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EDITORIAL “A liturgia é fonte privilegiada de contemplação franciscana. Em primeiro lugar, porque é o canal ordinário através do qual Francisco e Clara acolhem a Palavra de Deus, uma Palavra que não é simples objeto de meditação, mas muito mais uma Palavra celebrada, atualizada; uma Palavra que se transforma em ação. Por outro lado, Francisco e Clara, através da liturgia, vivem intensamente a atualização sacramental do mistério de Cristo, particularmente como ele se manifesta na encarnação e na paixão, que, como bem o sabemos, ocupam lugar central na contemplação desses enamorados de Cristo pobre e crucificado”. Com essas inspiradoras palavras do Ministro Geral de nossa Ordem, dirigidas às Irmãs Clarissas, por ocasião da festa de Santa Clara, apresentamos mais um número da Revista Santa Cruz a você, amigo(a) leitor(a). Os diversos assuntos tratados ao longo desta Revista certamente expressam uma centelha daquilo que somos e fazemos, enquanto frades menores, filhos de Francisco e Clara de Assis. Oxalá nosso ser e nosso fazer franciscanos sejam marcados pela mística da escuta atenta da Palavra do Senhor, no espírito da “santa oração e devoção”. Uma boa leitura a todos! Revista Santa Cruz - 59 60 - Revista Santa Cruz SUMÁRIO EDITORIAL ........................................................................................59 I- DOCUMENTAÇÃO - DA CÚRIA GERAL: MENSAGEM DO MINISTRO GERAL PARA A SOLENIDADE DE SANTA CLARA ....................................................................................... 63 II- VIDA DA PROVÍNCIA - ORDENAÇÃO DIACONAL DE FREI FRANCISCO ALEXANDRE VIANA (FREI OTON JÚNIOR).................................................................................................70 - MARCHA FRANCISCANA: DEZ ANOS (FREI ROBÉRIO ANTUNES RUAS) .........73 - MISSÃO VOCACIONAL EM PEDRA AZUL (FREI FERNANDO RESENDE DA SILVA) ............................................................................................................75 - ENTREVISTA COM OS FREIS OSCAR VAN DER NEUT E EDVALDO KEMMEREN (FREI OTON JÚNIOR) .............................................................................77 - DIÁRIO DE UM “PEREGRINO” NA TERRA DE JESUS – PARTE 2 (FREI GERALDO VAN BUUL) ...................................................................................................84 III - REFLEXÃO - A CRIAÇÃO FACE AO NOVO PARADIGMA ECOLÓGICO: A CONTRIBUIÇÃO DE DUNS SCOTUS (FREI SINIVALDO S. TAVARES........................................................96 - FICHA LIMPA X FICHA SUJA: PROJETO DE INICIATIVA POPULAR – A LEI DA FICHA LIMPA (FREI CRISTÓVÃO PEREIRA) ............................................. 103 - FRAGMENTO DA COCLUSÃO DO LIVRO: “PARA A TERRA DOS VIVENTES” DE FREI SIGISMUND VERBEY - SOBRE A REGRA DOS FRADES MENORES ......... 106 V – UMAS E OUTRAS - HUMOR FRANCISCANO (FREI OTON JÚNIOR) ......................................... 108 Revista Santa Cruz - 61 DOCUMENTAÇÃO DA CÚRIA GERAL MENSAGEM DO MINISTRO GERAL PARA A SOLENIDADE DE SANTA CLARA Ministro geral da OFM: Fr. Jose Rodriguez Carballo 62 - Revista Santa Cruz Olha atentamente, considera, contempla, transforma-te no amado e dá testemunho dele (2 In 19.22.28). Queridas irmãs pobres de Santa Clara: “O Senhor esteja sempre convosco e oxalá estejais vós também sempre com Ele!” (BnC 16). Há um ano que nos colocamos a caminho para prepararmos a celebração do VIII Centenário da Fundação de vossa Ordem, que iniciaremos oficialmente no Domingo de Ramos de 2011 e encerraremos na festa de Santa Clara de 2012. Segundo o projeto aprovado pelas Presidentas das Federações durante o I Congresso de Presidentas da OSC, o tema para este ano é o da dimensão contemplativa da vossa forma de vida, tomando em consideração, como instrumentos privilegiados para potencializar tal dimensão, a escuta, o silêncio e a conversão de vida. Com esta carta, que anualmente vos envio, por ocasião da festa da Plantinha de Francisco, desejo oferecer algumas pistas de reflexão sobre a contemplação e sobre a solidão e o silêncio para que possais seguir, conforme palavras de São Boaventura, “com solicitude as pegadas de vossa beatíssima mãe [...] e abraçar com coragem Aquele que é espelho de pobreza, exemplo de humildade, escudo de paciência e título de obediência” (S. Boaventura, Carta às Clarissas de Assis, 1259). A contemplação Em várias ocasiões, durante os encontros com as Irmãs, me perguntaram o que entendo por contemplação. Sem pretender ser exaustivo, penso que a contemplação poderia ser definida, acima de tudo, como abertura do coração ao mistério que nos envolve, para deixar-nos possuir por ele. Nesse sentido, contemplar é esvaziar-se de todo o supérfluo para que Aquele que é o Tudo nos encha até transbordar. Contemplar é abrir pouco a pouco os olhos do coração para poder ler e descobrir a presença do Senhor nas facetas das pessoas e das coisas. Contemplar é abrir os ouvidos da alma para escutar os gritos silenciosos do Senhor em sua Palavra, nos Sacramentos, na Igreja, e nos acontecimentos da história. Contemplar é fazer silêncio de palavras para que fale o olhar cheio de espanto, como uma criança; para que falem as mãos Revista Santa Cruz - 63 abertas ao contemplar, como as de uma mãe; para que falem os pés que, com passo ligeiro, como nos pede Santa Clara, cruzam fronteiras para anunciar a Boa-Nova, como os de um missionário; para que fale o coração transbordante de paixão por Cristo e pela humanidade, como falaram os corações enamorados de Francisco e Clara. Contemplar é entrar na cela do próprio coração, e desde o silêncio que aí habita, deixar-se transformar por Aquele a quem, como Clara, confessamos: “esposo da mais nobre estirpe” (1 In 7), como o aspecto “mais belo” (1 In 9), “cuja beleza todos os batalhões bem-aventurados dos céus admiram sem cessar” (4 In, 10), e “cuja afeição apaixona” (4 In 11). Contemplar é “desejar, acima de tudo, ter o espírito do Senhor e sua santa operação”. A contemplação é essencialmente a vida em união com Deus que, segundo as palavras de Francisco, seria “ter o coração dirigido para Deus” (RnB XXII, 19.25), e, segundo as de Clara, colocar alma, coração e mente no Espelho, em Cristo (cf 3 In 12ss), até transformar-se totalmente na imagem de sua divindade (cf. 3 In 13). Assim entendida, a contemplação nada tem a ver com uma vida medíocre, rotineira, preguiçosa. A contemplação é fazer uma opção exclusiva pelo Senhor, entregar-lhe 64 - Revista Santa Cruz a vida, é poder dizer com Paulo “já não sou eu que vive, mas é Cristo que vive em mim” (Gl 2,20). É poder dizer na verdade: só o Esposo basta, pois se trata daquele cujo “poder é mais forte, sua generosidade é mais elevada, seu aspecto é mais belo, o amor é mais suave, e toda a graça mais elegante” (1 In 9). Para Clara a contemplação não é algo distinto da opção radical por Jesus Cristo, pelo contrário, é a dimensão intrínseca e indispensável dessa mesma opção. A contemplação franciscana deve ser vista sempre no horizonte do seguimento de Cristo, é um seguimento contemplativo. Por isso, com as palavras do pai São Francisco, podemos dizer que contemplar é entregar-se totalmente Àquele que todo inteiro se entregou por nós (cf. Ord 29). Contemplar é queimar, gastar a vida pelo Evangelho, “regra e vida” para todos nós (RB 1,1); RSC 1,2). Sempre me chamou a atenção que Clara não define, em São Damião, como vida contemplativa, mas como vivência do Evangelho. Deste modo, Clara não considera a contemplação como uma forma de vida, senão como uma dimensão essencial da mesma a qual fica submetida à vivência do Evangelho. A contemplação vai, pois, de mãos dadas com a qualidade evangélica de vida conforme o propósito de vida que abraçamos (cf. 2 In 11); com uma vontade firme de “crescer de bem para melhor, de virtude em virtude” (1 In 32), e de avançar pelo caminho da bem-aventurança (Cf. 2 In 12-13). Para isto, sentimos necessidade de caminhar a partir do Evangelho, núcleo fundamental e fundante de nossa forma de vida, pois só ele nos dará a possibilidade de acender fogo novo e injetar linfa nova em nossa história comum, oito vezes centenária. Sermos contemplativos implica, pois, assumir o Evangelho com suas exigências mais radicais, sem concessões, sem justificar acomodações a um estilo cômodo de vida. A contemplação tampouco é ser indiferente em relação aos outros. A paixão por Cristo é a paixão pela humanidade. A contemplação que alimenta nossa vida nunca pode ser alheia à vida de nossos povos e ao que os afeta. A realidade de nossos irmãos, os homens e as mulheres, há de ser levada à oração. A alma contemplativa é uma alma que se sente em comunhão com todos, que apresenta todos ao Senhor, com suas alegrias e tristezas, com suas esperanças e suas frustrações. Carrega todos em seu coração, a todos acolhe em sua alma contemplativa. A contemplação, portanto, é muito mais que os momentos mais ou menos prolongados de oração aos quais todas as demais coisas temporais devem servir (cf. RSC 1,2; RB 5,2). A contemplação é uma existência vivida para o Senhor e por Ele, doada também em favor dos demais. Não poderia ser de outra forma se consideramos que a contemplação, como afirma Clara, é imitar e seguir o esposo (cf. 2 In 20-21). Fontes da contemplação franciscana Olhando para Francisco e Clara, é fácil descobrir duas fontes principais de sua contemplação: a Palavra de Deus e a liturgia. A Palavra de Deus é, sem dúvida alguma, a fonte principal da oração do Pobrezinho e de sua Plantinha. Os salmos e os cânticos bíblicos inspiram e nutrem sua oração a tal ponto de poder bem manifestar que ambos encarnam em si mesmos a figura do pobre de Javé em toda sua dimensão: a pessoa humana põe sua confiança no Senhor e mergulha na adoração e no louvor. A prática da Leitura orante da Palavra, tão recomendada pela Igreja nos últimos tempos, deveria ser habitual em nossas fraternidades, se queremos que a Palavra se torne carne em nossa existência de cada dia. Nesse sentido temos ainda Revista Santa Cruz - 65 muito caminho a percorrer. A liturgia é fonte privilegiada de contemplação franciscana. Em primeiro lugar, porque é o canal ordinário através do qual Francisco e Clara acolhem a Palavra de Deus, uma Palavra que não é simples objeto de meditação, mas muito mais uma Palavra celebrada, atualizada; uma Palavra que se transforma em ação. Por outro lado, Francisco e Clara, através da liturgia, vivem intensamente a atualização sacramental do mistério de Cristo, particularmente como ele se manifesta na encarnação e na paixão, que, como bem o sabemos, ocupam lugar central na contemplação desses enamorados de Cristo pobre e crucificado. contemplativo de Clara está enraizado na encarnação do Verbo, sintetizado no mistério, na vida pública e na cruz. É um espelho no qual se refletem a pobreza, a humildade e a caridade do Filho de Deus. Contemplar todos os dias tal espelho é percorrer este caminho sem desfalecer. O “método” de Clara para a contemplação Como fizeram os ilustres mestres de contemplação, também Clara elaborou seu“modelo”, seu caminho, porém, sem se ater a nenhuma das grandes correntes. Trata-se de um método muito simples que brota da própria experiência. Este método pode resumir-se em três verbos que aparecem na segunda e quarta cartas a Inês de Praga: olhar, considerar, contemplar (cf. 2 In 20; 4 In 15-23). O caminho 66 - Revista Santa Cruz Olhar. O olhar implica todos os sentimentos no seguimento contemplativo de Jesus Cristo. “Olhe dentro desse espelho todos os dias [...]. Preste atenção no princípio deste espelho: a pobreza daquele que, envolto em panos, foi posto no presépio!” (4 In 15ss). Não se trata de uma postura romântica diante do presépio, mas de uma experiência real de pobreza, de uma opção decidida pela pobreza, como o caminho escolhido pelo Filho de Deus. Não se trata de olhar-se a si mesma, mas de sair de si mesma e contemplar a pobreza daquele que “por você se fez desprezível”. Para Clara, já não resta outro caminho: “siga-o, sendo desprezível por ele neste mundo” (2 In 19). O olhar ao qual convida Clara é, na verdade, o olhar da esposa ao Esposo, que, por ser diário e incessante (cf. 4 In 15), leva a descobrir a beleza do “Esposo da mais nobre estirpe” (1 In 7). Considerar. A consideração, para Clara, abarca a mente e leva a perceber a humildade, como um contraste que escandaliza e fascina: o Rei dos anjos envolto em panos e posto em um presépio (4 In 1920). Se para Francisco o binômio pobreza e humildade é inseparável, também o é para Clara. A pobreza põe em realce a vida na mesma condição dos pobres. A humildade expressa o mais profundo da pobreza: o rebaixamento, a humilhação, o desprezo. Se a pobreza é negação da riqueza, a humildade é negação do poder. A humildade é a dimensão quenótica do seguimento. Contemplar. O contemplar implica particularmente o coração. Para Clara, o coração é o lugar da aliança com o Esposo, expressa a radicalidade da resposta, a entrega total, a comunhão que permite saborear Deus. Por outro lado, a contemplação exige um coração puro (cf. RSC 10,10), totalmente voltado para o Senhor. Isso permite olhar com outros olhos, com os olhos de Deus, considerar de outra maneira, perceber em profundidade. Contemplar significa, em última análise, ter os mesmos sentimentos de Cristo (cf. Fl 2,5), revestir-se de Cristo (cf. Gl 3,27; Ef 4,24). Contemplar é abrir-se ao Espírito que renova, transforma e arrasta ao testemunho, meta de toda a contemplação. O olha-considera-contempla, mais que graus, são dimensões de um mesmo processo que não se reduz a uma mera consideração intelectual, mas que é uma experiência que implica toda a pessoa em todas as suas dimensões: espiritual, afetiva e sensível. É como o amor autêntico: envolvente (cf. RnB 22; 3 In 12-13; 4 In 15), que conduz ao seguimento e à identificação com a pessoa amada, à transformação do amante no Amado. O silêncio e a solidão a serviço da contemplação Assim como Clara em sua Regra (cf. RSC 5), assim pensa a Igreja, assim como o exprimem as vossas Constituições: “a busca da intimidade com Deus traz consigo a necessidade vital de um silêncio de todo o ser” (CCGG da OSC 81). Revista Santa Cruz - 67 Quem deseja permanecer fixo unicamente na intimidade de Deus, a exemplo de Clara, deve afastar de sua alma “todo rumor” (LSC 36). E isto não só para quem optou por uma vida retirada, mas para todos aqueles que desejam viver uma vida interior autêntica. O silêncio enquanto caminho de liberdade é um valor universal, necessário para uma vida em plenitude, para a reflexão profunda. O silêncio e a solidão habitados são manifestação de uma vida plena e transbordante, que fala por si mesma. O silêncio e a solidão são, além disso, meios indispensáveis para concentrar-nos no essencial, para viver na presença do Senhor. É desde esta perspectiva que a clausura adquire a sua verdadeira dimensão. Sem diminuir a importância da clausura para fora, não se pode esquecer nunca a clausura para dentro: não entreter-se com o acidental, mas nutrir o gosto pela Palavra de Deus, o recolhimento dos sentidos. Se para quem vive às margens do nada, o silêncio é sinal terrível do vazio, para quem busca a paz interior, o silêncio, a solidão e, no vosso caso, a clausura são oportunidades impagáveis para o encontro com Deus e com os demais. O homem novo, a quem a fé concedeu um olhar penetrante que vai mais além do visível e um 68 - Revista Santa Cruz coração capaz de amar o Invisível, busca o silêncio e a solidão, feitos de relações profundas, autênticas e não como fuga ou como meio para fechar-se em si mesmas. Por paradoxal que possa parecer, somente aquele que é capaz de ficar sozinho é capaz de encontrarse com alguém. Talvez isto explique porque hoje estamos tanto tempo juntos e não conseguimos encontrar-nos realmente com alguém. Hoje, tanto vós, minhas queridas irmãs, como nós e todas as pessoas que desejem dedicar-se com coração exclusivo a Deus, necessitamos de silêncio e solidão, cheios de uma presença, atentos à escuta, abertos à comunhão. Necessitamos cuidar do silêncio e da solidão habitados para não sermos carentes de reflexão, vítimas de um ativismo vazio e, portanto, estéril. Deus sempre fala e até mesmo seu silêncio é palavra. Conclusão Irmãs mui queridas no Senhor: iniciei esta carta com palavras de São Boaventura e termino fazendo minhas outras palavras suas. Como ele, também eu vos peço que estejais “sempre unidas a Cristo, nosso único bem duradouro” (S. Boaventura, Carta... 4). Tudo o que vos escrevi, minhas queridas Irmãs pobres de Santa Clara, o assumo também para mim e para todos os irmãos que o Senhor me deu. Que o Senhor nos dê um coração puro para poder olhá-LO, considerá-LO, contemplá-LO, para que, transformando-nos n’Ele, possamos dar testemunho d’Ele diante dos homens e das mulheres do nosso tempo! Fraternalmente, Fr. José Rodríguez Carballo, ofm Ministro Geral OFM Roma, 13 de junho de 2010. Revista Santa Cruz - 69 VIDA DA PROVÍNCIA No ensejo de apresentar alguns acontecimentos marcantes na “vida” da PSC, nos últimos meses, este número da “Revista Santa Cruz” traz cinco relatos que, certamente são do interesse de todos os seus leitores, a saber: 1) Ordenação diaconal de frei Francisco Alexandre Viana; 2) “Marcha Franciscana” rumo à nascente do Rio São Francisco; 3)“Missão vocacional” na cidade de Pedra Azul; 4) Entrevista com os freis jubilandos: Oscar van der Neut e Edvaldo Kemmeren; 5) Diário de um “peregrino” na Terra de Jesus – parte 2. 1. ORDENAÇÃO DIACONAL DE FREI FRANCISCO ALEXANDRE VIANA Frei Oton Júnior, ofm No domingo, dia 1º de agosto de 2010, frei Francisco Alexandre Viana foi ordenado diácono na igreja de São Tiago Maior, localizada no bairro São José, em Belo Horizonte. Foi uma celebração simples e bem participada. Além da comunidade local, estiveram presentes vários frades, religiosos e religiosas amigos de frei Francisco. Compareceram também alguns conterrâneos, vindos da cidade sul- 70 - Revista Santa Cruz O dia começou animado, à espera do ônibus de Cabo Verde. A fraternidade São Boaventura, onde reside frei Francisco Alexandre, adaptou-se como pode para receber os visitantes. Quando estes chegaram, o almoço já estava servido, graças à colaboração de algumas paroquianas que logo cedo começaram os trabalhos. Após a refeição, os visitantes foram divididos entre algumas famílias do bairro para poderem se preparar para a celebração. O bispo ordenante foi dom José Maria Pires, arcebispo emérito da Paraíba e residente na Arquidiocese de Belo Horizonte. Apesar de seus quase 92 anos, mostrou-se vigoroso, lúcido e provocador. Em sua homilia, dom José Maria exortou a todos para a importância de uma Igreja servidora, a exemplo dos primeiros diáconos, que se ocuparam das viúvas pagãs convertidas ao cristianismo. No que tange à espiritualidade franciscana, o bispo exortou o ordenando sobre a atualidade do serviço diaconal quanto à não violência, a exemplo de São Francisco que acalmou o lobo de Gúbio. O bispo exortou a todos sobre a importância do Concílio Vaticano II que recuperou a figura do diaconato permanente, ressaltando que, além da atividade sacramental deste ministério, o diácono deve estar em contato com as pessoas afastadas da religião cristã. Estas poderão encontrar na figura do diácono a ponte para sua adesão à fé. Dom José lembrou ainda da importância do trabalho gratuito, por amor, inspirado na dedicação dos pais aos filhos, e que nos dias atuais é até mesmo ridicularizado. , mineira de Cabo Verde (MG), terra natal do ordenando, distante 475 km da capital mineira. Após a celebração, os convidados participaram de uma refeição no salão da igreja de São Tiago. Os visitantes retornaram a Cabo Verde Revista Santa Cruz - 71 no mesmo dia, enfrentando mais sete horas de viagem. Frei Francisco Alexandre cursa, no presente momento, o último ano de teologia e é o atual Comissário da Terra Santa da Província Santa Cruz. Que nosso Deus, feito homem do serviço em Jesus de Nazaré, oriente os caminhos de frei Francisco Alexandre. Que o diaconato lhe inspire sempre mais o dom de se fazer irmão a serviço do Reino. 72 - Revista Santa Cruz 2. MARCHA FRANCISCANA: DEZ ANOS Para dar graças a Deus Frei Robério Antunes Ruas,ofm A Marcha Franciscana de 2010 teve um caráter especial, pois comemoraram-se os dez anos da manifestação em prol da nossa mãe natureza e em especial do grandioso rio São Francisco. Este rio tem sofrido sérios danos provocados pela ação do próprio ser humano. Marchamos até a sua nascente. A Marcha Franciscana consta de momentos de silêncio, de contemplação, de união fraterna, de partilhas e reflexões. Neste ano de 2010, durante a caminhada se renderam graças a Deus pelo carisma francisclariano, pelo dom da vida, pela nossa mãe terra e irmã água, e ainda pelos dez anos da “Marcha” e pelo próprio rio São Francisco. Esse agradecimento se deu em momentos de profunda oração e partilha em cada parada. Também somos gratos a todos que nos acolheram em suas casas e que tão bem cuidaram de nós: o sr. Amador e esposa, o sr. Euclides e esposa, o povo de Vargem Bonita e de São Roque de Minas que não nos deixaram faltar nada. A Marcha Franciscana tem um caráter ecumênico e, por isso, conta com a participação de várias outras denominações religiosas de uma forma bem tranquila e fraterna. A participação de leigos tem sido cada vez maior na caminhada. Pessoas de vários lugares do estado de Minas e de todo o País são um exemplo de como a marcha tem sido bem divulgada pelos seus participantes. A Marcha Franciscana é, por assim dizer, uma forma bem franciscana de evangelizar, pois há nela ótimas oportunidades de se aprofundar o carisma franciscano. Contamos com a presença de nosso vigário provincial, frei Vicente Ronaldo da Silva, na abertura da marcha em Capitólio, e do ministro provincial frei Francisco Carvalho Neto na missa de encerramento, na nascente do Rio São Francisco. Eles, com sua presença e em sua pregação, demonstraram apoio e incentivo à Marcha Franciscana. A eles o nosso agradecimento. Revista Santa Cruz - 73 A Marcha Franciscana, conforme avaliação dos próprios partipantes, precisa ser experimentada para ser melhor julgada. Para os caminhantes, a Marcha tem sido algo marcante em suas vidas. 74 - Revista Santa Cruz Agradecemos a Deus pela vida e pelo apoio de cada pessoa que participou desta caminhada e continuamos contando com o apoio de todos para que nossa “casa”, o planeta terra, seja um dia melhor cuidada. 3. MISSÃO VOCACIONAL EM PEDRA AZUL Frei Fernando Resende da Silva,ofm Foi realizada em Pedra Azul, diocese de Araçuaí, uma “Missão Vocacional Franciscana”, entre os dias 22 e 27 de junho do corrente ano. A paróquia local – Nossa Senhora da Conceição – é dirigida por um padre diocesano, padre Fabrizzio Clemente Fonseca. Residem também nessa cidade algumas Irmãs da Congregação de Nossa Senhora da Ressurreição. A Missão foi realizada por frades e freiras, provenientes de diversos locais dos estados da região sudeste do Brasil. Todos chegamos a Pedra Azul bem dispostos. Tomamos conhecimento da programação, a qual informava locais para nossa atuação e também certos grupos de leigos para os quais alguma palestra ou encontro seriam feitos. Já que os primeiros dias da Missão foram em dias de semana, nos concentramos mais nas visitas às residências. Deixamos para o final de semana as atividades com grupos específicos de leigos. Os frades e freiras se subdividiram em pequenos grupos, o que possibilitou visitar um maior número de residências. A cadeia e a APAC foram visitadas durante a semana. Uma parte dos missionários se dirigiu às comunidades rurais. No terceiro dia da Missão, dia de São João Batista, houve muitas comemorações, uma vez que este santo é muito querido pelo povo da região: de manhã começamos a ouvir o estouro de foguetes, e esse som se prolongou o dia todo. À noite, vimos inúmeras fogueiras espalhadas pelas ruas da cidade. Num mesmo trecho de rua havia várias fogueiras. Alguns moradores fecharam suas ruas com galhos de bananeiras. As pessoas ficavam assentadas nos passeios. Havia fogos de artifício de vários tipos. Uma das capelas da cidade é dedicada a São João Batista, e ali houve uma celebração eucarística, precedida de uma procissão. O dia 24 de junho foi feriado municipal em Pedra Azul. Embora o trabalho de visitar as residências fosse feito com boa vontade e as famílias nos terem recebido muito bem, alguns missionários sugeriram que talvez fosse melhor a presença de pessoas da cidade junto às equipes, uma vez que existiam residências de famílias de outras Igrejas. As nossas visitas tinham como meta a dimensão vocacional. As dimensões, caritativa e de anúncio, eram tidas por nós Revista Santa Cruz - 75 como secundárias. Mas, mesmo assim, estávamos abertos a visitas mais caritativas, principalmente quando eram solicitadas. As famílias visitadas recebiam cartões e folhetos nossos. Cada dia havia celebrações eucarísticas, tanto na cidade quanto na roça. Uma interrupção que tivemos que fazer – e isto é até meio cômico para narrar – foi nos momentos de jogos da seleção brasileira na Copa do Mundo. Assim como todos se juntavam para assistir aos jogos, nós, missionários, ficávamos em casa também para este mesmo fim. No final de semana, houve encontros com grupos predefinidos: crianças, catequizandos, crismandos, famílias, jovens e uma fraternidade missionária local. O conteúdo e a dinâmica dos encontros variavam conforme o tipo do grupo. No decorrer de todo o domingo realizou-se um Encontro Vocacional. Este encontro foi planejado para atender tanto aos jovens e adolescentes de Pedra Azul quanto 76 - Revista Santa Cruz aos que residem em municípios vizinhos. Nesse encontro, houve a direção também do padre responsável pelas vocações da Diocese de Araçuaí, padre Manoel. As palestras do referido encontro foram feitas pelo padre Manoel, por frades da Província Santa Cruz e por freiras de algumas congregações de carisma franciscano. Ainda no domingo, uma parte dos missionários esteve no meio rural, tanto para visitas quanto para celebrações. O último evento da “Missão Vocacional Franciscana” em Pedra Azul foi uma celebração eucarística à noite. No final da celebração houve agradecimentos recíprocos. Da Província Santa Cruz participaram os seguintes frades: frei Fernando, frei Irwin, frei Moisés, frei Alexsandro, frei Donizete e frei Eliseu. Saímos de lá com a sensação de que, em geral, as pessoas receberam com contentamento e gratidão nossa presença, nossa mensagem, nossa atuação. 4. ENTREVISTA COM OS JUBILANDOS FREI OSCAR VAN DER NEUT E FREI EDVALDO KEMMEREN Frei Oton Júnior, ofm No ensejo das comemorações de seus 50 anos de ministério presbiteral, frei Oscar van der Neut e frei Edvaldo Kemmeren concederam à Revista Santa Cruz (RSC) uma breve entrevista. Dentre outros assuntos, eles falam de sua origem e missão em terras brasileiras. Frei Oscar van der Neut Ordenado presbítero em 1960 e, desde 2007, reside no convento Santo Antônio, em Divinópolis. Como passatempo, dedica-se à tradução para o português de livros sobre franciscanismo. RSC: Frei Oscar, conte-nos algo sobre sua família. Frei Oscar: Sou o sexto filho de um total de doze irmãos. Nasci em Rotterdam, na Holanda, em 15 de setembro de 1930. O período era difícil devido à crise econômica mundial. Quando eu tinha entre quatro ou cinco anos, meu pai ficou desempregado e tivemos de sobreviver com um saláriodesemprego. Ficamos assim até o início da guerra. No fim de 1944, eu e mais duas irmãs resolvemos sair de casa para que sobrasse mais comida para nossos irmãos menores. Fazia um frio de 28 graus negativos e caminhamos dois dias pedindo coisas pra comer às pessoas que encontrávamos. Finalmente, depois de um tempo, conseguimos um trem que nos levou para o Norte, na região da Frísia. O trem transportava fugitivos da guerra, e passou à 1h da manhã. Nós fomos juntos, no trem lotado, cerca de oitenta pessoas por vagão. Chegamos depois de treze horas de viagem, e fomos procurar logo o vigário para pedir a ele licença para mentir que éramos fugitivos de guerra. Conseguimos uma família que nos acolheu, mas não tínhamos nenhuma notícia de nossos parentes, nem eles de nós. Isso durou uns seis meses, até que em julho de 1945, com o fim da guerra, Revista Santa Cruz - 77 chegou um ônibus para levar os filhos de policiais da minha cidade de volta para a Holanda do sul. Eu embarquei com eles, mas tive de ir sentado no chão do ônibus, pois não havia lugar pra mim. O primeiro homem que vi quando cheguei foi meu pai, portando um fuzil, fazendo parte de um grupo de resistência aos alemães. RSC: Como se deram seus estudos e o início de sua vocação? Frei Oscar: Fui matriculado numa escola que preparava profissionais para trabalhos em escritório, mas há muito tempo eu já pensava em ser missionário porque os missionários durante o período de férias passavam nas escolas, contando como era a vida em outros países e isso me encantava. De início eu pensei em ir para a China, porque gostava de ver aqueles freis com aquela barba grande. Em 1946, entrei no seminário menor, chamado de colégio das missões e lá fiquei sete anos, até 1953, quando fui para o noviciado. Minha turma era de trinta noviços. Fiz então dois anos de filosofia, quatro anos de teologia e um ano de pastoral, que dava para a gente umas noções de teoria e de prática (como fazer pregações, por exemplo). Minha ordenação foi celebrada junto com outros 78 - Revista Santa Cruz oito frades. Uma turma antes de mim foram vinte e houve outra de quarenta frades ordenados juntos. A província tinha cerca de 1.400 frades. A província da Holanda naquela época tinha missões na Indonésia, no Paquistão, na Índia, na Noruega e no Brasil, e eu quis vir pra cá. Viemos então Frei Edvaldo Kemmeren, Frei Adriano de Wit (Frei Tomé, pra nós), e eu. Chegamos em outubro de 1961. RSC: Em quais lugares o senhor trabalhou? Frei Oscar: O primeiro lugar em que me mandaram foi para Ubá, para aprender o português. Fiquei uns meses lá. Depois fui para Corinto, e de cara já tive de fazer sermão de Semana Santa (acho que é por isso que eu não gosto de Semana Santa até hoje!). Fiquei em Corinto de 1962 a 1966, quando fui à Caravelas, depois Nanuque, onde eram duas paróquias e tínhamos duas comunidades dos freis. Foi um período que gostei muito porque o clima entre nós era de muita brincadeira. Éramos frei Adalberto Lau, frei Edvaldo Kemmeren, frei Fortunato van Vugt e na outra estava frei João Maria van Dan. Em Nanuque, havia o ginásio e tive de dar aulas de matemática durante um ano para a turma do segundo ano ginasial, mas eu não tinha nenhuma preparação para isso. Depois, voltei para Caravelas, onde fui pároco durante três anos, por volta de 1973. A cidade de Teixeira de Freitas começava a crescer naquela época. Eu andava muito de trem porque em Corinto havia três linhas: uma para Pirapora, outra para Diamantina e outra para Belo Horizonte e muitas capelas estavam às margens da linha. Os municípios eram grandes. Em Alcobaça estava frei Ismael Lambi e frei Hipólito Elskamp estava em Prado. Depois frei Teodoro Verkuijlen e frei Elias Hooij foram para Posto da Mata. Fiquei em Nanuque até 1983 e pude então morar com frei Cristóvão, frei João José van der Slot e frei Simão Putman estava na Serra dos Aimorés. Fui então para Jequitinhonha, onde havia a matriz, dez comunidades na cidade e trinta na roça. Eu gostei muito de ter trabalhado em paróquias, atender pessoas, celebrar. Em 1995 fui para Visconde do Rio Branco, para ser guardião do noviciado. Fiquei três anos ali, e fui primeiro para Abaeté e depois para Pará de Minas, onde fiquei sete anos, até que, em 2007, vim para o convento de Divinópolis. Aqui, comecei a traduzir alguns livros de franciscanismo do holandês para o português, para passar o tempo. Não pretendo publicá-los, apenas deixarei em algumas bibliotecas da Província. RSC: Como o senhor vê a situação da Província da Holanda e a Província Santa Cruz? Frei Oscar: Não tenho acompanhado tanto a situação na Holanda. Não sei, por exemplo, como está a situação dos frades que não são ordenados. Meu irmão, por exemplo, era frade eletricista, e prestava serviço nos grandes conventos e também para as Clarissas. Quanto à nossa Província, eu não conheço os frades mais novos, então não sei que rumo está tomando. Revista Santa Cruz - 79 Frei Edvaldo Kemmeren Ordenado presbítero em 1960 e, desde dezembro de 2006, reside na comunidade do “Sítio Rivotorto”, em Ribeirão das Neves. Além de assistente espiritual das irmãs da Pequena Família Franciscana, frei Edvaldo ocupa boa parte de seu tempo cuidando do jardim e plantas ornamentais do convento de Areias. RSC: Frei Edvaldo, conte-nos um pouco da história de sua vocação. Frei Edvaldo: A oração pelas vocações foi uma constante em nossa família, especialmente o primeiro sábado do mês. Isso provavelmente influenciou o meu pensamento a respeito. RSC: E a opção pela Ordem dos Frades Menores? Frei Edvaldo: Houve uma missão popular em nossa paróquia, 80 - Revista Santa Cruz orientada pelos freis de Nieurve Niedorfi, um convento não longe da nossa paróquia. Eles me inspiraram. RSC: Em 1961, o senhor desembarcou no Brasil e logo foi transferido para Pirapora. Como foi o processo de adaptação com a nova língua, com a cultura brasileira? Frei Edvaldo: Fui mandado para Pirapora porque havia a falta de um frei naquela comunidade. Quanto à adaptação não houve grandes problemas. Claro que a língua foi a mais difícil. Aprendi mais ou menos andando na rua, tentando conversar com o povo. Também frei Osvaldo, o pároco, me ajudou um pouco. Alimentação não foi problema. Quanto à cultura, o maior desafio foi com a cultura religiosa, especialmente a liturgia. Senti a necessidade de uma renovação que aos poucos foi acontecendo com a reforma promovida pelo Concílio Vaticano II. Naquela época, grande parte da população era católica. Havia igrejas protestantes na Europa. Até tínhamos bons contatos com outras Igrejas, especialmente uma “Igreja Batista do Sétimo Dia”. RSC: Nas cidades de Nanuque e Corinto – apenas a título de exemplo! - o senhor trabalhou como vigário, pároco e professor. Fale-nos a respeito destas atividades. Frei Edvaldo: Depois de três meses em Pirapora, já fui transferido para Nanuque. Como vigário e pároco acompanhei os costumes e práticas que eram de costume nas paróquias, aplicando as novidades do Concílio. Trabalhei na pastoral paroquial nos diversos serviços que envolvem a vida evangélica e espiritual, além das obras sociais e administração. A vida evangélica exige formação e um destaque para a liturgia. O Concílio Vaticano II já começou a manifestar resultado. Mais formação, formação de comunidades com seus conselhos. Tentei acompanhar as mudanças e orientá-las. Dentre estas inovações, destaco a formação de catequistas e a formação litúrgica. Parte da atividade paroquial foi ocupada com questões práticas ligadas à administração. Procurei registrar todos os funcionários. Um rapaz que trabalhava num escritório de contabilidade cuidava da parte financeira. Eu só fornecia os dados. Essa foi uma prática que segui em todas as paróquias. Outro aspecto: a manutenção de móveis e imóveis da paróquia e eventualmente novas construções. Esta parte ocupava geralmente muito tempo, mas não era um tempo perdido para a pastoral. Sempre estava disposto a ouvir e dialogar com o povo, contratava profissionais, organizava multidões e campanhas financeiras. Em resumo: motivava o povo, estimulava o espírito comunitário e a responsabilidade. Por outro lado, o professorado (Educação Civil e Moral) não foi o meu lado forte. Batizado em Posto da Mata (BA) em 1962 RSC: Em 1982, o senhor foi nomeado o responsável pela construção/ reforma do Noviciado em Visconde do Rio Branco. O Senhor poderia comentar algo sobre esta atividade específica? Frei Edvaldo: Fui incumbido de reformar o prédio existente para acomodar mais ou menos vinte noviços. Fiz a planta para a reforma. No fim das contas, ficou um conventinho muito agradável. Porém, demorou pouco, pois a Província mudou de planos quanto ao lugar do Noviciado e o destino daquele imóvel. Revista Santa Cruz - 81 RSC: O Senhor dedicou boa parte de sua atividade pastoral em Pará de Minas e em Belo Horizonte. Algo a destacar neste período? RSC: Como tem sido sua presença em Ribeirão das Neves? De quais atividades o senhor tem se ocupado atualmente? Frei Edvaldo: Pará de Minas foi outra paróquia onde trabalhei com muito gosto. Uma cidade em franco progresso. Precisava muito de planejamento e construções. Também um povo muito bom e colaborador. Trabalhei também em Belo Horizonte, na Savassi. Fui com medo, pois sempre desejava não receber nomeações para Belo Horizonte. Mas aceitei, comecei e o meu medo já se manifestava logo sem fundamento. Era uma paróquia sem casa paroquial, sem centro paroquial, sem salão etc. Frei Francisco Duarte já havia compra-do um prédio. Fiz um projeto realizável para essa pequena paróquia. O plano foi aprovado e realizado, e dentro dos seus limites funcionava bem. Mas a Província mudou os planos: desativou o Convento São Bernardino, anexo ao Colégio Santo Antônio, e agregou o prédio às atividades do colégio. Tive de sacrificar o salão do segundo andar da nova residência paroquial para moradia de mais dois freis. Doeu, mas por outro lado, a vantagem da criação de uma nova comunidade de frades. O trabalho pastoral foi muito agradável. Frei Edvaldo: Foi uma mudança radical na minha vida. Moro agora no “retiro” da Província e vivo constantemente em retiro. Experimento isso, benéfico para um velho encostado. Vivemos bem em comunidade. Prestamos assistência à Paróquia da qual fazemos parte como moradores. Na medida do possível, atendemos ao pároco quando ele solicita alguma ajuda. Afinal, não cabe a nós interferir na pastoral. Isso cabe ao pároco. Depois da saída de frei Geraldo van Buul dou assistência à Pequena Família Franciscana. Pelo resto, trabalho em casa e procuro enfeitar um pouco, alegrando o ambiente com flores no jardim, como um jardineiro não profissional. 82 - Revista Santa Cruz RSC: Num rápido olhar retrospectivo, como o senhor avalia seu serviço prestado à Igreja no Brasil? O que significa celebrar 50 anos de ministério presbiteral? Frei Edvaldo: Minha vida no Brasil foi, desde o início, marcada pela pastoral paroquial. Senti-me bem nisto. Fiz o possível para o povo assumir as responsabilidades. Quanto à formação evangélica, tentei convencer o povo que a pastoral, além de vida espiritual, inclui também as dimensões social, política e econômica, numa mentalidade ecumênica. Quanto às construções, não se tratou de um hobby apenas. Tinha a firme convicção de que é necessário ajudar o povo, criando condições, também materiais, para um bom funcionamento da comunidade. Acho importante também mudar a mentalidade do “eu fiz”, para o “nós fizemos”. Além do fazer, sempre cultivei a oração e o estudo para não ficar desatualizado. Apesar de minhas faltas, limitações e omissões, encontrei em todas as paróquias muita colaboração. Houve também conflitos e problemas, mas dentro desta entrevista, que se trata de minha vida presbiteral durante 50 anos, não cabem crônicas paroquiais. Evitei sempre assumir tarefas que não pertenciam à vida paroquial. Dediquei-me exclusivamente à tarefa para a qual fui nomeado. Nesta tarefa, Deus, os confrades e o povo me ajudaram muito. Dou graças a todos. Revista Santa Cruz - 83 5. DIÁRIO DE UM “PEREGRINO” NA TERRA DE JESUS – PARTE 2 Frei Geraldo van Buul,ofm A seguir, a continuação ao relato da experiência de frei Geraldo van Buul, na Terra Santa. Sexta-feira, 5 de março 2010 Vários santuários na Terra Santa são propriedade coletiva de diversas igrejas cristãs. Nem sempre é uma situação fácil. E não é uma questão recente, mas de séculos. Por isso os Turcos Otomanos, quando dominaram a Terra Santa, estabeleceram o regimento do Status quo que regulamenta exatamente o que é de quem, o que é coletivo, e como a situação deve ser solucionada em caso de dúvida. No entanto, existe, às vezes, desconfiança em relação à outra igreja com a qual se vive sob o mesmo teto. Às vezes, chega-se a atritos, até com armas. Especialmente os Grego-ortodoxos e os Armênios se atacam de vez em quando com vassouras ou candelabros. Também os Coptas e Etíopes têm dificuldade de se entenderem. Um diz “aquela área é minha” e o outro contesta isto. 84 - Revista Santa Cruz Limpeza na Basílica da Natividade em Belém Essa situação chega até a circunstâncias ridículas. Assim, a chave da Basílica do Santo Sepulcro fica em mãos de duas famílias muçulmanas, e somente estas podem abrir e fechar a igreja. Existem também momentos em que pessoas de igrejas diferentes aparecem para fazer uma limpeza na igreja, e ai daquele que se atreve a varrer um ladrilho do outro ou espanar um pedaço da parede do outro, pois isto significa mais ou menos “Agora este pedaço é meu”. Graças a Deus, os franciscanos procuram manter o diálogo. Mas a gente pisa em ovos. Mas, não apenas entre as diversas igrejas cristãs existem tais problemas, também entre judeus e muçulmanos. Além disto, entre esses há ainda uma dimensão política. Isto se manifestou de novo há alguns dias. Anos atrás, o então primeiro ministro Ariel Sharon se atreveu a fazer uma visita ao Monte do Templo em Jerusalém. O Monte do Templo está sob a responsabilidade muçulmana, e, uma vez que o templo judeu não existe mais, e naquele lugar se encontram, desde o século VIII, a Mesquita do Al Aqsa e o “Domo da Rocha”, que se tornaram o terceiro lugar sagrado do Islã, a visita de Sharon, responsável pela morte de centenas de árabes, foi uma provocação muito forte, resultando na segunda Intifada. Aos poucos os ânimos se acalmaram, mas Israel proíbe aos judeus a entrar no Monte do Templo com atributos religiosos como Kippa, Manto de Oração, Filactérios ou Rolos da Torá, um sapo que os Judeus ultra-ortodoxos não conseguem engolir. Mas a polícia está atenta. E, para entrar na Esplanada, cada visitante tem de passar por um controle policial e é obrigado a abrir bolsas e pastas. Domo da Rocha Parece-me, no entanto, que Israel tem memória curta. Há uns dias, o primeiro ministro Netanyahu anunciou oficialmente, no Knesset, o parlamento israelense, que acrescentará dois santuários à lista do patrimônio cultural (e religioso) de Israel, a saber, o Túmulo de Abraão e o Túmulo de Raquel. Isto não teria problema se aqueles dois santuários não estivessem na Margem Ocidental (Cisjordânia), que é região da Autoridade Palestina. Alguém escreveu que o Islã nada tem a ver com Abraão e Raquel, mas o Islã se considera a si mesmo como descendentes de Ismael, filho de Abraão e sua escrava Agar. Para os muçulmanos, todos os patriarcas do Antigo Testamento são profetas e pertencem também ao Islã e não somente aos Judeus. O mesmo vale para as famílias deles. E Raquel era a esposa de Jacó. Portanto, Raquel também pertence ao Islã. O decreto de Netanyahu causou logo reação violenta entre os muçulmanos, Revista Santa Cruz - 85 sendo interpretado como uma maneira de estender o controle de Israel sobre território palestino. O resultado não foi apenas um ataque verbal. No último domingo, a situação escalou mesmo num confronto entre muçulmanos e israelenses. As notícias são contraditórias. Israel diz que um grupo de jovens mulçumanos, escondido na Mesquita do Al Aqsa, começou a jogar pedras contra os visitantes da esplanada. Eles teriam sido incentivados para isto pelo primeiro ministro palestinense. Os palestinos dizem que um grupo de judeus ultraortodoxos queria invadir a Esplanda, causando assim a reação muçulmana. De cima do minarete o incidente foi acompanhado e comentado com muito barulho. O exército israelense e a polícia foram mobilizados para restaurar a ordem. Diversos jovens muçulmanos foram presos. Na imprensa israelense, nenhuma notícia sobre uma eventual represália contra os judeus. Mesquita do Túmulo de Abraão O resto da semana foi relativamente tranquilo, mas hoje se percebia como Israel está atento. Sexta-feira é o dia sagrado do Islã. Este começa na quinta-feira de noite e vai até sexta à noite, exatamente quando começa o shabbat dos judeus. No fim da tarde, a cidade antiga de Jerusalém parecia ainda mais uma fortaleza. As muralhas já causam tal impressão, mas hoje estava cheia de soldados e polícia, especialmente às portas da cidade e entradas da Esplanada das mesquitas e o Kotel, a praça diante do Muro das Lamentações. Assim se vê: briga por causa de lugares santos não é privilégio de cristãos! Ontem representei a comunidade no enterro de um confrade italiano. Tudo diretinho conforme o ritual, nada de espontâneo. Estava muito bem organizado, mas sem muita graça. O 86 - Revista Santa Cruz falecido frei Salésio teria reclamado também para que se desse um pouco de vida aos mortos. Guerra Santa do Pão Muitos judeus, especialmente os ortodoxos, comem somente produtos aprovados por um controle rabinal. Aqueles produtos devem ser preparados conforme as normas de pureza da Bíblia e da tradição judaica. É o sistema do kashrut. Na embalagem deve vir mencionado se o produto obedece àquelas normas. Também em restaurantes pode-se ver uma declaração de kashrut afixada na entrada. Existe aqui um grupo de evangélicos que vive conforme as regras judaicas, conhecido como “Judeus para Cristo” ou “Judeus para Jesus”. Aqui em Jerusalém eles têm uma padaria que produz exclusivamente pão kasher. Uns anos atrás os rabinos cancelaram o certificado de kashrut deste grupo, não porque aquele pão não seria kasher, mas porque são cristãos. Agora a justiça determinou que novamente eles devem receber o certificado de kashrut, uma vez que o pão deles é feito da mesma maneira e com os mesmos produtos das padarias judaicas. Cidadania israelense Qualquer judeu do mundo inteiro pode obter a cidadania israelense. Isso vale tanto para aqueles que nasceram judeus como para as pessoas que se converteram ao judaísmo. Agora surgiram protestos por causa de uma lei em preparação que não concede automaticamente a cidadania israelense aos convertidos. Israel é oficialmente um estado laico, mas os rabinos têm ainda um peso muito grande na política. Os partidos ortodoxos de direita são os porta-vozes deles no Knesset. Ecumenismo Num país onde os cristãos são uma pequena minoria poder-seia esperar um clima ecumênico florescente. Os cristãos precisam uns dos outros, não importa se são católicos, ortodoxos, sírios, armênios, etíopes ou coptas. E realmente, para muitos cristãos, não há problema que o outro seja de uma igreja diferente. Na Gruta de Getsêmani, onde estive por algumas semanas, vinha, quase diariamente, um monge etíope para uma breve oração. Também peregrinos ortodoxos visitavam constantemente aquele lugar. Muitos ortodoxos preferem Revista Santa Cruz - 87 ir à missa numa igreja católica, inclusive comungam, porque as nossas missas não são tão demoradas quanto as celebrações nas igrejas deles. Também os líderes das diversas igrejas têm contato regular. Tudo parece assim uma beleza. Mas, quando então se ouve que o patriarcado grego-ortodoxo declarou que, numa celebração ecumênica, só era permitido que cada igreja fizesse uma oração e que era proibido que todos juntos rezassem o Pai-Nosso, aí se percebe que as aparências muitas vezes enganam. Basílica de Getsêmani com o Horto das Oliveiras. No fundo, a igreja russo-ortodoxa de Maria Madalena Peregrinação a Getsêmani Hoje, 10 de março, os franciscanos fazem uma das suas tradicionais 88 - Revista Santa Cruz peregrinações, desta vez ao Getsêmani. Com quase dois meses no Getsêmani, acho que já estive lá o tempo suficiente. Por isto não acompanhei os frades. Celebrações na Basílica do Santo Sepulcro Dentro da Basílica do Santo Sepulcro, convivem três comunidades religiosas: uma grego-ortodoxa, uma armênia e uma pequena comunidade franciscana. As celebrações católicas normais ficam por conta dessa comunidade, mas há momentos mais solenes em que grande número de frades vai à Basílica para a liturgia. Assim, no tempo da Quaresma, aos sábados, os franciscanos das outras comunidades de Jerusalém se reúnem naquela igreja. Ontem, 13 de março, às 16h, fomos cantar as Vésperas, agora tudo em latim, com presidente, diáconos e acólitos liturgicamente paramentados. Muito incenso e grande número de religiosos de outras ordens e congregações e de fiéis. À meia-noite, estávamos de novo na basílica para o Ofício das Leituras, presidido pelo Custódio, com todas as suas parafernálias pseudoepiscopais. Tudo cantado, e novamente tudo em latim, mas foi uma celebração bonita. Fiquei admirado que ainda havia muitas pessoas na basílica. O Ofício foi bem mais longo que o do breviário, ou seja, com um maior número de leituras e de salmos. Terminamos com a ida à Edicula, a capela do Santo Sepulcro. No fim, o Custódio cantou o evangelho da Ressurreição. Às 2h da madrugada, voltei para casa e consegui pegar no sono uma hora depois. Custódio Frei Pierbattista Pizzaballa Agora, imagine a seguinte situação: em certo bairro, há apenas uma igreja que é usada tanto por católicos quanto por pentecostais. Agora é domingo e, portanto, há uma celebração para ambos os grupos. Na hora determinada começa a missa dos católicos, muito solene, o coral canta bem, o organista toca uma beleza e os fiéis acompanham os cantos com muita animação. Durante a primeira leitura, aparecem os pentecostais, mais animados ainda que os católicos, para iniciar o culto deles. Os dois grupos cantam um contra o outro. Após o evangelho, o pároco começa a sua homilia. Ele preparou muito bem sua pregação, tudo está no papel, mas, exatamente naquele instante, o Espírito Santo toma conta dos pentecostais que começam a cantar a pleno vapor. Ninguém mais entende nada da pregação do coitado do pároco. Após a pregação, os católicos entoam o Credo, mas também os pentecostais iniciam no mesmo momento um hino superanimado. O organista católico fica um pouco irritado com aquela cacofonia e resolve abrir mais um registro do seu instrumento musical. E assim vai até o fim. Se você é um observador crítico dessa situação, dirá: “Não tem cabimento” ou “Por que eles não podem esperar o fim da celebração um do outro?” ou eventualmente “Por que não fazem uma celebração conjunta?” Se achar essa uma situação impossível, venha a Jerusalém. Hoje de manhã, 14 de março, os franciscanos saíram em procissão do seu convento. Primeiro, fomos ao Patriarcado Latino para buscar o Revista Santa Cruz - 89 Patriarca. No lugar dele, no entanto, veio um dos bispos auxiliares. Do patriarcado fomos à Basílica do Santo Sepulcro. À frente da procissão iam os kawas. Na época da dominação turca, eles eram policiais. Hoje em dia, cada igreja tem seus próprios kawas. Eles usam um tipo de uniforme que ainda é a roupa da polícia turca de alguns séculos atrás. Armados com um bastão, com uma bola de metal em baixo, eles o batem constantemente no chão em sinal de alerta: estamos chegando, e obrigando eventuais passantes a ceder o lugar para a procissão. A busca do Patriarca não acontece por ser bonita, mas por ser uma simples necessidade. Ele não pode oficiar na Basílica do Santo Sepulcro sem o acompanhamento dos Franciscanos. Se se atrevesse a fazer isto por conta própria, causaria uma guerra com as outras igrejas, pois estas só reconhecem o Custódio franciscano como legítimo representante dos católicos e não o patriarca. Isto porque na época em que o Status quo foi decidido, o Patriarcado Latino não existia, aliás, não havia hierarquia católica de forma nenhuma. Naquele tempo, o Custódio dos Franciscanos era a autoridade máxima dos católicos. Por isto, quando o Custódio preside uma celebração na Basílica, usa mitra, cruz peitoral e anel episcopal, mesmo não sendo bispo. 90 - Revista Santa Cruz Às 8h30min iniciamos a eucaristia num altar a uns dez metros da Edícula do Santo Sepulcro. A situação era meio ambígua pois, além do bispo, também um dos frades franciscanos presidia a celebração. O bispo proferia alguns ritos a partir do seu trono e o padre, de junto do altar. Tudo isto, de novo, para evitar problemas com as outras igrejas. Às 9h ouvíamos a barulho dos bastões de kawas que, momentos depois, entraram com um grupo de armênios cantando a pleno vapor: um grupo de seminaristas vestidos com túnicas azuis, vários monges e alguns bispos, além de alguns fiéis. A poucos metros de nós, em frente à Edícula do Santo Sepulcro, ele iniciaram a sua liturgia. O coral de seminaristas deles era dirigido por uma espécie de Luciano Pavarotti, um homem com uma voz espetacular. Seus discípulos seguiam bem o exemplo do mestre, abrindo a goela. Em nossa celebração, a pregação era em árabe. Só há pouca gente que entende aquela língua, mas nem aqueles poucos devem ter entendido a fala do pregador, pois os armênios cantavam mais forte. No momento da consagração da nossa missa, os armênios iniciaram uma procissão ao redor da Edícula, passando a poucos metros de distância de nós. Aquela procissão era acompanhada de sinos e matracas. A liturgia armênia Em certo momento, um bispo armênio foi fazer uma leitura ou uma pregação, no exato momento em que nós devíamos cantar alguma coisa. Dele também ninguém deve ter entendido nada. Quando terminou a nossa celebração, os armênios ainda continuavam. O padre que presidiu a nossa eucaristia, ao sair da sacristia, dirigiu-se logo a um monge armênio. Eu pensava que fosse dar uma discussão forte. Nada disto. Os dois se abraçaram e se beijaram e iniciaram uma conversa animada. Esta é a situação na Basílica do Santo Sepulcro, onde católicos, armênios, grego-ortodoxos, coptas e sírios juntos são os donos. E talvez essa confusão de hoje seja apenas o aperitivo de uma confusão maior que poderá acontecer daqui a três semanas, pois este ano a festa da Páscoa de todas as igrejas cristãs cai na mesma data. Deus e seus anjos e santos devem ficar zonzos com toda essa barulhada. Esses dias foram, de novo, dias de peregrinações, tudo por causa da bendita Status quo e da tradição. Primeiro, fomos a Betânia para uma celebração eucarística na igreja de São Lázaro e, em seguida, uma visita ao túmulo dele, onde foi lido o evangelho segundo João. Aquele túmulo está sob a guarda de uma família muçulmana. Betânia fica pertinho da cidade antiga de Jerusalém, mas por causa do muro de separação entre Israel e Palestina, tivemos de fazer uma volta enorme, uns 45 minutos de ônibus. Em seguida, fomos a Betfagé, onde fica a capela da Ascensão do Senhor. Originalmente aquela capela tinha uma cúpula aberta, mas tempos atrás foi confiscada pelos muçulmanos que fecharam a cúpula. Dentro da capela há uma pedra onde, conforme quem crê e quem tem bons olhos, se podem ver as marcas dos pés de Jesus quando ele subiu aos céus. Vi a pedra, mas as marcas dos pés não eram muito claras para mim. Mas, neste ponto, posso ser semelhante ao apóstolo Revista Santa Cruz - 91 Tomé: “se eu não vir (claramente), não creio”. Da capela da Ascensão fomos à Igreja do Pai-Nosso, ao lado de um mosteiro de monjas carmelitas. Encontrei lá uma monja brasileira que conhecia o nosso frei Bernardino, e uma moça de Montes Claros, membro da Ordem Terceira do Carmo, que vivem naquele convento. Outra peregrinação foi à capela do Litostratos, lugar onde, conforme a tradição, Pilatos condenou Jesus. É uma capela pequena e estava tão cheia que tive que ficar de fora para assistir à missa. Tudo de novo muito solene bem conforme as rubricas romanas, com um grande número de concelebrantes, alguns diáconos e muito incenso. Saindo da Basílica da Natividade pela Porta da Humildade 92 - Revista Santa Cruz No dia 25, quinta-feira, fui a Belém. Peguei o ônibus na estação rodoviária árabe, na Jerusalém Oriental. É coisa de mineiro, pois lá você nunca perde o ônibus. Eles só partem quando o motorista achar que tem passageiros suficientes para a viagem render. Com muitas voltas, cheguei depois de uns 40 minutos a Belém, dirigindo-me ao convento franciscano ao lado da Basílica da Natividade. Apenas entrei rapidamente na Basílica e na Gruta da Natividade. Não tinha muita graça, pois havia um grupo de russos ortodoxos que impedia ver algo do “exato” lugar onde Jesus nasceu. Depois fui à Gruta do Leite, uns cinco minutos de distância da Basílica. Conforme uma antiga lenda, teria a Sagrada Família se refugiado aqui, após o decreto de Herodes de matar os meninos de Belém. Ao amamentar seu filho, a Virgem Maria deixou cair uma gota do leite materno no chão e a pedra escura ficou branquinha. Daí que a gruta se tornou um lugar onde as mulheres vão pedir a Nossa Senhora para que sempre tenham leite suficiente para amamentar seus filhos, e aquelas que não conseguiram ter filhos, dizem que aqui Maria atendeu seu pedido e que ficaram grávidas. Muitas delas levam um pouco de pó da rocha para misturar com comida ou bebida como uma simpatia infalível. Interessante é que esse lugar também é muito procurado por mulheres muçulmanas. Na parte da tarde, fui com um confrade fazer um giro pela cidade onde encontrei várias pessoas conhecidas dele, e cada vez era uma conversa um pouco demorada. Visitei com ele o Instituto Árabe Educacional onde fomos recebidos pelo administrador que é gregoortodoxo. Este instituto está ligado à organização internacional Pax Christi. Eles desenvolvem um trabalho importante em benefício da juventude palestinense que não tem um futuro muito promissor. Frei Geraldo van Buul com dois árabes Terminei o dia com uma longa conversa com dois árabes, um católico e um mulçumano, sentados na rua e tomando café e chá. Toda a conversa em inglês, às vezes um pouco gaguejando, mas deu para nos entendermos. Hoje, sexta-feira antes de Domingo de Ramos, celebra-se aqui a festa de Nossa Senhora das Dores. Na Basílica do Santo Sepulcro há um altar minúsculo onde foi celebrada uma solene missa, novamente com muitos concelebrantes. E agora, a Semana Santa está por começar. Neste ano, a Páscoa das igrejas ortodoxas coincide com a nossa Páscoa. Vai ser uma confusão na Basílica do Santo Sepulcro! Hoje, à meia-noite, começou aqui o horário de verão. Deve ser de uma quinta para sexta feira por causa de problemas de trabalho dos muçulmanos e judeus. Estamos agora com uma diferença de 6 horas com o Brasil. Mas nem em todo canto funciona o horário de verão. As igrejas ortodoxas continuam com o “horário de Deus” o que faz com que certas cerimônias sejam celebradas em horários estranhos. C’est la vie aqui na Terra Santa. Peregrinos na Terra Santa O movimento de peregrinos na Terra Santa é muito intenso. Gente do mundo inteiro tem vindo para cá. Os italianos são a maioria absoluta, mas há também muitos espanhóis, poloneses, russos e asiáticos. Encontrar guias para todos estes Revista Santa Cruz - 93 grupos não é fácil. Para guiar grupos de língua portuguesa e holandesa parece que a dificuldade é maior. E, nem todos os guias atuam bem. Há guias judeus que falam ‘abobrinha’ e outros que aproveitam a oportunidade de fazer propaganda pela política israelense. Por este motivo fui procurado por uma agência católica maronita para acompanhar grupos de peregrinos. Oficialmente o guia deve fazer um curso e fazer uma prova para receber sua credencial reconhecida pelo Ministério de Turismo. Através do Custódio da Terra Santa consegui uma carteira de guia que é reconhecida, sem eu ter passado pelo curso ou fazer prova. Meu primeiro grupo de peregrinos brasileiros eram pessoas da “Canção Nova” e “Obra de Maria”. Andei com eles pela Terra Santa toda. Foi uma experiência sui generis, pois o grupo era tremendamente carismático, coisa que não posso dizer de mim mesmo. No ônibus era uma reza constante, inclusive em línguas ou algo semelhante, também nas celebrações da eucaristia nos diversos lugares. Certo momento uma senhora me perguntou: “frei, você não é carismático?” Ao responder que não era do meu jeito, ela me disse: “Graças a Deus, pois eu também não sou, e não agüento mais este tipo de reza e esta barulhada nas missas”. 94 - Revista Santa Cruz Manter o grupo junto também é uma dificuldade. Naquele grupo especialmente as mulheres se enfiavam em todo tipo de lojas para comprar lembranças. Mas também entre os homens havia quem gostava de fazer compras. Um deles comprou souvenirs para noventa pessoas no Brasil. O pior de todos era o padre, sempre chegava atrasado e no fim teve que comprar uma mala extra para poder levar todas as suas coisas ao Brasil. Petra: Templo escavado na rocha Uma visita muito interessante foi em Petra na Jordânia. Estive lá com gente da Holanda. Foi uma boa interrupção no meio de visitas a tantas igrejas e santuários em Israel e Palestina. Petra é uma cidade antiga no meio das montanhas da Jordânia, construída há mais de 2000 anos pelos Nabateus. Nas rochas talharam enormes templos e palácios. O povo da Jordânia é de uma amabilidade enorme, muito atencioso e simpático. Depois da visita a Petra fomos ainda ao Wadi Rum onde pernoitamos num campo de beduínos. Os wadis são pequenos rios que apenas têm água na época de chuva. O resto do ano é puro deserto. Para quem pensa que deserto é uma espécie de paisagem de dunas, se engana. São montanhas rochosas das mais diversas cores, uma maravilha, mas diferentes dos wadis de Israel. Aqui fui com um grupo ao Wadi Kelt onde existe o célebre mosteiro grego-ortodoxo de São Jorge, colado contra o paredão da montanha sobre um precipício. Lá ainda vivem monges no antigo estilo. Habitam espeluncas donde só saem de vez em quando para alguma oração comunitária. O abastecimento de alimentos e água é por um cesto que desce para que alguém coloque os suprimentos necessários para eles. Amanhã, 6 de maio, teremos a solenidade da “Invenção da Santa Cruz” Esta festa comemora o suposto encontro da cruz de Jesus por Santa Helena, mãe do imperador Constantino. Esta festa foi eliminada do calendário litúrgico por causa de fundamentos duvidosos. No entanto, por causa do Status Quo que entrou em vigor em meados do século XIX não pode ser abolida aqui em Jerusalém. O Custódio deve fazer uma entrada solene na Basílica do Santo Sepulcro e teremos que realizar algumas cerimônias e procissões, pois, não fazendo isto significaria violar o Status Quo e os católicos poderiam perder alguns direitos. Wadi Kelt: Celas de Monges no paredão da rocha Na próxima semana acompanharei novamente um grupo de peregrinos brasileiros e na segunda metade do mês (junho) um grupo de frades brasileiros das diversas províncias. Continua no próximo número... Revista Santa Cruz - 95 REFLEXÃO Esta seção traz três sugestivos textos: O primeiro - elaborado por frei Sinivaldo Tavares, professor do Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis – é, na verdade, uma síntese de um estudo mais amplo desenvolvido na “Semana Franciscana” que aconteceu em Betim, no mês de julho deste ano, e assessorada pelo mesmo confrade. O segundo texto, de autoria do frei Cristóvão Pereira, versa sobre a nova lei da “Ficha limpa”. O terceiro é um fragmento da conclusão do livro: “Para a terra dos viventes”, de frei Sigismund Verbey - original em holandês - traduzido por frei Oscar van der Neut. 1. A CRIAÇÃO FACE AO NOVO PARADIGMA ECOLÓGICO: A CONTRIBUIÇÃO DE DUNS SCOTUS Frei Sinivaldo S. Tavares, ofm (ITF - Petrópolis, RJ) Duns Scotus (1265/6-1308) foi, com razão, considerado máximo expoente da “Escola franciscana”. Suas intuições e sistematizações teológicas muito contribuíram, nesse sentido, para a consolidação de uma específica maneira de refletir teologicamente, que nos foi legada pela tradição com o nome 96 - Revista Santa Cruz de “teologia franciscana”. Pode parecer estranho que Scotus seja chamado em causa como alguém que teria alguma contribuição a oferecer em mérito à necessidade de se repensar o discurso da Criação face aos urgentes apelos oriundos da “crise ecológica”. Não estaríamos incorrendo em um visível anacronismo? Com o que exatamente um autor que viveu no ocaso da Idade Média teria a contribuir no enfrentamento de questões, cuja consciência emergiu apenas nas últimas décadas do século passado? As afinidades entre o pensamento de Scotus e as questões que nos ocupam neste princípio de século XXI podem ser, todavia, maiores e mais profundas do que imaginamos. Scotus é filho daquele período plasticamente descrito pelo grande historiador Huizinga como “outono da idade média”, revelando-se como fruto maduro daquela fecunda estação. Contudo, graças a algumas de suas principais intuições e sistematizações, Scotus se apresenta como um autêntico precursor da Modernidade, revelando-se simultânea e paradoxalmente moderno e anti-moderno. Ao defender o pluralismo epistemológico, ele constitui um dos primeiros rebentos daquele processo histórico que desembocou na Modernidade. Todavia, enquanto concretização de uma “epistemologia forte”, racionalista e naturalista, a Modernidade nasce e se desenvolve num viés oposto àquele inaugurado e proposto por Scotus 1. Por esta razão, a recuperação das intuições de Scotus pode ser de grande valia na árdua incumbência que pesa com gravidade sobre nós: forjar caminhos alternativos que nos libertem deste “beco sem saída” no qual nos tem encurralado o paradigma hegemônico moderno. Acreditamos que a específica contribuição de Scotus no tocante à formulação de uma teologia da criação na perspectiva ecológica é de caráter substancial. Ela não Duns Scotus 1 - Cf. O. Todisco, “Scoto tra medioevo e modernità”, em IDEM, Giovanni Duns Scoto. Filosofo della liberta, Edizioni Messaggero de S. Antonio, Padova 1996, 85-93. Revista Santa Cruz - 97 se limita, portanto, a elementos fragmentados, esparsos no interior de sua imponente reflexão teológica, mas, ao contrário, ela diz respeito à construção e proposição de um paradigma alternativo ao antropocêntrico e predatório, paradigma vigente na Modernidade. I - A “crise ecológica”: a degradação da vida no Planeta A “crise ecológica” compreende uma série de fenômenos tais como: aquecimento global, mudanças climáticas, crescente escassez de água, desertificação, mudança no regime de chuvas, frequentes desastres naturais, redução da produção/produtividade agrícola etc. À diferença de outras crises que também nos angustiam neste princípio de século, a crise ecológica é de caráter estrutural e não simplesmente circunstancial. Trata-se na verdade de uma crise do paradigma hegemônico da civilização ocidental: uma crise no conjunto de modelos ou de padrões a partir dos quais organizamos nossa relação conosco mesmos, com as demais pessoas e com o conjunto da realidade na qual estamos inseridos. O que se encontra em crise, na verdade, é o paradigma tipicamente ocidental, sintoma de 98 - Revista Santa Cruz um incorrigível antropocentrismo, expresso na peculiar atitude de se colocar sobre as coisas, objetivando-as, e julgando-as distantes e desconectadas do ser humano, concebido como sujeito. A vontade desenfreada do ser humano de tudo dominar tem marcado os destinos da civilização ocidental técnico-científica. A exacerbação do saber concebido como poder está nos conduzindo, paradoxalmente falando, à total sujeição aos imperativos de uma Terra degradada. A ilusão, enfim, de um crescimento desmedido e de um progresso ilimitado voltados para a melhoria das condições de vida nos está levando a uma degradação sem precedentes, perceptível, sobretudo, na deterioração progressiva da qualidade de vida nossa, dos demais seres vivos e do próprio Planeta2. Tais constatações levam-nos a refletir seriamente sobre os conflitos provocados pela atual dinâmica da sociedade contemporânea. O mais agudo e urgente conflito seria entre a reprodução da humanidade e os destinos do Planeta Terra. Encontramo-nos, para todos os efeitos, encurralados dentro de um beco-sem-saída: de um lado, nossas sociedades têm cada vez mais necessidade da Terra e de 2 - Cf. L. Boff, Ecologia: grito da terra, grito dos pobres, Ática, São Paulo, 1995 [com ampla bibliografia]; E.O. Wilson, A Criação. Como salvar a vida na terra, Companhia das Letras, São Paulo, 2008. seus recursos; de outro, o Planeta suporta cada vez menos nosso crescimento. Tem de fato razão Leonardo Boff quando a este respeito afirma que “os limites do capital são os limites da Terra” 3. II - A contribuição de Scotus: a proposta de um novo paradigma O pensamento de Scotus é extremamente complexo. E complexo, etimologicamente falando, vem de com-plexus, vale dizer, “o que é tecido em conjunto”. Por isso, seu discurso se configura como uma trama tecida a partir de vários pontos: autênticos feixes que se entrelaçam de tal forma a constituir um todo orgânico. Salientaremos que, não apenas seus conteúdos, também o exercício do pensamento em Scotus é extremamente complexo. Operando uma autêntica desconstrução do primado do intelecto sobre a vontade e da verdade sobre o bem, principais pressupostos da perspectiva aristotélico-tomista, Scotus põe como núcleo central de sua trama o par de termos recíprocos e complementares: 3 - L. Boff, “A última trincheira: temos que mudar. Economia e ecologia”, em J.O. Beozzo – C.J. Volanin (orgs.), Alternativas à crise. Por uma economia social e ecologicamente responsável, Cortez Editora, São Paulo, 2009, 35-51, aqui 42ss. liberdade e contingência. Ao redor desse núcleo é que se compõem os demais pontos que lhe são interligados no conjunto de uma intrincada e bem tecida trama: a índole positiva do contingente, a univocidade do ente, a “haecceitas” como expressão da singularidade dos entes e a pessoa humana, concebida singularmente como “ultima solitudo”. E o fio a perpassar cada um desses pontos nevrálgicos enredando-os numa trama bem intrincada e consistente é a afirmação do primado universal de Cristo. O Verbo encarnado, na qualidade de máxima participação ad extra de Deus, é querido e pensado por Deus Pai em si e por si. Ele é, ao mesmo tempo, Filho unigênito do Pai e obra-prima da criação. Qual expressão de um único ato de vontade de Deus Pai, Jesus Cristo é querido como suprema revelação do amor do Pai para com o seu Filho unigênito e, por meio dele e nele, para com todas as criaturas. Da mesma forma, enquanto criatura por excelência que recapitula em si o amor de todas as criaturas inteligentes e de todo o universo criado, Jesus Cristo é querido e pensado qual suprema resposta de amor dirigida ao Pai. O Verbo encarnado, para todos os efeitos, é o “primum volitum”, no qual e por meio do qual, todas Revista Santa Cruz - 99 as demais criaturas são também queridas no único movimento de dilatação do amor misericordioso do Criador, expressão de sua decisão livre e gratuita. O Verbo encarnado é, portanto, o sentido último da inteira realidade criada e, simultâneamente, a meta final para a qual toda a criação é destinada pelo desígnio amoroso e gratuito de Deus. O primado universal de Cristo é, em última instância, o núcleo mais íntimo da série de primados que Scotus propõe: da vontade sobre o intelecto, da caridade sobre a verdade, da liberdade sobre a necessidade, do singular sobre o universal, da pessoa humana sobre a espécie4. Todavia, este primado escotiano não deve ser entendido como a substituição do primeiro termo do binômio pelo segundo5. Ele não separa nem contrapõe os polos; a partir da afirmação de um 4 - Nesse sentido, não é por acaso que Scotus manifesta um visível dissenso com relação à posição defendida por Anselmo na sua clássica obra Cur Deus homo. Enquanto Anselmo postula as razões da Encarnação, Scotus propõe o seu sentido mediante a formulação do primado universal de Cristo. Encontramo-nos, de fato, diante de duas posições radicalmente distintas. A esse respeito, remetemos ao nosso “O primado universal de Cristo e a dimensão crística da criação”, S.S. Tavares, Duns Scotus e o “nosso tempo”: interpelações recíprocas”, IFAN/Editora Universitária São Francisco, Bragança Paulista 2008, 75-118. 5 - Quanto à caracterização do pensamento de Scotus, em especial modo, no tocante à série de primados que ele estabelece, remetemos à trilogia de O. Todisco: Lo stupore della ragione. Il pensare francescano e la filosofia moderna (2003); Il dono dell´essere. Sentieri inesplorati del medioevo francescano (2006) e La liberta fondamento della verità. Ermeneutica francescana del pensare occidentale (2008) [ a trilogia foi publicada pelas Edizioni Messaggero Padova]. 100 - Revista Santa Cruz polo ele inclui o outro como seu polo recíproco e complementar. Não se trata, por exemplo, de uma vontade arbitrária nem despótica. A vontade não se opõe, nem nega o intelecto, mas o transcende. A mesma coisa vale com relação à liberdade. Ela não é irracional nem arbitrária. Ela transcende a necessidade, revelando-se como seu horizonte de sentido. A desconstrução operada por Scotus, portanto, desmascara a falsa contraposição entre os polos constitutivos dos pressupostos que ele analisa, para explicitar, sucessivamente, as articulações intestinas entre ambos, salientando sua índole recíproca e complementar. Scotus inaugura um caminho alternativo no tocante à gramática interpretativa do real. A vertente aristotélico-tomista assume a racionalidade como paradigma interpretativo do real. Nessa ótica, o real é racional e é, porque racional. Scotus, ao contrário, assume o paradigma da gratuidade como o sentido da realidade. Embora racional, o real não é porque racional, mas porque querido livremente. Tudo quanto existe é um dom do Criador a ser acolhido, antes de ser explorado racionalmente; e ainda que indagado pela razão, permanece sempre um mistério que se perde no seio da liberdade de Deus. Ambas pressupõem um conhecimento árduo e intenso do real. A concepção aristotélicotomista pressupõe que o real seja, em última instância, inteligível, vale dizer, que suas raízes mais profundas sejam racionais. Consequentemente, pressupõe que nossas faculdades cognoscitivas sejam veritativas. Essa posição abre espaço para a exploração sem reservas por parte da razão questionadora que termina por objetivar o real, dominando-o. A concepção escotiana pressupõe como origem do real o Bem, porque querido por Aquele que é a Suma Bondade. Nesse caso, seu objetivo não é tanto o domínio do real quanto o seu reconhecimento enquanto expressão do amor gratuito do Criador. Percebe-se, assim, como o voluntarismo de Scotus não justifique nenhuma forma de despotismo nem conduza a tipo algum de arbitrarismo. Pois, a vontade não é por ele proposta como alternativa à racionalidade, uma vez que, segundo ele, a racionalidade pressupõe a liberdade e, portanto, é destinada à liberdade. A perspectiva de Scotus é deveras alternativa. Ele defende o primado da vontade e do bem, no interior do qual a liberdade criativa é o compêndio e seu pressuposto é o primado da singularidade do singular. Porque, de fato, o intelecto não alcança colher o ser-isto (haecceitas). Não colhe as sutilezas do singular que só são apreendidas pela vontade. Essa sim é apta a colher o singular na sua irrepetibilidade. Pressuposta essa sua incapacidade de colher a haecceitas, o intelecto recorre a conceitos universais. E estes conceitos universais próprios do pensamento são ontologicamente mais pobres que a singularidade do singular, cuja riqueza se furta até mesmo ao conhecimento intuitivo. A ideia alcançada pelo intelecto não é a coisa, mas a sua generalização, mediante seu conceito universal. O vértice desta reivindicação da singularidade do singular se dá, portanto, na vontade. Na medida em que atualiza a singularidade do singular, a vontade se converte em seu princípio de individuação (principium individuationis). Conclusão: a lição de Scotus nos alcança como uma interpelação Para nós, Scotus permanece como um testemunho de singular fidelidade criativa: de fato, permanecendo nos sulcos da mais genuína tradição, na tentativa de poder extrair dela suas próprias e intrínsecas virtualidades, ele recriou suas expressões, suas articulações intestinas e suas Revista Santa Cruz - 101 perspectivas. Por tudo isso, seu pensamento nos atinge como uma interpelação: elaborar uma teologia que seja autenticamente cristã e, por isso, responsável. A responsabilidade face aos desafios do “tempo presente” implicará em que a teologia os conceba na sua complexidade: ela não os interpretará apenas como problemas ou situações a serem debelados, mas também como 102 - Revista Santa Cruz chances, ocasiões inusitadas, para o permanente processo de recriação de si própria. Para que a teologia cristã possa, portanto, resgatar sua mais autêntica originalidade, é imprescindível que ela acolha e enfrente de maneira destemida as grandes questões que caracterizam o “nosso tempo”. Entre todas as lições de Scotus, esta nos parece ser a mais importante e, todavia, a mais árdua. 2. FICHA LIMPA X FICHA SUJA: PROJETO DE INICIATIVA POPULAR – A LEI DA FICHA LIMPA Frei Cristóvão Pereira, ofm Pelo que tudo indica, a reforma política, tão necessária para aprimorar nosso sistema presidencialista, libertando-o de seus ranços oligárquicos e nepóticos, medida indispensável para consolidação do regime democrático entre nós, vai sendo conseguido na base da pressão popular. O Congresso Nacional, envolvido numa enxurrada de escândalos, vai perdendo sua credibilidade perante a opinião pública. O que não é bom para a estabilidade política do país, e para o regime democrático em si. O Sr. Presidente da República, com alto índice de popularidade, com ampla maioria na Câmara dos Deputados, deita e rola, falando besteiras a torto e a direito; quer porque quer assegurar a sua sucessão. Não passa um mês sem viajar para o exterior, projetando sua imagem como estadista e com isso conseguir uma posição de destaque na ONU; quiçá, no Conselho de Segurança, uma vez aprovada sua reforma! Pessoas há que, decepcionadas com tanta corrupção no mundo da política e na administração pública, almejam um regime forte, ditatorial, Revista Santa Cruz - 103 de caráter militar, para pôr ordem e vergonha no país, esquecendo que os regimes ditatoriais, sejam eles civis ou militares, foram e são verdadeiros antros de malversação do erário públicos. Foram e são corruptos quase como que por natureza. A sabença popular nos ensina que “político, salvo rara exceção, é que nem feijão, só funciona na base da pressão!” Daí a importância e oportunidade desta mobilização popular prevista na Carta Magna do país. Foram 1 milhão e trezentas mil assinaturas, previstas pela lei vigente; posteriormente, enriquecidas com mais 300 mil. Minas Gerais foi o estado que mais contribuiu na coleta das assinaturas. O projeto visa impossibilitar a candidatura de todo político indiciado por corrupção ou improbidade administrativa. Já outros, mais radicais, defendem a causa de que bastaria que fulano viesse a ser indiciado pelo Ministério Público para que sua candidatura venha a ser vetada. Com isso defendem o direito coletivo de defesa ao bem comum em detrimento das garantias individuais do direito privado. Mostrando, com isso, uma sensibilidade de cunho socialista em oposição a uma sensibilidade de direito de cunho liberal e burguês, afirmando a supremacia dos 104 - Revista Santa Cruz direitos individuais em oposição aos direitos da Coletividade. Há uma como que disputa surda entre o poder judiciário e o poder legislativo. O primeiro pretende moralizar nosso sistema eleitoral, baixando resoluções nesse sentido. Posteriormente, o poder legislativo, melindrado pela usurpação de seus direitos de legislar, derruba a iniciativa do poder judiciário, aprovando medidas paliativas que beneficiam a si próprios em detrimento dos direitos do povo, fonte última de todo e qualquer poder, do qual os políticos são eleitos para promovêlos e defendê-los. Em face de tudo isso é que se depreende o valor, a importância e oportunidade do projeto de ação popular visando à purificação do processo eleitoral já para as próximas eleições de 2010. A iniciativa partiu da CNBB com o apoio da AMB (Associação dos Magistrados do Brasil), da OAB, do CONIC (Conselho das Igrejas Cristãs), e tantas outras 40 entidades. Deste Projeto de Ação Popular surgiu a assim chamada “Lei Ficha Limpa”, aprovada e sancionada pelo Sr. Presidente da República, em tempo hábil para vigorar no pleito de 2010, segundo orientação do STE. Tentativa para que a lei viesse a vigorar, somente, no pleito de 2012 foi rejeitada pela Corte Suprema Eleitoral. Modificação de fundo ao texto original do projeto diz respeito à candidatura de fulano ou sicrano só será impugnada quando condenada por uma instância coletiva (um tribunal eleitoral) e não, individualmente, por um magistrado. No mais, é arregaçar as mangas e partir para a luta. Não podemos esquecer a lei 9840 que nos dá o direito de acompanhar o processo eleitoral e denunciar todo ato de corrupção eleitoral no intuito de subornar, cooptar o eleitor, barganhar o seu voto por qualquer tutameia. Não podemos esquecer que o povão, premido para garantir sua sobrevivência, vota mais com a barriga do que com a cabeça, pouco se lixando pelo mundo da Política! Embora se possa constatar que, de pleito em pleito, o povo vai ficando mais ladino, mais exigente. Vai sentindo mais indignação perante tanta insensatez e descaramento da maioria dos nossos “políticos”; revoltado com tantas regalias que eles conseguem em próprio benefício, além dos abusos no exercício de seus mandatos. Revista Santa Cruz - 105 3. FRAGMENTO DA CONCLUSÃO DO LIVRO: “PARA A TERRA DOS VIVENTES” DE FREI SIGISMUND VERBEY - SOBRE A REGRA DOS FRADES MENORES Tradução do original em holandês por frei Oscar van der Neut Juntei-me a uma comunidade que tem o nome de “Frades Menores” já faz muito tempo. Naquela época, eu era entusiasta e cheio de boa coragem, mas naturalmente ainda inexperiente. Isto aos poucos mudou. Por todas as espécies de experiências perdi muitas ilusões. Custou muito tempo antes que eu pudesse ver isto como um enriquecimento e como uma graça libertadora que também era dolorosa. Descobri por estas experiências que não é à toa que usamos o nome de frades menores. Este nome não é um programa para ser executado, mas uma indicação de uma realidade. Mesmo que esta possa ficar escondida um tempão ou até ficar bonitamente camuflada. Na nossa fraternidade da Holanda, não somos mais numerosos, não estamos mais envolvidos em toda espécie de atividades. Na maior parte dos nossos campos de trabalho, perdemos e em 106 - Revista Santa Cruz muitos aspectos não conseguimos mais prover as nossas próprias necessidades. Ninguém lamentará que perdemos nossas cervejarias e padarias. Que devemos desistir de nossas escolas. Foi sentido por muitos como um alívio, mas outros achavam isto como um atentado contra nossa identidade e solidariedade quando devolvemos nossas paróquias às dioceses, a primeira reação sobre isto era dividida. Hoje em dia devemos até confiar a outros o cuidado dos nossos irmãos idosos. Também a formação dos nossos irmãos novos não está mais nas próprias mãos. Começou um processo drástico de desapropriação iniciado nos anos sessenta, que continua em tempo acelerado. O que está acontecendo na nossa fraternidade em sua totalidade acontece também em nossa vida pessoal: diminuição de vitalidade, saúde vulnerável. Viramos frades menores em número, em apreciação, em possibilidades. Não podemos mais dizer: nós somos numerosos e de um tal nível (da verdadeira e perfeita alegria). Assim aconteceu conosco. Pode ser uma graça dolorosa. Será que a podemos também considerá-la como cheia de alegria e salutar? A pergunta que incomoda é: podemos desta maneira ainda responder àquilo para o qual chegaram? Temos ainda alguma coisa para mostrar, aquilo para o qual estamos presentes na Igreja e no mundo? Francisco escreve numa carta a todos os seus irmãos: “É para isto que Ele vos enviou pelo mundo inteiro, para testemunhardes a sua voz pela palavra e obra e façais saber a todos que não há outro onipotente além d’Ele” (Carta a Toda a Ordem). Missão, não é necessário o que dizemos a outros que seu poder é somente limitado e relativo. Francisco quer dizer que nosso próprio poder e nossas possibilidades são relativamente limitadas e relativas. Para isto não precisamos nos esforçar. É simplesmente assim. O importante é que nós mesmos queremos ver isto e mostraremos a todo o mundo; e se cremos que com isto justamente queremos transmitir uma mensagem de acordo com nossa verdadeira e original missão. Em todos os terrenos de vida, pode acontecer que se falha. Poder, propriedades, conhecimentos, apreciação e tais coisas são terreiros apropriados para lapsos; mas isto também pode acontecer com virtudes e piedade. Numa vida altamente religiosa. No serviço pastoral ou diaconal o risco de aparência exterior é, às vezes, maior e a camuflagem pode ser mais enganosa. Em tudo o que somos e fazemos, devemos prestar atenção à realidade de nossa relatividade. Nada do que é próprio de homens e que pertence a nosso mundo pode ser absolutizado, quer dizer, desligado da grande união. Nossa maneira de viver exige que relacionemos todos os elementos e facetas de nossa vida com Deus (RnB). Isto significa que observamos a realidade de nossa vida e a organizamos de acordo. A visão de nós mesmos e nossa convivência com outros somente tem valor quando nos entendemos em relações uns aos outros e ao “Doador” de todos os bens. Numa existência tão relacionada, chegaremos à verdadeira liberdade e à nossa verdade. Este chegar é um processo contínuo de testar e desmascarar. Este processo pode ser observado. Pode ser que outras pessoas podem se reconhecer nisto. Revista Santa Cruz - 107 UMAS E OUTRAS ALÔ, CRIANÇADA, O PRICK CHEGOU Frei Francisco Prick, que não costuma perder a oportunidade de mostrar seu talento Clown, durante a Copa do Mundo, fez a festa. De peruca, 108 - Revista Santa Cruz nariz, cara pintada, aprontou todas e mais algumas. O picadeiro só não foi mais completo porque nem o Brasil nem a Holanda levaram a taça. Em 2014 deve participar como convidado de honra da cerimônia de abertura. Alguém duvida que ele teria coragem? FLOR, MINHA FLOR QUEM NÃO TEM COLÍRIO... Frei Antônio Francisco mantinha orgulhoso uma flor que ganhou na celebração de suas Bodas de Ouro. Todos os dias se admirava de como, passados vários meses, ela continuava viçosa. Até que o estraga-prazeres do frei Mário começou a insistir que se tratava na verdade de uma flor artificial. Como a teima não terminava, era hora de tirar a prova dos nove e... que decepção: era mesmo uma flor artificial, cujo vaso pesava como palha. Como disseram os Titãs, “as flores de plástico não morrem”. O prêmio frade-fashion da vez vai para frei Adelmo Francisco, que tem mostrado todo o seu charme ao jogar vôlei de óculos escuros. Cada toque na bola leva os paparazzi ao delírio. Detalhe: os jogos acontecem à noite! PELO TELEFONE No final da Semana Franciscana, como não havia quem pudesse Revista Santa Cruz - 109 presidir a celebração final, em Betim, frei Luiz Antônio tratou de ligar para frei Laércio Jorge. Como frei Basílio já tinha feito isso, frei Laércio já estava no local da celebração, sem que frei Luiz soubesse. Chegada a hora, outra ligação (frei Luiz de costas, frei Laércio vendo o frade a lhe telefonar): ‘como é, você vem ou não vem?’ AMIZADE COM HORA MARCADA À ESPERA DE UMA APARIÇÃO Não dá para negar que o entrosamento de frei Raul Ribeiro e frei Geraldo Portugal é muito grande. Mas os dois frades já estão exagerando: outro dia, frei Raul se aproximou de frei Geraldo e lhe perguntou: - Você vai ao centro da cidade? - Tenho de ir ao banco – respondeu frei Geraldo. No Seminário de Santos Dumont há uma gruta no jardim, doida pra ser inaugurada. Já estão acontecendo peregrinações, rezas diversas, mas a gruta ainda está vazia por falta de santa. Se alguém souber de alguma aparição mariana por aí, peça para dar um pulinho ao seminário porque a casa já está pronta, só falta a moradora. 110 - Revista Santa Cruz - Ótimo, era justamente isso que eu queria, ir ao banco com você. Mas antes tenho de passar em um relojoeiro porque meu relógio parou de funcionar. - Ó, o meu também parou. Podemos ir juntos. O leitor se espantaria se soubesse que os dois relógios deram o mesmo problema? Pois é, ambos precisavam de uma boa limpeza. Isso é que é amizade, o resto é apelido! FAROESTE SERÁFICO O novo protagonista de faroeste, recém-contratado, é frei Justino, que há pouco conseguiu o porte de armas e anda dando mostras de seu talento. Quando menos se espera, estoura um ‘pipoco’ nos ares da Serra da Mantiqueira. Os cães, gatos e gatunos que se cuidem! sacos de laranja e feito 70 canteiros novos, frei Nicolau foi ouvido sobre o assunto. Segundo o frade, uma pastilha para a garganta poderia ajudar nos terremotos. É que o frade é daqueles que oram com grunhidos inefáveis. MEU MUNDO CAIU ABALOS SÍSMICOS EM CIDADE HISTÓRICA Têm sido registrados vários abalos sísmicos na cidade de São João del-Rei. Ao que tudo indica, o epicentro está no postulantado. Várias vezes ao dia, é possível ouvir um barulho estranho, gutural, como um trator acelerado ou um karateca em ação, que põe tudo para tremer. Após ter colhido 50 pés de alface, 20 Após a ordenação diaconal de frei Francisco Alexandre, o teclado usado por frei Kelisson foi deixado no passeio, apoiado em um carro Revista Santa Cruz - 111 desconhecido que, ao sair, não se deu conta das consequências. Foi aquele estrondo. Feito cena de cinema, frei Kelisson foi visto acariciando o teclado avariado, à espera do SAMU. Com fé em Santa Cecília, o teclado passa bem, apenas terá de se submeter a algumas sessões de fonoaudiologia. DENTADURAS NA AREIA UNÂNIMES ATÉ NO VESTIR Sair de casa, para muitos frades, tem sido algo complicado. Antes, é preciso saber com que vestuário provincial os demais irão, afinal, são alguns modelos de camisa, blusa, bonés e vira e mexe coincide de uns tantos irem iguaizinhos. Talvez seja a onda de hábitos pós-modernos. 112 - Revista Santa Cruz Em uma de suas idas à praia, o animado frade estava disposto a dar um mergulho daqueles. Mas, como a precaução é uma virtude e tanto, resolveu, antes de se entregar aos mares, deixar suas nobres dentaduras enterradas na areia, marcadas por um coco. Despreocupado, se lançou às águas. Fez peripécias, deu braçadas, mergulhou, enfim, matou a vontade. Quando, porém, voltou para a areia, ‘cadê o coco?’. Havia vários cocos, nenhum lhe parecia familiar, e a maré tinha se encarregado de desconcertar o esconderijo. O resultado? Não teve outro jeito, teve de cavar vários buracos para ter seu sorriso de volta. Se achou ou não achou, só o próprio frade poderá responder. O FRADE E A ALFÂNDEGA Após ter inventado o detergente biodegradável à base de mandioca, frei Paulo Afonso foi fazer uma experiência pelas terras de Jesus e de São Francisco. Chegando, porém, à alfândega de Israel, os simpáticos soldados vociferaram contra o frade, pedindo explicações. Vai daqui, vai dali, descobriu-se que se tratava de um canivetinho indefeso esquecido nas coisas do peregrino. Bem que podia ter tentado seduzir os guardas com um pouquinho de detergente de mandioca! água de peixe. Segundo o frade, é só pegar água de algum poço, laguinho ou fonte onde haja peixes (como foi o caso) e jogar diretamente nos sanitários. É tiro e queda... de quem entrar depois! “PRAGA DE PADRE PEGA!” O DETERGENTE DE PEIXE A cidade de Ubá, nos últimos dias, assistiu a uma operação militar das grandes. Soldados por terra, helicópteros, abordagens, espiões... tudo para descobrir quem roubara as cachorrinhas de frei Adriano de Wit. Em um dos anúncios na rádio, o locutor se encarregou de resolver logo o caso: “roubaram as cachorrinhas do Frei Adriano. Ele vai jogar uma praga no ladrão, e praga de padre pega”! Frei José Roney, noviço dos mais santos que já se viu, também quis mostrar seu talento inventivo: um detergente para banheiro feito de Revista Santa Cruz - 113 UMA PAIXÃO BARROCA Já é conhecido entre os frades o encanto que frei Moisés tem para com o período barroco. Seu gosto vai desde imagens, capelinhas, enfeites diversos desse período tão importante para as Minas Gerais, apesar de o frade ser carioca. Em sua estadia atual em Montes Claros, tem podido mostrar todo seu talento em reproduzir tal período. O Aleijadinho que se cuide! 114 - Revista Santa Cruz VÔLEI “NEW GENERATION” Por não terem jogadores suficientes para disputar as partidas na assembleia de formação, as etapas do noviciado e pós-noviciado II se uniram para tentar não fazer feio. O resultado não podia ter sido melhor: foram campeões no vôlei. Mas como pode, se uns moram em Montes Claros e outros em Belo Horizonte? Simples, treinamento via MSN.