a física do arco-íris: descric¸˜ao do ponto de vista da´otica geométrica

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a física do arco-íris: descric¸˜ao do ponto de vista da´otica geométrica
CADERNO DE FÍSICA DA UEFS 13 (01):
1405.1-17, 2015
A FÍSICA DO ARCO-ÍRIS: DESCRIÇÃO DO PONTO DE
VISTA DA ÓTICA GEOMÉTRICA
THE PHYSICS OF THE RAINBOW: DESCRIPTION IN TERMS OF
GEOMETRICAL OPTICS CONCEPTS
A. V. Andrade-Neto
Departamento de Fı́sica, UEFS
O arco-ı́ris é um dos mais fascinantes fenômeno fı́sico. Apesar disso, é possı́vel entender suas
principais caracterı́sticas a partir de conceitos elementares de ótica. Neste trabalho descrevemos a
fı́sica do arco-ı́ris e discutimos algumas das suas propriedades em termos de conceitos simples da
ótica geométrica.
Palavras Chave: Arco-ı́ris, Ótica Geométrica, Luz
The rainbow is one of the most fascinating physical phenomenon. However, it is possible to understand its main features from elementary concepts of optics. In this paper we describe the physics of
rainbows and discussed some of its properties in terms of simple concepts of geometrical optics.
Keywords: Rainbow, Geometrical Optics, Light
I.
INTRODUÇÃO
De que é feita a luz? Qual sua natureza? Essas questões sempre fascinaram filosófos e
cientistas em todas as épocas. Alguns fenômenos óticos tais como a propagação retilı́nea da
luz e a lei da reflexão já eram conhecidas desde a Grécia antiga [1, 2].
Como prova desse fascı́nio, e em reconhecimento à importância das tecnologias baseadas na
luz para o bem estar da humanidade, em dezembro de 2013 a Assembleia Geral das Naçoes Unidas - ONU decidiu consagrar 2015 como o Ano Internacional da Luz. A escolha de 2015 se deve
ao fato de que esse ano coincide com alguns marcos fundamentais relacionados à investigação
da natureza da luz ao longo da história da ciência. Para lembrar algumas datas significativas
podemos citar 1865, o ano em que James Maxwell propõe sua teoria eletromagnética da luz,
e 1905, o ano em que Albert Einstein apresenta uma explicação para o efeito fotoelétrico com
base em uma teoria corpuscular da luz.
Mais próximo ao tema do presente artigo, o arco-ı́ris, podemos citar o trabalho do monge
alemão Teodorico de Freiberg que em 1304, ao utilizar um globo de vidro cheio de água para
realizar experimentos, foi capaz de dar uma explicação correta deste fenômeno. Mais de tre-
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Figura 1: Fotografia de um arco-ı́ris duplo. Fonte: http://www.fisica.ufmg.br/ dsoares/
zentos anos depois, em 1637, o francês René Descartes publicou seus estudos sobre o arco-ı́ris.
Descartes também utilizou um globo de vidro com água. Ambos, Freiberg e Descartes, deram
uma descrição geométrica desse fenômeno em termo do conceito de raio de luz. É interessante
observar que a descrição cientı́fica do arco-ı́ris, ao longo do tempo, tem-se dado de forma paralela com a evolução do conhecimento sobre a natureza da luz, refletindo as várias visões teóricas
sobre o tema. Desse modo, uma teoria mais completa do arco-ı́ris, que levava em conta a natureza ondulatória da luz, foi proposta pelo inglês Thomas Young em 1803. Mais recentemente,
o fı́sico brasileiro Moysés Nussenzveig fez importantes investigações sobre o arco-ı́ris e outros
fenômenos óticos que ocorrem na atmosfera [3, 4].
O arco-ı́ris é um fenômeno ótico no qual a luz branca, proveniente do sol, é dispersa em suas
cores caracterı́sticas por gotı́culas de água presentes na atmosfera e, em seguida, é desviada
para o olho de um observador. É um arco multicolorido cujo espectro varia suavemente do
vermelho, na parte superior do arco, para o violeta na parte inferior, com as outras cores na
região intermediária.
Algumas vezes aparecem dois arco-ı́ris. A figura 1 mostra uma fotografia de um arcoı́ris duplo. Podemos destacar algumas caracterı́sticas marcantes vistas nessa figura e que são
universais desse fenômeno.
O arco-ı́ris na parte inferior da figura, o mais brilhante, é denominado arco-ı́ris primário ou
principal.
O arco-ı́ris na parte superior da figura é denominado arco-ı́ris secundário e é menos brilhante
do que o primário. Deve ser observado que no arco-ı́ris secundário a sequência das cores está
invertida em relação ao arco-ı́ris primário.
Outra caracterı́stica notável, e facilmente vista na Figura 1, é que a região entre os dois
arco-ı́ris é nitidamente mais escura que o restante do céu. Essa região é denominada faixa (ou
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banda) escura de Alexandre, em homenagem ao filosófo grego Alexandre de Afrodisias, que a
descreveu no ano 200 d.C.
Para uma descrição detalhada e quantitativa do arco-ı́ris é necessário a utilização de ferramentas matemáticas sofisticadas [4]. Contudo, é possı́vel compreender as principais caracterı́sticas do arco-ı́ris a partir de conceitos simples de ótica como refração, reflexão e dispersão
da luz. Este é o principal objetivo do presente trabalho.
II.
A NATUREZA DA LUZ
É recorrente nas investigações sobre a natureza da luz a existência de duas teorias rivais: a
teoria corpuscular segundo a qual a luz é formada de pequenas partı́culas emitidas pelas fontes
de luz e a teoria ondulatória que afirma que a luz estar associada a um movimento oscilatório
que se propaga a grande velocidade. Uma forte evidência a favor da natureza ondulatória da
luz foi dada por Thomas Young em 1801, quando ele demonstrou que a luz, em circunstâncias
apropriadas, apresenta interferência, que é um fenômeno tipicamente ondulatório. A partir de
experimentos desse tipo, é possı́vel determinar com precisão um parâmetro que caracteriza o
fenômeno ondulatório: o comprimento de onda (λ). O comprimento de onda da luz visı́vel está
situado na faixa entre 390 nm e 780 nm (1 nanometro (nm) corresponde a um bilionésimo
do metro, i.e., 1nm = 1, 0× 10−9 m). A difração, outro fenômeno tipicamente ondulatório [5],
foi observada em feixes luminosos pelo italiano Franciso Grimaldi que a descreveu num livro
publicado em 1665, após sua morte. Posteriormente, experimentos realizados com materiais
birrefrigentes (calcita, por exemplo) mostrou que a luz possui propriedades distintas em direções
transversais à sua direção de propagação. Essas propriedades são chamadas de polarização
da luz, o que levou a conclusão de que as ondas luminosas são ondas transversais. A luz
branca solar ou a luz emitida por lâmpadas comuns é não polarizada. Podemos polarizar a luz
branca, fazendo-a atravessar um filtro polaróide como alguns óculos de Sol que possuem lentes
polarizadoras.
Em 1873, o escocês James Clerk Maxwell, em um trabalho de grande magnificência, demonstrou teoricamente que um campo eletromagnético podia se propagar como uma onda
p
transversal cuja velocidade de propagação é dada por c = 1/ǫ0 µ0 , onde ǫ0 é a constante de
permissividade elétrica do vácuo e µ0 é a constante de permeabilidade magnética do vácuo.
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Figura 2: O espectro eletromagnético. Em destaque o espectro vı́sı́vel
Utilizando os valores conhecidos dessas constantes, Maxwell determinou que essa velocidade
era igual ao determinado experimentalmente para a velocidade da luz no vácuo (c ≈ 3, 0 × 108
m/s). A partir desse resultado a conclusão era óbvia: a luz é uma onda eletromagnética que
se propaga em conformidade com as leis do eletromagnetismo[6]. Em 1888 o alemão Heinrich
Rudolf Hertz produziu e detectou ondas eletromagnéticas (ondas de rádio) confirmando experimentalmente o trabalho de Maxwell. Na figura 2 é mostrado o espectro eletromagnético, onde
se vê em destaque a luz visı́vel.
Em conclusão, a luz visı́vel é uma onda eletromagnética cujo comprimento de onda se situa
no intervalo entre 380 e 780 nm, que corresponde a um intervalo de frequências situado entre
384 T Hz a 770 T Hz (1 T Hz = 1012 Hz). É a esse intervalo no qual o olho humano é sensı́vel a
essa radiação[7]. Na tabela 1 são mostradas as frequências e comprimento de onda para várias
cores no vácuo. Contudo, é importante enfatizar que a cor é mais um fenômeno psicológico
que um fenômeno fı́sico mensurável [8]. O comprimento de onda λ e a frequência f estão
relacionados pela expressão
c = λf ,
(1)
onde c é a velocidade da luz no vácuo. Observe que quanto maior for a frequência menor o
comprimento de onda e vice-versa.
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Cor
λ(nm)
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f (T Hz)
V ERM ELHO 780 − 622 384 − 482
LARAN JA
622 − 597 482 − 503
AM ARELO
597 − 577 503 − 520
V ERDE
577 − 492 520 − 610
AZU L
492 − 455 610 − 659
V IOLET A
455 − 390 659 − 769
Contudo, o trabalho de Maxwell não representou a última palavra sobre a natureza da luz.
Por uma ironia histórica, quando Hertz realizou os experimentos que comprovaram a teoria
eletromagnética da luz, ele observou que quando luz ultravioleta atingia uma placa metálica,
ela era capaz de ejetar elétrons da superficie do metal, o que constitui o efeito fotoelétrico. A
ironia consiste no fato de que a explicação dada por Albert Einstein para esse efeito contribuiu
para o renascimento de uma teoria corpuscular da luz.
Quando as dimensões dos objetos envolvidos são muito maiores que o comprimento de onda
da luz, como acontece nas situações quotidianas, a abordagem ondulatória pode ser substituida
por outra na qual podemos imaginar que a luz se propaga como raios e, em meios homogêneos,
estes raios percorrem uma linha reta. Esta abordagem, conhecida como ótica geométrica, será
utilizada neste trabalho para a descrição do arco-ı́ris. Vamos, então, fazer uma breve revisão
da ótica geométrica.
III.
REFLEXÃO, REFRAÇÃO E DISPERSÃO
A.
Reflexão e refração
O que acontece quando um feixe luminoso, se propagando no ar, incide sobre a superfı́cie de
um material transparente homogêneo (água ou vidro, por exemplo)? Na interface entre os dois
meios há uma descontinuidade das propriedades óticas dos meios. Sabemos da experiência que,
em geral, uma parte do raio incidente retorna para o meio do qual veio, fenômeno chamado
de reflexão, e parte do raio incidente é transmitido para o outro meio, fenômeno chamado de
refração. Os ângulos dos raios incidente, refletido e refratado são medidos em relação a uma
linha imaginária perpendicular ao plano da superfı́cie refletora, chamada normal, conforme
mostrado na figura 3, e obedecem as seguintes leis:
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Figura 3: Diagrama mostrando os raios incidente, refletido e refratado.
Lei da reflexão: Essa lei diz que o raio incidente, o raio refletido e a normal pertencem ao
mesmo plano e que o ângulo de incidência é igual ao ângulo de reflexão.
Lei da refração: A lei da refração foi descoberta por Willebrord Snell em 1621 e redescoberta
por René Descartes em 1637. Por essa razão ela é conhecida como lei de Snell-Descartes.
Matematicamente ela é expressa como
sin θi
n2
=
sin θr
n1
(2)
onde n1 e n2 são constantes associadas aos meios 1 e 2, denominadas ı́ndice de refração do
meio.
O ı́ndice de refração absoluto de um meio é definido como
n=
c
,
v
(3)
onde c é a velocidade da luz no vácuo e v é a velocidade da luz no meio. Vemos da definição
acima que o ı́ndice de refração do vácuo é 1. Como o valor de n de um meio material é sempre
maior do que 1, concluimos que a luz se propaga mais lentamente em um meio material do que
no espaço livre (vácuo).
Deve ser ressaltado que o ı́ndice de refração absoluto de um meio não é constante. Na
verdade ele varia com o comprimento de onda, n = n(λ) e é essa uma das razões para o
aparecimento do arco-ı́ris.
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Figura 4: Dispersão da luz branca.
B.
Dispersão
O primeiro a reconhecer que a luz branca do Sol é na verdade uma composição de todas as
cores (frequências) do espectro visı́vel foi Isaac Newton. Essa separação da luz branca em suas
diversas cores é denominada dispersão (figura 4).
Isso acontece porque o ı́ndice de refração absoluto de um meio não é constante. Ele varia
com o comprimento de onda da luz. Isso significa que as diversas cores que formam a luz branca
se propagam com velocidades diferentes em materiais transparentes, logo elas são refratadas
em ângulos diferentes, o que provocará a separação da luz em diferentes cores, como se observa
em um prisma e no arco-ı́ris. Para a maioria dos materiais, o ı́ndice de refração n aumenta
quando o comprimento de onda diminui. Para a água, por exemplo, temos que nvioleta = 1, 343
e nvermelho = 1, 332. Isso significa que a luz violeta sofre maior desvio que a luz vermelha,
conforme é visto na figura 4. Quando a luz é refratada duas vezes a dispersão é maior. As
cores separadas formam o que chamamos de espectro da luz.
IV.
DESCRIÇÃO DO ARCO-ÍRIS
A.
Arco-ı́ris primário
O arco-ı́ris acontece devido a dispersão da luz do Sol por gotı́culas de água em suspensão na
atmosfera, as quais atuam como pequenos prismas. Essa é a razão porque, em geral, observamos
um arco-ı́ris após uma chuva ou próximo a uma cachoeira. Para ver um arco-ı́ris é preciso se
posicionar de maneira que o Sol fique atrás do observador. Estamos interessados apenas nos
raios que incidem na parte superior da gota já que são estes que, após sofrer uma reflexão
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Figura 5: Trajetória de um raio de luz em uma gotı́cula de água.
interna, podem ser vistos por um observador no solo. A trajetória de um raio luminoso ao
atingir uma gota esférica é mostrada na Figura 5. No ponto B parte da luz é refletida (não
mostrada na figura) e parte é refratada pela água segundo a lei de Snell-Descartes. Nessa
primeira refração já acontece a dispersão da luz nas cores do seu espectro. Após percorrer a
gota, o raio de luz (já separado nas cores) alcança a superfı́cie interna da gota (ponto C) onde
novamente parte do raio é refratado para o ar (não mostrado na figura) e parte é refletida
de volta para a gota. A cor refletida atinge a interface água-ar no ponto D e, de novo, é
parcialmemte refletida (não mostrada na figura) e refratada para o ar (raio DE).
O ângulo ∆ indicado na Figura 5 é a deflexão total do raio emergente (raio DE) em relação
à direção de incidencia (raio AB) e é denominado ângulo de espalhamento. Esse ângulo vale,
conforme Eq.(A4),
∆ = π + 2θ1 − 4θ2 .
(4)
onde θ1 e θ2 são, respectivamente, os ângulos de incidência e de refração associados.
O ângulo suplementar a ∆, que chamaremos de α, é o ângulo entre a direção do raio
emergente e a direção do raio incidente e é denominado ângulo do arco-ı́ris. Da Eq.(4) temos
que
α = π − ∆ = 4θ2 − 2θ1 .
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
0
0
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Figura 6: Gráfico da Eq.(7).
O arco-ı́ris primário é visto no céu na faixa de ângulo 40o < α < 42o . Vamos discutir a
seguir porque isso acontece.
Utilizando a lei de Snell-Descartes e usando que nar ≈ 1, temos que
sin θ2 =
sin θ1
,
n
(6)
onde n é o indice de refração da água que tem um valor numérico para cada cor (frequência).
Utilizando (6) em (5) vemos que α = α(θ1 ) é dada por
α(θ1 ) = 4 arcsin
sin θ1
− 2θ1 .
n
(7)
A Figura 6 mostra o gráfico de α(θ1 ) dado pela Eq.(7) para nver = 1, 3318 e nviol = 1, 3435
[9]. Vemos que os valores permitidos para α está no intervalo 0 ≤ α < 42. Vemos também
que para θ1 = 0 (um raio que passa pelo centro da gota), α é igual a zero. A medida que θ1
cresce, α também cresce até atingir um valor máximo (αmax = 42, 25o para a luz vermelha e
αmax = 40, 58o para a luz violeta, calculados via Eq.(9)) que ocorrem, respectivamente, para
θ1 = 59.5o e θ1 = 58.8o . Após esse valor máximo, α diminui com o aumento de θ1 até atingir
novamente um valor mı́nimo para θ1 = 90 (que corresponde a um raio incidente que passa
tangente a gotı́cula).
Cabe aqui a pergunta. Se a superfı́cie iluminada de uma gotı́cula de água, flutuando na
atmosfera, é atingida simultaneamente por raios incidentes de luz, os quais, após a segunda
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refração, saem da gota em todos os valores permitidos para α (0 a 42o ), por que, então, o
arco-ı́ris primário é visto apenas na faixa de ângulo 40o < α < 42o ?
A resposta é que a intensidade da luz espalhada não é uniforme em todas as direções. Essa
intensidade é máxima justamente no valor αmax . Podemos entender qualitativamente por que
isso acontece dessa forma pelo seguinte raciocı́nio.
O fato da função α(θ1 ) ter um máximo significa que, em torno do valor αmax , há uma
concentração maior de raios espalhados do que em qualquer outro ângulo α possı́vel. Em
outras palavras, existe uma faixa relativamente grande de ângulos de incidência θ1 para os
quais os raios emergentes sairão da gotı́cula em um ângulo α próximo do valor αmax . Maior
concentração de raios implica em maior intensidade de espalhamento.
Também pode ser observado da Figura 6 que a maior dispersão dos raios de luz ocorre nos
ângulos de incidência maiores, justamente aqueles para os quais α(θ1 ) ≈ αmax . Desse modo, a
direção αmax é aquela de maior intensidade e, portanto, a dispersão de cores produzida pelas
gotı́culas de água é muito mais visı́vel nessa direção.
O valor de θ1 para o qual α(θ1 ) = αmax é calculado matematicamente impondo a condição
de que a derivada dα/dθ1 = 0. Quando essa condição é satisfeita o ângulo de incidência θ1
obedece a seguinte expressão (detalhes matemáticos são mostrados no Apêndice)
sin θ1 =
r
4 − n2
.
3
(8)
que é o valor de θ1 para o qual α(θ1 ) = αmax .
Podemos, então, calcular o valor de αmax pela expressão
αmax
" r
#
"r
#
1 4 − n2
4 − n2
= 4 arcsin
− 2 arcsin
.
n
3
3
(9)
Para a luz violeta ( nviol = 1, 3435) obtemos αmax = 40, 58o e para a luz vermelha (nver =
1, 3318) obtemos αmax = 42, 25o . Isso explica porque vemos o vermelho na parte superior e o
violeta na parte inferior do arco-ı́ris primário.
Deve ser observado que, apesar de cada gota produzir todo o espectro de cores, vemos apenas
uma determinada cor proveniente de uma dada gota. Isso acontece porque, conforme vimos
acima, cada cor é vista de um ângulo diferente, o ângulo do arco-ı́ris. Para a luz vermelha
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αmax = 42, 25o ; já para a luz violeta αmax = 40, 58o . Assim, a luz vermelha vista por um
observador tem origem nas gotas que estão sobre um cone de 42, 25o cujo vértice está no olho
do observador. Isso significa que a luz violeta proveniente dessas gotas não atingirá o olho desse
observador. Ele verá a luz violeta de outras gotas abaixo das quais ele enxerga o vermelho.
Isso explica porque o arco-ı́ris tem formato de um arco, bem como demonstra que cada
observador ver o seu própio arco-ı́ris.
B.
Arco-ı́ris secundário
Como pode ser visto na Figura 1, as vezes podem aparecer dois arco-ı́ris. O mais brilhante
é o arco-ı́ris primário, que foi analisado acima, e o mais tênue é denominado secundário. Este
último é formado por duas reflexões e duas refrações do raio luminoso nas gotı́culas de água e
as cores aparecem na ordem inversa do arco-ı́ris primário. O arco-ı́ris secundário possui uma
luminosidade bem menor do que o principal. Isso ocorre devido a reflexão extra que provoca
perda da intensidade da luz que atinge o observador.
De forma semelhante ao que foi feito para o arco-ı́ris primário, podemos mostrar que o
ângulo de espalhamento para o arco-ı́ris secundário é dado por
∆S = 6θ2 − 2θ1 .
(10)
onde o subı́ndice S indica secundário.
O ângulo do arco-ı́ris é agora dado por
αS = π − (6θ2 − 2θ1 ) .
(11)
ou, utilizando a Eq.(6),
sin θ1
αS (θ1 ) = π − 6 arcsin
− 2θ1 ,
n
que possui um mı́nimo no ponto θ1 determinado pela expressão
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Figura 7: Gráficos da Eq.(7) (para a luz vermelha) e da Eq.(14) (para a luz violeta).
sin θ1 =
r
9 − n2
,
8
(13)
cujos valores são θ1 = 71, 88o para a luz vermelha e θ1 = 71, 51o para a luz violeta. Utilizando
(13) em (12) obtemos a expressão que determina o valor mı́nimo de αS (θ1 ).
αSmin
" r
#
"r
#
1 9 − n2
9 − n2
= π − 6 arcsin
+ 2 arcsin
,
n
8
8
(14)
cujos valores são αSmin = 50, 58o para a luz vermelha e αSmin = 53, 61o para a luz violeta.
A Figura 7 mostra os gráficos de αS (θ1 ), Eq.(14), para a luz violeta e α(θ1 ), Eq.(7), para a luz
vermelha. Do mesmo modo que acontece para o arco-ı́ris primário, haverá uma concentração
maior de raios espalhados em torno do ângulo αSmin do que em qualquer outro ângulo αS
possı́vel.
Vemos que nenhuma luz é espalhada no intervalo de ângulo entre αmax e αSmin , que é
justamente a região entre os arco-ı́ris primário e secundário. Isso explica a banda escura de
Alexandre.
C.
Arcos supernumerários
Como vimos, podemos entender as caracterı́sticas principais do arco-ı́ris utilizando apenas
conceitos elementares da ótica geométrica. Contudo, algumas caracterı́sticas mais sutis só
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Figura 8: Arcos supernumerários
podem ser entendidas no contexto de uma teoria ondulatória da luz. Isso acontece com os
denominados arcos supernumerários. Da figura 8, na região abaixo do arco-ı́ris primário, vemos
uns arcos coloridos estreitos, que são denominados arcos supernumerários. Thomas Young foi
o primeiro a demonstar que esses arcos são resultados da interferência da luz. Como qualquer
fenômeno ondulatório, a luz pode sofrer interferência. Esse termo designa a superposição de
duas ou mais ondas na mesma região do espaço. Essa interferência pode ser construtiva ou
destrutiva. No primeiro caso a intensidade resultante da luz aumenta e, no segundo caso,
diminui. No arco-iris isso resulta em uma série de faixas claras e escuras vistas nos arcos
supernumerários.
Como vimos acima, o arco-ı́ris primário é resultado de uma grande concentração de raios
de luz emergentes no ângulo do arco-ı́ris (αmax ). Contudo, nos outros ângulos possı́veis para α
(0 < α < αmax ) há também luz espalhada. Assim, pode haver raios de comprimentos de onda
ligeiramente diferentes que emergem em um mesmo ângulo.
Se a diferença de caminho entre dois raios for igual a um múltiplo inteiro de comprimento
de onda, teremos uma interferência construtiva e vemos, então, os arcos coloridos (arcos supernumerários). Se esta diferença for um número semi-inteiro de comprimento de onda, teremos
uma interferência destrutiva que produzem as franjas escuras entre os arcos supernumerários.
V.
CONCLUSÕES
Uma crı́tica recorrente ao ensino de fı́sica praticado nas escolas brasileiras (e até nas universidades) é o hiato entre os conceitos ensinados e o mundo real. Quando os estudantes conseguem
fazer a conexão entre os conceitos estudados e uma situação vivenciada, o ensino adquire muito
mais significados. O arco-ı́ris é um fenômeno ótico familiar e ao mesmo tempo fascinante.
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Essas caracterı́sticas o tornam muito interessante como exemplo de objeto de estudo que pode
ser utilizado para suscitar a curiosidade dos estudantes e possibilitar uma aprendizagem plena.
Além disso, suas caracterı́sticas principais podem ser entendidas a partir de conceitos simples
de ótica geométrica conforme visto neste trabalho.
Apêndice
Consideremos um raio de luz qua percorre a trajetória ABCDE numa gota de água (Figura
2).
\ = OCD
\ = θ2 . Do mesmo
Utilizando a lei dos senos e a lei da reflexão é fácil ver que OCB
\ = θ2 e EDG
\ = θ1 . Podemos verificar também que F
\
modo vemos que ODC
DH = θ1 − θ2 ,
\ = ∆ − θ1 e F
\
GDH
DC = 2θ2 .
Então, temos que
\
\
\ =π ,
DC − F
DH] + GDH
θ2 + [F
(A.1)
θ2 + [2θ2 − (θ1 − θ2 )] + (∆ − θ1 ) = π ,
(A.2)
4θ2 − 2θ1 + ∆ = π .
(A.3)
∆ = π + 2θ1 − 4θ2 .
(A.4)
que pode ser escrito como
Desse modo
Então
O ângulo do arco-ı́ris α = π − ∆ é dado por
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α = 4θ2 − 2θ1 .
(A.5)
O arco-ı́ris primário ocorre quando α é máximo. A condição de máximo é
dθ2
dα
=4
−2=0 .
dθ1
dθ1
(A.6)
Pela lei da refração (considerando nar = 1) temos que
sin θ1
θ2 = arcsin
n
,
(A.7)
onde n é o ı́ndice de refração da água.
A derivada da função arcsin u(x) é
d
du/dx
[sin−1 u(x)] = √
.
dx
1 − u2
(A.8)
No nosso caso u = sin θ1 /n, então du/dθ1 = cos θ1 /n. Desse modo, temos que
dθ2
cos θ1
=p
.
dθ1
n2 − sin2 θ1
(A.9)
Substituindo (A.9) em (A.6) temos que
Da equação (A.10) obtemos
dα
cos θ1
= 4p
−2=0 .
dθ1
n2 − sin2 θ1
sin θ1 =
r
4 − n2
,
3
1404.15
(A.10)
(A.11)
A. V. Andrade-Neto
CADERNO DE FÍSICA DA UEFS 13, (01):
1405.1-17, 2015
que é a Eq.(8).
[1] Eugene Hecht, Óptica. Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa (2002).
[2] Ricardo Barthem, A Luz - Temas Atuais da Fı́sica. Editora Livraria da Fı́sica, São Paulo (2005).
[3] H. M. Nussenzveig, Scientific American 236, 116-127 (1977).
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[6] A. V. Andrade-Neto, Caderno de Fı́sica da UEFS 4, 23-39 (2006).
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1404.16

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