pelo esforço compensado.
07. TEXTO I
Agora Fabiano conseguia arranjar as ideias. O que o segurava era a família. Vivia preso como um
novilho amarrado ao mourão, suportando ferro quente. Se não fosse isso, um soldado amarelo não
lhe pisava o pé não. (...) Tinha aqueles cambões pendurados ao pescoço. Deveria continuar a
arrastá-los? Sinha Vitória dormia mal na cama de varas. Os meninos eram uns brutos, como o pai.
Quando crescessem, guardariam as reses de um patrão invisível, seriam pisados, maltratados,
machucados por um soldado amarelo.
Graciliano Ramos. Vidas Secas. São Paulo: Martins, 23ª ed., 1969, p. 75.
TEXTO II
Para Graciliano, o roceiro pobre é um outro, enigmático, impermeável. Não há solução fácil para
uma tentativa de incorporação dessa figura no campo da ficção. É lidando com o impasse, ao invés
de fáceis soluções, que Graciliano vai criar Vidas Secas, elaborando uma linguagem, uma estrutura
romanesca, uma constituição de narrador em que narrador e criaturas se tocam, mas não se
identificam. Em grande medida, o debate acontece porque, para a intelectualidade brasileira
naquele momento, o pobre, a despeito de aparecer idealizado em certos aspectos, ainda é visto
como um ser humano de segunda categoria, simples demais, incapaz de ter pensamentos
demasiadamente complexos. O que “Vidas Secas” faz é, com pretenso não envolvimento da voz
que controla a narrativa, dar conta de uma riqueza humana de que essas pessoas seriam
plenamente capazes.
Luís Bueno. Guimarães, Clarice e antes.
In: Teresa. São Paulo: USP, nº 2, 2001, p. 254
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Módulo I
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No texto II, verifica-se que o autor utiliza:
a) linguagem predominantemente formal, para problematizar, na composição de “Vidas Secas”, a
relação entre o escritor e o personagem popular.
b) linguagem inovadora, visto que, sem abandonar a linguagem formal, dirige-se diretamente ao
leitor.
c) linguagem coloquial, para narrar coerentemente uma história que apresenta o roceiro pobre de
forma pitoresca.
d) linguagem formal com recursos retóricos próprios do texto literário em prosa, para analisar
determinado momento da literatura brasileira.
e) linguagem regionalista, para transmitir informações sobre literatura, valendo-se de coloquialismo,
para facilitar o entendimento do texto.
08. A velha Totonha de quando em vez batia no engenho. E era um acontecimento para a meninada...
Que talento ela possuía para contar as suas histórias, com um jeito admirável de falar em nome de
todos os personagens, sem nenhum dente na boca, e com uma voz que dava todos os tons às
palavras!
Havia sempre rei e rainha, nos seus contos, e forca e adivinhações. E muito da vida, com as suas
maldades e as suas grandezas, a gente encontrava naqueles heróis e naqueles intrigantes, que
eram sempre castigados com mortes horríveis! O que fazia a velha Totonha mais curiosa era a cor
local que ela punha nos seus descritivos. Quando ela queria pintar um reino era como se estivesse
falando dum engenho fabuloso. Os rios e florestas por onde andavam os seus personagens se
pareciam muito com a Paraíba e a Mata do Rolo. O seu Barba-Azul era um senhor de engenho de
Pernambuco.
José Lins do Rego. Menino de Engenho. Rio de Janeiro: José Olympio, 1980, p. 49-51 (com adaptações)
Na construção da personagem “velha Totonha”, é possível identificar traços que revelam marcas do
processo de colonização e de civilização do país. Considerando o texto, infere-se que a velha
Totonha:
a) tira o seu sustento da produção da literatura, apesar de suas condições de vida e de trabalho,
que denotam que ela enfrenta situação econômica muito adversa.
b) compõe, em suas histórias, narrativas épicas e realistas da história do país colonizado, livres da
influência de temas e modelos não representativos da realidade nacional.
c) retrata, na constituição do espaço dos contos, a civilização urbana europeia em concomitância
com a representação literária de engenhos, rios e florestas do Brasil.
d) aproxima-se, ao incluir elementos fabulosos nos contos, do próprio romancista, o qual pretende
retratar a realidade brasileira de forma tão grandiosa quanto a europeia.
e) imprime marcas da realidade local a suas narrativas, que têm como modelo e origem as fontes
da literatura e da cultura europeia universalizada.
09. ENEM
TEXTO I
Logo depois transferiram para o trapiche o depósito dos objetos que o trabalho do dia lhes
proporcionava.
Estranhas coisas entraram então para o trapiche. Não mais estranhas, porém, que aqueles
meninos, moleques de todas as cores e de idades as mais variadas, desde os nove aos dezesseis
anos, que à noite se estendiam pelo assoalho e por debaixo da ponte e dormiam, indiferentes ao
vento que circundava o casarão uivando, indiferentes à chuva que muitas vezes os lavava, mas
com os olhos puxados para as luzes dos navios, com os ouvidos presos às canções que vinham
das embarcações...
AMADO, J. Capitães da Areia. São Paulo: Companhia das Letras, 2008 (fragmento).
TEXTO II
À margem esquerda do rio Belém, nos fundos do mercado de peixe, ergue-se o velho ingazeiro –
ali os bêbados são felizes. Curitiba os considera animais sagrados, provê as suas necessidades de
cachaça e pirão. No trivial contentavam-se com as sobras do mercado.
TREVISAN, D.35 noites de paixão: contos escolhidos.
Rio de Janeiro: BestBolso, 2009 (fragmento).
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Módulo I
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Sob diferentes perspectivas, os fragmentos citados são exemplos de uma abordagem literária
recorrente na literatura brasileira do século XX. Em ambos os textos:
a)
b)
c)
d)
e)
a linguagem afetiva aproxima os narradores dos personagens marginalizados.
a ironia marca o distanciamento dos narradores em relação aos personagens.
o detalhamento do cotidiano dos personagens revela a sua origem social.
o espaço onde vivem os personagens é uma das marcas de sua exclusão.
a crítica à indiferença da sociedade pelos marginalizados é direta.
GABARITO
EXERCÍCIOS DE SALA
01. D
02. E
03. A
04. A
05. E
06. D
07. A
08. E
09. D
Questões Complementares
QUESTÕES 01 E 02
05
10
15
20
25
30
João de Adão continuou:
— No dia que tu quiser tu tem lugar aqui nas docas. A gente tem um lugar guardado pra tu.
— Por quê? — perguntou Boa-Vida, já que Pedro olhava apenas espantado.
— Porque o pai dele era Raimundo e morreu foi aqui mesmo lutando pela gente, pelo direito
da gente. Era um homem e tanto. Valia dez destes que a gente encontra por aí.
— Meu pai? — fez Pedro Bala, que daquelas histórias só conhecia vagos rumores.
— Teu pai, era. A gente chamava ele de Loiro. Quando foi da greve fazia discurso pra
gente, nem parecia um estivador. Foi pegado por uma bala. Mas tem lugar pra tu nas docas.
Pedro Bala riscava o asfalto com um graveto. Olhou João de Adão.
— Por que tu nunca me contou isso?
— Tu era pequeno para entender. Agora tu tá ficando um homem — e riu com satisfação.
Pedro Bala riu também. Estava contente de saber a história de seu pai, porque ele tinha sido
homem valente.
....................................................................................................................................................
Pedro sorriu. Era outro que ia. Não seriam meninos toda vida... Bem sabia que eles nunca
tinham parecido crianças. Desde pequenos, na arriscada vida da rua, os Capitães da Areia eram
como homens, eram iguais a homens. Toda a diferença estava no tamanho. No mais eram
iguais: o amavam e derrubavam negras no areal desde cedo, furtavam para viver como os
ladrões da cidade. Quando eram presos apanhavam surras como os homens. Por vezes
assaltavam de armas na mão como os homens. Por vezes assaltavam de armas na mão como
os mais temidos bandidos da Bahia... Não tinham também conversas de meninos, conversavam
como homens. (...)
Só Pedro Bala não sabe o que fazer. Dentro em pouco será mais que um rapazola, será um
homem e terá que deixar para outro a chefia dos Capitães da Areia. Para onde irá? Não poderá
ser um intelectual como Professor, cujas mãos só viviam para pintar, não nasceu para malandro,
como Boa-Vida, que não sente o espetáculo da luta diária dos homens, que só ama andar
vagabundando pelas ruas, conversar acocorado nas docas, beber nas festas de morro. Pedro
sente o espetáculo dos homens, acha que aquela liberdade não é suficiente para a sede de
liberdade que tem dentro de si. Tampouco sente o chamado de Deus, como Pirulito o sentiu.
Para ele as pregações do padre José Pedro nunca disseram nada. Gostava do padre como de
um homem bom. Só as palavras de João de Adão encontravam acolhida no seu coração.
Mas João de Adão mesmo sabe muito pouco. O que tem é músculos potentes e voz
autoritária, e no entanto amiga, para chefiar uma greve. Tampouco Pedro Bala quer como Gato
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enganar os coronéis de Ilhéus, arrancar o dinheiro deles. Quer qualquer coisa que não sabe
ainda o que é, e por isso se demora entre os Capitães da Areia.
01. Da leitura do romance Capitães da Areia, especialmente do texto apresentado, depreende-se:
(01) A inclinação natural para o delito iguala os Capitães da Areia aos demais bandidos que
assustam a cidade.
(02) A relação conflitiva entre as crianças e o meio social resulta na perda da sensibilidade que as
caracteriza, gerando violência.
(03) O ideal de impor sua individualidade leva os meninos a se insurgirem contra as leis e a moral
do grupo, marginalizando-se.
(04) A trajetória tumultuada dos Capitães da Areia tem origem nos dramas pessoais dos meninos e
na hostilidade da convivência social, adversa a seus anseios.
(05) A reflexão de Pedro Bala, na iminência de deixar o grupo, revela uma tendência pessoal para
priorizar as questões coletivas, em detrimento de seus próprios interesses.
(06) A ideia que Pedro Bala tem sobre liberdade desvia-o da lição deixada por seu pai, que morreu
em defesa desse ideal.
(07) A necessidade de lutar pela sobrevivência explica a precocidade que identifica a maneira de
ser, de pensar e de agir dos Capitães da Areia.
02. Assinale a proposição ou proposições que evidenciam características presentes no texto.
(01) Linguagem reveladora da condição sócio cultural da personagem.
(02) Linguagem semanticamente próxima da realidade objetiva.
(03) Estrutura em forma de monólogo.
(04) Presença de um realismo voltado para uma problemática social.
(05) Pontuação em desacordo com os padrões convencionais.
(06) Predomínio de frases construídas segundo o processo sintático de coordenação.
(07) Narrativa construída predominantemente com períodos curtos de acordo com o dinamismo do
texto.
QUESTÕES 03 E 04
A vida do Morro do Capa-Negro era difícil e dura. Aqueles homens todos trabalhavam muito, alguns
no cais, carregando e descarregando navios, ou conduzindo malas de viajantes, outros em fábricas
distantes e em ofícios pobres: sapateiro, alfaiate, barbeiro. Negras vendiam arroz-doce, mungunzá,
sarapatel, acarajé, nas ruas tortuosas da cidade, negras lavavam roupas, negras eram cozinheiras em
casas ricas dos bairros chiques. Muitos dos garotos trabalhavam também. Eram engraxates, levavam
recados, vendiam jornais. Alguns iam para casas bonitas e eram crias de famílias de dinheiro. Os mais
se estendiam pelas ladeiras do morro em brigas, correrias, brincadeiras. Esses eram os mais novinhos.
Já sabiam do seu destino desde cedo: cresceriam e iriam para o cais onde ficavam curvos sob o peso
dos sacos cheios de cacau, ou ganhariam a vida nas fábricas enormes. E não se revoltavam porque
desde há muitos anos vinha sendo assim; os meninos das ruas bonitas e arborizadas iam ser médicos,
advogados, engenheiros, comerciantes, homens ricos. E eles iam ser criados destes homens. Para isto
é que existia o morro e os moradores do morro. Coisa que o negrinho Antônio Balduíno aprendeu desde
cedo no exemplo diário dos maiores. Como nas casas ricas tinha a tradição do tio, pai ou avô,
engenheiro célebre, discursador de sucesso, político sagaz, no morro onde morava tanto negro, tanto
mulato, havia a tradição da escravidão ao senhor branco e rico. E essa era a única tradição. Porque a
da liberdade nas florestas da África já a haviam esquecido e raros a recordavam, e esses raros eram
exterminados ou perseguidos. No morro só Jubiabá a conservava, mas isto Antônio Balduíno ainda não
sabia. Raros eram os homens livres do morro: Jubiabá, Zé Camarão. Mas ambos eram perseguidos: um
por ser macumbeiro, outro por malandragem. Antônio Balduíno aprendeu muito nas histórias heróicas
que contavam ao povo do morro e esqueceu a tradição de servir. Resolveu ser do número dos livres,
dos que depois teriam ABC e modinhas e serviriam de exemplo aos homens negros, brancos e mulatos,
que se escravizavam sem remédio. Foi no Morro do Capa-Negro que Antônio Balduíno resolveu lutar.
Tudo que fez, depois foi devido às histórias que ouviu nas noites de lua na porta de sua tia. Aquelas histórias, aquelas cantigas tinham sido feitas para mostrar aos homens o exemplo dos que se revoltavam.
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VILAS
Mas os homens não compreendiam ou já estavam muito escravizados. Porém alguns ouviam e
entendiam. Antônio Balduíno foi destes que entenderam.
(Amado, Jorge. Jubiabá. Livraria Martins Editora. p. 26-27)
03. O texto em destaque evidencia, através do narrador, um autor:
(01) desejoso de manter-se distanciado do drama dos personagens.
(02) crítico, que vê a literatura como arte engajada, política.
(03) que vê equivalência entre a imagem do mundo construída pela narrativa de ficção e o seu
referente – o mundo real.
(04) isento de crítica social, embora cheio de compaixão pelos menos favorecidos.
(05) da mesma classe social dos personagens sobre os quais escreve.
(06) determinado a fazer o leitor consciente da realidade social dos menos favorecidos.
04. A obra de Jorge Amado, em sua fase inicial, aborda o problema da:
a)
b)
c)
d)
e)
seca periódica que devasta a região da pecuária do Piauí.
decadência da aristocracia da cana-de-açúcar diante do aparecimento das usinas.
luta pela posse de terras na região cacaueira de Ilhéus.
vida nas salinas, que destrói paulatinamente os trabalhadores.
aristocracia cafeeira, que se vê à beira da falência com a crise de 29.
QUESTÕES 05 E 06
A nova linguagem
Agora muito se discute a linguagem ou, antes, a falta de linguagem dos jovens, que não falam nem
escrevem e ninguém sabe como se comunicam - queixam-se os mestres deles e os entendidos em
geral. Ora, talvez se comuniquem por grunhidos e acenos como os chipanzés, ou por um curto
vocabulário de nomes e verbos elementares, como os aborígines australianos.
A crise é ameaçadora principalmente para nós que da palavra escrita e falada tiramos nosso pão
de cada dia. Mas os meninos - eles - não se queixam. A privação ou pobreza linguística evidentemente
não os afeta nem lhes tira a alegria, nem sequer lhes dá complexo de inferioridade perante os mais
articulados.
Ou, se de alguma coisa se queixam, é de que a falação em torno já está um saco, pô!
QUEIROZ, Rachel de. In: O Estado de S. Paulo,
16 set. 2000. p. 20. Caderno 2.
05. A alternativa que evidencia uma afirmativa implícita no texto é:
a)
b)
c)
d)
e)
Os jovens estão num processo de involução no que concerne à linguagem articulada.
Os professores têm manifestado preocupação com a pobreza da linguagem dos jovens.
A linguagem dos jovens tem sido objeto de discussões ao longo da evolução do tempo.
A articulista tem mantido contato com os jovens e observado a linguagem deles.
Os comunicadores mostram-se compreensivos em relação à pobreza linguística dos jovens.
06. No texto, o termo usado em sentido conotativo é:
a)
b)
c)
d)
e)
“entendidos” (l. 02).
“grunhidos” (l. 03).
“aborígines” (l. 04).
“falação” (l. 9).
“saco” (l. 9).
07. (CONSULTEC)
Olhou os pés novamente. Pobre do louro. Na beira do rio matara-o por necessidade, para
sustento da família. Naquele momento ele estava zangado, fitava na cachorrinha as pupilas sérias
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Módulo I
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e caminhava aos tombos, como os matutos em dias de festa. Para que Fabiano fora despertar-lhe
aquela recordação?
Chegou à porta, olhou as folhas amarelas das catingueiras. Suspirou. Deus não havia de
permitir outra desgraça. Agitou a cabeça e procurou ocupações para entreter-se. Tomou a cuia
grande, encaminhou-se ao barreiro, encheu de água o caco das galinhas, endireitou o poleiro. (...)
RAMOS Graciliano. Vidas secas. 67. ed Rio de Janeiro/
São Paulo. Record. 1994. p. 43.
O neorrealismo (geração de 30) faz-se presente, no texto, através de:
01) relações sociais conflitantes.
02) uma visão determinista de homem.
03) personagens contestadores da injustiça social.
04) uma valorização da cultura popular nordestina.
05) um enfoque da realidade socioeconômica regional.
08. (UCSAL) O regionalismo que marca a literatura de Jorge Amado acabou por consagrar, por
exemplo, tipos humanos diretamente envolvidos com a economia e a política que giravam em torno
da exploração do cacau, assim como o regionalismo de:
a) José Lins do Rego se debruçou sobre os coronéis do café e a crise da economia e da política
cafeeira.
b) Graciliano Ramos atingiu seu ponto culminante na análise dos protagonistas do romance
ANGÚSTIA.
c) FOGO MORTO consagrou personagens que viveram ou testemunharam a decadência dos
engenhos de cana-de-açúcar.
d) Mário de Andrade é o centro de seu romance MACUNAÍMA, cujas personagens vivem intensas
aventuras nos sertões de Minas.
e) O TEMPO E O VENTO consagrou o tipo do imigrante alemão na colonização dos estados do
centro e do sul do país.
09. (FDC - BAIANA) A responsabilidade social do artista, já esboçada em termos programáticos em A
ESCRAVA QUE NÃO É ISAURA, pode ser encontrada também neste romance, quando o
ficcionista se apresenta como um “rapsodo”, isto é, como aquele que enfeixa as “frases” e os
“casos” com a finalidade de narrar simbolicamente a história do “herói da nossa gente”.
O trecho se refere a:
a)
b)
c)
d)
e)
Cobra norato.
O país do carnaval.
O mulato.
Os sertões.
Macunaíma.
10. Jorge Amado abre um de seus romances estampando suposta reportagem de um jornal de
Salvador e também supostas “cartas à redação”, escritas por um secretário do Chefe de Polícia, por
um Juiz de Menores, por uma costureira e por um padre. Com esse procedimento realista e
“documental”, o escritor baiano introduz um romance em cujo centro estarão:
a) os meninos que vivem sob o trapiche, nas areias da praia ou vagando nas ruas da cidade.
b) as personagens envolvidas diretamente nas agitações que marcaram o ciclo econômico do
cacau.
c) os retirantes que, chegando à cidade, acomodam-se como podem e passam a enfrentar uma
vida de piores provocações.
d) os grevistas que, explorados pela ganância do patrão, não hesitam em tudo sacrificar por seus
ideais revo- lucionários.
e) Castro Alves e outras personagens históricas, numa biografia romanceada em que o autor
homenageia o poeta abolicionista.
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11. (CONSULTEC – UNIDERP)
Nunca tivera uma família. Vivera na casa de um padeiro a quem chamava de ‘meu padrinho’, e
que o surrava. Fugiu logo que pôde compreender que a fuga o libertaria. Sofreu fome, um dia
levaram-no preso. Ele quer um carinho, uma mão que passe sobre os seus olhos e faça com que
ele possa se esquecer daquela noite na cadeia, quando os soldados bêbados o fizeram correr em
sua perna coxa em volta de uma saleta. (...)
A princípio chorou muito, depois, não sabe como, as lágrimas secaram. Certa hora não resistiu
mais, abateu-se no chão. Sangrava e ainda hoje ouve como os soldados riam e como riu aquele
homem de colete cinzento que fumava um charuto. Depois encontrou os Capitães da Areia (foi o
Professor que o trouxe, haviam feito camaradagem num banco de jardim) e ficou com eles. Não
tardou a se destacar porque sabia como nenhum afetar uma grande dor e assim conseguir enganar
senhoras cujas casas eram depois visitadas pelo grupo já ciente de todos os lugares onde havia
objetos de valor e de todos os hábitos da casa.
AMADO, Jorge. Capitães da Areia. 57 ed. Rio de Janeiro:
Record, 1983, p. 34.
O romance Capitães da Areia, de Jorge Amado, pode ser considerado como uma das obras-primas
da literatura Brasileira.
O fragmento em destaque evidencia:
a) o desrespeito dos policiais para com seus superiores, que sempre condenam atitudes
irresponsáveis e desumanas.
b) uma denúncia indireta da conduta de pessoas esclarecidas - como o “Professor” - que nem
sempre demonstram interesse em praticar uma efetiva ação social.
c) o descaso da sociedade - representada pelas “senhoras” - diante de injustiças sociais, como
aquela que sofrem os menores abandonados.
d) a astúcia dos meninos delinquentes que conseguem enganar legítimos representantes da Lei.
e) uma tentativa, por parte do autor, de justificar o comportamento dos delinquentes juvenis em
decorrência de sua condição humana.
12. (CONSULTEC - UNIDERP)
Pela tarde apareceu o Capitão Vitorino. Vinha numa burra velha, de chapéu de palha muito
alvo, com a fita verde-amarela na lapela do paletó. (...)
Vitorino apeou-se para falar do ataque ao Pilar. Não era amigo de Quinca Napoleão, achava
que aquele bicho vivia de roubar o povo, mas não aprovava o que o capitão fizera com D. Inês.
— Meu compadre, uma mulher como a D. Inês é para ser respeitada.
— E o capitão desrespeitou a velha, compadre?
— Eu não estava lá. Mas me disseram que botou o rifle em cima dela, para fazer medo, para
ver se D. Inês lhe dava a chave do cofre. Ela não deu. José Medeiros, que é homem, borrou-se
todo quando lhe entrou um cangaceiro no estabelecimento. Me disseram que o safado chorava
como bezerro desmamado. Este cachorro anda agora com fogo da força da polícia fazendo o diabo
com o povo.
REGO, José Lins do. Fogo Morto, 16, Ed. Rio de Janeiro.
José Olympio. 1976, p. 214.
Nesse trecho de Fogo Morto, as palavras do Capitão Vitorino revelam:
a)
b)
c)
d)
e)
descompromisso com a realidade que o cerca.
disilusão diante de um mundo adverso.
repúdio à violência, à covardia e à arbitrariedade.
despreocupação com a conduta moral do ser humano.
indiferença em face dos acontecimentos políticos.
13. (CONSULTEC -UNIBERP)
Madalena entrou aqui cheia de bons sentimentos e bons propósitos. Os sentimentos e os
propósitos esbarraram com a minha brutalidade e o meu egoísmo.
Creio que nem sempre fui egoísta e brutal. A profissão é que me deu qualidades tão ruins.
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E a desconfiança terrível que me aponta inimigos em toda a parte!
A desconfiança é também consequência da profissão.
Foi este modo de vida que me inutilizou. Sou um aleijado. Devo ter um coração miúdo, lacunas
no cérebro, nervos diferentes dos nervos dos outros homens. E um nariz enorme, uma boca
enorme, dedos enormes.
Se Madalena me via assim, com certeza me achava extraordinariamente feio.
Fecho os olhos, agito a cabeça para repelir a visão que me exibe essas deformidades
monstruosas. É horrível! Se aparecesse alguém... Estão todos dormindo. Se ao menos a criança
chorasse... Nem sequer tenho amizade a meu filho. Que miséria!
RAMOS, Graciliano. São Bernardo. 27 ed. Rio de Janeiro:
Record. 1997, p 170-1.
Tendo em vista o contexto da obra em sua totalidade, pode-se afirmar que, nesse fragmento, o
narrador-persona- gem revela:
a) tendência para o excesso de detalhes.
b) ansiedade em se libertar do passado.
c) tentativa de corrigir seus erros.
d) consciência de que o meio social influencia o indivíduo.
e) desejo de isolar-se do mundo que o rodeia.
14. (CONSULTEC -UNEB)
Bichos. As criaturas que me serviram durante anos eram bichos. Havia bichos domésticos,
como o Padilha, bichos do mato, como Casimiro Lopes, e muitos bichos para o serviço do campo,
bois mansos. Os currais que se escoram uns aos outros, lá embaixo, tinham lâmpadas elétricas. E
os bezerrinhos mais taludos soletravam a cartilha e aprendiam de cor os mandamentos da lei de
Deus.
........................................................................................................................................................
.
Coloquei-me acima da minha classe, creio que me elevei bastante. Como lhes disse, fui guia
de cego, vendedor de doce e trabalhador alugado. Estou convencido de que nenhum desses ofícios
me daria os recursos intelectuais necessários para engendrar esta narrativa. (...)
Além disso estou certo de que a escrituração mercantil, os manuais de agricultura e pecuária,
que forneceram a essência da minha instrução, não me tornaram melhor que o que eu era quando
arrastava a peroba. Pelo menos naquele tempo não sonhava ser o explorador feroz em que me
transformei.
Quanto às vantagens restantes – casas, terras, móveis, semoventes, consideração de
políticos, etc. - é preciso convir em que tudo está fora de mim.
RAMOS, Graciliano. São Bernardo. 46 ed.
Rio de Janeiro: Record. 1996. pp 182-3
Em relação ao texto, é correto afirmar:
01)
02)
03)
04)
A narrativa está centralizada num enfoque objetivo da realidade exterior.
A relação patrão x empregado é marcada pela justiça social.
A personagem-narradora está consciente de sua superioridade intelectual e humana.
A personagem-narrador revela-se como ser cujo crescimento humano não acompanhou o
econômico.
05) A personagem mostra-se preocupado com questões de ordem religiosa.
15. (CONSULTEC - URRN)
Não sentia a espingarda, o saco, as pedras miúdas que lhe entravam nas alpercatas, o cheiro
de carniças que espetavam o caminho. As palavras de sinhá Vitória encantavam-no. Iriam para
diante, alcançariam uma terra desconhecida. Fabiano estava contente e acreditava nessa terra,
porque não sabia como ela era nem onde era. Repetia docilmente as palavras de Sinhá Vitória, as
palavras que Sinhá Vitória murmurava porque tinha confiança nele. E andavam para o sul, metidos
naquele sonho. Uma cidade grande, cheia de pessoas fortes. Os meninos em escolas, aprendendo
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coisas difíceis e necessárias. Esses dois velhinhos acabando-se como uns cachorros, inúteis,
acabando-se como Baleia. Que iriam fazer? Retardaram-se, temerosos. Chegariam a uma terra
desconhecida e civilizada, ficariam presos nela. E o sertão continuaria a mandar gente para lá. O
sertão mandaria para a cidade homens fortes, brutos, como Fabiano, sinha Vitória e os dois
meninos.
RAMOS, Graciliano. Vidas Secas. 71. ed. Rio de Janeiro:
Record. 1996. p. 126
Em relação ao romance “Vidas Secas”, é uma caracte- rística que pode ser comprovada no
fragmento transcrito:
01)
02)
03)
04)
05)
concepção crítica de uma sociedade agrária injusta.
perspectiva de mudanças concretas na vida dos personagens.
visão fatalista da condição socioeconômica do retirante nordestino.
incapacidade do homem para avaliar criticamente a própria vida.
personagens marcados por um sentimento de apego à terra natal.
Questões 16 a 18 (RUI BARBOSA). Relacione o fragmento transcrito em cada questão às
características literárias da Geração de 30, indicadas nas proposições, identificando as que estão
presentes em cada fragmento.
(01) Consciência crítica das relações sociais.
(02) Uso de uma linguagem marcadamente regionalista.
(03) Determinismo do meio sobre o homem.
(04) Personagem envolvido pelo fatalismo.
(05) Narrativa caracterizada por um estilo seco, desprovido de sentimentalismo.
16. Além disso estou certo de que a escrituração mercantil, os manuais de agricultura e pecuária, que
forneceram a essência da minha instrução, não me tornaram melhor que o que eu era quando
arrastava a peroba. Pelo menos naquele tempo não sonhava ser o explorador feroz em que me
transformei.
Quanto às vantagens restantes - casas, terras, móveis, semoventes, consideração de políticos, etc.
- é preciso convir em que tudo está fora de mim.
Julgo que me desnorteei numa errada.
...............................................................................................................................................................
Hoje não canto nem rio. Se me vejo ao espelho, a dureza da boca e a dureza dos olhos me
descontentam.
17. Lá se tinha ficado o Josias, na sua cova à beira da estrada, com uma cruz de dois paus amarrados,
feito pelo pai.
Ficou em paz. Não tinha mais que chorar de fome, estrada afora. Não tinha mais alguns anos de
miséria à frente da vida, para cair e depois no mesmo buraco, à sombra da mesma cruz.
Cordulina, no entanto, queria-o vivo. Embora sofrendo, mas em pé, andando junto dela, chorando
de fome, brigando com os outros...
E quando reencetou a marcha pela estrada infindável, chamejante e vermelha, não cessava de
passar pelos olhos a mão trêmula:
— Pobre do meu bichinho!
Dia a dia, com as forças que iam minguando, a miséria escalavrava mais a cara sórdida, e mais
fortemente os feria com a sua garra desapiedada.
Só talvez por um milagre iam aguentando tanta fome, tanta sede, tanto sol.
O comer, era quando Deus fosse servido.
Às vezes paravam num povoado, numa vila. Chico Bento, a custo, sujeitando-se às ocupações
mais penosas, arranjava um cruzado, uma rapadura, algum litro de farinha. Mas isso de longe em
longe.
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18. Olhou a caatinga amarela, que o poente avermelhava. Se a seca chegasse, não ficaria planta
verde. Arrepiou-se. Chegaria, naturalmente. Sempre tinha sido assim, desde que ele se entendera.
E antes de se entender, antes de nascer, sucedera o mesmo - anos bons misturados com anos
ruins.
A desgraça estava em caminho, talvez andasse perto. Nem valia a pena trabalhar. Ele marchando
para casa, trepando a ladeira, espalhando com as alpercatas - ela se avizinhando a galope, com
vontade de matá-lo.
...............................................................................................................................................................
Tudo seco em redor. E o patrão era seco também, arrelia- do, exigente e ladrão, espinhoso como
um pé de mandacaru.
Questões 19 e 20. Associe o fragmento apresentado em cada questão às características relacionadas.
Em seguida, marque o número correspondente à alternativa que indica as características presentes em
cada texto considerando o seguinte código.
1)
2)
3)
4)
5)
IeV
II e IV
III e V
IV, V e VI
I, II, III e VI.
I.
II.
III.
IV.
V.
VI.
Relações humanas marcadas pela lei do mais forte.
Comportamento humano influenciado pelo determinismo biológico.
Presença de ironia.
Homem sujeito à influência do ambiente.
Concepção do homem como um ser guiado por forças circunstanciais.
Similaridade entre o comportamento humano e o instinto animal.
19. Rodeou o chiqueiro, mexendo-se como um urubu, arremedando Fabiano.
...............................................................................................................................................................
Evidentemente ele não era Fabiano. Mas se fosse?
Precisava mostrar que podia ser Fabiano.
...............................................................................................................................................................
Trepando na ribanceira, o coração aos baques, o menino mais novo esperava que o bode
chegasse ao bebedouro. Certamente aquilo era arriscado, mas parecia-lhe que ali em cima tinha
crescido e podia virar Fabiano. Sentou-se indeciso. O bode ia saltar e derrubá-lo.
...............................................................................................................................................................
Pôs-se a berrar, imitando as cabras, chamando o irmão e a cachorra. Não obtendo resultado,
indignou-se. Ia mostrar aos dois uma proeza, voltariam para casa espantados.
20. A família do Santa Fé não ia mais à missa aos domingos. A princípio correra que era doença no
velho. Depois inventaram que o carro não podia mais rodar, de podre que estava. Os cavalos não
aguentavam mais com o peso do corpo. Na casa-grande do engenho do capitão Tomás a tristeza e
o desânimo haviam tomado conta até de dona Amélia. Não tinha coragem de sair de casa com
aquela afronta, ali a dois passos, com um morador atrevido sem levar em conta as ordens do
senhor de engenho. Todos na várzea se acovardavam com as ordens do cangaceiro. O governo
mandava tropa que maltratava o povo, e a força do bandido não se abalava. (...) Todos temiam as
represálias. Lula não lhe dizia nada, mas só aquilo de não querer mais botar a cabeça de fora, de
fugir até das obrigações de sua devoção, dizia da mágoa que lhe andava na alma.
21. (UCSAL)
Tenho certeza que não fiz obra de repórter e sim de romancista, como tenho a certeza que, se bem
os meus romances narrem fatos, sentimentos e paisagens baianas, têm um largo sentido universal
e humano mesmo devido ao caráter social que possuem, sentido universal e humano sem dúvida
muitas vezes maior que os desses romances escritos em reação aos dos novos romancistas
brasileiros e que se distinguem por não aceitarem nenhum caráter local nem social nas suas
páginas, romances que no fundo não passam de masturbação intelectual (...)
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(Jorge Amado. “Os romances da Bahia”, em apresentação a Capitães de Areia. S. Paulo. Martins, 4 a 1947)
No trecho, o escritor Jorge Amado:
a) aposta na tese de que a literatura é sobretudo documento, e é nessa condição que deve
espelhar a realidade.
b) opõe a ficção regionalista à prosa modernista dos anos 20, afirmando a superioridade daquela
sobre esta.
c) mostra preferência por escritores da geração de 30 que, com ele, põem o regional acima do
universal.
d) ataca os escritores novos que, ao contrário dos de sua geração, não apresentam uma sólida
formação intelectual.
e) defende a convicção de que o enfoque social de sua literatura regionalista atinge um sentido
universal.
22. (UNIFACS)
A fama da mesquinhez de seu Lula correra quatro cantos. E por isso não aparecia quem lhe
quisesse plantar a várzea. O velho José Paulino, quando passeava por ali, e que olhava para o
massapê coberto de grama, devia ter pena da terra parada, esquecida daquele jeito.
D. Amélia, de cima de sua carruagem, enfeitada de trancelins, com os dedos duros de anéis de
ouro, sentia o abandono da terra de seu pai, como se visse um filho no desamparo. O negro
Macário tivera cavalos de força, do rego aberto, para dominar, para conduzi-los com seu chicote.
Os cavalos magros que puxavam o cabriolé não davam trabalho às mãos trêmulas do velho
boleeiro. A carruagem ia chegando. D. Amélia via subir no meio do mato verde o bueiro sujo do
engenho. Fumaçara anos e anos, perderam-se pelo céu azul, pelas nuvens brancas, os rolos de
fumo do bagaço queimado nas fomalhas. Lá estava a casa-grande.
REGO. José Lins do. Fogo morto. 13 ed.
Rio de Janeiro: José Olympio, 1972, p. 200.
Identifique com V as afirmativas que têm comprovação no texto, e, com F, as demais.
1.
2.
3.
4.
(
(
(
(
) Retrato objetivo da realidade regional.
) Sinais evidentes da decadência do engenho.
) Crise da economia açucareira, provocando a perda da pose senhoril.
) Linguagem regionalista.
23. (UNEB) Considere os seguintes fragmentos:
I.
II.
O engenho se arrastava na safra de quase nada. Mas ainda moía. Essas duas frases podem
resumir a transição tecnológica e econômica a que o autor assistiu quando menino, e que
representou em páginas inesquecíveis, misto de autobiografia e de criação ficcional.
Num mundo arcaico e miserável, seco tanto na geografia quanto no silêncio das personagens, a
família cumpre o destino dos deserdados, movida pela vaga esperança que se traduz nessas
palavras finais da narrativa: Chegariam a uma terra desconhecida e civilizada, ficariam presos nela.
Está correta a seguinte afirmação sobre os dois fragmentos:
a) pertencem ambos a um mesmo escritor regionalista, representativo da chamada “geração de
45”.
b) em seus dois romances mais famosos, este ficcionista tematizou, num, o ciclo da cana-deaçúcar, e no outro a vida no sertão, entre os jagunços.
c) a saga sulista encontrou em Érico Veríssimo seu maior narrador, assim como o fenômeno da
migração atingiu a mais bela expressão com Graciliano Ramos.
d) depois da fase inicial do Modernismo, Fogo Morto, de José Lins do Rego, e Vidas Secas, de
Graciliano Ramos, marcam um regionalismo moderno e realista.
e) no chamado “romance de 30”, José Lins do Rego, de um lado, e Jorge Amado, de outro,
dedicaram-se a uma literatura regionalista a que não falta o pitoresco.
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Questões 24 e 25 (UESB)
Era o êxodo da seca de 1898. Uma ressurreição de cemitérios antigos – esqueletos redivivos, com
o aspecto terroso e o fedor das covas podres.
Os fantasmas estropiados como que iam dançando de tão trôpegos e trêmulos, num passo
arrastado de quem leva as pernas, em vez de ser levado por elas.
Andavam devagar, olhando para trás, como quem quer voltar. Não tinham pressa em chegar,
porque não sabiam aonde iam. Expulsos do seu paraíso por espadas de fogo, iam ao acaso, em
descaminhos, no arrastão dos maus fados.
Fugiam do sol e o sol guiava-os nesse forçado nomadismo.
Adelgaçados na magreira cômica, cresciam, como se o vento os levantasse. E os braços afinados
desciam-lhes aos joelhos, de mãos abanando.
Vinham escoteiros. Menos os hidrópicos doentes da alimentação tóxica – com os fardos das
barrigas alarmantes.
Não tinham sexo, nem idade, nem condição nenhuma. Eram os retirantes. Nada mais.
Meninotas, com as pregas da súbita velhice, careteavam, torcendo as carinhas decrépitas de exvoto. Os vaqueiros másculos, como titãs alquebrados, em petição de miséria. Pequenos fazendeiros no
arremesso igualitário, baralhavam-se nesse anônimo aniquilamento.
ALMEIDA, José Américo de. A Bagaceira. Rio de Janeiro:
José Olympio, 1978, p. 5.
24. Pode ser comprovada no texto a característica indicada em?
01)
02)
03)
04)
05)
Denúncia contra a exploração do trabalhador agrário.
Realidade apresentada de forma fragmentada, sem ordenação lógica.
Meio físico como elemento nivelador de condições socioeconômicas.
Universalização temática.
O real visto sob uma ótica subjetivista.
25. A alternativa cuja expressão transcrita traduz a causa do problema focalizado no texto é:
01)
02)
03)
04)
05)
“fantasmas estropiados” (l. 03)
“espadas de fogo” (l. 06)
“magreira cômica” (l. 09)
“pregas da súbita velhice” (l. 14)
“titãs alquebrados” (l. 15)
GABARITO
01. 04-05-07
02. 01-02-03-04-07
03. 02-03-06
04. c
05. d
06. e
07. 05
08. c
09. e
10. a
11. e
12. c
13. d
14. 04
15. 03
16. 01+03+05
17. 02+03+04
18. 01+02+03+04+05
19. II e IV
20. IV e V
21. e
22. V-V-F-V
23. d
24. 03
25. 02
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Pós-Modernismo
Geração de 45, Neomodernismo...
Somos na realidade um novo estado poético, e muitos são os que buscaram um novo
caminho fora dos limites do Modernismo. Assim Fernando de Loanda posicionou-se na Antologia
publicada pela Revista Orfeu, chamada de Panorama da Nova Poesia Brasileira. Muitos estudiosos
aceitam essa antologia como o marco iniciador da Geração de 45. Nomear essa fase da Literatura
brasileira é uma tarefa difícil: Terceira Geração Modernista, Neomoder- nismo, Geração de 45,
Neoparnasianos, Pós-modernismo ...
O mundo intelectual deste período foi profundamente marcado pelo irracionalismo que norteara as
vanguardas do início do século. O grande ímpeto irracionalista da Europa de após-guerra viria, no
entanto, do existencialismo literário de Jean Paul Sartre e de Albert Camus, para quem o absurdo da
vida só se resolve pela liberdade absoluta da escolha da essência para a nossa existência.
Mas o racionalismo não deixou também de marcar este período. Suas origens modernas remontam
principalmente a Edgar Allan Poe e Stéphane Mallarmé. Paul Valéry, continuando a linha programática
e consciente desses dois poetas, escrevia:
Prefiro infinitamente mais, escrever em plena consciência e inteira lucidez alguma coisa fraca, a
produzir em estado de transe e fora de mim uma obra-prima entre as mais belas. A disciplina da
composição começa a ser essencial à expressão lírica, a lucidez supera a inspiração.
(Adaptado de Antônio Medina)
Contexto histórico mundial










Fim da Segunda Guerra Mundial;
O neocolonialismo;
Início da Era Atômica;
Início da Pós-modernidade
Criação da ONU;
Publica-se a Declaração dos Direitos do Homem;
Inicia-se a Guerra Fria;
O final da Guerra Fria;
O avanço tecnológico: os meios de comunicação audiovisual;
A informática – Internet ...;
Contexto histórico brasileiro











Deposição de Getúlio Vargas;
Início do processo de redemocratização do país;
Legalização dos Partidos;
Volta de Vargas (1951);
Suicídio de Getúlio Vargas (1954);
Eleição de Juscelino Kubitschek;
Plano de Metas ostentando a ideologia do desenvolvimento;
O governo Militar: censura, violência e mortes;
Fim da Ditadura e da censura;
Evolução das formas literárias curtas: o conto, o ensaio e a crônica;
Aproximação: poema + música popular. A qualificação das letras.
Para saber um pouco mais
O que marca a Modernidade é a Era Industrial. O princípio dela era a esperança, o surgimento de
uma nova sociedade, de uma nova arte, de um novo homem. Com ela surgem todos os “ismos”, ou seja
os movimentos artísticos da época, o chamado Modernismo. Ex.: Impressionismo, Pós-impressionismo,
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VILAS
Cubismo, Dadaísmo, Futurismo, Construtivismo, Surrealismo, etc. Ele surgiu com os pintores que não
tiveram medo de ousar. A Arte Moderna representou a inovação das artes, define o início de uma nova
época e de uma arte que rompe com os cânones da arte do passado, a arte acadêmica.
O Pós-Modernismo trabalha com o sensorial, com o gestual. A arte deste período representa a
nossa época, que está em crise e nela tudo se descompassa. É uma nova perspectiva da história da
arte.
A Vanguarda mexe com o século XX desde o princípio. Queria legar ao mundo a liberdade, por isso
continua a existir a arte experimental, mesmo não produzindo o que era conhecido como obra de arte.
Ela antecipa mas também reflete uma época. É uma contestação, queria o novo, o corte com o passado
e o princípio de uma nova linguagem. A arte do passado preocupava-se com o estabelecido, com o
consagrado. A arte contemporânea preocupa-se com o transitório, com o instável, o provisório, o
processo, a incerteza, o lúdico, os limites precários em que vivemos. Não há mais estilos, “ismos”, é
plural, e ao contrário das artes anteriores, que delimitava as linguagens ela as integra (pintura, desenho,
música, teatro, etc.).”
http://br.answers.yahoo.com/question/index?qid=20071030103904AAEUAeb
Atente para o que a estudiosa Jussara Malafaia Moraes diz sobre a Pós-Modernidade:
O Conceito de Pós-Modernidade
O que se chama de pós-modernidade ou pós-modernismo é um movimento sociocultural que
ganhou impulso a partir da segunda metade do século XX.
Pós-modernismo é o nome aplicado às mudanças ocorridas nas ciências, nas artes e nas
sociedades avançadas desde 1950, quando, por convenção, se encerra o modernismo (1900-1950). Ele
nasce com a arquitetura e a computação nos anos 60. Cresce ao entrar pela filosofia, durante os anos
70, como crítica da cultura ocidental. E amadurece hoje, alastrando-se na moda, no cinema, na música
e no cotidiano programado pela tecnociência (ciência + tecnologia invadindo o cotidiano com desde
alimentos processados até microcomputadores) sem que ninguém saiba se é decadência ou
renascimento cultural.”
SANTOS Jair Ferreira. O que é Pós-modernismo.
São Paulo: Brasiliense, 1986. p.7-8
Esse movimento caracteriza-se por uma severa crítica aos padrões éticos e estéticos que
vigoraram no século passado e é típico das sociedades pós-industriais baseadas na informação.
Passou a incorporar uma visão de mundo relacionada ao fim dos conflitos mundiais e à superação da
“Guerra-Fria”
Simbolicamente, pode-se dizer que surge com a explosão da bomba em Hiroshima e Nagazaki, fato
que deixa o mundo perplexo diante do poder demonstrado pela ciência moderna e ganha impulso com
os movimentos de contestação política na França de 1968.
Atente para o que o Professor Jayme Barros disse acerca desse fecundo período:
 O antimodernismo: contra o desleixo e o anarquismo
 O apuro formal, a disciplina (neoparnasianismo)
 O pós-moderno – o engajamento da literatura: no processo revolucionário no espírito científico
numa postura esteticista engajada
 O espírito científico-crítico
a modernização da crítica literária
a evolução dos estudos literários e linguísticos (a importância do ensino superior)
os ensaios – literários, científicos, políticos
A poesia
Geometrização – depuração formal
Disciplina – reabilitação do verso
Exploração da palavra: o intelectualismo e o simbólico
O experimentalismo: as vanguardas (concretismo, práxis, processo, tropicalismo).
41
COLÉGIO
ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA
Módulo I
VILAS
A forma popularizante
Violão de rua
A pichação
Os Poetas da praça
A Poesia Marginal
O Cordel.
A influência
da evolução dos meios de comunicação
das múltiplas possibilidades de lazer
da aceleração da vida urbana
VANGUARDAS POÉTICAS
a) Concretismo
b) Práxis
c) Processo Práxis
d) Tropicalismo
1. Ruptura – discussão do novo
Plano estético-ideológico
Plano de construção - "construção de um conjunto estrutural não com uma técnica
estereotipada, mas com uma técnica empírica..."
2. Abolição da frase discursiva
o non-sense, o ilogismo
a colagem, a montagem - "fatos e nomes, inventário de fragmentos de acontecimentos."
"justaposição de frases feitas"
a "enumeração caótica", a livre associação de ideias.
a plurissignificação dos signos
3. Paródia na utilização do signo publicitário como uma antipropaganda da sociedade de consumo.
4. Aproveitamento dos recursos técnico-tipográficos exploração dos elementos gráfico-visuais
5. A utilização de signos diversos – verbais, não verbais, signos verbais de línguas diferentes.
6. Exploração dos recursos expressivos da palavra a palavra-símbolo sugerindo conotações
diversas o semântico (o significado)
7. Engajamento sociopolítico na realidade brasileira e latino-americana.
Autores: Lêdo Ivo, Pericles Eugênio da Silva Ramos, Darcy Damasceno, Fernando de Loanda, Geir
Campos, José Paulo Paes, Ferreira Gullar, além de poetas consagrados, que apresentaram certa
evolução, tais como Carlos Drummond, Manuel Bandeira, Jorge de Lima, Cecília Meireles, Vinícius de
Moraes, Mário Quintana e Murilo Mendes.
Principal nome:
JOÃO CABRAL DE MELO NETO
“-
poesia caracterizada por dois traços essenciais: a concisão e a precisão.
preocupação em organizar o texto dentro de um rigor na construção: poeta-engenheiro.
contenção da subjetividade, ausência do sentimentalismo.
Aspectos temáticos básicos:
a autoanálise da composição poética (poemas metalinguísticos)
o interesse pelos problemas sociais do Nordeste.” Temas ligados à Espanha e ao futebol.
42
COLÉGIO
ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA
Módulo I
VILAS
OBRAS PRINCIPAIS:
Pedra do sono (1942)
O engenheiro (1945)
O cão sem plumas (1950)
Morte e vida severina (1965)
A educação pela pedra (1966
TEXTOS
Catar Feijão
1.
geometrização
a visualização – a leitura não horizontal
Catar feijão se limita com escrever: joga-se os grãos na água do alguidar e as palavras na folha
de papel; e depois, joga-se fora o que boiar. Certo, toda palavra boiará no papel, água
congelada, por chumbo seu verbo: pois para catar esse feijão, soprar nele, e jogar fora o leve e
oco, palha e eco.
2.
Ora, nesse catar feijão entra um risco: o de que entre os grãos pesados entre um grão
qualquer, pedra ou indigesto, um grão imastigável, de quebrar dente. Certo não, quando ao
catar palavras:
a pedra dá à frase seu grão mais vivo:
obstrui a leitura fluviante, flutual,
açula a atenção, isca-a como o risco
Morte e Vida Severina
— O meu nome é Severino,
como não tenho outro de pia.
Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria
como há muitos Severinos
com mães chamadas Maria,
fiquei sendo o da Maria
do finado Zacarias.
Mais isso ainda diz pouco:
há muitos na freguesia,
por causa de um coronel
que se chamou Zacarias
e que foi o mais antigo
senhor desta sesmaria.
Como então dizer quem falo
ora a Vossas Senhorias?
Vejamos: é o Severino
da Maria do Zacarias,
lá da serra da Costela,
limites da Paraíba.
Mas isso ainda diz pouco:
se ao menos mais cinco havia
com nome de Severino
filhos de tantas Marias
mulheres de outros tantos,
43
COLÉGIO
ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA
Módulo I
VILAS
já finados, Zacarias,
vivendo na mesma serra
magra e ossuda em que eu vivia.
Somos muitos Severinos
iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas
e iguais também porque o sangue,
que usamos tem pouca tinta.
E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).
Somos muitos Severinos
iguais em tudo e na sina:
a de abrandar estas pedras
suando-se muito em cima,
a de tentar despertar
terra sempre mais extinta,
a de querer arrancar
alguns roçado da cinza.
Mas, para que me conheçam
melhor Vossas Senhorias
e melhor possam seguir
a história de minha vida,
passo a ser o Severino
que em vossa presença emigra.
O Carpina fala com o retirante que esteve de fora sem tomar parte de nada
— Severino, retirante,
deixe agora que lhe diga:
eu não sei bem a resposta
da pergunta que fazia,
se não vale mais saltar
fora da ponte e da vida
nem conheço essa resposta,
se quer mesmo que lhe diga
é difícil defender,
só com palavras, a vida,
ainda mais quando ela é
esta que vê, severina
mas se responder não pude
à pergunta que fazia,
ela, a vida, a respondeu
com sua presença viva.
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COLÉGIO
ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA
Módulo I
VILAS
E não há melhor resposta
que o espetáculo da vida:
vê-la desfiar seu fio,
que também se chama vida,
ver a fábrica que ela mesma,
teimosamente, se fabrica,
vê-la brotar como há pouco
em nova vida explodida
mesmo quando é assim pequena
a explosão, como a ocorrida
como a de há pouco, franzina
mesmo quando é a explosão
de uma vida severina.
Observe o que a grande Professora Regina Luz diz sobre a Poesia Concreta, Social e Marginal:
I. Poesia Concreta
O movimento concretista começou no Brasil através da revista Noigrandes, publicada em 1952, por
três paulistas com espírito revolucionário: Décio Pgnatari, Haroldo de Campos e Augusto de Campos.
Só a partir de 1956, com a exposição de arte concreta em São Paulo é que a poesia concreta aparece
no cenário como uma das mais criativas vertentes literárias da literatura brasileira. Ela manifesta-se
como uma forte reação ao formalismo literário a que a poesia estava submetida. É um movimento de
total renovação com objetivo de acabar de vez com o discurso tradicional e suas formas.
CARACTERÍSTICAS DA POESIA CONCRETA:
a.
b.
c.
d.
e.
Abolição do verso tradicional, falta de linearidade, ausência de pontuação, ruptura com a
sintaxe;
Aproveitamento do espaço – do “branco da página” – e da disposição geométrica das palavras
no papel;
Exploração do significante quanto aos seus aspectos sonoros, visual e semântico.
Uso de neologismo e estrangeirismo; ruptura com o tradicional começo, meio e fim;
Alguns poemas podem ser lidos da esquerda para direita ou vice versa.
Os escritores concretos não desenvolvem um tema em suas composições; consideram o texto um
objeto, e não uma forma de expressar emoções.
A poesia concreta surge como proposta para radicalizar a construção proveniente das linguagens
geométricas. Elimina a transcendência, impõe-se com a racionalidade estética, almeja superar o atraso
tecnológico do subdesenvolvimento nacional nos anos 50. Se comparada, O plano-piloto da poesia
concreta tem a ver com o plano-piloto da construção de Brasília: “o esforço de produzir uma obra de
arte total, ultramoderna, funcional, artificial, com o rigor matemático, valorização do espaço.
O modelo instaurado pelos poetas concretos pressupõe uma produção que trabalhe com as
seguintes questões: a consciência utilitária; a abertura da poesia à cultura dos meios de comunicação; a
mudança do espaço de fruição do poema; a mudança da relação sujeito/objeto; a necessidade de
construir um paideuma; a concepção de uma historiografia própria, na qual se inclui a revisão da
literatura brasileira, com base na eficiência de certos procedimentos; a crise do verso; e a
antidiscursividade (Iumma Maria Simon).
Os poetas concretos propõem noções como “não linear”, “descontínuo”, “simultâneo”, “espaço”, e
supe- ram três correntes da crítica presente nos anos 1950: “o velho impressionismo baseado nas livres
associações psicológicas dos intérpretes, como Sérgio Milliet; a crítica sociológica do grupo de Antonio
Cândido, da revista Clima, dos anos 1940; e um início de new criticism norte-americano, trazido para o
Brasil principalmente por Afrânio Coutinho.”
45
COLÉGIO
ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA
Módulo I
VILAS
Diálogo Possível
SAMPA
Caetano Veloso
Alguma coisa acontece no meu coração
Que só quando cruza a Ipiranga e a avenida São João
É que quando eu cheguei por aqui eu nada entendi
Da dura poesia concreta de tuas esquinas
Da deselegância discreta de tuas meninas
Ainda não havia para mim, Rita Lee
A tua mais completa tradução
Alguma coisa acontece no meu coração
Que só quando cruza a Ipiranga e a avenida São João
Quando eu te encarei frente a frente não vi o meu rosto
Chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto, mau gosto
É que Narciso acha feio o que não é espelho
E à mente apavora o que ainda não é mesmo velho
Nada do que não era antes quando não somos Mutantes
E foste um difícil começo
Afasta o que não conheço
E quem vem de outro sonho feliz de cidade
Aprende depressa a chamar-te de realidade
Porque és o avesso do avesso do avesso do avesso
Do povo oprimido nas filas, nas vilas, favelas
Da força da grana que ergue e destrói coisas belas
Da feia fumaça que sobe, apagando as estrelas
Eu vejo surgir teus poetas de campos, espaços
Tuas oficinas de florestas, teus deuses da chuva
Pan-Américas de Áfricas utópicas, túmulo do samba
Mais possível novo quilombo de Zumbi
E os Novos Baianos passeiam na tua garoa
E novos baianos te podem curtir numa boa.
Comentário
Caetano, em 1965, quando, ao lado da mana Bethânia, viu seu coração vagabundo cruzar
palpitante as avenidas que se cruzam (Avenida Ipiranga e a avenida São João) que sua canção ajudou
a imortalizar e uma emoção diferente palpitou em seu peito. A letra é uma homenagem a São Paulo e
suas personagens, a começar por Rita Lee, eleita a mais completa tradução da cidade, e sua banda, Os
Mutantes, composta por ela e pelos irmãos Arnaldo Baptista e Sérgio Dias, responsáveis pela face mais
rock’n roll do Tropicalismo e da música popular brasileira.
O avesso do avesso do avesso do avesso é referência direta ao poeta concretista Décio
Pignatari e sua luta pelo avesso. O irmãos Haroldo e Augusto de Campos surgem como “poetas de
campos e espaços”. É a dura poesia concreta nas esquinas de Caetano. A citação dos escritores
concretista estabelece uma relação entre a poesia e o cimento e formas da cidade tão concreta como
São Paulo.Observa-se na letra o mergulho de Caetano na cultura paulistana, passando pela música,
pela poesia, pelos movimentos de vanguarda, pela arquitetura, por questões ambientais, políticas e
sociais.
46
COLÉGIO
ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA
Módulo I
VILAS
Escritores concretistas
DÉCIO PIGNATARI (1927) [20.08.1927, São Paulo SP]
Poeta, ensaísta, tradutor, contista, romancista, dramaturgo, publicitário e professor, nasce em
Jundiaí, São Paulo. Filho de imigrantes italianos, cedo transfere-se para Osasco, onde mora até os 25
anos. Publica seus primeiros poemas na Revista Brasileira de Poesia, em 1949. No ano seguinte,
estréia com o livro de poemas Carrossel, e, em 1952, funda o grupo e edita a revista-livro Noigandres,
com os amigos e poetas irmãos Haroldo de Campos (1929 - 2003) e Augusto de Campos (1931). Em
1953, forma-se em Direito pela Universidade de São Paulo e, em seguida, viaja para a Europa, onde
passa dois anos, mantendo contatos com diversos intelectuais. Em 1956, o grupo Noigandres lança
oficialmente o movimento de poesia concreta, durante a Exposição Nacional de Arte Concreta no
Museu de Arte Moderna de São Paulo, que no ano seguinte é realizada no saguão do Ministério da
Educação e Cultura, Rio de Janeiro. Em 1956, o grupo lança o Plano-piloto para Poesia Concreta,
síntese teórica de seu trabalho poético, traduzido em diversas línguas. Em 1965, ainda com Haroldo e
Augusto de Campos, lança o livro Teoria da Poesia Concreta. Além de escritor, faz pesquisas na área
de semiótica: em 1969, ajuda a fundar a Association Internationale de Sémiotique, na França, e, em
1975, participa do lançamento da Associação Brasileira de Semiótica - ABS. Em 1999, muda-se para
Curitiba
HAROLDO DE CAMPOS
O poeta, tradutor e ensaísta Haroldo de Campos morreu em agosto de 2003 em São Paulo, aos 73
anos, lançou o movimento de poesia concreta em 1956.
Nascido em 19 de agosto de 1929, em São Paulo, Haroldo de Campos formou-se em Direito pela
Universidade de São Paulo em 1952, mesmo ano em que fundava, com Augusto de Campos e Décio
Pignatari, o Grupo Noigandres, de poesia concretista.
Desde 1950, publicou mais de 30 livros, como “A Máquina do Mundo Repensada”.
Em 1992, ganhou o Prêmio Jabuti de personalidade literária do ano. Em 1999, o Prêmio Jabuti de
poesia foi conferido para seu livro “Crisantempo: No Espaço Curvo Nasce Um” (1998).
Considerado o “mais barroco” dos concretistas, Haroldo de Campos tem sua obra poética
intimamente ligada ao movimento.
A crença em uma “crise no verso” o levou ao experimentalismo, à busca de novas formas de
estruturação e sintaxe, em curtos poemas-objeto ou longos poemas em prosa. Leia o poema Circum
lóquio. Publicado originalmente no jornal Folha de São Paulo, Haroldo autorizou a reprodução do
poema. Tanto que teve ilustração criada especialmente pelo grande Amilcar de Castro, também ligado
ao movimento Concretista e falecido em 2003.
AUGUSTO DE CAMPO
Nascido em São Paulo em 1931, é poeta, tradutor, en- saísta, crítico de literatura e música. Em
1951, publicou o seu primeiro livro de poemas, O REI MENOS O REINO. Em 1952, com o irmão
Haroldo de Campos e Décio Pignatari, lançou a revista literária “Noigandres”, origem do Grupo
Noigandres que iniciou o movimento internacional da Poesia Concreta no Brasil. O segundo número da
revista (1955) continha sua série de poemas em cores POETAMENOS, escritos em 1953, considerados
os primeiros exemplos consistentes de poesia concreta no Brasil. O verso e a sintaxe convencional
eram abandonados e as palavras rearranjadas em estruturas gráfico-espaciais, algumas vezes
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COLÉGIO
ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA
Módulo I
VILAS
impressas em até seis cores diferentes, sob inspiração da Klangbarbenmelodie (melodia de timbres) de
Webern. Em 1956 participou da organização da Primeira Exposição Nacional de Arte Concreta (Artes
Plás- ticas e Poesia), no Museu de Arte Moderna de São Paulo. Sua obra veio a ser incluída,
posteriormente, em muitas mostras, bem como em antologias internacionais como as históricas
publicações Concrete Poetry: an International Anthology, organizada por Stephen Bann (London, 1967),
Concrete Poetry: a World View, por Mary Ellen Solt (University of Bloomington, Indiana, 1968),
Anthology of Concrete Poetry, por Emmet Williams (NY, 1968). A maioria dos seus poemas acha-se
reunida em VIVA VAIA, 1979, DESPOESIA (1994) e NÃO (com um CDR de seus Clip-Poemas), (2003).
Outras obras importantes são POEMÓBILES (1974 e CAIXA PRETA (1975), coleções de poemasobjetos em colaboração com o artista plástico e designer Julio Plaza.
http://www.tanto.com.br/haroldodecampos-circunloquio.htm http://www.poesiaconcreta.com/poema/terra.html
POESIA-PRÁXIS
Tendência que surgiu com uma dissidência do grupo concretista.
Mário Chamie, líder do gênero em 1067, afirmou: “as palavras não são corpos inertes, imobilizados
a partir de quem as profere. As palavras são corpos vivos.Não vítimas passivas do contexto.”
O autor práxis considera cada palavra como um ser atuante, uma fonte, um organismo que gera
outras palavras. Outros poetas práxis:
Mauro Gama, Armando Freitas Filho, Ailton Medeiros, José Guilherme Melquior, Camargo Meyer,
Lousada Filho...
TEXTO
Crime 3
Fuma fuma tabaque
bate: que pança?
Dança
curtido corpo
de charque charco em
corruto beiço tensão
charuto e seu sangue
soca seu peito soca e
eis que ao lado o
outro
caboclo bate: disputa
um ataque à bronca (ou
em bloco) de ronco
e lata. E
na mão do primeiro o
punhal se empunha se
ergue chispando e em X
pando desce: se crava
cavo, na caixa
de som
(colchão murcho coração).
POESIA SOCIAL
A temática dessa poesia centra-se na denúncia das desigualdades sociais do país – suscitada
especialmente pela ditadura militar – bem como em aspectos que abalavam o mundo, como a Guerra
do Vietnã. Os autores reabilitaram o verso e o lirismo, utilizaram referências e linguagem mais próxima
do cotidiano, fizeram da poesia um instrumento de participação social e política. A poesia social surgiu
como uma espécie de contraposição ao movimento concretista.
48
COLÉGIO
ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA
Módulo I
VILAS
Autores
FERREIRA GULLAR
Ferreira Gullar (1930) é poeta, crítico de arte e ensaísta brasileiro. Abriu caminho para a “Poesia
Concreta” com o livro “Luta Corporal”. Organizou e liderou o movimento literário “Neoconcreto”.
Ferreira Gullar (1930) nasceu em São Luís, Maranhão, no dia 10 de setembro de 1930. Iniciou seus
estudos em sua cidade natal. No início da década de 60, transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde
participou do Centro Popular de Cultura da extinta União Nacional do Estudante. Após a edição do A-I,
em 1968, Ferreira Gullar é preso e exilado em Paris e depois em Buenos Aires. Em 1977, é absolvido
pelo STF e retorna ao Brasil.
A partir de 45, formou-se na poesia brasileira uma nova geração denominada neomodernista ou
pós-modernista, reagindo contra o “trivial e o supérfluo”, cuja ideia foi divulgada na revista “A Ilha”.
Ferreira Gullar iniciou sua obra sob os princípios da poesia concreta, logo renunciando os vanguardistas
de São Paulo, numa luta para construir uma expressão própria.
Em 1954 escreveu a “Luta Corporal”, livro que prenunciava a Poesia Concreta. Em 1956, depois de
participar da primeira exposição de Poesia Concreta, realizada em São Paulo, organizou e liderou o
grupo “Neoconcreto”, no qual participaram Lígia Clark e Hélio Oiticica. Após romper com os
concretistas, aproxima-se da realidade popular e do pensa- mento progressista da época, todo ele
ligado ao populismo.
THIAGO DE MELLO
Thiago de Mello nasceu na cidade de Barreirinha, no Amazonas, no dia 30 de março de 1926. Em
Manaus, capital do Estado, fez seus primeiros estudos. Mudou-se para o Rio de Janeiro (RJ), onde
cursou a Faculdade de Medicina até o quarto ano. Acabou optando por deixar os estudos médicos e
dedicou-se à poesia. Conhecido internacionalmente por sua luta em prol dos direitos humanos, pela
ecologia e pela paz mundial, o autor foi perseguido pela ditadura militar implantada no Brasil em 1964.
Foi obrigado a deixar sua terra, tendo se exilado no Chile, até a queda de Salvador Allende. Thiago
de Melo foi adido cultural da Embaixada do Brasil no Chile onde travou amizade com o poeta Pablo
Neruda, tornando-se um dos seus tradutores. Seus trabalhos foram publicados no Chile, Portugal,
Uruguai, Estados Unidos da América, Argentina, Alemanha, Cuba, França e outros mais. Traduziu para
o português obras de Pablo Neruda, T. S. Elliot, Ernesto Cardenal, César Vallejo, Nicolas Guillén e
Eliseo Diego.
Ao lado de Ferreira Gullar, Thiago de Melo é o principal representante da poesia social e engajada
que se fez no Brasil na década de 1960 e 1970, no contexto do regime militar do Brasil e das ditaduras
latino-americanas em geral.
Com o livro Campo de Milagres, Thiago de Melo foi vencedor do prêmio Jabuti em 1991. Os traços
principais de sua poesia são a luta contra a opressão, o amor à terra e à Amazônia, o sentimento de
alteridade.
Affonso Romano de Sant’Anna (Belo Horizonte MG 1937). Poeta, crítico e professor de literatura e
jornalista. Filho de Jorge Firmino de Sant’Anna, capitão da Polícia Militar, e de Maria Romano de
Sant’Anna, ambos de orientação protestante. Ainda pequeno, muda-se com a família para a cidade de
Juiz de Fora, Minas Gerais, onde inicia seus estudos e se aproxima da literatura ao frequentar as
bibliotecas públicas. Começa a carreira jornalística em 1953, publicando críticas de cinema e teatro no
Diário Comercial e na Gazeta Mercantil. Em 1954, viaja por diversas cidades mineiras pregando o
Evangelho em favelas, hospitais e presídios. De volta à capital mineira, conclui em 1962 o bacharelado
em letras neolatinas na Universidade Federal de Minas de Minas Gerais e publica seu primeiro livro de
ensaios, O Desemprego do Poeta. Organiza, com outros poetas mineiros, a Semana Nacional de
Poesia de Vanguarda, em Belo Horizonte, em 1963. No ano seguinte, obtém o grau de doutor pela
UFMG, com apresentação de tese sobre o poeta Carlos Drummond de Andrade (1902-1987). Casa-se
com a escritora Marina Colasanti (1938), em 1970, e vai residir no Rio de Janeiro.
Ministra cursos na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e na Universidade Federal do
Rio de Janeiro, e, como professor convidado, dá aulas de literatura e cultura brasileiras em
universidades da França, Alemanha e Estados Unidos. Assume a presidência da Fundação Biblioteca
Nacional em 1990. Um ano depois, cria a revista Poesia Sempre, importante veículo de divulgação da
poesia nacional no exterior. É nomeado, em 1995, para o cargo de secretário-geral da Associação das
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COLÉGIO
ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA
Módulo I
VILAS
Bibliotecas Nacionais Ibero-Americanas. Colaborador assíduo da imprensa em toda sua carreira
jornalística, escreve textos para os jornais O Globo, Folha de S. Paulo, Jornal do Brasil, Jornal da
Tarde, Correio Braziliense e O Estado de Minas. Tem poemas traduzidos para o espanhol, inglês,
francês, alemão, polonês, chinês e italiano.
Eles, por meio de suas habilidades artísticas, reestabeleceram o lirismo e fizeram da palavra um
instrumento de denúncia social, de revelação das mazelas que assolavam a sociedade da época em
que viveram. Assim, participando ativamente dessas questões, optaram por utilizar uma linguagem
simples, que se aproximava do cotidiano, como bem nos demonstra o mestre Ferreira Gullar, em uma
de suas criações:
TEXTO I
Agosto 1964
Ferreira Gullar
Entre lojas de flores e de sapatos, bares,
mercados, butiques,
viajo num ônibus Estrada de Ferro – Leblon. Viajo do
trabalho, a noite em meio,
fatigado de mentiras.
O ônibus sacoleja. Adeus, Rimbaud,
relógios de lilazes, concretismo,
neoconcretismo, ficções da juventude, adeus,
que a vida
eu a compro à vista aos donos do mundo. Ao
peso dos impostos, o verso sufoca,
a poesia agora responde a inquérito policial-militar.
Digo adeus à ilusão
Mas não ao mundo. Mas não à vida, meu
reduto e meu reino.
Do salário injusto,
da punição injusta,
da humilhação, da tortura, do
terror,
retiramos algo e com ele construímos um
artefato, um poema,
uma bandeira.
Do salário injusto, da
punição injusta,
da humilhação, da tortura, do
terror,
retiramos algo e com ele construímos um
artefato, um poema,
uma bandeira.
O preço do feijão
não cabe no poema. O preço do arroz não
cabe no poema.
Não cabem no poema o gás a luz
o telefone
a sonegação do leite
da carne do
açúcar do pão
[...]
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COLÉGIO
ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA
Módulo I
VILAS
TEXTO II
Carta aos mortos
Amigos, nada mudou
em essência.
Os salários mal dão para os gastos,
as guerras não terminaram
e há vírus novos e terríveis,
embora o avanço da medicina.
Volta e meia um vizinho
tomba morto por questão de amor.
Há filmes interessantes, é verdade,
e como sempre, mulheres portentosas
nos seduzem com suas bocas e pernas,
mas em matéria de amor
não inventamos nenhuma posição nova.
Alguns cosmonautas ficam no espaço
seis meses ou mais, testando a engrenagem
e a solidão.
Em cada olimpíada há récordes previstos
e nos países, avanços e recuos sociais.
Mas nenhum pássaro mudou seu canto
com a modernidade.
Reencenamos as mesmas tragédias gregas,
relemos o Quixote, e a primavera
chega pontualmente cada ano.
Alguns hábitos, rios e florestas
se perderam.
Ninguém mais coloca cadeiras na calçada
ou toma a fresca da tarde,
mas temos máquinas velocíssimas
que nos dispensam de pensar.
Sobre o desaparecimento dos dinossauros
e a formação das galáxias
não avançamos nada.
Roupas vão e voltam com as modas.
Governos fortes caem, outros se levantam,
países se dividem
e as formigas e abelhas continuam
fiéis ao seu trabalho.
Nada mudou em essência.
Cantamos parabéns nas festas,
discutimos futebol na esquina
morremos em estúpidos desastres
e volta e meia
um de nós olha o céu quando estrelado
com o mesmo pasmo das cavernas.
E cada geração , insolente,
continua a achar
que vive no ápice da história.
Afonso Romano de Sant’Anna
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COLÉGIO
ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA
Módulo I
VILAS
POESIA MARGINAL
Mantendo ainda alguns traços do Concretismo, a poesia marginal é assim chamada porque no
primeiro momento ela podia ser lida em diversos lugares, nos muros, nos postes, nas paredes e portas,
banheiros públicos, etc. Em qualquer lugar que permitisse expressar a descontração, a subjetividade, o
protesto e as propostas de seus autores. Era uma poesia que se encontrava fora do circuito editorial.
Explorando todas as possibilidades do papel folhetos, jornais, revistas, manuscritos, a poesia chegou
aos muros através de pichações, foi às praças, aliou-se à música, organizou exposições. A poesia que
floresceu nos anos 70 é inquieta, anárquica: não se filia a nenhuma estética literária em particular. Os
poetas jovens foram, principalmente, contra. Contra as portas fechadas da ditadura, contra o discurso
culto, contra a poesia tradicional e/ou universal. A poesia saiu da página impressa do livro e ganhou as
ruas.
Ela podia ser lida nos muros, nos banheiros públicos, nas margens de outros textos em forma de
uma carona literária. Ela estava em folhetos mimeografados, distribuídos de mão em mão, nos bares,
nas praias, nas feiras, em qualquer parte. Recuperaram-se alguns laços com a produção do primeiro
Modernismo (1922) poemas-minuto, poemas-piada; experimentaram-se técnicas, como a colagem e a
desmontagem dadaístas; praticam-se formas consagradas, como o soneto ou o haicai: tudo foi possível
dentro do território livre da poesia marginal. Constituindo um antagonismo total em relação aos recursos
poéticos tradicionais e questionando veementemente o conceito de poesia, os marginais, assim como
os concretistas, procuraram aproximar-se da comunicação visual e explorar a palavra em várias
dimensões. A proximidade com as artes visuais e plásticas provoca um diálogo entre os poetas
concretos e os poetas marginais. Técnicas próprias de outras artes passam a ser usadas para compor o
poema colagens, desenhos, grafismos, fotografias (como ressaltado anteriormente), provocando uma
linguagem visual fragmentária.
Autores
CHACAL (RICARDO CARVALHO DUARTE)
Foi o primeiro a entrar na onda do livro impresso em mimeógrafo e distribuído de mão em mão. O
livro se chamava Muito prazer, Ricardo (1972). Nele, os versos vão quase rentes à fala cotidiana,
incorporando recursos como a linguagem dos jornais e as gírias, sempre com muita graça e suíngue.
Sua obra foi reunida em 1983 na coletânea Drops de abril. Nascido no Rio de Janeiro em 1951, Chacal
continua em plena atividade, fazendo leituras públicas e publicando poemas. Foi editor da revista de
poesia O Carioca e também publicou os livros Comício de tudo (1986), Letra elétrika (1994) e A vida é
curta pra ser pequena (2002).
PAULO LEMINSKI
Como dizia Haroldo de Campos, Leminski era um “Rim- baud curitibano com físico de judoca”. Esse
poeta, nascido em Curitiba, no Paraná, em 1944, foi tradutor, professor de História e de judô,
publicitário, romancista e músico. Sua poesia, altamente elaborada e construída, era sintética, concisa e
debochada. Caetano Veloso dizia que ele misturava a poesia concreta com a literatura beatnik dos
americanos dos ano 50. Foi letrista de MPB e publicou vários livros independentes – reunidos pela
primeira vez em 1983, na coletânea Caprichos & relaxos. Em 1987, lançou Distraídos venceremos.
Leminski morreu em 1989. Entre suas obras póstumas, estão L avie em close (1991) e Winterverno
(1994).
CACASO (ANTÔNIO CARLOS DE BRISTO)
Criador da coleção Frenesi, escrevia artigos em jornais comentando a obra de Chacal, Ana Cristina
e outros. Estreou em 1968, com o livro Palavra cerzida, em que revelava certa influência simbolista,
bebida na obra de outros poetas como Cecília Meireles. Em 1970, sua poesia passa a ser mais
descarnada, coloquial e humorada. Um de seus livros mais famosos é Beijo na boca (1975), em que faz
referências ao romantismo brasileiro. Também fez letras para canções de Tom Jobim e Suely Costa,
entre outros. Cacaso nasceu em Uberaba em 1944 e morreu em 1987, no Rio de Janeiro.
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Módulo I
VILAS
TEXTOS
Relógio
Com deus mi deito com deus mi levanto
comigo eu calo comigo eu canto
eu bato um papo eu bato um ponto
eu tomo um drink eu fico tonto.
Chacal
Comentário
Uma paródia da oração, demonstrando a solidão dos duros tempos. A rima dá o tom de prece.
Notar, ainda, a grafia “mi” em vez de “me”, demonstrando o registro oral.
Parada Cardíaca
Essa minha secura
essa falta de sentimento
não tem ninguém que segure
vem de dentro
Vem da zona escura
donde vem o que
sinto sinto muito
sentir é muito lento
Paulo Leminski
Comentário
O eu-lírico mostra o paradoxo do sentimento dizendo que é da ausência que nasce o sentir.
Leminski, de forte origem concretista, gosta de brincar com as palavras, com os significantes e
significados, como o verso: “sinto muito” que dá ideia de desculpa ou do sentir muito.
Grupo Escolar
Sonhei com um general de ombros largos
que fedia
e que no sonho me apontava a poesia
enquanto um pássaro pensava suas penas
e já sem resistência resistia.
O general acordou e eu que sonhava
face a face deslizei à dura via
vi seus olhos que tremiam, ombros largos,
vi seu queixo modelado a esquadria
vi que o tempo galopando evaporava
(deu pra ver qual a sua dinastia)
mas em tempo fixei no firmamento
esta imagem que rebenta em ponta fria:
poesia, esta química perversa,
este arco que desvela e me repõe
nestes tempos de alquimia.
Comentário
A figura do general nos remete à ditadura militar; de outro, o pássaro é o poeta que, mesmo sem
forças, resiste.
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Módulo I
VILAS
No meio do poema, vemos a anáfora, ressaltando que o poeta estava atento à sua época.
No 12o verso, a conjunção adversativa demonstra que apesar dos tempos duros, a poesia tem seu
poder de luta
Para saber um pouco mais
O Cordel
Atentemos para as lúcidas palavras do poeta José Walter Pires O que é Literatura de Cordel?
Onde surgiu e quando?
Em sintonia com os diversos pesquisadores, a literatura de cordel pode ser conceituada como uma
manifestação literária popular, produzida em versos, impressa em folhetos, abordando uma variada
temática e com estrutura formal tradicionalmente definida.
A sua origem remonta aos mais diversos povos, mas para nós interessa a sua origem lusa, esta
sem divergência nas pesquisas, no século XVII, tendo chegado ao Brasil pelos caminhos da
Colonização, porém se consolidando, no Brasil, somente a partir do final do século XIX e daí para
frente, sendo Leandro Gomes de Barros o timoneiro dessa arte que encontrou terreno fértil no Nordeste
brasileiro.
1. Você, como professor, sociólogo, advogado, po- eta e membro da Academia brasileira de
Cordel, pode-me dizer o porquê da literatura de cordel e a literatura popular, como um
todo, não ser valorizada na Academia?
Como diz o Professor e Mestre em Literatura, Aderaldo Luciano (Apontamento para uma História
Crítica do Cordel Brasileiro, Editora Luzeiro Ltda. SP, 1964) por “falsa distinção entre o popular e o
erudito... que reside na forma preconceituosa e excludente com que as elites intelectuais sempre
trataram as produções que não saíssem de suas lides ou que não seguissem os seus ditames. Popular
seria o produzido pelo povo, os iletrados... Erudito seria o produzido pela elite intelectual, detentora do
poder. Foi essa a distinção construída e administrada pelos nossos banco escolares”, até hoje,
completamos.
2. Quais as principais temáticas trabalhadas pelos cordelistas?
Desde o desenvolvimento do que chamamos de cordel brasileiro, a temática foi variada. Tudo foi
tema dos grandes e famosos cordelistas, passando pelos romances encantados, pelo cangaço, pelo
fanatismo religioso, pelo folclore, pelo imaginário sertanejo, pelos fatos de gracejos, pelos heróis e
desbravadores, os fatos históricos, políticos, incluindo-se as versões clássicas e as adaptações tão em
voga nos nossos dias. Em tudo está presente o cordel, seja nos versos do poeta, sejam nas cantorias
famosas.
3. Sobre a linguagem? Algumas peculiaridades?
São muitas as particularidades para que o cordel seja verdadeiramente um cordel. Não é
simplesmente empilhar veros, rimá-los e distribuí-los em estrofes. São essenciais a métrica, que deve
ser observada verso poético. Nem todo verso é poético. Isso é condição intrínseca. A rima, que deve
ser, além da sonoridade, ser rica no seu manejo.Sem isso o verso perde a melodia; por fim, a oração
que imprime sentido ao todo da estrofe, com palavras bem encaixadas, sem va riação das categorias
gramaticais, pois isso enfeia a criação e desvanece a sensação do belo. Enfim, essa linguagem não
pode ser chula, sem expressividade. Não é ser eruditamas tem de ter elegância. No conjunto, a sintaxe
do verso deve ser perfeita.
4. Patativa do Assaré é uma grande influência para os cordelistas ainda hoje? Cite alguns
grandes poetas da atualidade.
Poeta de expressão maior. Tinha lugar, sim, na Academia Brasileira de Letras, assim com outros
poetas populares. Mas não o foram nunca. A ACB continua embalsamada nos seus mitos, no seu
eruditismo, na sua empáfia. Que jeito? Que me perdoem os intocáveis imortais de lá. Mas voltando ao
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Módulo I
VILAS
poeta Patativa, ele não foi cordelista. Ele não editou livretos. Mas produziu os mais belos versos
sertanejos, caipiras, até, porém, não figura entre os grandes cordelistas do Brasil. Um dos grande
representantes da nossa literatura. Ele só teve um defeito, não físico, ele foi “popular”.
Para citar alguns poetas cordelistas da atualidade não é difícil, mas cito alguns que me ocorrem: Os
Irmãos Viana, Arieval de Klevisson, Rouxinol do Rinaré, Varneci, Moreira do Acopiara, Manoel Monteiro,
Paulo de Tarso, Dideus, Gonçalo Ferreira, Presidente da Academia Brasileira de Literatura de Cordel
Brasileira de Codel, Marco Haurélio, entre nós, Antônio Barreto, Creusa Meira, Bule Bule, também
cantador repentista, além de outros valiosos e produtivos poetas. Existem muitos outros. .
5. Como podemos levar a literatura de cordel para as escolas e as ruas das grandes cidades
desse nosso grande Brasil?
Tenho defendido que para o cordel chegar às Escolas tem de ter uma metodologia. Não será
através de palestras, algumas oficinas, apresentações, leitura de cordéis. Antes, é preciso se despertar
o gosto pela leitura diversificada da nossa literatura. Ler sem imposições. Nada de unidade didáticas.
Não será por aí. Mas uma inserção planejada gradativa, sutil. Despertar o gosto. Não é formar poetas
cordelistas. Mas despertar esse senso e incentivar os interessados. Construir é a palavra certa. Em
minha escola nunca ouvi falar em cordel. E em literatura canônica em geral, só de maneira muito
insossa. Pálidos professores! Meros teóricos. Nunca recitaram (salvo na remota infância) um verso
qualquer. Levar o cordel às ruas em momentos certos será sempre oportuno, sem misturar ao frenesi
das grandes festas. O cordel tem de ter espaços próprios, porém constantes. Falo, por exemplo, de
cordéis nas estantes das grandes livrarias, nomes de poetas nos logradouros públicos, ampla
divulgação nas Escolas, por aí...
6. Para fecharmos com “chave de ouro”, manda aí algumas poesias...
Como o cordel é literatura brasileira sem distinção, mando para o momento, mando o poema (em
linguagem de cordel), escrito para Moraes Moreira, na homenagem que recebeu, na Praça Castro
Alves, no Encontro do Trios, no Carnaval de 2011. Depois mandarei outras.
A PRAÇA, O POVO E O CANTOR
Ao meu irmão Moraes Moreira, no carnaval de 2011
Quando chegares à Praça
Fervilhante de emoções
Serás proclamado Rei
Aos gritos dos foliões
Naquele ritmo frenético
Que nasce do trio elétrico
Receberás do poeta
Na sua mão estendida
A coroa dos teus sonhos
Para ser oferecida
Àquela “turba inquieta”
Que na dança se liberta
Com a festa merecida
Serás ovacionado
Pelo povo com carinho
Que jamais esquecerá
De quem abriu o caminho
Como “cantor do Brasil
Que canta em cima do trio”
Como rebento do ninho
Serás sempre carnaval
Explodindo em cada esquina
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Módulo I
VILAS
Das Avenidas e Praças
Ao vislumbrar lá de cima
A dança da multidão
Fazendo tremer o chão
Quando o trio se aproxima
Pra sempre Moraes Moreira
Compositor mensageiro
Inspirado pelos deuses
Para cumprir o roteiro
Que trouxe desde menino
Construindo o seu destino
Como artista brasileiro
Que deságues na Castro Alves
As emoções da Avenida
Num torvelinho de gente
Totalmente embevecida
Com o “bloco do prazer”
E a sensação de poder
Ver a Praça revivida
Sentir no encontro dos trios
A pureza da alegria
No colorido das raças
Ao amanhecer do dia
Na saudosa quarta-feira
Numa união verdadeira
Ao soar da Ave Maria
Vá lá, meu Rei, com a fé
Que teu coração derrama
Caia nos braços do povo
Que a tua volta reclama
E continues a cantar
“Até o papo estourar”
Colhendo os louros da fama.
José Walter Pires
Fevereirto/2011
PROSA
JOÃO GUIMARÃES ROSA
E tuas eternas canções
 Retomada e modificação radical da temática regionalista convencional da prosa.
— Sertão não se limita aos aspectos geográficos.
— Sertão amplia seus limites para simbolizar o Universo. “O sertão é o mundo, o sertão está em
toda parte.” Conclusão: “O universalismo no regionalismo”.
O sertanejo não é um homem de uma região específica; ele é o ser humano enfrentando problemas
eternos e universais.
 Inovação no modo de trabalhar a palavra
— recriação na fala do sertanejo (vocabulário, sintaxe).
— aproveitamento de termos em desuso da língua portuguesa.
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Módulo I
VILAS
— criação de neologismos.
— emprego da palavra emprestada de outros idiomas.
 Utilização na prosa, de recursos mais comuns à poesia (ritmo, aliteração, metáfora)
OBRAS PRINCIPAIS
— Sagarana (contos – 1946)
— Corpo de Baile (novela – 1956)
— Grande Sertão: Veredas (romance – 1956)
— Primeiras estórias (contos – 1962)
— Tutaméia-terceiras estórias (1967)
Características
Guimarães Rosa propõe, em sua obra, uma revalorização da linguagem e uma universalização do
regional. Ele instaura uma profunda alteração no modo de enfrentar a palavra, criando um novo código
de arte que desperta a carga musical e significativa das palavras.
Considerando que a palavra é sempre um feixe de significações, com sons e formas, Guimarães
Rosa destrói os limites entre a poesia e a prosa. Sua prosa se enriquece com os recursos da poesia:
ritmo, aliterações, onomatopeias, rimas, vocabulário estranho (às vezes inventando palavras novas, às
vezes resgatando vocábulos arcaicos), metáforas, associações raras. Mas a força da sua linguagem
está associada ao universo mítico do sertanejo, que ele procurou conhecer muito bem.
Veja o que Oscar Lopes disse a respeito da linguagem poética de Guimarães Rosa:
As metáforas de Guimarães Rosa são tantas e tão originais que produzem um efeito poético
radical. A gente lê, por exemplo, que “o sabiá veio molhar o pio no poço, que é bom ressoador”, e não
fica apenas com uma admirável evocação acústica; as palavras “molhar” e “poço” descongelam-se,
libertam-se da sua hibernação dicionarística ou corrente, e perturbam como um reachado todavia
surpreendente.
No trecho a seguir, retirado do conto O burrinho pedrês, de Sagarana, o autor faz poesia na prosa
usando o ritmo e aliterações. Observe, também, as quadrinhas populares:
As ancas balançavam, e as vagas de dorsos, das vacas e touros, batendo com as caudas,
mugindo no meio, na massa embolada, com atritos de couros, estralos de guampas, estrondos e
baques, e o berro queixoso do gado junqueira, de chifres imensos, com muita tristeza, saudade
dos campos, querência dos pastos de lá do sertão...
‘Um boi preto, um boi pintado,
cada um tem sua cor.
Cada coração um jeito
de mostrar o seu amor.’
Boi bem bravo, bate baixo, bota baba, boi berrando... Dança doido, dá de duro, dá de dentro,
dá direito... Vai, vem, volta, vem na vara, vai não volta, vai varando...
‘Todo ‘passarinh’ do mato
tem seu pio diferente.
Cantiga de amor doído
não carece ter rompante...’
Pouco a pouco, porém, os rostos se desempanam e os homens tomam gesto de repouso
nas selas, satisfeitos.
Que de trinta, trezentos ou três mil, só está quase pronta a boiada quando as alimárias se
aglutinam em bicho inteiro - centopeia -, mesmo prestes assim para surpresas más.
Tchou!... Tchou!... Eh, booôi!...
E, agora, pronta de todo está ela ficando, cá que cada vaqueiro pega o balanço de busto,
sem-querer imitativo, e que os cabelos gingam bovinamente. Devagar, mal percebido, vão
sugados todos pelo rebanho trovejante - pata a pata, casco a casco, soca soca, fasta vento, rola
e trota, cabisbaixos, mexe lama, pela estrada, chifres no ar...
João Guimarães Rosa
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Módulo I
VILAS
Alfredo Bosi diz:
...suas estórias são fábulas, que velam e revelam uma visão global da existência, próxima de um
materialismo religioso, porque panteísta, isto é, propenso a fundir numa única realidade, a Natureza, o
bem e o mal, o divino e o demoníaco, o uno e o múltiplo.
O sertão, para Guimarães Rosa, é assim: ora particular, pequeno e próximo; ora universal e infinito,
pois “O sertão é o mundo”, ou melhor ainda, “o sertão é dentro da gente”. Tudo partilhando um
maravilhoso “vir a ser”:
“Mire veja: o mais importante e bonito do mundo é isto: que as pessoas não estão sempre iguais,
ainda não foram terminadas - mas que elas vão sempre mudando. Afinam e desafinam.”
Grande sertão: Veredas (por Regina Luz)
Riobaldo, narrador protagonista, cresceu na fazenda de seu padrinho (pai que não reconhecera sua
paternidade). Essa condição lhe garantiu uma educação formal, mas sua verdadeira educação se dá
quando se junta um bando de jagunços e começa uma longa viagem pelos sertões da GERAIS.
Recontada em forma de monólogo, a narartiva se passa no interior de Minas, onde está situado o sertão
real associado ao romance. Mas o sertã se expande para ultrapassar as fronteiras do sertão e se deter
nas questões humanas: o que é bem? O que é mal?
Riobaldo é o guia dos leitores na travessia e aprende a ver a beleza do sertão, enfrenta o medo e
descobre o amor. Ele percebe que a vida é sempre uma situação de risco. Seguindo a simbologia de
Dante Aleghieri na divina Comédia, o romance tem como espinha dorsal, uma viagem real vivida por
Riobaldo e outra lembrada, refletida, contada para seu interlocutor silencioso. E essa viagem se faz em
direção a Deus. Riobaldo preocupa-se com a salvação de sua alma. Riobaldo percorre as estradas da
vida terrena, exterior, do norte de Minas, Goias e da Bahia e, ao mesmo tempo, o roteiro de Deus,
interior passando pelo inferno, purgatório e paraíso.
A gente viemos do inferno - nós todos - compadre meu Quelemém instrui. Duns lugares inferiores,
tão monstro-medonhos, que Cristo mesmo lá só conseguiu aprofundar por um relance a graça de sua
sustância alumiável, em as trevas de véspera para o Terceiro Dia. Senhor quer crer? Que lá o prazer
trivial de cada um é judiar dos outros, bom atormentar; e o calor e o frio mais perseguem; e, para digerir
o que se come, é preciso de esforçar no meio, com fortes dores; e até respirar custa dor; e nenhum
sossego não se tem. Se creio? Acho proseável.
A essência do inferno para Rosa é a traição, a desobediência, a separação de Deus. E o pecado
não é, na verdade, uma ação, mas um estado de espírito que fundamenta as ações. O diabo é o
homem arruinado. Deus é o princípio de nossas almas e as cria a sua semelhança. E Deus é o amor.
Para Riobaldo, o amor é o princípio de todas as coisas: do bem e do mal. O dom de Deus é Diadorim e
seu nome indica Dia ZEUS e dom, ou seja, o dom de Deus.
A figura do rio, principalmente o São Francisco, e é uma constante em Grande Sertão Veredas. Ele
é cruzado por Riobaldo quatro vezes. A respeito dos rios, Gimarães Rosa disse em entrevista:
“O rio, portanto, conjuga eternidade: é uma figura da eternidade. A viagem de Riobaldo cruzando
repetidamente o rio, uma primeira vez com o Menino, é, assim, uma viagem pela eternidade, pelo ale,
pelo inferno, pelo purgatório e pelo paraíso. Por outro lado, o cruzar do rio repetidamente indica também
a figura da cruz. Riobaldo segue Cristo pelo caminho da cruz. Ele é aquele que atravessa o rio (Riobaldo).
No encontro com o menino, Riobaldo é ajudado pelo exemplo da travessia do rio, a iniciar sua
viagem. O toque da mão do menino só dará seus frutos mais tarde. Riobaldo pensa mal do menino
quando chegou à outra margem:
À fé, era um rapaz, mulato, regular uns dezoito ou vinte anos; mas altado, forte, com as feições
muito bruta. Debochado, ele disse isto: — “Vocês dois, uê, hem?! Que é que estão fazendo?...” Aduzido
fungou, e, mão no fechado da outra, bateu um figurado indecente. Olhei para o menino. Esse não
semelhava ter tomado nenhum espanto, surdo sentado ficou, social com seu prático sorriso. — “Hem,
hem? E eu? Também quero!” — o mulato veio insistindo. E, por aí, eu consegui falar alto, contestando,
que não estávamos fazendo sujice nenhuma, estávamos era espreitando as distâncias do rio e o parado
das coisas. Mas, o que eu menos esperava, ouvi a bonita voz do menino dizer: — “Você, meu nego?
Está certo, chega aqui...” A fala, o jeito dele, imitavam de mulher. Então, era aquilo? E o mulato,
satisfeito, caminhou para se sentar juntinho dele.
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COLÉGIO
ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA
Módulo I
VILAS
Na cena, a personagem tem a perfiguração do medo constante ligado ao amor que sentirá no
futuro, por Diadorim (o menino).
Vê-se na obra o poder corrosivo do tempo passado, que confunde os acontecimentos na mente do
narrador, impedindo-o de separar o falso do verdadeiro, o vivido do imaginado. A opção pelo monólogo
de caráter memorialista implica, no plano da narrativa, distribuição desordenada das sequencias,
ligadas pelo ritmo fragmentário e caótico da memória. Dessa forma, a linguagem assume, para o
narrador, um poder mágico.
Contar a própria vida constitui a matéria narrativa, mas as dificuldades do viver e do narrar por
distorcerem as duas práticas criam um texto ambíguo, tão enigmático quanto a vida, em que tudo é e
não é, simultaneamente.
Resumo
Durante a primeira parte da obra, o narrador em primeira pessoa, Riobaldo, faz um relato de fatos
diversos e aparentemente desconexos entre si, que versam sobre suas inquietações sobre a vida. Os
temas giram em torno das clássicas questões filosóficas ocidentais, tais como a origem do homem,
reflexões sobre a vida, o bem e o mal, Deus e o diabo. Porém Riobaldo não consegue organizar suas
ideias e expressá-las de modo satisfatório, o que gera um relato bastante caótico. Até que em certo
ponto aparece Quelemén de Góis, que o ajuda, em parte, e Riobaldo dá início à narrativa propriamente
dita.
Riobaldo começa a rememorar seu passado e conta sobre sua mãe e como conhecera o menino
Reinaldo, que se declarava ser “diferente”. Riobaldo admira a coragem do amigo. Quando sua mãe vem
a falecer, ele é levado para viver com seu padrinho na fazenda São Gregório, onde conhece Joca
Ramiro, grande chefe dos jagunços. Selorico Mendes, o padrinho, coloca-o para estudar e após um
tempo Riobaldo começa a lecionar para Zé Bebelo, um fazendeiro da região. Pouco tempo depois, Zé
Bebelo, que queria por fim na atuação dos jagunços pela região, convida Riobaldo para fazer parte de
seu bando, o que ele aceita. Assim começa a história da primeira guerra narrada em “Grande Sertão:
Veredas”.
O bando dos jagunços liderado por Hermógenes entra em guerra contra Zé Bebelo e os soldados
do governo, mas logo Hermógenes foge da batalha. Riobaldo resolve desertar do bando de Zé Bebelo e
encontra Reinaldo, que faz parte do bando de Joca Ramiro. Ele decide, então, juntar-se ao grupo,
também.
A amizade entre Riobaldo e Reinaldo se fortalece com o passar do tempo e Reinaldo o confidencia
em segredo seu nome verdadeiro: Diadorim. Em certo momento dá-se a batalha entre o bando de Zé
Bebelo e de Joca Ramiro, quando Zé Bebelo é capturado. Então ele é julgado pelo tribunal composto
dos líderes dos jagunços, dos quais Joca Ramiro é o chefe supremo. Hermógenes e Ricardão são
favoráveis à pena capital. No fim do julgamento, porém, Joca Ramiro sentencia a soltura de Zé Bebelo,
sob a condição de que ele vá para Goiás e não volte até segunda ordem. Após o julgamento, Riobaldo
e Reinaldo juntam-se ao bando de Titão Passos, que também lutou ao lado de Hermógenes.
Após longo período de paz e bonança no sertão, um jagunço chamado Gavião-Cujo vai até o grupo
de Titão informar que Joca Ramiro foi traído e morto por Hermógenes e Ricardão, que ficam conhecidos
como “os judas”. Nesse ponto da narrativa, Riobaldo tem um caso amoroso com a prostituta Nhorinhá e,
posteriormente, com Otacília, por quem se apaixona. Diadorim fica com raiva e, durante uma discussão
com Riobaldo, ameaça-o com um punhal.
Os jagunços se reúnem para combater “os judas” e, assim, começa a segunda guerra, organizada
sob novas lideranças: de um lado, Hermógenes e Ricardão, assassinos de Joca Ramiro e traidores do
bando; de outro, os jagunços liderados por Zé Bebelo, que retorna para vingar a morte de seu salvador.
Em certo momento da narrativa os dois bandos se unem para tentar fugir do cerco armado pelos
soldados do governo, mas o bando de Zé Bebelo foge na surdina do local e deixa Hermógenes e seu
bando lutando sozinhos contra os soldados. Riobaldo entrega a pedra de topázio a Diadorim, o que
simboliza a união entre os dois, mas ele recusa, dizendo que devem esperar o fim da batalha.
Quando o grupo de Zé Bebelo chega às Veredas-Mortas, em dado momento Riobaldo faz um pacto
com o diabo para que possam vencer o bando de Hermógenes. Sob o nome Urutu-Branco, ele assume
a chefia do bando e Zé Bebelo deserta do grupo. Riobaldo pede para um jagunço entregar a pedra de
topázio a Otacília, o que firma o compromisso de casamento entre os dois.
O bando liderado por Riobaldo (ou Urutu-Branco) segue em caça por Hermógenes, chegando até
sua fazenda já em terras baianas. Lá eles aprisionam a mulher de Hermógenes e, não o encontrando,
voltam para Minas Gerais. Em um pri- meiro momento, acham o bando de Ricardão e Urutu-Branco o
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Módulo I
VILAS
mata. Por fim, encontram o grupo de Hermógenes no Paredão e há uma grande e sangrenta batalha.
Diadorim enfrenta Hermógenes em confronto direto e ambos morrem. Riobaldo descobre, então, que
Diadorim é, na realidade, a filha de Joca Ramiro e se chama Maria Deodorina da Fé Bittancourt Marins.
CLARICE LISPCTOR
Autora
– Romances de tensão interiorizada → é uma ficção introspectiva no limiar do experimentalismo.
[O poder narrativo dos fatos, perde espaço para as dúvidas da alma, para as contorções do
espírito, para a necessidade premente de autorrevelação, a partir do questionamento de uma existência
absurda e vazia].
– Emprego de fluxo de consciência → o narrador liberta seu pensamento, deixando-o fluir
livremente e atingindo os abismos de seu inconsciente.
– Sondagem Psicológica → análise profunda dos estados de alma das personagens e
indagações existenciais reme- tendo a questionamentos metafísicos.
– Emprego de monólogo interior → o narrador procura conversar consigo mesmo, analisando e
indagando cada uma de suas atitudes, bem como sua atividade de escritor.
– Epifania → eu/mundo: nasce dessa fusão representada pela ruptura da normalidade e monotonia
cotidianas por um momento de iluminação súbita na consciência da personagem.
– Sua obra → impacto que causa no leitor é o de perspectiva.
– Seu olhar → os fatos ganham uma dimensão inusitada, intensa, absoluta e transcendente.
 De seu olhar meticuloso e hipersensível, o ínfimo parece cósmico; o silêncio, o mais agudo dos
gritos.
– Interesses → processos interiores e pela revolução que esses processos promovem nas
relações do SER consigo mesmo e com o mundo
Pessoa
cotidiano
de repente algo a faz estremecer, desequilibrar-se.
Qual foi a razão? Que motivo?
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Módulo I
VILAS
Uma revelação súbita, de algo fundamental, que permanecia adormecida
Então, há a viagem interior, que resulta numa transformação íntima radical.
A Hora da Estrela – 1977
CARACTERÍSTICAS
1. Emprego do fluxo de consciência → o narrador liberta seu pensamento, deixando-o fluir
livremente e atingindo os abismos de seu inconsciente.
2. Sondagem Psicológica → análise profunda dos estados de alma das personagens e
indagações existenciais remetendo a questionamentos metafísicos.
3. Emprego de monólogo interior → o narrador procura conversar consigo mesmo, analisando e
indagando cada uma de suas atitudes, bem como sua atividade de escritor.
4. Pesquisa da linguagem.
5. Emprego da metalinguagem.
6. Anulação dos limites espaço-temporal.
– Romance introspectivo, psicológico e de tendência existencial.
– Epifania → nasce exatamente dessa fusão do Eu e do Mundo, representada pela ruptura da
normalidade e monotonia cotidiana por um momento de iluminação súbita na consciência da
personagem. O momento epifânico nos é dado pela possibilidade de um futuro para Maca, e completase no instante do atropelamento (a hora da estrela).
– Náusea → a revelação da verdade conduz, por assim dizer, a essência de si mesmo e ao
desprezo pelo mundo que cerceia o verdadeiro crescimento interior. Há o vômito.
A Obra
I. Linhas de sustentação do enredo envolvem aspectos:
 Filosóficos
 Sociais
 Estéticos
→ Linguagrem
Conhecimento
Comunicação
Convencimento
↓
com a linguagem debatem-se:
 A existência humana
 Laços sociais
Essa inquietação faz com que o Artista escreva e tente descobrir na escrita a sua própria identidade
e a sua própria humanidade.
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COLÉGIO
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Módulo I
VILAS
Final
É a morte que a protagonista atingirá uma consciência da vida real. A felicidade só surgirá nos
instantes que antecedem sua hora de Estrela.
A morte da protagonista desencadeia a morte do narrador, uma vez a própria história por ele
contada chegou ao fim; não tem existência própria, é um narrador criado pela autora para proteger-se
através dele.
“Entre a realidade e o delírio, buscando o social enquanto sua alma a engolfava, Clarice escreveu
um livro singular. Romance sobre o desamparo a que, apesar do consolo da linguagem, todos estamos
entregues.”
A verdade é sempre um contato interior inexplicável. A verdade é irreconhecível. Portanto
não existe? não, para os homens não existe.
Questões de Sala
01. (Enem 2ª aplicação 2010)
Açúcar
O branco açúcar que adoçará meu café
Nesta manhã de Ipanema
Não foi produzido por mim
Nem surgiu dentro do açucareiro por milagre.
[...]
Em lugares distantes,
Onde não há hospital,
Nem escola, homens que não sabem ler e morrem de fome
Aos 27 anos
Plantaram e colheram a cana
Que viraria açúcar.
Em usinas escuras, homens de vida amarga
E dura
Produziram este açúcar
Branco e puro
Com que adoço meu café esta manhã
Em Ipanema.
GULLAR, F. Toda Poesia. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira,1980 (fragmento).
A Literatura Brasileira desempenha papel importante ao suscitar reflexão sobre desigualdades
sociais. No fragmento, essa reflexão ocorre porque o eu lírico
a)
b)
c)
d)
e)
descreve as propriedades do açúcar.
se revela mero consumidor de açúcar.
destaca o modo de produção do açúcar.
exalta o trabalho dos cortadores de cana.
explicita a exploração dos trabalhadores.
Querstões 02 e 03
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Módulo I
VILAS
Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.
Estrela da vida inteira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira: 1993. p. 201-202.
02. Para a criação do poema “Lixo”, o autor lança mão de estímulos visuais:
a)
b)
c)
d)
e)
complexos.
comutativos.
concêntricos.
contraditórios.
vulgares
03. Quanto aos aspectos semânticos, a leitura de ambos os poemas leva à:
a)
b)
c)
d)
e)
reflexão.
idealização.
comicidade.
objetividade.
indiferença
04. Leia em trecho de Morte e vida severina, de João Cabral de Melo Neto.
— Severino retirante,
deixa agora que lhe diga:
eu não sei bem a resposta
da pergunta que fazia,
se não vale mais saltar
fora da ponte e da vida;
(…)
E não há melhor resposta
que o espetáculo da vida:
vê-la desfiar seu fio,
que também se chama vida,
ver a fábrica que ela mesma,
teimosamente, se fabrica,
Quanto ao gênero literário, é correto afirmar que o fragmento é:
a) narrativo, que conta em prosa histórias do sertão nordestino.
b) uma peça teatral, desprovido de lirismo e com linguagem rústica.
c) bastante poético e marcado por rimas, sem metrificação.
d) uma epopeia, que traduz o desencanto pela vida dura do sertão.
e) dramático, que encena conflitos internos do ser humano.
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Módulo I
VILAS
Questões de 05 a 08 (FUVEST)
Zoo
Uma cascavel, nas encolhas. Sua massa infame.
Crime: prenderam, na gaiola da cascavel, um ratinho branco. O pobrinho se comprime num dos
cantos do alto da parede de tela, no lugar mais longe que pôde. Olha para fora, transido, arrepiado, não
ousando choramingar.
(...)
Periodicamente, treme. A cobra ainda dorme.
(...)
Meu Deus, que pelo menos a morte do ratinho branco seja instantânea!
(...)
Tenho de subornar um guarda, para que liberte o ratinho branco da jaula da cascavel. Talvez ainda
não seja tarde.
(...)
Mas, ainda que eu salve o ratinho branco, outro terá de morrer em seu lugar. E, deste outro, terei
sido eu o culpado.
(Guimarães Rosa, fragmentos extraídos de “Ave, palavra”)
05. A situação do ratinho branco, preso na gaiola da cascavel, provocou no narrador:
a) imediato sentimento de culpa, que o levou a declarar-se responsável pela situação.
b) desejo imediato de intervenção, a fim de antecipar o previsível desfecho.
c) reação espontânea e indignada, da qual veio a se arrepender mais tarde.
d) compaixão e desejo de intervir, seguidos de uma reflexão moral.
e) curiosidade e repulsa, a que se seguiu a indiferença diante do inevitável.
06. Por meio de frases como “A cobra ainda dorme”, “Talvez ainda não seja tarde” e “ainda que eu
salve o ratinho branco”, o narrador:
a)
b)
c)
d)
e)
prolonga a tensão, alimentando expectativas.
exprime a inevitabilidade dos fatos, ao empregar os verbos no presente.
entrega-se a fantasias, desligando-se das circunstâncias presentes.
formula hipóteses vagas, argumentando de modo abstrato.
precipita a ação do tempo, apressando a narração dos fatos.
07. O último parágrafo permite inferir que a convicção final do narrador é a de que:
a)
b)
c)
d)
e)
a culpa maior está na omissão permanente.
os atos bem-intencionados são inocentes.
nenhuma escolha é isenta de responsabilidade.
não há como discordar da lei do mais forte.
não há culpa em quem aperfeiçoa as leis da natureza.
08. Leia um trecho de A Hora da Estrela, de C. Lispector: Será que eu enriqueceria este relato se
usasse alguns difíceis termos técnicos? Mas aí que está: esta história não tem nenhuma técnica,
nem de estilo, ela é ao deus-dará. Eu que também não mancharia por nada neste mundo com
palavras brilhantes uma vida parca como a da datilógrafa.
No texto, o narrador questiona-se quanto ao modo e, até, à possibilidade de narrar a história. De
acordo com o trecho, isso deriva do fato de ser ele um narrador:
a)
b)
c)
d)
e)
iniciante, que não domina as técnicas necessárias ao relato literário.
pós-moderno, para quem as preocupações de estilo são ultrapassadas.
impessoal, que aspira a um grau de objetividade máxima no relato.
objetivo, que se preocupa apenas com a precisão técnica do relato.
autocrítico, que percebe a inadequação de um estilo sofisticado para narrar a vida popular.
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Módulo I
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09. Obras de Clarice Lispector, João Antônio, Ligia Fagundes Telles, Dalton Trevisan e Guimarães
Rosa mostram que é marcante, na literatura contemporânea.
a)
b)
c)
d)
e)
o romance urbano intimista e a poesia de caráter social.
o conto de tendência naturalista e neorrealista.
a produção de contos de tendência diversa (social, intimista, regionalista).
o romance regionalista e a poesia intimista.
o romance que atesta as violentas tensões urbanas e a poesia de tendência vária (social,
metafísica, regionalista).
10. Ideograma: apelo à comunicação não verbal, o poema concreto comunica a sua própria estrutura:
estrutura-conteúdo, o poema concreto é um objeto em e por si mesmo, não um intérprete de
objetos exteriores.
Com base no excerto, de Plano piloto para a poesia concreta, podemos afirmar que a base de
comunicação que essa poesia busca repousa.
a)
b)
c)
d)
e)
na emoção máxima que deve estar contida num número mínimo de palavras.
na fragmentação das palavras, em oposição à ordenação sintática do texto.
na estrutura verbo-visual que o texto assume.
no encadeamento lógico que deve interligar as palavras do texto.
na emoção que o poeta deve disfarçar sob o embaralhamento proposital de palavras e
conceitos.
GABARITO
EXERCÍCIOS DE SALA
01. E
02. D
03. A
04. E
05. D
06. A
07. C
08. E
09. C
10. B
Questões para Casa
01. (PUC-SP) E o tucano, o voo, reto, lento como se voou embora, xô, xô! mirável, cores pairantes, no
garridir; fez sonho. Mas a gente nem podendo esfriar de ver. Já para o outro imenso lado
apontavam. De lá, o sol queria sair, na região da estrela-d’alva. A beira do campo, escura, como um
muro baixo, quebrava-se, num ponto, dourado rombo, de bordas estilhaçadas. Por ali, se balançou
para cima, suave, aos ligeiros vagarinhos, o meio-sol, o disco, o liso, o sol, a luz por tudo. Agora,
era a bola de ouro a se equilibrar no azul de um fio. O Tio olhava no relógio.Tanto tempo que isso,
o Menino nem exclamava. Apanhava com o olhar cada sílaba do horizonte.
Os Cimos - Guimarães Rosa
Sobre o trecho, do conto Os Cimos, de Guimarães Rosa, é incorreto afirmar que:
a) é texto descritivo caracterizador da natureza, representada pela presença da ave e do
amanhecer.
b) utiliza recursos de linguagem poética como a onomatopeia, a metáfora e a enumeração.
c) descreve o tucano, utilizando frase nominal e de encadeamento de palavras com força adjetiva.
d) apresenta um estilo repetitivo que confunde o leitor e impede a manifestação da força poética do
texto.
e) pinta com luz e cor a linha do horizonte, onde em “dourado rombo, de bordas estilhaçadas”,
nasce o sol.
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Módulo I
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02. (UFRN-RN) O fragmento textual que segue, retirado da narrativa A terceira margem do rio, de João
Guimarães Rosa, servirá de base para a questão.
Sou homem de tristes palavras. De que era que eu tinha tanta, tanta culpa? Se o meu pai, sempre
fazen- do ausência: e o rio-rio-rio — o rio — pondo perpé tuo [grifo nosso]. Eu sofria já o começo da
velhice — esta vida era só o demoramento. Eu mesmo tinha achaques, ânsias, cá de baixo,
cansaços, perrenguice de reu- matismo. E ele? Por quê? Devia de padecer demais. De tão idoso,
não ia, mais dia menos dia, fraquejar o vigor, deixar que a canoa emborcasse, ou que bubuiasse
sem pulso, na levada do rio, para se despenhar horas abaixo, em tororoma e no tombo da
cachoeira, brava, com o fervimento e morte. Apertava o coração. Ele estava lá, sem a minha
tranquilidade. Sou o culpado do que nem sei, de dor em aberto, no meu foro. Soubesse — se as
coisas fossem outras. E fui tomando ideia.
ROSA, João Guimarães. Primeiras estórias.
Rio de Janeiro: J. Olympio, 1976.
No quadro do Modernismo literário no Brasil, a obra de Guimarães Rosa destaca-se pela
inventividade da criação estética.
Considerando-se o fragmento em análise, essa inventividade da narrativa roseana pode ser
constatada através do (a):
a) recriação do mundo sertanejo pela linguagem, a partir da apropriação de recursos da oralidade.
b) aproveitamento de elementos pitorescos da cultura regional que tematizam a visão de mundo
simplista do homem sertanejo.
c) resgate de histórias que procedem do universo popular, contadas de modo original, opondo
realidade e fantasia.
d) sondagem da natureza universal da existência humana, através de referência a aspectos da
religiosidade popular.
e) Todas as afirmativas são corretas.
03. O apelo ao ideograma, ou apenas ao processo ideogramático de composição, a substituição do
artesanato pela utilização de elementos plásticos e visuais, enfim, a desvinculação em relação à
sintaxe, o poema de duas ou três palavras, reduziram, porém, ao extremo a área linguística.
Essas palavras problematizam:
a)
b)
c)
d)
e)
a poética de vanguarda, representada pela poesia concreta de década de 50.
a poesia modernista de 22, de que é particular exemplo o poema-piada.
a poesia da geração de 45, universalizante e de apurado esmero formal.
a poética da geração de 30, de temática social e linguagem discursiva.
a poesia do pré-modernismo, oscilante entre as formas tradicionais e as inovadoras.
04. (...) eu sou eu, Getúlio dos Santos Bezerra e meu nome é um verso que vai ser sempre versado e
se tem lua alumia e se tem sol queima a cara e se tem frio desaquece, ai dos bois de barro e uma
caixa de fósforo e um garajau cheio de barro, apoio ou aboio tu, hem Amaro, ecô, ecô, ecô, nós que
somos marinheiros larguemos a grande vela por isso que puxemos ferro, olcrê (...).
O retratro contemporâneo, a exemplo do excerto lido, de Sargento Getúlio, de João Ubaldo
Ribeiro.
a) liberta-se de formas ortodoxas de narrar; busca expressão adequada ao significado; não raro
envereda pelo experimentalismo.
b) despreza a noção de espaço e tempo da narrativa ortodoxa; desfaz as relações entre a palavra e
seus significados potenciais; prefere a expressão marcada por pausas e pensamentos lógico.
c) evita empregar a palavra conotativa; prefere a expressão marcada por pausas e pensamento
lógico; liberta-se das formas ortodoxas de narra.
d) não raro, envereda pelo experimentalismo; desfaz as relações entre a palavra e seus
significados potenciais; prefere a expressão marcada por pausas e pensamento lógico.
e) busca expressão adequada ao significado; evita empregar a palavra conotativamente; liberta-se
das formas ortodoxas de narrar.
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Módulo I
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05. Em Aracaju, atrás da igreja de São José, atrás do Carro Quebrado, tem um rio pelo nome de rio
Tamandaí, um bicho imundo; bicho porco desgraçado, que quando se entra nele se sai com uma
barba de lama. Apois, atravessando o apicum, entrando naquele mangue, se vê uma ruma de
gente com uma varinha, pegando siri no rio Tamandaí. E tem umas capineiras altas, aonde a terra
é mais seca, que se acha gente fazendo qualquer pior tipo de descaração. Povo de beira de maré é
isso, come e faz senvergonhice, tudo tem um renque de filho que é uma enfieira, porque é tudo na
facilidade.
Como sugere o texto de João Ubaldo Ribeiro, e como lembram obras de José Cândido de Carvalho
e de Bernardo Élis, a linguagem:
a) na prosa de ficção moderna, derrama-se em excessos gongóricos e no uso reiterado de
metáforas, de hipérboles, de antíteses.
b) no romance intimista moderno, esforça-se por fixar limites insondáveis do ser humano, esteja ou
não ele inserido em uma cultura típica de região.
c) na literatura contemporânea, apropria-se de falares típicos e recria formas tradicionais de
expressão, a fim de captar com rigor a realidade brasileira.
d) no modernismo de 30, manteve-se fiel a tendência realista e buscou ser um retrato objetivo dos
desequilíbrios sociais vigentes.
e) na prosa de ficção da década de 20, foi inspirada por forte irracionalidade e pela ausência
sistemática de relações entre significante e significado.
06. É uma característica fundamental da poesia de João Cabral de Melo Neto,
a)
b)
c)
d)
e)
a adjetivação frequente e fácil.
a expressão de tom acentuadamente sentimentalista.
a linguagem predominantemente conotativa.
o vocabulário preciso e rigoroso.
o estilo grandiloquente e retórico.
07. Na ficção regionalista de Guimarães Rosa,
a) o virtuosismo da linguagem denota a preocupação de transcrever literalmente a fala sertaneja.
b) os elementos regionais são condutores de um sentido profundo dos problemas existenciais do
homem.
c) o gênero épico é enfatizado pela narrativa sem interferências líricas.
d) o folclore brasileiro é ressaltado em detrimento do caráter universal da obra.
e) os conflitos e tensões das personagens individuais inexistem, uma vez que já interessa a
complexidade da personagem maior, o sertão.
08. A sua poesia, que se estende de 1942 (Pedra do sono) a 1966 (Educação pela pedra), tem dado
um exemplo fortemente persuasivo em volta às próprias coisas, como estrada real para aprender e
transformar uma realidade que desafia sem cessar a inteligência.
Assinale a alternativa que ilustra o texto, referente à poesia de João Cabral de Melo Neto.
a) Quando meu rosto contemplo,
o espelho se despedaça:
por ver como passa o tempo
e o seu desgosto não passa.
b) E um grande silêncio fez-se
Dentro do seu coração
Um silêncio de martírios
Um silêncio de prisão.
c) O lápis, o esquadro, o papel:
o desenho, o projeto, o número:
o engenheiro pensa o mundo justo,
mundo que nenhum véu encobre
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Módulo I
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d) A poesia é incomunicável.
Fique quieto no seu canto.
e) Não quero mais o Brasil
não quero mais geografia
nem pitoresco.
Quero é perder-me no mundo
para fugir do mundo.
09. Bem, mas o senhor dirá, deve de: e no começo – para pecados e artes, as pessoas – como por que
foi tanto emendado começou? Ei, ei, aí todos esbarram. Com- padre meu Quelemén, também. Sou
só um sertanejo, nessas altas ideias navego mal.
Em Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, de que é exemplo o excerto, o tema do jagunço
é tratado a partir de uma:
a) visão existencial e universalizante do mundo sertanejo.
b) perspectiva fielmente naturalista do modo de viver sertanejo.
c) descrição realista do comportamento das personagens do mundo rural.
d) criação de mitos e heróis na mesma linha da época romântica.
e) narrativa factual, que dispõe as experiências das personagens em ordem linearmente
cronológica.
10. O senhor sabe? Não acerto no contar, estou remexendo o vivido longe alto (...), querendo
esquentar, demear, de feito, meu coração naquelas lembranças. Ou quero enfiar a ideia, achar o
rumozinho forte das coisas, caminho do que houve e do que não houve.
De primeiro, eu fazia e mexia, e pensar não pensava (...): quem mói no asp’ro não fantaseia. Mas
agora, feita a folga que me vem, e sem pequenos dessos-segos, estou de range rede. E me
inventei neste gosto, de especular ideias.
Os excertos, de Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa, explicitam características da
construção da narrativa nesse romance. Com base neles, é possível afirmar o seguinte:
a) Como os fatos já ocorreram e estão desgastados pela memória da personagem, a narrativa
limita-se a expor os acontecimentos, deixando de lado sua análise.
b) A narrativa é conduzida de acordo com as solicitações do interlocutor, cujas longas falas expõem
juízos a propósito dos fatos narrados.
c) Os acontecimento estão dispostos segundo a ordem cronológica em que ocorrem, e o narrador
dá destaque àqueles que foram emocionalmente mais significativos.
d) O prazer de refletir dá origem à narrativa, que se desenvolve segundo o código particular do
tempo da memória da personagem.
e) O narrador busca relatar, descrever objetivamente os fatos, mais que interpretá-los, já que não
conseguiu aprender seu verdadeiro significado.
GABARITO
EXERCÍCIOS DE SALA
01. D
02. A
03. A
04. B
05. C
06. D
07. B
08. C
09. A
10. D
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Módulo I
VILAS
Questões Complementares
01. Devo registrar aqui uma alegria. É que a moça num aflitivo domingo sem farofa teve uma
inesperada felicidade que era inexplicável: no cais do porto viu um arco-íris. Experimentando o leve
êxtase, ambicionou logo outro: queria ver, como uma vez em Maceió, espocarem mudos fogos de
artifício. Ela quis mais porque é mesmo uma verdade que quando se dá a mão, essa gentinha quer
todo o resto, o zé-povinho sonha com fome de tudo, e quer mais sem direito algum, pois não é?
(Clarice Lispector, A hora da estrela)
Considerando-se no contexto da obra o trecho destacado, é correto afirmar que, nele, o narrador:
a) assume momentaneamente as convicções elitistas que, no entanto, procura ocultar no restante
da narrativa;
b) reproduz, em estilo indireto livre, os pensamentos da própria Macabéa diante dos fogos de
artifício;
c) hesita quanto ao modo correto de interpretar a reação de Macabéa frente ao espetáculo.
d) adota uma atitude panfletária, criticando diretamente as injustiças sociais e cobrando sua
superação.
e) retoma uma frase feita, que expressa preconceito antipopular, desenvolvendo-a na direção da
ironia.
02. Clarice Lispector se enquadra no chamado Pós-Modernismo, desconstrói, em suas obras, a
narrativa tradicional, como se pode observar no trecho destacado, em A hora da estrela.
Ele se aproximou e com voz cantada de nordestino que a emocionou, perguntou-lhe:
– E se me desculpe, senhorinha, posso convidar a passear? – Sim, respondeu atabalhoadamente
com pressa antes que ele mudasse de ideia.(...)
– Eu não entendo seu nome – disse ela.
– Olímpico?
Macabéa fingiu enorme curiosidade, escondendo dele que ela nunca entendia tudo muito bem e
que isso era assim mesmo. Mas ele, galinho de briga que era, arrepiou-se todo com a pergunta tola
e que ele não sabia responder. Disse aborrecido:
– Eu sei mas não quero dizer!
– Não faz mal, não faz mal, não faz mal... a gente não precisa entender o nome.
Acerca dessa obra de Clarice Lispector, assinale a alternativa correta:
a) Macabéa, personagem central, costumava ir ao cinema uma vez por mês e tentava encarnar a
vida das estrelas de Hollywood. No final da obra, finalmente, consegue esse intento, e vira
estrela de cinema.
b) A protagonista da história é uma menina do sertão que vai morar no Rio de Janeiro. Ela vivia
num limbo pessoal, sem alcançar o melhor nem o pior. Ela somente vivia, expirando e
inspirando, expirando e inspirando, ou seja, seu viver era ralo.
c) Olímpico, a figura masculina central, tem em comum com Macabéa o fato de vir do Nordeste e
ser pobre e tão ingênuo quanto ela. Devido às características que vê nela, apaixona-se assim
que a encontra.
d) Apesar da profundidade de sua narrativa e da grandeza do que busca mostrar, a linguagem de
Clarice, nessa obra, é surpreendentemente simples, e, nos diálogos entre as personagens, a
autora opta pela linguagem regional.
e) Madame Carlota e Glória são personagens secundárias na história. No entanto ambas têm
importância vital para a vida da protagonista, que conta com a ajuda delas em seus momentos
de maior dificuldade.
03. Em relação a Laços de família, de Clarice Lispector, é correto afirmar:
a) A denúncia dos componentes repressivos da instituição familiar volta-se principalmente para a
educação moralista recebida pelas mulheres, como se vê em Feliz aniversário.
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Módulo I
VILAS
b) Em O crime do professor de matemática, o narrador ataca o poder de sedução dos professores,
na defesa da valorização da moral familiar, alertando contra os perigos do mundo social.
c) Em várias narrativas, a personagem feminina, vivenciando experiências cotidianas, em relação
famílias, tem revelações fundamentais para sua vida interior.
d) a força da personagem feminina, em contos como Amor, consiste em transformar suas relações
pessoais e familiares a partir de um ato de revolta.
e) com personagens pouco habituais, como a galinha e a pigmeia Pequena Flor, o narrador revela
que não há valor na cultura primitiva, em comparação à vida das instituições modernas.
04. Considere o poema, de Ronaldo Azeredo:
Esse texto
I. explora a organização visual das palavras sobre a página.
II. põe ênfase apenas na forma e não no conteúdo da mensagem.
III. pode ser lido não apenas na sequência horizontal das linhas.
IV. não apresenta preocupação social.
Estão corretas:
a)
b)
c)
d)
e)
I e II.
I, II e III.
I e III.
II e IV.
todas.
05. Leia o texto transcrito, que pertence ao livro Muitas vozes, de Ferreira Gullar.
Meu Pai
meu pai foi
ao Rio se tratar de
um câncer (que
o mataria) mas
perdeu os óculos
na viagem
quando lhe levei
os óculos novos
comprados na Ótica
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Módulo I
VILAS
Fluminense ele
examinou o estojo com
o nome da loja dobrou
a nota de compra guardou-a
no bolso e falou:
quero ver
agora qual é o
sacana que vai dizer
que eu nunca estive
no Rio de Janeiro
Assinale a alternativa correta.
a) Em Meu pai, por enfatizar logo na abertura uma doença que terminaria por matar um homem,
percebe-se uma crítica velada ao sistema de saúde do Brasil durante o Regime Militar (1964–
1985).
b) O caráter narrativo do texto faz com que ele não pertença propriamente ao gênero poético, que
se caracteriza por ser a expressão do eu.
c) Ao tratar de um evento cotidiano, Ferreira Gullar renovou a poesia brasileira, de tendência
dominantemente espiritual, introduzindo nela temas antes considerados menos nobres.
d) Meu pai é uma exceção no livro Muitas vozes, já que nele não surge a forte crítica social que
domina o livro.
e) Em Meu pai, como em outros poemas de Muitas vozes, o poeta lança mão da memória pessoal
de fatos cotidianos para construir uma reflexão sobre a fugacidade da vida.
06. Inimigo oculto
dizem que
em algum ponto do cosmos
(Le silence éter nel de ces espaces infinis m’effraie)*
um pedaço negro de rocha
do tamanho de uma cidade
- voa em nossa direção –
perdido em meio a muitos milhares de asteroides
impelido pelas curvaturas do
espaço-tempo
extraviado entre órbitas
e campos magnéticos
voa
em nossa direção
e quaisquer que sejam os desvios
e extravios
de seu curso
deles resultará
matematicamente
a inevitável colisão
não se sabe se quarta-feira próxima
ou no ano quatro bilhões e cinquenta e dois
da era cristã
Ferreira Gullar
*(O silêncio eterno desses espaços infinitos me assusta)
71
COLÉGIO
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Módulo I
VILAS
Identifique a opção que apresenta a explicação adequada para o efeito de sentido resultante do uso
linguístico especificado.
a) Nos versos “um pedaço negro de rocha” / “voa em nossa direção”, o uso do pronome possessivo
“nossa” rompe o vínculo entre o eu lírico e os leitores.
b) Em “dizem que” (verso 1), a expressão do sujeito gramatical, na terceira pessoa do plural, sem
antecedente textual claro, evidencia que o eu lírico se vale de uma outra voz para expressar o
fato.
c) Nos versos “e quaisquer que sejam os desvios / e extravios / de seu curso”, o pronome
possessivo “seu” se reporta ao verso “em algum ponto do cosmos”. (verso 2)
d) O apagamento do objeto direto oracional em “não se sabe se” (verso 20) inviabiliza a referência
a “inimigo oculto”. (título)
e) A combinação da preposição “de” com o pronome “eles”, empregado como pronome possessivo
em “deles resultará” (verso 17), encaminha textualmente as consequências das “curvaturas do
espaço-tempo”. (versos 8-9)
07. Açúcar
O branco açúcar que adoçará meu café
Nesta manhã de Ipanema
Não foi produzido por mim
Nem surgiu dentro do açucareiro por milagre.
[...]
Em lugares distantes,
Onde não há hospital,
Nem escola, homens que não sabem ler e morrem de fome
Aos 27 anos
Plantaram e colheram a cana
Que viraria açúcar.
Em usinas escuras, homens de vida amarga
E dura
Produziram este açúcar
Branco e puro
Com que adoço meu café esta manhã
Em Ipanema.
A Literatura Brasileira desempenha papel importante ao suscitar reflexão sobre desigualdades
sociais. No fragmento, essa reflexão ocorre porque o eu lírico:
a)
b)
c)
d)
e)
descreve as propriedades do açúcar.
se revela mero consumidor de açúcar.
destaca o modo de produção do açúcar.
exalta o trabalho dos cortadores de cana.
explicita a exploração dos trabalhadores.
Questões 08 a 10
Poema obsceno
1
2
3
4
5
6
7
8
Façam a festa
cantem e dancem
que eu faço o poema duro
o poema-murro
sujo
como a miséria brasileira
Não se detenham:
façam a festa
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28
Bethânia Martinho
Clementina
Estação Primeira de Mangueira Salgueiro
gente de Vila Isabel e Madureira
todos
façam
a nossa festa
enquanto eu soco este pilão
este surdo
poema
que não toca no rádio
que o povo não cantará
(mas que nasce dele)
Não se prestará a análises estruturalistas
Não entrará nas antologias oficiais
Obsceno
como o salário de um trabalhador aposentado
o poema
terá o destino dos que habitam o lado escuro do país
e espreitam.
(GULLAR, F. Toda poesia. São Paulo: Círculo do Livro, s. d. p. 338.)
08. Considerando os recursos de composição do poema, assinale a alternativa correta.
a) As negativas presentes nos versos 19 a 23 desqualificam o poema e seu potencial crítico.
b) O termo comparativo “como” é utilizado para aproximar a experiência pessoal do eu lírico da
miséria social brasileira.
c) O uso do imperativo constitui uma metáfora da estrutura de opressão típica da época da
ditadura.
d) Os “que habitam o lado escuro do país – e espreitam” são uma metáfora dos militares
responsáveis pela censura da produção artística.
e) Os versos 19 a 23 são formas de adjetivação do termo “poema”, assim como “sujo” e “duro”.
09. Sobre o texto, considere as afirmativas a seguir:
I. O verbo “socar”, aplicado ao fazer poético, revela a tendência metalinguística da poesia do autor.
II. A conjunção adversativa “mas” (verso 21) estabelece oposição entre povo e poema.
III. A alternância entre o imperativo afirmativo e o negativo representa a separação entre o eu-lírico
(eu) e o povo (todos).
IV. Em relação aos tempos verbais no poema, ao referir-se à “festa”, há o emprego do imperativo.
Estão corretas, somente:
a)
b)
c)
d)
e)
I e II.
I e IV.
III e IV.
I, II e III.
II, III e IV.
10. Os poemas de Ferreira Gullar se caracterizam por seu engajamento social.
Assim, em relação ao eu lírico, considere as afirmativas a seguir:
I. Solidariza com os trabalhadores e os miseráveis.
II. Considera o carnaval uma festa popular.
III. Defende a revolução subterrânea.
IV. Critica os cantores populares. Estão corretas, somente:
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a)
b)
c)
d)
e)
I e II.
II e IV.
III e IV.
I, II e III.
I, III e IV.
Questões 11 e 12 (PUCCAMP)
E desse modo ele se doeu no enxergão, muitos meses, porque os ossos tomavam tempo para se
ajuntar, e a fratura exposta criara bicheira. Mas os pretos cuidavam muito dele, não arrefecendo na
dedicação.
— Se eu pudesse ao menos ter absolvição dos meus pecados!...
Então eles trouxeram, uma noite, muito à escondida, o padre que o confessou e conversou com
ele, muito tempo, dando-lhe conselhos que o faziam chorar.
— Mas, será que Deus vai ter pena de mim, com tanta ruindade que fiz, e tendo nas costas tanto
pecado mortal?
— Tem, meu filho. Deus mede a espora pela rédea, e não tira o estribo do pé de arrependimento
nenhum..
(Guimarães Rosa)
11. O trecho representa a seguinte possibilidade entre os caminhos da literatura contemporânea.
a) ficção regionalista, em que se reelabora o gênero e se revaloriza um universo cultural localizado.
b) narrativa de cunho jornalístico, em que a linguagem comunicativa retoma e reinterpreta fatos da
história recente.
c) ficção de natureza politizante, em que se dramatizam as condições de classes entre os
protagonistas.
d) prosa intimista, psicologizante, em que o narrador expõe e analisa os movimentos da
consciência reflexiva.
e) prosa de experimentação formal, em que a pesquisa linguística torna secundária a trama
narrativa
12. (PUCCAMP) Liga-se a esse trecho de Guimarães Rosa a seguinte afirmação:
a) É um exemplo de crise da fala narrativa, dissolvendo-se a história num estilo indagador e
metafísico.
b) É uma arte marcada pelo grotesco, pela deformação, que coloca em cena tipos humanos
refinadamente exóticos.
c) O autor recolheu lendas de interesse folclórico, que sabe recontar de modo documental, isento e
objetivo.
d) Um universo rude e um plano místico se cruzam com frequência em sua obra, fundindo-se um
no outro.
e) A miséria arrasta as personagens para a desesperança, reveando-se ainda na pobreza de sua
expressão verbal.
13. Eu ouvi aquilo demais. O pacto! Se diz – o senhor sabe.
Bobeia. Ao que a pessoa vai, em meia-noite, a uma encruzilhada, e chama fortemente o Cujo – e
espera. Se sendo, há-de que vem um pé-de-vento, sem razão, e arre se comparece umaporca com
ninhada de pintos, se não for uma galinha puxando barrigada de leitões. Tudo errado, remedante,
semcompletação... O senhor imagi- nalmente percebe? O crespo – a gente se retém – então dá um
cheiro de breu queimado. E odito – o Coxo – toma espécie, se forma! Carece de se conservar
coragem. Se assina o pacto. Se assina com o sangue depessoa. O pa- gar é alma. Muito mais
depois. O senhor vê, superstição parva? Estornadas!... Provei. Introduzi. (p.45) O demo, tive raiva
dele? Pensei nele? Em vezes. O que era em mim valentia, não pensava; e o que pensava produzia
eradúvidas de meenleios. Repensava, no esfriar do dia. A quando é o do sol entrar, que então até é
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o dia mesmo, por seuremorso. Ou então, ainda melhor, no madrugal, logo no instante em que eu
acordava e ainda não abria os olhos: eram só os minutos, e, ali durante, em minha rede, eu preluzia
tudo claro e explicado. Assim: – Tu vigia, Riobaldo, não deixa o diabo te pôr sela... – isto eu
divulgava. Aí eu queria fazer um projeto: como havia de escapulir dele, do Temba, que eu tinha mal
chamado. Ele rondava por me governar?
(ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.)
A leitura revela um dos temas que permeia a ação do romance. Qual é ele?
a)
b)
c)
d)
e)
A coragem do herói em momentos de luta e perigo.
A existência ou não do demônio, com o qual teria sido feito um pacto.
O embate entre o bem e o mal que atormenta Riobaldo.
A necessidade de confissão para alívio do espírito.
A indicação do espiritual como refúgio para problemas pessoais.
14. — A quem estais carregando, irmãos das almas, embrlhado nessa rede? Dizei que eu saiba.
— A um defunto de nada, irmão das almas, que há muitas horas viaja à sua morada.
— E sabeis quem era ele, irmãos das almas, sabeis como ele se chama ou se chamava?
— Severino Lavrador, irmão das almas, Severino Lavrador, mas já não lavra.
— E de onde que o estais trazendo, irmãos das almas, onde foi que começou vossa jornada?
— Onde a Caatinga é mais seca, irmão das almas, onde uma terra que não dá nem planta brava.
— E foi morrida essa morte, irmãos das almas, essa foi morte morrida ou foi matada?
(...)
— E quem foi que o emboscou, irmãos das almas, quem contra ele soltou essa ave-bala?
— Ali é difícil dizer, irmão das almas, sempre há uma bala voando desocupada.
— E o que havia ele feito irmãos das almas, e o que havia ele feito contra a tal pássara?
— Ter um hectare de terra, irmão das almas, de pedra e areia lavada que cultivava.
— Mas que roças que ele tinha, irmãos das almas que podia ele plantar na pedra avara?
— Nos magros lábios de areia, irmão das almas, os intervalos das pedras, plantava palha.
No que tange à utilização de figuras de linguagem para a construção dos sentidos presentes no
texto, analise as proposições.
Em “... essa foi morte morrida ou foi matada?”, tem-se um pleonasmo que foi utilizado como
recurso enfático do tipo de morte ao qual foi acometido o lavrador.
II. Em “Ali é difícil dizer, irmão das almas, sempre há uma bala voando desocupada”, foi utilizada
uma figura de linguagem conhecida como personificação.
III. Ainda em relação ao mesmo verso, poder-se-ia utilizar uma conjunção explicativa, a exemplo
de “pois” ou “porque”, antes da palavra “sempre”.
IV. Tem-se, no décimo verso transcrito, “... o que havia ele feito contra a tal pássara?”, em que
“pássara” foi utilizada como uma metáfora para “bala”.
V. Pode-se afirmar que em “Nos magros lábios de areia” ocorre uma hipérbole, figura de linguagem
que consiste em exagerar numa definição quando se pretende enfatizar um conceito.
I.
São verdadeiras, apenas:
a)
b)
c)
d)
e)
I, II e V
I, II, III e IV
II, III e V
III, IV e V
I e III
15. De um jogador brasileiro a um técnico espanhol
Não é a bola alguma carta
que se leva de casa em casa:
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é antes telegrama que vai
de onde o atiram ao onde cai.
Parado, o brasileiro a faz
ir onde há-de, sem leva e traz;
com aritméticas de circo ele a
faz ir onde é preciso;
em telegrama, que é sem tempo ele a
faz ir ao mais extremo.
Não corre: ele sabe que a bola,
Telegrama, mais que corre voa.
João Cabral de Melo Neto
(Disponível em: <http://www.revista.agulha.nom.br/futebol.html#jogador>
Acesso em: 12 out. 2011.)
Quanto às características do poema, analise as proposições.
I.
II.
Estrutura-se em versos livres e brancos, sem métrica e sem rima, com linguagem conotativa.
Descreve a bola com base na metáfora da carta, comparando os dois termos implicitamente
pela rapidez.
III. Possui sequências narrativas, marcada por verbos de ação, que relatam o percurso da bola.
IV. Apresenta linguagem conotativa, como mostra a hipérbole no verso final da sexta estrofe.
V. Possui predominantemente sequências descritivas, que retratam as características da bola de
futebol.
Estão corretas, apenas:
a)
b)
c)
d)
e)
I, II e V
II, IV e V
I e IV
II e III
III e IV
16. Considerando a natureza literária do poema e os elemen- tos envolvidos no processo de
comunicação, assinale a alternativa incorreta.
a)
b)
c)
d)
e)
O referente do texto é a crítica ao jogador de futebol brasileiro que fica “parado”, “não corre”.
O poeta simula a fala de um jogador brasileiro para um técnico espanhol sobre o futebol do Brasil.
A internet, como canal de comunicação desse poema, permite sua ampla circulação, podendo
atingir diversos leitores.
A mensagem é poeticamente explorada na expressão “aritmética do circo”, que simboliza os
bons dribles e lances do futebol.
O eu lírico elogia a habilidade do jogador brasileiro, que conduz a bola “onde é preciso”, “sem
leva e traz”, “ao mais extremo”.
17. Texto A
A floresta se avoluma
Movem-se espantalhos monstros
riscando sombras estranhas pelo chão
Árvores encapuçadas soltam fantasmas
com visagens do lá-se-vai
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O luar amacia o mato sonolento
Lá adiante
o silêncio vai marchando com uma banda de música
Floresta ventríloqua brinca de cidade
Texto B
Falo somente por quem falo:
por quem existe nesses climas
condicionadas pelo sol,
pelo gavião e outras rapinas:
e onde estão os solos inertes
de tantas condições caatinga
em que só cabe cultivar
o que é sinônimo da míngua.
João Cabral de Melo Neto
A visão de mundo dos poetas expressa-se através da descrição da natureza. Raul Ropp acentua
.......... de nosso país, através de versos carregados de adjetivos. João Cabral descreve a aridez da
terra e a exploração do homem, através de um vocabulário que evoca .......... .
a) a beleza e os contrastes - a beleza e o exótico
b) a riqueza e o mistério - a pobreza e a falta de perspectivas
c) as dificuldades e as dores - a beleza e o exótico
d) a riqueza e a exploração - a religiosidade e a pujança
e) o mistério e as festas - a alegria do sertão
18. A gente nas calçadas
— O ataúde que lhe
preparam é mais
estreito que sua
cela.
— Sepultura de
sete palmos, não
se poderá andar
nela.
— Como pôde existir imóvel
quem tem a cabeça inquieta?
— Não estranhará a
sepultura quem
pôde existir nessa
cela.
— Pôde ver o
negro da morte
durante o tempo
da cadeia.
O fragmento de “Auto do frade”, de João Cabral de Melo Neto, demonstra alguns recursos comuns
à poética do autor.
Assinale a alternativa correta que os identifica:
a)
versos octossilábicos, metáforas ligadas à terra, oposições violentas, regionalismo, visão
trágica do mundo.
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b)
c)
d)
e)
versos octossilábicos, metáforas ligadas à noite, oposições binárias, regionalismo, visão trágica
do mundo.
versos heptassilábicos, estrofes curtas, paradoxos, historicismo, visão trágica do mundo.
versos decassilábicos, estrofes curtas, historicismo, visão dramática do mundo.
versos octossilábicos, repetição de palavras e estruturas, oposições, diálogos.
19. Paisagem do Capibaribe (I)
Aquele rio
era como um cão sem
plumas. Não sabia da
chuva azul,
da fonte cor-de-rosa,
da água de
copo de água,
da água de cântaro,
dos peixes de água,
da brisa na água.
Paisagem do Capibaribe (II)
Entre a paisagem
(fluía)
de homens plantados na lama;
de casas de lama
plantadas em ilhas
coaguladas na lama;
paisagem de anfíbios de lama e lama
MELO NETO, João Cabral de. “O cão sem plumas”. Barcelona: O Livro
Inconsútil, 1950.
Da leitura deste poema, podemos destacar:
I.
II.
III.
IV.
a imagem regionalista de denúncia da miséria nor- destina.
a arquitetura do poema.
uma poesia engajada na temática social.
o cão é o rio que carrega os detritos de sobrados e mocambos.
Desses destaques, conclui-se que:
a)
b)
c)
d)
e)
são corretos os itens I, III e IV.
os itens II e III são incorretos.
somente o item IV é incorreto.
somente o item II é correto.
todos os itens são corretos.
Questões 20 e 21
Mas desconfio que toda esta conversa é feita apenas para adiar a pobreza da história, pois estou
com medo. Antes de ter surgido na minha vida essa datilógrafa (Macabéa), eu era homem até mesmo
um pouco contente, apesar do mau êxito na minha literatura. As coisas estavam de algum modo tão
boas que podiam se tornar muito ruins, porque o que amadurece plenamente pode apodrecer.
(LISPECTOR, Clarice. A hora da estrela. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.)
20. O trecho lido demonstra uma característica peculiar à obra:
a) Metalinguagem;
b) Intertextualidade;
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c) Paradoxo;
d) Fluxo da consciência;
e) Discurso indireto livre;
21. Sobre o processo de narração do romance, marque a afirmativa correta.
a) O narrador-autor reflete sobre sua escritura e une sua vida à de sua personagem, existindo com
ela e para ela.
b) Clarice enuncia ser a narradora, retomando questões próprias ao conjunto de sua obra.
c) Sem qualquer empatia pela personagem, o narrador, da mesma classe social, recusa qualquer
sentimento de culpa ou piedade por Macabéa.
d) No relato de vida e morte de Macabéa, o foco narrativo detém-se nas conquistas e vitórias da
personagem.
e) Os fatos da vida da heroína, suas carências, são mostradas cruamente, sem qualquer reflexão.
GABARITO
01. e
02. b
03. c
04. c
05. e
06. b
07. e
08. e
09. b
10. a
11. a
12. d
13. b
14. b
15. e
16. a
17. b
18. e
19. e
20. A
21. a
DIÁLOGO ELETRÔNICO:
Face: ZECARLOSBASTOSII
[email protected]
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