Rádios ilegais: da legitimidade à democratização das práticas

Transcrição

Rádios ilegais: da legitimidade à democratização das práticas
Sandra Sueli Garcia de Sousa
Rádios ilegais:
da legitimidade à democratização das
práticas
Dissertação apresentada ao Centro de Pós-Graduação
da UMES, em cumprimento parcial às exigências para
obtenção do grau de Mestre em Comunicação Social,
sob a orientação do Prof. Dr. J. S. Faro.
Universidade Metodista de São Bernardo do Campo (UMES)
São Bernardo do Campo, SP, Brasil, agosto, 1997
9
Resumo
O fenômeno das rádios ilegais existe em todo o mundo desde que surgiu a
radiodifusão. No Brasil, as emissoras sem autorização oficial surgiram em maior
número a partir da década de 80. Num primeiro momento, foram chamadas de
“rádios piratas”, um hobby de adolescentes estudantes de eletrônica; depois
foram as “rádios livres”, uma forma política de descentralizar a propriedade dos
meios de comunicação e, atualmente, são conhecidas como “rádios
comunitárias”, emissoras dirigidas ao cotidiano dos bairros em que se localizam
e que também lutam por uma maior democracia nos meios de comunicação.
Esta dissertação trata desse fenômeno em duas partes: a primeira traça um
perfil histórico das emissoras ilegais, identifica a experiência como uma das
formas de se realizar a comunicação alternativa e situa a conjuntura política
em que as rádios estão inseridas; a segunda parte aprofunda a discussão sobre as
rádios comunitárias, tomando como exemplo a Rádio Cidadã, uma rádio
comunitária localizada na zona Oeste da cidade de São Paulo, que procura ser o
veículo de expressão de sua comunidade.
10
Abstract
The phenomenon of illegal radios has existed throughout the world since
radiodiffusion began. In Brazil, the broadcasting station without official
authorization appeared in great number by the earlier 80’s. First, these
broadcasting stations were called “pirate radios”, a hobby of adolescents who
were studying eletronic. After that, they were called “free radios”, a political
way to descentralize the means of communication’s domain. Nowadays, these
radios are known as “local radios” which are broadcasts that deal with the daily
activities of the district where they are. Besides that, they also want more
democracy in the means of the communication.
This dissertation, which is about this phenomenon, is divided in two parts:
the first one makes a historic perfil of the illegal radios, identifies the experience
as one way to consummate alternative communication and situates the
political conjuncture in which the radios are inserted; the second one deepens
the discussion about the local radios, taking as example Cidadã Radio which is a
local radio situated in the west of São Paulo and that wants be the expression
vehicle of its community.
11
Para meu querido
companheiro,
Eliézer Barreto,
e para meus pais,
Wilson Francisco de
Souza e
Rocimar Garcia de Souza.
12
Agradecimentos
Agradeço à Universidade Federal do Pará (UFPA) por ter acreditado em
mim concedendo-me a bolsa do Programa Institucional de Capacitação de
Docentes e Técnica (PICDT), sem a qual não teria sido possível a realização
desta dissertação. Agradeço à firme orientação prestada pelo Prof. Dr. J. S. Faro,
que contribuiu valiosamente para a consecução desta. Agradeço em especial às
orientações iniciais dos Profs. Drs. Joana Puntel e Luiz Roberto Alves pelas
imprescindíveis sugestões. Agradeço a José Carlos Francisco de Paula, pelo
acesso a uma parte do material bibliográfico utilizado. Agradeço a todos da
Rádio Cidadã pelo pronto atendimento durante a pesquisa de campo, em
especial a Luci Martins, Grácia e Donizete. Por fim, agradeço ao meu
companheiro, a minha família e aos meus amigos pelo apoio sempre necessário.
13
Sumário
Introdução
Parte I
Capítulo 1
Os caminhos do rádio
1.1. A invenção do rádio e seu rápido crescimento
1.2. A chegada do rádio no Brasil
1.3. Nos barcos e nos porões: a pirataria está no ar
1.4. Rádios clandestinas e sindicais: lutas políticas
1.5. O movimento de contestação das rádios livres
Capítulo 2
As rádios ilegais no Brasil
2.1. As primeiras ondas livres no Brasil
2.2. Rádios religiosas: a “salvação” vem pelo ar
2.3. Rádios comunitárias: um novo canal de expressão
Capítulo 3
A comunicação alternativa e a comunicação popular
3.1. A comunicação alternativa
3.2. A comunicação popular
3.3. Localizando as práticas
Capítulo 4
A democratização da comunicação
4.1. Anos 80: os movimentos sociais e as novas tecnologias
4.2. O movimento pela democratização da comunicação
4.3. As rádios livres: conotações políticas
4.4. Anos 90: o início da luta pela regulamentação
das rádios comunitárias
4.5. Exploração do serviço de radiodifusão
4.6. As principais leis que orientam o serviço de radiodifusão
14
Parte II
Capítulo 5
A história de uma rádio comunitária: a Rádio Cidadã
5.1. Antecedentes
5.2. Principais características do Butantã e região
5.3. A Rádio Cidadã
Capítulo 6
Os programas da Rádio Cidadã
6.1. A grade de programação da emissora
6.2. Primeira grade: programas de domingo
6.3. Segunda grade: programas de segunda à sexta-feira
6.4. Terceira grade: programas de sábado
Capítulo 7
A voz da Rádio Cidadã
7.1. Os programas analisados
7.2. Na boca do povo
7.3. Encontro com as comunidades
7.4. Cala a boca já morreu (porque criança também tem o que dizer)
Capítulo 8
Pistas sobre o público da Rádio Cidadã
8.1. Considerações preliminares
8.2. O perfil do ouvinte jovem
8.3. O perfil do ouvinte adulto
8.4. O não-ouvinte da Rádio Cidadã
Conclusão
Bibliografia
15
“deixar que os fatos sejam fatos naturalmente,
sem que sejam forjados para acontecer
deixar que os olhos vejam pequenos detalhes lentamente
deixar que as coisas que lhe circundam
estejam sempre inertes
como móveis inofensivos
pra lhe servir quando for preciso
e nunca lhe causar danos morais, físicos ou psicológicos."
(Chico Science & Nação Zumbi)
16
Introdução
O ano de 1989 marcou, no Brasil, a volta das eleições diretas para a
presidência da República. Falava-se em democracia, e novos instrumentos de
comunicação surgiam para testá-la, entre os quais estavam as rádios livres. Foi
naquele ano que tivemos nosso primeiro contato com essa experiência, o qual se
deu por meio da leitura da obra Rádios Livres, a reforma agrária no ar, de
Arlindo Machado, Caio Magri e Marcelo Masagão.
A partir daí pudemos vivenciar o rádio na prática, criando alguns
programas na rádio livre do Centro Acadêmico de Comunicação Social da
Universidade Federal do Pará, onde cursávamos o segundo ano de Jornalismo.
Em 1991, participamos do III Encontro Nacional de Rádios Livres, em Macaé
(RJ), e ampliamos um pouco mais o nosso conhecimento sobre o assunto. Na
época, víamos a rádio livre como um laboratório onde era possível uma fala
diferente no ar. Ainda não enxergávamos outras possibilidades no veículo, o que
só ocorreria nos anos seguintes.
Em 1992, pairou sobre Belém (PA) um estranho Sinal de fumaça1, vindo
da desconhecida cidade de Poá, na Grande São Paulo, que divulgava uma série
1 Sinal de fumaça foi um fanzine produzido para divulgar as rádios livres; fanzine é a contração das
palavras fanatic e magazine, designando uma publicação alternativa, amadora e produzida
artesanalmente.
17
de experiências libertárias no éter. Atração à primeira lida. Fins de 1993:
mudamo-nos para Poá, onde se deu início esta dissertação, que pesquisa o
fenômeno das rádios ilegais2.
O assunto das rádios piratas, rádios livres ou rádios comunitárias é tema
na imprensa desde meados de 1985, mas recentemente voltou à pauta como
hipótese para explicar a queda de dois aviões: o que trazia a bordo o grupo
musical Mamonas Assassinas, em março de 1996, e o Fokker 100 da TAM, que
matou 99 pessoas em São Paulo no final de outubro do mesmo ano. Ambos os
acidentes teriam sido provocados pela interferência de uma rádio pirata nas
linhas aéreas.
Considerando essas hipóteses como verdadeiras, em novembro daquele
ano, a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) lança a
campanha “Rádios Piratas: só as autoridades não interferem”, veiculada
pelas rádios oficiais, mas que também conseguiu espaço na televisão em forma
de matérias nos telejornais (só a Rede Globo ocupou-se de pelo menos três
matérias, divididas entre o São Paulo Já e o Jornal Nacional), cuja tônica foi a
interferência – e conseqüente perigo – das rádios ditas “piratas” na comunicação
entre a torre de controle dos aeroportos e a tripulação dos aviões.
18
Mas que emissoras são essas? Ouve-se falar de rádios piratas, rádios
clandestinas, rádios livres e rádios comunitárias. Qual é a diferença entre elas?
Ou não há diferenças? Para a Abert, seguramente são todas iguais: todas essas
rádios são piratas, ilegais, porque não possuem concessão oficial para operar, e
portanto precisam ser combatidas, já que representam até mesmo um perigo de
vida à população3.
À parte a opinião oficial, propomos conhecer melhor o mundo dessas
rádios, com mais informações que possam enriquecer a discussão.
Rádios piratas, rádios livres e rádios comunitárias
2 Devido aos diversos nomes dados às rádios sem concessão, optamos por chamá-las de ilegais, pois,
apesar das diferenças de conteúdo, a característica comum dessas emissoras é funcionar sem
concessão governamental, portanto, são formalmente ilegais.
3 Interessante observar que, durante o movimento de rádios livres na Itália, na metade da década de
70, uma empresa de aviação, a Alitalia, também levantou uma polêmica desse tipo. Marco Gaido diz,
a respeito, em “Los orígenes: la FM, los disk-jockeys y las radios piratas”, In: BASSETS, Lluís (ed.).
De las ondas rojas a las radios libres. Barcelona, Ed. Gustavo Gili, 1981. p. 175: “Alitalia introduziu
uma ridícula polêmica em função das interferências provocadas pelas rádios livres, que eram recebidas
nas rádios dos aviões durante a aterrissagem. À parte a puerilidade técnica (os aviões recebem e
transmitem em bandas muito distantes das rádios livres, à parte que as fases de aterrissagem e de
decolagem são dirigidas também por rádio e pelas torres de controle, por emissões de impulsos
hertzianos que devem ser descodificados a bordo do avião), o que levava tudo para ser um grande
escândalo foi calado rapidamente porque a companhia entrou em greve”.
A presidente da Associação Paulista dos Proponentes de Emissoras de Radiodifusão LocalComunitária (Aperloc), Luci Martins, em entrevista ao programa Opinião nacional, da TV Cultura,
disse que tanto as rádios comunitárias quanto as piratas e até mesmo as comerciais realmente
interferem nas comunicações dos aeroportos de Guarulhos e Congonhas, mas para ela há um certo
exagero em afirmar que as interferências são um risco de vida, e esse exagero, segundo ela, deve-se ao
fato de o projeto que regulamenta o serviço das rádios comunitárias já ter sido aprovado pela Câmara
dos Deputados Federais e ter sido encaminhado ao Senado: “Costumamos brincar entre nós que se as
19
Há diferenças entre essas nomenclaturas. Não se pode chamar, por
exemplo, uma rádio de “pirata” e “comunitária” ao mesmo tempo. O termo
“rádio pirata” surgiu na Inglaterra, no final da década de 50, quando vários
barcos equipados com transmissores, navegavam pelos mares, apontando suas
antenas para terras inglesas, com o objetivo principal de obter lucro através da
colocação dos produtos norte-americanos na região.
No Brasil, não se tem notícia de rádios piratas que tenham transmitido de
dentro de barcos. No entanto, prevalece o fato de que as rádios piratas daqui têm
como preocupação fundamental explorar o rádio comercialmente, através da
publicidade, como forma de obtenção de lucro.
Assim, são consideradas rádios piratas as que vêem o rádio como um
negócio lucrativo e, em termos de programação, não apresentam nada de novo
em relação à programação das rádios oficiais. Pelo contrário, apenas repetem de
forma massificada, e pouco elaborada, o que já é feito pelas rádios que possuem
concessão.
As “rádios livres” são diferentes das piratas por não priorizarem o lucro.
Por vezes, os conceitos ficam pouco claros e acabam confundindo-se as
manifestações. Mas, historicamente, as rádios livres surgem na Europa (Itália e
rádios tivessem tamanho poder de interferência nos aeroportos, nós iríamos vender essa tecnologia
para o país vizinho, para o Peru...”.
20
França são os países que melhor referenciam o movimento de rádios livres) na
década de 70, objetivando quebrar o monopólio estatal de controle da
radiodifusão. As rádios livres querem ser uma alternativa à programação oficial,
preocupando-se com a contra-informação, a contracultura, a autogestão, a
liberdade de expressão e vários temas afins, sempre em tom contestatório.
As rádios livres européias influenciaram profundamente o movimento
brasileiro, principalmente na metade dos anos 80, quando foram lançadas suas
primeiras sementes, e hoje ele atinge praticamente todo o país. Uma das
principais personalidades a divulgar as rádios livres européias no Brasil foi o
filósofo francês Felix Guattari, que, empolgado com o movimento, fez palestras
a respeito do assunto na Pontíficie Universidade Católica de São Paulo (PUCSP), durante suas visitas ao país, em 1982 e 1985.
Finalmente, as “rádios comunitárias” podem ser consideradas como um
outro momento das rádios livres, pelo menos no Brasil. Elas nascem a partir da
organização das rádios livres como movimento e da disseminação destas entre
as classes populares, que passam a fazer uso do rádio como veículo de
entretenimento e organização social. As rádios comunitárias têm como
preocupação fundamental possibilitar o acesso da comunidade ao rádio, para que
o veículo seja um instrumento (meio, e não fim) de mobilização e conquistas
populares dentro de determinada comunidade.
21
Este trabalho tem como objetivos mostrar o quadro histórico das rádios
ilegais no Brasil; identificar esses veículos como uma das maneiras de se
realizar uma comunicação alternativa à dos meios oficiais; mostrar o
funcionamento de uma rádio comunitária, visando a traçar um perfil da emissora
e verificar se existem novas formas de comunicação, através da criação de
linguagens radiofônicas.
Em função desses objetivos, dividimos a dissertação em duas partes: a
primeira traça o histórico das experiências ilegais no éter e apresenta um painel
teórico da comunicação alternativa e popular, ligando-as aos fenômenos das
rádios livres e comunitárias.
No nosso entender, quando as pessoas são impedidas, de alguma forma,
de expressar seus pensamentos e idéias, surgem outras formas de comunicação
que podem levar a processos comunicacionais completos: emissores e
receptores, intermediados por um canal, interagem suas respostas, e dá-se,
assim, uma comunicação que vai de encontro à comunicação dos grandes meios,
procurando mostrar o outro lado de determinadas informações, aquele que não
aparece ou surge deturpado na comunicação oficial.
Por isso, acreditamos que é preciso ampliar as formas de comunicação
existentes. É preciso que todos tenham direito à antena e não apenas aqueles
22
com grande poder aquisitivo. Marques de Melo4, ao resgatar algumas idéias a
respeito do direito à informação e à educação, considera como uma das metas
prioritárias, entre outras:
(...) democratizar o acesso à propriedade dos meios de comunicação.
Neutralizar o monopólio hoje desfrutado pela burguesia, que dispõe do
capital necessário à sua implantação e manutenção. Criar mecanismos
jurídicos para distribuir as concessões radiofônicas ou as facilidades
editoriais com as outras forças atuantes na sociedade: sindicatos,
movimentos
sociais,
sociedades
culturais
ou
científicas.
Assim,
introduzindo no mercado fatores de competição, alternativas de
qualidade, matrizes plurais de percepção ideológica.
Entendemos que democratizar a comunicação, introduzindo mais
pluralidade aos meios, é fator essencial para uma sociedade mais justa e
igualitária. Macbride5 leva em conta vários aspectos ao examinar o conceito de
democratização da comunicação, entre os quais define a democratização como
“o processo mediante o qual: a) o indivíduo passa a ser um elemento ativo, e não
um simples objeto da comunicação; b) aumenta constantemente a variedade de
mensagens intercambiadas; c) aumentam também o grau e a qualidade da
representação social na comunicação ou na participação”.
4 MELO, José Marques de. Comunicação: direito à informação. São Paulo, Papirus, 1986. p. 81-2.
5 MACBRIDE, Sean. “Um mundo e muitas vozes”. Relatório da Unesco. Rio de Janeiro, Fundação
Getúlio Vargas/Unesco, 1982. p. 277.
23
O conceito deixa claro que a democratização dos meios de comunicação
não é estática e deve ser vista como um processo contínuo, em que o indivíduo é
o protagonista e as mensagens são trocadas o tempo todo, o que o leva a um
desenvolvimento crítico muito grande. As palavras-chave são: processo, troca de
mensagens (feed-back) e participação. Juntos, esses três elementos tornam uma
sociedade mais democrática e consciente de seus direitos.
Para a realização desse processo são utilizados vários instrumentos de
comunicação, entre os quais se encontram as rádios comunitárias, presentes em
vários países da América Latina e que começaram a despontar no Brasil no
início desta década.
Para aprofundar esse assunto, na segunda parte desta dissertação
analisamos o funcionamento de uma rádio comunitária, a Rádio Cidadã,
localizada no bairro do Butantã, zona Oeste da cidade de São Paulo, que foi
criada com a finalidade de ser uma rádio para atender aos interesses dos
moradores do bairro.
Essa emissora foi escolhida a partir de uma matéria publicada no
suplemento Folhinha, do jornal Folha de S.Paulo, do dia 26 de janeiro de 1996,
que divulgava um programa da Rádio Cidadã feito só por crianças. Devido ao
fato pouco comum, interessamo-nos em conhecer de perto a experiência desse e
de outros programas da emissora. Depois de ter visitado outras rádios ilegais,
24
escolhemos a emissora do Butantã para mostrar como se dá o funcionamento de
uma rádio comunitária.
Assim, através de entrevistas com os organizadores da emissora,
apresentadores de programas e alguns ouvintes, traçamos um perfil da rádio.
Além disso, selecionamos os programas que têm como objetivo específico
oferecer espaço para a expressão da comunidade: Na boca do povo, Encontro
com as comunidades e Cala a boca já morreu (porque criança também tem o
que dizer).
Os dois primeiros têm como proposta ser o canal de expressão da
população local, que por sua vez deve recorrer a esses programas para falar dos
assuntos de seu cotidiano. O terceiro programa é todo feito por cerca de dez
crianças entre sete e doze anos. Acompanhadas de uma psicopedagoga, as
crianças fazem as pautas, realizam entrevistas, apresentam o programa e operam
a mesa de som. A intenção é desenvolver as aptidões de cada criança com vistas
a formar pessoas críticas de sua realidade. Os três programas foram analisados
no mês de abril, a partir da gravação das edições do mês.
Como suporte à pesquisa do funcionamento da rádio, entrevistamos 15
moradores da região, entre ouvintes e não-ouvintes da emissora. Nosso objetivo
foi levantar dados sobre como se dá a participação da comunidade na emissora,
já que esta tem como pressuposto básico ser a rádio da comunidade.
25
Acreditamos que as 15 entrevistas realizadas são suficientes para coletar
informações relevantes, porém não definitivas, acerca da visão que os moradores
têm da Rádio Cidadã.
Essa segunda parte da dissertação foi desenvolvida durante os meses de
março e abril, com entrevistas, observações in loco e gravações de programas.
Optamos por fazer a pesquisa de campo propositadamente durante os meses
citados pela inexistência de fatores estranhos ao funcionamento normal da
emissora. Nossa principal preocupação foi mostrar a rádio em seu cotidiano, e
para isso precisávamos de um período neutro, em que não houvesse, por
exemplo, eleições ou qualquer data comemorativa que pudessem influenciar na
coleta de dados para a pesquisa.
Uma das principais dificuldades em ambas as etapas da pesquisa foi a
escassa bibliografia acadêmica a respeito das rádios. Por isso, foi de
fundamental importância a consulta de informações divulgadas em jornais,
revistas, fanzines (publicações alternativas) e documentos do movimento das
rádios ilegais. Todo esse material forneceu-nos dados interessantes e
importantes no tratamento do objeto proposto.
26
Parte I
Capítulo 1
Os caminhos do rádio
1.1. A invenção do rádio e seu rápido crescimento
No final do século XIX, o italiano Guglielmo Marconi tem a idéia de
propagar as ondas hertzianas em transmissões radiofônicas, sem que para isso
necessite de fios que liguem os aparelhos de emissão e recepção. Assim nascia
um dos maiores meios de comunicação: o rádio. A Inglaterra financia o invento,
e a primeira transmissão ocorre em 1896.
Um dos primeiros usos do rádio foi na esfera militar. A marinha inglesa,
por exemplo, equipou toda sua frota com aparelhos de transmissão. O próprio
termo inglês broadcasting vem do contexto militar, sendo uma espécie de jargão
usado pela marinha americana que significa as ordens das autoridades que
precisavam ser passadas aos seus subordinados, um tipo de “disseminação” de
ordens pelo rádio6.
O rádio evolui rapidamente e na década de 20 as técnicas de transmissão
estão bem aprimoradas. As estações utilizam a modulação em amplitude ou
6 MELIANI, Marisa. Rádios livres; o outro lado da voz do Brasil. São Paulo, USP, 1995. Dissertação
de mestrado apresentada à Escola de Comunicação e Artes, p. 27.
27
amplitude modulada (AM). O mundo todo explora o novo veículo de
comunicação e o Estado passa a gerenciar a sua utilização e de outros meios de
comunicação, seja ele próprio explorando os serviços seja dando concessões aos
setores privados para que o façam.
1.2. A chegada do rádio ao Brasil
O Brasil foi um dos pioneiros na utilização do rádio. As primeiras notícias
a respeito do veículo dão conta que em Recife, no dia 6 de abril de 1919, alguns
amadores realizam experiências com um transmissor de rádio importado da
França, que logo se transformaria na Rádio Clube de Pernambuco.
No entanto, a história oficial diz que, no Brasil, o rádio surgiu no Rio de
Janeiro, precisamente no dia 7 de setembro de 1922, quando comemorou-se o
centenário da Independência. Mas apenas no ano seguinte, através da Rádio
Sociedade do Rio de Janeiro, fundada por Roquete Pinto e Henry Morize, o
rádio estaria presente em seletos lares brasileiros.
Roquete Pinto, antropólogo, etnólogo e escritor, acreditava que a principal
missão do rádio era “transmitir educação e cultura aos brasileiros espalhados por
todas as regiões do País”7. No entanto, de início foi um veículo profundamente
7 MOREIRA, Sônia Virginia. O rádio no Brasil. Rio de Janeiro, Rio Fundo Editora, 1991.
p. 15.
28
elitista, dirigido por intelectuais e cientistas, com pouco (ou nenhum) alcance
entre as classes populares.
As nascentes emissoras denominavam-se “clube” ou “sociedade”.
Possuíam esses títulos porque nasciam no formato de clubes ou associações,
para os quais as pessoas que tinham aparelhos receptores em casa pagavam uma
mensalidade − até então os aparelhos eram muito caros, por isso poucos tinham
acesso a eles.
Cabia a esses ouvintes também a função de programadores musicais:
emprestavam seus discos de ópera às rádios para que estas programassem suas
atrações musicais8. Além de contar com a ajuda do ouvinte, as primeiras
emissoras recebiam doações de entidades públicas ou privadas e, de acordo com
Gisela Ortriwano9, raramente havia anúncios pagos, proibidos por lei na época.
A partir da década de 30, aos poucos a população ia podendo contar com
um aparelho de rádio em casa. Mas o ideal educativo já havia sido posto de lado,
pois o veículo, apesar da sua crescente popularização, passa a enfatizar o aspecto
comercial em detrimento do educacional. Para isso, contribuem: a autorização
oficial para veiculação de anúncios publicitários (chamados de “reclames”), em
8 Idem, ibidem, p. 16.
9 A informação no rádio; os grupos de poder e a determinação dos conteúdos. São Paulo, Summus,
1985. p. 14.
29
1932; a adoção do modelo norte-americano de radiodifusão e a distribuição de
concessões de canais a particulares10.
Segundo Gisela Ortriwano11, a expansão da radiodifusão é favorecida pelo
contexto político-econômico da época: o comércio e a indústria ganhavam força
e precisavam introduzir seus produtos no mercado interno, através do incentivo
ao consumo. Aliado a isso, o poder Executivo estava fortemente centralizado
nas mãos de Getúlio Vargas, que foi o primeiro governante brasileiro a perceber
as potencialidades políticas do rádio12.
A junção desses fatores contribuiu para a fase seguinte do rádio brasileiro,
na década de 40, a sua “época de ouro”, marcada pela grande audiência, pelos
anunciantes estrangeiros, pelo surgimento das primeiras radionovelas e pela
afirmação do radiojornalismo, com a criação dos históricos Repórter Esso,
Grande jornal falado Tupi e Matutino Tupi.
No entanto, com a chegada da televisão nos anos 50, o rádio vai perdendo
aos poucos o seu reinado, pois agora conta com a concorrência da imagem.
“Quando surge, ela (a televisão) vai buscar no rádio seus primeiros
profissionais, imita seus quadros e carrega com ela a publicidade. Para enfrentar
10 MOREIRA, Sônia Virginia, op. cit., p. 23.
11 Op. cit., pp. 15-16.
12 Nos regimes autoritários o rádio é usado como um importante instrumento de propaganda política,
mobilizando a população a favor ou contra determinado regime. Goebbels, Mussolini, Roosevelt e
outros encontraram no veículo uma forte arma doutrinária.
30
a concorrência com a televisão, o rádio precisava procurar uma nova linguagem,
mais econômica.”13
Sob essa nova realidade, o rádio vai-se adaptando, encontrando outras
fórmulas de sobrevivência. Saem os cantores do rádio, entram os discos e fitas
gravadas; saem as novelas, entram as notícias; saem os programas ao vivo de
auditório, entram os serviços de utilidade pública.
Das produções caras, com multidões de contratados, o rádio parte agora
para uma comunicação ágil, noticiosa e de serviços. Aliado a outros
avanços tecnológicos, o transistor deu ao rádio sua principal arma de
faturamento: é possível ouvir rádio a qualquer hora e em qualquer lugar,
não precisando mais ligá-lo às tomadas.14
É assim que nas décadas seguintes, o rádio encontra um outro caminho e
consegue manter-se como importante meio de comunicação de massa, como
vimos, explorando mais a música, o radiojornalismo e os serviços de utilidade
pública, um modelo adotado principalmente pelos profissionais do rádio AM.
O rádio em freqüência modulada − FM
A freqüência modulada (FM) começou a ser utilizada no Brasil na década
de 50, como um link que ligava o estúdio e o transmissor de emissoras AM. A
13 Idem, ibidem, p. 21.
14 Idem, ibidem, p. 22.
31
FM também era utilizada para fornecer um sistema de som fechado, com música
ambiente em indústrias, escritórios e hospitais15. Segundo Nélia Del Bianco16,
três fatores contribuíram para a inexpressividade do rádio FM até a década de
70: os empresários de rádio achavam desvantajoso investir numa freqüência de
pouco alcance, os aparelhos receptores que captavam a AM e a FM eram
importados e muito caros e o estilo da programação das emissoras FM era pouco
atraente, indicado apenas para a venda do serviço a hospitais e escritórios. No
entanto, a partir de 1973 o governo militar decide incentivar a proliferação de
rádios FM, como forma de expandir o sistema de comunicação.
Ao estabelecer uma política de ampliação do setor de radiodifusão
através de sua reorganização, a começar pelo recadastramento e exame
das condições técnicas de cada emissora, o governo militar decidiu que
era o momento de investir na distribuição de concessões de canais FM.17
Ainda de acordo com Nélia Del Bianco, a reorganização do serviço de
radiodifusão era urgente e necessária, pois várias emissoras funcionavam sem
permissão, enquanto outras operavam com problemas técnicos de transmissão
fora do canal.
15 BIANCO, Nélia Del. “FM no Brasil 1970-79: crescimento incentivado pelo regime militar”. Revista
Comunicação e Sociedade, no 20, dez. 1993, p. 138.
16 Op. cit., pp. 138-139.
17 Idem, ibidem, p. 140.
32
Com isso, o governo atendia também aos objetivos políticos de “integrar e
desenvolver o país” e “resguardar o território nacional e os valores culturais”,
através do combate às emissoras estrangeiras que irradiavam programas para o
Brasil, principalmente as comunistas. Nos anos seguintes, a FM tornar-se-ia
também instrumento de barganha política, usada como moeda entre o governo e
seus protegidos políticos.
O fortalecimento do setor contou ainda com a qualidade sonora e com o
novo estilo da programação e locução, fazendo da rádio FM a preferida do
público jovem, o que chamou a atenção dos anunciantes, que voltaram a investir
no rádio, cuja consolidação definitiva ocorre na década de 80.
Paralela à história da radiodifusão oficial, encontramos a história da
radiodifusão não-oficial. Uma história que aos poucos começa a ser
documentada e tida como importante dentro do quadro geral da comunicação
social, como veremos nos tópicos seguintes.
1.3. Nos barcos e nos porões: a pirataria está no ar
As rádios piratas começaram sua trajetória na Inglaterra, no final da
década de 50, com o claro objetivo de quebrar o monopólio da British
Broadcasting Corporation (BBC), que controla o serviço de telecomunicações
do país.
33
Essas rádios tinham seus transmissores dentro de barcos em alto mar, a
uma distância em que a jurisdição inglesa podia ou não intervir18. Eram
empresários tentando impor seus produtos através da publicidade e minorias de
tendências ecológicas, musicais, contraculturais, esotéricas etc. testando seu
próprio meio de expressão19. Durante a emissão radiofônica costumava-se
erguer uma bandeira negra como faziam os piratas do mar, daí a origem do
nome “rádio pirata”. Depois passou-se a transmitir também de dentro de sótãos,
quartos, porões, sempre na tentativa de burlar a fiscalização.
O financiamento para as rádios piratas dos empresários vinha de empresas
norte-americanas, entre as quais a Ford, a Lever e a American Tobacco. “Essas
multinacionais tinham interesses comerciais no mercado europeu e precisavam
fazer seus informes publicitários perfurarem o edifício do monopólio.”20
Perfurar o edifício do monopólio da BBC não foi difícil, já que na
primeira metade dos anos 60, o rock- and- roll era a música preferida do público
jovem, mas quem quisesse ouvir pelo rádio os grupos ingleses Rolling Stones,
Beatles ou The Who “ficaria a ver navios” e teria de contentar-se em escutar
apenas músicas clássicas, juntamente com uma programação pouco atraente da
18 Arlindo, Machado, Caio Magri e Marcelo Masagão, no livro Rádios livres, a reforma agrária no
ar, p. 61, explicam que as rádios que emitem a uma distância que foge ao poder da jurisdição de
determinado país, ao qual direcionam suas antenas, são chamadas de “rádios periféricas”:
“Teoricamente, elas emitem do exterior, não estando portanto subordinadas à lei do monopólio”.
19 CAPARELLI, Sérgio. Comunicação de massa sem massa. São Paulo, Summus, 1986. p. 50.
20 MACHADO, Arlindo et alii, op. cit., p. 60.
34
BBC. E é desse espaço que as rádios piratas se aproveitam. Coube a elas
apresentar as novidades musicais, e nesse contexto surge o disc-jóquei — uma
criação tipicamente norte-americana, que hoje é representado pela pessoa que
fala nas FMs de maneira pasteurizada o tempo todo. Assim, as piratas
alcançaram sucesso em pouquíssimo tempo, principalmente junto ao público
jovem.
Rádio Merkur
Oficialmente, a primeira pirata foi a Rádio Merkur, que estreou em julho
de 1958, emitindo na costa de Copenhague, na Dinamarca. O sucesso financeiro
dessas rádios era grande: um mês depois de ter estreado, a Rádio Merkur já
contava com verbas publicitárias de 150 mil dólares21. Dessa forma, a
publicidade vem a ser a principal peça de engrenagem das rádios piratas. De
acordo com Passeti, “a noção de pirataria inclui toda e qualquer transmissão
ilegal que envolve veiculação de publicidade, cujo objetivo é o de competir no
mercado, seja transmitindo do próprio território ou do exterior” 22.
Rádio Caroline
21 Idem, ibidem, p. 60.
22 “A política no ar; rádios livres e estatização”. In: CONGRESSO ESTADUAL DOS SOCIÓLOGOS DO
ESTADO DE SÃO PAULO. 4., São Paulo, 1987. p. 04.
35
A pirata mais popular em terras inglesas é a Rádio Caroline, nome que
homenageou a filha do primeiro presidente católico dos Estados Unidos, John
Kennedy, de origem irlandesa como o criador da rádio, Roanan O’Rahilly.
Em 1961, O’Rahilly parte de Dublin (Irlanda) para Londres (Inglaterra), o
cenário da música pop do momento. O rapaz tinha 21 anos e era agente de
jovens artistas. Sua intenção era divulgar o trabalho de seus contratados nas
rádios londrinas. Mas O’Rahilly não conseguiu o que queria, pois as rádios não
abriam as portas para quem não estava inserido no cartel das gravadoras da
época. Assim o irlandês decidiu criar sua própria rádio.
A Rádio Caroline fez sua estréia no domingo de Páscoa de 1964, quando
zarpa da Irlanda para o mar da Inglaterra, dirigindo sua programação para a GrãBretanha, que passa a ter 24 horas de música pop sem parar. Mas em 1966, por
ser considerada ilegal pelo governo inglês, precisou deixar as águas britânicas,
para instalar-se definitivamente no mar do Norte, onde permanece até hoje.
Entre os anos de 1964 e 1968, a rádio chega a ter 28 milhões de ouvintes23.
Apesar do sucesso, as rádios piratas em terras inglesas tiveram que
enfrentar a perseguição da polícia e das autoridades, que afirmavam que as
emissões piratas estavam interferindo nos serviços de emergência da polícia, dos
bombeiros e até mesmo de ambulâncias.
36
A pirataria força o governo a expandir as faixas de transmissão,
aumentando o número de emissoras independentes e a BBC a criar o seu
rádio
especializado
em
rock
and
roll.
Há
autorização
para
o
funcionamento de 20 estações de rádio especializadas nos interesses das
comunidades étnicas ou de minorias políticas.24
Rádios piratas em terras tupiniquins
No início das experiências com as rádios ilegais no Brasil, as próprias
pessoas que colocavam um transmissor no ar intitulavam seus experimentos de
piratas. A imprensa também sempre tratou a questão como prática de pirataria,
sem se preocupar em estabelecer as diferenças básicas.
Na verdade, o nome “pirata” até serviu de argumento para definir o perfil
de algumas rádios livres: Capitão Gancho, Corsário, Ladrão do Mar, Mobidique,
Pirata I etc., que tinham como uma das preocupações fundamentais fazer uma
rádio diferente dos padrões institucionais e por isso se autodenominavam de
rádios livres, como veremos adiante.
No entanto, com o avanço do movimento das rádios ilegais no Brasil, o
nome “pirata” passa a ser motivo de preocupação, uma vez que remete ao
sentido pejorativo da palavra: ‘ladrão’. Assim, ter uma rádio pirata é roubar algo
de alguém. Explicitando a questão, o pirata do rádio estaria então roubando as
23 MACHADO, Arlindo et alii, op. cit., p. 61.
24 MELIANI, Marisa, op. cit., pp. 47-48.
37
ondas hertzianas que permitem a emissão radiofônica daqueles que possuem
concessão governamental para operar o veículo. Esse é o raciocínio de quem
utiliza o termo “rádio pirata” para qualificar as emissões não-legalizadas, nãoconcessionadas.
Em resposta a isso, a Rádio Xilik25 lança em meados de 1985 o slogan:
“Piratas são eles. Nós não estamos atrás do ouro”, com o objetivo de deixar bem
claro que as verdadeiras rádios piratas são aquelas preocupadas única e
exclusivamente com o lucro. E nesse caso estão incluídas tanto as rádios
oficiais, de gênero comercial, quanto algumas rádios ilegais, também de gênero
comercial, como veremos no decorrer desta dissertação.
Para Luci Martins, presidente da Associação Paulista dos Proponentes de
Emissoras de Radiodifusão Local-Comunitária (Aperloc), uma rádio é pirata se
possui um dono, é comercial, não respeita os limites de potência determinados
pelos movimentos de rádios comunitárias e além disso não conta com a
participação da comunidade em sua gestão26. Poderíamos acrescentar, também
que os piratas não se preocupam em colocar no ar uma programação
diferenciada das rádios oficiais, repetindo modelos desgastados e não trazendo
nada de novo ao público ouvinte. Se as diferenças fossem esclarecidas,
25 Os criadores dessa rádio, em união com o professor Arlindo Machado, da ECA-USP, possuem o
mérito de terem lançado no Brasil, em 1986, o único livro a respeito do assunto: Rádios livres, a
reforma agrária no ar. Voltaremos a falar da Rádio Xilik.
38
principalmente pela imprensa, é possível que a confusão entre os termos
deixasse de existir.
1.4. Rádios clandestinas e sindicais: lutas políticas
Fazer uso do rádio para organizar politicamente uma população,
colocando no ar contra-informações em período de guerra é um dos principais
objetivos de uma rádio clandestina. Na rádio sindical, o apelo maior é em
torno de reivindicações de trabalhadores, que utilizam o transmissor para
divulgar suas informações de classe, criando assim um elo mais estreito entre o
sindicato e o empregado.
Geralmente, a rádio clandestina funciona em ondas curtas, uma das
faixas utilizadas na radiodifusão, com especiais características de propagação,
ideais para transmissões a longa distância.
Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-45) houve um maciço uso
dessas rádios, que transmitiam para toda a Europa. Um dos que mais se serviu
de sua utilização foi Adolf Hitler, que tinha a Inglaterra como principal alvo. O
grupo encarregado de veicular a propaganda nazista – Sendergruppe Concordia
(grupo de transmissores disfarçados Concordia) – montou quatro transmissores
26 Afirmação feita durante uma entrevista de Luci Martins ao programa Opinião nacional, veiculado
pela TV Cultura de São Paulo, no dia 13 de dezembro.
39
direcionados aos ingleses. Cada uma dessas emissoras dirigia-se a um
determinado público, que ia das classes média e alta até os mais religiosos.
Tentavam disfarçar-se de rádios inglesas atacando o governo e a política
desenvolvida por Winston Churchill. A Inglaterra contra-atacou com cinco
emissoras dirigidas à Alemanha, também tentando passar-se por alemãs.
Luiz Fernando Santoro nos dá outro exemplo do uso do rádio como arma
política durante a Segunda Guerra:
Na França, foi um importante instrumento de ligação entre os
combatentes do interior e os líderes que estavam fora do país, através da
veiculação
de
informações,
geralmente
cifradas,
que
orientavam
sabotagens, desembarques, etc. A BBC de Londres teve grande
importância na reconstituição de uma consciência nacional francesa, que
estava debilitada pelas derrotas e pela propaganda nazista, com informes
e campanhas antinazistas, fazendo de sua escuta nos países ocupados
um verdadeiro ato patriótico.
27
Em outro ponto da Europa, ainda em plena Segunda Guerra Mundial, no
dia 22 de julho de 1941, a Rádio Espanha Independente (REI), ou Rádio
Pirenaica, começava suas emissões clandestinas contra o regime franquista
espanhol. Essas emissões duraram mais de 35 anos, terminando oficialmente no
dia 14 de julho de 1977, quando o franquismo já havia acabado.
27 “Rádios livres: o uso popular da tecnologia”. Revista Comunicação e Sociedade, no 6, 1981. p. 98.
40
Aquí Radio España Independiente, estación pirenaica, la única emisora
española sin censura de Franco.28
De acordo com Marcel Plans29, a REI era a única voz de oposição ao
governo de Franco. Fundada em Moscou, quando os dirigentes soviéticos
decidem montar uma série de emissoras “nacionais” para combater o fascismo, a
REI só adquire o caráter de rádio independente quando a maioria das emissoras
criadas pelos soviéticos dissolve-se, pois em muitos países europeus (a Espanha
era exceção) voltava-se a falar em democracia, e o Partido Comunista não era
mais ilegal. Em 1955, a rádio é deslocada para Bucareste, na Romênia, onde
permanece até o fim.
Algumas experiências rebeldes na América Latina
Na América Latina, entre 1958 e 1959, surge outra famosa rádio de
guerra: a Rádio Rebelde, idealizada por “Che” Guevara, na luta a favor da
Revolução Cubana. De acordo com Machado30, vários transmissores formavam
a Rádio Rebelde. “Em cada território tomado, um novo emissor era montado,
sempre em conexão com o quartel-general.” Com Fidel Castro no poder, a
28 Apud PLANS, Marcel, “Radio España Independiente, la ‘Pirenaica’, entre el mito y la propaganda”.
In: BASSETS, Lluís (ed.). De las ondas rojas a las radios libres. Barcelona, Ed. Gustavo Gili, 1981, p.
130.
29 Op. cit., p. 119.
30 Op. cit., p. 98.
41
situação se inverteu: hoje a Rádio Rebelde é a oficial e as emissoras clandestinas
dirigidas a Cuba falam contra o regime castrista.
Para Claude Collin, o papel primordial de uma rádio de um movimento de
libertação é “elaborar contra-informação eficaz, desmontar as mentiras das
rádios oficiais (sejam elas da classe no poder ou da potência imperialista) e
fornecer os dados verdadeiros sobre a situação militar, denunciando os
assassinatos cometidos pelas forças de repressão”31.
Da mesma forma que a Rádio Rebelde atuou na Revolução Cubana,
outras rádios exerceram o mesmo papel em outras guerrilhas. É o caso da Rádio
Venceremos, de El Salvador, criada durante a guerra civil de 1981, e da Rádio
Sandino, da Nicarágua, criada durante a luta sandinista pelo poder.
“¿Pero, que pasó? Los trabajadores se pararon como un solo hombre y
dijeron: mientras no nos devuelvan las radios, no entramos a trabajar. Y se
declararon en huelga.”32
Do lado sindical, a mais impressionante história ocorreu na Bolívia, onde,
em 1963, havia 23 transmissores operando, os quais cobriam 20% do país, todos
mantidos por trabalhadores mineiros, através de descontos quinzenais em seus
31 Apud MACHADO, Arlindo et alii, op. cit. p. 97.
32 CHUNGARA, Domitilia, apud MACHADO, Arlindo et alii, op. cit., p. 111.
42
salários. A criação dessas rádios está ligada à necessidade de comunicação entre
os mineiros, que lutavam por “melhores salários e condições de trabalho”33.
O governo boliviano não vê as rádios sindicais com bons olhos e passa a
reprimi-las a partir de 1965, com a invasão de tropas militares às minas,
massacre dos trabalhadores e destruição das rádios34. Mas, apesar dessa primeira
ofensiva do governo, e de tantas outras que se seguiram, as rádios dos mineiros
bolivianos continuaram a sobreviver, contando com o apoio popular.
Em 1980, o general Garcia Meza dava um golpe militar, assassinando
personalidades bolivianas e prendendo dirigentes sindicais. A reação das rádios
sindicais foi histórica: oito emissoras entraram em cadeia nacional, ao vivo,
conversando entre si. “A população trabalhadora inteira estava sintonizada com
as rádios, pois eram a única fonte segura de informação com que podiam contar
naquele momento.”35 A resistência era possível.
1.5. O movimento de contestação das rádios livres
As rádios livres podem ser consideradas como um dos frutos
amadurecidos do Maio de 68, movimento contestatório dos estudantes e
33 MELIANI, Marisa, op. cit., p. 31.
34 MACHADO, Arlindo et alii, op. cit., p. 106.
35 Idem, ibidem, p. 107.
43
operários franceses, logo espalhado por toda a Europa e que lança as sementes
para o surgimento das primeiras rádios livres.
No entanto, é na década de 70 que as rádios livres têm seu melhor
momento, colocando em xeque o conteúdo das rádios oficiais e conseguindo dar
voz a vários setores sociais, que até então não possuíam um canal legítimo de
expressão.
As rádios livres representam, antes de qualquer outra coisa, uma utopia
concreta, suscetível de ajudar os movimentos de emancipação desses
países a se reinventarem. Trata-se de um instrumento de experimentação
de novas modalidades de democracia, uma democracia que seja capaz
não apenas de tolerar a expressão das singularidades sociais e
individuais, mas também de encorajar sua expressão, de lhes dar a
devida importância no campo social global.36
O movimento de rádios livres européias tem entre suas preocupações
fundamentais dar voz a todos aqueles que não podem se expressar nos grandes
meios de comunicação. A intenção é fazer com que o rádio seja um canal
democrático de comunicação, no qual esta se realize num processo dialógico,
numa profunda interação com o ouvinte, que deixa de ser um consumidor
passivo, para participar de forma ativa da troca de informações.
36 GUATTARi, Felix. Prefácio. In: MACHADO et alii, op.cit.
44
Na Itália, por exemplo, isso se deu na prática através do uso do telefone –
“As rádios independentes têm lançado a figura do correspondente com fichas
telefônicas. É uma pessoa qualquer, informalmente vinculada à rádio, que entra
em um bar, pede dez fichas e informa direto à rádio o que está vendo.”37 –, das
portas literalmente abertas da emissora, para receber quem quer que seja para
dar ao vivo seu depoimento, ou da veiculação de fitas gravadas pelos ouvintes:
As emissoras independentes têm substituído o italiano uniforme da rádio
estatal pelos acentos locais. Os ouvintes estão surpresos. Locutores que
falam do mesmo modo que os habitantes de seu povo ou de sua cidade
destroem a sensação de que a rádio é uma espécie de voz oficial (...). Os
acontecimentos são descritos por quem acaba de vivê-los (...) O ouvinte
tem a sensação clara de que alguém chegou correndo no estúdio da
emissora para relatar o que acaba de ver. Existe a impressão de uma
falta total de censura, impressão porque esse tipo de colaboração
depende da orientação ideológica da emissora.38
Da discussão da TV a cabo surgem as rádios livres na Itália
O movimento de rádios livres instaura-se primeiramente na Itália. Tudo
começa na década de 70 com uma tentativa de lá instalar as televisões a cabo.
Questionava-se o poder do Estado na gestão dessas TVs, perguntando-se se o
cabo estaria ao alcance do monopólio estatal exercido pela Radio-Audizione
37 ECO, Umberto. “Una nueva era en la libertad de expresión”. In: BASSETS, Lluís (ed.), op. cit.,
p. 214.
38 ECO, Umberto, op. cit., p. 220.
45
Italiana (RAI). Politicamente, o poder na Itália estava representado por uma
aliança entre a Democracia Cristã e o Partido Comunista Italiano.
As TVs a cabo acabaram não sendo instaladas naquela década, mas, em
compensação, todas aquelas indagações a respeito da legitimidade do Estado na
gestão das telecomunicações tornaram-se públicas e foram a gota que faltava
para o surgimento das primeiras rádios livres.
As rádios Milano Internazionale e Emmanuel de Ancona são tidas como
algumas das pioneiras do movimento de rádios livres italiano. Surgiram, como
muitas, na primavera de 1975, mas, como muitas também, não eram donas de
projetos alternativos em suas gestões e sim concentravam no rádio a esperança
de lucro certo e imediato.
Por outro lado, também surgiram as rádios que procuravam fazer valer o
movimento de rádios livres, como a Canale 96, de Milão, a Milano Centrale, a
Cittá Futura e a Rádio Bra Onde Rosse, autênticas representantes de uma nova
maneira de utilizar o rádio. De acordo com Machado39, essas emissoras foram
algumas das que melhor personificaram a gestão alternativa da informação e o
exercício direto da democracia, através de sua ligação com movimentos sociais
contestatórios.
39 Op. cit., p. 63.
46
Como se vê, foi grande a diversidade das rádios livres italianas. Lado a
lado, no dial, encontravam-se as emissoras comerciais, com seus anúncios, e as
rádios politizadas, que, por sua vez, também eram de várias tendências: havia
rádios de extrema esquerda, da nova esquerda, comunistas, socialistas, dos
sindicatos e as rádios do lado oposto, como a emissora Comunhão e Liberação,
pertencente ao movimento direitista católico.
Com tantas rádios, umas sobrepondo-se às outras, as autoridades italianas
não viram outra saída a não ser regulamentá-las. Para se ter uma idéia, no final
de 1975 havia quase 100 rádios livres espalhadas pela Itália. No ano seguinte,
através da sentença 202 do Tribunal Constitucional, as rádios foram liberadas
para emitir, desde que tivessem competência técnica e econômica. Houve, então,
uma corrida vertiginosa para se obter uma faixa de freqüência modulada ou de
TV, tanto que, em 1978, contabilizavam-se nada menos que 2275 rádios locais e
503 TVs, das quais a maioria apresentava programação comercial, sem a
preocupação de fazer um trabalho diferenciado. Com isso as rádios mais
alternativas do movimento saíram perdendo.
Alice é il Diavolo!40
40 Título do livro escrito pelo Colletivo A/Traverso, grupo criador da Rádio Alice.
47
Não se pode falar do movimento de rádios livres italiano sem que se passe
pela história da Rádio Alice, talvez a rádio mais famosa de todo o movimento.
Ao mesmo tempo que conseguiu criar uma nova linguagem no rádio, também
foi uma das que mais obtiveram popularidade e participação dos ouvintes, no
período em que esteve no ar, de janeiro de 1976 a março de 1977, na cidade de
Bolonha.
A saga da Rádio Alice só pode ser compreendida a partir do momento que
se conhece a realidade italiana após 1968, quando todas as reivindicações
estudantis e operárias converteram-se, nos anos 70, em vários segmentos
específicos de lutas, as chamadas “autonomias”, palavra genérica para designar
na Itália os núcleos dotados de singularidades. Assim, há um núcleo que luta por
melhores condições de vida no bairro, outro cujo interesse é a juventude, outro
formado apenas por mulheres, outro que cuida do meio ambiente, outro de
minorias sexuais, raciais etc.
Foi no seio de um desses grupos, o Colletivo A/Traverso, que nasceu a
Rádio Alice. Já na sua primeira emissão, avisava aos mais desatentos:
Rádio Alice emite: música, notícias, jardins em flor, conversas que não
vêm ao caso, inventos, descobrimentos, receitas, horóscopos, filtros
48
mágicos, amor, partes de guerra, fotografias, mensagens, massagens e
mentiras.41
As citações preferidas da rádio incluíam, entre outros, Marquês de Sade,
Maiakovski, Mandrake (o herói de histórias em quadrinhos), Artaud e até
mesmo um certo Guattareuze, ou seja, um herói cujo nome é a mescla dos
nomes dos filósofos Guattari e Deleuze. O mosaico da programação da emissora
permanecia nas músicas. Numa mesma hora era possível ouvir “Satisfaction”,
dos Rollings Stones, marchinhas regionais e “O Barbeiro de Sevilha”, de
Rossini. Quanto ao ouvinte, este era provocado a todo instante:
Alice transmite de tudo aquilo que você queria e aquilo que você não
queria ouvir, aquilo que você pensou e aquilo que você pensou em
pensar, especialmente se você vier até aqui dizê-lo42.
Por tudo isso, a Rádio Alice teve sérios problemas com o prefeito
comunista de Bolonha, que a perseguiu sem tréguas, até que conseguiu fechá-la
de vez e prender alguns de seus animadores. O estopim deu-se nos conflitos de
rua que ocorreram na cidade em 1977, principalmente nos dias 11, 12 e 13 de
março, quando Bolonha passava por uma verdadeira guerrilha urbana.
Alice transmitia os conflitos praticamente ao vivo, com intervenções de
vários ouvintes via telefone, que informavam sobre a luta entre os policiais e os
41 ECO, Umberto, op. cit., p. 223.
42 CARRIERi, André. “Alice”. Folha de S. Paulo, 12 mar. 1987. Caderno A-41.
49
estudantes. Além de informar onde estavam ocorrendo os confrontos, a rádio
incitava os moradores de Bolonha a reagir contra a repressão. O prefeito
considerou essas intervenções verdadeiras ameaças à ordem e decretou o
fechamento da rádio, que foi transmitido até o último minuto, quando os
policiais invadem os estúdios da Alice e calam sua voz:
– Me dá um disco, que já pomos um pouco de música, “porco dio”...
(Telefone) Alice... o telefone aqui toca direto, toca direto mesmo. “Ecco”,
um Beethoven...zzzz... se você gosta, ótimo, do contrário, que se dane.
(Telefone) não, Calimero foi embora. “Dio porco”, que sacanagem, que
sacanagem. Não escuta? Estamos com a polícia que está batendo (toca
um piano, poucas notas), um pouco de música de fundo. Estamos
esperando os advogados (o som do piano até desaparecer). Não, não sei
nem se vou dormir esta noite. Volto a dizer que estamos esperando os
advogados e a polícia começou a bater outra vez na porta, continua
gritando para abrir. Cuidado, fica agachado.
– Abram a porta!
– Os advogados estão chegando, mais cinco minutos e eles já estão
vindo (gritos incompreensíveis)... zzzz... (gritos) entraram, entraram,
estamos com as mãos ao alto, entraram, estamos com as mãos ao alto.
“Ecco”, estão arrancando, estão arrancando o microfone.
– Mãos ao alto.
– Estamos com as mãos ao alto. Estão arrancando o microfone, olha,
este é um local... o mandato de... (silêncio mortal).43
As rádios livres na França
43 CARRIERI, André, op. cit.
50
Apesar de não ter sido a primeira rádio livre em território francês44, a
Rádio Verte de Paris possui o mérito de ter sido a rádio que mais estardalhaço
causou junto à opinião pública. A sua história entrou para o rol das clássicas das
rádios livres.
Era 1977 e a França estava sob o governo do conservador Giscard
D’Estaing. Também era período de eleições municipais, e os principais nomes
da oposição ao governo participavam de uma mesa-redonda televisionada pela
emissora estatal TF1. Uma das personalidades foi o líder do Partido Verde
francês, Brice Lalonde. Durante o debate, Lalonde retira do bolso um pequeno
rádio, sintonizando-o nos 92 megaHertz da Rádio Verte, uma autêntica rádio
livre, de caráter ecológico. A façanha obteve uma audiência de milhões de
telespectadores e logo o assunto foi a principal notícia na imprensa durante
semanas.
A investida bem planejada e histórica de Brice Lalonde foi um trauma para
os conservadores, o poder vigente. O monopólio das comunicações
acabou por sofrer o primeiro ultraje em público. Foi um estrondoso início.
Em uma noite, Lalonde causou mais impacto para as rádios livres do que
centenas de debates isolados.”45
44 A primeira rádio livre francesa foi criada em 1969 pelos universitários da cidade de Lille e
chamava-se Rádio Campus.
45 MARINOVIC, Ivan. “Piratas de carteirinha: a deglutição oficial da nova onda”. Humanidades, no 19,
1988. p. 27.
51
O governo não se conformava com o espaço obtido pelas rádios livres,
que a cada dia surgiam em maior número, e não tardou a reprimi-las, apesar da
baixa audiência alcançada, uma vez que poucas pessoas conseguiam sintonizálas, devido à acirrada perseguição que sofriam (uma das formas de boicotar a
transmissão era a utilização de um forte zumbido — brouillage — em cima da
emissora, o que forçava as rádios a mudar constantemente de freqüência).
O interesse do governo francês em não deixar que as rádios livres se
proliferassem pelo território explica-se pela própria política na área da
radiodifusão: centralizadora e monopolizadora ao extremo. A gestão do rádio e
da televisão estava nas mãos do governo, que cobrava um imposto anual
(redevances) dos proprietários de aparelhos televisivos para manter tanto as
transmissões de TV como as de rádio, já que nessa época era proibido o uso da
publicidade.
No entanto, apesar do monopólio acirrado, havia espaços para emissão
radiofônica, com muita publicidade. Enquanto durou a centralização do governo
no rádio e na televisão, a França se viu invadida por um arsenal de emissoras
periféricas, que transmitiam para o país sem que estivessem dentro do seu
território.
A política de comunicação centralizadora do governo, as rádios
periféricas e o aparecimento da Rádio Fil-Bleu, colocada no ar em 1977 na
52
cidade de Montpellier (sul da França) por um advogado partidário do governo,
que descobriu algumas falhas na jurisdição da comunicação, deram o aval para o
surgimento de mais e mais rádios livres.
Em 1979, a Assembléia Nacional, preocupada com a rápida proliferação
das rádios “piratas”, resolve designar uma comissão parlamentar para
estudar a independência e o pluralismo da informação pública no estatuto
do monopólio. Após seis meses de trabalho a comissão estimou, após
ouvir 97 pessoas, que o serviço de comunicação radiofônica não era
suficiente, além de que a independência e o pluralismo da informação não
estavam assegurados. O monopólio da radiodifusão sofreu mais um duro
golpe.”46
O Partido Socialista não tarda a colocar no ar sua própria emissora,
engajando-se de fato na luta. Em junho de 1979, nasce a Rádio Rispote, que teve
como primeiro secretário o futuro presidente da República, François Mitterrand,
responsável pela liberação das ondas francesas. A Confederation Général du
Travail (CGT) também coloca no ar suas emissoras, chamadas de “rádios de
luta”, sempre em locais de intensas reivindicações trabalhistas.
1981: a vitória socialista de Mitterrand
No dia 21 de maio de 1981, Mitterrand vencia as eleições presidenciais na
França. Não demorou muito para que os adeptos das rádios livres invadissem o
dial, que se tornou pequeno para tantas rádios, gerando uma situação caótica.
53
Havia de tudo: rádios roqueiras, de jazz, de anarquistas, de homossexuais, de
seitas, de emigrantes, ou seja, uma diversidade sem igual, ou “um verdadeiro
farwest: o primeiro a chegar reivindica o território”.47
O Partido Socialista, cumprindo seu programa de governo, permitiu a
transmissão das chamadas “rádios locais”, com as seguintes condições: no
máximo 30 km de zona de escuta, publicidade limitada a cinco minutos por
hora, as rádios precisariam ter um estatuto de associação, sem fins lucrativos e
sem a criação de redes de transmissão, deveriam produzir 60% dos seus
programas e estavam sujeitas à lei de imprensa.
A situação das rádios livres francesas ainda demorou a ficar estabilizada,
já que o governo queria evitar o uso da publicidade, para não dar abertura ao
grande capital, chegando até a criar um fundo de ajuda às pequenas rádios. O
ministro das Comunicações, Georges Filloud, conseguiu se manter inflexível até
1984, quando finalmente permitiu o uso da publicidade. O que se segue daí é a
progressiva perda de qualidade das rádios mais criativas do movimento e a
instalação de rádios estritamente comerciais.
46 Idem, ibidem, p. 28.
47 Idem ibidem, p. 29.
54
Capítulo 2
As rádios ilegais no Brasil
2.1. As primeiras ondas livres no Brasil
As rádios ilegais no Brasil possuem quatro momentos distintos em sua
história. Na primeira fase, as rádios não-oficiais são colocadas no ar quase por
ingenuidade; os organizadores da experiência nem sabiam da ilegalidade do ato.
Depois, elas surgem em Sorocaba, interior do estado de São Paulo, como
experimento de jovens da área eletrônica e possuem um caráter de hobby. O
terceiro momento é mais politizado; marca o surgimento das rádios livres, que
têm como pressuposto básico democratizar o acesso a antenas; paralelamente às
rádios livres começam a surgir as emissoras de tendência religiosa. Por fim, no
quarto momento, que presenciamos hoje, são as rádios comunitárias que estão
em cena, organizando-se para serem regulamentadas.
O primeiro momento das rádios ilegais brasileiras é composto de dois
casos isolados de pessoas que praticaram a radiodifusão sem permissão oficial,
pelo simples prazer de fazer rádio e sem nenhuma intenção subversiva no ato.
De acordo com Marisa Meliani48, em 1931 o publicitário Rodolfo Lima
Martensen, com a ajuda de um amigo, colocou no ar, em Rio Grande de São
48 Op. cit., pp. 104-105.
55
Pedro (RS) a primeira emissora de rádio da cidade. A iniciativa fez tanto sucesso
que acabou sendo oficializada, transformando-se na Rádio Sociedade do Rio
Grande do Sul.
O segundo registro é de 1971, em Vitória (ES). Vivia-se em plena
ditadura militar e, por isso, a história não teve um final tão feliz quanto à do
publicitário gaúcho. Tudo começou quando Eduardo Luiz Ferreira Silva, de 16
anos, apaixonado por eletrônica, desmonta um aparelho de rádio, remontando-o
em seguida em forma de um transmissor à válvula de 15 watts. Surge a Rádio
Paranóica.
Eduardo põe a rádio no ar com a ajuda de seu irmão. As emissões atingem
as imediações do local em que estava instalado o transmissor (no banheiro do
bar do pai dos rapazes, que nem sabia da existência da rádio dos filhos).
Eduardo decide aumentar a capacidade do transmissor para 300 watts, e assim
consegue atingir toda a cidade, concorrendo com as duas emissoras oficiais de
Vitória, tornando a Paranóica muito famosa.
A gente tocava música, metia o pau nos comerciantes que roubavam no
peso, reclamava da prefeitura... A gente era tão bobo, tão inocente com o
que fazia, que até dava o telefone do bar. Não sabia que era proibido.49
49 MELIANI, Marisa, op. cit., p. 105.
56
Mas os dois irmãos foram denunciados, acusados de subversão, quando a
rádio completava apenas seis dias de emissão. Eduardo teve a casa toda
vasculhada e quebrada, e o bar foi destruído. Ele foi preso junto com seu pai (o
irmão conseguiu fugir), mas foi logo liberado. Seu pai, semi-analfabeto, só
conseguiu ser solto depois de três dias. Em 1994, Eduardo conseguiu ter acesso
ao seu processo e descobriu que a sua rádio foi acusada, por um famoso
jornalista de Vitória, de ser “uma armação dos comunistas para desestabilizar o
regime”.
Sorocaba (SP), verão de 1982
Consideradas como as primeiras rádios livres brasileiras, as emissoras
sorocabanas foram aos poucos chamando a atenção na cidade durante a primeira
metade dos anos 80, mais como hobby do que como um movimento nascido de
causas político-contestatórias. O nível de industrialização de Sorocaba, os
inúmeros técnicos em eletrônica e a falta de locais de diversão para os jovens de
baixa renda foram motivos suficientes para o avanço das rádios livres no local.
Alguns adolescentes, cansados de ouvir a programação pasteurizada das
FMs comerciais, descobrem que podem fazer suas próprias rádios com a ajuda
dos componentes eletrônicos certos. A primeira rádio ilegal de Sorocaba, cujas
transmissões atingiam apenas um quarteirão, chamou-se Spectro e foi ao ar em
57
1976 (seis anos antes do boom de Sorocaba) pelas mãos de um adolescente de
14 anos.
O mesmo garoto montou outro transmissor, em 1980, que dessa vez atinge
10 km. Já no final de 1981, Sorocaba possui mais seis rádios: junto com a
Spectro, também transmitem as rádios Estrôncio 90, Alfa 1, Colúmbia, Fênix,
Star e Centauros (esta última troca o nome para Voyage e mescla-se com a
Spectro, nascendo assim a Spectro Voyage Clandestina – SVC, uma das mais
famosas rádios livres de Sorocaba). Em 1982, estão no ar, oficialmente, 43
emissoras, mas há informações de que mais de 100 rádios transmitiam na época.
O movimento nasce de forma autêntica, sem publicidade e com objetivos
de organização autogestionária. A verdadeira mania que surge em
Sorocaba leva os radioamantes a criar o Conselho das Rádios
Clandestinas de Sorocaba, na tentativa de obter organização e impedir
as interferências sobre as freqüências oficiais e mesmo sobre outras nãoautorizadas.50
O conselho foi extinto um mês depois de criado, devido à impossibilidade
de
controlar
tantas
rádios.
O
antigo
Departamento
Nacional
de
Telecomunicações (Dentel), hoje Departamento Nacional de Fiscalização das
Comunicações, não demorou muito a entrar em ação, ameaçando os chamados
radioamantes com o Código Brasileiro de Telecomunicações, que prevê pena de
prisão para quem transmitir sem concessão na faixa de FM. Com isso, as
58
emissoras foram saindo do ar paulatinamente, até que em 1984 contabilizavamse apenas 15 rádios ilegais em Sorocaba.
Rádio Xilik: “uma emissora mais lida do que ouvida”
As rádios de Sorocaba não demoraram muito a despertar o interesse da
imprensa paulistana, que divulgou várias matérias a respeito, em especial a
imprensa escrita. Através dessas informações, um grupo de rapazes, alguns do
Centro Acadêmico de Ciências Sociais (CACS) da Pontíficie Universidade
Católica de São Paulo (PUC-SP) e outros da Universidade de São Paulo (USP),
têm a idéia de também montar uma emissora, mas com claros objetivos
políticos.
Era o ano de 1985 e o país todo lastimava-se pela morte do presidente
Tancredo Neves. Quem não sucumbiu, ficou revoltado com tantas informações
erradas dadas pela imprensa em geral. Os rapazes do CACS e da USP discutiam
essas questões, quando surgiu a idéia de montar uma rádio livre e dar “a versão
real dos fatos e usar a liberdade de expressão até as últimas conseqüências”51.
Assim nascia a Rádio Xilik, com 6 watts de potência, montada dentro de uma
panela, na sede do Centro Acadêmico.
50 Idem, ibidem, p. 109.
51 MELIANI, Marisa. “Rádios livres: o outro lado da voz do Brasil”. São Paulo, USP, 1989. Projeto
Experimental em Jornalismo. p. 74.
59
A Xilik entrou em fase experimental no dia 26 de junho de 1985,
abrangendo alguns bairros da zona Oeste de São Paulo. Influenciados pelo
movimento de rádios livres da Europa (França e Itália em especial), os 12
integrantes da Xilik queriam chamar a atenção do público para questões como
democratização da comunicação e liberdade de expressão, divulgando dessa
forma o ideário das autênticas rádios livres.
Para isso utilizaram uma tática, que seria comum sempre que houvesse
transmissão: convocar a imprensa para escutar a rádio. Inúmeras matérias
surgiram em jornais da capital e em algumas revistas, fazendo da Xilik “uma
rádio mais lida do que ouvida”, como disse um dos integrantes, André Picardi52.
Um transmissor mais potente, de 40 watts, a comprovação da audiência e
a criação da Cooperativa de Rádio-Amantes (Coralivre) caracterizaram a
segunda fase da Xilik. O grupo discute no ar, em forma de debate, a importância
de se ter uma rádio livre. Além disso, empresta o transmissor para o nascimento
de outras rádios, aproxima-se de sindicatos, visita favelas e envia transmissores
para outros estados, como Paraná e Pará.
A rádio também promove várias campanhas, como ensinar a população a
remarcar os preços nos supermercados, durante o Plano Cruzado: “Já que eles
52 MELIANI, Marisa. Rádios livres; o outro lado da voz do Brasil. São Paulo, USP, 1995. Dissertação
de mestrado apresentada à Escola de Comunicação e Artes. p. 115.
60
remarcam tudo, peguem os selos mais baratos e coloquem nos produtos mais
caros”53; plantar maconha em casa, quando ainda nem se falava na
descriminalização do uso da erva; entrar pela porta de trás do ônibus, afinal “o
ônibus é um dever do Estado e um direito do cidadão”54.
O Dentel tentou duas vezes apreender o incômodo transmissor da Xilik,
mas não conseguiu, pois a rádio contava com largo apoio dos estudantes e até da
reitoria da PUC. Sua última transmissão foi ao ar em dezembro de 1985, por
decisão do próprio grupo, que considerou ter cumprido sua missão.
Rádios Selvagens no Leste ocidental
Apesar de a Rádio Xilik ser considerada uma das pioneiras na discussão
da democratização da comunicação, outras rádios foram suas contemporâneas.
Merecem destaque as primeiras rádios livres da Grande São Paulo, em especial
aquelas localizadas no município de Poá, um dos menores municípios do estado,
média de 100 mil habitantes, entre as quais citamos Capitão Gancho, Estação
Apache e Tuaregs. Sobre o fenômeno, um de seus principais sustentadores
explica:
53 MELIANI, Marisa. “Rádios livres: o outro lado da voz do Brasil”. São Paulo, USP, 1989. Projeto
Experimental em Jornalismo. p. 78-9.
54 Idem, ibidem, p. 79.
61
Música. Essa é a primeira idéia que vem à mente quando se fala em
rádio. Estranho, mas outros fatores igualmente ou mais importantes como
noticiário, informações, bate papo, sempre acabam ficando para segundo
plano (...) Com certeza, a origem das Rádios Selvagens do Leste não foi
muito diferente. A música teria sido o embrião e o combustível da
desordem. Claro que o fator música, tem a ver com todo um contexto dos
anos oitenta: abertura política (?), formação de novos partidos, novos
canais de participação, livre associação, movimentos de massa, novos
valores musicais e artísticos surgindo em cena, etc.55
A rádio Capitão Gancho foi criada pelo sociólogo José Carlos Francisco
de Paula, que soube das rádios livres assistindo às palestras de Felix Guattari em
São Paulo. Assim, José Carlos montou uma rádio (transmissor valvulado caseiro
com cinco watts de potência) com o seguinte perfil: autogestionária,
ideologicamente voltada ao esquerdismo, locução e músicas com tempo
equivalentes, músicas alternativas, personagens criadas a partir da fábula de
Peter Pan, situados na Terra do Nunca – Barba Negra, Barba Ruiva, Barba
Timão, Barbarella, Sininho e Peter Punk eram alguns dos pseudônimos
utilizados pelos organizadores da emissora.
Com a Rádio Capitão Gancho surge o primeiro veículo escrito de
divulgação das rádios da região: o fanzine Garrafa. Em princípio, foi produzido
para informar apenas as atividades da Capitão Gancho, depois passou a divulgar
o trabalho de outras rádios livres, fornecendo também dicas de como montar
55 DE PAULA, José Carlos Francisco. “O movimento”. In: fanzine Turba Iratus, no 3, 1994.
62
transmissores ilegais. Outras formas de divulgar o trabalho da rádio foram as
vendas de camisetas com o logotipo da Gancho, cartazes e grafitagem pelas
principais ruas da cidade. Em 1989, discordâncias entre os organizadores da
rádio põem fim ao projeto, que naufraga junto com o Garrafa.
Estação Apache: “contra os brancos, bélicos e cristãos”56
Esta foi outra rádio criada pela iniciativa de José Carlos, com o objetivo
de fazer uma rádio mais combativa, divulgando principalmente a causa indígena
brasileira (transmissor de cinco watts de potência, valvulado, abrangendo Poá e
municípios vizinhos como Suzano, Ferraz de Vasconcelos e parte de Mogi das
Cruzes). Para isso, conta com a participação do funcionário público Eliézer
Barreto, ouvinte da Capitão Gancho, que depois passa a dirigir a Estação
Apache sozinho.
A Estação Apache teve sua primeira transmissão em setembro de 1988.
Toda a estrutura da rádio foi pensada com cuidado, do nome ao perfil da
emissora. Segundo Eliézer Barreto, o termo “estação” surgiu como referência à
demolição da antiga estação de trem de Poá: “Achávamos um absurdo
demolirem a estação em volta da qual a cidade nasceu, então pintou a idéia de
resgatar o termo”57. O nome apache foi uma referência à tribo de índios norte56 Uma das frases utilizadas pelos apresentadores da Estação Apache.
57 Depoimento de Eliézer Barreto dado à autora em junho de 1995.
63
americanos, que mais lutou contra a colonização. Além disso, eram chamados
apaches, os marginais perseguidos pela polícia por praticarem pequenos furtos
para sobreviver na Paris do século XIX.
Com a leitura dos livros Enterrem meu coração na curva do rio, de Dee
Brown, e Nossos índios, nossos mortos, de Edilson Martins, veio a construção
da linguagem utilizada pela Estação Apache, até esse momento, toda voltada
para a causa indígena. Em 1989, José Carlos deixa a Apache para montar outra
rádio.
A Estação Apache vive seu segundo momento quando se preocupa em
divulgar o pensamento anarquista e a cultura marginal suburbana.
Nos correspondíamos com diversos lugares do Brasil e recebíamos muito
material alternativo, como fanzines sobre variados temas, demos tapes58
de bandas de garagem, então passamos a divulgar todo esse material
nos programas da rádio, complementando-os com textos clássicos do
anarquismo.59
Além disso, há entrevistas com o somaterapeuta Roberto Freire, com o
anarquista Jayme Cuberos, com o músico Tom Zé e com músicos da região.
58 Demo tape (fita demo) é uma fita cassete gravada amadorísticamente durante ensaios de bandas
musicais.
59 Depoimento dado à autora.
64
A terceira e última fase da rádio foi acompanhada de mais pessoas: 15
ouvintes da Apache juntam-se à Eliézer, dando o caráter autogestionário que
faltava. Os programas passaram a ser discutidos em reuniões, e o grupo comprou
todo o equipamento da rádio, dividindo também as suas despesas com
manutenção. Em julho de 1992, a Estação Apache faria sua última intervenção
na cidade. Interferência nas televisões dos vizinhos e a falta de um local
apropriado para transmissão colocaram fim à experiência.
Tuaregs: no deserto com Alah60
A Tuaregs foi a terceira rádio livre criada por José Carlos de Paula em
cinco anos de militância na causa das emissoras livres. O trabalho foi solitário
nessa nova experiência. A Tuaregs surgiu em julho de 1990 (transmissor de 15
watts de potência, transistorizado) com a proposta de utilizar o humor e o
anarquismo nos programas.
O perfil da rádio vem do nome “tuaregues”, povos nômades e guerreiros
que vivem no deserto africano. Aproveitando a história desse povo, José Carlos
cria o vocabulário da emissora com algumas palavras da língua islâmica,
mesclando-as com estranhas gírias usadas no filme “Laranja mecânica”, de
Stanley Kubrick chamadas de “nadstat”. Definido o vocabulário da rádio, são
60 Alah era a grafia utilizada pelos componentes da rádio livre Tuaregs.
65
criadas as personagens para que toda a ação se passe “num deserto imaginário
com os inconvenientes de praxe”61. Entre os principais “apresentadores” de
programas estão: Chacal, Jamal, Maluf Malaka e Jack Estuprador, todos eles
representados pelo criador da emissora.
Em 1992, a rádio lança seu informativo, o Turba Iratus (povo irado), um
fanzine com periodicidade anual que divulga a causa das rádios livres. Em 1995,
alguns dos participantes da Estação Apache juntam-se à Tuaregs, que tenta
manter seu projeto original, mas com certa dificuldade, pois nem todos os novos
participantes adaptam-se a sua linguagem. Atualmente, a Tuaregs está fora do
ar, tentando encontrar um novo local para transmissão.
No vento e nas aldeias, um Sinal de fumaça
Sinal de fumaça foi um fanzine lançado pela Estação Apache e pela
Tuaregs no início de 1990, com muita contra-informação. Foram cinco números,
cujo objetivo era levar o sinal das emissoras até onde ele não conseguia
alcançar. A distribuição foi feita via correio, e o Sinal de fumaça rompeu
61 Depoimento dado à autora em junho de 1995 e informações contidas nos fanzines Garrafa,
66
fronteiras, chegando até o Japão e sendo citado no jornal Barlavento, de
Portugal. O fanzine recebeu inúmeras cartas de todo o Brasil e os seus
organizadores atingiram a marca de 50 transmissores vendidos.
O mais interessante dessas rádios é a originalidade com que elas foram
desenvolvidas. Xilik, Capitão Gancho, Estação Apache e Tuaregs, as três
últimas com seus respectivos fanzines, trazem no seio todo o ideal das rádios
livres mais autênticas, ou seja, o de fazer rádio de maneira criativa, trabalhando
a linguagem e oferecendo ao ouvinte uma programação diferenciada, alternativa
à programação oficial, predominantemente musical. Também foi característica
dessas rádios funcionar em regime de clandestinidade, no sentido de não
divulgarem seus endereços ou telefones para contato, uma vez que a fiscalização
era mais acirrada. O contato com o ouvinte era feito por meio de uma caixa
postal.
Rádio Reversão: resistir é preciso
De todos os problemas enfrentados pelas rádios livres, o maior diz
respeito ao lado financeiro. Ceder espaço para anunciantes, o que seria uma
forma de gerar receita, significa limitar a liberdade de expressão. Por outro lado,
não é possível sobreviver apenas com as colaborações. Uma rádio que conseguiu
Kachorro Louko, Sinal de fumaça e Turba Iratus.
67
pôr fim a esses problemas foi a Reversão, uma rádio livre localizada na Vila Ré,
zona Leste de São Paulo, que se tornou um marco na história das rádios livres
brasileiras.
Sua história começa em 1988, quando surge como veículo de divulgação
da cultura urbana underground da cidade de São Paulo, em geral, e do bairro em
que se localiza, em particular.
Na realidade, a Rádio Reversão faz parte de um projeto cultural de grande
abrangência iniciado em 1975 pelo jornalista Léo Tomaz. A idéia era agrupar
poetas, escritores, artistas plásticos e músicos da Vila Ré, na Casa de Cultura
Reversão, espaço criado originalmente com o intuito de integrar os artistas
locais. Como esses artistas não possuíam espaço para expressão na mídia, eles
decidem ter seu próprio veículo de comunicação, nascendo, assim, a Rádio
Reversão, sem qualquer orientação ideológica e que conta com total apoio da
comunidade do bairro.
A rádio foi colocada no ar em programas diários, das 20 horas à meianoite, com 27 pessoas revezando-se na operação, locução e funcionamento do
espaço. O transmissor possuía 20 watts e atingia um raio de quatro quilômetros.
Os programas tratavam de vários temas: havia programas produzidos pelas
mulheres do bairro, programas destinados à divulgação de poesia, à produção
musical marginalizada pela mídia, programas que apresentavam bandas
68
musicais da região, programas sobre meio ambiente, entre outros. Com objetivos
estritamente culturais, a Reversão era mantida com recursos provenientes do bar
instalado na Casa de Cultura.62
No dia 9 de abril de 1991 a rádio sofre intervenção, e o equipamento é
apreendido pela Polícia Federal e pelo Departamento Nacional de Fiscalização
das Comunicações. Léo Tomaz é processado sob acusação de violar o artigo 70
do Código Brasileiro de Telecomunicações. Surgem várias manifestações de
apoio à rádio, além de fartas matérias na imprensa. Em março de 1994, o juiz
Cazem Mazloum, da 4a Vara Criminal da Justiça Federal de São Paulo, absolve
Tomaz, argumentando:
A utilização de aparelhos de telecomunicação, de reduzida potência,
destinados a atividades culturais, ou no contexto de tais fins, como
comprovado no caso dos autos, não constitui atividade que afronta as
normas vigentes, notadamente sob o aspecto criminal.63
Com a absolvição de Léo Tomaz, a Reversão tem seus equipamentos
devolvidos e volta ao ar. A notícia repercute, abrindo um precedente para o
funcionamento de muitas outras rádios ilegais. Só no estado de São Paulo, há
mais de mil rádios, com propostas diversificadas, salientando-se que a maioria
delas é de cunho evangélico e comercial.
62 MELIANI, Marisa, op. cit., pp.11-6.
69
2.2. Rádios religiosas: a “salvação” vem pelo ar
Foi na segunda metade da década de 80 que os religiosos, a maioria
evangélicos, começaram a ter as suas primeiras rádios ilegais64. Eles
descobriram o filão inexplorado do ponto de vista religioso e começaram a
propagar mensagens evangélicas. São rádios pertencentes a várias denominações
protestantes, que no início dos anos 90 cresceram muito.
De acordo com reportagem veiculada pela Folha de S.Paulo65, em 1991,
apenas na zona Leste da capital operavam mais ou menos 20 emissoras,
“mantidas por contribuições dos evangélicos e anúncios pagos por pequenos
comerciantes”. Para os pastores responsáveis pelas rádios, a meta não é ganhar
dinheiro e sim propagar o que eles chamam de “cultura evangélica”. Muitas
dessas rádios, para aumentar o alcance, unem-se em rede, segundo atesta Marisa
Meliani66 ao citar o exemplo da rádio Nova Jerusalém FM, que transmite junto
com as rádios Jerusalém Celestial e Virtudes FM, na zona Norte da cidade.
Um exemplo, que serve para ilustrar como essas rádios funcionam, é o da
rádio Cultura Celestial, situada no bairro Jardim Castelo, em Ferraz de
63 GIRON, Luís Antônio. “Rádio pirata volta sem ameaça da polícia”. Folha de S.Paulo, 9 abr. 1994.
Ilustrada, p. 1.
64 Dentre as rádios ilegais religiosas já se encontram também rádios da religião católica, agregadas na
Associação Nacional Católica de Rádios Comunitárias (Ancarc).
65 ANDERAOS, Ricardo. “Evangélicos utilizam rádios piratas para propagar a ‘palavra de Deus’”.
Folha de S.Paulo, São Paulo, 27 abr. 1991. Ilustrada, p. 1.
70
Vasconcelos (Grande São Paulo). A emissora é coordenada pelo pastor Roque
Santos da Silva, envolvido com a problemática das rádios ilegais desde 1987. O
pastor já possuiu três outras rádios no mesmo estilo. Uma delas, a FM
Apostólica, foi apreendida pelo antigo Dentel, e ele foi processado no final de
1989, e enquadrado na lei de Segurança Nacional. Apesar do processo, Roque
não desistiu das rádios e continuou montando outras FMs.
A rádio Cultura Celestial foi criada no final de 1994, na freqüência 108.1,
com um transmissor de 40 watts e funciona com 26 programadores, revezandose das 6 horas à meia-noite durante a semana. A emissora é mantida com apoio
cultural e pagamento de uma taxa por quem faz programas. Para um programa
de uma hora de duração, podem entrar três apoios culturais, que não devem
tratar de bebidas, cigarros ou qualquer outro produto que, segundo o pastor,
“prejudique a saúde”. Em média cobram-se R$ 10,00 mensais por apoio cultural
anunciado. Para ter um programa na rádio é preciso pagar R$ 10,00 por hora de
programa.
Os programas são compostos por temáticas evangélicas, com hinos de
louvores e músicas religiosas. De acordo com o pastor, a orientação é que só
haja veiculação de “músicas que edifiquem”. A rádio recebe cerca de 150
telefonemas por dia. Os programadores são na maioria evangélicos, apesar de o
66 Op. cit., p. 143.
71
pastor afirmar que para se fazer parte da rádio não é necessário ser vinculado a
qualquer igreja.
Com a possibilidade de regulamentar as rádios de caráter comunitário,
muitas rádios piratas, livres e evangélicas têm-se transformado em
“comunitárias”. É o caso da Cultura Celestial. De acordo com o pastor Silva, a
emissora é comunitária porque está aberta a qualquer pessoa, desde que não se
critique o governo67.
2.3. Rádios comunitárias: um novo canal de expressão
No Brasil, começou-se a falar em rádios comunitárias no início da década
de 90, quando as rádios ilegais passaram a ser utilizadas em maior escala pela
comunidade de vários bairros. De acordo com José Carlos Rocha, integrante do
Fórum Democracia na Comunicação, entidade ligada à defesa das rádios ilegais,
o termo “rádio comunitária” surge a partir de 1991, durante o Terceiro Encontro
Nacional de Rádios Livres, em Macaé, RJ.
Antes as rádios eram mais de cultura alternativa e de repente com o
grande crescimento das rádios, muitas passaram a ter um trabalho mais
vinculado à comunidade e funcionando de peito aberto, nada clandestino,
67 Depoimento dado à autora em fevereiro de 1996.
72
nada romântico e aventureiro, uma rádio que presta serviço aos
interesses da comunidade.68
Além disso, os projetos que entraram em tramitação pelo Congresso
Federal regulamentam o funcionamento das rádios de caráter comunitário. Por
isso, muitas rádios se auto-intitulam comunitárias na esperança de poder
funcionar sem o risco de apreensão.
É preciso não confundir as rádios comunitárias com as rádios de altofalantes. Enquanto aquelas emitem em freqüência modulada, portanto,
sintonizadas nos aparelhos radiofônicos, estas emitem através de alto-falantes
suspensos em postes – por isso são conhecidas como rádios populares, rádiosposte, bocas de ferro etc. – e são muito comuns no interior das cidades
brasileiras69, principalmente no Norte-Nordeste.
As rádios comunitárias (e, num determinado momento, também as rádios
livres) têm um formato semelhante ao do rádio brasileiro da década de 20: as
emissoras comunitárias possuem entre seus ideais propagar a cultura, o lazer e a
educação, nascem também no formato de associações e são mantidas com
contribuições e apoios culturais. Além disso, é comum na rádio comunitária o
68 Entrevista concedida à autora no dia 21 de julho de 1993.
69 De acordo com Sônia Virginia Moreira, op. cit., p. 65, as emissoras que utilizam os alto-falantes
geralmente prestam serviços de utilidade pública, com programas elaborados pela comunidade em que
se situam. Interessante observar que, com o avanço das rádios livres no Brasil, o baixo custo do
equipamento e, por trás de tudo isso, o avanço tecnológico, muitas rádios que funcionavam com altofalantes abandonaram essa prática e passaram a fazer uso do rádio em freqüência modulada.
73
apresentador de um programa ser a mesma pessoa que vai atrás de apoios
culturais e representar ao mesmo tempo o contato comercial, o produtor, o
redator e o locutor.
Uma rádio de caráter comunitário pertence a uma associação sem fins
lucrativos, cuja preocupação fundamental é ceder espaço para a expressão de
vários setores de uma determinada comunidade. A gerência da emissora fica a
cargo dessa associação, que precisa ser pluralista. Assim, fazem parte a dona-decasa, o jovem, o comerciante, o padre, o pastor, a mãe-de-santo, o estudante, o
trabalhador, o vereador da região, a oposição política, o aposentado, o professor
e quem mais vier para colaborar. É a partir desse mosaico que a voz da
comunidade vai-se delineando na emissora, sem discriminações e com espaço
para todos. Outra característica da rádio comunitária é o seu alcance, que precisa
ser mínimo (25 watts foi a potência estipulada para a regulamentação federal).
A maior importância das rádios comunitárias é o seu papel social,
enquanto porta-vozes de uma (grande) parcela da população, que não tem um
canal de comunicação próprio. Essas emissoras representam, assim, a voz da
comunidade fazendo-se ouvir, procurando uma resolução para os seus
problemas, com vistas a um avanço social. Esse é o esboço do que vem a ser
uma rádio comunitária de fato. O assunto voltará a ser discutido na segunda
parte desta dissertação quando será analisada a Rádio Cidadã.
74
75
Capítulo 3
A comunicação alternativa e a comunicação popular
3.1. A comunicação alternativa
Para compreender o que é a comunicação alternativa, remetemo-nos à
origem das duas palavras, ambas latinas. Assim, comunicação vem de
communis, significa “tornar algo comum à comunidade”70 e indica troca de
idéias, informações e mensagens.
A comunicação só ocorre se houver acesso aos canais de expressão e os
envolvidos fizerem parte do processo de troca de idéias, informações e
mensagens, participando de um diálogo crítico contínuo que é fundamentado no
conhecimento objetivo que o homem tem da realidade71. Paulo Freire afirma que
a palavra é um direito de todos:
Se dizer a palavra verdadeira, que é trabalho, que é praxis, é transformar
o mundo, dizer a palavra não é privilégio de alguns homens, mas direito
de todos os homens. Precisamente por isto, ninguém pode dizer a palavra
verdadeira sozinho, ou dizê-la para os outros, num ato de prescrição, com
o qual rouba a palavra aos demais. O diálogo é este encontro dos
70 FESTA, Regina. Comunicação popular e alternativa; a realidade e as utopias. São Bernardo do
Campo, IMS, 1984. Dissertação de mestrado. p. 166.
71 Idem, ibidem, p. 166.
76
homens, mediatizados pelo mundo, para pronunciá-lo, não se esgotando,
portanto, na relação eu-tu.72
Ainda segundo o pensador, quando os homens dialogam, dá-se “um
encontro
de
sujeitos
interlocutores
que
buscam
a
significação
dos
significados”73. A partir daí estariam prontos para pensar o mundo criticamente
com vistas a uma transformação.
Voltando à comunicação alternativa, localizamos o significado da palavra
alternativa em alter, que quer dizer ‘outro’ e “indica uma relação com outro, um
alter que chama a si os que se desviam de um caminho inicial”74. Assim, podese dizer que a comunicação alternativa é uma opção à comunicação de massa,
produzida pelos grandes meios.
Alternativa porque também representa uma busca por tudo o que é
inovador e diferente dentro da sociedade de consumo, como forma de crítica e
transformação social: a contracultura, os movimentos hippie, beat e pacifista e
as comunidades alternativas foram sem dúvidas alternativas políticas que
buscaram um outro caminho frente ao que estava dado pelo poder vigente.
72 FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977. pp. 92-3.
73 LIMA, Venício Artur de. Comunicação e cultura; as idéias de Paulo Freire. Rio de Janeiro, Paz e
Terra, 1981. p. 59.
74 CAPARELLI, Sérgio. Comunicação de massa sem massa. São Paulo, Summus, 1986. p. 45.
77
O termo “alternativo” sempre foi historicamente vinculado mais à criação
de alternativas técnicas e culturais ao estabelecido (tecnologias,
linguagens, novas formas de vida, etc.) e visto também à margem,
paralelo à sociedade estabelecida.75
Para Regina Festa76, a comunicação alternativa, no caso brasileiro, surgiu
numa situação de marginalidade aos grandes meios de comunicação e se
mostrou alternativa ao reorientar as forças sociais, mas não surgiu para se
contrapor à comunicação dos meios de massa e sim para ser uma oposição ao
poder constituído. Além disso, reflete a autora, é um tipo de comunicação que
serve como “mediadora dos interesses entre classes dominantes, sociedade civil
e classes populares”77.
O conteúdo é fundamental
De acordo com Maximo Simpson Grinberg78, para se compreender melhor
a comunicação alternativa é preciso levar em consideração alguns fatores. O
conteúdo, por exemplo, é fundamental, e, a partir dele, quatro aspectos podem
ser levantados: a seleção dos temas, a hierarquização das informações, sua
classificação por seções e seu posterior tratamento e a linguagem. A partir
75 SOUZA, Marcio Vieira de. As vozes do silêncio, o movimento pela democratização da comunicação
no Brasil. Paris/Florianópolis, Foundation pour le progrès de l’homme/Diálogo, 1996. pp. 81-2.
76 Op. cit., p. 170.
77 Idem, ibidem, p. 171.
78
dessas informações, podem-se ver os aspectos que tornam um meio alternativo
ou não.
Grinberg também nos dá um panorama a respeito da comunicação
alternativa e suas significações. Transcrevemos as seis dimensões do assunto,
relacionadas pelo autor como fatores alternativos dentro de determinados
meios79:
• alternativa 1: produzida de maneira não-massiva; definida pelo controle e
propriedade coletivos do meio, pelo princípio de participação na seleção dos
assuntos e na elaboração das mensagens, no seu conteúdo aberto e
antiautoritário,
na
ambivalência
de
papéis
emissor-receptor
e
na
multidirecionalidade das mensagens;
• alternativa 2: também não-massiva; a eleição dos temas e elaboração das
mensagens são feitas com a participação ativa dos receptores. As
características definidoras deste meio estão centradas na propriedade e
controle coletivos, pela participação e pelo caráter do discurso;
• alternativa 3: produzida de forma massiva; tem como objetivo a difusão
massiva de mensagens. A alternatividade é mais restrita por situações
78 “Comunicación Alternativa: dimensiones, límites, posibilidades”. In: GRINBERG, Maximo Simpson
(org.). Comunicación alternativa y cambio social. Ciudad del Mexico, Universidad Nacional
Autonoma de Mexico, 1981, p. 113.
79
conjunturais.
Dois exemplos alternativos pelo caráter da mensagem: quando a mensagem é
elaborada por um grupo reduzido de pessoas, que tem a propriedade do meio
e exerce o seu controle, a comunicação é unidirecional, mas existe o caráter
antiautoritário do texto; quando a mensagem é antiautoritária, também
elaborada por um reduzido grupo, que não é o proprietário do meio mas
possui liberdade para escolher e hierarquizar os temas, abordando-os
criticamente;
• alternativa 4: massiva; as condições políticas e sociais de determinado local
são instáveis, quem está no controle e/ou é proprietário do meio (estatal ou
privado) pode exercer uma linguagem antiautoritária em seções, colunas ou
programas que mostram o inconformismo, servindo de instrumento crítico do
status quo;
• alternativa 5: massiva; um meio massivo pode constituir-se, globalmente, em
opção ao monopólio da informação se há mecanismos que tornem factível o
acesso de diversos setores sociais e políticos que, podendo gravitar na
formulação da política editorial, gerem mensagens a partir de uma concepção
antiautoritária. Característica definidora: propriedade e controle coletivos,
acesso ao meio de grandes setores sociais e caráter do discurso;
79 Op. cit., pp. 116-9.
80
• alternativa 6: massiva; o meio é propriedade coletiva de seus trabalhadores,
difunde mensagens não-autoritárias e está identificado com os interesses das
maiorias sociais; no entanto, não dá acesso, na formulação de sua política
editorial, a setores alheios a ele.
Grinberg ressalta, dessa forma, os seguintes aspectos que mais
influenciam para que um meio seja de fato alternativo, ou que comporte alguns
elementos de alternatividade: o tipo de discurso – “sem discurso alternativo não
há meio alternativo”, diz o autor –, o controle e a propriedade coletiva do meio,
a participação dos receptores na escolha dos assuntos e na elaboração das
mensagens, o conteúdo antiautoritário e o acesso de diversos setores sociais. Um
meio que faça a convergência de todos esses aspectos pode ser entendido como
genuinamente alternativo, pois implica uma séria opção diante do discurso
dominante, uma opção qualitativa, que apresenta outras vozes cujo acesso ao
discurso oficial dos grandes meios é muito difícil.
No entanto, precisamos ressaltar que o caráter alternativo pode estar
presente mesmo nos meios de comunicação de massa. Lins da Silva, ao analisar
as “brechas” da indústria cultural brasileira, as quais só foram viabilizadas após
a fase de abertura do regime militar, encontra esses canais por onde é possível
81
“passar ao público conteúdos diversos e, algumas vezes, contrários aos
interesses das classes dominantes e do próprio Estado”80.
Mas essas “brechas” só podem ser assimiladas se houver um
conhecimento prévio de determinado assunto por parte do público, ou seja, é
preciso que o público tenha suficiente grau de discernimento crítico das questões
para que possa compreender o que lhe é apresentado81.
Por outro lado, também existem os meios que apenas se “disfarçam” de
alternativos, no dizer de Grinberg, mas que na verdade reproduzem o mesmo
tipo de discurso que os meios oficiais. Aqui podemos voltar a falar das rádios
que funcionam à margem da lei, tomando-as como exemplos de meios que se
autointitulam alternativos sem realmente sê-los.
Algumas rádios piratas inglesas tinham programação estritamente musical
e o seu maior objetivo era o lucro. Sua inovação foi ter apresentado um novo
estilo de locução, mas, além dessa novidade estética, nada mais apresentava de
questionador.
Com uma proposta completamente diferente, as rádios clandestinas que
participam de um processo de guerrilha são críticas e democráticas enquanto
80 SILVA, Carlos Eduardo Lins da. “As ‘brechas’ da indústria cultural brasileira”. In: FESTA, Regina
& SILVA, Carlos Eduardo Lins da (orgs.). Comunicação popular e alternativa no Brasil. São Paulo,
Paulinas, 1986. p. 52.
81 FESTA, Regina, op. cit., p. 172.
82
estão inseridas na luta política, sendo porta-vozes de contra-informação; no
entanto, assim que assumem o poder e vencem a guerra “passam a se comportar
com as mesmas características das emissoras autorizadas, mesmo trazendo, em
alguns casos, mais democracia para o veículo”82.
As rádios livres européias, por sua vez, tiveram em seu meio várias
emissoras que apenas se aproveitam do movimento para obter a regulamentação,
sem possuir um conteúdo crítico da realidade. Ao contrário, eram rádios de
caráter comercial, de mentalidade mercadológica, que novamente estavam
apenas interessadas no lucro.
No Brasil, a história se repete, havendo hoje inúmeras emissoras sem
autorização, de caráter comercial, religioso, musical etc. A partir de uma
pesquisa de escuta, feita entre março de 1994 e fevereiro de 1995, Marisa
Meliani83 sintonizou 50 emissoras de rádio ilegais na zona Norte de São Paulo,
das quais 68% (34 emissoras) tinham fins lucrativos, 24% (12 emissoras) não
tinham fins lucrativos e 8% (4 emissoras) tinham objetivos ignorados. Em
relação ao conteúdo das emissões, a pesquisadora verificou que 44% eram de
82 MELIANI, Marisa, op cit. pp. 35-6.
83 Op. cit., pp. 180-1.
83
caráter comercial evangélico, 24% de caráter comercial musical, 24% de caráter
cultural e 8% de conteúdo ignorado84.
As rádios evangélicas apresentam um conteúdo totalmente voltado para a
causa religiosa, com pregações ostensivas e músicas que seguem a linha da
emissora. Já o discurso apresentado pelas rádios comerciais é muito próximo do
discurso pasteurizado das rádios oficiais: “A estrutura básica da programação é
montada tendo como referência a moda lançada pelo mercado de bens
culturais”85.
Assim, essas rádios praticamente imitam as emissoras concessionadas,
repetindo as mesmas músicas e o mesmo estilo de locução. A diferença é o fato
de não serem oficializadas e estarem fisicamente mais próximas do ouvinte, que
não raro visita a rádio e telefona constantemente para pedir músicas.
O acesso do ouvinte à rádio existe, por certo, mas é a distância, passivo e
sem caráter participativo86. Isso pode ser explicado pela característica de
passividade do povo brasileiro. Ao analisar esses traços, Marques de Melo87 –
referendando as idéias de Paulo Freire segundo as quais o povo brasileiro é
84 A autora não informa se as rádios identificadas como culturais e sem fins lucrativos são as rádios
comunitárias.
85 Idem, ibidem, p. 156.
86 Mais adiante discutiremos os critérios participativos.
87 Comunicação; direito à informação. São Paulo, Papirus, 1986. pp. 65-9.
84
caracterizado pela “inexperiência democrática” e pelo “mutismo” – considera
que:
Um povo que não tem experiência de participação, de intervenção na
coisa pública, de exercitação da sua capacidade de influir nas decisões
nacionais, é um povo condenado à marginalização social e política, a
permanecer mudo, silencioso, apático.
A ausência de participação popular nos destinos do país e a conseqüente
castração das potencialidades comunicativas do nosso povo tem sido
uma constante na História do Brasil, da Colônia ao Império, da Velhíssima
República às Novas Repúblicas que surgiram neste século.
O autor acredita que a educação é fator primordial para a transformação.
Assim:
Comunicar, expressar livremente fatos e idéias, pressupõe o domínio do
código e o acesso aos conteúdos que permitirão produzir mensagens e
difundi-las, divulgá-las. Logo, pressupõe o manejo de informações. E tal
atividade se estriba na instrução básica, no conhecimento sistematizado,
no treinamento para a aprendizagem continuada.88
Falando novamente das experiências radiofônicas citadas, será que por
mais que funcionem à margem da instituição e que estejam exercendo seu
direito de liberdade de expressão89 podem ser taxadas de “alternativas”?
88 Idem, ibidem, p. 69.
89 Ainda ligando a comunicação ao saber, Marques de Melo diz: “Não basta portanto que a lei
assegure a todos a liberdade de expressão. É imprescindível dotar a todos da capacidade de saber,
fazer, transformar, criar. Do contrário, o direito de comunicar se esvazia, na medida em que o seu
exercício fica limitado aos poucos instruídos, capazes de formular mensagens, recheá-las de conteúdos
e disseminá-las adequadamente” (Op. cit., pp. 69-70.).
85
Se alternativa é toda experiência que traz uma proposta diferente, original
em seu conteúdo, como podemos considerar rádios alternativas as que tocam
músicas comerciais o tempo todo, que estão interessadas apenas no fator
financeiro ou na tomada do poder político e que repetem os mesmos padrões já
tão desgastados das rádios oficiais? Recorremos novamente a Grinberg, que vê a
qualidade das experiências como outro fator importante para localizar o
alternativo nos meios:
No nosso entender, para ser verdadeiramente alternativo, não basta que
um meio esteja à margem das redes de distribuição da grande imprensa,
deve sim ostentar uma diferença qualitativa em relação a ela; em tal
sentido, o alternativo se opõe ao meramente complementar ou marginal,
pois implica, embora em medida variável, um questionamento do status
quo90.
Portanto, encontrar-se à margem da mídia oficial não é fator determinante
para que um veículo de comunicação seja entendido como alternativo. O
alternativo se inscreve numa perspectiva mais ampla, na qual são
imprescindíveis fatores como o conteúdo do discurso e a participação ativa dos
receptores.
90 Op. cit., p. 116.
86
3.2. A comunicação popular
Além do termo “comunicação alternativa”, existem outras denominações
para designar o tipo de atuação da comunicação que pretende ser um canal
diferenciador de informações veiculadas pela mídia. Analisando o assunto,
Regina Festa encontrou 33 termos para denominar uma comunicação com vistas
à transformação social, contando com a participação de vários setores sociais91,
entre os quais estão a comunicação popular, a participativa, a contestatória, a
marginal, a comunitária, a emergente, a de resistência etc., todas primando pela
análise crítica da realidade, procurando mudanças estruturais a partir de uma
interação entre emissores e receptores, os quais, num processo participativo,
trocam constantemente de papel. Por isso, as diferenças entre essas várias
comunicações são tênues e difíceis de ser diagnosticadas.
No entanto, em relação à comunicação alternativa e à comunicação
popular, podemos ver a seguinte diferença: enquanto aquela não precisa
necessariamente contar com a participação de diversos setores sociais na sua
formulação, para que apresente um discurso alternativo, esta prevê uma
comunicação que conta essencialmente com a participação popular e nesse caso
há grande ênfase na representatividade, ou seja, é importante a participação de
vários setores da sociedade na formulação de seu discurso.
91 Op. cit., pp. 174-5.
87
Segundo Robert White92, a comunicação popular não é um tipo qualquer
de mídia; surge sim “dentro de um movimento de base: grupos de camponeses
ou trabalhadores falam entre si ou a outros grupos similares”. A partir dessa
interação pode ocorrer o uso de um ou de vários tipos de mídia, que passam a
ser um instrumento de comunicação do grupo.
Para Cicilia Peruzzo93, a comunicação popular está vinculada às práticas
dos movimentos coletivos, possui um conteúdo diferente dos meios de
comunicação de massa, sendo “um grito antes sufocado de denúncia e
reivindicação por transformações”. Fazem parte dessa comunicação, segundo a
autora, os pequenos jornais, boletins, rádios populares, teatro, folhetos, vídeos,
faixas, cartazes etc. Acrescentamos a essa lista, as rádios comunitárias, um dos
novos instrumentos de comunicação popular ou comunitária94.
As rádios comunitárias, como já dissemos, são dirigidas aos interesses da
comunidade, entendida como interação e ação de pessoas num determinado
local limitado geograficamente. Assim, um dos meios de realizar essa interação
é a utilização de emissoras comunitárias, as quais são feitas pela comunidade e
para ela, servindo de instrumentos que possibilitem a ação em busca de
92 Apud PUNTEL, Joana. A igreja e a democratização da comunicação. São Paulo, Paulinas, 1994. pp.
194-5.
93 “Comunicação popular em seus aspectos teóricos”. In: PERUZZO, Cicilia. (org.). Comunicação e
culturas populares. São Paulo, INTERCOM, 1995. p. 29.
94 O termo comunitário é usado aqui como sinônimo de popular.
88
melhorias sociais. Essa prática implica que haja participação no meio, e para
isso é necessário que haja acesso, e num nível mais elevado, gestão conjunta
nesse meio.
Níveis e modalidades de participação
É comum muitas rádios ilegais se autointitularem comunitárias por terem
a comunidade participando da programação da emissora. Mas esse
“participando” se restringe a telefonemas para pedir músicas, para mandar
recados ou para conversar com os apresentadores.
Acredita-se assim que o simples fato de o ouvinte ligar para pedir música
e ser atendido imprime à emissora o caráter de comunitária. Mas não se pode
isolar o significado da rádio comunitária adotando apenas esse critério de
participação. É preciso ir além, procurando aumentar os níveis na qualidade
participativa da comunicação.
Estudando as principais formas de participação na comunicação
comunitária, Cicilia Peruzzo95 apresenta seis níveis de participação popular
ampliada, a partir da divisão proposta por Jorge Merino Utreras, e divide em três
as modalidades participativas:
95 “Pistas para o estudo e a prática da comunicação comunitária participativa”. In: PERUZZO, Cicilia
(org.). Comunicação e culturas populares. São Paulo, INTERCOM, 1995. pp 147-8.
89
• Participação ao nível das mensagens: divulgação de entrevistas,
depoimentos, denúncias, avisos, pedidos de músicas, sugestões, concursos etc.
• Participação ao nível da produção de mensagens: elaboração sistemática,
periódica ou ocasional de notícias, desenhos, poesias etc., os quais são
transmitidos pelo meio de comunicação. Implica acesso a conhecimentos
técnicos.
• Participação ao nível da produção de programas, de boletins
informativos etc.: participação no processo de planejamento, de produção e
edição. Implica conhecimentos e recursos técnicos e participação das tomadas
de decisões.
• Participação ao nível do planejamento global do meio de comunicação:
compreende a participação popular na definição da política editorial, da
estrutura de programação global, dos objetivos, das formas de sustentação
financeira, dos princípios de gestão etc. Implica participação das tomadas de
decisões.
• Participação ao nível da gestão global do meio de comunicação:
compreende a participação popular no processo de administração e controle
do veículo ou instituição de comunicação como um todo. Implica partilha do
exercício do poder.
90
• Participação ao nível do planejamento global dos meios de comunicação
locais, regionais e nacionais: acesso à definição das políticas e planos
globais de comunicação.
A autora lembra que para esses níveis de participação ampliada ocorrerem
é mister que os canais de participação sejam “abertos e desobstruídos” e que se
incentive e facilite “a participação popular através de uma metodologia que
privilegie a participação enquanto processo que vai crescendo em qualidade
participativa”. A abordagem de Peruzzo prevê as três modalidades de
participação como: não-participação, participação controlada e participaçãopoder:
• Não-participação: trata-se de uma participação passiva; a postura de
espectador e de sujeição é explícita; o poder de decisão é delegado a terceiros;
a não-participação também pode ser uma forma de protestar contra algo; aqui
o exercício do poder é autoritário.
• Participação controlada: pode ser limitada, realizando-se com ressalvas, e
incentivada somente até onde não conflitue com os interesses do poder, e
manipulada, disfarçadamente, “e visa adaptar as demandas da comunidade
aos interesses políticos daqueles que detêm o poder”96, sem que esses
96 Idem, ibidem, pp. 152-3.
91
interesses políticos sejam explicitados. O exercício do poder apresenta-se
como democrático, mas é autoritário, já que mantém as estruturas do poder.
• Participação-poder: divide-se em co-gestão e autogestão. A co-gestão é
uma participação ativa mas limitada em relação ao acesso ao poder e a sua
partilha; assim o poder é descentralizado e há delegação de funções; as
decisões centrais permanecem sob o poder da cúpula hierárquica, sem alterar
a estrutura central de poder; a autogestão é a forma mais avançada de
participação-poder. Trata-se de uma participação direta das tomadas de
decisões, abrangendo todas as esferas da vida econômica, social, cultural,
política e jurídica. O exercício do poder é partilhado em ambos os casos e é
prevista a representatividade, com mandato temporário e revogável pelos
eleitores, eleições democráticas e intercâmbio constante com as bases.
Com esse painel, já sabemos que participar vai além da mera prática de
telefonar, pedir música, ser atendido por alguém, como é o caso das rádios
comunitárias, que comumente restringem a participação do receptor ao nível das
mensagens e apresentam a modalidade de não-participação como a mais
praticada em sua estrutura.
Sendo assim, ir além dessas formas de participação é uma tarefa que se
faz necessária, mas para isso é imprescindível uma prática educativa em que
tanto os emissores quanto os receptores estejam dispostos a pensar nas
92
diferentes maneiras de se conquistar a participação. É claro, que isso só se
alcança no processo, ou seja, na medida em que o trabalho se realiza. Além de
tudo, as rádios comunitárias têm pouco tempo de existência e faz muito pouco
tempo também que se adotaram no país palavras como cidadania97, direito de
informação e liberdade de expressão, termos utilizados para defender a prática
das rádios comunitárias. Mas como diz Pedro Demo98, “(a participação) não é
dada, é criada. Não é dádiva, é reivindicação. Não é concessão, é sobrevivência.
Participação precisa ser construída, forçada, refeita e recriada”.
3.3. Localizando as práticas
A comunicação alternativa pôde ser encontrada já durante as
reivindicações estudantis de 1968. De acordo com Armando Cassigoli, foi a
situação histórico-política daquele ano que deu vazão ao surgimento dos meios
alternativos:
A teorização da cultura alternativa, ou de um sistema de informação
alternativa ao sistema oficial, surge das situações que se produziram
precisamente em 1968 em quase toda a Europa, Estados Unidos, Ásia e
97 A definição de cidadania para Cicilia Peruzzo está baseada “na ação social e política coletiva, na
unidade dos cidadãos em torno dos direitos individuais e coletivos”. Op cit., p. 156.
98 Apud PERUZZO, Cicilia, op. cit., p. 158.
93
América Latina, assim como dos processos de crítica e até de separações
em muitos partidos comunistas99.
A partir das buscas daqueles jovens contestadores surge uma série de
produções envolvendo desde o movimento de rádios livres na Europa, passando
pela imprensa alternativa no Brasil (apesar da repressão) e abrangendo outras
tantas matizes culturais.
Para Santoro100, foi em Maio de 68 que a Europa parece ter tomado
consciência maciçamente do papel fundamental dos aparelhos de informação no
condicionamento ideológico, dando origem às rádios livres.
O papel desmobilizador dos meios de comunicação de massa foi, por
muitos, supervalorizado (...) Surgiram, a partir de então, verdadeiros
“militantes das ondas”, jovens que se propunham a trabalhar no domínio
do rádio e que, em sua maioria, agrupavam-se em torno de organizações
políticas.
Na Tchecoslováquia, o uso subvertido do rádio teve papel fundamental
durante a organização do povo contra a tomada do país pelos tanques soviéticos.
A Rádio Praga, que era oficial, passa a ser não-oficial, operando
clandestinamente como a Rádio Praga Livre. Naquele momento, a emissora foi
99 “Sobre la contrainformación y los así llamados medios alternativos”. In: GRINBERG, Maximo
Simpson (org.). Comunicación alternativa y cambio social. Ciudad del Mexico, Universidad Nacional
Autonoma de Mexico, 1981. p. 34.
100 Op cit., p.99.
94
o único meio de comunicação que falava abertamente sobre a realidade que se
abatia sobre a Tchecoslováquia.
Durante a primeira semana da ocupação, a Rádio Praga Livre foi quem de
fato governou o povo tcheco: além de mantê-lo informado sobre o
desenvolvimento da situação, instruía-o nas táticas de resistência passiva
ao invasor, arregimentava funcionários das administrações estatais e
membros do Partido Comunista para reuniões de emergência, denunciava
elementos colaboracionistas e advertia sobre deslocamentos das tropas
estrangeiras e seus atos de repressão.101
Década de 70: a resistência
Na Itália, até os anos 60, a Radio-Audizione Italiana (RAI) monopolizava
completamente a área das telecomunicações e por muito tempo foi um dos
instrumentos ideológicos da Democracia Cristã (DC), que dominou a vida
pública italiana através de distintas combinações governamentais por 30 anos.
Com o crescimento do Partido Comunista (PC), durante os anos 70, a política
italiana ficou centrada na bipolaridade DC/PC, repercutindo na atuação da RAI.
A partir da reforma de 1975, o controle da radio-televisão italiana passou
do Poder Executivo ao Parlamento. Na prática, essa medida se traduziu
na repartição das cadeias de TV entre a Democracia Cristã e a esquerda.
101 REVISTA REALIDADE. “Rádio – foi assim que ouvimos a invasão”, no 31, out. 1968, p. 8.
95
Com a reforma da RAI, a classe dirigente italiana perdeu o controle
exclusivo de um importante aparato ideológico.102
As rádios livres italianas surgem em 1974, após forte discussão pública
sobre a privatização da TV a cabo. Nesse ano, o Tribunal Constitucional italiano
declarava ilegítimo o monopólio do Estado sobre as telecomunicações103, fato
que impulsionou o aparecimento das primeiras rádios livres.
Essas rádios já nasceram divididas: de um lado estavam as emissoras que
tinham interesses comerciais e intenção de abrir o canal à publicidade e assim
transformar o rádio em um negócio lucrativo; de outro lado estavam aquelas
preocupadas em utilizar o rádio de forma alternativa104, numa vivência mais
democrática; operavam de maneira autogestionária e eram mantidas com
contribuições de colaboradores e simpatizantes da causa.
O princípio norteador das rádios livres era fazer com que o “ouvinte” se
sentisse dentro e participante de um movimento: a qualquer momento (e
sem que esse momento pudesse ser determinado a priori) ele poderia
telefonar para a emissora para informar qualquer coisa que estivesse
acontecendo à sua volta e ser colocado imediatamente no ar, sem
102 FLICHY, Patrice. “La explosión del monólogo. Las radios paralelas en la Europa Occidental”. In:
BASSETS, Lluís (ed.). De las ondas rojas a las radios libres. Barcelona, Ed. Gustavo Gili, 1981. pp
185-7.
103 FLICHY, Patrice, op. cit., p. 188.
104 MACHADO, Arlindo et alii, op. cit., pp 62-3.
96
qualquer censura, ou então se dirigir diretamente à emissora para dar o
seu recado.105
Representante típica das rádios mais conseqüentes do movimento italiano
foi a Rádio Milano Centrale. De acordo com Machado, esta rádio “mantinha
conexões diretas com fábricas ocupadas e contava com uma rede de informações
sobre a vida da cidade que incluía, entre outros, os motoristas de táxi de
Milão”106. Os ouvintes mantinham-se informados sobre as concentrações, as
greves e as manifestações; a publicidade também era utilizada de forma
alternativa: a rádio anunciava apenas as cooperativas e os mercados que
vendiam a preços populares.
No final da década de 70, as rádios livres chegam à França, inspiradas
pelas rádios da Itália. Após a investida de Brice Lalonde para chamar a atenção
do público à causa das rádios livres, vários transmissores começam a ser
montados.
Os ecologistas denominam a nova experiência de “rádios de quarteirão”.
Para eles, o consumo mínimo de energia elétrica e a possibilidade de atingir boa
parte da população, de forma barata e rápida e sem desperdício de papel, são os
105 Idem, ibidem, p. 30.
106 Op. cit., p. 63.
97
melhores argumentos a favor das rádios. Chegou-se até a pensar em emissoras
alimentadas com energia solar.107
Emissoras como Rádio Verte de Paris, Rádio Tomate, Rádio Oblíqua,
Rádio Gay e tantas outras deram voz a vários setores da sociedade, que pela
primeira vez experimentaram falar sem intermediários. A Rádio Tomate, da qual
fez parte Felix Guattari, às vezes era tomada pelos moradores do bairro,
desempregados e até mendigos, os quais pediam a palavra para fazer o Quartier
Latin ouvi-los.108
Mas o movimento de rádios livres não foi formado apenas pelas emissoras
preocupadas com o uso subversivo do rádio. Existiram também os grupos
econômicos interessados no novo filão que se abria, além dos grupos políticos,
mais preocupados em fazer a propaganda de seus partidos. Contraditoriamente,
foram as duas vertentes que saíram lucrando quando houve a regulamentação
das rádios livres na Itália e na França.
No Brasil, a imprensa alternativa
Enquanto a Europa utilizava as rádios livres como contestação ao
monopólio estatal das telecomunicações, a situação brasileira na área política era
107 MARINOVIC, Ivan, op. cit., p. 27.
108 MACHADO, Arlindo et alii, op. cit., p. 30.
98
ditatorial, com a censura prévia à imprensa persistindo vigorosamente. O grande
paradoxo é que nesse período a imprensa alternativa entrava numa rica fase de
produção.
Para Regina Festa, o decênio 1968-78 é caracterizado por uma
“comunicação de resistência, denúncia e acumulação de forças por parte das
oposições”109, quando articularam-se espaços para o confronto com o poder
militar, através de novos e corajosos canais de expressão.
De um lado, a repressão direta e a censura aos meios de comunicação de
massa tentavam bloquear as manifestações e as reivindicações
populares, com o objetivo de impor um isolamento ao movimento de base
e à sociedade civil no seu todo. De outro lado, as próprias condições de
marginalidade social e política, acrescida à crescente pauperização das
classe subalternas, construíam pólos de conflito e resistência.110
A autora acredita que a organização dos movimentos sociais nessa fase
não ocorreu por acaso: localizados no interior dos conflitos, os movimentos
sociais passam a lutar pelos espaços que lhe são negados e pelo próprio direito à
vida. Constituíram, portanto, uma questão de sobrevivência.
109 Op. cit., p. 58.
110 Idem, ibidem, pp. 58-61.
99
Dessa forma, o confronto ocorreu através do surgimento de inúmeros
movimentos sociais, com características diferentes mas tendo em comum a
resistência ao sistema.
Foi nessa época, por exemplo, que se multiplicaram as Comunidades
Eclesiais de Base (CEBs), as quais reuniam as pessoas pela fé, para “descobrir
os signos de morte e de injustiça, e, a partir do próprio Evangelho, buscar
identificar os signos de vida e de transformação da sociedade”111. Muitos
movimentos populares nasceram a partir das CEBs, responsáveis pela presença e
participação das mulheres nos movimentos sociais e também pela origem de
uma série de veículos da comunicação popular.
A organização dos movimentos sociais, relacionada com o momento
político vivido pelo país, teve como porta-voz a imprensa alternativa. À essa
imprensa, organizada por médios empresários e pela pequena burguesia112,
coube o papel de servir de instrumento de comunicação dos ditos movimentos,
dos intelectuais, dos grupos de oposição política etc., indo até mesmo além da
mera oposição ao regime, conforme atesta Raimundo Pereira:
A imprensa alternativa, porém, fez mais que opor-se à forma política – de
ditadura militar – assumida pelo regime: opôs-se ao seu conteúdo
111 Idem, ibidem, pp. 63-4.
112 PEREIRA, Raimundo Rodrigues. “Vive a imprensa alternativa. Viva a imprensa alternativa!”. In:
FESTA, Regina & SILVA, Carlos Eduardo Lins da (orgs.). Comunicação popular e alternativa no
Brasil. São Paulo, Paulinas, 1986. p. 56
100
antinacional e antipopular, opôs-se à monopolização da economia, à sua
integração com os grandes trustes financeiros internacionais.113
Nesse ínterim, é que essa imprensa ganha força e respaldo junto ao povo
com a circulação de dezenas de jornais como O Pasquim (1969), Bondinho
(1970), Pato Macho (1971), Grilo (1971), Opinião (1972), Ex (1973), De Fato
(1976), Coojornal (1976), Lampião (1976), Repórter (1977), Em Tempo (1977).
113 Op. cit., p. 57.
101
Capítulo 4
A democratização da comunicação
4.1. Anos 80: os movimentos sociais e as novas tecnologias
No início da década de 80, os movimentos sociais encontravam-se em
refluxo. O país atravessava séria crise financeira por causa da dívida externa e,
como conseqüência, a inflação, o desemprego e a miséria estavam em alta. As
greves e a impopularidade do governo Figueiredo completavam o cenário.
Diante desse quadro, a partir de 1983 começam as mobilizações populares
em torno do restabelecimento do regime democrático, exigindo-se as eleições
diretas dos governantes. A sociedade civil volta às praças públicas em inúmeras
manifestações que chegam a surpreender pelo número de pessoas nas ruas – no
Anhangabaú, em São Paulo, a campanha pelas diretas chegou a reunir 1,7
milhão de pessoas.
Nesse período ressurgem também os jornais populares, como o Jornal dos
trabalhadores, Mulherio, Cadernos do Terceiro Mundo etc., e o teatro de
conteúdo político, como o Grupo Forja, dos metalúrgicos de São Bernardo do
Campo, e o Grupo Tetra, dos bancários, exemplos desse tipo de engajamento
nas artes.
102
As novas tecnologias chegam aos poucos, e aos poucos também, devido
ao baixo custo dos equipamentos, aproximam-se dos movimentos populares que,
num primeiro momento, usam vídeos e computadores, para posteriormente
utilizar as rádios e TVs livres.
O Brasil começava a entrar, em caráter irreversível, na era da eletrônica
(nova etapa de aliança com o capital internacional, apesar da Lei de
Informática e de Reserva de Mercado), abrindo conseqüentemente a
possibilidade de uso alternativo dessas tecnologias por setores dos
movimentos sociais.114
Durante a década de 70 as novas tecnologias da comunicação e da
informação surgem nos países industrializados, conseqüência dos avanços da
indústria eletrônica. Mas só na década seguinte passam a fazer parte daquele
mercado, logo espalhando-se pelo resto do mundo115. Fazem parte dessas novas
tecnologias uma gama de equipamentos como videoteipes, videocassetes,
videodiscos, câmeras portáteis, TVs a cabo, computadores, fax, correios
eletrônicos etc.
Grupos isolados e os movimentos sociais brasileiros percebem nas novas
tecnologias uma outra forma de comunicação, com a possibilidade de atingir
114 FESTA, Regina. “Movimentos sociais, comunicação popular e alternativa”. In: FESTA, Regina &
SILVA, Carlos Eduardo Lins da (orgs.). Comunicação popular e alternativa no Brasil. São Paulo,
Paulinas, 1986. p. 29.
115 MELO, José Marques de. Comunicação; direito à informação. São Paulo, Papirus, 1986. p. 29.
103
mais pessoas, estimulando-as à participação conjunta nas lutas por melhorias
sociais.
Contudo, o controle da venda e produção dos equipamentos de
informática e eletroeletrônicos está nas mãos do Estado, que controla também as
ondas de radiodifusão. Mas isso não impede que surjam as “rádios piratas” na
década de 80 e que muitos grupos passem a produzir vídeos populares.
Contribui para isso o fato de essas novas tecnologias gradativamente alcançarem
um baixo custo, possibilitando o acesso aos equipamentos.
4.2. O movimento pela democratização da comunicação
Diante de todos esses fatores, passa-se a debater a democratização dos
meios de comunicação, numa tentativa de dar aos mais variados setores sociais a
oportunidade de se expressar.
Na realidade, toda essa questão só pode ser compreendida a partir do
surgimento, na década de 70, da Nova Ordem Mundial da Informação e
Comunicação (Nomic), movimento que surgiu através da Organização das
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e que “propõe a
distribuição eqüitativa dos recursos de comunicação entre as nações e mudanças
104
profundas nos fundamentos legais e institucionais que hoje regem as relações
internacionais de comunicação”116.
A Unesco, junto com organizações internacionais e instituições
acadêmicas,
organizou
várias
reuniões
e
conferências
debatendo
a
democratização da comunicação, até que em 1976 constitui a Comissão
Internacional para o Estudo dos Problemas da Comunicação, presidida por Sean
Macbride, jornalista, jurista e ex-ministro das relações exteriores da Irlanda,
contando com mais 16 personalidades internacionais na área da comunicação e
cultura.
Em 1980, essa comissão divulgou o resultado do estudo intitulado “Um
Mundo e muitas vozes”, o famoso “Relatório Macbride”, o documento mais
amplo e abrangente sobre a democratização da comunicação já publicado 117. O
relatório final fala de censura, controle governamental, monopólio e
comercialização dos meios de comunicação, domínio cultural, poder das
sociedades transnacionais, direito de informar e ser informado, políticas de
comunicação etc. assuntos sobre os quais, 17 anos depois, ainda estão em
acirrada discussão.
116 SOUZA, Marcio Vieira de. As vozes do silêncio, o movimento pela democratização da
comunicação no Brasil. Paris/Florianópolis, Foundation pour le progrès de l’homme/Diálogo, 1996.
pp. 58-9.
117 Idem, ibidem, p. 59.
105
A mobilização brasileira
Durante a campanha pelas eleições diretas, em 1984, surgem as primeiras
iniciativas para se criar um movimento de luta pela democratização dos meios
de comunicação no Brasil. Segundo Marcio Vieira de Souza118, as tentativas de
manipulação do processo político feitas pela Rede Globo durante a campanha
das diretas serviram de estímulo para que um grupo de jornalistas, professores e
estudantes de comunicação, apoiados por várias entidades da sociedade civil,
organizassem a Frente Nacional por Políticas Democráticas de Comunicação
(FNPDC).
Após a derrota da emenda Dante de Oliveira, que propunha as eleições
diretas em 1985, a FNPDC se desarticula, mas serve como referência à
Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) durante o período de instalação da
Assembléia Nacional Constituinte, em 1987, para a proposta de avanços na área
da comunicação social.
Pouco se conseguiu, mas pela primeira vez foi incluído um capítulo
especial na Constituição tratando da comunicação social em cinco artigos (Art.
220 a 224) e “também foi aprovada a instituição do Conselho Nacional de
118 Op. cit., p. 23.
106
Comunicação Social como órgão auxiliar do Congresso Nacional com
representação obrigatória de entidades representativas da sociedade civil”119.
Outras entidades surgem tendo como bandeira a democratização da
comunicação. É o caso do Movimento Nacional de Democratização da
Comunicação (MNDC), que surgiu em São Paulo em 1987, e dos Comitês de
Democratização dos Meios de Comunicação, surgidos em vários estados em
1990, que depois passam a fazer parte do Fórum Nacional pela Democratização
da Comunicação (FNDC)120, criado em 1991.
À parte tantas organizações que tratam da democratização das
comunicações, existe na realidade uma série de movimentos que nem sempre
estão inseridos em associações específicas, apesar de lutarem de uma forma ou
de outra por mais democracia nos meios. Marcio Vieira de Souza refere-se
acertadamente ao movimento pela democratização da comunicação como uma
ampla rede de movimentos sociais121:
Estamos nos referindo aos inúmeros movimentos, grupos, experiências
sociais e culturais que se desenvolvem na sociedade brasileira com o
intuito de expressar diversas vozes, culturas e ideologias que não têm
119 Idem, ibidem, p. 34.
120 Idem, ibidem, pp. 34-7.
121 O autor esclarece que ao falar de “redes” está referindo-se a “redes sociais” no sentido de “formas
de organização humana e de organização entre grupos e instituições”. Salienta também que as
referidas redes sociais, ligadas à comunicação, estão vinculadas a uma outra forma de rede, redes
físicas e de recursos comunicativos, as quais propiciam maior desenvolvimento às redes sociais. Op.
cit., pp. 24-5.
107
chance de manifestar-se livremente ou são ignoradas pela mídia brasileira
(...) O desenvolvimento das novas tecnologias e a possibilidade de
criação de redes de comunicação, de interesses específicos, redes
técnicas (físicas), utilizando os mais variados recursos, meios e canais,
são fundamentais para o desenvolvimento destas redes de movimentos
sociais.
Uma dessas inúmeras redes é o movimento de rádios livres, um dos
pioneiros no debate sobre a democratização das comunicações e exemplo da
possibilidade de expressão de outras (diferentes) vozes retinindo paralelas aos
grandes meios de comunicação.
4.3. As rádios livres: conotações políticas
Como já vimos, foi a partir de 1985 que várias rádios ilegais, então
conhecidas como “rádios piratas”, surgiram em Sorocaba, interior de São Paulo,
voltadas sobretudo à diversão dos jovens que as colocavam no ar, num
confronto direto com o monopólio estatal da comunicação.
Naquele mesmo ano um grupo de estudantes da PUC de São Paulo coloca
no ar a Rádio Xilik que surge ao lado de outras rádios livres.
Essas rádios possuem uma conotação diferente da das rádios sorocabanas,
pois preocupam-se em resistir ao monopólio através de uma programação
conseqüente aos moldes do movimento das rádios livres na Europa.
108
O discurso é político sem ser partidário, as músicas são de caráter
alternativo, cabendo desde um Frank Zappa até um então desconhecido Arrigo
Barnabé, e é comum também lançarem um manifesto anunciando a proposta da
rádio.
Para as rádios livres a legalização não é vista com bons olhos, pois isso
significaria burocratizar as experiências e assim perder-se-ia parte da
criatividade contida nessas emissoras. Nas palavras dos integrantes da Rádio
Xilik “é impossível normatizar o desejo e a rádio livre deve continuar a
atravessar a comunicação oficial indefinidamente porque é esta a sua verdadeira
função dentro da democracia”122.
Dar espaço à publicidade é outra polêmica que divide os integrantes de
várias rádios livres, sem que haja um consenso. Algumas defendem a entrada de
publicidade em forma de apoio cultural (o que se concretiza com as rádios
comunitárias) e outras que rechaçam qualquer tipo de anúncio ou apoio cultural,
defendendo meios alternativos (vendas de camisetas, bottons, organização de
festas etc.) para se obter a renda necessária à manutenção da experiência
radiofônica.
Vigilância no éter
122 MELIANI, Marisa, op. cit., p. 114.
109
Quando essas rádios mais politizadas surgem no Brasil, o presidente da
República é José Sarney e o ministro das Comunicações, Antônio Carlos
Magalhães. Preocupado com o crescente número de rádios livres, o ministro
baixa a Portaria 223, no dia 15 de agosto de 1985, determinando ao Dentel que
intensifique a vigilância e o rigor no combate aos serviços de telecomunicações
clandestinos, especialmente os de radiodifusão123.
Organizando o movimento
Numa tentativa de organizar o movimento, em maio de 1989 surge o
Coletivo Nacional de Rádios Livres, com o objetivo de divulgar a causa das
emissoras sem concessão em encontros estaduais e nacionais. O Coletivo realiza
três encontros nacionais de 1989 a 1991, em São Paulo (SP), Goiânia (GO) e
Macaé (RJ), respectivamente.
No Primeiro Encontro Nacional de Rádios Livres, ocorrido na Escola de
Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), foi definido
que as rádios livres “são aquelas que vão ao ar sem pedir autorização a quem
123 MACHADO, Arlindo et alii, op. cit., pp. 178-9.
110
quer que seja”124. Os termos “pirata” e “clandestina” são rechaçados, pois as
rádios livres “não são lucrativas nem partidárias”.125
Consideramos a definição proposta nesse encontro muito imprecisa e
contraditória. Se as rádios livres são aquelas que vão ao ar sem pedir autorização
a ninguém, isso engloba todo tipo de rádio ilegal: comerciais, evangélicas, com
propostas culturais, comunitárias etc. Para Marisa Meliani, o objetivo dessa
definição “é a instalação do maior número possível de emissoras em todo o
País”126. Ou seja, não importa a qualidade do conteúdo dessas rádios e sim o
número de rádios que vão ao ar.
Ao mesmo tempo, nesse encontro foram rechaçados os termos “pirata” e
“clandestina” por se entender que as rádios livres não têm como objetivo o lucro
e o partidarismo político. Mas se rádios livres são todas aquelas que vão ao ar
sem autorização, o que dizer das rádios ilegais que têm como objetivo apenas o
lucro ou a divulgação religiosa ou ainda a divulgação de determinados nomes
políticos durante as épocas eleitorais?
No nosso ponto de vista, não se pode considerar como rádios livres
aquelas que visam ao lucro ou à disseminação de correntes religiosas. Isso tiraria
todo o caráter de alternatividade desse tipo de proposta.
124 MELIANI, Marisa, op. cit., p. 125.
111
Historicamente, as rádios livres estão ligadas a um modo diferente de
fazer rádio, com um discurso alternativo ao existente e não com um discurso
reprodutor do status quo, conforme vimos no terceiro capítulo deste trabalho.
Nessa perspectiva, Daniel Herz, ao falar da atuação do FNDC junto às
rádios livres e comunitárias, considera extremamente importante o papel
diferenciado destas em relação às rádios oficiais:
A perspectiva do Fórum em relação à radiodifusão livre e comunitária não
é simplesmente assegurar que, quantitativamente proliferem emissoras,
mas assegurar que as emissoras se disseminem cumprindo um papel
diferenciado em relação às emissoras de radiodifusão convencional. Não
nos interessa difundir pequenas “globos” no Brasil afora com práticas
manipulatórias e igualmente perversas. Interessa disseminar emissoras
que sejam capacitadas a difundir um conteúdo diferente e a adotar
práticas diferentes em relação aos veículos integrantes dos sistemas
dominantes de comunicação.127
Outras associações
Após a realização do Terceiro Encontro Nacional de Rádios Livres, em
Macaé (RJ), no mês de março de 1991, houve intensa repressão às rádios livres
com a apreensão de equipamentos pela Polícia Federal. Uma das rádios que
125 SOUZA, Marcio Vieira de, op. cit., p. 107.
126 MELIANI, Marisa, op. cit., p. 125.
127 Entrevista concedida à autora no dia 4 de novembro de 1995, durante o I Encontro de
Radiodifusão Livre e Comunitária, no Rio de Janeiro.
112
tiveram o equipamento apreendido foi a Rádio Reversão, poucas semanas depois
desse encontro, o qual contou com a presença de Léo Tomaz, criador da rádio.128
A partir desse episódio surgiu em São Paulo a Associação de Rádios
Livres do estado de São Paulo (Arlesp), com estatuto registrado em cartório,
objetivando integrar as rádios livres do Estado. Participaram da primeira reunião
10 rádios livres, que aprovam, entre outras coisas, a potência máxima de 50
watts, o respeito aos horários políticos e à Voz do Brasil e a possibilidade de se
receber apoio cultural para a manutenção da rádio129.
Além da Arlesp, outras tantas associações e até sindicatos surgem
tentando agregar as inúmeras rádios ilegais presentes no país, principalmente as
comunitárias: Fórum Democracia na Comunicação; Sindicato das Rádios,
Televisão e Órgão de Comunicação Sonora Livre e Comunitária do Brasil [sic]
(Sinprocom);
Associação
Paulista dos
Radiodifusão
Local-Comunitárias
Proponentes de Emissoras de
(Aperloc);
Associação
Brasileira
de
Radiodifusão Comunitária (Abraço); Associação Nacional Católica de Rádios
Comunitárias (Ancarc) etc.
Muito antes de todas essas entidades existirem já havia em nível mundial
uma associação congregando em torno de 600 rádios comunitárias distribuídas
128 ABREU, Claudia de. “O início do movimento de rádios livres”. In: ENCONTRO ESTADUAL DE
RÁDIOS LIVRES E COMUNITÁRIAS DO ESTADO DE SÃO PAULO, 1., São Paulo, 1995.
113
pela Europa, África e América Latina: a Associação Mundial de Rádios
Comunitárias (Amarc), com sede no Canadá, criada em 1983 durante a Primeira
Conferência Mundial de Rádios Comunitárias.
De acordo com Bruce Girard, coordenador do projeto de secretariado da
Amarc, a associação é hoje uma organização internacional não-governamental
com o objetivo de prestar serviços ao movimento de rádios populares: “Seu
trabalho é promover, facilitar e coordenar a cooperação e o intercâmbio entre
emissoras de todo o mundo”.130 Essas operações são dirigidas por um grupo de
10 pessoas com representantes de todos os continentes. No Brasil, há poucas
emissoras associadas à Amarc, mas só na América Latina há mais de 300 rádios
filiadas distribuídas em países como Equador, Peru, Colômbia, Bolívia,
Nicarágua, México e outros.
4.4. Anos 90: o início da luta pela regulamentação das rádios
comunitárias
No segundo capítulo desta dissertação, localizamos o momento em que
surgem as rádios comunitárias brasileiras precisamente no início dos anos 90,
quando a prática da radiodifusão livre espalha-se por vários lugares e alguns
movimentos sociais abraçam a causa, montando rádios para servir aos interesses
129 MELIANI, Marisa, op. cit., pp. 129-30.
114
do bairro em que se situam. As rádios comunitárias também crescem em número
quando se passa a discutir sua regulamentação.
Talvez o principal ponto de partida tenha ocorrido em 1992, quando passa
a tramitar pelo Congresso Nacional a Lei de Informação Democrática (LID) de
autoria do deputado Zaire Rezende (PMDB). Se aprovada, essa lei
revolucionaria a comunicação no Brasil, como demonstramos em alguns pontos
a seguir:
Liberdade de transmissão municipal. Emissoras comunitárias de rádio
e televisão, de alcance municipal, sem fins lucrativos, poderão ser
instaladas apenas mediante registro no cartório local.
Direito à informação. Todas as pessoas terão liberdade de acesso às
informações existentes em repartições públicas de qualquer natureza.
Direito de antena. Entidades e movimentos de caráter estadual ou
nacional terão direito à horário [sic] gratuito no rádio e na televisão.
Fim do monopólio na comunicação. Ninguém poderá controlar mais de
30% da comunicação social em um estado ou no país. Ninguém poderá
possuir, ao mesmo tempo, rádio, jornal ou revista e televisão (...).131
Devido à grande abrangência do projeto e conseqüente imobilidade junto
ao Congresso, o FNDC reconheceu a impossibilidade de a LID ser aprovada e
resolveu desmembrar alguns pontos específicos do projeto, numa tentativa de
130 “Organizando as vozes de Babel”. Chasqui, Revista Latinoamericana de Comunicación, no 45,
abr. 1993. pp.4-5.
131 SOUZA, Marcio Vieira de, op. cit., pp. 169-70.
115
vê-los aprovados, entre outros, a regulamentação das rádios livres e
comunitárias.
Segundo Marcio Vieira de Souza132, a proposta de regulamentação das
rádios livres e comunitárias surgiu de uma articulação do FNDC, que sugeriu
uma regulamentação através de decreto, sem necessidade de lei. O deputado
federal Fernando Gabeira (PV) patrocinou o projeto e juntou-se aos integrantes
do Fórum para debater o assunto com o ministro das Comunicações Sérgio
Motta, numa reunião em 10 de abril de 1995.
Mas na realidade pouca coisa avançou após essa reunião. As rádios
continuam sendo apreendidas, geralmente em função de denúncias e a Abert
promoveu no final de 1996 uma forte campanha nacional contra as rádios
ilegais, com vinhetas nas emissoras oficiais denunciando a prática de pirataria
radiofônica e listando as rádios ilegais apreendidas pela Delegacia Regional do
Ministério das Comunicações de São Paulo.
O paradoxo dessa situação é que, de acordo com o jornalista Nivaldo
Manzano133, o ministro Sérgio Motta teria afirmado, em 1995, que autorizaria a
instalação de 10 mil rádios comunitárias por meio de uma portaria até o final do
primeiro período do mandato de Fernando Henrique Cardoso.
132 Op. cit., p. 172.
133 MANZANO, Nivaldo. “Escândalo no ar”. Caros Amigos, São Paulo, no 2, maio 1997. p. 11.
116
No entanto, ainda segundo o jornalista, o ministro teria desistido do
projeto por pressões da Abert: “Como havia outras questões em jogo, como a
reeleição, para a qual a Abert daria, como deu, uma contribuição fundamental,
Motta entregou os pontos”134.
Depois disso, houve uma grande operação contra as rádios comunitárias
em que foram apreendidas centenas delas. Sérgio Motta, desistindo da portaria,
acolheu o projeto de lei de radiodifusão comunitária que regulamenta o serviço.
Esse projeto, de relatoria do deputado Koyo Iha (PSDB), foi aprovado em
dezembro de 1996 na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e
Informática, da Câmara dos Deputados e agora aguarda parecer na Comissão de
Constituição e Justiça; caso não haja nenhum entrave, será encaminhado ao
Senado e, se aprovado, passará às mãos do presidente para ser sancionado135.
4.5. A exploração do serviço de radiodifusão
É importante lembrar como o serviço de radiodifusão pode ser explorado.
Segundo Gisela Ortriwano136, a exploração pode acontecer de dois modos: o
sistema de monopólio, ou autoritário, em que o monopólio é estatal e o Estado
134 Idem, ibidem, p. 11.
135 SALIGNAC, Carla. “As rádios comunitárias são uma forma de participação do povo. Revista E, São
Paulo, SESC, no 11, maio 1997. pp. 31-32.
136 ORTRIWANO, Gisela. A informação no rádio: os grupos de poder e a determinação dos
conteúdos. São Paulo, Summus, 1985. pp. 52-4.
117
pode explorar o serviço diretamente através da criação de uma empresa pública,
e o sistema pluralista, no qual a radiodifusão é explorada por emissoras estatais
e privadas (estas últimas com fins comerciais).
Nos dois casos, é o Estado que controla o serviço, seja de forma direta ou
concedendo a terceiros o direito de emissão, por determinado período. Prevalece
no Brasil o sistema pluralista, cabendo ao Estado conceder a autorização para a
exploração do serviço, geralmente a grupos econômicos e políticos da sua
confiança137, num prazo fixado em 10 anos para as emissoras de rádio e 15 anos
para as de TV.
O Estado permanece encarado como proprietário legítimo do espaço
eletromagnético, donde decorre que o apadrinhamento continua sendo a
conseqüência fatal do mecanismo de concessões. Sejam quais forem os
critérios de distribuição, a concessão equivale, nesse sistema, a uma
outorga de privilégios, de forma que qualquer alteração da estrutura de
poder a nível das mídias de teledifusão significará apenas uma troca de
mandarins, sem qualquer progresso real para a democratização dos
meios.138
As concessões
Com a Nova República esperava-se uma mudança na política de
concessões na área de radiodifusão, segundo compromisso assumido por
137 MACHADO, Arlindo et alii, op. cit., p. 28.
138 Idem, ibidem, op. cit., p. 16.
118
Tancredo Neves e pela Aliança Democrática. O então ministro das
Comunicações, Antônio Carlos Magalhães, prometia medidas moralizadoras, e,
três dias após assumir o cargo, suspendia 140 processos de concessões
outorgadas nos últimos seis meses do governo Figueiredo.
Mas a medida servia apenas como retaliação a seus adversários políticos,
como ficou demonstrado mais tarde: “O governo da Nova República adotou a
velha política do clientelismo e da barganha política na distribuição das
concessões de emissoras de rádio e televisão, agravando a concentração da
mídia eletrônica no país”139.
Assim, o governo Sarney repetia a mesma prática de seus antecessores e
até se destacou com o recorde de 1028 concessões de emissoras de rádio e TV
outorgadas, trocadas por interesses do governo, principalmente à época da
Constituinte, quando se intensificaram as outorgas por ocasião da votação para
ampliar o mandato de quatro para cinco anos ao presidente José Sarney140.
Até 1988, as concessões eram atribuições do presidente da República e do
ministro das Comunicações. A nova Constituição, em seu Artigo 37, determina
que as concessões sejam feitas através de licitação pública, assegurando a
igualdade de condições aos concorrentes.
139 SOUZA, Marcio Vieira de, op. cit., p. 35.
140 Idem, ibidem, p. 35.
119
Novas regras para as concessões de rádio e TV
No governo de Fernando Henrique Cardoso foram definidos critérios mais
rigorosos para as outorgas de rádio e televisão, através do Decreto 2 018
publicado no Diário Oficial em 26 de dezembro de 1996.
Dentre os principais pontos do decreto reafirma-se a regra de licitação
pública para se conseguir uma concessão de rádio (onda média, curta, tropical e
freqüência modulada) e de televisão; veta-se a participação de políticos em
exercício de mandato nos quadros de direção de empresas concessionárias; a
mesma entidade ou as pessoas que integram o seu quadro acionário e diretivo
não poderão receber mais de uma outorga do mesmo tipo de serviço de
radiodifusão na mesma localidade141.
Antes desse decreto ser publicado, o jornal Folha de S.Paulo142 divulgou
matérias revelando um esquema paralelo de venda de concessões de FM, às
vésperas de ser anunciada a liberação de 120 concessões de rádio e TV, de um
total de 600 prometidas pelo ministro das Comunicações. Segundo as matérias
publicadas, grupos de lobistas estariam comercializando emissoras FM, do lote
das 120 concessões ainda não liberadas, por preços que variavam entre 50 e 150
mil reais.
141 OLIVEIRA, Ribamar. “Definidas regras para concessão de rádio e TV”. O Estado de S. Paulo, São
Paulo, 27 dez. 1996, p. A-4.
120
Um outro fato envolveu diretamente o ministro Sérgio Motta, o da compra
de votos para reeleição, na primeira quinzena de maio deste ano. Segundo
gravações obtidas pelo jornal Folha de S.Paulo, governadores e deputados do
Acre e do Amazonas teriam ganhado dinheiro em troca de seus votos favoráveis
à emenda da reeleição. Até mesmo concessões de TV e de rádio teriam sido
negociadas nesse esquema.
O monopólio nos meios de comunicação no Brasil
A propriedade dos meios de comunicação no Brasil está nas mãos de
políticos e seus familiares, oito famílias e grupos econômicos. Segundo
levantamento feito pelo jornal O Estado de S. Paulo, em setembro de 1996, 104
dos 513 deputados federais e 25 dos 81 senadores são sócios ou proprietários de
emissoras de rádio e TV. A pesquisa demonstra também que 40% das emissoras
de rádio e 27% das de televisão de todo o país têm políticos como sócios143, ou
seja, em relação ao rádio, quase a metade das emissoras está nas mãos de
políticos, cuja lista inclui José Sarney, Fernando Collor de Melo, José Eduardo
Andrade Vieira, Antônio Carlos Magalhães, Inocêncio de Oliveira, Jader
Barbalho e muitos outros que têm ou já tiveram ligação com o governo.
142 Edições dos dias 20, 21, 22 e 24 de dezembro de 1996.
121
As oito principais famílias que detêm o domínio da radiodifusão brasileira
são: Marinho (Rede Globo), Sirotsky (RBS), Bloch (Grupo Manchete), Saad
(Rede Bandeirantes), Abravanel (SBT, do Grupo Silvio Santos), Câmara (Grupo
Câmara), Dou (TV do Amazonas) e Jereisatti (Grupos Verdes Mares)144.
Esse quadro demonstra claramente que a comunicação no Brasil está
vinculada a interesses políticos e/ou econômicos. Por isso, é difícil esperar
grandes mudanças com resultados qualitativos na área, mesmo em relação à
provável regulamentação das rádios comunitárias: assunto que passa diretamente
pelos interesses políticos de quem controla a radiodifusão no país.
4.6. As principais leis que orientam o serviço de radiodifusão
O Código Brasileiro de Telecomunicações surge em 1962, através da Lei
4117, que regulamenta o sistema de concessão e distribuição de canais de rádio
e televisão, através do Conselho Nacional de Telecomunicações (Contel). A
partir da implantação desse código, estava inaugurado o monopólio do Estado
sobre as telecomunicações.
Durante a vigência do governo militar, foi instituído o Decreto-Lei 236,
com o objetivo de “complementar e modificar a Lei 4117”. Segundo Sônia
143 OLIVEIRA, Ribamar, op. cit.
144 SOUZA, Marcio Vieira de, op. cit., p. 167.
122
Virginia Moreira, o principal objetivo desse decreto foi o de “anular e substituir
artigos e parágrafos da legislação anterior para inserir medidas que, de acordo
com as exigências do momento, cerceavam as atividades das emissoras”145.
É do Decreto-Lei 236 que vem o entrave à prática das rádios ilegais. A
penalidade prevista está no Artigo 70 do referido decreto, que, como foi dito,
complementa e modifica a redação do texto da lei 4117, de 27 de agosto de
1962. Diz o decreto: “Constitui crime punível com a pena de detenção de 1 (um)
a 2 (dois) anos, aumentada da metade se houver dano a terceiro, a instalação ou
utilização de telecomunicações sem observância do disposto nesta Lei e nos
regulamentos”.
Ainda em 1967 são criados o Ministério das Comunicações e o Dentel,
órgão que passa a fiscalizar, no lugar do Contel, a programação do rádio e da
televisão e posteriormente a prática das rádios ilegais.
O exercício da radiodifusão também é destacado pelo Código Penal
(Decreto-Lei 2 848, de 7/12/40), pela Lei de Imprensa (Lei 5250, de 9/2/67) e
pela Lei de Segurança Nacional (Lei 7170, de 14/12/83).
145 MOREIRA, Sônia Virginia, “A legislação dos meios eletrônicos nos Estados Unidos e no Brasil”.
In: GT RÁDIO – XVIII INTERCOM – CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 1995.
p. 9.
123
Com a Constituição de 1988 surgem novas perspectivas para quem pratica
a radiodifusão sem autorização governamental. Através do Art. 5o, inciso IX, e
dos Artigos 1o, 215o, 220o e 223o, que garantem a liberdade de comunicação,
muitas rádios começam a ter mais argumentos legais para funcionar.
Fundamentados nesses artigos, alguns juízes absolvem os acusados de
crime por prática de radiodifusão ilegal, como foi o caso do jornalista Léo
Tomaz, da Rádio Reversão. Salientamos que, apesar disso, as leis do Código
Brasileiro de Telecomunicações, de 1967, continuam valendo, pois “ainda não
foram elaboradas novas leis complementares, regulamentando a Constituição de
1988”146.
146 ROCHA, José Carlos. “Quem vai controlar a rádio comunitária?”. In: ENCONTRO ESTADUAL DE
RÁDIOS LIVRES E COMUNITÁRIAS DO ESTADO DE SÃO PAULO, 1., São Paulo, 1995.
124
Parte II
Capítulo 5
A história de uma rádio comunitária: Rádio Cidadã
5.1. Antecedentes
A partir de abril de 1995 o governo federal, através do Ministério das
Comunicações,
considera
a
possibilidade
de
regulamentar
as
rádios
comunitárias. Esse episódio foi mais um incentivo à proliferação dessas
emissoras, que já existiam em grande número.
Calcula-se que hoje existam mais de 2 mil rádios ilegais no Brasil. Só
estado de São Paulo concentra-se a maior parte delas, cerca de mil emissoras.
Mas o número pode se maior, uma vez que é quase impossível saber exatamente
quantas rádios ilegais estão no ar. Entre os praticantes da experiência é comum
dizer que para cada rádio fechada pela fiscalização do Ministério das
Comunicações surgem outras cinco.
Como já vimos, nem todas as rádios sem concessão são comunitárias.
Estas geralmente surgem a partir de um trabalho preexistente em movimentos
sociais, associações e comunidades de bairros, os quais percebem na rádio
comunitária a oportunidade de expressar sua voz, seus anseios e receios através
125
de um novo veículo de comunicação com maior capacidade de mobilização de
pessoas.
É nesse contexto que em julho de 1995 surge a Rádio Cidadã, uma rádio
comunitária localizada no Jardim Bonfiglioli, bairro do Butantã, zona Oeste da
cidade de São Paulo. Essa emissora foi criada com o objetivo de desenvolver um
trabalho voltado à comunidade da região em que funciona. Para isso tem tentado
encontrar, nesses dois anos de funcionamento, uma maneira de integrar os
moradores de diferentes classes sociais existentes na região e assim ser um
veículo de expressão de todo o bairro e não apenas de determinado grupo.
Como veremos a seguir, a Rádio Cidadã foi criação de um grupo de
pessoas, sob a liderança de Luci Martins, que, junto com sua família, financiou
todo o projeto da rádio, cedendo os equipamentos, inclusive a casa onde a rádio
funciona. É Luci também quem preside a Associação Cidadã do Butantã,
entidade mantenedora da rádio.
Assim, a reconstituição de toda a história da Rádio Cidadã foi feita com
base principalmente em depoimentos da jornalista, que acompanhou o processo
de criação da emissora desde o início e é a pessoa central no funcionamento da
rádio. Além dela, também entrevistamos as pessoas que participam da
experiência no meio comunitário desde o início, como um dos filhos de Luci,
Paulo Marcelo Reis, e o músico José Luis da Silva.
126
5.2. Principais características do Butantã e região147
O Butantã possui uma área de 12,9 km², com quase 100 mil habitantes
divididos em 19 bairros, entre os quais se encontram, além do Jardim
Bonfiglioli, a Cidade Universitária, Jardim Rizzo, Vila Pirajussara, City Butantã,
Inocoop, Jardim Christie, Instituto Previdência, Cidade dos Bandeirantes, Vila
Gomes e outros.
Teoricamente a Rádio Cidadã alcança todos esses locais, mas
provavelmente alcance ainda parte dos municípios vizinhos como Taboão da
Serra, Osasco e Cotia, além dos bairros próximos ao Butantã, como Jaguaré, Rio
Pequeno, Raposo Tavares, Vila Sônia e Morumbi. Esses bairros, junto com o
Butantã, possuem uma área de 66,2 km², com um total aproximado de 600 mil
habitantes e são administrados politicamente pela Administração Regional do
Butantã, ligada à Prefeitura Municipal.
Essa região caracteriza-se por concentrar ao mesmo tempo populações de
alto e de baixo poder aquisitivo. Há em torno de 60 favelas distribuídas pelos
bairros citados, com uma população estimada de 88 mil habitantes.
147 Todas as informações referentes às características do bairro do Butantã e região foram tiradas do
documento Micro-Região: Butantã, elaborado pela equipe intersecretarial de planejamento entre
out./nov. de 1991, obtido na Administração Regional do Butantã, que infelizmente não possuía dados
mais atualizados.
127
Não se pode esquecer que no Butantã estão localizados também a
Universidade de São Paulo (USP) e o Instituto Butantã, que, juntos, ocupam
quase a metade de todo o bairro. Por isso, pode-se afirmar que convivem lado a
lado pessoas de alto e de baixo nível intelectual.
Um dos principais problemas enfrentados pelo bairro ocorre na época de
chuvas, com o transbordamento de um dos córregos da região, o Pirajussara. O
Butantã possui três córregos: Pirajussara, Pirajussara-Mirim e Caxingui (em
parte).
Além dessas características, os bairros pertencentes à Administração
Regional do Butantã podem ser considerados aglutinadores de movimentos
sociais. Há na região mais de 100 associações comunitárias, localizadas
principalmente nas favelas, o que denota uma certa mobilização dos moradores.
5.3. A Rádio Cidadã
Ao iniciar suas primeiras transmissões, a Rádio Cidadã depara-se com as
características do bairro. Era necessário encontrar a fórmula de programação
comunitária que pudesse chamar, ao mesmo tempo, a atenção do morador de
128
alta renda e do morador de baixa renda e assim promover uma integração entre
as duas partes. Essa preocupação, no entanto, é posterior à criação da rádio.
A história da Rádio Cidadã começou em março de 1995, quando o
produtor de rádio e TV Paulo Marcelo Martins Reis, 25 anos, teve a idéia de
montar uma “rádio pirata”. Apesar da resistência de sua mãe, a jornalista Luci
Martins, que, de acordo com Paulo Marcelo, considerava perigoso ter uma rádio
não-autorizada (um crime passível de prisão), ele não desistiu e, com o apoio de
seu irmão, pensou em se juntar a mais alguém que possuísse uma rádio nãoautorizada para desenvolver a idéia.
Passado um mês, Luci Martins mudou de opinião: “Ela falou assim: não,
nós vamos montar uma rádio nossa, não vai ter sociedade com gente que a gente
não conhece”, conta Paulo Marcelo. Estavam dados os primeiros passos para a
criação da Rádio Cidadã, que contava inicialmente com a participação de oito
pessoas.
Luci Martins trabalha com comunicação há mais de 30 anos e há quase 20
participa de associações de bairro e movimentos sociais. Segundo ela, o
envolvimento com as rádios livres deu-se na época em que estava trabalhando
em emissoras comerciais, entre as quais e mais recentemente, as rádios AM Tupi
e Atual. Em ambas as rádios, Luci sempre debateu o assunto das rádios livres,
129
procurando diferenciá-las das rádios piratas; até então não se falava em rádios
comunitárias.
Paulo Marcelo, por sua vez, envolvido há 12 anos em trabalhos sociais,
fazia parte junto com sua família do Grupo de Defesa da Cidadania (GDC), com
sede também no Butantã. Quando a rádio surgiu, tiveram a idéia de transformála na rádio do GDC. Assim a rádio ficou sendo a RC; posteriormente recebeu o
nome de Cidadão, e quando mudou a proposta para rádio comunitária, mudou-se
o nome para Rádio Cidadã, para fazer referência ao termo “cidadania”.
Com a rádio funcionando, logo foi desvinculada do GDC, uma vez que o
grupo abrangia toda a cidade de São Paulo, e, para tornar a rádio voltada
estritamente ao bairro do Butantã, montou-se a Associação Cidadã do Butantã,
mantenedora da rádio, que conta com mais de 30 pessoas associadas.
Essa associação realiza um trabalho voltado à comunidade do bairro do
Butantã. Fazem parte das atividades da associação a difusão educacional,
cultural, esportiva, artística, promoção social e comunicação social. A rádio
passou então a ser um veículo da associação. “A Associação Cidadã do Butantã
foi criada para poder trabalhar em caráter de rádio-escola, porque nós
entendemos que a melhor forma de conseguir fazer com que a rádio comunitária
tivesse prosseguimento fosse ela ter esse caráter”, explica Luci.
130
Aproximação com a comunidade
Durante as primeiras intervenções da rádio, a propaganda era feita
verbalmente. Essa foi a fase inicial da emissora; os jovens chegaram de
imediato, seguidos dos profissionais desempregados de rádios comerciais e dos
religiosos. Logo após vieram os líderes comunitários, aqueles que já
desenvolviam um trabalho em associações do bairro e que encontraram na rádio
um veículo de aproximação entre os moradores da região.
Os jovens, interessados em conhecer de perto a novidade, chegaram com a
vontade de experimentar, querendo ser locutores, DJs ou, simplesmente, fazer
programas leves, chamados de “besteirol”, em geral reproduzindo as mesmas
músicas tocadas pelas grandes emissoras.
Luci explica que os programas desses jovens, além de serem quase
exclusivamente musicais, traziam muita brincadeira e também tinham um tom
apelativo.
É importante frisar que a rádio começou com um padrão “mauricinho”,
classe média alta; já a meninada mais pobre, eles chegaram ouvindo, não
tinham coragem de chegar na rádio porque não tinham auto-estima (...),
começaram a chegar na rádio muito timidamente e chegaram pelas mãos
dos “mauricinhos” (...) quando estes esgotaram o assunto deles,
descobriram essas equipes de periferia, que fazem som e foram elas que
acabaram ocupando o lugar dos “mauricinhos”, se firmaram e hoje é a
meninada que segura a rádio.
131
Depois, houve a procura dos profissionais de rádios comerciais que,
desempregados, passaram a ver na rádio comunitária um novo mercado de
trabalho, com a oportunidade de manter os mesmos programas das rádios
comerciais:
Muitos profissionais de rádio a princípio vieram, fizeram seus programas e
mostramos a eles, ao longo do tempo, que eles são comerciais,
comerciantes, dependem de ganhar, dos anúncios, mostramos que aqui
não é possível porque o que eles conseguiram ganhar como profissionais
nas rádios comunitárias não paga nem a locomoção pra chegar aqui. O
que uma rádio que atinge um bairro vai conseguir dar de retorno pro
comerciante? Muitos acabaram desistindo. Outros resolveram montar as
suas rádios, já que não conseguiram ter lucro com os programas,
resolveram montar as rádios pra ganhar como empresários de rádio.
Já os religiosos, principalmente pastores de várias igrejas protestantes,
procuraram a emissora também querendo seu programa. “Você teria que deixar
quase 50% da programação da rádio voltada para pastor”, diz Luci. A rádio não
impossibilitou, no entanto, a presença de programas religiosos, havendo um
horário específico para esse fim, como veremos mais adiante.
Diante desses fatos houve necessidade de realizar um trabalho educativo
para ensinar como funciona uma rádio comunitária, que necessariamente tem de
oferecer espaço a vários segmentos da comunidade sem perder de vista os
interesses dessa mesma comunidade.
132
Por fim, chegaram à rádio os líderes comunitários, pertencentes a cinco
das mais de 100 associações de bairro existentes no Butantã. A essas pessoas
coube o papel de tentar uma aproximação entre a rádio e os moradores do bairro.
Foi o caso do músico José Luis da Silva, 54 anos, presidente da União dos
Moradores da Favela Nossa Senhora Assunção há 12 anos e morador do bairro
há 48 anos. Desde então José Luis possui um programa musical chamado A
saudade me chama e participa também do programa Encontro com as
comunidades148.
Seguindo a propaganda verbal, chegaram mais pessoas do bairro
interessadas em conhecer a Rádio Cidadã. Assim, em agosto de 1995, a
psicopedagoga Grácia Lopes Lima e o professor de Filosofia Donizete Soares
ouviram falar a respeito da rádio e se propuseram a fazer parte do projeto, ela
com um programa voltado às crianças149 e ele com um programa voltado à
educação e cultura.
Os programas
Com a chegada das pessoas mencionadas e de outras, aos poucos a rádio
foi adquirindo um perfil de rádio comunitária. Estabelece-se uma outra fase na
148 Encontro com as comunidades é um dos programas que será enfocado nesta dissertação.
149 O programa supervisionado por Grácia chama-se Cala a boca já morreu (porque criança também
tem o que dizer) e será objeto de nossa análise mais adiante.
133
emissora, com programas que prezam pela qualidade do que vai ao ar. Há
entrevistas com especialistas de várias áreas, como saúde, política, cultura,
educação etc. No entanto, ainda predominam os programas musicais. De acordo
com Luci, isso ocorre porque as pessoas não sabem o que significa uma rádio
comunitária:
[As pessoas] não sabem achar o canal de comunicação, de falar mais do
bairro, da nossa proposta, da melhoria de qualidade de vida, o que fica
claro é o seguinte: as pessoas não têm informação, elas sabem o que
incomoda, mas não sabem como se expressar e continua prevalecendo
essa história de que rádio é pra tocar música, rádio é pra mandar
abracinho, pra promoção pessoal.
Por ocasião da coleta de dados para esta pesquisa, havia 26 programas no
ar, divididos em 17 ou 24 horas diárias de programação. Do total exposto, 18
programas são musicais; os outros oito possuem temáticas diversas, entre as
quais reclamações da comunidade, crianças, adolescentes, religião e
entrevistas.150
Cada programa veiculado pela rádio tem um contrato de responsabilidade,
com normas tiradas do Conselho Comunitário, que envolve diferentes setores
sociais da comunidade do bairro: “Ouvimos o que o padre acha da programação,
150 No próximo capítulo trataremos da programação da emissora.
134
o que a casa da cultura, o administrador regional e as entidades acham da
programação, que não é feita de forma aleatória”, diz a diretora da rádio.
Estrutura física e equipamentos da rádio
A Rádio Cidadã começou a funcionar com um transmissor de 20 watts de
potência produzido artesanalmente, ou seja, sem muitos arranjos técnicos, e
depois passou a utilizar um transmissor industrializado de 50 watts.
A rádio funciona num amplo sobrado (cuja proprietária é Luci Martins),
onde antes funcionava um pensionato para estudantes. Compõem a emissora,
além do transmissor, uma antena, uma torre, dois estúdios - um para
apresentação dos programas e outro para gravação de vinhetas da rádio, de
programas e de grupos da região que não tenham espaço para gravar uma fita
demo.
Os equipamentos básicos da emissora são duas mesas de som
semiprofissionais de 16 canais, CDs, tape decks, computadores, pick ups,
sistema de telefonia para colocar o ouvinte no ar, fax e telefones, dos quais
grande parte pertence à família de Luci ou foi doação de quem participa da rádio
e outros foram adquiridos pela própria rádio.
Custos e manutenção da rádio
135
Para se manter no ar, a rádio tem um custo aproximado de dois mil e
quinhentos reais por mês. Segundo Luci, para operar com todas as condições
técnicas, a rádio precisaria ter uma arrecadação de cinco mil reais. Esse dinheiro
é destinado ao pagamento das contas de água, luz e telefone, manutenção dos
equipamentos, compra de material fonográfico, como discos, CDs e fitas
cassetes, e pagamento de uma ajuda de custo aos operadores da mesa de som. A
arrecadação desse montante é feita através dos apoios culturais e das
contribuições da diretoria da associação que agrega a rádio. Muitas vezes, a
própria Luci assume as despesas até conseguir marcar uma reunião com a
diretoria da associação e discutir o assunto.
Os apoios culturais são conseguidos no comércio local pelos
programadores da rádio, geralmente os que possuem programas musicais. Um
programa diário custa em torno de 8 a 9 reais por hora, o que dá de 240 a 270
reais por mês, considerando-se 30 dias. Aos sábados, um programa de uma hora
de duração equivale a 120 reais mensais.
Isso gera um certo conflito entre alguns dos programadores da rádio: por
estarem em busca de apoios culturais, acreditam ter plenos direitos sobre o
horário em que fazem seus programas. Isso é constestado pela diretoria da
associação, que vê o fato como uma divisão de responsabilidades dentro da
emissora, não havendo portanto donos de horários e de programas.
136
Para Luci Martins, essa é uma troca justa. Citando um exemplo, ela fala a
respeito dos programas desenvolvidos pelas equipes de DJs que têm programas
na rádio com o objetivo de promover a equipe de som e assim realizar mais
bailes no bairro: “É promoção da equipe, então tem que trocar: buscam o apoio
para cobrir o horário da despesa”.
Como o Butantã é um bairro predominantemente residencial, com pouco
comércio, há dificuldades em se conseguirem apoios culturais para a rádio. Isso
se explica pelo fato de ser novidade: a rádio comunitária é um veículo novo,
ainda não regulamentado, e o apoio cultural não tem a finalidade de ser uma
publicidade. Enquanto esta tem mais liberdade para falar de determinada
empresa, produtos e promoções, aquele é limitado a falar apenas do nome da
empresa. Ainda assim, a Cidadã tem colocado telefones e endereços nos apoios
culturais, porque o projeto que regulamenta essas rádios ainda não foi aprovado.
Programas sem apoio cultural
Os programas voltados à comunidade não possuem apoios culturais e são
subsidiados pela rádio, que faz uma espécie de permuta com os responsáveis
pelos programas. Esse é o caso da Revista Cidadã; do programa Na boca do
povo e dos programas de domingo das 6 às 12 horas e das 14 às 18 horas.
137
A permuta funciona da seguinte forma: no caso da Revista Cidadã, um
profissional de determinada área se dispõe a produzir e apresentar um bloco do
programa que interessa à comunidade e a rádio cede o espaço; o programa Na
boca do povo, por ser voltado completamente aos interesses da comunidade,
também é subsidiado pela rádio, assim como o programa Encontro com as
comunidades; em troca do espaço para fazer o programa A saudade me chama, o
músico José Luis opera a mesa de som da rádio durante toda a manhã de
domingo: das 6 às 12 horas; no caso do projeto Rádio-Escola, que atualmente
envolve os programas Metamorfose e Cala a boca já morreu..., a permuta é feita
com o Gens Serviços Educacionais, que faz toda a produção, arcando inclusive
com os serviços da psicopedagoga que supervisiona o projeto, e a rádio se
encarrega de veicular os programas.
Rotatividade
Outra característica da Rádio Cidadã é a grande rotatividade de pessoas. A
rádio comunitária conta com o trabalho voluntário dos integrantes e não há
remuneração para quem faz programas. Algumas pessoas se aproximam da rádio
justamente esperando encontrar ali uma fonte de subsistência, principalmente
através da arrecadação dos apoios culturais; quando constatam que a realidade é
outra, elas saem da rádio:
138
O que ocorre: essas pessoas procuram a rádio ou porque estão atrás de
emprego ou porque querem aprender alguma coisa, a partir do momento
que aprendem vão embora procurar o seu caminho. Outra: você depende
muito da disponibilidade de tempo do pessoal de participar, então tudo
bem, nesse momento a pessoa tem um tempo ela vem dentro daquele
horário que ela pode vir participar. Amanhã surge um problema, óbvio,
entre ela resolver o problema e vir à rádio, ela vai resolver o problema.
Dificilmente você tem um dia igual ao outro, a não ser nos horários de
ponta: os primeiros da manhã e os últimos da noite.
Notamos outro motivo que também faz com que a entrada de pessoas na
rádio e a saída dela seja uma constante: o choque de idéias com a direção da
emissora, principalmente com a presidente da associação, Luci Martins, que é
considerada por muitos apresentadores como a verdadeira dona da rádio. Sem
dúvida, é a jornalista quem comanda a Rádio Cidadã, que não existiria sem a sua
intervenção. Por isso, é Luci quem dá a palavra final sobre qualquer problema
que ocorra. Nesse ponto, fica claro que a associação mantenedora da Rádio
Cidadã tem um papel figurativo, pois não possui poder de decisão para resolver
os conflitos.
139
Capítulo 6
Os programas da Rádio Cidadã
6.1. A grade de programação da emissora
Devido à extensão da grade de programação da rádio, optamos por dividila em três partes: uma com os programas de domingo, uma com os da semana e
a última parte com os programas de sábado. É importante frisar que ao longo de
toda essa programação há os espaços destinados aos apoios culturais e aos
serviços de utilidade pública - vinhetas educativas, como orientações para não
desperdiçar água, não exagerar na alimentação etc.
Salientamos que em função da rotatividade de pessoas na emissora, a
grade de programação sofre constantes alterações, principalmente nos
programas musicais. A grade apresentada neste trabalho estava sendo seguida no
mês em que realizamos esta pesquisa, abril de 1997.
Para fins classificatórios dos programas da Rádio Cidadã, adotamos a
seleção proposta por André Barbosa Filho151, que sugere uma classificação dos
gêneros radiofônicos “em razão de sua função específica de seu objeto diante de
sua audiência”. O autor divide em sete os gêneros radiofônicos: jornalístico,
151
Gêneros radiofônicos; tipificação dos formatos em áudio. São Bernardo do Campo, IMS, 1996.
Dissertação de mestrado, p.37.
140
educativo-cultural, de entretenimento, publicitário, propagandístico, de serviço e
especial. Na Rádio Cidadã são encontrados cinco desses gêneros:
• gênero jornalístico: atualiza seu público através da divulgação, do
acompanhamento e da análise dos fatos. Pode ser em diversos formatos: nota,
notícia, boletim, reportagem, entrevista, comentário, editorial, crônica, rádiojornal, documentário-jornalístico, mesa-redonda ou debate, programa policial,
programa esportivo e divulgação técnico-científica; é marcado pelas
características subjetivas dos conteúdos.
A Rádio Cidadã possui o gênero jornalístico nos programas Encontro com as
comunidades, Revista cidadã e Na boca do povo, sendo que o único que
possui apenas um formato é o Revista cidadã (entrevistas), os demais utilizam
vários formatos do gênero jornalístico – notícia, reportagem, entrevista,
comentário, debate e outros.
• gênero de entretenimento: está ligado ao universo do imaginário, gerando
assim uma relação de proximidade com o receptor. Pode ser programa
musical, programação musical152, programa ficcional, programete artístico,
evento artístico ou programa interativo de entretenimento.
Na Rádio Cidadã os formatos adotados desse gênero são a programação musical,
presente na maioria dos programas, e o programa interativo de
152
Segundo André Barbosa Filho, a diferença entre os formatos programa musical e programação
musical é que enquanto aquele possui conteúdo e plástica diferenciados, divulgando obras musicais de
diversos gêneros com discussões de tendências, textos e entrevistas, este é representado como uma
esteira de músicas, reproduzindo o conceito geral de programação, na realidade, uma esteira de
programas, com a seqüencialidade das execuções musicais (Op cit., pp.71-3.).
141
entretenimento, formato constituído “no conjunto de ações de cunho
diversional, que tem como pressuposto fundamental a presença dos ouvintes
que participam de jogos, gincanas, programas de perguntas e respostas,
brincadeiras (...)”153, encontrado apenas no programa Direitos do cidadão.
• gênero propagandístico: está dividido em peça radiofônica de ação pública,
programa eleitoral e programa religioso.
Na Rádio Cidadã encontramos apenas o programa religioso, Vivendo com Jesus
no lar, representando esse gênero. O objetivo do programa religioso é
“difundir as idéias e preceitos de uma doutrina ou seita religiosa”154.
• gênero de serviço: “os produtos radiofônicos de serviço são informativos de
apoio às necessidades reais e imediatas de parte ou de toda a população,
atingida pelo sinal transmitido pela emissora de rádio”155. Esse gênero é
dividido em notas de utilidade pública, programete de serviço e programa de
serviço.
A Rádio Cidadã utiliza em sua programação as notas de utilidade pública, que
são informativos de curta duração e objetivam alertar o ouvinte sobre vários
assuntos.
• gênero especial: apresenta várias funções em um só programa. Está dividido
em programa infantil e programa de variedades.
153
Idem ibidem, p. 80.
Idem ibidem, p. 97.
155
Idem ibidem, p. 98.
154
142
Classificamos dois programas da Rádio Cidadã dentro desse gênero: o Cala a
boca já morreu..., um programa infantil que pretende divertir, educar e
informar, e o Metamorfose, um programa de variedades “pela multiplicidade
de informações com características diferenciadas”156 que apresenta.
6.2. Primeira grade: programas de domingo
Horário
Nome
Gênero
6 às 8 horas
A saudade me chama
8 às 12 horas
Encontro com as comunidades*
entretenimento
(musical)
jornalístico
12 às 14 horas
Sua discoteca está no ar
14 às 16 horas
Metamorfose
16 às 18 horas
Cala a boca já morreu...*
18 às 19 horas
Jovem rural
19 às 20 horas
Brasileiríssimo
20 às 22 horas
Landa Mack Show
22 às 23 horas
Vivendo com Jesus no lar
entretenimento
(musical)
especial
(variedades)
especial
(infantil)
entretenimento
(musical)
entretenimento
(musical)
entretenimento
(musical)
propagandístico
(religioso)
* Programas que serão analisados no próximo capítulo.
Como vemos, a programação de domingo é bastante eclética, apesar de
predominarem os programas de entretenimento voltados à música. Há alguns
aspectos sobre esses programas que merecem ser mencionados.
143
O programa A saudade me chama, apresentado pelo músico José Luis da
Silva, foi um dos primeiros a surgirem na Rádio Cidadã. Trata-se de um
programa musical, do gênero de entretenimento, com grande audiência e em que
são tocadas músicas antigas de várias tendências, muitas já esquecidas pelas
emissoras comerciais.
O programa Encontro com as comunidades tem um estilo peculiar:
começa
a
partir
de
uma
conversa
entre
os
seus
quatro
apresentadores/debatedores, que pode ser sobre um tema recente da imprensa ou
da própria comunidade e se desenvolve com a intervenção dos ouvintes, que
ligam ou visitam a rádio, e com a intervenção de Sérgio Boiadeiro, responsável
pelas reportagens externas.
No programa Sua discoteca está no ar, o ouvinte é quem faz e apresenta a
programação, diretamente da rádio ou via telefone. É um programa musical, do
gênero de entretenimento, que funciona da seguinte maneira: há uma explicação
prévia sobre o que é uma rádio comunitária e a responsabilidade sobre os
assuntos abordados. Quem quer participar do programa vai à emissora e leva
seus discos, para mostrar suas músicas preferidas, ou telefona. Um operador é
responsável pelo horário e ajuda na seleção musical. Mas além das músicas, há
também muita troca de recados entre amigos e vizinhos. É um programa que
também faz parte da grade de sábado e é feito basicamente por jovens do bairro.
144
Metamorfose é um programa feito apenas por adolescentes que cursam o
colegial. Esse programa é parte integrante do projeto Rádio-Escola, que visa
desenvolver um trabalho de aplicação da educação alternativa através do rádio.
Atualmente, apenas duas adolescentes integram o Metamorfose e fazem toda a
sua produção e apresentação, supervisionadas por Grácia Lopes. Classificamos
esse programa como de variedades dentro do gênero especial, já que diversifica
os assuntos em cada edição. Há entrevistas com bandas musicais, com políticos,
com profissionais ligados aos questionamentos dos adolescentes etc.
Outro programa que também integra o projeto Rádio-Escola é o Cala a
boca já morreu (porque criança também tem o que dizer), um dos programas
mais antigos da rádio, que teve sua primeira edição no dia 20 de agosto de 1995.
Ele é todo feito por crianças, desde a pauta, operação da mesa de som e até a sua
apresentação. É dividido em blocos e aborda diversos temas. Pode ser
classificado como um programa infantil, dentro do gênero especial. A diferença
entre este e os outros programas de mesmo perfil é que neste as próprias
crianças determinam o que colocar no ar.
Jovem rural, Brasileiríssimo e Landa Mack Show são programas
musicais, no gênero de entretenimento. O primeiro é ligado à música sertaneja; o
segundo faz um resgate da música brasileira e o terceiro apresenta as músicas
156
Idem ibidem, p. 104.
145
tocadas pelas equipes de som do bairro, que fazem festas dançantes na região.
Os três programas são produzidos e apresentados por moradores da comunidade.
Finalmente, o programa religioso Vivendo com Jesus no lar, de gênero
propagandístico, procura não se ligar a uma religião específica, apesar de ser
apresentado por uma missionária de uma igreja evangélica, e é ecumênico em
sua abordagem.
146
6.3. Segunda grade: programas de segunda à sexta-feira
Horário
Nome
Gênero
6 às 7 horas
Alma sertaneja
7 às 8 horas
Direitos do cidadão
8 às 12 horas
Revista Cidadã
12 às 13 horas
Bate-bola com Deley
13 às 15 horas
Cantinho do JB
15 às 17 horas
Projeto Rap
17 às 18 horas
Show da 98.1
18 às 20 horas
Momento sertanejo
20 às 21 horas
Balanço radical
21 às 22 horas
Seleção sertaneja
22 às 23 horas
Vivendo com Jesus no lar*
22 às 6 horas
Black visual**
entretenimento
(musical)
entretenimento
(interativo)
jornalístico
(entrevistas)
jornalístico
(esportivo)
entretenimento
(musical)
entretenimento
(musical)
entretenimento
(musical)
entretenimento
(musical)
entretenimento
(musical)
entretenimento
(musical)
propagandístico
(religioso)
entretenimento
(musical)
* Exceto às sextas-feiras.
** Este programa é apresentado somente às sextas-feiras, das 22 horas às 6 horas de sábado.
De segunda à sexta-feira, a programação tem as seguintes características:
no início da manhã é musical, com o programa de músicas sertanejas, depois das
8 horas adquire um perfil mais jornalístico e à tarde e à noite volta a ser
exclusivamente musical, com destaque para sambas, pagodes, raps, músicas
afras e sertanejas.
147
O programa Direitos do cidadão, apresentado pelo bacharel em Direito
João Ferreira, tinha a proposta inicial de ser um programa para orientar os
ouvintes sobre aspectos desconhecidos da legislação, principalmente do ramo
imobiliário. Mas, na realidade, esse objetivo se perdeu e hoje é um programa
musical, com grande participação dos ouvintes, que ligam para pedir músicas e
conversar com o apresentador.
Inserimos esse programa no gênero de entretenimento porque está voltado
para esse fim, sendo interativo por incentivar a participação dos ouvintes em
promoções com direito a prêmios, como a de ser locutor por um dia: o ouvinte
liga, dá seu nome e depois é escolhida em sorteio a pessoa que apresentará o
programa por um dia, junto com João Ferreira.
O programa Revista Cidadã é composto de vários subprogramas,
divididos de 8 às 12 horas, com um apresentador fixo para o horário. Assim, das
8 às 9 horas é apresentado o rádio-jornal da emissora, exceto às terças-feiras,
quando o programa não vai ao ar (uma programação musical cobre o horário);
das 9 às 9h15 vai ao ar um programa que envolve exercícios de neurolingüística;
das 9h30 às 12 horas ocorrem os programas de entrevistas.
O rádio-jornal, inserido no gênero jornalístico, existe no atual formato
desde outubro de 1996. É apresentado por Juarez Pereira, 33 anos, pós-produtor
de TV, que já havia passado por outros dois programas musicais na rádio e foi
148
convidado por Luci Martins para apresentar o programa de notícias. Esse
programa informa aos ouvintes as principais notícias veiculadas nos grandes
jornais impressos, como O Estado de S. Paulo, a Folha de S.Paulo e
ocasionalmente o Diário Popular.
O programa funciona da seguinte maneira: o apresentador seleciona as
notícias que considera mais relevantes no dia, geralmente sobre o cenário
político brasileiro, e faz a leitura, tecendo, às vezes, algum comentário pessoal.
Além disso, mescla as informações com músicas. A particularidade é que não há
a preocupação em transformar a linguagem impressa em linguagem radiofônica,
ou seja, as informações são passadas como foram publicadas nos jornais.
O programa que utiliza a neurolingüística é batizado com o nome de
Sintonia RC. Trata-se de exercícios de neurolingüística, geralmente de
relaxamento, que duram 15 minutos e são elaborados por um empresário da
região que estuda o assunto. Nem sempre é apresentado ao vivo; normalmente,
uma fita gravada é colocada no ar.
Os programas de entrevistas são apresentados por pessoas diferentes,
revezando-se de segunda à sexta-feira, em diferentes horários. Participam vários
profissionais liberais, entre os quais há um médico, um odontólogo, um
professor de Filosofia e um profissional liberal. Existe grande flexibilidade nos
horários: por exemplo, o tempo de um bloco pode ser estendido para que um
149
entrevistado tenha mais espaço em determinado dia. Os assuntos são
diversificados: política, cultura, saúde, problemas do bairro, educação etc.
Após a Revista Cidadã, entra no ar o Bate-bola com Deley, apresentado
por um ex-jogador de futebol de várzea, Wanderley. Esse é um dos programas
de maior audiência da rádio. Vai ao ar das 12 às 13 horas e seu principal assunto
é o futebol de várzea. O programa procura fazer a integração entre os clubes de
várzea da região, organizando e fazendo a cobertura de eventos esportivos.
No período da tarde, a rádio é predominantemente musical. Há os
seguintes programas: Cantinho do JB, apresentado por Sérgio JB (os principais
estilos musicais tocados são o samba e o pagode e, além disso, o programa
mostra a produção musical dos grupos da região); Projeto Rap, apresentado por
Júlio César, o Teco, com rap e participação dos ouvintes direto na rádio; Show
da 98.1, apresentado por Antônio Carlos, com músicas regionais de todo o
Brasil e sucessos da música pop; Momento sertanejo, apresentado por Celso
Moraes, com músicas sertanejas; Balanço radical é apresentado por Serginho,
Magno e Xand Brow, que mesclam várias músicas afras; Seleção sertaneja é
apresentado por Delvechio; Black visual, que é um baile de música transmitido
pela emissora apenas às sextas-feiras, das 22 horas até as 6 horas de sábado.
6.4. Terceira grade: programas de sábado
150
Horário
Nome
Gênero
6 às 8 horas
Jovem Guarda
8 às 12 horas
Na boca do povo*
entretenimento
(musical)
jornalístico
12 às 15 horas
Cantinho do JB
15 às 16 horas
Sua discoteca está no ar
16 às 18 horas
Black balanço
18 às 19 horas
Planeta música
19 às 20 horas
Mundo da música
20 às 21 horas Acustic company by Bon Jovi
** 21 às ...
Sua discoteca está no ar
entretenimento
(musical)
entretenimento
(musical)
entretenimento
(musical)
entretenimento
(musical)
entretenimento
(musical)
entretenimento
(musical)
entretenimento
(musical)
* Este programa será analisado no próximo capítulo.
** Este programa não tem hora definida para terminar; freqüentemente vai até às 6 horas
de domingo.
No sábado a programação também é musical. Cabe aos jovens o comando
da maior parte dos programas. A exceção fica por conta do programa Jovem
Guarda, apresentado pelo aposentado Eros Machado, que também participa do
Na boca do povo, que é muito parecido com o programa Encontro com as
comunidades: denúncias, entrevistas e debates ao vivo são o conteúdo básico do
Na boca do povo.
Em relação aos demais programas, são todos musicais e apresentam as
músicas preferidas dos apresentadores e/ou dos ouvintes: Black visual, baile de
música transmitido pela emissora; Black Balanço, retrospectiva da música
151
negra; Planeta música, rock nacional; Mundo da música, reggae; Acustic
company by Bon Jovi, músicas do cantor pop, Bon Jovi − recebe esse nome por
ser apresentado pelo cover do cantor, Mauro Bon Jovi −, conta com a
participação dos fãs-clubes do ídolo.
6.5. Ondas paranóicas: uma nova relação com a loucura
O programa Ondas paranóicas não consta da grade de programação da
Rádio Cidadã por se tratar de um programa especial, sem data para ir ao ar. É
um programa feito pelos doentes mentais da Associação Franco Basaglia, uma
organização não-governamental que funciona no Centro de Apoio Psicossocial
(Caps), órgão pertencente ao Estado.
O Ondas Paranóicas, nome sugerido pelos próprios doentes, tem vários
assuntos: política, música, poesia, saúde mental, entrevistas gravadas e
conversas com ouvintes. Seu principal objetivo é testar as possibilidades do
rádio, dando espaço aos que estão à margem da sociedade. Assim, os
participantes têm a oportunidade de mostrar seus talentos: declamam suas
poesias, tocam músicas, falam de seus interesses, fazem reportagens, falam de
suas vidas, entre muitas outras coisas.
O programa advém de uma oficina lúdica e terapêutica produzida na
Associação Franco Basaglia, durante dois meses, coordenada pelo psicólogo
152
Edson Fragoaz e pela psicopedagoga Grácia Lopes Lima. O grupo da oficina é
composto por 10 usuários do Caps. Lá eles aprendem a fazer pautas, anotando
os assuntos, e a apresentar um programa. Após esse aprendizado, ficam aptos a
apresentar o programa ao vivo, na Rádio Cidadã, com uma hora de duração.
Até agora já foram ao ar três programas. Segundo Grácia, a função do
Ondas paranóicas é terapêutica e comprovadamente eficaz. Ela conta o caso de
uma paciente que, durante uma das oficinas, estava muito agitada e queria saltar
de um muro próximo. O psicólogo, sabendo que a paciente gostava de cantar,
pegou um gravador e chamou-a para cantar, pois a música seria colocada no
programa. “Ela ocupou-se em gravar a música e esqueceu que queria saltar”,
conta Grácia e explica que toda a equipe vai à emissora nos dias de programa, o
que deixa os participantes mais motivados e ocupados.
153
Capítulo 7
A voz da Rádio Cidadã
7.1. Os programas analisados
Um dos objetivos desta dissertação é mostrar como funciona uma rádio
comunitária, a partir do conhecimento de sua programação e do seu conteúdo.
Para isso acompanhamos os trabalhos da Rádio Cidadã durante o mês de abril de
1997. Como o estudo é de uma rádio em particular, não podemos generalizar as
conclusões para outras rádios comunitárias, visto que cada rádio tem sua
peculiaridade.
Há 26 programas na emissora, a maioria do gênero de entretenimento,
com ênfase nos musicais. Apesar de os programas musicais terem sua
importância na programação, porque constituem a sua parte de entretenimento,
não nos deteremos em analisá-los, haja vista nossa proposta dar ênfase ao que
caracteriza como comunitária a emissora, e eles não têm esse perfil, pois são
dirigidos comumente por uma ou duas pessoas e seu principal objetivo é o de
entreter através da música, não havendo espaço para outras discussões. Além
disso, os atuais programas musicais da rádio, em alguns aspectos, não se
diferenciam dos programas musicais das emissoras comerciais. Pelo contrário,
apesar das exceções, veiculam basicamente as mesmas músicas que as rádios
154
comercias. A diferença em relação a estas está no estilo de locução e no
atendimento ao pedido musical do ouvinte, que é feito de imediato.
O programa Revista Cidadã também não será analisado por se tratar de
um espaço segmentado; cada segmento é apresentado por profissionais de
diferentes áreas e tem em comum com os outros o formato de entrevista.
Interessa-nos analisar os programas que possuem a “cara” e a “voz” da
comunidade. Assim, consideramos que esses aspectos podem ser encontrados
não nos musicais ou nas entrevistas com personalidades e sim nos programas em
que há a discussão de temas relevantes à região e em que o morador fala de sua
realidade sem intermediários. Nessa perspectiva, selecionamos os seguintes
programas para análise: Na boca do povo, Encontro com as comunidades e Cala
a boca já morreu (porque criança também tem o que dizer).
Os dois primeiros têm como principal objetivo ser o canal para os
moradores da região abrangida pela rádio reclamarem dos serviços públicos,
divulgarem seus talentos e apresentarem as informações que considerem
importantes. O Cala a boca já morreu..., por sua vez, tem como objetivo ser um
espaço alternativo de educação, no qual as crianças integrantes do programa
aprendam a expor seus desejos, dúvidas e conhecimento, num processo de
aprendizagem via rádio, diferenciando-se completamente dos programas infantis
155
conhecidos. Nele, não é um adulto que fala para as crianças e sim as próprias
crianças falam para outras crianças.
7.2. Na boca do povo
O programa Na boca do povo surgiu em junho de 1996 para ser um dos
canais de expressão da comunidade via rádio. O programa teve duas fases: a
primeira, que durou apenas quatro meses, sob responsabilidade do presidente da
Sociedade Amigos de São Domingos, Manoel Borges; a segunda e atual fase
começou em outubro do mesmo ano, sob a responsabilidade do marceneiro
Beijomar de Oliveira. Nesta fase, o programa foi dividido em dois: um vai ao ar
aos sábados, das 8 às 12 horas, e o outro, com o nome de Encontro com as
comunidades, vai ao ar aos domingos, também das 8 às 12 horas.
Na boca do povo é um programa ao vivo que trata dos assuntos da
comunidade, com entrevistas de personalidades de várias áreas e denúncias de
problemas ocorridos no bairro, e pretende possibilitar a manifestação das
pessoas sobre os temas que lhes incomodam. As reclamações que surgem no
programa são encaminhadas pelos responsáveis aos setores competentes, seja
municipal ou estadual, e, tão logo haja uma informação sobre o caso, o
programa a divulga.
156
Toda a produção do Na boca do povo é feita por quatro pessoas,
responsáveis pelo direcionamento de cada edição do programa. São eles que
escolhem os entrevistados, organizam os assuntos e encaminham as reclamações
às autoridades competentes. A apresentação é feita por Beijomar de Oliveira; há
comentários de João Victorelli157 e reportagens externas de João Ferreira158 e
Eros Machado159. Além dos comentários em estúdio e reportagens externas,
fazem parte do programa as matérias editadas, produzidas durante a semana por
qualquer um dos integrantes do programa e levadas ao ar aos sábados; são
basicamente entrevistas sobre problemas da região e não ocorrem em toda
edição.
Características
O programa Na boca do povo inicia sempre com uma conversa entre o
apresentador e o comentarista, geralmente abordando uma notícia veiculada
durante a semana pela grande imprensa ou comentando um fato da região onde a
emissora funciona. As notícias voltadas à comunidade sempre possuem uma
ênfase maior.
157 João Victorelli é presidente da Sociedade Amigos do Jardim Alvorada, Vila Sônia, e dirige o
jornal de bairro Alvorada, que enfoca informações referentes ao Butantã.
158 João Ferreira é responsável também pelo programa Direitos do cidadão.
159 Eros Machado apresenta outros dois programas na emissora: Alma sertaneja e Jovem Guarda.
157
À medida que os assuntos são explorados pelo apresentador e pelo
comentarista, os ouvintes começam a telefonar para participar do debate,
cumprimentar os responsáveis pelo programa, mandar recados ou pedir e
oferecer músicas. Há ouvintes que se dirigem pessoalmente à emissora e
participam do programa in loco, mas isso ocorre normalmente quando se quer
passar determinada notícia ou divulgar determinado trabalho.
Todo programa conta com entrevistados especiais, podendo ser desde uma
dona-de-casa reclamando da falta de professores na escola de seu filho até um
vereador da região explicando como vai funcionar a parte do rodo-anel na zona
Oeste de São Paulo. Enquanto ocorrem os debates em estúdio, os dois repórteres
externos estão percorrendo a região e podem entrar no ar a qualquer momento,
sempre que há algum fato interessante para ser reportado.
Importante salientar que não há um tempo determinado para nenhum dos
temas, apenas a cada meia hora de programa é aberto um intervalo musical que
dura cerca de dez minutos. Nesse intervalo são veiculadas duas músicas,
vinhetas de outros programas da emissora, apoios culturais e serviços de
utilidades públicas patrocinados pela rádio ou por um apoio cultural.
Apesar de existir um planejamento em cada edição, existe muita
improvisação, dependendo dos assuntos explorados pelos ouvintes ou pelos
convidados. Assim, uma determinada matéria pode ser estendida ou não, de
158
acordo com o interesse dos ouvintes, que ligam para dar sua opinião e participar
das conversas em estúdio, e com o próprio rendimento da entrevista.
Identificação
O Na boca do povo utiliza alguns recursos para ser identificado. Um deles
é a apresentação de Beijomar de Oliveira falando sobre o programa e a Rádio
Cidadã, o nome dos apresentadores e a área de abrangência da emissora,
divulgando ainda o telefone e incentivando os ouvintes a participar, nos
primeiros minutos de cada edição. Um trecho da música “É”, do compositor
Gonzaguinha, serve como tema do programa.
Beijomar de Oliveira: Hoje é dia 26 de abril de 1997. Está começando
mais uma edição do programa Na boca do povo, pela Rádio Cidadã, 98.1
FM, a pioneira do Butantã. Esse programa, que vai ao ar todos os
sábados das 8 ao meio-dia, apresentação de Beijomar de Oliveira, com
os comentários do professor João Victorelli e a participação do dr. João
Ferreira. Na técnica está a Fernanda (...) Esse programa, que é o
programa da comunidade, por isso o telefone pra você ligar e participar é
o 268-3302, que está aí à sua disposição. Esse programa, que trata dos
assuntos da população, da comunidade de toda a zona Oeste aqui da
cidade São Paulo e também dos municípios vizinhos de Osasco, Taboão
da Serra e Cotia... Por isso, você, amigo ouvinte que nos ouve todos os
sábados, você que está nos ouvindo pela primeira vez podem participar
pelo telefone 268-3302, fazendo aí as suas reivindicações, falando sobre
os problemas, sobre os assuntos, também mandando aí o seu recadinho,
por isso esse é o programa da comunidade pra você ligar e participar.
159
O apelo para que o ouvinte participe do programa é constante, ressaltado a
cada 30 minutos e sempre que o ouvinte telefona. É dada grande importância à
participação da comunidade no programa, pois, como já dissemos, esse é o seu
maior objetivo. Assim, os telefonemas dos ouvintes, as reportagens que vão até
eles procurar informações de interesse da comunidade e as entrevistas com
pessoas da própria região, renomadas ou não, são fatores essenciais para a
existência do Na boca do povo e de outros programas de mesmo perfil da
emissora.
Reportagens externas
As reportagens externas são realizadas sem uma pauta definida. João
Ferreira e Eros Machado percorrem de carro as ruas do bairro e adjacências,
munidos de telefone celular, procurando assuntos que mereçam ser noticiados.
Não há critério para definir quais assuntos são os mais importantes. Assim que
encontram algo, os repórteres informam direto do local, em entradas ao vivo,
sem hora determinada. De acordo com Eros Machado, as informações são
voltadas aos moradores da região:
Normalmente a gente vai atender o ouvinte porque o ouvinte liga aqui pra
gente reclamando da rua, dos buracos, enfim qualquer reclamação, aí a
gente vai até o local faz entrevista com os moradores da rua, fazendo a
cobrança para o administrador regional da prefeitura.
160
Para ilustrar como funciona essa parte do programa, tomamos como
exemplo alguns trechos de duas reportagens externas realizadas no dia 26 de
abril, sob responsabilidade de João Ferreira. Às 10 horas, Beijomar e Victorelli
entrevistavam no estúdio a presidente do Conselho de Escolas Municipais da
região, Ângela Penha Silva Lima, discutindo os problemas educacionais na área
municipal. Naquele momento, João Ferreira fez sua primeira intervenção do dia,
com uma chamada do Morumbi, onde se realizava uma feira de livros. A
conversa toda durou 12 minutos.
João: Beijomar, primeiro nós vamos falar com a dona Maria Cristina,
chefe do departamento de Língua Portuguesa do colégio Miguel de
Cervantes, só um minutinho.
Beijomar: Pois não, estamos com a nossa reportagem lá no Morumbi.
Alô, bom dia!
Maria Cristina: Bom dia.
Beijomar: Como é o nome da senhora?
Maria Cristina: Maria Cristina Ferreira Alves.
Beijomar: Ah, tudo bem, dona Maria?
Maria Cristina: Tudo bem, graças a Deus.
Beijomar: A senhora...
Maria Cristina: Estamos aqui na nossa 14a feira do livro...
Beijomar: Ah, tá.
Maria Cristina: ... com escritores famosíssimos como Luis Fernando
Verissimo, que veio de Porto Alegre especialmente para esse evento,
Sérgio Caparelli também, poeta e escritor, especialmente para esse
161
evento, Tatiana Belinky, Eva Furnari, Cristina Porto, Luis Galdin, entre
outros. Olha não dá pra enumerar todo o pessoal tão importante que tá
aqui conosco hoje, tá?
Beijomar: Tá certo. Essa feira começou quando aí, dona Maria?
Maria Cristina: Por favor, dá pra repetir a pergunta?
Beijomar: Ahn, quando começou essa feira aí?
Maria Cristina: Aqui, hoje? Aqui vai das 9 às 16 horas, mas essa feira é a
nossa 14a, e o intuito, o objetivo é colocar o aluno em contato com o
escritor (...)
Beijomar: A senhora...
Maria Cristina: Essa é a grande importância da nossa feira.
Salientamos que a entrevista foi comprometida pelas interferências no
aparelho celular, o que pode ter dificultado a compreensão de ambos os lados:
entrevistador e entrevistado. Mas fazemos a seguinte observação sobre a
primeira parte da entrevista: o apresentador fica confuso nas abordagens à
entrevistada, que toma a iniciativa e dá as informações básicas sobre a feira de
livros.
Ainda na mesma entrevista, o apresentador e o comentarista tentam
explicar a Maria Cristina o teor do assunto que estavam discutindo em estúdio, a
falta de professores nas escolas municipais. O objetivo era comparar uma escola
particular com uma escola pública. Mas assim que começam a falar, cai a
ligação do celular. Victorelli, o comentarista, explica:
162
Victorelli: Nós provocamos essa diferença... nesse país, que nós
dizemos que todos têm o mesmo direito perante a lei, esse direito
realmente fica muito distante... quando se trata de poder aquisitivo é
muito desigual. A senhora está aqui (dirige-se à convidada Ângela Lima)
reclamando que falta professor numa escola municipal e a dona Maria,
professora Maria Cristina Alves, professora de português duma escola
como a...
Ângela: Conceituada, né? (...)
Novamente, o repórter volta a chamar da feira, prosseguindo a entrevista
com a coordenadora do evento, mas a ligação continua com interferências.
Quando o repórter João Ferreira retoma o contato, coloca no ar o escritor Luis
Fernando Verissimo, desconhecido pelos apresentadores, resultando uma
entrevista pouco produtiva.
João: Beijomar, nós vamos falar aqui com o Luis Fernando Verissimo; é a
primeira vez que ele sai do Rio Grande do Sul e vem numa feira do livro
aqui em São Paulo. Eu gostaria que ele desse uma palavra a todas as
pessoas aqui da nossa região e principalmente assim no incentivo à
cultura, né? Aliás à leitura... então eu gostaria que ele desse essa palavra
aos estudantes aqui da nossa região, tá bom?
(...)
Beijomar: Alô, bom dia, alô, vamos conversar com o...
Luis Fernando Verissimo: Bom dia.
Beijomar: Bom dia, tudo bem?
Veríssimo: Tudo bem.
(...)
163
Beijomar: Como é que o senhor está se sentindo aqui em São Paulo? É
a primeira vez que o senhor vem participar de uma feira aqui em São
Paulo?
Verissimo: Feira do livro de... de... com essas características de ser
numa escola, é a primeira vez sim.
Beijomar: Tá certo. Qual é a mensagem que o senhor diria para os
nossos ouvintes sobre a questão da leitura.
Verissimo: Bom, eu acho que tudo que se fizer para promover o livro e a
leitura é bem-vindo e positivo, né? (...)
A partir desse ponto, Beijomar direciona a entrevista para o assunto da
falta de professores, perguntando como está a situação das escolas gaúchas e o
que deveria ser feito para mudar. Verissimo dá sua opinião, falando sobre o
problema nacional da educação e da falta de prioridade para as áreas sociais.
Após conversarem sobre isso, Beijomar indaga-o sobre sua vida de escritor.
Beijomar: O senhor é professor, né?
Verissimo: Não, não...
Beijomar: É só escritor, né?
Verissimo: Jornalista.
Beijomar: O senhor tá trazendo algum livro do senhor aí pra essa feira
também?
Verissimo: Não, o livro novo não, mas tem vários livros antigos, já
publicados, que estão aqui.
Beijomar: Ahn. O senhor escreve mais sobre o quê? Que assunto mais...
Verissimo: A minha atividade é mais jornalística, então eu faço esse tipo
de literatura jornalística, um jornalismo literário, que é a crônica, né?
164
Beijomar: Ahn, o senhor poder citar alguns livros do senhor?
Verissimo: Bom, tem diversos: Comédia da vida privada é um dos
últimos, tem O analista de Bagé, tem A velhinha de Taubaté, tem várias
coleções de crônicas...
Beijomar: Tá ok. O senhor mora em que cidade do Rio, lá do Rio Grande
do Sul?
Verissimo: Porto Alegre.
Beijomar: Porto Alegre, né? Tá bom, seu Luis, muito obrigado pela sua
participação.
Verissimo: Eu que agradeço.
(...)
Beijomar: Tá bom, obrigado, e, dr. João, tem mais alguém pra falar
conosco?
João: Eu quero agradecer aqui o escritor, o Luis Fernando Verissimo, né?
pela simpatia que passou essas palavras aqui para os estudantes da
nossa região. Eu vou ficando por aqui e chamo a qualquer momento.
Outra intervenção do repórter João Ferreira ocorreu por volta das 10h45.
Discutia-se no estúdio o projeto do rodo-anel, que objetiva diminuir o tráfego na
cidade de São Paulo, desviando a rota de veículos de carga. O repórter chama
diretamente da rodovia Régis Bittencourt e coloca no ar um motorista de carreta,
chileno, para opinar sobre o rodo-anel. No entanto, como o motorista fala
castelhano, não é possível entender muita coisa, principalmente pela má
qualidade da ligação via telefone celular.
João: (...) eu agora estou aqui na rodovia Régis Bittencourt, no quilômetro
22. É um posto aqui onde ele concentra um grande número de
165
caminhões, inclusive caminhões internacionais, né? Então pra eles é
importante até essa informação sobre esse grande projeto que vai tirar o
trânsito da capital. Eu vou tentar falar aqui com um senhor, ele é chileno,
mas ele entende um pouco o português. Eu vou perguntar pra ele o que
significa isso aí para o motorista de carreta nessa região aí, tá bom?
Beijomar tenta conversar com o motorista, mas não entende o que ele diz.
Nesse ponto, o vereador Nelson Proença (PSDB), que estava sendo entrevistado
no estúdio, passa a conduzir a conversa com o motorista, em castelhano,
traduzindo-a para todos. Diz que não pode falar por muito tempo em espanhol
porque os ouvintes não poderiam compreender tudo. Cumprimenta o motorista e
pergunta se ele está feliz com a novidade do rodo-anel e sobre as dificuldades
que o motorista encontra ao chegar com seu caminhão em São Paulo. A
entrevista termina com o motorista falando das vantagens do projeto, reforçadas
a todo momento pelo vereador.
Os trechos transcritos dão-nos um exemplo de como funcionam as
reportagens externas. Nos dois casos, houve a intenção de colocar as pessoas
entrevistadas na rua a par do que se estava discutindo em estúdio. Não se pode
afirmar, no entanto, que toda reportagem externa tenha esse objetivo.
Levantamos aqui as seguintes considerações sobre esses trechos do
programa: a condução da entrevista com a coordenadora da feira de livros e com
Luis Fernando Verissimo é inconsistente, faltando mais informações sobre os
166
assuntos abordados. A entrevista com o motorista de caminhão serviu apenas
para o vereador presente no estúdio exercitar seu espanhol, já que os
responsáveis pelo programa ficaram o tempo todo calados, pois não entendiam a
língua do entrevistado. Nesse caso, o repórter externo deveria ter escolhido outra
pessoa para entrevistar, abordando um motorista brasileiro que conhecesse
melhor a problemática do trânsito em São Paulo, resultando, dessa maneira, uma
entrevista mais esclarecedora.
No entanto é preciso salientar que as reportagens acontecem sem uma
pauta determinada e muitas vezes o repórter escolhe o entrevistado
aleatoriamente (como foi o caso do motorista chileno). Além disso, o
apresentador, por desconhecer certo assunto, não sabe como direcionar a
entrevista (como foi o caso do escritor Luis Fernando Verissimo, que passou
anonimamente pelo programa, apesar de todo o seu renome como jornalista e
escritor).
Isso tudo pode ser compreendido com a ressalva de que o programa é feito
por pessoas da comunidade, que possuem pouco tempo de experiência em um
veículo de comunicação e que apenas recentemente descobriram que podem
reportar sem intermediários seus conflitos e esperanças de vida. E nessa
descoberta ainda há muito o que aprender, por isso algumas coisas se perdem. O
ponto alto do programa, sem dúvida, são os assuntos do dia-a-dia da
167
comunidade. Por isso, quando surge uma matéria estranha a esse cotidiano,
naturalmente há um embaraço e uma perda no enfoque do objeto.
Assuntos diversificados durante quatro horas
A versatilidade do programa Na boca do povo resulta da diversificação
dos assuntos abordados a cada edição. Das quatro edições acompanhadas
durante o mês de abril, resumimos os temas abordados em duas edições. É
possível ver como um programa, dependendo da participação do ouvinte, pode
voltar-se mais para os problemas das localidades abrangidas pela rádio ou deterse na discussão de matérias específicas durante suas quatro horas, como foi o
caso de educação e rodo-anel.
Na boca do povo: edição de 05 de abril de 1997
Na edição de 5 de abril de 1997, a maioria dos assuntos levantados pelo
apresentador, pelo comentarista e pelos ouvintes tinham um ponto em comum:
referiam-se diretamente aos problemas enfrentados pelos moradores da região.
Nos primeiros 30 minutos, surgem três questões voltadas à região: uma
ouvinte que telefona para reclamar do alto valor de sua conta de água; a
168
discussão de problemas do bairro São Domingos e uma reclamação sobre
brincadeiras de adolescentes em telefones comunitários. À medida que o
programa prossegue, ouvintes telefonam para reclamar sobre uma tarifa cobrada
na Administração Regional para dar entrada em ofícios, sobre a falta de luz num
bairro próximo e também para informar a mudança de itinerário de um ônibus
da região. Todos esses temas foram comentados no estúdio e foram cobradas
providências do poder competente.
Outros temas que surgiram nessa edição foram: a violência policial na
favela Naval, em Diadema, notícia recém-divulgada pela grande imprensa; o
projeto que tramita no Senado que prevê um único número para representar
todos os documentos do cidadão; quebra do sigilo bancário e telefônico do
prefeito Celso Pitta; precatórios e feira de Utensílios Domésticos. Em todos os
casos houve a citação das fontes, normalmente os programas televisivos e os
jornais impressos.
Um exemplo de como as notícias veiculadas pela grande imprensa surgem
no programa Na boca do povo é o caso Diadema. O apresentador e o
comentarista iniciaram a discussão do caso com as informações obtidas nos
telejornais Jornal da Band (Bandeirantes) e Jornal nacional (Globo) e no
programa de debates da TV Cultura, Opinião nacional. Depois deram suas
169
próprias opiniões a respeito. Transcrevemos abaixo os primeiros dois minutos da
discussão.
João Victorelli: Beijomar, esta semana... vamos já...
Beijomar de Oliveira: Vamos às notícias, né? que tem muita coisa
quente hoje.
Victorelli: É. Realmente essa semana foi quente, uma semana cheia de
novidades, cheia de problemas... quase todas as semanas tem
problemas, mas realmente essa semana foi uma semana que
aconteceram coisas...
Beijomar: ...que mexeu não só com nós, brasileiros, mas com o mundo
inteiro, né, João?
Victorelli: Com o mundo inteiro, né, Beijomar? Como que nós ficamos
tristes quando isto acontece...
Beijomar: É lamentável.
Victorelli: Nós adoramos nossa pátria, e quando nós estamos sabendo
que lá fora fica sabendo alguma coisa a respeito, que vá prejudicar o
brasileiro de uma forma geral, nós ficamos bastante tristes, que essa
polícia nossa aqui tem gente realmente importante, pessoas que são
responsáveis, trabalha, honesto, mas infelizmente em tudo na vida, em
todos os setores da vida existem pessoas que não cumprem com seu
dever, não cumprem com a cidadania, não conhece o que faz e acontece
o que aconteceu isso aí nessa semana, né, Beijomar? (...) Inclusive essa
semana nós tivemos a oportunidade de comentar aí aquele rapaz que
filmou, ontem ele apareceu na Bandeirantes, não sei se você teve a
oportunidade de ver? (...) Inclusive no primeiro momento, quando eu vi
pela primeira vez a fita, eu já tinha certeza que era uma pessoa
profissional que estava fazendo aquele trabalho, como a Globo, na
ocasião, no primeiro momento, a Globo falou que era uma gravação de
um amador, coisa que não é verdade, foi um profissional que fez esse
170
trabalho porque você percebe que não houve, em nenhum momento você
percebe que tremeu a câmera, foi um negócio bem feito (...) Nós estamos
ainda vivendo restos da ditadura, essas pessoas que fazem isso ainda
têm no sangue, ainda está no sangue de cada um desses soldados restos
da ditadura (...) Inclusive, ontem assistimos também ao programa do
canal 2 (...), Opinião nacional, com o chefe do gabinete do ministro
Nelson Jobim, e ele falou realmente que ainda estamos vivendo ainda as
raízes da ditadura, precisamos acabar de uma vez por todas com isso aí
(...).
Podemos observar que os apresentadores não identificam de imediato o
assunto sobre o qual vão discutir. Eles falam que a semana foi cheia de notícias,
mas não dizem quais foram elas; começam a dar suas opiniões a respeito,
considerando que a imagem do Brasil no exterior ficou mais prejudicada com o
caso em pauta e depois de dois minutos identificam o assunto, sem detalhes,
comentando as notícias obtidas através dos programas jornalísticos. A discussão
sobre a violência policial na favela Naval, de Diadema, prossegue ainda por
quase 30 minutos e prevalecem as opiniões pessoais do apresentador e do
comentarista, que assumem uma posição crítica diante do fato.
Na boca do povo: edição de 26 de abril de 1997
Na edição de 26 de abril de 1997, os principais temas referiram-se aos
problemas da educação nas escolas municipais da região, na primeira parte, e às
novidades do projeto do rodo-anel, na segunda parte.
171
Para discutir a questão da educação, a convidada foi a presidente do
Conselho de Escolas Municipais, Ângela Lima, mãe de um aluno de uma escola
municipal e que foi ao programa para divulgar um documento que precisava de
assinaturas dos pais para ser encaminhado à Secretaria Municipal de Educação.
A entrevista ocorreu de maneira descontraída e durou uma hora, girando em
torno dos objetivos do Conselho e dos principais problemas educacionais
enfrentados pelas escolas municipais, como a falta de professores e de seus
baixos salários. Uma ouvinte ligou para reclamar da falta de professores nas
escolas e foi convencida a assinar o documento divulgado. Foi durante esse
debate que ocorreu, como vimos, a intervenção do repórter externo, João
Ferreira, para falar de uma feira de livros no Morumbi.
Na segunda metade do programa, o assunto é dirigido para o projeto do
rodo-anel. Participam do debate o vereador Nelson Proença, a presidente da
Associação Cidadã do Butantã, Luci Martins (os dois haviam realizado durante a
semana um vôo de helicóptero para ver o local de passagem do rodo-anel), e
outra integrante da associação, Maria Penha Silva, além do apresentador e do
comentarista do programa. Esse debate sobre o rodo-anel começou às 10h30 e
foi até o final do programa. Discutiram-se vantagens e desvantagens do projeto,
ressaltando-se mais as partes positivas.
172
Nenhum ouvinte ligou para fazer perguntas ao vereador sobre o rodo-anel.
Os únicos telefonemas que foram ao ar eram do odontólogo Geraldo Leite, que
apresenta um bloco de entrevistas no programa Revista Cidadã, e de uma
ouvinte, uma empregada doméstica, que ligou para cumprimentar a todos do
estúdio por terem lembrado de homenagear o Dia da Empregada Doméstica, 27
de abril. Houve outros telefonemas de ouvintes para pedir música e
cumprimentar as pessoas presentes no estúdio, mas não quiseram falar ao vivo.
A síntese dessas duas edições nos permite reiterar a variedade de assuntos
de cada programa. Além disso, notamos que poucos ouvintes telefonam para
falar sobre matéria mais específica, como o caso do rodo-anel. O interesse maior
é pelos assuntos da comunidade. Para a exploração desses objetos, a Rádio
Cidadã parece ser o local apropriado, no sentido de ser um veículo aberto a todo
tipo de manifestação da comunidade.
7.3. Encontro com as comunidades
O programa Encontro com as comunidades nasceu em outubro de 1996,
em função do sucesso do Na boca do povo. Por causa do grande interesse da
comunidade, a diretoria da Associação Cidadã do Butantã criou o Encontro com
as comunidades, como uma extensão do Na boca do povo, para ser apresentado
aos domingos.
173
O programa é apresentado ao vivo todos os domingos, das 8 às 12 horas; o
apresentador é o presidente da Sociedade Amigos de São Domingos, o eletricista
Manoel Borges, e os comentaristas são o aposentado Nadir de Souza e o músico
José Luis, que é presidente da União dos Moradores da favela Nossa Senhora
Assunção e opera a mesa de som durante o programa; Sérgio Boiadeiro faz as
reportagens externas (que não acontecem em todos as edições), percorrendo os
bairros das imediações da emissora160.
De acordo com Manoel Borges, que há 16 anos participa de associações
comunitárias, a principal idéia do Encontro com as comunidades é levar as
pessoas das comunidades a participar do programa junto com representantes do
poder público e assim discutirem ações que propiciem uma melhoria das
condições de vida do bairro. Mas, segundo ele, esse objetivo não foi
completamente alcançado.
Nós precisamos fazer um trabalho mais consistente com eles (os
moradores do bairro), ir mais atrás desse pessoal, já que na maior parte
são muito acomodados (...) Eles não estão acostumados com o rádio, não
estão acostumados a mostrar o que eles fazem na região e a forma de
trazer é a forma encontrada pela Cidadã porque é uma rádio comunitária.
As grandes emissoras não têm dado essa liberdade à população
160 Durante o mês de abril, o Encontro com as comunidades contou com a participação da
profissional liberal Maria da Penha Silva, que estava participando da direção geral da Associação
Cidadã do Butantã, encarregada de obter recursos financeiros para a emissora. No caso específico do
programa, participava como produtora e comentarista. Divergências com a presidente da associação,
Luci Martins, afastaram Maria da Penha de todas essas funções em maio.
174
participar e é um lugar onde você pode se expressar, pode reclamar,
pode falar, pode agir é aqui na Rádio Cidadã... [sic]
Características
O improviso é a marca registrada do Encontro com as comunidades, que
também não possui uma pauta definida. O programa inicia sempre com uma
conversa entre o apresentador e os comentaristas sobre algum assunto ocorrido
na semana, podendo ser um assunto da grande imprensa ou um acontecimento
do bairro. Manoel Borges faz as seguintes considerações a esse respeito:
A rádio é comunitária, mas não pode ser limitada a uma rua, a um bairro,
tem que ser uma coisa voltada ao nosso país. Nós falamos do governo do
Estado, do governo Federal, falamos do deputado, do senador, do
vereador, do prefeito, do administrador regional, do presidente da
entidade, do diretor da escola, dos caras da escola de samba, nós
falamos de tudo. É global o tratamento que nós fazemos aqui na Rádio
Cidadã.
A falta de uma pauta específica em cada edição do programa leva muitas
vezes a sugestões de matérias durante a transmissão. Como exemplo, se o debate
é sobre falta de água na região, sugere-se entrevistar alguém da Sabesp. Um dos
integrantes do programa fica, então, encarregado de fazer o contato com a
empresa para a realização da entrevista no programa seguinte. Se a entrevista
não é apresentada, é explicado o motivo aos ouvintes.
175
Outra característica do programa é a evolução dos temas abordados. Um
assunto começa a ser discutido num ponto específico, como a falta de lombadas
numa avenida, e termina em considerações mais amplas, como a necessidade da
existência de lombadas devido à falta de educação no trânsito.
O programa todo pode ser visto como uma longa conversa, comentário ou
discussão161 entre os presentes no estúdio e entre os ouvintes que telefonam,
com uma música de fundo em todas as falas, exceto nas dos ouvintes.
As discussões têm um tom crítico e são abordadas principalmente pelo
apresentador Manoel Borges. Para ilustrar essa afirmação, selecionamos um
trecho da edição do dia 20 de abril. Estão presentes no estúdio Manoel Borges,
Nadir de Souza, José Luis e Maria da Penha. Esta última informa aos ouvintes
que a Administração Regional do Butantã está atendendo a população em postos
itinerantes distribuídos pelos bairros e elogia a iniciativa; em seguida Nadir faz
uma sugestão:
Nadir: Maria, essa intenção, embora seja começo de administração, não
é ruim. Mas eu acho que seria melhor, por exemplo, ele localizar, por
exemplo, assim perto de onde tem a Sociedade Amigos de Bairros, juntar
sempre perto de oito, sete sedes e fazer uma parada nesse lugar, porque
ali a população já tem mais achego, tá entendendo?
161 Conversa, comentário ou discussão porque um assunto pode começar com uma conversa
descontraída, evoluir para um comentário crítico e acabar em discussão exaltada.
176
Penha: Eu acho assim, Nadir, nós mesmos que representamos a
comunidade, nós mesmos sabemos que tem um problema de
comunicação seríssimo, né?, que o certo era esse administrador ser
escolhido aí pela comunidade, né?, ser representante da comunidade.
Infelizmente nós temos um processo muito fraco de união da comunidade,
senão a gente teria força de ter colocado alguém, né? mais ligado a nós
aqui, não tivemos essa força (...).
Manoel Borges não se manifesta de imediato, então Nadir se dirige a ele
perguntando se algumas pessoas da Administração Regional não deveriam ser
demitidas para dar lugar a outras. Ele entra na discussão:
Manoel: (...) falando só dessa questão aí de regionalização, então eles
tão pegando, parece que eles tão pegando um trabalho que nós já
fazemos, viu, Maria da Penha, o Cepam, o Conselho Popular de
Abastecimento, toda essa idéia que tá dando aqui a Administração
Regional, eu tenho certeza que ele (o administrador regional) tirou do
vereador (...) agora só que tem uma coisa, só que, Nadir, não pode mexer
muito com aqueles cidadãos que já estão lá calejados, porque são
funcionários de carreira da Prefeitura. Nós temos um caso grave em São
Paulo: é que a Administração, o administrador é uma pessoa que é o
vereador que indica, então o vereador indica e quando serve ao vereador,
ele continua no cargo, quando não serve, o vereador tira ele e coloca
outro (...)
Penha: Ô, Manoel, qual foi o vereador mais votado aqui no Butantã?
Manoel: Olha, eu quero dizer que teve vários vereadores, mas o vereador
que sempre comandou aqui foi o Brasil Vita.
Penha: E o Brasil Vita é do Butantã?
Manoel: Não.
177
Penha: Então eu acho que aí tem um problema muito sério é com a
população do Butantã, entendeu? A população do Butantã tem que votar
em vereadores do Butantã pra depois chegar e reclamar, pedir, solicitar
um representante do bairro; agora se a própria população vota no
vereador de fora daqui e vem uma pessoa de fora, não pode reclamar
nada, vai fazer o quê? (...)
O início da discussão foi o informe sobre a criação de postos de
atendimento da Administração Regional, elogiada por Maria da Penha. Depois
das sugestões de Nadir e de Maria da Penha, o apresentador faz suas
observações e o informe vira uma acirrada discussão.
A fala de Maria da Penha mostrou um desconhecimento de como funciona
a indicação de nomes para administrarem a região. Nesse ponto, Manoel Borges,
o mais experiente dos três na área, fez sua intervenção opinando sobre os
assuntos discutidos e mostrando a realidade política na atual gestão das
administrações regionais da cidade de São Paulo. Ao final, tocam num assunto
freqüente na emissora: a falta de união ou participação da comunidade para
resolver os problemas de seu interesse. O tema participação freqüentemente
surge nos debates, seja para elogiar quem telefona ou para criticar aqueles que
não se dirigem à emissora para se manifestar.
O programa Encontro com as comunidades dá grande ênfase aos trabalhos
da Sociedade Amigos de São Domingos, que foi citada em todos os programas
178
do mês de abril. Manoel Borges falou a esse respeito na edição do dia 27 de
abril:
Muitas vezes o pessoal fala “ah, porque o pessoal só fala do Rio Pequeno
e do São Domingos”; é lógico, porque o pessoal do São Domingos e do
Rio Pequeno é o que tão mais participando aqui da rádio, então tem que
falar de quem tá participando [sic].
Outro fator que contribui para o destaque dado ao trabalho da associação
do bairro São Domingos é o fato de três dos quatro responsáveis pelo programa
pertencerem a esse bairro.
Intervalos e encaminhamento de reclamações
Os intervalos são compostos de músicas, serviços de utilidade pública e
apoios culturais e não há um critério para irem ao ar, podendo haver um
intervalo musical depois de 30 minutos de discussão ou dois intervalos em 10
minutos. Manoel Borges e José Luis encarregam-se da escolha dos momentos
propícios para a entrada dos intervalos. Durante todo o programa são tocadas,
em média, dez músicas de estilos variados, com ênfase às nacionais.
Em relação às queixas da comunidade sobre os seus problemas, o
tratamento é o mesmo do Na boca do povo: é apresentada a reclamação no
programa e seus articuladores se encarregam de obter a informação para o
179
ouvinte, que nunca fica sem resposta. Segundo Manoel Borges, esse é um ponto
fundamental para incentivar a participação da comunidade.
Identificação
Como já frisamos, o Encontro com as comunidades é completamente
imprevisível em suas abordagens e em sua forma. Um ouvinte que sintonize a
emissora pela primeira vez, num domingo de manhã, com certeza demorará para
descobrir que emissora e programa são aqueles.
A identificação do Encontro com as comunidades é feita em alguns
momentos específicos: no início do programa, quando todos cumprimentam o
ouvinte; após um intervalo musical, quando o apresentador informa o horário, o
nome da emissora (que ele chama pelo antigo nome: RC) e do programa;
durante as conversas em estúdio e no final do programa, quando todos se
despedem. A seguir, uma das passagens de identificação do programa pelo
apresentador, no dia 6 de abril:
Manoel Borges: São oito horas e quarenta e três minutos na RC 98,1, a
pioneira do Butantã, Encontro com as comunidades. Ouvinte, liga pra cá,
dá seu recado, faça as suas reclamações, nós estamos aqui pra
realmente colocar coisas aí, pra cobrar de quem é de direito [sic] (...).
Reportagens externas
180
As reportagens externas do programa são feitas pelo técnico operacional
Sérgio Boiadeiro, que é uma espécie de relações públicas da Sociedade Amigos
de São Domingos. Essas reportagens não ocorrem em todas as edições e, quando
ocorrem, não têm hora para ir ao ar nem tempo de duração definido. De acordo
com Sérgio, as reportagens de rua servem para cumprir o lema da rádio adotado
por Luci Martins: “se a comunidade não vai até a rádio, a rádio vai até a
comunidade”.
Da mesma forma que a apresentação do Encontro com as comunidades
em estúdio, as reportagens também não possuem pauta. Sérgio percorre as ruas
dos bairros a pé, andando cerca de 4 quilômetros, enquanto faz um rastreamento
de assuntos que mereçam ser reportados. Encontrando algo, ele primeiramente
conversa com um morador da região, em busca de mais informações, a seguir
identifica-se como repórter da rádio e pede uma entrevista para o programa,
colocando o informante para falar com o estúdio através de um telefone público.
Segundo Sérgio Boiadeiro, ele não utiliza o telefone celular da emissora porque
“às vezes, no meio da entrevista ele corta a linha”.
As discussões nas quatro horas de programa
O Encontro com as comunidades é um programa voltado às ações
políticas. Os principais assuntos dizem respeito às reivindicações dos moradores
181
para solucionar problemas dos bairros e às ações do governo (municipal,
estadual ou federal), o que sempre dá margens a severas críticas. A esse respeito,
Manoel Borges é quem direciona as discussões, sem poupar comentários. Sem
dúvida, a figura-chave do programa é o apresentador, que ultrapassa essa
função, tornando-se também comentarista, mediador e debatedor. Cabe a ele
fazer a leitura dos acontecimentos e dar a sua interpretação, estabelecendo um
julgamento do fato.
Encontro com as comunidades: edição de 06 de abril de 1997
Na edição de 06 de abril de 1997, os principais temas voltaram-se à
região, intercalados com discussões a respeito do caso da violência policial na
favela Naval, de Diadema. Nos primeiros 35 minutos de programa, falou-se
dessa violência, de uma reunião na Sociedade Amigos de São Domingos, a ser
realizada nesse mesmo dia e que contaria com a presença de um assessor
político do prefeito de São Paulo, e também da falta de lombadas em avenidas
da região, cobrando-se soluções.
Esses assuntos foram discutidos pelo apresentador do programa e pelos
três comentaristas. Durante a discussão dos problemas da região, foi comentada
a reivindicação para a criação de novas linhas de ônibus na região, que fora
negada, e a mudança de itinerários de algumas linhas de ônibus que passavam
182
pela avenida Paulista; foi proposta uma visita à CET para gravar entrevista a
respeito. Na metade do programa, a falta de água na região foi um tópico
bastante explorado e terminou com outra sugestão: a de levar ao programa
alguém da Sabesp para falar a respeito do assunto. A organização de mutirões
para a construção de casas populares, a divulgação de um encontro com todas as
sociedades de amigos de bairros da região, as privatizações de estatais e
novamente o caso dos policiais foram os assuntos que completaram o programa
do dia.
Encontro com as comunidades: edição de 27 de abril de 1997
Resumidamente, a edição de 27 de abril de 1997 teve como principais
temas os blecautes ocorridos durante a semana, discutidos a partir da leitura de
uma matéria publicada na Folha de S.Paulo do dia 25 de abril. Uma ouvinte
telefonou para falar a respeito do assunto com Manoel Borges, conversa que
durou quase dez minutos; o encontro das comunidades da região também
mereceu destaque no programa; o pequeno aumento do salário mínimo, tema
que levou a críticas ao governo federal. Esta edição contou com convidados
especiais: os integrantes do grupo de músicas nordestinas Trio Bahia, que
visitavam a rádio para divulgar seu trabalho. A reportagem externa do programa
foi feita por Maria da Penha, diretamente de uma feira no bairro São Domingos,
183
onde ela entrevistou um consumidor sobre preço e qualidade dos produtos
oferecidos.
7.4. Cala a boca já morreu (porque criança também tem o que dizer)
O Cala a boca já morreu, que possui o subtítulo “porque criança também
tem o que dizer”, é um dos programas que começou junto com a Rádio Cidadã.
Ele completou dois anos em agosto deste ano e foi criado para viabilizar um
projeto de educação alternativa, batizado de Rádio-Escola. O programa é todo
feito por crianças entre sete e doze anos.
O Cala a boca já morreu... vai ao ar todos os domingos das 16 às 18 horas
e é o momento prático das oficinas de rádio idealizadas pela pedagoga e
psicopedagoga Grácia Lopes Lima, em sua escola, o Gens Serviços
Educacionais.
O programa conta com a participação de vinte crianças de dez escolas
diferentes, entre públicas e particulares, da região Oeste de São Paulo. Desse
grupo, dez crianças fazem parte do projeto desde o seu início. O critério de
seleção é que estejam cursando a escola regular e gostem de ler e escrever e
sejam curiosas para poderem experimentar o rádio como veículo de expressão.
Grácia conta como o grupo foi formado:
184
Eu levei para participar da oficina algumas crianças que eu atendia
enquanto psicopedagoga. Eu tinha algumas crianças que tinham
dificuldade de aprendizagem, de relacionamento, de auto-imagem muito
negativa e eu vi a possibilidade delas estarem desenvolvendo um trabalho
em que essas deficiências pudessem ser favorecidas uma vez que
estariam integradas à crianças que não têm dificuldade tão acentuada (...)
O grupo nasceu boca a boca, inicialmente com as crianças que eu
atendia que devagarinho foram falando pro amigo, pro vizinho, pro colega
e o grupo foi se formando aleatoriamente.
As crianças que chegam ao projeto Rádio-Escola não são colocadas
imediatamente no programa. O processo é gradativo e há uma preocupação
grande em esclarecer, principalmente aos pais, que o objetivo não é artístico,
não visa formar talentos mirins e sim, como já foi dito, educar, incentivando
hábitos de leitura e escrita.
No primeiro mês de programa, as crianças não ficavam sozinhas no
estúdio, contavam com a companhia de Grácia, que mediava os assuntos, e
tinham operadores da rádio fazendo a parte técnica.
Depois de um mês, avaliando o trabalho, eu disse: “não, eu acho que o
mais legal é eu cair fora e deixar que as coisas rolem espontaneamente
com o linguajar deles e contando com a minha participação na
organização, impedindo que falem juntos, por exemplo, mas não tendo
uma atuação direta”.
Hoje, a participação de Grácia se restringe à produção do programa. Ela
elabora junto com as crianças as pautas de cada edição e, durante a
185
apresentação, faz a supervisão. A técnica também passou a ser feita pelas
crianças: todas operam a mesa de som, em regime de revezamento.
Reuniões semanais
Ao contrário dos outros programas analisados, o Cala a boca já morreu...
é mais elaborado, com reuniões que visam discutir o desempenho de cada
criança e preparar os programas com antecedência. Esses encontros ocorrem
uma vez por semana, das 19h30 às 21 horas, com a presença de todas as crianças
do projeto, reservando-se espaço para que elas falem de si mesmas, para a
produção das pautas do programa seguinte, para a avaliação do programa
anterior e para que as crianças brinquem.
Nas reuniões semanais, todos aprendem a fazer pauta e possuem um
caderno para anotar cada passo da reunião: nome dos presentes, atrasos, faltas,
elaboração dos assuntos do programa etc. Há algumas regras a serem seguidas,
todas formuladas conjuntamente; duas delas são: três faltas não-justificadas
excluem a pessoa do grupo e lição de casa não é justificativa para faltas. O voto
é a maneira de decidir sobre os assuntos e todos votam e expõem sua escolha.
Pauta e blocos do programa
186
A pauta do programa é apontada pelas crianças, que sugerem os assuntos
que querem discutir em cada bloco. O Cala a boca já morreu... é composto de
11 blocos fixos e nem todos são apresentados em cada edição, pois, dependendo
do assunto, é preciso mais espaço para determinado bloco. Mas há um cuidado
para que um não seja muito mais extenso que outro, por isso o grupo decidiu que
cada bloco terá em torno de seis minutos, intercalados por música a cada três
minutos. A exceção será aberta quando houver um assunto de maior interesse
para as crianças.
Os blocos surgiram a partir dos assuntos que as crianças queriam ver no
programa. Alguns temas, como educação ambiental e política, foram sugeridos
por Grácia:
Alguns assuntos, dada a forma como são apresentados nos meios de
comunicação, a criança foge rapidinho porque é muito chato. Falar de
política é muito chato, falar de ciências é muito chato, mas eu acho que é
chato porque foi passado de uma forma desagradável, foi passado numa
linguagem inacessível, então por que a gente não pode aprender a falar
desses assuntos?
Os nomes dos blocos são: Notícia quente é com a gente; Acorda, meu
filho; Espaço sideral; Criança ecologia; Nham, nham; Tamanho não é
documento; Beijinho de amor; Leitura da hora; Saúde da terra; Adivinhações; e
Rádio-novela.
187
• Notícia quente é com a gente é um bloco que trata de temas diversos de
interesse das crianças, como a questão ambiental, mas pode ter também
entrevistas com um político, um dentista ou um grupo de atores de peça
infantil. As entrevistas são sugeridas e produzidas por Grácia. Segundo ela, as
crianças ainda não percebem a possibilidade de receber pessoas para falar
sobre determinados assuntos, daí sua influência; é ela que faz também o
contato com o entrevistado.
• Acorda, meu filho é específico para reclamar de qualquer assunto que
incomode as crianças no dia-a-dia. O mais comum é a reclamação do preço de
produtos, como lanches na cantina, material escolar etc.
• Espaço sideral trata dos assuntos intergalácticos, como planetas, sistema
solar, pesquisas em outros planetas etc.
• Criança ecologia é o bloco que fala de meio ambiente: da água, dos animais
em extinção, da poluição, entre outros.
• Nham, nham é o menor bloco do programa e vai ao ar na sua segunda hora.
Nele é passada uma receita culinária feita comprovadamente pelas crianças.
Há um rodízio no qual cada um dos componentes do programa testa em casa a
receita e depois a divulga no bloco.
188
• Tamanho não é documento recebe convidados mirins para mostrarem seus
talentos, cabendo também a divulgação de trabalhos de adultos para crianças.
• Beijinho de amor é o bloco romântico, também da segunda hora. Nele surge
a personagem Tatiane, interpretada por Ísis Soares, dez anos, que participa do
programa desde os oito anos. Esse bloco foi criado para aproveitar o talento
das crianças na criação de personagens. Apesar de já terem existido outras
personagens, como o Espírito Santo, um menino que imitava Silvio Santos,
apenas a personagem Tatiane continua com o seu Beijinho de amor, que
recebe versos de ouvintes e recados de namorados para divulgação.
• Na Leitura da hora, as crianças comentam os livros que leram e
ocasionalmente entrevistam autores cujos livros foram lidos e discutidos por
todo o grupo. Já passaram pelo bloco escritores de livros infantis como Pedro
Bandeira, Eva Furnari, Maurício de Sousa e Wagner Costa.
• Saúde da Terra é o mais novo bloco do programa e dele participam algumas
das 20 crianças do projeto homônimo, em que crianças carentes aprendem o
cultivo e a utilidade de plantas medicinais numa horta comunitária, criada na
Sociedade Amigos de São Domingos, sob a responsabilidade de Grácia e de
uma farmacêutica. As crianças contam neste bloco as suas experiências no
projeto, além de participar de todas as outras partes do programa.
189
• Adivinhações é o bloco em que as crianças brincam de “O que é, o que é?”,
contam piadas e curiosidades.
• A Rádio-novela não é constante. Trata-se de textos de livros transformados
em novela, que é gravada pelas crianças durante as reuniões semanais. Por
ocasião desta pesquisa, a novela que estava na pauta para gravação era “Vidro
vira vidro”, que fala da reciclagem de materiais.
Músicas
As músicas que tocam em cada programa também são escolhidas pelas
crianças, que geralmente reforçam a discoteca da rádio com seus acervos
pessoais, e são basicamente de estilo pop, rock e dance music.
Para Grácia Lopes, a falta de uma programação musical é um problema a
ser resolvido, pois em sua opinião o gosto das crianças é marcado pela
imposição da mídia, que de tempos em tempos lança um novo ídolo no mercado
fonográfico: “Aí eu fico pensando: cadê a dimensão também educacional quanto
à educação auditiva dessas crianças?”. A solução, segundo ela, seria mesclar
outras opções musicais com as músicas que as crianças gostam.
Audiência
190
A audiência do programa é diversificada, composta de jovens, adultos e
crianças. Não se tem idéia do número de ouvintes, mas não parece ser grande,
pelo número de telefonemas – em torno de 5 – nas quatro edições. A razão pode
ser o horário em que o Cala a boca já morreu... vai ao ar: domingo, das 16 às 18
horas, horário em que também são transmitidos os programas televisivos de
Fausto Silva e Silvio Santos, o que se torna uma concorrência injusta com o
Cala a boca já morreu...
O Jornal Cala a boca já morreu...
A partir de uma entrevista das crianças com o diretor de uma rede de
jornais de bairros, a Rede A de Jornais, surgiu a idéia de as crianças produzirem
seu próprio jornal. O diretor se comprometeu a arcar com o projeto gráfico, a
impressão e a distribuição do jornal, enquanto as crianças fazem todo o resto do
trabalho: reportagem, redação, foto, legenda etc., sempre sob a orientação de
Grácia Lopes
Geralmente, as matérias do jornal são compostas pelas entrevistas e
assuntos que fizeram parte do programa de rádio. Atualmente, é um tablóide de
quatro páginas, distribuído gratuitamente como encarte do Jornal do Butantã.
São 20 mil exemplares, dos quais três mil são encaminhados para escolas.
191
Alguns trechos de edições do mês de abril
Ilustrando um pouco a maneira como é desenvolvido o Cala a boca já
morreu... selecionamos alguns trechos de blocos dos programas do mês de abril.
Toda edição do Cala a boca já morreu... começa com a vinheta do programa,
seguida da apresentação, que explica que o Cala a boca já morreu... é mais um
dos programas do projeto Rádio-Escola; além disso, cada uma das crianças se
identifica, dizendo seu nome e a seguir começam a apresentar os blocos com
seus respectivos assuntos.
No programa do dia 6 de abril, o Notícia quente contou com a
participação de um odontólogo, Franco Rattichieri, que falou sobre sua
profissão, os cuidados com a higiene bucal, explicou o que é o dente de leite e o
dente do juízo etc. O bloco foi estendido para mostrar uma entrevista feita pelas
crianças com os atores da peça “Uma professora muito maluquinha”. As
crianças assistiram à peça e em seguida realizaram a entrevista. Eis um trecho:
Ísis: Estamos aqui diretamente do teatro Bibi Ferreira, a gente acabou de
assistir à peça “Uma professora muito maluquinha” e a gente agora vai
fazer um bate-papo com os atores.
Hans: Bom, o namorado, cadê? Cadê o namorado? (referindo-se ao ator
que faz a personagem que namora a professora)
Namorado: Pode perguntar. Qual é a primeira pergunta? Tô nervoso...
Hans:. O que você achou de encantador na professora?
192
Namorado: O que eu achei de encantador? Eu achei ela bem maluca. Eu
acho que ela deixa a gente fazer o que quer, lá a gente pode brincar, a
gente tem a liberdade, mas a liberdade vigiada por ela, então ela dá uma
chance da gente não ficar com aquela coisa tradicional, sabe? (...)
A entrevista prossegue com os atores falando da dificuldade de se
interpretar um papel infantil e da mensagem da peça. Tanto na entrevista que
fizeram com o dentista, quanto na entrevista com os atores, o grupo do Cala a
boca já morreu... mostrou-se bastante integrado aos assuntos. O contrário
ocorreu no mesmo bloco da edição de 13 de abril, cujo entrevistado do Notícia
quente foi o deputado estadual Lívio Geosa (PSDB). Transcrevemos a seguir o
início da entrevista:
Ísis: Bom, gente, agora vamos entrevistar o deputado estadual Lívio
Geosa, que é suplente do Walter Feldman, né?
Lívio: Isso.
Ísis: Ah, bom. Então, antes eu queria te agradecer por você ter vindo
junto com a sua família, esposa.... E quando você começou a ter um
cargo político?
(...)
Livio: Sou fã desse programa. Conheci vocês numa grande reunião que a
gente fez através das rádios comunitárias (...) Bom, respondendo a sua
pergunta, bom, primeiro que eu realmente desde criança que eu me
interessava por assuntos políticos (...)
Ísis: Quando você começou a ter um cargo político?
193
Lívio: Então, sobre duas coisas, né? Uma coisa é você exercer a política
no Executivo, outra coisa é você exercer a política no Legislativo. Eu vou
explicar (...)
Nessa primeira parte da entrevista, apenas o deputado fala e é pouco
interpelado pelas crianças. A primeira pergunta foi sobre o início da carreira de
Lívio Geosa como político, o que deu margem a uma extensa resposta. Sua
explicação é didática e as crianças se manifestam pouco, por isso ele fala
durante mais de dez minutos, com quase nenhuma interrupção.
Nota-se um certo desinteresse por parte das crianças, algumas conversam
no estúdio e poucas parecem prestar atenção ao que o deputado fala. Após um
breve intervalo musical, no qual Grácia chama a atenção das crianças por
estarem pouco participativas, o grupo muda de atitude, fazendo mais perguntas
ao deputado e colocando ainda a sua filha, mais ou menos da mesma faixa etária
que as crianças do Cala a boca já morreu..., para dizer o que pensa sobre a
profissão do pai.
Ísis: Agora vamos fazer uma pergunta pra sua filha Joana. Tudo bem?
Então.. cê não sente falta do teu pai, às vezes, quando ele vai fazer
reuniões em algum lugar? Você não sente falta dele?
Joana: Sinto.
Ísis: E você preferiria que ele levasse você junto ou que ele ficasse?
Joana: Que ele ficasse.
Ísis: Que ele ficasse? Então tá. E você gosta de política?
194
Joana: Não.
(risos)
Ísis: Bom, por que você não gosta?
Joana: Ah, porque... ah, não sei explicar direito.
Ísis: Você acha chato?
Joana: Acho.
Hans: Bom, muita criança acha, né? Porque às vezes não entende, como
a gente às vezes também não entende algumas coisas, então a gente:
“ah, isso daí é chato, a gente não entende, é complicado”.
Ísis: Quando é horário político, desliga a televisão...
(...)
Hans: Você, ouvinte, mesmo não estando aqui, você pode perguntar. Liga
pro 268-3302 e você vai poder falar...
O grau de participação das crianças depende do assunto da entrevista.
Quando estão explorando pouco um assunto durante o programa, como no caso
da entrevista com o deputado, entra em cena a supervisão de Grácia, que orienta
o grupo a mudar de atitude, com o seguinte discurso: “O programa é de vocês,
interfiram, cortem a fala, façam explicar de outro jeito, digam ‘não entendi’, mas
nós temos que começar a falar dessas coisas, senão o mundo não muda”.
Mas o Notícia quente não é feito apenas com entrevistas e a participação
de convidados. Podem haver também discussões como os motivos da poluição
dos rios ou as notas recebidas na escola.
195
Um dos blocos que mais demonstram a preocupação das crianças com o
meio ambiente é o Criança ecologia, em que já foi entrevistado o biólogo do
projeto S.O.S. Mata Atlântica e coordenador do Núcleo Pró-Tietê, Samuel
Barreto, que falou sobre o rio Tietê, e um professor do Instituto Butantã, que
conversou sobre cobras com as crianças.
Assim como o Notícia quente, este bloco nem sempre conta com a
participação de convidados, o que possibilita que as crianças falem sobre outras
coisas, como os animais que estão em extinção, por exemplo. Quando o tema é
esse, o grupo fica responsável por pesquisar a respeito e conseguir todas as
informações possíveis sobre a matéria, como a que foi ao ar no programa do dia
13 de abril:
Ísis: E hoje, qual que é o assunto de hoje, Hans?
Hans: O assunto de hoje é o lobo.
Ísis: Que lobo? O guará?
Hans: Não somente do lobo guará, mas de todos os lobos.
Ísis: Posso falar um pouquinho primeiro?
Hans: Fala.
Ísis: O nome científico do lobo guará é Chrysocyon brachyurus; o
tamanho dele, ele mede de um metro e vinte a um metro e quarenta, mais
a cauda de 40 centímetros (...)
(...)
Hans: Quem escreveu a história do Lobo Mau, da Chapeuzinho Vermelho
nunca viu um na vida, né? O lobo na verdade não é tão mau assim e é
196
até considerado bem covarde, acredita? Aquele lobo que o pessoal
“nossa, que feroz” é até considerado bem covarde. Ele só ataca animais
pequenos como sapos, lagartos, roedores e também se alimenta de
frutas, ovos, insetos e raízes (...)
Hans continua, falando a respeito do modo de vida do lobo guará e das
suas características. As crianças contam as histórias que conhecem a respeito do
lobo, como ele é representado nas histórias em quadrinhos e nos desenhos
animados, comparando com a realidade. Ao final, pedem aos ouvintes que
liguem caso queiram saber mais informações sobre os lobos.
No programa do dia 20 de abril, os assuntos que mais despertaram o
interesse das crianças foram o descobrimento do Brasil e Tiradentes, no bloco
Tamanho não é documento:
Renato: Agora, gente, pra quem não sabe, segunda-feira, amanhã, dia 21
de abril é o Dia de Tiradentes, feriado nacional. Então agora eu vou falar
um pouquinho de Tiradentes que amanhã vai fazer aniversário, não,
aniversário não (...).
Hans: Lembrando que dia 18 foi o aniversário de Monteiro Lobato, né? E
dia 19 foi o Dia do Índio.
(...)
Renato: ... como amanhã é o Dia de Tiradentes, eu vou contar um
pouquinho da vida de Tiradentes. Tiradentes não é um barbudo nem
cabeludo como mostra as representações conhecidas do maior
personagem da Inconfidência Mineira (...).
197
Ísis: Bom, gente, agora eu quero falar uma coisa que um ouvinte
chamado Paulo... ele disse que o nome certo, Calhandra, não é
bicarbonato de sódio, é cloreto de sódio (referindo-se ao bloco anterior, o
Nham, nham, quando foram passadas as receitas de fondue de chocolate
com rabanete e de soda limonada; um dos ingredientes da soda, de
acordo com Calhandra, era o bicarbonato de sódio).
Calhandra: Quanta correção, né?
Renato: Valeu, pessoal, é Rádio-Escola, então a gente tá aprendendo,
por isso que serve de escola. Então, pessoal, mais um super-recado, que
dia 22 de abril, terça-feira... fala, Ísis.
Ísis: Por sinal, temos ouvintes, né?
Renato: É claro, por sinal, temos ouvintes e isso é muito bom, valeu
vocês terem corrigido a gente, e dia 22 de abril, que é terça-feira, foi o
descobrimento do Brasil.
Hans: Na verdade, não foi descobrimento, foi invasão; o Brasil já estava
descoberto porque já existiam os índios que são nativos. Saiu uma
reportagem no jornal no Estadinho desse sábado que diz que os
professores de escola dizem que o Brasil foi descoberto pelos
portugueses, mas.... historiadores dizem que ele não foi descoberto e na
verdade eles descobriram oficialmente e eles invadiram o Brasil...
Renato: É. Mas na história tá marcado como descobrimento do Brasil,
né? Porque os índios, a gente não sabe como os índios vieram.
(Grácia fala do outro lado do estúdio que os índios já estavam aqui.
Nesse momento, várias crianças falam ao mesmo tempo, defendendo seu
ponto de vista.)
Adriano: Só que eles tão falando que os índios vieram da Índia.
Renato: É... não, isso são várias hipóteses, né? Ninguém pode...
Hans: Os índios foram chamados de índios porque os portugueses na
verdade queriam chegar nas Índias e não sabiam da existência das
Américas, chegaram no Brasil, viram eles e disseram que eles eram os
198
índios, pensando que ali era as Índias, por isso que os índios são
chamados de índios.
(Renato continua falando sobre a versão oficial para o descobrimento do
Brasil. Após um intervalo musical, Hans retoma a hipótese de invasão, e
Grácia, que acompanha de fora do estúdio, pergunta a ele a fonte da
informação.)
Hans: Isso eu tirei do Estadinho, que vem dentro d’O Estado de S. Paulo,
de sábado, 19 de abril.
Essa passagem demonstra a curiosidade das crianças pelos temas
explorados, ou seja, elas não se limitam a pesquisar apenas a versão oficial, que
muitas escolas repassam, e sim procuram ver outras interpretações, num
saudável exercício de busca de conhecimento. O grupo preocupa-se em trazer
novidades para o programa e em apresentar a fonte da informação. Essas
observações também foram verificadas no bloco Acorda, meu filho, do dia 27 de
abril:
Mariana: É o seguinte, eu vou reclamar sobre a segurança dos
shoppings; eu não vou falar o nome do shopping, mas...
Todos: Pode falar.
Mariana: É, então, ontem eu cheguei do shopping Continental, cheguei
em casa e liguei a TV, daí, quando eu liguei a TV, tava passando “Bomba
no shopping Continental”. Ainda bem que eu saí de lá, viu?, porque tinha
uma bomba lá dentro, dentro de um vaso sanitário, eu não lembro em
qual dos banheiros.
Hans: Já pensou se alguém senta lá? Ia ser desagradável...
(risos)
199
Ísis: Isso não é motivo de risadas.
(mais risos)
Calhandra: É, cê falou e tá rindo, né, Ísis?
Hans: Não, sem brincadeira. Já pensou se alguém senta lá? Ia ser
chato...
(...)
Ísis: Como você acha que deve ter surgido essa bomba?
Mariana: Não sei (...) Você vai passear, acha que tá tudo bem e depois
chega lá e explode o shopping que você tá e você morre... é tão simples...
é demais, né?
(...)
Ísis: Ô, gente, espera aí, nós temos que verificar isso direito, né?
Porque... pra não ficar assustando os outros, pra gente saber direito o que
aconteceu. Não vamos ficar falando coisas que a gente não tem certeza.
Apesar de brincarem um pouco com o assunto, as crianças logo
demonstram a preocupação de não se divulgar uma notícia equivocadamente e
por isso elas colocam a dúvida, prometendo voltar ao assunto no programa
seguinte. Em seguida começam a reclamar de outras coisas, inclusive da
violência dos policiais no caso da favela Naval, de Diadema, e mostram-se
relativamente assustadas com a história. A seguir, transcrevemos um trecho em
que falam desse assunto:
Renata: Eu queria falar dos PMs, que eu vi na televisão que os PMs tão
batendo nas pessoas que passam assim nas ruas sem motivo de bater...
200
Hans: Sem motivo? O caso de Diadema lá, aquilo foi mais do que sem
motivo...
Renata: Olha, na minha escola... eu acho isso ruim porque em vez de
bater eles podiam ajudar as pessoas.
Calhandra: Na minha escola tem gente que prefere ficar do lado de um
trombadinha do que de um PM, ele acha mais seguro.
Ísis: (...) tão falando na televisão que é preferível agora você chamar o
ladrão do que chamar a polícia...
O programa Cala a boca já morreu... pode ser considerado o mais
inovador da Rádio Cidadã. Nele, crianças fazem um programa para crianças no
seu particular ponto de vista (e os adultos podem aprender muito). É claro que a
mão da psicopedagoga está presente, mas apenas como uma maneira de
organizar os pensamentos das crianças, que muitas vezes se atrapalham ao
microfone, principalmente na parte técnica. No entanto, tudo é um rico
aprendizado e por isso o exercício é estimulante, já que incentiva as crianças a
pensar a realidade criticamente, a não aceitar os acontecimentos passivamente,
através do que está escrito nos livros de história. Para isso contribuem alguns
fatores:
1. a maioria das crianças que formam o grupo são da classe média e têm acesso
a jornais, revistas, boas bibliotecas e até mesmo já utilizam a Internet em
busca de informações. Mas, com a entrada das crianças do projeto Saúde da
201
terra, cuja maioria é da classe baixa, começa-se a mesclar o grupo e a troca de
experiências de vida está passando a ser um novo componente;
2. a vivacidade do Cala a boca já morreu... mantém-se em decorrência da
preocupação em não sobrecarregar as crianças de tarefas, reservando-se
espaço para brincadeiras nas reuniões semanais e no próprio programa. Além
disso, insiste-se na filosofia do trabalho por prazer, deixando-se a criança
livre para sair do grupo quando quiser. “O mais importante”, nas palavras da
pedagoga, “é a criança participar enquanto tiver prazer, caso contrário, vira
algo burocrático”.
202
Capítulo 8
Pistas sobre o público da Rádio Cidadã
8.1. Considerações preliminares
Advertimos que não é nossa proposta traçar um perfil completo a respeito
dos ouvintes da Rádio Cidadã. No entanto, parece-nos útil levantar algumas
hipóteses sobre os seus ouvintes e os seus não-ouvintes e como eles vêem a
emissora comunitária. Para isso, entrevistamos 15 pessoas, entre jovens, donasde-casa e comerciantes da região, com o intuito de apresentar alguns elementos
acerca da recepção da rádio. Ressaltamos que nosso objetivo é buscar, com isso,
um suporte à pesquisa feita sobre a emissora, não tendo, portanto, um caráter
conclusivo.
As entrevistas com ouvintes e não-ouvintes foi realizada entre abril e maio
de 1997, no período em que foi feita a pesquisa de campo na Rádio Cidadã. A
escolha dos entrevistados – que foram divididos em duas categorias: jovens e
adultos162, independentemente de sexo e profissão, entre 13 e 65 anos, faixa
etária que congrega o maior número de ouvintes – foi aleatória, bem como o
número de pessoas entrevistadas. As perguntas foram direcionadas a duas
162 Descartamos entrevistar as crianças por considerar que a maioria dos ouvintes da Rádio Cidadã é
constituída de jovens e adultos, apesar de existir um programa infantil na emissora. Para chegar a essa
conclusão, baseamos-nos em depoimentos de pessoas envolvidas com a rádio e em telefonemas dos
ouvintes.
203
questões básicas: a relação do entrevistado com a mídia oficial e a sua relação
com a Rádio Cidadã. Selecionamos alguns depoimentos para fundamentar nossa
análise.
8.2. O perfil do ouvinte jovem
O ouvinte jovem da Rádio Cidadã inclui jovens que têm entre 13 e 19
anos, mulheres em sua maioria, que trabalham, possuem o primeiro grau
incompleto e moram há mais de dez anos no Butantã. É um público que gosta da
emissora pelas músicas veiculadas, em especial samba, pagode e rap, e pode ser
visto como um público fiel, que telefona e visita a rádio freqüentemente.
Essas características mostram-nos o perfil do público que ouve a emissora
à tarde, que é predominantemente jovem. A participação restringe-se a
telefonemas (pedidos de música e recados para amigos e namorados) e visitas à
emissora para ver de perto a apresentação dos programas. Antes de conhecer a
Rádio Cidadã, esse público costumava ouvir emissoras como a Cidade e a 105.1,
também em função do estilo das músicas, mas não telefonava para as rádios.
Dentro dessas características, encontramos Ana Paula Oliveira, 18 anos,
ajudante-geral, primeiro grau completo, nascida no Butantã. Ela escuta a Rádio
Cidadã há algum tempo (não sabe precisar quanto) e conheceu a emissora
através de amigos que telefonavam para a rádio e falavam no ar. “Eu achei
204
interessante e passei a ouvir”, conta. A partir daí, tornou-se uma ouvinte assídua,
sintonizando a rádio das 13 às 22 horas, período em que não trabalha. Seus
programas preferidos são: Cantinho do JB e Projeto Rap, que veiculam seus
dois estilos de música preferidos.
Conhecer a rádio pessoalmente foi outro motivo que levou Ana Paula a
ouvir a Rádio Cidadã. “Depois de uma semana escutando a rádio, vim conhecer,
eu e minha irmã”, diz, explicando que nunca tinha ido antes a uma emissora de
rádio. Sua relação com a emissora é de proximidade: telefona sempre para pedir
música, conversa com os apresentadores no ar, manda recados e conhece
pessoalmente os de seus programas preferidos.
Assim como Ana Paula, outra ouvinte fiel dos programas musicais da
rádio é Elisabeth Pereira, 15 anos, que estudou até a 3a série, não trabalha ainda
e também nasceu no bairro. Para ela, o rádio serve para se escutar música, e são
as músicas o que mais a atraem à Cidadã, além do relacionamento cordial que
mantém com os apresentadores. “Gosto mais das pessoas que atendem o
telefone, são muito simpáticos e o jeito de tratar a gente... tratam muito bem...
quando a gente manda recado, falam tudo certo, nunca tratam a gente mal”,
relata.
Outra ouvinte fiel da emissora é Patrícia do Carmo, 15 anos, 8a série, que
também nasceu no bairro. Antes de conhecer a Cidadã, só ouvia a 105.1, por
205
causa das músicas: dance music e rap. Patrícia soube da existência da rádio por
meio de um amigo de sua família que foi apresentador na emissora. Ela escuta a
rádio todos os dias: “Quando saio da escola, a primeira coisa é ligar a rádio
[sic]”, e conta que sempre vai à emissora. “Eu ajudo: atendo telefone, levo
recadinhos.”
Essas informações permitem-nos algumas observações:
• o ouvinte jovem da Rádio Cidadã vê a emissora como musical, sem outras
possibilidades de uso do veículo;
• esse ouvinte demonstrou não saber o que é uma rádio comunitária nem qual o
seu papel junto à comunidade163;
• o mais importante para esse público é poder telefonar para a emissora, ser
bem atendido e visitá-la quando quiser. Esse é o aspecto que o atrai e faz com
que deixe de ouvir as rádios comerciais, passando a ouvir a rádio comunitária,
que sempre atende seus pedidos musicais. Para esse ouvinte, a rádio
comercial é distante, difícil de ser contactada e não lhe dá muita atenção, o
contrário do que se verifica na emissora comunitária: localizada na região em
que se reside, pode ser visitada sempre.
163 Houve entrevistados que responderam que uma rádio comunitária é uma emissora para onde se
pode telefonar através de telefones públicos, o que não pode ser feito com relação às rádios
comerciais, já que estas aceitam apenas ligações de telefones particulares.
206
8.3. O perfil do ouvinte adulto
O ouvinte adulto da Rádio Cidadã inclui pessoas que têm entre 28 e 65
anos, mulheres donas-de-casa na maioria, com pelo menos o segundo grau
completo e que moram no Butantã há mais de 20 anos. A preferência pela Rádio
Cidadã dá-se, em primeiro lugar, pelas músicas e pela relação de amizade com
os locutores da emissora e, depois, pela possibilidade de utilizar a rádio como
instrumento de reivindicações de melhorias ao bairro.
Essas pessoas têm a Rádio Cidadã como a “sua” emissora, o veículo de
comunicação através do qual podem ouvir sempre boas informações (palavras
que os entrevistados mais utilizaram para explicar por que gostam da Rádio
Cidadã), e gostam, predominantemente, dos programas musicais como Alma
sertaneja, Direitos do cidadão, Jovem Guarda e A saudade me chama, mas
também têm preferência especial pelos programas de entrevistas e debates, entre
os quais, Revista Cidadã, Na boca do povo e Encontro com as comunidades.
Além disso, a rádio possibilita a esses ouvintes ampliar seu quadro de
amizades no bairro. Um dos programas com maior audiência, A saudade me
chama, promoveu um encontro entre as ouvintes mais assíduas, na própria
emissora. A partir desse encontro, elas se tornaram amigas, e utilizam a rádio
para mandar recados umas às outras.
207
De acordo com esse perfil, selecionamos alguns ouvintes que melhor
representam o público adulto, entre os quais há casos peculiares: Elba Pinheiro
Simi, 65 anos, viúva, aposentada, moradora do Butantã há mais de 50 anos, é
considerada a ouvinte “número um” da Rádio Cidadã. Na emissora, é conhecida
como “a Dentel” da rádio, porque está sempre escutando a Cidadã, telefonando e
gravando alguns programas diariamente.
Na realidade, Elba possui uma espécie de fã-clube do Butantã, chamado
Crianças de Cosme, Poeta do Rio Pequeno, o qual possui mais de duas mil
assinaturas de pessoas do bairro e de fora dele (não há um objetivo específico
para esse fã-clube, o interesse é apenas colher assinaturas).
Todos os dias ela divulga a relação de aniversariantes do fã-clube, via
rádio, através dos programas Alma sertaneja e Direitos do cidadão. Sobre isso,
ela diz: “Antes de conhecer a rádio eu já tinha o fã-clube, que eu fiz para o poeta
do Rio Pequeno, chamado Abdias. Eu sou a presidente do fã-clube Criança de
Cosme. Quando o Abdias veio, eu disse que eu ia ajudar ele, ele entrou no fãclube e eu dei o fã-clube pra ele. Foi o Abdias que me levou pra rádio, aí o
pessoal da rádio entrou no fã-clube”.
Elba é ouvinte da rádio desde as primeiras transmissões: “A rádio me dá
tudo que eu preciso”, diz ela, e é capaz de falar sobre toda a grade de
programação sem titubear. Ela indica seus programas preferidos pelo nome do
208
apresentador e não pelo nome do programa e cita o de Eros Machado (Alma
sertaneja), “porque ele divulga os aniversários do meu fã-clube, ele fala muito
bem, ele me quer muito bem, quando eu dou festa aqui, ele vem aqui, ele
participa de minhas festas aqui, ele, a esposa, os filhos. O doutor João também
(João Ferreira, Direitos do cidadão), aliás todos da rádio vêm aqui, até o filho da
Luci”.
Apesar de conhecer outras rádios comunitárias no bairro, Elba não troca
de emissora: “Eu escolhi a rádio Cidadã porque eu gosto da Luci, eu gosto da
família dela, ela me trata muito bem e gosto da minha rádio porque foi a
primeira rádio que me deu muito apoio, que os comunicadores são muito meus
amigos, todos eles, e quando eu ligo eles ficam felizes, me mandam aquele alô, a
ouvinte número um, eu sou muito bem tratada por eles. Então jamais eu trairia a
minha rádio, que eu gosto de todos que tão lá”.
Outra ouvinte assídua da emissora é a dona-de-casa Jovelina dos Santos,
52 anos, casada, que mora há 47 anos no bairro e escuta a rádio pela manhã.
Seus programas preferidos são os de Eros Machado, João Ferreira e José Luis,
respectivamente Alma sertaneja, Direitos do cidadão e A saudade me chama.
Além desses, também costuma ouvir a Revista Cidadã, com suas várias
entrevistas. Ela acompanha a emissora desde o início das transmissões e a
conheceu por meio de um dos apresentadores, José Luis.
209
Ao contrário de Elba, Jovelina costuma ouvir também emissoras oficiais e
acompanha, em especial, o programa de Eli Correa, na Rádio Capital, para onde
sempre escreve pedindo músicas, já que participar pelo telefone, segundo ela, é
mais difícil. Reforçando, esse é um ponto de proximidade do ouvinte com a
Cidadã: “Sabe o que eu acho diferente? É que sempre que a gente liga pra lá, a
gente é bem atendido, então pede uma música, se eles não têm aquela hora, já
falam ‘amanhã eu toco’ e toca mesmo”.
Além de ligar para pedir músicas, Jovelina utiliza a rádio para tentar
solucionar alguns problemas cotidianos. Ela contactou, através da emissora, um
advogado para o seu filho: “Foi um advogado no programa do doutor Geraldo e
através do programa dele, a gente contratou esse advogado pra ser advogado do
meu filho numa causa trabalhista”, comenta. Ela também já usou a rádio para
fazer reclamações: “Eu fiz várias sobre lixo na rua, tanto no programa do Zé
Luis como nos outros programas, e dá resultado”.
O contato com a rádio é feito por meio de telefone e de visitas; neste
último caso, Jovelina combina com as amigas que conheceu através da rádio: “A
gente combina e vai, se encontra no programa do Zé Luis. Uma vez
combinamos e fizemos o aniversário do Zé Luis lá. Outra vez fomos no
programa do João Ferreira”. A única queixa de Jovelina em relação à rádio é
quanto à inconstância dos programas. De acordo com ela, já houve muitos
210
programas bons que saíram do ar sem explicação: “Eu não entendo por que
esses programas bons como o do Everton, do doutor Geraldo saiu do ar [sic]”.
Elisabeth Rocha, 31 anos, administradora, residente no bairro há 28 anos,
considera o rádio o melhor veículo de comunicação, porque oferece serviços de
utilidade pública, música e informações: “Você pode ficar por dentro dos
acontecimentos do dia-a-dia”. Suas emissoras preferidas são a Rádio Cidadã e a
oficial Antena 1.
Na rádio comunitária, sua preferência recai nos programas musicais, entre
os quais Tarde vespertina, Black balanço e Cantinho do JB. “A gente entra em
contato, liga, passa recado, mensagem, sempre telefona”, explica, dizendo gostar
da educação e da dedicação com que tratam os ouvintes – “eles são muito
atenciosos” – e das músicas que tocam.
Maria José Rocha, 49 anos, presidente da creche Nossa Senhora
Assunção, no Jardim Bonfiglioli, residente em Cotia, sintoniza seu rádio na
Rádio Cidadã, no caminho de sua casa até a creche. Ela escuta a emissora por
causa das músicas tocadas, especialmente, as sertanejas. Ela conheceu a rádio
através de José Luis. Quando ainda morava no bairro, Maria José ouvia a
emissora com mais freqüência: “Eu ligava, oferecia música, a gente ligava pra
poder passar mensagens”. Ela diz que nunca telefonou para dar sugestões ou
reclamar de qualquer problema do bairro.
211
A partir dessas entrevistas, observamos:
• o ouvinte adulto da Rádio Cidadã acompanha a programação da manhã, não
se interessando pelos programas vespertinos, e têm preferência pelos
programas musicais e os de entrevistas;
• há uma relação de amizade com os apresentadores dos programas, daí os
ouvintes sentirem a rádio como parte integrante de sua vida no bairro. Assim
como o público jovem, o adulto também diferencia a Rádio Cidadã das rádios
comerciais pelo tratamento recebido, frisando sempre a atenção com que o
ouvinte é tratado;
• o ouvinte adulto tem noção de que a rádio comunitária é um canal que deve
ser utilizado para resolução dos conflitos no bairro e até utiliza a rádio para
isso. No entanto, ainda predomina a visão do rádio como veículo de
entretenimento. O caso da ouvinte que preside a creche é revelador nesse
sentido, já que, mesmo sabendo da existência da rádio comunitária, não a
utiliza para falar dos problemas enfrentados na creche.
A emissora, por sua vez, apesar de utilizar o lema “se a comunidade não
vai até a rádio, a rádio vai até a comunidade”, deixa a desejar no sentido de não
explorar um assunto (como os problemas enfrentados na creche) que diz respeito
a vários moradores, fisicamente próximos à emissora que, contudo, acabam
212
ficando à margem do principal objetivo da rádio: o de ser o veículo de expressão
da comunidade.
8.4. O não-ouvinte da Rádio Cidadã
Consideramos como não-ouvinte da Rádio Cidadã as pessoas que, mesmo
morando na área de abrangência da rádio e sabendo de sua existência, não a
escutam ou o fizeram poucas vezes. Esse grupo inclui pessoas que têm entre 17
e 49 anos, estudam ou trabalham. Os principais motivos elencados para não
ouvir a rádio comunitária são: o estilo de música tocado e as características dos
apresentadores, principalmente o estilo de locução.
Entrevistamos, entre outros, Elaine Silva Santos, 19 anos, estudante,
residente no bairro há 5 anos. Ela ouve rádio em função das músicas tocadas. As
emissoras preferidas são a Rádio Cidade e a Jovem Pan e ela costuma ouvir rap
e pagode. Elaine escutou a Rádio Cidadã uma vez, sem saber que era uma rádio
localizada no Butantã. Apesar de ter gostado, não voltou a ouvir a rádio, por
falta de tempo, segundo ela.
213
Já a cabeleireira Ediléia Costa, 49 anos, que vive no bairro há 18, é
vizinha da emissora comunitária, mas não a escuta. Ela conhece a Rádio Cidadã
desde as primeiras transmissões e já a sintonizou, mas não continuou ouvindo-a,
por falta de tempo. Ela acha a rádio importante para o bairro, apesar de não
saber por quê: “Acho legal ter uma rádio no bairro, não sei explicar por quê,
parece que fica mais completo”.
Viviane Alves dos Santos, 19 anos, não mora no Butantã, mas trabalha no
bairro o dia todo, como ajudante num salão de beleza. Sua emissora radiofônica
preferida é a Rádio Cidade. “Adoro samba”, explica. Para ela, o rádio serve
apenas para tocar músicas, que precisam ser sempre renovadas, sem muita
repetição. “Na maioria das rádios, as músicas cansam por serem repetidas”.
Ela sintonizou a Rádio Cidadã uma vez, mas não gostou: “Eu acho que o
jeito deles falarem [sic] na rádio, a voz deles é muito estranha”, explica, dizendo
ter gostado apenas das músicas tocadas e que não voltará a ouvir a emissora.
Marcelo Pavan, 31 anos, comerciante, que mora há dois anos no bairro,
também não gostou da Rádio Cidadã por causa das músicas tocadas. O contato
que Marcelo teve com a Cidadã foi comercial, quando algumas pessoas da rádio
ofereceram a ele espaços para apoio cultural. Além disso, um amigo chegou a
fazer um programa na emissora e incentivou Marcelo a sintonizar a rádio. Mas o
estilo de música não o convenceu a continuar a audiência, apesar de achar a
214
proposta da rádio “diferente”: “Achei interessante porque era uma rádio voltada
pro bairro mesmo... até fiquei sabendo por um funcionário meu que tinha uma
banda de pagode, e a rádio já tinha convidado todo o grupo dele, então eu achei
interessante porque é uma rádio voltada pro bairro”.
Com relação ao não-ouvinte da Rádio Cidadã, observamos:
• entre as pessoas entrevistadas predomina a visão do rádio como meio de
entretenimento: a maioria ouve rádio por causa das músicas e não se interessa
pelo seu lado informativo, seja a emissora oficial ou não;
• os entrevistados sabem que a rádio é localizada no bairro e que tem como
objetivo divulgar os acontecimentos locais, mas não se interessam em saber
mais a respeito.
No entanto, essa não é uma característica exclusiva desse público da
emissora, pois, como vimos, mesmo o público jovem não conhece todas as
potencialidades da rádio comunitária, restringindo seu uso à divulgação de
pedidos musicais e recados para amigos e namorados.
Tudo isso pode significar que a Rádio Cidadã não tem conseguido, nesses
dois anos e meio de emissão contínua, fazer-se entender pelo ouvinte, ou seja,
215
ainda não conseguiu esclarecer sua comunidade acerca do papel de uma rádio
comunitária.
Conclusão
Na primeira parte desta dissertação delineamos um perfil histórico da
radiodifusão ilegal. Mostramos que a utilização do rádio pode ter objetivos tais
como entreter com finalidade lucrativa (caso das rádios piratas), ser uma arma
política para divulgar a contra-informação (caso das rádios clandestinas e
sindicais), ser portador de um discurso alternativo ao do rádio oficial (caso das
rádios livres), ser divulgador de práticas religiosas (caso das rádios evangélicas)
e ser o instrumento de comunicação de uma comunidade (caso das rádios
comunitárias).
O fato de termos direcionado particular atenção à prática das rádios livres,
tanto as européias quanto as brasileiras, explica-se pela influência das emissoras
livres na história das rádios ilegais no Brasil. É do movimento de rádios livres
que se originam as rádios comunitárias, nosso objeto de discussão na segunda
parte desta dissertação.
Ao analisar o fenômeno das rádios livres no país, encontramos também
sua ligação com um pressuposto básico da comunicação alternativa: a
216
preocupação com um conteúdo diferente daquele que é apresentado pelas rádios
oficiais. Essa diferença estava presente não só na parte de locução como também
na parte musical: as músicas veiculadas pelas rádios livres eram escolhidas com
rigor, procurando uma adequação ao perfil da rádio, e geralmente eram músicas
que as rádios comerciais não tocavam. A origem dessa preocupação está na
formação de quem fazia rádio livre: alguns ligados a universidades, outros
estudantes
autodidatas,
outros
ligados
à
cultura,
ou
seja,
pessoas
intelectualmente esclarecidas, que viam no rádio um instrumento de divulgação
das práticas alternativas.
As rádios comunitárias, por sua vez, podem ser ligadas à comunicação
popular, já que surgem no seio dos movimentos sociais e são organizadas por
determinados segmentos da comunidade, como líderes de associações de bairro.
Essas rádios também têm a preocupação de apresentar um conteúdo diferente do
dos grandes meios, mas são marcadas pelas contradições de quem pratica a
experiência. Por isso, é comum encontrar na programação dessas emissoras as
mesmas músicas das rádios comerciais e um estilo de locução parecido com o
seu, ou igual a ele.
Para refletir mais a respeito da experiência das rádios comunitárias
analisamos o trabalho de uma dessas emissoras, a Rádio Cidadã. Vimos a sua
grade de programação, o conteúdo dos seus programas e como é feita a sua
217
aproximação com a comunidade. A partir desse estudo foi possível chegar às
seguintes conclusões:
1. a Rádio Cidadã surgiu a partir de um grupo limitado de pessoas, que viram
na rádio comunitária uma forma de organização e mobilização popular, com o
objetivo de melhorar a qualidade de vida na comunidade. Assim, apesar de ter
a intenção de ser a emissora da comunidade, a Rádio Cidadã não nasceu da
organização dessa mesma comunidade;
2. a aproximação da Rádio Cidadã com a comunidade surge gradativamente,
primeiramente com os jovens da região, depois com os líderes comunitários e
por último com os outros moradores do bairro. É a partir desse encontro que a
emissora começa a ser comunitária, embora ainda não totalmente, pois, para
isso, precisaria ser dirigida de fato pela comunidade, o que não ocorre. Como
vimos, a Rádio Cidadã é dirigida pela jornalista Luci Martins, que, junto com
sua família, financiou todo o projeto da emissora;
3. a programação da emissora ainda é predominantemente musical, os
programas musicais são os mais ouvidos e as músicas não diferem muito
daquelas veiculadas pelas emissoras comerciais. O entretenimento é
importante dentro da programação de qualquer emissora, mas em uma rádio
comunitária não deve ocupar o maior espaço, visto que a sua proposta é
principalmente ser o veículo de expressão da comunidade, portanto, é
218
necessário mais espaço na programação para os temas relevantes para a
comunidade, que deveriam necessariamente ser discutidos pela própria
comunidade;
4. nos programas Na boca do povo, Encontro com as comunidades e Cala a
boca já morreu(porque criança também tem o que dizer) reafirmamos que os
dois primeiros são os responsáveis pela aproximação da comunidade com a
rádio, pois são apresentados por moradores do bairro e alguns líderes
comunitários e é a esses programas que a comunidade recorre quando precisa
denunciar um fato de seu interesse; mas essa aproximação precisa
transformar-se em uma ampla participação; o programa Cala a boca já
morreu... representa uma nova linguagem na emissora, já que é realizado
apenas por crianças, e é o melhor exemplo de como um programa produzido e
apresentado coletivamente pode levar ao ar temas importantes ao cotidiano de
todos;
5. os programas da Rádio Cidadã são realizados por moradores do bairro, em
geral pessoas que nunca tinham tido uma experiência radiofônica, que nem
sequer conheciam uma emissora de rádio. Mas há um número limitado de
pessoas na apresentação dos programas. Por isso, consideramos que a
participação da comunidade na Rádio Cidadã ainda é pouco explorada, apesar
dos apelos constantes para que a comunidade usufrua mais da rádio, tomando219
a como a rádio do seu bairro. Assim, a participação na emissora está
limitada ao nível das mensagens, com telefonemas, cujos principais assuntos
são os pedidos musicais, as reclamações sobre os problemas no bairro e os
elogios aos apresentadores por seus programas, além de visitas para conhecer
a estrutura física da emissora;
6. os ouvintes da Rádio Cidadã sabem que a emissora é do bairro e gostam do
atendimento recebido na rádio, mas a aproximação não vai além disso. Falta a
esse público conhecer as potencialidades do veículo comunitário; falta um
trabalho educativo que esclareça o papel social da rádio comunitária; mais
que tudo, falta a esse público compartilhar das decisões de poder na emissora,
desde a discussão da programação até a administração do meio. Um bom
exemplo de como poderia ocorrer essa partilha de poder é verificado no
programa infantil da própria Rádio Cidadã, no qual as crianças são educadas
nas oficinas de rádio a participar coletivamente de toda a sua produção.
O fator principal para que a emissora alcance um perfil definitivamente
comunitário começou com a comunidade sendo chamada a participar da rádio, a
tomá-la como sua, ou seja, a Rádio Cidadã está aberta a esse objetivo, apenas
precisa incentivar e facilitar a participação como um processo crescente em
qualidade, de acordo com o que foi discutido no terceiro capítulo desta
dissertação. Mas isso só será alcançado, não só na Rádio Cidadã como nas
220
outras emissoras comunitárias, se o projeto que regulamenta esses veículos for
logo sancionado.
A regulamentação das rádios comunitárias é necessária, pois sem ela
muitas experiências tendem a ser interrompidas no meio do processo, como
aconteceu com a própria Rádio Cidadã, apreendida no dia 8 de julho de 1997,
após dois anos de funcionamento contínuo. A ação foi realizada pela Polícia
Federal e pela fiscalização do Departamento Nacional de Fiscalização das
Comunicações. Os equipamentos da rádio foram apreendidos e Luci Martins foi
indiciada. Com o silêncio deixado pela Rádio Cidadã, os moradores do bairro
que apresentavam programas resolveram unir-se e criar outra rádio comunitária,
a Rádio Coral, que nasce movida pela vontade dessas pessoas de continuar a
experiência iniciada com a Rádio Cidadã.
221
Bibliografia
ABREU, Claudia de. O início do movimento de rádios livres. In: ENCONTRO
ESTADUAL DE RÁDIOS LIVRES E COMUNITÁRIAS DO ESTADO DE SÃO PAULO, 1.,
São Paulo, 1995.
ANDERAOS, Ricardo. “Evangélicos utilizam rádios piratas para propagar a
‘palavra de Deus’”. Folha de S.Paulo, São Paulo, 27 abr. 1991. Ilustrada.
BARBOSA FILHO, André. Gêneros radiofônicos; tipificação dos formatos em
áudio. São Bernardo do Campo, IMS, 1996. Dissertação de mestrado.
BARROS, Edgar Luiz de. Os governos militares. São Paulo, Contexto, 1991.
BIANCO, Nélia Del. FM no Brasil 1970-79; crescimento incentivado pelo regime
militar. Revista Comunicação e Sociedade, no 20, dez. 1993.
BRAGA, José Luiz. O Pasquim e os anos 70. Brasília, Ed. Universidade de
Brasília, 1991.
BRECHT, Bertold. “Teoría de la Radio (1927-1932)”. In: BASSETS, Lluís (ed.) De
las ondas rojas a las radios libres. Barcelona, Ed. Gustavo Gili, 1981.
CAPARELLI, Sérgio. Comunicação de massa sem massa. São Paulo, Summus,
1986.
CARRIERI, André. “Alice”. Folha de S.Paulo, São Paulo, 12 mar. 1987. Caderno
A-41.
CASSIGOLI, Armando. “Sobre la contrainformación y los así llamados medios
alternativos”. In: GRINBERG, Maximo Simpson (org.) Comunicación
alternativa y cambio social. Ciudad del Mexico, Universidad Nacional
Autonoma de Mexico, 1981.
DE PAULA, José Carlos Francisco. “O Movimento”. Fanzine Turba Iratus, São
Paulo, no. 3, 1994.
________. Fanzine Garrafa, São Paulo, nos 1-6, 1988-89.
________ e BARRETO, Eliézer. Fanzine Sinal de Fumaça, São Paulo, nos 1-6,
1990-92.
222
ECO, Umberto. “Una nueva era en la libertad de expresión”. In: BASSETS, Lluís
(ed.). De las ondas rojas a las radios libres. Barcelona, Ed. Gustavo Gili,
1981.
ENZENSBERGER, Hans Magnus. Elementos para uma teoria da comunicação.
Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1978.
FERNANDES, Francisco & BARROS, Laan Mendes (orgs.). Comunicação e
solidariedade. São Paulo, Loyola/UCBC, 1992.
FESTA, Regina, Comunicação popular e alternativa; a realidade e as utopias.
São Bernardo do Campo, IMS, 1984. Dissertação de mestrado.
________. “Movimentos sociais, comunicação popular e alternativa”. In: FESTA,
Regina & SILVA, Carlos Eduardo Lins da (orgs.). Comunicação popular e
alternativa no Brasil. São Paulo, Paulinas, 1986.
FISCHER, Desmond. O direito de comunicar, expressão, informação e liberdade.
São Paulo, Brasiliense, 1982.
FLICHY, Patrice. “La explosión del monólogo. Las radios paralelas en la Europa
Occidental”. In: BASSETS, Lluís (ed.). De las ondas rojas a las radios libres.
Barcelona, Ed. Gustavo Gili, 1981.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977.
GAIDO, Marco. “Los orígenes: la FM, los disk-jockeys e las radios piratas”. In:
BASSETS, Lluís (ed.). De las ondas rojas a las radios libres. Barcelona, Ed.
Gustavo Gili, 1981.
GIRARD, Bruce. “Organizando as vozes de Babel”. Chasqui, Revista
Latinoamericana de Comunicación, no 45, abr. 1993.
GIRON, Luís Antônio. “Rádio pirata volta sem ameaça da polícia”. Folha de
S.Paulo, 9 abr. 1994. Ilustrada, 1.
GOMES, Pedro; BULIK, Linda; PIVA, Marcia (orgs.). Comunicação, memória e
resistência. São Paulo, Paulinas/UCBC, 1989.
GRINBERG, Maximo Simpson. “Comunicación alternativa: dimensiones, límites,
posibilidades”. In: ________ (org.) Comunicación alternativa y cambio
social. Ciudad del Mexico, Universidad Nacional Autonoma de Mexico,
1981.
223
GUATTARI, Felix & ROLNIK, Suely. Micropolítica; cartografias do desejo. Rio de
Janeiro, Vozes, 1986.
________. Revolução molecular; pulsações políticas do desejo. São Paulo,
Brasiliense, 1985.
HERNÁNDEZ, Tulio. “Usos teóricos y usos comunes: lo popular y la
investigación de la comunicación”. In: Comunicación y culturas populares en
Latinoamerica. Ciudad del México, Felafacs, 1987.
KAPLUN, Mário. “La comunicación popular ¿Alternativa valida?”. In: _______.
Democracia y comunicación. Chasqui, Revista Latinoamericana de
Comunicación, 1983.
KUCINSKI, Bernardo. Jornalistas e revolucionários; nos tempos da imprensa
alternativa. São Paulo, Scritta, 1991.
LIMA, Venício Artur de. Comunicação e cultura; as idéias de Paulo Freire. Rio
de Janeiro, Paz e Terra, 1981.
MACBRIDE, Sean. “Um mundo e muitas vozes”. In: Relatório da Unesco. Rio de
Janeiro, Fundação Getúlio Vargas/Unesco, 1982.
MACHADO, Arlindo; MAGRI, Caio; MASAGÃO, Marcelo. Rádios livres; a reforma
agrária no ar. São Paulo, Brasiliense, 1986.
MANZANO, Nivaldo. “Escândalo no ar”. Caros Amigos, São Paulo, no 2, maio
1997.
MARANHÃO FILHO, Luiz. Legislação e comunicação; direito da comunicação.
São Paulo, LTR, 1995.
MARINOVIC, Ivan. “Piratas de carteirinha: a deglutição oficial da nova onda”.
Humanidades, Brasília, Editora da Universidade de Brasília (UNB), no 19,
1988.
MATOS, Olgaria. Paris 1968; as barricadas do desejo. São Paulo, Brasiliense,
1981.
MELIANI, Marisa. Rádios Livres: o outro lado da voz do Brasil. São Paulo, USP,
1995. Dissertação de mestrado apresentada à Escola de Comunicação e Artes.
MELO, José Marques de. Comunicação; direito à informação. São Paulo,
Papirus, 1986.
224
________. “Comunicação na América Latina: a conjuntura pósdesenvolvimentista. In: MELO, José Marques de (org.). Comunicação na
América Latina; desenvolvimento e crise. São Paulo, Papirus, 1989.
MOREIRA, Sônia Virginia. O rádio no Brasil. Rio de Janeiro, Rio Fundo Editora,
1991.
_______. “A legislação dos meios eletrônicos nos Estados Unidos e no Brasil”.
In: GT RÁDIO – XVIII INTERCOM – CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA
COMUNICAÇÃO, 1995.
MOURA, Rosangela de. “Programa ‘Rádio Criança’quer jornal escrito”. Folha de
S. Paulo, 26 de jan. 1996. Folhinha, 5.
OLIVEIRA, Ribamar. “Definidas regras para concessão de rádio e TV”. O Estado
de S. Paulo, São Paulo, 27 dez. 1996, p. A-4.
ORTRIWANO, Gisela. A informação no rádio: os grupos de poder e a
determinação dos conteúdos. São Paulo, Summus, 1985.
PASSETI, Edson. “A política no ar: rádios livres e estatização”. In: IV
CONGRESSO ESTADUAL DOS SOCIÓLOGOS DO ESTADO DE SÃO PAULO. São
Paulo, 1987.
PEREIRA, Raimundo Rodrigues. “Vive a imprensa alternativa. Viva a imprensa
alternativa!”. In: FESTA, Regina & SILVA, Carlos Eduardo Lins da (orgs.).
Comunicação popular e alternativa no Brasil. São Paulo, Paulinas, 1986.
PERUZZO, Cicilia. “Comunicação Popular em seus aspectos teóricos”. In:
________ (org.). Comunicação e culturas populares. São Paulo,
INTERCOM, 1995.
_______. “Pistas para o estudo e a prática da comunicação comunitária
participativa”. In: PERUZZO, Cicilia (org.). Comunicação e culturas
populares. São Paulo, INTERCOM, 1995.
PLANS, Marcel. “Radio España Independiente, la ‘Pirenaica’, entre el mito y la
propaganda. In: BASSETS, Lluís (ed.). De las ondas rojas a las radios libres.
Barcelona, Ed. Gustavo Gili, 1981.
PUNTEL, Joana. A igreja e a democratização da comunicação. São Paulo,
Paulinas, 1994.
REVISTA REALIDADE. “Rádio – foi assim que ouvimos a invasão”, no 31, out.
1968, p. 8.
225
ROCHA, José Carlos. “Quem vai controlar a rádio comunitária?”. In: ENCONTRO
ESTADUAL DE RÁDIOS LIVRES E COMUNITÁRIAS DO ESTADO DE SÃO PAULO, 1.,
São Paulo, 1995.
SALIGNAC, Carla. “As rádios comunitárias são uma forma de participação do
povo. Revista E , São Paulo, SESC, no 11, maio 1997.
SANTORO, Luiz Fernando. “Rádios livres: o uso popular da tecnologia”. Revista
Comunicação e Sociedade, no 6, set. 1981.
SILVA, Carlos Eduardo Lins da. “As ‘brechas’ da indústria cultural brasileira”.
In: FESTA, Regina & SILVA, Carlos Eduardo Lins da (orgs.). Comunicação
popular e alternativa no Brasil. São Paulo, Paulinas, 1986.
_______. Comunicação, hegemonia e contra-informação. São Paulo, Cortez,
INTERCOM, 1982.
SOUZA, Marcio Vieira de. As vozes do silêncio, o movimento pela
democratização da comunicação no Brasil. Paris/Florianópolis, Foundation
pour le progrès de l’homme/Diálogo, 1996.
VENTURA, Zuenir. 1968; o ano que não terminou. São Paulo, Círculo do Livro,
1988.
226

Documentos relacionados