REVISÃO DA LITERATURA A Instabilidade Crónica da Articulação
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REVISÃO DA LITERATURA A Instabilidade Crónica da Articulação
Revista Portuguesa de Fisioterapia no Desporto | Volume 6 Número 1 > REVISÃO DA LITERATURA A Instabilidade Crónica da Articulação Tibio-Társica: Etiologia, Fisiopatologia e Métodos de Medição e Avaliação Marc Reis 1, Raúl Oliveira 2 >RESUMO Marc Reis Fisioterapeuta. Mestre em Fisioterapia pela FMH-UTL1 [email protected] Raúl Oliveira Fisioterapeuta. Doutorado em Fisioterapia pela FMH-UTL2 Introdução: A instabilidade crónica da tíbio-társica (ICTT) está associada à instabilidade mecânica e/ou funcional da articulação tíbio-társica, sendo descrita como a alteração residual mais comum após lesão capsulo-ligamentar. Testes dinâmicos mostram ser mais adequados para a identificação de défices funcionais relacionados com alterações na oscilação postural e no tempo de estabilização, com efeitos na estabilidade dinâmica, particularmente solicitada em gestos desportivos como a recepção de um salto ou numa mudança brusca de direcção na corrida. Objectivo: elaborar uma revisão compreensiva e analítica da literatura que descreva de forma sucinta o conceito de ICTT, os seus processos etiológicos e fisiopatológicos que fundamentam a disfunção, assim como os métodos de avaliação da oscilação postural que nos permitam quantificar objectivamente a dimensão dos mecanismos de controlo postural. Discussão: O desenvolvimento de instabilidade crónica da articulação tíbio-társica (ICTT) é a alteração mais comum após lesão deste complexo articular, sendo esta caracterizada como tendo uma componente mecânica e/ou funcional. Os sintomas como episódios de sensação de instabilidade articular (giving away), dor e défices em actividades funcionais associados a ocorrência de recidivas de lesão, determinam um quadro de ICTT. Os estudos enfatizam a importância da avaliação dinâmica do controlo postural, onde os mecanismos de feedforward têm especial relevância. A avaliação da OP, nomeadamente em single leg jump landing (SLJL), e do tempo de estabilização, deve ser parte integrante deste tipo de avaliação clínica. Conclusão: Uma boa compreensão dos mecanismos de controlo postural inerentes à ICTT e o conhecimentos dos métodos de avaliação da OP, permitem uma melhor integração e avaliação da efectividade de programas de reeducação neuro-motora na melhoria da estabilidade, no sentido de prevenir e/ou minimizar o risco de recidiva de lesão e consequente melhoria da performance do atleta, tanto em sujeitos com instabilidade, como em sujeitos saudáveis (prevenção). Palavras-Chave: Instabilidade crónica da tíbio-társica; Oscilação Postural; Controlo Postural; Tempo de Estabilização >ABSTRACT Introduction: The chronic instability of the ankle (CIA) is associated with a mechanical and/or functional instability of the ankle joint, being described as the most regular residual dysfunction after an ankle injury. Dynamic tests show to be the most adequate to identify the functional deficits related to the changes in postural movements and in the stabilization time, with consequences in dynamic stability, particularly the kind that is more important for sportive maneuvers such as the landing of a jump or the sudden change of a run. Goal: To elaborate a comprehensive and analytical literature revision that describes in a resumed way, the concept of CIA, its etiological and pathophysiological that is the base of the dysfunction, as well as the methods to evaluate the postural movement that allows us to objectively quantify the dimension of the mechanisms of postural control. Discussion: The development of CIA is the most common change after an injury in this joint complex, being characterize as having a mechanical and/or functional component. The symptoms such as episodes of a feeling of joint instability (giving away), pain or deficits in functional activities associated with the occurrence of recurrence of the injury, determine a CIA overview. Studies emphasize the importance of the dynamic evaluation of the postural control, where the feedforward mechanisms are especially relevant. The evaluation of the postural oscillation (PO), especially in a single leg jump landing and the stabilization time, should be fully integrated in this kind of clinical evaluation. Conclusion: A good comprehension of the postural control mechanisms directly related to CIA and the knowledge of OP evaluation methods, allow for a better integration and evaluation of the effectiveness of the neuro-motor rehabilitation programs in stability improvement, in order to prevent and/or minimize the risk of reoccurrence of the injury and consequent improvement of the athlete’s performance, in subjects with instability, as well as healthy subjects (Prevention). Key Words: Chronic Instability of the ankle; Postural Movement; Postural Control, Stabilization Time 6 Revista Portuguesa de Fisioterapia no Desporto | Volume 6 Número 1 Introdução A instabilidade crónica da tíbio-társica (ICTT) tem sido objecto de estudo em muitas investigações, nomeadamente ao nível do seu processo fisiopatológico e factores de risco intrínsecos e extrínsecos associados à sua elevada taxa de incidência, assim como, dos seus efeitos funcionais após lesão capsulo-ligamentar resultante de mecanismos de entorse de repetição. Diversos estudos apontam para a presença de alterações da oscilação postural (OP) em indivíduos com ICTT, o que poderá indiciar alterações ou disfunções nas estratégias de controlo motor ou postural. Contudo, existe alguma controvérsia relativamente aos métodos utilizados para a sua medição quanto à sua fiabilidade e sua aplicação em situações de contexto clínico. O entorse da articulação tíbio-társica é um dos mecanismos de lesão mais frequente na prática desportiva (Suda, Amorim & Sacco, 2009). Os desportos em que os atletas realizam frequentemente saltos e recepções em apoio unipodal, apresentam um elevado risco de lesão na articulação tíbio-társica (Thacker et al., 1999). Garrick (1997) considerou também que o complexo ligamentar externo da articulação tíbio-társica é uma das estruturas mais frequentemente lesada em atletas. Em 85% dos casos ocorre um processo de entorse na sequência de um mecanismo de inversão associado ou não a flexão plantar. Algumas dessas lesões podem deixar sequelas como é o caso da ICTT, aumentando o risco de recidivas ou mesmo de uma instabilidade residual permanente com impacto na actividade desportiva dos atletas. A ICTT tem sido descrita como a alteração residual mais comum do complexo articular da articulação tíbio-társica, após lesão (Caulfield, Delahunt & Kenneth, 2006). Segundo Karlsson e Chan (2005), entre 10% a 76% dos sujeitos que sofreram lesão cápsulo-ligamentar da tíbiotársica, referiram ainda sentir alterações nesta articulação, entre seis meses e um ano após lesão. Segundo Yeung, Chan e Yuan (1994), entre 40% a 70% dos indivíduos que sofreram lesões capsulo-ligamentares desenvolveram ICTT. Esta surge quando ocorre uma alteração da mecânica da estabilidade articular, devido a sucessivas lesões, resultando em défices do controlo neuromuscular (Gribble & Hertel, 2004). Na maioria dos casos, a instabilidade surge durante a prática de exercício físico, em que após uma lesão, o retorno ao treino provoca lesões recidivantes. Segundo Peters, Trevino e Renstrom (1991) após lesão capsulo-ligamentar da articulação tíbio-társica, cerca de 10% a 30% dos indivíduos referem sintomas persistentes ou recidivas de lesões. Guskiewicz e Ross (2004) estimam que a frequência da sua ocorrência seja entre 30% a 78%. Uma parte importante da intervenção em fisioterapia na prevenção e tratamento da ICTT, integra programas de reeducação e de controlo sensório-motor, no sentido de uma melhoria ou optimização dos mecanismos neurofisiológicos de controlo postural e consequente melhoria da estabilidade articular, com minimização da OP em situações de maior risco de lesão capsuloligamentar, como acontece, por exemplo, na recepção após um salto e nas mudanças bruscas de direcção e/ou velocidade. Pretendemos neste artigo elaborar uma revisão compreensiva e analítica da literatura que descreva de forma sucinta o conceito de ICTT, os seus processos etiológicos e fisiopatológicos que fundamentam a disfunção, assim como os métodos de avaliação da OP que nos permitam quantificar objectivamente a dimensão do mecanismos de controlo postural. Estes métodos também servem para avaliar a efectividade dos programas de intervenção que os Fisioterapeutas no desporto implementam em casos de atletas com ICTT. Instabilidade Crónica da Tibio-Társica: Conceitos e Etiologia Não é consensual na literatura a definição de ICTT. Segundo Delahunt et al. (2010) a ICTT é um termo utilizado em sujeitos que apresentam instabilidade mecânica e funcional da tíbiotársica e que manifestam sintomas de sensação de instabilidade articular pelo menos um ano após a ocorrência de lesão e que tenham sofrido pelo menos dois entorses de média gravidade nos últimos 2/3 anos. O desenvolvimento de instabilidade crónica da articulação tíbio-társica (ICTT) é um dos 7 Revista Portuguesa de Fisioterapia no Desporto | Volume 6 Número 1 principais problemas residuais após lesão, sendo esta caracterizada como tendo uma componente mecânica e outra funcional. Os sintomas como episódios de sensação de instabilidade articular (giving way), dor e défices em actividades funcionais associados a ocorrência de recidivas de lesão, determinam um quadro de ICTT (Delahunt et al., 2010). A ICTT apresenta uma etiologia multifactorial, onde se associam factores como a laxidão ligamentar, a fraqueza muscular, a diminuição no limiar de sensibilidade dos mecanismos proprioceptivos, desencadeando uma alteração estrutural e biomecânica da articulação, com consequente défice no controlo postural, comparativamente a sujeitos saudáveis (Denegar & Miller, 2002; Hubbard, Hertel & Sherbondy, 2006; Kavanagh, 1999; Willems, Witvrouw & Verstuyft, 2002). Hertel (2002) definiu a instabilidade crónica da articulação tíbio-társica como um episódio recorrente da sensação de instabilidade desta articulação, devido a défices neuromusculares e proprioceptivos, que reduzem a eficácia dos mecanismos aferentes e eferentes na estabilidade dinâmica da articulação. Em condições normais, as informações proprioceptivas - o sentido de posição e de movimento articular - são obtidas pelos mecanoreceptores articulares e receptores musculares (fuso neuro-muscular e órgão tendinoso de Golgi) após a detecção de um deslocamento ou de uma perturbação do movimento articular. É desencadeada uma resposta reflexa neural que origina uma activação neuromuscular, no sentido de aumentar o stifness muscular e o controlo do movimento articular, ou ainda a manutenção do controlo postural (Baltaci & Kohl, 2003) e a estabilidade funcional da articulação (Riemann & Lephart, 2002). No entanto, após um entorse da articulação tíbio-társica, a lesão nas estruturas cápsulo-ligamentares resulta numa redução da capacidade de detectar alterações no sentido de posição e movimento articular (Hertel, 2000) devido a um processo designado por desaferenciação neural (Freeman, Dean & Hanham, 1965). As alterações no controlo postural e/ou nos processos de controlo neuromuscular e sensóriomotor, muitas vezes presentes em sujeitos com ICTT, potenciam os riscos de recidivas de entorses como um mecanismo etiológico associado a este tipo de lesões. As sequelas estruturais e funcionais que muitas vezes permanecem após lesão, acentuam o risco de recidiva e elevam o número de lesões crónicas existentes. Instabilidade Crónica da Tibio-Társica: fisiopatologia e disfunção de controle motor A ICTT é geralmente associada à instabilidade mecânica (IM) e/ou à instabilidade funcional (IF) da articulação tíbio-társica (Hertel, 2002; Monaghan, Delahunt & Caulfield, 2005). A IF foi descrita como uma tendência para a articulação tíbio-társica “ceder” durante a realização de actividades funcionais normais (Freeman, 1965; Demeritt et al., 2002). Segundo Konradsen et al. (1998) esta é uma das principais complicações que ocorre após lesão, desenvolvendo-se entre 15% a 60% dos atletas que sofreram lesão. Tropp (2002) descreve a IF como uma sensação subjectiva de giving way ou sensação de instabilidade articular caracterizada pela ocorrência de movimento articular para além do controlo voluntário, e não necessariamente para além do limite de movimento articular fisiológico. Delahunt et al. (2005) consideraram que existe uma alteração da posição do pé em sujeitos com IFTT, antes e depois da recepção ao solo, podendo contribuir para um aumento do risco de lesão. Para além do risco de recidiva, existe a possibilidade de sintomas residuais como a dor, o edema e o giving way da articulação. Estes sintomas têm sido utilizados quando se emprega o termo de ICTT (Delahunt, 2007b), sendo esta designação utilizada, quando a instabilidade, a ocorrência de recidivas ou a sensação de giving way persistem por mais de seis meses (Karlsson, Eriksson & Sward, 1996). A instabilidade mecânica (IM) foi definida como o movimento da articulação tíbio-társica para além do seu limite fisiológico, sendo um termo frequentemente usado associado à laxidão ligamentar (Tropp, 2002) e testado clinicamente através testes específicos de integridade ligamentar. Hertel (2000) define a IM como um aumento da laxidão ligamentar associada a excessiva 8 Revista Portuguesa de Fisioterapia no Desporto | Volume 6 Número 1 amplitude de movimento articular ao nível da articulação subtalar, tibio-társica e/ou tíbioperonial inferior devido a uma alteração estrutural nas estruturas capsulo-ligamentares. O autor descreve a IM como laxidão patológica secundária a lesão das estruturas ligamentares que suportam a articulação tíbio-társica. Concluiu ainda que as restrições artrocinemáticas, as alterações degenerativas e as alterações sinoviais são factores associados à IM. Outros autores têm tentado definir, através de diversos estudos, a IM e a IF como entidades totalmente distintas (Tropp, Askling & Gillquist, 1985), evidenciando que a IF pode existir independentemente da IM (Lentell, Katzman & Walters, 1990; Birmingham, Chesworth & Hartsell, 1997). No entanto, diversos estudos têm provado que as duas podem coexistir (Ryan L, 1994). É geralmente aceite que apesar da IF e da IM poderem existir isoladamente, a ICTT geralmente ocorre devido a uma interacção entre as duas (Hertel, 2002; Hertel, 2000; Denegar & Miller, 2002; Wilkerson & Nitz, 1994). Cerca de 45% de todas as lesões da articulação tíbio-társica ocorrem durante a recepção de um salto (McKay et al., 2001). Sujeitos com IF da articulação tíbio-társica, apresentam alterações do padrão de movimento antes do impacto ao solo na recepção de um salto unipodal, comparativamente com sujeitos saudáveis (Caulfield & Garrett, 2002). Estas diferenças podem surgir por alterações no controlo do padrão de movimento devido a lesão anterior (Caulfield & Garrett, 2004) ou a disfunções daí decorrentes. Brown e Mynark (2007) mostraram que indivíduos com ICTT demoram mais tempo a estabilizar após uma actividade dinâmica do que o grupo de controlo não lesado. Ross, Guskiewicz e Yu (2005) colocaram a hipótese de que este aumento no tempo de estabilização pode levar a um aumento de recidivas de lesões na articulação tíbio-társica devido a dificuldades acrescidas em executar de forma mais eficiente uma recepção após um salto. Durante a fase de recepção ao solo, os mecanismos neuromusculares do membro inferior são responsáveis pela desaceleração e estabilização do centro de massa corporal que através da actividade extensora, permitem resistir ao colapso do membro inferior e atenuar ou amortecer as forças verticais de reacção ao solo (Devita & Skelly, 1992). Os sujeitos com ICTT apresentam maior tempo de estabilização do seu centro de massa após uma perturbação do equilíbrio e após a recepção de um salto relativamente a sujeitos saudáveis (Hiller, Refshauge & Beard, 2004). Estudos anteriores indicam que a instabilidade funcional da articulação tíbio-társica resulta de um atraso da resposta motora reflexa numa situação de stress ligamentar da articulação tíbio-társica e na lesão/perturbação funcional dos receptores articulares aquando da primeira lesão (Freeman et al., 1965; Wilkerson & Nitz, 1994). No entanto, há estudos que sugerem que o controle dinâmico da articulação tíbio-társica é obtido através de mecanismos de feedforward pelo sistema nervoso central dando menor relevo aos mecanismos de feedback através da acção reflexa (Konradsen, Voight & Hojsgard, 1997). Um défice no controlo postural manifesta-se frequentemente em indivíduos que sofreram entorses da articulação tíbio-társica agudos e recidivantes (Freeman, 1965; Garn & Newton, 1988). Estes défices posturais são, mais provavelmente, secundários a uma combinação de défices de controlo neuromuscular e de propriocepção (Hertel, 2002). O controlo neuromuscular é definido como uma activação motora inconsciente que ocorre na preparação e durante uma resposta ao movimento articular com o objectivo de manter e restaurar a estabilidade funcional da articulação (Holmes & Delahunt, 2009). Foi classicamente explicado por Freeman et al., (1965) que uma alteração ao nível dos mecanoreceptores após entorse leva a uma diminuição na transmissão dos impulsos aferentes para o sistema nervoso central, levando a uma diminuição da actividade reflexa, resultando em défices do equilíbrio e consequente desenvolvimento de IF. Segundo esta teoria, a estabilidade dinâmica da articulação tíbio-társica está dependente da capacidade de activação neuromuscular dos músculos eversores (peroneais laterais), em caso de uma perturbação inesperada em inversão, no sentido de prevenir a ocorrência de lesão. Indivíduos com IF demonstram ter um atraso e uma diminuição da resposta reflexa dos músculos peroneais devido a uma alteração do input 9 Revista Portuguesa de Fisioterapia no Desporto | Volume 6 Número 1 sensorial proveniente das estruturas capsuloligamentares (Delahunt E., 2007a). A dificuldade e o elevado tempo necessário para recuperar o controlo postural após uma perturbação do equilíbrio em inversão, em sujeitos com IFTT poderá ser devido a um reduzido controlo no movimento de inversão. Um conjunto de factores poderá influenciar este controlo, como a redução e/ou tardia detecção e percepção do movimento de inversão e o aumento do tempo de latência dos músculos peroneais laterais (Hiller et al., 2007). Konradsen e Magnusson (2000) verificaram que os sujeitos com ICTT apresentam um défice na capacidade de detecção dos movimentos activos e passivos da articulação tíbio-társica, nomeadamente no movimento de inversão. Contrariamente, Riemann e Lephart (2002) sugerem que a actividade reflexa do longo peroneal dificilmente fornece a protecção adequada à articulação durante uma actividade dinâmica. Dois estudos examinaram a actividade do músculo peroneal durante a recepção de um salto em indivíduos com IF. Em ambos, não foi possível identificar qualquer diminuição do tempo de reacção muscular dos peroneais laterais após a recepção do salto (Caulfield et al., 2004; Delahunt, Monaghan & Caulfield, 2006). No entanto, em ambos os estudos verificou-se uma diminuição da actividade do músculo longo peroneal antes do contacto ao solo indicando que indivíduos com IF parecem apresentar um défice do mecanismo de feedforward do controle neuromuscular (Holmes & Delahunt, 2009). A combinação destes dois défices observados poderá deixar a articulação do tornozelo vulnerável a lesões recorrentes num contacto inesperado com o solo, resultando numa lesão de hiper-inversão e consequente estiramento e lesão dos ligamentos laterais da articulação tíbio-társica (Holmes & Delahunt, 2009). Caulfield e Garret (2002) verificaram existir diferenças significativas em relação ao ângulo/ posicionamento articular da articulação tibiotársica e do joelho no momento de pré e póscontacto durante um single-leg jump-landing (SLJL) entre indivíduos saudáveis e com IFTT. A partir dos 40 milissegundos pré-contacto ao solo, os sujeitos com IFTT iniciam a flexão do joelho, e a partir dos 20 milissegundos apresentam uma preparação diferente do pé para a abordagem ao solo. Não existindo durante todo o movimento de pré-contacto qualquer tipo de força externa aplicada aos sujeitos, as alterações verificadas entre os dois grupos ao nível do comportamento cinemático da articulação tibio-társica, sugerem diferenças dos mecanismos de feedforward dos programas de controlo motor. Num estudo de Delahunt et al. (2005), observou-se que sujeitos com IFTT apresentavam um aumento significativo de supinação antes e depois do contacto do pé ao solo, assim como, um aumento significativo de flexão do joelho – entre os 95 ms antes do contacto ao solo até 5 ms após o mesmo, podendo esta posição inapropriada da tibiotársica estar relacionada com um aumento do risco de lesão, recidiva de lesão, e consequentemente ICTT. Num outro estudo de Delahunt et al. (2006) com o objectivo de estudar o comportamento cinemático e cinético das articulações da articulação tibio-társica, joelho e anca e a actividade muscular principal dos músculos destas articulações durante um salto, verificouse um aumento do movimento no plano frontal da articulação do tornozelo - aumento da posição em inversão nos sujeitos com IFTT comparativamente a um grupo de controlo sem lesão, antes do contacto com o solo (dos 200 aos 95 ms pré-contacto) o que coincide com uma d i m i n u i ç ã o s i g n i fi c a t i v a d a a c t i v i d a d e eletromiográfica do longo peroneal lateral no momento pré-contacto ao solo. A diminuição da actividade do músculo longo peroneal lateral no momento pré-contacto ao solo deixa a articulação tíbio-társica numa posição vulnerável (maior posição de inversão) e qualquer antecipação de contacto ao solo na recepção de um salto, pode originar um maior risco de lesão em hiperinversão. Konradsen et al. (1997) sugerem que uma préactivação da actividade muscular dos peroneais laterais é necessária para uma efectiva e adequada estabilização articular e prevenção de entorse em inversão. Observaram ainda uma posição de menor flexão dorsal - dos 90 aos 200 ms pós contacto, assim como, uma diminuição na capacidade de desenvolver força excêntrica no plano sagital no mesmo período de tempo. Estes resultados sugerem que sujeitos com IF 10 Revista Portuguesa de Fisioterapia no Desporto | Volume 6 Número 1 apresentam um défice no controlo do movimento de flexão dorsal (closed packed position), que associada à diminuição da sua amplitude de movimento leva a uma menor absorção de forças de reacção ao solo durante a recepção de um salto, aumentando o risco de lesão. Evans et al. (2004) identificaram défices no controlo postural em ambos os membros após lesão cápsulo-ligamentar da articulação tíbiotársica unilateral. Friden et al. (1989) verificaram uma diminuição do controlo postural em ambos os membros após uma lesão aguda unilateral da articulação tíbio-társica, comparativamente a um grupo de controlo saudável. Tropp, Odenrick e Gillquist (1985) justificaram estas afirmações defendendo a existência de alterações centrais nos mecanismos de controlo postural que levam a défices bilaterais após lesão unilateral. A reforçar esta ideia, McKeon e Hertel (2008) recomendam a não utilização do membro não lesado como comparação para a avaliação do controlo postural num membro instável, após lesão aguda da articulação tíbio-társica. Avaliação da Oscilação Postural na ICTT O sistema sensoriomotor é responsável pela manutenção da estabilidade articular funcional através da integração da informação aferente e eferente associada a comandos centrais, no sentido de promover uma activação neuromotora, e assim controlar/regular a estabilidade dinâmica articular (Riemann & Lephart, 2002). Este sistema sensoriomotor requer uma interacção constante e eficiente entre sistemas perceptivos e sistemas de acção ou de movimento. A avaliação do equilíbrio e do controlo postural é um dos métodos para a determinação indirecta de défices sensoriais após uma lesão da articulação tíbio-társica e da ICTT. O controlo postural é normalmente medido a partir da oscilação postural, através da distância e amplitude de deslocamento do centro de pressão (Mattacola & Dwyer, 2002). Alterações ao nível do sistema sensoriomotor associadas a IF da articulação tíbio-társica têm sido demonstradas pela avaliação do controlo postural em apoio unipodal. Uma deficiente integração sensório-motora ao nível da informação aferente e eferente pode levar a uma redução da estabilidade postural por disfunções ao nível dos mecanismos neuromusculares de feedback e feedforward, o que leva a um aumento da oscilação postural (OP) em apoio unipodal em indivíduos com IF da articulação tíbio-társica (Hertel &, OlmstedKramer, 2007). A medição do controlo postural, através do uso de plataformas de força, tem sido usada como forma de prevenir o risco de entorses e avaliar os défices sensoriomotores quer em estadios subagudos quer em casos de ICTT (McKeon & Hertel, 2008). A utilização de plataformas de forças permite a medição, de entre outros parâmetros, da distância e da área percorrida pelo deslocamento do centro de pressão. As plataformas Footscan® são os sistemas mais utilizados devido à sua alta especificidade, fácil manuseamento e software detalhado para a análise clínica. Para além disso, fornece informação sobre a mecânica do pé, cujas possíveis alterações dinâmicas se tornam difíceis de identificar por observação directa pelo clínico. Desta forma, quanto mais informação se obtenha acerca da condição clínica, é possível uma maior eficácia do diagnóstico e maior sucesso na intervenção. De acordo com uma revisão sistemática realizada por McKeon e Hertel (2008), a avaliação do controlo postural através do uso de plataformas de força tem uma maior relevância na identificação de défices no controlo postural em situações de lesões agudas relativamente à determinação de alterações em condições de ICTT. Segundo estes autores, ao contrário do que acontece em lesões agudas da articulação tíbio-társica, o grau de evidência obtido não permite concluir que a ICTT esteja associada a uma alteração no controlo postural. Em sentido oposto, Lephart, Riemann e Myers (2002) concluem pela existência de um aumento da oscilação postural em indivíduos com ICTT. A avaliação da OP é habitualmente realizada através da medição dos deslocamentos sofridos pelo centro de massa (CM) e centro de pressão (CP). O centro de pressão é uma medida indirecta da OP e é habitualmente utilizada pela simplicidade dos instrumentos existentes para a sua medição. A excursão do CP é avaliada tridimensionalmente pela interacção entre o apoio do pé e as forças de reacção ao solo, indicando-nos o comportamento postural na 11 Revista Portuguesa de Fisioterapia no Desporto | Volume 6 Número 1 manutenção do equilíbrio (McKeon & Hertel, 2008). O CP é definido como a projecção do centro de gravidade na base de sustentação, sendo uma medida indirecta no estudo da oscilação postural. O deslocamento do CP é descrito segundo coordenadas num plano antero-posterior e medio-lateral, sendo a variação do seu comprimento e área, parâmetros efectivos para a medição da OP (Kim, Ferdjallah & Harris, 2009). O comprimento do deslocamento do CP refere-se à distância percorrida pelo centro de pressão dentro da base de sustentação. A área é o parâmetro que delimita espacialmente a excursão do deslocamento do CP dentro da base de CP no plano antero-posterior e médio-lateral (Kim et al., 2009). Uma diminuição no comprimento e área do deslocamento do CP e uma redução da sua velocidade de excursão indicam uma melhoria da eficiência do controlo postural (Sefton et al., 2009). Hertel, Miller e Denegar (2000) referem que os testes de equilíbrio estático em apoio unipodal não são suficientemente sensíveis para detectar défices no controlo motor para a manutenção do equilíbrio, considerando os testes dinâmicos mais adequados para a identificação de défices funcionais relacionados com alterações na manutenção do equilíbrio em sujeitos com IFTT. Um estudo realizado por Ross et al. (2005), com uma amostra de 10 sujeitos com Instabilidade funcional da tíbio-társica e 12 sujeitos sem instabilidade, demonstrou que sujeitos com IF apresentam um elevado tempo de estabilização (TE) (p=0,03) após a recepção de um salto em apoio unipodal (a 50-55% da sua impulsão vertical máxima), comparativamente a sujeitos saudáveis, sendo este TE maior no sentido médio-lateral (1,90s ±0,77s) relativamente ao sentido antero-posterior (1,54s ±0,50s) (p=0,02). Os autores concluem que sujeitos com IF apresentaram um défice ao nível da estabilização dinâmica, e que as medições do TE após a recepção de saltos devem ser utilizadas como indicador de reintegração na actividade desportiva. Hertel e Olmester (2007) verificaram no seu estudo que sujeitos com ICTT apresentaram um aumento da velocidade de deslocamento do CP no sentido antero-posterior e medio-lateral. De acordo com os modelos dinâmicos do controlo postural, o sistema nervoso central não controla apenas a posição relativa do centro de oscilação postural relativamente à base de sustentação, mas também a sua velocidade relativa de oscilação, para a manutenção da estabilidade (Pai, 2003). Os testes em SLJL têm sido frequentemente utilizados para avaliar os efeitos da IFTT na estabilidade postural dinâmica (Brown et al., 2004; Wikstrom et al., 2005) e a sua melhoria através de um treino de coordenação em pacientes com ICTT (Ross & Guskiewicz, 2006). A IFTT tem sido correlacionada com um aumento do TE nos planos frontal e sagital e diversos estudos sustentam este factor como o responsável pelas alterações e défices existentes na recepção de saltos (Brown et al., 2004; Ross et al., 2005). Ross et al. (2005) analisaram o TE no plano frontal e sagital de um tornozelo estável e instável durante a realização de um salto unipodal e descreveram a segurança e precisão das medidas do TE. Estes autores definiram o tempo de estabilização como o intervalo de tempo necessário para que a taxa de variação das forças de reacção ao solo imediatamente após a recepção de um salto em apoio unipodal seja similar à taxa de variação das forças de reacção ao solo numa posição de apoio unipodal estável. Este último dado, o valor absoluto mínimo de OP, é adquirido em apoio unipodal durante 10 segundos, após a recepção de um salto. Os sujeitos realizavam um salto a 50-55% da sua impulsão vertical máxima bilateral (medida a priori) e era-lhes pedido para realizarem recepção unipodal e sua manutenção durante 20 segundos. Cada medição foi realizada sete vezes e foram realizados três medições anteriores que serviam de treino para o sujeito. Estes autores concluíram que o TE até atingirem os valores de oscilação postural semelhantes ao de uma posição estática, era significativamente superior em sujeitos com instabilidade funcional da articulação tíbiotársica. Ainda, Scott e Guskiewicz (2004) verificaram que o grupo de sujeitos com ICTT (n=14) apresentou um TE superior no sentido anteroposterior (3,27s ±0,72 vs 2,33 ±0,33s; p<0,001) e médio-lateral (2,48 ±0,50s vs 2,00s ±0,65s; p=0,04), relativamente a um grupo de controlo de sujeitos saudáveis (n=14). 12 Revista Portuguesa de Fisioterapia no Desporto | Volume 6 Número 1 A visão é um sistema determinante para o controlo do equilíbrio. Quando existe um conflito somatossensorial, como por exemplo, uma plataforma móvel ou uma superfície esponjosa, o equilíbrio pode ficar significativamente alterado comparando a performance com informação visual Vs sem informação visual. No entanto, se o input somatossensorial está alterado devido a lesão, ao retirar-se a informação visual, vai aumentar significativamente a oscilação (Bernier & Perrin, 1998). O sistema vestibular tem pouca influência na manutenção do equilíbrio quando o sistema visual e somatossensorial estão íntegros e activos (Bernier & Perrin, 1998). Se o input somatossensorial está alterado, como se supõe que aconteça em caso de ICTT, o sistema visual pode compensar o défice do sistema somatossensorial. Desta forma, o balanço entre as medições com os olhos fechados e os olhos abertos é um indicador da integridade do sistema somatossensorial (Dornan, Fermie & Holliday, 1978), sendo o quociente de Romberg um dos indicadores a que se pode recorrer para avaliar a integridade do mesmo (Tarantola et al., 1997; Lelard et al., 2010). Este quociente representa o cálculo entre os valores obtidos nas oscilações posturais em condições de olhos fechados e olhos abertos, quantificando assim a contribuição do sistema visual para o controlo postural (Shabana et al., 2005). Para além do uso de plataforma de forças para a medição da oscilação postural, poderemos recorrer a um instrumento de avaliação que permita avaliar as consequências clínicas e funcionais da instabilidade, como a FAOS (Foot and Ankle Outcome Score). Esta é uma escala de auto-preenchimento e que integra 42 questões distribuídas em cinco sub-escalas: dor, outros sintomas, funcionalidade da vida diária, funcionalidade no desporto e laser e qualidade de vida relacionada com o pé e tibio-társica (Ross, Brandsson & Karlsson, 2001). Conclusão O desenvolvimento de instabilidade crónica da articulação tíbio-társica (ICTT) é a alteração mais comum após lesão deste complexo articular, sendo esta caracterizada como tendo uma componente mecânica e/ou funcional. Os sintomas como episódios de sensação de instabilidade articular (giving away), dor e défices em actividades funcionais associados a ocorrência de recidivas de lesão, determinam um quadro de ICTT (Delahunt et al., 2010). A avaliação da OP é realizada pela medição da área e comprimento do deslocamento do centro de pressão, através do recurso a plataformas de força. Esta avaliação pode igualmente ser complementada pela utilização de instrumentos de avaliação, como a FAOS. Enfatizamos a importância da avaliação dinâmica do controlo postural, onde os mecanismos de feedforward têm especial relevância. A avaliação da oscilação postural, nomeadamente em SLJL, e do tempo de estabilização, deve ser parte integrante deste tipo de avaliação clínica. Estando a ICTT associada a défices no sistema sensorio-motor, é uma constante na prática da fisioterapia no desporto a utilização de programa de reeducação sensorio-motora, na melhoria da estabilidade, no sentido de prevenir e/ou minimizar o risco de recidiva de lesão e consequente melhoria da performance do atleta, tanto em sujeitos com instabilidade, como em sujeitos saudáveis (prevenção). Desta forma, é fundamental avaliar a evidência que esses programas podem ter na optimização e na efectividade dos mecanismos de protecção articular e de controlo postural. Bibliografia Baltaci, G. & Kohl, H. W. (2003). Does proprioceptive training during knee and ankle rehabilitation improve outcome? Physical Therapy Reviews, 8, 5–16. Birmingham, T. B., Chesworth, B. M., Hartsell, H. D., et al. (1997) Peak passive resistive torque at maximum inversion range of motion in subjects with recurrent ankle inversion sprains. Journal of Orthopedics Sports Physical Therapy, 25, 342-8. Brown, N. & Mynark, R. (2007) Balance deficits in recreational athletes with chronic ankle instability. Journal of Athletic Training, Jul-Sep: 42(3), 367-73. Brown et al. (2004) Assessing functional ankle instability with joint position sense, time to 13 Revista Portuguesa de Fisioterapia no Desporto | Volume 6 Número 1 stabilitation and electromyography. Journal of Sport Rehabilitation. 13(2), 122-134. 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