igualdade de gênero considerações sobre o salário maternidade

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igualdade de gênero considerações sobre o salário maternidade
IGUALDADE DE GÊNERO: CONSIDERAÇÕES SOBRE O SALÁRIO
MATERNIDADE
Lélia Aparecida Mendes Lacerda1, Bruno Miola da Silva2
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Graduanda do Curso de Direito, CESG/FG, Guanambi – BA. E-mail: [email protected]
Advogado, Mestre em Direito Constitucional .
RESUMO: O presente trabalho pretende discutir a extensão do direito ao benefício
previdenciário denominado de salário maternidade aos homens, numa perspectiva
constitucional baseada no Direito à Igualdade, quando, os deveres paternos forem
indispensáveis para o bem estar da criança sob seus cuidados. A questão principal a ser
demonstrada não é a criação de um novo benefício previdenciário, mas a equiparação de
direitos dos homens, no tocante a concessão do salário maternidade, perante os novos
modelos de família presentes na sociedade atual.
Palavras- Chave: Direito à Igualdade. Licença Paternidade. Salário Maternidade. União
Homoafetiva
The MATERNITY PAY UNDER RIGHT TO EQUALITY: A father-right.
ABSTRACT: This paper discusses the extension of the right to pension benefit called
maternity pay to men, a perspective based on constitutional right to equality, when the
parental duties are essential to the well being of children in their care. The main question to be
demonstrated is not the creation of a new pension benefit, but the equal rights of men,
concerning the granting of maternity pay, before the new family models in society today.
Key words: Maternity Pay .Paternity leave. Right to equality. Union homoafetiva.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem o escopo de apresentar uma análise do benefício
previdenciário denominado Salário Maternidade, à luz do Direito à Igualdade elencado na
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Pretende-se levantar a problemática das pessoas não alcançadas por esse benefício,
traçando um paralelo entre as pessoas contempladas e os direitos fundamentais garantidos
constitucionalmente, com ênfase ao direito à igualdade. Outrossim, no decorrer da pesquisa,
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pretende-se comprovar se o direito ao benefício previdenciário de salário maternidade pode
ser estendido aos homens.
É cediço que hoje o benefício de salário maternidade é pago às mulheres seguradas
pela Previdência Social. Porém, o conceito de família vem sofrendo diversas transformações
ao longo do tempo. A Constituição Federal de 1988 alterou consideravelmente esse conceito,
pois se passou do Pátrio Poder, onde era prerrogativa prioritária do marido chefiar a família,
para o Poder Familiar, onde os direitos e deveres são igualmente desempenhados pelos pais.
Faz-se necessário nos capítulos que se seguem abordar essa evolução do conceito de
família, as prerrogativas constitucionais referentes ao direito à igualdade, o benefício de
salário maternidade à luz do direito constitucional e a possibilidade de extensão desse direito
aos homens.
DIREITO À IGUALDADE
A partir das Revoluções instauradas no mundo com início nos séculos XVII e XVIII,
tais como a Revolução Inglesa, a Revolução Americana e principalmente a Revolução
Francesa, podem-se compreender os direitos fundamentais.
Nesse sentido, Bobbio (1992, p.32-33) afirma que:
os direitos do homem, mesmo que fundamentais, são direitos históricos, pois
nascem em circunstâncias caracterizadas por lutas contra poderes surgidos em
tempos distintos. Afirma que os direitos fundamentais nascem quando devem ou
podem nascer, quando há aumento de poder do homem sobre o homem. Ensina
ainda que os direitos são transformados e ampliados, bastando examinar os escritos
dos primeiros jus naturalistas para ver quanto se ampliou a lista dos direitos,
exemplificando Hobbes, que conhecia apenas um deles, o direito à vida.
As formas de classificação dos direitos fundamentais são as mais diversas, variando na
doutrina e nas Constituições. A doutrina moderna adota a classificação dos direitos
fundamentais de primeira, segunda e terceira gerações com base na ordem histórica e
cronológica. Assim, conceitua Celso de Melo, apud por Moraes (2010, p. 31):
enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que
compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da
liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais)
– que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o
princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de
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titularidade coletiva atribuídos, genericamente a todas as formações sociais,
consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no
processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos,
caracterizados enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma
essencial inexauribilidade.
Nesse mesmo sentido, o doutrinador Cavalcante Filho (2010, p. 12), ao explicar sua
classificação dos direitos fundamentais, aduz que:
trata-se de uma classificação que leva em conta a cronologia em que os direitos
foram paulatinamente conquistados pela humanidade e a natureza de que se
revestem. Importante ressaltar que uma geração não substitui a outra, antes se
acrescenta a ela, por isso a doutrina prefere a denominação, dimensões.
Os direitos da Igualdade pertencem à 2ª Dimensão dos Direitos Fundamentais,
conforme dispõe CAVALCANTE FILHO (2010, p. 20): “assim entendidos os direitos de
grupos sociais menos favorecidos, e que impõem ao Estado uma obrigação de fazer, de
prestar (direitos positivos, como saúde, educação, moradia, segurança pública e, agora, com a
EC 64/10, também a alimentação)”.
“Os direitos sociais são aqueles que impõem diretrizes, deveres e tarefas a serem
realizadas pelo Estado, no intuito de possibilitar aos seres humanos melhor qualidade de vida
e um nível razoável de dignidade como pressuposto do próprio exercício de liberdade”.
(MARMELSTEIN, 2008, p. 51)
Neste contexto, Jane Reis Gonçalves (2006, p.77) pondera:
Do ponto de vista formal, direitos fundamentais são aqueles que a ordem
constitucional qualifica. Em outros termos, a fundamentalidade em sentido material
está ligada à essencialidade expressamente como tais. Já do ponto de vista material,
são direitos fundamentais aqueles direitos que ostentam maior importância, ou seja,
os direitos que devem ser reconhecidos por qualquer Constituição legitimando
direito para implementação da dignidade humana. Essa noção é relevante, pois, no
plano constitucional, presta-se como critério para identificar direitos fundamentais
fora do catálogo.
Já o conceito de Direitos Fundamentais do Homem mais aceita dentre os doutrinadores
modernos “é aquela que estabelece que são situações jurídicas, objetivas e
subjetivas,
definidas no direito positivo, em prol da dignidade, igualdade e liberdade da pessoa humana”.
(SILVA, 2002, p. 178).
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 trouxe várias inovações na
ordem jurídica nacional. Foi a partir dela que alguns direitos puderam ser estendidos, no
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sentido de igualar todos em direitos e obrigações. Um dos principais pressupostos inovadores
está contemplado no artigo 5º da CRFB/88:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito
à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.
A Constituição Federal também permite a existência de direitos fundamentais
implícitos, é o que determina o § 2o, do artigo 5o, da Constituição Federal, verbis: “Os direitos e
garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela
adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.
Conforme assevera Bonavides (2007, p. 378), “O Estado brasileiro deve garantir as
condições e os pressupostos reais e fáticos indispensáveis ao exercício dos direitos
fundamentais”. Nesse contexto, conclui-se que, embora o artigo 5º da Constituição Federal de
1988 pareça prescrever a igualdade formal, a sua interpretação deve ser feita em consonância
com os demais princípios constitucionais, que refletem os valores estruturais do ordenamento
jurídico pátrio.
A Constituição Federal de 1988 ao estabelecer que homens e mulheres sejam iguais
em direitos e obrigações, não está concedendo igualdade absoluta, uma vez que existem
diferenciações necessárias para o alcance de alguns direitos.
O doutrinador Moraes (2010, p.39), expõe que:
A correta interpretação do artigo 5º da Constituição Federal torna inaceitável a
utilização da discriminação quanto ao sexo, sempre que o mesmo seja eleito com o
propósito de desnivelar materialmente o homem da mulher; aceitando-o, porém,
quando a finalidade pretendida for atenuar os desníveis.
Ao restringir às mulheres o direito ao benefício de salário maternidade, a legislação
brasileira está confrontando os princípios do Estado Democrático de Direito, vez que, tratando
homens e mulheres de maneira desigual, gera uma discriminação. Ainda, quando existe essa
diferenciação de condição, as crianças que se encontram sob a guarda exclusivamente
masculina, são discriminadas quando da interpretação literal de tais preceitos, visto que, na
realidade, o que o legislador pátrio procurou resguardar foi o desenvolvimento pleno e
satisfatório dos aspectos físicos e psicológicos do ser humano.
Diante do que foi dito, o direito à igualdade cada vez mais, abrange vários segmentos
da sociedade, buscando a integração. No caso dos atuais modelos de família hoje concebidos,
é justo que o direito possa alcançar os mais diversos institutos.
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CONCEITO DE FAMÍLIA
Ao longo da história, a sociedade concebia como família a união entre homem e
mulher constituída pelos laços matrimoniais do casamento. Cada membro da família possuía
sua função definida, limitando-se assim certos direitos, principalmente os realtivos às
mulheres. O homem tinha o dever de prover as necessidades da família e, cabiam as mulheres
as tarefas de cuidar dos afazeres domésticos e criação dos filhos.
Nesse sentido, preconiza Maria Berenice Dias, (2011, p.01) que:
A tentativa de formatar os vínculos afetivos dentro de um único modelo sempre
existiu, variando segundo valores culturais e a influência religiosa dominante em
cada época. A família consagrada pela lei sempre foi conservadora: entidade
matrimonializada, patriarcal, patrimonial, indissolúvel, hierarquizada e
heterossexual.
O Código Civil de 1916 é um exemplo disso, refletia sobremaneira a sociedade da
época. Para demonstrar o valor dos aspectos constantes no Código, dispõe Oliven (2010,
p.28) que:
[...] com forte tom patrimonial e resquícios da sociedade rural, a qual já estava
decadente, mas ainda mantinha um determinado poderio econômico. O Código trata
a propriedade como valor necessário da realização da pessoa humana e a mulher
como relativamente incapaz, sem o poder de gerencia integral de sua vida, sua
pessoa, filhos ou bens.
Também partilha desse entendimento, Maria Berenice Dias (2007, p. 121), ao relatar
que “[...] o código civil anterior, que datava de 1916, regulava a família do século passado,
constituída unicamente pelo matrimônio”.
O casamento civil era a única forma de legitimar e criar a família e os filhos,
encontrando fundamento no Art. 229 do referido Código, assim disposto: “criando a família
legítima, o casamento legitima os filhos comuns, antes dele nascidos ou concebidos”. Os
filhos havidos fora do casamento tinham tratamento diferenciado, o que tinha implicação
direta principalmente no direito sucessório.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 foi um marco importante
para a história do direito brasileiro, a partir dela alguns direitos foram entendidos a todos os
brasileiros, sendo um exemplo o tratamento igualitário entre os filhos, conforme Art.227, §6º,
da Constituição Federal.
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Nos direitos e garantias fundamentais, a Constituição englobou também a proteção à
entidade familiar. Neste sentido, assegura Maria Berenice Dias (2007, p. 138):
Uma nova realidade se impôs, acabando por produzir profunda revolução na própria
estrutura social. Tornou-se tão saliente o novo perfil da sociedade, que a
Constituição de 1988 alargou o conceito de família para além do casamento. Passou
a considerar como entidade familiar relacionamentos outros. Foi assegurada especial
proteção tanto aos vínculos monoparentais – formados com um dos pais por seus
filhos – como a união estável – relação de um homem e uma mulher não sacralizada
pelo matrimonio (CF, artigo 226s, §3°). Com isso deixou de ser o casamento o único
marco a identificar a existência de uma família.
Os novos rumos instituídos a partir da Constituição de 1988 representaram mudanças
significativas no Direito Civil e no Direito de Família em que prioriza os interesses
individuais dos membros da família, com ênfase na dignidade da pessoa humana.
Assim, bem dispõe Maria Berenice Dias (2007, p. 183):
O princípio norteador da Constituição, que baliza o sistema jurídico, é o que
consagra o respeito à dignidade humana. O compromisso do Estado para com o
cidadão sustenta-se no primado de igualdade e da liberdade, estampado já no seu
preâmbulo. Ao conceder proteção a todos, veda discriminação e preconceitos por
motivo de origem, raça, sexo ou idade e assegura o exercício dos direitos sociais e
individuais, a liberdade, a segurança, o bem estar, o desenvolvimento, a igualdade e
a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem
preconceitos.
A grande inovação trazida pelo texto constitucional e o Código Civil de 2002, foi a de
tirar a falsa mística de superioridade do homem diante da família. Agora, os direitos e deveres
dos pais são idênticos. Vários princípios constitucionais são elencados para a garantia dos
direitos da família.
Para Paulo Lôbo (2011, p. 05), “destacam-se como princípios constitucionais
aplicáveis ao direito de família os princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana e
da solidariedade, além dos princípios gerais da igualdade, liberdade, afetividade, convivência
familiar e melhor interesse da criança”.
A Constituição Federal de 1988, não admite supremacia entre as formas de entidade
familiar, baseada nos princípios constitucionais da igualdade e da dignidade, sendo a
afetividade o fator determinante para a caracterização e constituição de uma família.
A família agora se define “nuclear, horizontalizada, apresentando formas
intercambiáveis de papéis, sem o selo do casamento”, conforme preceitos da Ilustre
Desembargadora Maria Berenice Dias (2003, p. 19).
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É no Art. 226 da Constituição Federal de 1988, assim disposto: “a família, base da
sociedade, tem especial proteção do Estado”, que o constituinte reafirmou a entidade familiar
como sendo digna da tutela estatal, sem especificar que tipo de família é merecedora de tal
proteção.
São vários os princípios constitucionais que servem de base para o referido artigo,
sendo o da dignidade da pessoa humana o viés a ser considerado para o reconhecimento da
união homossexual como entidade familiar, observando-se sob a perspectiva de vida em
comum, com convivência respeitosa e afetividade estável sem qualquer restrição
discriminatória.
O direito brasileiro mostrou-se, mais uma vez, avançado em garantir e reconhecer os
direitos de seus cidadãos. Com o julgamento do Supremo Tribunal Federal da Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 132/RJ e da Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI) nº 4277 que reconheceu, pela unanimidade de 10 ministros
votantes, a união homossexual como entidade familiar, demonstra a capacidade das normas se
adequarem aos anseios da sociedade.
Alguns juízes singulares e desembargadores de alguns tribunais de justiça brasileiros,
já vinham reconhecendo a afetividade como o pilar central da existência das uniões de
pessoas do mesmo sexo. O Supremo Tribunal Federal para alicerçar a decisão nesses julgados
utilizou-se da analogia, vez que não há lei que regulamente as relações homoafetivas.
Cumpre destacar as palavras do ministro Luiz Fux, quando do seu voto: canetas de
magistrados não são capazes de extinguir o preconceito, mas, num Estado Democrático de
Direito, detêm o poder de determinar ao aparato estatal a atuação positiva na garantia da
igualdade material entre os indivíduos e no combate ostensivo às discriminações odiosas. Esta
Corte pode, aqui e agora, firmar posição histórica e tornar público e cogente que o Estado não
será indiferente à discriminação em virtude da orientação sexual de cada um; ao revés, será o
primeiro e maior opositor do preconceito aos homossexuais em qualquer de suas formas.
FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL DA LICENÇA MATERNIDADE
A Constituição Federal de 1988 foi um marco para a evolução dos direitos do cidadão
no Brasil, foi a partir dela que se pode falar em respeito à dignidade da pessoa humana. A
norma estabeleceu a transformação das relações jurídicas com valoração aos princípios da
igualdade e da isonomia.
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O princípio da igualdade já está consagrado no preâmbulo da norma maior, onde
concede proteção a todos, sendo vedados qualquer discriminação e preconceitos por motivo
de origem, raça, sexo ou idade. Assim diposto:
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional
Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício
dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o
desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade
fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida,
na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias,
promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.[...]. (Constituição Federal 1988)
Ao estabelecer a isonomia entre homens e mulheres, os direitos que até então eram, na
sua maioria, institutos exclusivos aos homens puderam ser extendidos as mulheres. A mulher,
a partir de então, sendo reconhecida como portadora de direitos e deveres, passou a ocupar
lugares de destaque na sociedade.
A proteção da mulher durante o período de amamentação foi concedida a partir da
nova ordem jurídica instituída pela Constituição Federal de 1988, sendo uma norma geral.
Mais tarde foi criada a Lei 8.213/91 (Lei da Previdência Social) para dar eficácia aos
benefícios previdenciários.
A instituição do benefício de salário maternidade possui forte caráter social, e tem
fundamento principal o amparo que o Estado brasileiro concede à maternidade, e à família,
que sempre deve ser preservada.
Nesse sentido, Barros (2008, p. 1084) leciona que:
A maternidade tem uma função social, pois dela depende a renovação das gerações.
As medidas destinadas a proteger as mulheres em decorrência de gravidez ou de
parto, vinculadas a um contrato de trabalho, não constituem discriminação; seu
fundamento reside na salvaguarda da saúde da mulher e das futuras gerações.
A licença à maternidade encontra escopo já na Constituição da República Federativa
do Brasil de 1988 nos arts. 7º, XVIII e 201, II, assim dispostos:
Art. 7º - São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à
melhoria de sua condição social:
[...] “XVIII - licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a
duração de cento e vinte dias”.
Art. 201 - A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de
caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o
equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:
[...] “II - proteção à maternidade, especialmente à gestante.
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Existe uma linha tênue que diferencia a licença maternidade do salário maternidade. A
licença maternidade encontra arcabouço jurídico no artigo 392 da Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT) assim disposto: “a empregada gestante tem direito à licença-maternidade de
120 dias, sem prejuízo do emprego e do salário”. A empregada ficará afastada de suas
atividades laborais por 120 dias sendo remunerada pela empresa, a qual fará os ajustes quanto
à contribuição previdenciária.
No tocante ao salário maternidade, trata-se de um benefício previdenciário pago às
mães (biológicas ou adotantes) durante o período de 120 dias em que fica afastada de suas
atividades laborais. A principal função é oferecer às mães apoio econômico no período de
amamentação ou adaptação da criança, visando melhorar o vínculo mãe/filho nestes primeiros
momentos, onde a convivência diária e os cuidados dispensados refletem no fortalecimento
desse vínculo.
Diante disto, depreende-se que, a concessão da licença/salário maternidade apresenta
uma notória desigualdade de tratamento entre homens e mulheres, visto que, quando o homem
assume os deveres imprescindíveis de cuidado da criança por ele tutelado se equipara aos
exercidos pelas mulheres.
Ao conceber essa desigualdade, estaríamos diante de um caso de cerceamento de direito
da criança, uma vez que, se fizermos uma interpretação literal da Constituição, a
licença/salário maternidade seria concedido apenas às mulheres.
Portanto, como leciona Maria Berenice Dias (2011, p. 01),
Ainda que normalmente a licença seja concedida à mãe, quando ela não pode
assumir o cuidado do filho - quer porque faleceu, quer por estar incapacitada, ou
ainda quando a criança é adotada por um homem, possibilidade que existe na lei indispensável que o benefício seja concedido a quem exerce as funções de
maternagem. Para isso sequer é necessário alteração constitucional ou legal. Basta
atentar ao princípio da igualdade.
O direito à licença paternidade entrou no rol dos direitos trabalhistas, na Consolidação
das Leis do Trabalho (CLT) em seu artigo 473, III, concedendo ao pai licença de 01 dia, em
caso de nascimento de filho. A Constituição Federal estabelece a licença paternidade em seu
artigo 7º, XIX, assim disposto: “[...] licença-paternidade, nos termos fixado em lei”, deixando uma
lacuna ao conceituar tal dispositivo.
É no artigo 10, § 1º, do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias - ADCT, que o período elencado pela CLT foi alterado para 05 dias, até que seja
disciplinado o art. 7º, XIX.
Trata-se de uma licença remunerada, podendo o pai se ausentar do trabalho sem
implicações trabalhistas. A contagem do prazo deve-se iniciar no 1º dia útil seguinte ao
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nascimento da criança, devendo o empregado voltar ao trabalho no 5º dia após o nascimento
da criança.
No direito comparado podemos nos espelhar no modelo sueco de licença remunerada
para ambos os pais.
A Suécia tem realizado um experimento social já há bastante tempo, com o objetivo
declarado de induzir uma divisão mais igualitária de responsabilidades e funções
concernentes à economia doméstica, em especial, estimulando os homens a se
envolverem de modo mais direto com as atividades relacionadas à criação dos
filhos. Assim, desde 1974, a licença-maternidade então existente foi transformada
em um sistema de licença remunerada para ambos os pais. (FARIA, 2002, p. 178).
Diante do que fora exposto, e partindo da premissa de igualdade de direitos entre
homens e mulheres, torna-se justo que os homens também sejam alcançados por esse
benefício, uma vez que, na família monoparental e nas uniões homoafetivas formadas por
homens esse benefício não é extendido.
LICENÇA, SALÁRIO MATERNIDADE NAS RELAÇÕES HOMOAFETIVAS
Semelhante ao já citado, a Constituição Federal assegura licença à gestante, sem
prejuízo do emprego e do salário, com a duração de 120 dias (CF, art. 7º, inc. XVIII), sendo
silente aos casos de pais solteiros ou em parceria com um companheiro, que adotam uma
criança, deixando uma lacuna na lei.
A partir do julgamento do Supremo Tribunal Federal da Arguição de Descumprimento
de Preceito Fundamental (ADPF) nº 132/RJ e da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI)
nº 4.277 que reconheceu a união homossexual como entidade familiar, é que se fundamenta a
concessão do benefício previdenciário aos homens, baseado no direito à igualdade perante os
princípios que regem o direito brasileiro frente aos novos conceitos de família.
A jurisprudência, diante dessa desigualdade, e em razão da evolução do conceito de
família, já vem admitindo que a licença maternidade também deva ser concedida a pai solteiro
adotante, conforme trecho da decisão do Conselho Superior da Justiça do Trabalho, ao julgar
decisão do Tribunal Regional do Trabalho 15ª Região, no processo CSJT – 150/2008-895-1500-0, transcrita abaixo:
“(...) tem-se como essencial uma interpretação sistemática do artigo 210 da Lei nº
8.112/90 com o artigo 5º, caput, da Constituição da República, que consagra o
princípio da isonomia. Com efeito, se o Estatuto da Criança e do Adolescente (artigo
42 da Lei nº 8.069/90) confere a qualquer pessoa com idade superior a 21 (vinte e
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um) anos, independente do sexo, o direito à adoção, afigura-se-me normal que um
servidor, ainda que não casado, opte por adotar ou obter a guarda judicial de uma
criança. Aliás, conduta desta natureza, além de se encontrar em perfeita harmonia
com o artigo 227 da Constituição da República, que prevê ser dever do Estado, da
família e da sociedade assegurar, com absoluta prioridade, proteção à criança e ao
adolescente, é digna de louvor, principalmente se levarmos em consideração que
vivemos num país que, embora em desenvolvimento, convive ainda com elevado
número de crianças em total abandono e às margens da criminalidade. Não é menos
verdade que o lapso temporal de 90 dias previsto no artigo 210 da Lei nº 8.112/90,
para gozo de licença da servidora, deve-se ao fato de, em se tratando de criança com
idade inferior a 1 (um) ano, serem imprescindíveis, tanto cuidados especiais e
essenciais à adaptação ao novo ambiente familiar, como a aquisição de materiais a
serem utilizados pela criança e, quiçá, a contratação de uma babá de confiança para
zelar pelo menor. Esses cuidados, como se sabe, não deixam de ser primordiais à
boa adaptação da criança, apenas por ser o adotante um servidor do sexo masculino
que não tenha firmado sociedade conjugal. Aliás, eventual conclusão no sentido de
se obstaculizar o direito do servidor implicaria, a meu ver, manifesta ofensa ao
princípio constitucional da isonomia, além da consagração de tese que, certamente,
não conseguiu acompanhar a evolução da nossa sociedade.”
Outras recentes decisões dos Tribunais pátrios:
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA.
SERVIDOR PÚBLICO. ADOÇÃO DE MENOR. LICENÇA-MATERNIDADE
DE 120 DIAS. CONCESSÃO. APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DO ART. 7º,
XVIII DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL/88.1. A licença maternidade visa, antes de
tudo, assegurar os direitos da criança, que, independente de ser biológica ou adotiva,
necessita dos cuidados maternos em tempo integral, nos primeiros meses de vida.
Aplicação analógica do art. 7º, XVIII, bem como dos arts. 226 e 227, § 6º, ambos da
Constituição Federal/88. 2. Apelação e remessa oficial não providas.(TRF 01ª
Região – AMS 2003.38.00.032368-0/MG - Rel. Juiz Federal Mark Yshida Brandão
– 01ª Turma Suplementar – DJF1 p. 70 em 15.06.2011).
Embora não exista previsão legal e constitucional de licença paternidade nos moldes
da licença-maternidade, essa não deve ser negada ao genitor, ora impetrante. Isso
porque o fundamento desse direito é proporcionar à mãe período de tempo integral
com a criança, possibilitando que sejam dispensados a ela todos os cuidados
essenciais à sua sobrevivência e ao seu desenvolvimento. Na ausência da genitora,
tais cuidados devem ser prestados pelo pai e isso deve ser assegurado pelo Estado,
principalmente nos casos como o presente, em que, além de todas as necessidades
que um recém nascido demanda, ainda há a dor decorrente da perda daquela. Nestas
circunstâncias, os princípios da dignidade da pessoa humana e da proteção à infância
devem preponderar sobre o da legalidade estrita, que concede tão somente às
mulheres o direito de gozo da licença-maternidade.
Diante do exposto, defiro o pedido liminar para conferir ao Impetrado o direito de
gozar da licença-paternidade nos moldes da licença maternidade prevista no art. 207
da Lei nº 8.112/90 c/c art. 2º, §1º, do Decreto nº 6.690/08” (Justiça Federal do
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Distrito Federal – 06ª Vara – Decisão em Mandado de Segurança com Pedido de
Liminar nº 696591.2012.4.01.3400 – Juíza Federal Ivani Silva da Luz – Data da
decisão: 08.02.2012).
Existe também decisão em âmbito de recurso administrativo da 18ª Junta de Recursos
da Previdência Social no sentido de dar provimento ao requerimento de salário maternidade
de pai solteiro adotante. Como fundamento de sua decisão a relatora Juliana Paludo Molinari
apontou o voto da Ministra Carmen Lúcia no julgamento da ADIN 4.277 e ADPF 32,
dispondo que: “a orientação jurisprudencial segue no sentido de contemplar o requerimento
do recorrente não apenas por evolução no tocante à união estável homoafetiva e
reconhecimento da mesma como entidade familiar, mas também, e principalmente no
interesse do menor adotado”.
Diante do que foi exposto, percebe-se que aos poucos, mesmo que por ausência de
pressuposto legal, a decisão de concessão do salário maternidade aos homens vem sendo
aceita em alguns Tribunais por aplicação do princípio da analogia.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Constituição Federal ao prevê o direito à igualdade entre seus princípios, estabelece
que seja dado tratamento igual a todos aqueles que se encontrem na mesma situação, servindo
de base mestra para a concessão do benefício de salário maternidade aos homens, levando-se
em conta as diversas modalidades de entidade familiar hoje existente.
Como já exposto, a família monoparental é reconhecida e protegida pelo ordenamento
jurídico pátrio, bem como a família formada por casais homossexuais masculinos, sendo,
portanto, um total contrassenso o direito desses pais e de suas famílias continuar sem a devida
proteção efetiva, não sendo razoável que o benefício de salário maternidade seja pago apenas
às mulheres.
As crianças que são amparadas por esses novos modelos de família devem-se e
precisam de apoio nos primeiros momentos de adaptação, ficando esses homens sem
condições de dar a atenção necessária, vez que a licença paternidade é concedida somente
durante 05 dias.
Percebe-se que o direito tende a acompanhar as transformações da sociedade, no caso
em contento já existem decisões tanto judiciais, quanto em sede de recurso administrativo,
favoráveis à extensão do benefício de salário maternidade aos homens.
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Na realidade diária, nota-se uma adequação dos sistemas operacionais do INSS para
atendimento das demandas até então apresentadas. Contudo, não se admite ainda em sede
administrativa a concessão do beneficio de salário maternidade a homens.
Conclui-se com isso que, para adequação da norma às realidades da sociedade atual, é
preciso mudança de paradigmas. O homem de hoje, tem condições de cuidar dos filhos tão
bem quanto às mulheres, é preciso dar a eles igualdade de condições para exercerem esse
novo papel.
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