O Pagador de Promessas - rogerliteratura.com.br
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O Pagador de Promessas Dias Gomes Encenada pela primeira vez em 1960, adaptada para o cinema em 1962, quando recebeu o prêmio máximo do Festival de Cinema de Cannes. A peça é dividida em três atos, sendo que os dois primeiros ainda são subdivididos em dois quadros cada um. Local: Salvador; praça em frente à Igreja de Santa Bárbara. Época: 1960; é dia de Iansã. Personagens: Zé-do-Burro Nicolau – o burro Rosa – esposa de Zé Marli – prostituta Bonitão – gigolô Padre Olavo Sacristão Monsenhor Guarda Beata Galego – dono do bar Minha Tia – vendedora de acarajé Dedé-Cospe-Rima – poeta de cordel Repórter – sensacionalista Fotógrafo Secreta – policial Delegado Manuelzinho-Sua-Mãe Mestre Coca capoeiristas Roda de Capoeira Tema central, segundo o autor: mito da liberdade capitalista. Além disso, a intolerância, o sectarismo, o dogmatismo. Primeiro Ato – Primeiro Quadro Início: Zé-do-Burro e sua esposa Rosa chegam a uma praça de Salvador, diante da igreja de Santa Bárbara, por volta de 4 e meia da manhã. Zé está carregando uma cruz desde a roça, tendo andado 7 léguas (cerca de 42 quilômetros) para pagar uma promessa (que o leitor até então desconhece). Rosa é uma bela mulher, insatisfeita e muito cansada. Insistindo com o marido para que procurem um lugar para dormir. Zé, por temer que a cruz seja roubada, diz que não sai dali até que a igreja abra. A esposa argumenta que a promessa já foi paga, mas ele responde que a igreja é da porta para dentro. ROSA (Olha-o com raiva e vai sentar-se num dos degraus. Tira o sapato). Estou com cada bolha d'água no pé que dá medo. ZÉ Eu também. (Contorce-se num rito de dor. Despe uma das mangas do paletó). Acho que os meus ombros estão em carne viva. ROSA Bem feito. Você não quis botar almofadinhas, como eu disse. ZÉ (Convicto) Não era direito. Quando eu fiz a promessa, não falei em almofadinhas. ROSA Então: se você não falou, podia ter botado; a santa não ia dizer nada. ZÉ Não era direito. Eu prometi trazer a cruz nas costas, como Jesus. E Jesus não usou almofadinhas. ROSA Não usou porque não deixaram. ZÉ Não, nesse negócio de milagres, é preciso ser honesto. Se a gente embrulha o santo, perde o crédito. De outra vez o santo olha, consulta lá os seus assentamentos e diz: - Ah, você é o Zé-do-Burro, aquele que já me passou a perna! E agora vem me fazer nova promessa. Pois vá fazer promessa pro diabo que o carregue, seu caloteiro duma figa! E tem mais: santo é como gringo, passou calote num, todos os outros ficam sabendo. Aparecem na praça Marli (prostituta) e Bonitão (cafetão). Encontrando Zé, Bonitão dirige-se a ele e percebe ser alguém ingênuo. Rosa, por sua vez, conversando com o gigolô, queixa-se de Zé, contando que ele, na sua promessa, dividiu suas terras com lavradores pobres. Tirando proveito da situação, Bonitão propõese a providenciar um local para Rosa descansar. Zé não só aceita, como incentiva. Rosa pressente que vai ceder ao assédio de Bonitão e fica magoada com o marido. Primeiro Ato – Segundo Quadro O sino da igreja chama para a missa das seis da manhã. É dia de Iansã, a correspondente de Santa Bárbara, nos cultos africanos. Bonitão dormiu com Rosa, e Zé-do-Burro, com a cruz. O gigolô acorda o pagador de promessas e mostra que a igreja já está aberta. Surge padre Olavo, pároco da igreja, e Zé dirige-se a ele. Conta que carregou a cruz porque, graças à Santa Bárbara, a morte não levou o melhor amigo dele. O padre parece impressionado pelo feito, mas afirma que, mesmo assim, é uma promessa exagerada e pretensiosa. Zé diz que seu amigo Nicolau foi ferido por uma árvore que caiu num dia de tempestade, que ele chegou em casa sangrando muito e que só estancou quando tapou o ferimento com bosta de vaca, para espanto do padre. Nicolau continuou mal; pela primeira vez, no dia seguinte, não foi atrás de Zé. Todo mundo estranhou, pois onde estava Zé estava Nicolau. Zé conta que, se ia à missa, Nicolau costumava esperar à porta da igreja. O padre, curioso, pergunta se Nicolau não é católico, e Zé diz que deve ser, mas que o vigário não o deixava entrar – e só aqui vem a revelação para o leitor e para o padre – porque Nicolau teve o azar de nascer burro, de quatro patas. O padre tomado de grande intolerância religiosa, fica mais espantado ainda quando Zé revela que, para tratar o amigo, procurou um curandeiro, o preto Zeferino, que também não teve sucesso. Foi então que fez a promessa: carregaria uma cruz, tão pesada como a de Cristo, da roça até a igreja de Santa Bárbara, no dia da festa da Santa. Prometeu também dividir suas terras com os lavradores pobres. O detalhe: a promessa foi feita num terreiro de Candomblé de Iansã, dona dos raios e das trovoadas, que tinha ferido Nicolau. O padre não admite a associação entre Iansã e Santa Bárbara, vê no gesto de carregar a cruz uma tentativa de se equiparar a Jesus. Para o padre, o Candomblé é o culto do Diabo. Acrescenta ainda que as rezas de curandeiros são orações ao demo e que Zé não soube distinguir o bem do mal. E tudo piora quando Zé afirma que a igreja não é do padre, mas de Deus, e que entre o padre Olavo e Santa Bárbara, ele prefere a segunda. Sentindo desrespeitada sua autoridade, o padre manda fechar a porta da igreja. Segundo Ato – Primeiro Quadro A cidade acorda e se prepara para a festa popular. Minha Tia, vendedora de acarajés, instala seu tabuleiro na escadaria da igreja, esperando a chegada dos devotos. Aparecem Galego, dono da vendola; Dedé-cospe-rima, poetacomerciante; um guarda, que procura livrar-se dos problemas, evitando exercer sua autoridade. Todos vão percebendo aos poucos o problema de Zé-do-Burro, que está sendo tratado pelo padre, pelo sacristão e por uma beata como se fosse Satanás. O guarda tenta em vão uma conciliação com o padre, mas este pede que o policial leve o “herege” preso, em vez de ajudá-lo. Rosa surge insistindo que partam. Zé acredita que, se não levar a cruz até dentro da igreja, coisas piores podem acontecer. Para Rosa, já aconteceram. Um repórter sensacionalista tira fotos de Zé com a cruz, dizendo que em breve o pagador de promessas ficará famoso. Ao se inteirar dos fatos, começa a tomar nota e a distorcê-los. Distribuiu terras? Então é a favor da reforma agrária e dos Sem-Terra. Quer saber se Zé não pertence a um partido político, se a peregrinação não foi um golpe para impressionar o eleitorado. Diz que vai promover a volta de Zé à roça em grande estilo, em carro aberto, com banda, que ele terá uma compensação financeira, mas quer exclusividade para seu jornal. Zé recusa, Rosa diz que o moço só está querendo ajudar, mas Zé insiste que, se ele quer ajudar, que vá convencer o padre a abrir a igreja. O repórter pede ao fotógrafo que tire outra foto. Colocam Zé embaixo da cruz, Rosa sorrindo, o guarda ao lado de peito estufado, e o Galego pede para a venda dele aparecer ao fundo. Surge Bonitão para conversar com Rosa. Ela diz estar arrependida, mas não deixa de se sentir tentada diante das insistências do cafetão: se ela largar o marido e ficar na cidade, pode melhorar de vida. O repórter ouve a versão do padre, não entende os argumentos, mas está contente que a coisa vai demorar a se resolver, pois domingo não tem jornal, sendo conveniente manter a confusão na escadaria da igreja até segunda-feira. Diz para Zé que a causa agora é do jornal e que, sendo do jornal, é do povo. Rosa, com uma ponta de 'orgulho, quer saber se a foto vai ser publicada. Reaparece a prostituta Marli, que arma um escândalo porque Bonitão passou a noite longe dela, e grita, diante de Zé-do-Burro, que o cafetão dormiu com Rosa. Zé está muito decepcionado e confuso. Segundo Ato – Segundo Quadro Dedé oferece poemas para Zé, por dinheiro, a fim de derrotar o padre. Aparecem, em momentos subseqüentes, o capoeirista Mestre Coca e o policial, o Secreta, chamado por Bonitão, ficando ambos, por enquanto, nas cercanias. O guarda traz um exemplar do jornal da tarde, com a manchete “O novo messias prega a revolução”. E mais: “Sete léguas carregando uma cruz, pela reforma agrária e contra a exploração do homem contra o homem”, entre outros exageros. Zé acredita que tudo indica que Santa Bárbara não achou suficiente o que ele prometeu e o está castigando. Zé começa a perder a paciência e arma uma gritaria. O padre reage. Chega o Monsenhor, autoridade da igreja, propondo a Zé uma solução: ele, Monsenhor, na qualidade de representante da Igreja, pode liberar Zé da promessa, dando-a por cumprida. Zé não aceita, dizendo que promessa foi feita à Santa e só ela poderia liberá-lo. Segue o impasse. Zé explode novamente e avança com a cruz sobre a Igreja. O padre fecha a porta. Zé, já desesperado, bate com a cruz na porta. O padre grita para todos que acompanham em volta que um católico não ameaça invadir a casa de Deus. Pede que o guarda o prenda. Mestre Coca, o capoeirista, tomando as dores de Zé, vai chamar o resto de sua turma. Bonitão cobra reação do Secreta e diz a Rosa que ela vai ficar livre de Zé. Rosa está em conflito entre a lealdade ao marido e a ânsia de liberdade. Zé-do-Burro tem uma crise nervosa. Terceiro Ato É feita uma aposta na vendola: mestre Coca diz que Zé entra na igreja hoje, Dedé diz que entra amanhã e o Galego, dono da vendola, aposta que Zé não entra de jeito nenhum. Um capoeirista diz que querem prender o homem, mas Mestre Coca diz que ele não fez nada de errado, que não podem e não vão prendê-lo. Rosa está assustada, aguardando a polícia. Insiste com Zé que partam, sem lhe dizer o porquê. De certa forma, sente-se responsável pelos atos de Bonitão. O Secreta aparece na vendola e intimida Mestre Coca dizendo que ninguém deve se meter onde não é chamado. Cresce entre os capoeiristas um clima de solidariedade com o pagador de promessas. Marli, a prostituta, aparece na vendola. Rosa vai até ela e pergunta por Bonitão, sem revelar sua intenção: quer pedir que a polícia não faça nada ao marido, mas Marli reage pedindo afrontosamente que deixe o homem dela em paz. Elas se provocam. A prostituta chama Zé de “corno manso”, e o Galego ri, mas pára ao ver Zé com uma faca na mão. Marli vai embora. Rosa enfim conta ao marido que Bonitão o denunciou à polícia, mas Zé já não teme mais nada. Diz que à noite irão embora. Rosa quer partir imediatamente, e o repórter aparece, querendo evitar. Quer manter o casal por mais dois dias na escadaria da igreja, e para isso manda colocar ali uma tenda e um colchão, com o nome do patrocinador. Traz ainda uma mesa e um rádio. Conta que dali, depois da entrada triunfal na igreja, vão em carro aberto desfilando até a redação do jornal e depois até o palácio do governador, para que Zé possa dizer uma palavra de apoio ao candidato da situação. Zé pede que levem tudo embora. MINHA TIA (Para Zé-do-Burro:) Não desanime, moço. Hoje é dia de Iansã, mulher de Xangô, orixá dos raios e das Tempestades. Mais logo, nos terreiros, ela está descendo no corpo dos seus cavalos. Vai falar com ela, moço, vai pedir proteção de Iansã, que tudo quanto é porta há de se abrir. (...) Rosa vai ao encontro de Bonitão, despistando o marido. Mestre Coca avisa Zé que a polícia está chegando e oferece a ajuda de seus capoeiristas na fuga. Zé não quer. Mestre Coca diz que todos os capoeiristas da Bahia vão ajudá-lo a levar a cruz ao terreiro de Iansã, mas Zé está atordoado, perdido. Sente-se abandonado por Santa Bárbara. De dentro da igreja saem o delegado, o Secreta, o guarda, o padre e o sacristão. O delegado pede os documentos de Zé, que não os tem; diz que não é idiota de acreditar nessa história de promessa e o intima a ir até a delegacia, já que ele ameaçou invadir a igreja, e o secreta emenda que Zé ia jogar uma bomba. O pagador de promessas se desvencilha do tira, que tenta segurá-lo. O delegado grita que, se reagir, vão mandar bala. Zé tenta, num último esforço, se explicar, afirmando que tudo é um grande engano, que é um homem pacato e quer só quer pagar uma promessa. A argumentação balança o delegado, que tenta dissuadir o padre, mas acaba se convencendo do contrário ao ouvir do sacerdote que Deus é testemunha de que tudo foi feito para salvar esse homem, mas que ele não quis. O delegado avança sobre Zé, que também se decide: jura por Santa Bárbara que só sai dali morto. Puxa uma faca, e os capoeiristas deixam claro que estão do lado dele, enfrentando as autoridades. Padre Olavo vem por trás e dá uma pancada no braço de Zé, derrubando a faca. Os policiais caem sobre o pagador de promessas, e os capoeiristas, sobre os policiais. Ouve-se um tiro, que dispersa a multidão. Zé-do-Burro está morto. Os policiais retiram-se, dizendo que vão buscar reforço. O padre, demonstrando culpa, aproxima-se querendo encomendar a alma, e Rosa pergunta a quem, “ao Demônio?” Mestre Coca olha para os companheiros, que entendem a mensagem: colocam o corpo de Zé sobre a cruz, como que crucificado, e o carregam, entrando na igreja. O padre e o sacristão recuam, a beata foge, e Rosa, Dedé e o Galego seguem o cortejo. O homem que não quis conceder foi destruído, mas terminou pagando sua promessa depois de morto. “O Pagador de Promessas é a estória de um homem que não quis conceder – e foi destruído. (...) Zé-do-Burro é trucidado não pela Igreja, mas por toda uma organização social, na qual somente o povo das ruas com ele confraterniza e a seu lado se coloca.” (Dias Gomes) Numa terra de malandros e anti-heróis, Zé-do-Burro representa o “antimalandro”, ou seja, é avesso à idéia do “jeitinho” e, por isso, é destruído. Representantes da chamada “ordem social” Igreja – Padre, Sacristão, Monsenhor. Estado – Guarda, Secreta, Delegado. Família – Rosa. Minha Tia – sugere que Zé pague a promessa num “Desordem” terreiro de Candomblé. Dedé – oferece suas rimas; quer lucrar com um poema para Zé. Galego – oferece lanches; quer aproveitar o movimento no bar. Bonitão – oferece lugar decente para o descanso de Rosa, mas com o fim de seduzi-la. Repórter – oferece ajuda, mas distorce as palavras de Zé, a fim de lucrar com a matéria. Anote o gabarito aí, moço! 1. D 2. A 3. B 4. C 5. E 6. E 7. D 8. D 9. B 10. B