O consumo midiático de meninas ninfetas: uma
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O consumo midiático de meninas ninfetas: uma
PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2015 (5 a 7 de outubro 2015) O consumo midiático de meninas ninfetas: uma breve análise sobre a representação erotizada de meninas na sociedade contemporânea1 Jacqueline Sobral2 Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) Resumo A divulgação de representações erotizadas de meninas pela mídia é um sintoma da sociedade contemporânea que precisa ser combatida, mas também analisada por um cenário mais abrangente, o da transformação do erótico e do sexo em mercadoria pelos meios de comunicação. Este artigo propõe uma breve reflexão sobre o tema, recorrendo a casos que ocorreram recentemente no Brasil, como o do surgimento da cantora mirim conhecida como Mc Melody. Palavras-chave: Comunicação; Consumo; Mídia; Infância; Erotismo. 1. INTRODUÇÃO (...) Sem querer eu roubei o seu coração. (...) não mereço ser amada assim. Eu curto amores, eu curto sabores, essa vida sem rumo. (...) Eu sou a cara das noitadas, curto a madrugada, beber uma gelada. Não gosto de ter hora marcada para voltar para casa, eu gosto de virar as noites na balada. (...) Esse é um trecho da música que uma menina de oito anos conhecida como Mc Melody canta, ao som de um violão, em um vídeo caseiro, publicado no dia 24 de julho, em sua fanpage oficial, no Facebook. Seis dias após a divulgação, o post já tinha sido visualizado por 10 mil pessoas, com 27 compartilhamentos e 236 1 Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho Comunicação, Consumo e Infâncias (GT 3), do 5º Encontro de GTs - Comunicon, realizado nos dias 5, 6 e 7 de outubro de 2015. 2 Doutoranda em Educação pela PUC-Rio, Mestre em Comunicação e Práticas de Consumo pela ESPM-SP, é jornalista e professora de graduação do IBMR-Laureate e da Unicarioca, além de professora convidada do IBMEC Online e da FGV. E-mail: [email protected]. 1 PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2015 (5 a 7 de outubro 2015) "curtidas". No dia 17 de abril deste ano, o Ministério Público do Trabalho em São Paulo abriu um inquérito para analisar o caso e verificar se há ou não existência de "trabalho infantil", prática proibida no país. O pai e empresário da menina, conhecido como Mc Belinho, foi ouvido pelo MPT e "se comprometeu a cumprir medidas que garantam a proteção de crianças e adolescentes agenciados por ele"3. No mesmo mês, o Ministério Público de São Paulo também instaurou um inquérito para investigação sobre "forte conteúdo erótico e de apelos sexuais" em músicas e coreografias de crianças e adolescentes músicos, entre eles, a Mc Melody, resultado de denúncias e representações encaminhadas pela Ouvidoria ao MP 4. A questão realmente vai muito além do cumprimento ou não da legislação trabalhista. A cantora mirim vem fazendo uma série de exposições na mídia, participando de programas de rádio e televisão, usando roupas curtas, sutiãs de enchimento, batons de cores fortes e trejeitos sensuais, enquanto canta músicas de funk, com conteúdos eróticos. O caso retrata uma realidade no Brasil que precisa ser amplamente discutida: a produção e o consumo midiático de representações erotizadas de crianças. Neste artigo, iremos nos restringir, porém, à exposição de meninas. Basta ligar a televisão, folhear uma revista ou navegar pela internet para constatar que o erotismo se faz presente no cotidiano midiático, tanto na produção destinada a crianças, como em conteúdos do "mundo adulto" aos quais essas crianças também têm acesso. Desenhos animados apresentam mocinhas de mini saia, anúncios de cerveja expõem pernas e decotes, enquanto meninas se transformam em celebridades mirins seguindo a mesma lógica de erotização de mulheres com o triplo de sua idade, ou mais. Em um cenário em que a programação infantil está desaparecendo da TV aberta, a preocupação não se limita mais aos valores e significados que estão sendo transmitidos às crianças pelos meios de comunicação em novelas, campanhas 3 Disponível em: <http://www.dm.com.br/cidades/2015/07/pai-de-cantora-funkeira-se-submete-aoministerio-publico.html>. Acesso em 30 jul. 2015. 4 Disponível em: <http://g1.globo.com/musica/noticia/2015/04/ministerio-publico-abre-inqueritosobre-sexualizacao-de-mc-melody.html>. Acesso em 30 jul. 2015. 2 PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2015 (5 a 7 de outubro 2015) publicitárias, filmes e programas sensacionalistas voltados oficialmente para um público mais velho: as próprias meninas vêm sendo transformadas em produtos erotizados para consumo imediato de outras crianças e de adultos. A fabricante de bolsas e sapatos Courofino foi autuada pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR) em 2013 por divulgar uma campanha nas redes sociais, em outubro do mesmo ano, para o Dia das Crianças, no qual um dos anúncios mostra uma menina de calcinha, sapato de salto vermelho maior do que o seu pé, colares e pulseiras de pérola, sentada em uma pose erótica, com o slogan "Amo brincar com os sapator #courofino da mamãe!". Outro conteúdo que gerou polêmica foi produzido pela Editora Globo em sua revista Vogue Kids, veiculada em setembro de 2014, que acabou sendo retirada de circulação, por decisão do Ministério Público do Trabalho. Em um ensaio fotográfico para a divulgação de roupas e acessórios, entitulado "Sombra e água fresca", meninas de 10 a 13 anos aparecem em poses impróprias para a sua idade. Há fotos de uma delas com o bumbum empinado, outra de calcinha e perna aberta sentada em um deck, outra fazendo "biquinho" com a boca; em um dos registros, uma menina aparece com corpo de costas, mas com o rosto virado para a câmera, ameaçando tirar a camiseta branca, enquanto a parte de cima do seu biquini aparece por baixo do short de grife. Já mais recentemente, em março de 2015, época do Carnaval no país, a marca Use Huck, que tem como um dos sócios o apresentador da Rede Globo Luciano Huck, vendia pelo site da empresa, a "camiseta infantil vem ni mim", com fotos de um menino e de uma menina vestindo o produto, que trazia a frase "Vem ni mim que eu tô facin". A camiseta foi comercializada nos tamanhos de 02 a 12. Após causar diversas reclamações nas redes sociais, a empresa retirou do ar a campanha e suspendeu a venda; o estilista Rony Meisler e posteriormente o próprio Huck se manifestaram publicamente pedindo desculpas, alegando que, por um erro, a arte de tal estampa foi aplicada indevidamente em modelos mirins no site (ou seja, argumentaram que o equívoco se deu na montagem, pois as crianças teriam posado 3 PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2015 (5 a 7 de outubro 2015) com uma camiseta branca lisa). Mas o nome do produto em destaque no site "camiseta infantil vem ni mim" também teria sido um equívoco que passou despercebido? Com base no trabalho de autores como Morin (2011), Silverstone (2005), Giddens (1994) e Durham (2009), o objetivo deste artigo é fazer uma reflexão sobre a exposição do erótico como mercadoria pela cultura midiática e mais precisamente sobre a adultização precoce de meninas nesse contexto, não apenas por corporações com fins comerciais, mas também pelos próprios pais, tendo como pano de fundo mudanças sociais e afetivas da sociedade contemporânea, o que Giddens chama de "transformação da intimidade". 2. O ERÓTICO FEMININO COMO MERCADORIA Entre os anos 1930 e 1950, época em que a figura feminina era associada à beleza ingênua e sedutora (Lipovetsky, 2000), surgiram nos Estados Unidos e na Europa as chamadas pin-ups, ilustrações ou fotos de modelos ou atrizes posando com símbolos de fetiche, exibidas em calendários, páginas de revista, cartões postais, caixinhas de fósforo, entre outros produtos. Nas palavras da estilista e especialista em fotografia Priscilla Afonso de Carvalho e da Doutora em Estudos da Linguagem pela UEL/PR Maria Irene Pellegrino de Oliveira Souza (2010), elas eram "mulheres de brilho provocante no olhar", que dominavam a arte de sedução, articulando a aura inocente com o leve erotismo, em uma "trama de provocações capaz de acender o imaginário masculino". As autoras enfatizam que tais imagens se propagaram em um período de busca de aceitação sexual e de liberdade dos corpos: "a característica destas figuras era essencialmente incitar e incendiar o imaginário do espectador, atraindo principalmente a atenção masculina", ainda que não deixassem de servir como "paradigma estético para o público feminino" (op.cit., p.129). 4 PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2015 (5 a 7 de outubro 2015) Nas últimas décadas, porém, essa trama de provocações é cada vez mais intensa, o apelo erótico da figura feminina vem se tornando um ingrediente quase que rotineiro nas representações midiáticas que participam do nosso cotidiano. Para Morin (2011), "é no fluxo da cultura de massa que se desfecha o erotismo": (...) não só os filmes, os comics, as revistas, os espetáculos estão cada vez mais apimentados com imagens eróticas, mas quotidianamente pernas levantadas, peitos estufados, cabeleiras escorridas, lábios entreabertos nos convidam a consumir cigarros, dentifrícios, sabões, bebidas gasosas, toda uma gama de mercadorias cuja finalidade não é, propriamente falando, erótica. (...) É que se operou uma espantosa conjunção entre o erotismo feminino e o próprio movimento do capitalismo moderno, que procura estimular o consumo (2011, p. 113-114). O sociólogo francês frisa que o erotismo da cultura de massa é ambivalente, contraditório; mantém uma permanente provocação ao explorar os tabus sexuais sem necessariamente destruí-los; transforma o rosto em um alvo erótico e promove uma erotização geral do corpo enfraquecendo a força da sexualidade genital. Ao colocar o erótico no centro das atenções, a cultura de massa "dilui o que estava concentrado" (2011, p.13-14). Já Silverstone defende que a não-consumação é a norma da dinâmica da exposição erótica da mídia, pois "prazer, excitação, sensação são constantemente oferecidos, mas poucas vezes realmente entregues (...)" (2005, p.96). Segundo ele, o crescente apelo erótico dos meios de comunicação faz parte de um contexto em que o direito do indivíduo de consumir e de ter o que ele quiser é cada vez mais preponderante, é uma busca permanente por algo que ele nunca vai conseguir de fato: O erótico é tanto uma precondição como a justificação da experiência. É por uma esperança transcendente, uma esperança e um desejo de que algo nos toque, que somos atraídos até esses textos e performances que, em outros aspectos, seriam mundanos e triviais (SILVERSTONE, 2005, p. 109). O fundamento do erotismo está na relação entre a interdição e a transgressão (BATAILLE, 2004). Sua presença não é denunciada por um fato físico em si, um 5 PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2015 (5 a 7 de outubro 2015) "está sem roupa, logo é erótico", mas se dá na ordem do simbólico, na representação do nu ou do seminu, em complexas expressões faciais, posturas corporais, vocalizações e gestos, na tentativa de sugerir condutas da ordem da sexualidade (PERUZZOLO, 2010, p.325-333). Para Peruzzolo, o conceito de erotismo por si só não é sinônimo de sedução, mas sim de um "excedimento nas indiciações e sugestões relativas aos desejos sexuais" (...) É a satisfação investida na visão de pernas, pelos, peitos, dorsos, coxas, etc.", que se enquadram em uma relação de ação/prazer (2010, p. 325). Ao tratar do tema, o sociólogo Anthony Giddens faz um importante paralelo para a nossa discussão: "O erotismo é a sexualidade reintegrada em uma ampla variedade de propósitos emocionais, entre os quais o mais importante é a comunicação" (1994, p.220). Em outras palavras, o aumento do apelo erótico da mídia atende ao desejo de uma sociedade que se alimenta de gratificação instantânea, que busca um estado de constante excitação (MOREIRA, 2003) que, na verdade, nunca é alcançado; que se sente atraída por essas imagens e textos sem nem saber por que tais conteúdos despertam desejo. Giddens propõe que o sexo como mercadoria é utilizado pela lógica capitalista porque esse é um tema central para a sociedade: A sexualidade gera prazer; e o prazer, ou pelo menos a sua promessa, proporciona um incentivo para os produtos comercializados em uma sociedade capitalista. As imagens sexuais aparecem em quase toda parte no mercado como uma espécie de empreendimento comercial gigantesco; a transformação do sexo em mercadoria poderia então ser interpretada em termos de um movimento de uma ordem capitalista, dependente do trabalho, da disciplina, e da autonegação, para uma ordem preocupada em incrementar o consumismo e, por isso, o hedonismo. Entretanto, as limitações de uma tal ideia são por demais óbvias. Ela não explica por que a sexualidade deve ter a importância que tem; se o sexo é um complemento poderoso para o consumismo, deve ser porque já existe uma preocupação dirigida a ele (op.cit., p. 194-195). Essa crescente presença do erotismo na cultura midiática se insere também em um contexto de negociação sexual e de novas terminologias de compromisso e 6 PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2015 (5 a 7 de outubro 2015) intimidade que a sociedade contemporânea vive atualmente, o qual é analisado por Giddens. Para ele, a sexualidade é hoje de domínio público e nossa vida pessoal se transformou em um projeto aberto, no qual o "eu" pode ser construído a partir de diversas possibilidades de autonomia e felicidade. Dessa forma, as relações sexuais se desataram das necessidades reprodutivas (a partir dessa mudança, ele desenvolve o conceito de "sexualidade plástica"), e o que estamos vivenciando atualmente é a ascensão do que o sociólogo chama de amor confluente, que coloca o prazer sexual como elemento-chave, que pode ser vivido a curto prazo e não é necessariamente monogâmico, e que entra em choque com o "para sempre" e "único" do amor romântico burguês. A sexualidade, portanto, tornou-se um tema importante tanto para as mulheres, que elegeram a reivindicação do prazer sexual feminino como um elemento fundamental da reconstituição da intimidade e de emancipação na esfera pública, como para os homens, para quem "a atividade sexual tornou-se compulsiva a ponto de ficar isolada destas mudanças mais subterrâneas" (1994, p.196). No Brasil, a questão do erotismo e da sexualidade como presenças costantes nos meios de comunicação ganha mais força devido à presença do funk na cultura do país. Com base no método da análise de discurso de linha francesa e como referencial teórico os estudos de Foucault sobre sexualidade, entre outros, Amorim (2009) analisa as representações femininas de cunho erótico no gênero musical, ressaltando que a sexualidade e a sensualidade da mulher recebem um tratamento específico, com letras que a classicam como “popuzada”, “cachorra” e “vadia”, com o uso de roupas curtas e apertadas, e de coreografias sensuais que promovem a exposição do corpo como objeto de desejo. De acordo com a autora, a funkeira é construída como uma figura feminina ousada e sem pudor, em um jogo de representações dicotômicas, pois, em alguns momentos, veste o papel de mulher desejada, de objeto sexual à espera de ser dominada, enquanto em outros, inverte a ordem patriarcal instituída pela sociedade e assume um personagem dominador, que só faz o que quer. (2009, p.43). A rejeição à interdição sobre sexualidade praticada em muitos espaços discursivamente 7 PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2015 (5 a 7 de outubro 2015) constituídos seria a principal razão da popularidade do funk entre os jovens (e as crianças, acréscimo nosso), para Amorim. 3. AS REPRESENTAÇÕES RECENTES DE MENINAS NINFETAS A fanpage da menina Mc Melody é repleta de fotos suas com poses sensuais e de vídeos nos quais ela canta letras de funk, que trazem frases como "Se é bonito, ou se é feito, mas é foda ser gostosa." Em um dos posts, do dia 30 de julho de 2015, a criança aparece em uma montagem ao lado da Mc Anitta, destacando que a mesma é sua "diva": Figura 1: Post publicado na fanpage da Mc Melody5 5 Disponível em: <https://www.facebook.com/pages/Mc-Melody/348959231979150?fref=ts>. Acesso em 28 jul. 2015. 8 PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2015 (5 a 7 de outubro 2015) Mc Anitta é uma cantora que começou a fazer muito sucesso no Brasil em 2013, mantendo suas músicas nesse ano na lista das mais pedidas nas rádios. Sempre vestida com roupas apertadas e cantando músicas que trazem trechos como "Prepara que agora é hora do show das poderosas, que descem e rebolam, afrontam as fogosas (...)", ela é fonte de inspiração para várias meninas como a Mc Melody, basta fazer uma visita ao site You Tube para encontrar fãs mirins da artista reproduzindo a coreografia de seus shows. Não é um fenômeno do século XXI a atração de crianças por figuras erotizadas. Apresentadoras como Xuxa e Mara Maravilha, nos anos 1980, já encantavam o público infantil, enquanto faziam uso de shorts e saias curtas em seus programas, shows e capas de disco vinil. Na década seguinte, por exemplo, os pequenos se sentiram atraídos por Tiazinha, personagem midiática encarnada por uma mulher com máscara preta no rosto, vestindo corpete e calcinha fio dental, de chicote em punho, construída para o "mundo adulto". Este artigo vai de encontro a teorias que defendem a mídia como a única estimuladora de um desejo que a criança não tinha até então — a noção da infância como uma condição assexuada já foi destruída no início do século passado por Freud, o que talvez explique a atração que a criança naturalmente sente pelo erótico, mas não é objetivo deste texto se aprofundar sobre este tema específico. O que é preocupante, mais do que a exposição da criança a um conteúdo que não foi produzido para ela, é a exploração da figura infantil pela lógica do erotismo midiático: As Lolitas que habitam nosso ambiente de mídia são construções. Elas servem a necessidades de mercado e a objetivos lucrativos, e são poderosamente sedutoras, especialmente para as jovens garotas cuja vulnerabilidade é explorada. (...) Hoje, mais do que nunca, a garota sexy está no olho do furacão. O sexo é um palco de disputas na sociedade contemporânea, como bem sabe qualquer um que acompanhe as manchetes na mídia. À medida que nossa compreensão de gênero e de sexualidade fica mais complexa, o debate sobre o que é "certo", "normal" ou "aceitável" na esfera outrora clandestina do sexo torna-se mais aberto e mais intenso (DURHAM, 2009, p. 27). 9 PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2015 (5 a 7 de outubro 2015) No caso particular da Mc Melody, o fato de o seu próprio pai ser o grande estimulador de tal representação é ainda mais assustador. Em uma entrevista concedida à imprensa, Thiago Abreu afirma que as críticas sobre a sua postura vêm de estados onde o funk não é popular, mas logo depois se contradiz: "as pessoas denunciam porque não aguentam ver uma criança de 8 anos fazer as caras e bocas que ela faz. Tem muita criança que queria fazer o que ela faz e não consegue."6 Ele próprio indica em seu discurso que reconhece a incompatibilidade entre a idade da filha e a "carreira" que ela está seguindo, com a ajuda do pai. As reclamações e denúncias que casos como o da Mc Melody, assim como o da campanha publicitária da Couro Fino, o das fotos publicadas pela Revista Vogue e o da camisa produzida pela marca Use Huck receberam ou recebem são indícios de que tais representações eróticas de meninas causam desconforto na sociedade. No entanto, o surgimento constante de casos similares mostram também que, de alguma forma, essas construções sociais estão se consolidando na lógica de produção cultura midiática. No caso da campanha de fabricante de calçados Couro Fino, a empresa retirou o material publicitário de circulação e divulgou uma nota7, logo após as críticas nas redes sociais e a veiculação da história pela imprensa. No texto, a organização alegou que "jamais teve a intenção de erotizar a infância", e que houve uma "interpretação distorcida" da real intenção da organização, que era mostrar uma menina mexendo com os pertences da mãe: "a peça trazia uma criança usando os pertences da mãe, brincadeira muito comum no cotidiano infantil (...)". Em um dos anúncios, uma menina aparece em pé, de perfil, só de calcinha de rendinha que denuncia uma fralda por baixo, devido ao bumbum empinado, calçando um sapato amarelo de salto alto maior do que o seu pé, com a frase "sabendo sempre te cativar!": 6 Disponível em: <http://extra.globo.com/noticias/brasil/mc-melody-de-8-anos-causa-polemica-paidefende-so-porque-ela-canta-funk-15737518.html>. Acesso em 29 jul. 2015. 7 Disponível em: <http://www.administradores.com.br/noticias/marketing/couro-fino-divulga-notasobre-peca-que-gerou-criticas/80972/>. Acesso em 29 jul. 2015. 10 PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2015 (5 a 7 de outubro 2015) Figura 2: anúncio da Courofino veiculado e retirado da internet em 20138. A revista Vogue foi na mesma linha e divulgou um texto no Facebook, na época, explicando que queria retratar as modelos infantis "em clima descontraído"9. Essa é uma das imagens divulgadas pela publicação: Figura 3: parte do ensaio fotográfico da Vogue Kids, edição de set. de 2014.10 8 Disponível em: <http://www.crianca.mppr.mp.br/modules/noticias/article.php?storyid=892>. Acesso em 25 julho 2015. 9 Disponível em: < http://www.brasilpost.com.br/2014/09/13/polemica-vogue-kids_n_5815314.html>. Acesso em 25 jul. 2015. 11 PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2015 (5 a 7 de outubro 2015) Já o apresentador Luciano Huck e o outro executivo da marca de camisetas vieram a público para dizer que havia ocorrido um erro digital de aplicação da estampa "Vem ni mim que eu tô facin". A frase é uma expressão que sugere uma disponibilidade para o relacionamento que talvez só o adulto entenda: Figura 4: anúncio da camiseta da marca Use Hulk que causou polêmica.11 Recorremos à análise de Carvalho e Sousa (2010) sobre a causa do sucesso das pin-ups na primeira metade do século XX para refletir sobre as representações da menina erotizada do século XXI: "imagem estimulante de fantasias: força e delicadeza, malícia e candura". Ao que tudo indica, a lógica de produção é a mesma. CONSIDERAÇÕES FINAIS Sabemos que a infância não é uma categoria universal, estável e imutável ao longo do tempo, muito pelo contrário (SARMENTO, 2004; QVORTRUP, 2010). A 10 Disponível em: <http://planetaescuro.blogspot.com.br/2014/09/campanha-da-vogue-e-criticadapor.html>. Acesso em 30 jul. 2015. 11 Disponível em: <http://ego.globo.com/moda/noticia/2015/03/camiseta-infantil-da-grife-de-lucianohuck-causa-polemica-na-web.html>. Acesso em 30 jul. 2015. 12 PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2015 (5 a 7 de outubro 2015) própria discussão sobre a "destruição" da infância é um sintoma de uma ansiedade mais generalizada em relação a mudanças sociais e culturais que vêm ocorrendo com o advento do novo milênio (BUCKINGHAM, 2007). Portanto, não pretendo com este artigo delimitar o que é exatamente ser criança e o que é ser adulto. Também não é intuito deste texto concluir, em uma abordagem funcionalista de causa e efeito, que as crianças estão se interessando pelo sexo mais cedo, ou até praticando sexo, por culpa da mídia, que funciona a serviço da sociedade de consumo: outras mediações, com destaque para a família, fazem parte do dia a dia dos pequenos e influenciam seus usos e percepções de mundo. Além disso, vale ressaltar que nem sempre a criança tem repertório suficiente para a plena compreensão dos conteúdos eróticos disseminados pelos meios de comunicação (SOBRAL, 2014). O cenário aqui apresentado apresenta dois grandes problemas. O primeiro é a aceleração de um processo de amadurecimento que precisa ocorrer de forma natural. A criança é um sujeito ativo, ainda que em formação, que precisa de orientação, de um ambiente familiar seguro e de tempo suficiente para crescer e aprender sobre sexo. Isso é importante principalmente para as futuras mulheres, que durante muito tempo tiveram sua sexualidade reprimida, controlada e punida (DURHAM, 2009). O segundo é a condição de vulnerabilidade em que essas meninas são colocadas diante do desejo adulto, ao serem transformadas em pequenas ninfetas, o que pode ser um estímulo a crimes de pedofilia (LIVINGSTONE; HADDON; GÖRZIG, 2012). O que estamos presenciando nos dias de hoje não é apenas um enfraquecimento da separação entre crianças e adultos e da concepção moderna de infância promovida pela visibilidade pública do erótico e da sexualidade (BUCKINGHAM; BRAGG, 2004), mas um esfacelamento significativo dessa divisão provocada pela transformação da própria criança em objeto erótico e sedutor. Ao vestir uma menina como uma pequena mulher erotizada, abala-se, direta ou indiretamente, a ideia de que o sexo é um rito de passagem para o mundo adulto. Precisamos debater cada vez mais o tema e continuar denunciando tais representações. 13 PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2015 (5 a 7 de outubro 2015) REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AMORIM, Márcia Fonseca. O discurso da e sobre a mulher no funk brasileiro de cunho erótico: uma proposta de análise do universo sexual feminino. 2009. 188 f. Tese (Instituto de Estudos da Linguagem) Unicamp, 2009. Disponível em: <http:// http://clam.tempsite.ws/bibliotecadigital/uploads/publicacoes/1455_1708_funkemulheres.pdf >. Acesso em 03 fev. 2014. BATAILLE, Georges. O Erotismo. São Paulo: Arx, 2004. p. 13-14. BUCKINGHAM, David. Crescer na era das mídias eletrônicas. São Paulo: Edições Loyola, 2007. ––––––––––––––––––; BRAGG, Sara. Young people, sex and the media: the facts of life? London: Palgrave McMillan, 2004. CARVALHO, Priscilla Afonso de; SOUZA, Maria Irene Pellegrino de Oliveira. Pin-ups: fotografias que encantam e seduzem. Discursos Fotográficos, Londrina, v6, n.8, p.119-144, jan./jun. 2010. 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Acesso em 20 jun. 2015. 14 PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2015 (5 a 7 de outubro 2015) MORIN, Edgar. Culturas de Massas no Século XX. Volume 1: Neurose. 10a edição. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2011. PERUZZOLO, Adair. Persuasão, Erotismo e Sedução. Comunicação, Mídia e Consumo, São Paulo, vol.7, n. 20, nov. 2010, p. 317-334. QVORTRUP, Jens. A infância enquanto categoria estrutural. Educação e Pesquisa. São Paulo, v.36, n.2, p. 631-643, maio/ago. 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ep/v36n2/a14v36n2.pdf>. Acesso em 10 ago. 2013. SARMENTO, Manuel Jacinto. As culturas da infância nas encruzilhadas da 2a modernidade. IN: SARMENTO, Manuel Jacinto; CERISARA, Ana. Crianças e miúdos: perspectivas sociopedagógicas da infância e educação. Porto: Edições Asa, 2004. Disponível em: <http://cedic.iec.uminho.pt/Textos_de_Trabalho/textos/encruzilhadas.pdf>. Acesso em 15 out. 2013. SILVESTONE, Roger. Por que estudar a mídia? São Paulo: Edições Loyola, 2005. 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