as cores na paisagem tem história para contar

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as cores na paisagem tem história para contar
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IV SEMINÁRIO DE ESTUDOS CULTURAIS, IDENTIDADES E RELAÇÕES
INTERÉTNICAS
GT 4 - ESTUDOS CULTURAIS E POSSIBILIDADES DE PESQUISA
AS CORES NA PAISAGEM TEM HISTÓRIA PARA CONTAR
Greciane Neres do Nascimento
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AS CORES NA PAISAGEM TEM HISTÓRIA PARA CONTAR
Greciane Neres do Nascimento
PROARQ-UFS
[email protected]
Resumo
Pretendemos evidenciar as relações entre Arqueologia, Arte e Antropologia, através do
estudo da experiência estética relacionada à arte rupestre numa perspectiva
fenomenológica. Através dos estudos, feitos no Complexo Arqueológico Lagoa da
Velha, localizado na cidade de Morro do Chapéu-BA, procuramos estabelecer relações
entre arte rupestre, paisagem e memória, considerando a pintura como resultado/produto
da interação entre artistas e paisagem. Tentamos entender a arte rupestre a partir de sua
dimensão sensorial e por isso utilizaremos a abordagem que privilegia os sentidos
(sensorial), dando especial atenção às aplicações da cor nessa paisagem e sua relação
com a memória.
Palavras-Chave: Pintura rupestre; Cor; Paisagem.
THE LANDSCAPE'S COLOURS EXPLAINS STORIES
Summary
We intend to demonstrate the relationship between Archeology, Art and Anthropology,
through the study of aesthetic experience related to rock art in a phenomenological
perspective. From studies in Lagoa da Velha Archaeological Complex, located in Morro
do Chapéu-BA, we try to establish the relationship between the rock art, landscape and
memory, considering the painting as a result / product of interaction between artists and
landscape. We also try to understand the rock art from a sensory dimension and,
therefore, we use the sensory approach, with special attention to the use of colors in the
landscape and its relationship with memory.
Keywords: Rock art; Cave painting; Color; Landscape.
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1. INTRODUÇÃO
Outro dia me perguntaram: Por que você escolheu pesquisar pintura rupestre? E
eu no momento, meio pega de surpresa respondi: Bem, não sei exatamente dizer o
motivo pelo qual eu “escolhi” trabalhar com arte rupestre, mas o que posso dizer que
meu encontro com a arte rupestre é algo tão mágico que eu jamais conseguiria explicar,
eu acho. Não o primeiro encontro (a minha primeira experiência num sítio arqueológico
com pinturas rupestres foi meio frustrante), era um lugar encantador, uma queda d´água
incrível, mas o sítio mesmo, as pinturas estavam apagadas e eram nada mais de meia
dúzia de rabiscos... Mas depois disso, em outra ida a campo, desta vez na cidade de
Morro do Chapéu-BA, a percepção sensorial da paisagem foi completamente diferente,
foram muitos dias vivenciando o mesmo sítio arqueológico, as pinturas eram
abundantes, com cores intensas, vivas e com muitas policromias. Diferentes formas,
pinturas grandes e outras em miniatura, algumas quase ‘escondidas’. Depois dessa
imersão pictórica, passei a me encantar com os lugares em que estive e os mistérios que
estão por trás das pinturas. Sobretudo as cores, a cor pulsa na pedra, que ganha vida na
forma. Foi o encontro com essa materialidade que me “convidou” a trabalhar com a arte
rupestre e também foi desta intensa experiência num dos sítios arqueológicos visitados
(Complexo Arqueológico Lagoa da Velha) que iniciei meus primeiros trabalhos na
região1. Nesses anos, os encontros com esses lugares, foram se tornando cada vez mais
frequentes e duradouros, são lugares de memórias minhas e de outros, do presente (das
minhas experiências) e do passado (das experiências dos povos que ali estiveram).
É com essa pequena narrativa acima que inicio este texto. E é na narrativa,
fazendo parte dela, que, como entende Harré (2002), o objeto deixa de ser coisa
passando a fazer parte de uma narrativa. Como a minha proposta teórico-metodológica
de pesquisa está intimamente baseada numa perspectiva fenomenológica da paisagem, a
experiência, a vivência e como eu percebo esta paisagem estão profundamente ligados
com a minha narrativa, minhas memórias e minha compreensão desta paisagem.
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Monografia sob o título: Estudo das pinturas rupestres com pigmentos amarelos no sítio Lagoa
da Velha em Morro do Chapéu-Ba. Apresentada no ano de 2011, sob orientação do Prof. Dr.
Carlos Etchevarne, na Universidade Federal da Bahia.
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Este artigo tentará apresentar em linhas gerais alguns caminhos que venho
percorrendo na minha pesquisa de mestrado em arqueologia, em que discutirei a
percepção das cores na arte rupestre e a experiência estética numa perspectiva
fenomenológica. A ideia é discutir aspectos que contemplem uma abordagem até então
pouco discutida no Brasil.
Há um volume expressivo de publicações que têm discutido arte rupestre2 com
diferentes abordagens, mas pouco se tem discutido aspectos da experiência estética e as
cores na arte rupestre brasileira, assim, este trabalho busca aproximar alguns conceitoschave e tenta traçar um caminho possível em que o corpo, a memória, a experiência, a
paisagem e o tempo estejam envolvidos nesta jornada.
2. ARTE RUPESTRE E A PAISAGEM
Vivenciei pela primeira vez a paisagem que é também área de estudo da minha
pesquisa de mestrado, há mais de cinco anos, é nela que está o Complexo Arqueológico
Lagoa da Velha, no município de Morro do Chapéu, estado da Bahia. De lá para cá, já
voltei a este sítio arqueológico muitas outras vezes e a cada retorno nesta paisagem
vivencio uma nova experiência e percebo o lugar de outras maneiras, como já foi dito
por Merleau-Ponty (1999) o mundo é aquilo que nós percebemos e Tilley (2004)
quando diz o mundo real é o mundo percebido. Esse encontro e essa experiência estão
atrelados na minha percepção desta paisagem. Ainda de acordo com Tilley:
(...) a maneira como experiencio um artefato ou um lugar
depende dos conformes de nosso encontro. A partir de direções
diferentes ou de sequências de direções diferentes, eu encontro
coisas distintas. (TILLEY, 2014: p. 34).
O conceito de arqueologia da paisagem já vem sendo amplamente discutido na
arqueologia, mas pouco se tem discutido numa tentativa de aproximá-lo ao estudo das
representações rupestres. Na última década duas publicações iniciaram essa discussão
no Brasil, resultado das dissertações de mestrado de Vanessa Linke (2008) e Andrei
Isnardis (2004), neles há uma ampla discussão sobre a manutenção e transformação da
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Irei adotar neste texto o termo “Arte Rupestre”, amplamente aceito pela comunidade científica em geral.
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paisagem por diferentes autores e em compreender os comportamentos no que diz
respeito às escolhas implícitas nas formas de construir e manter as paisagens por meio
dos grafismos rupestres (LINKE; ISNARDIS, 2010: p.44).
Entendemos a paisagem não como um grande supermercado cheio de
mercadorias/recursos à disposição, ou como algo estático. A nossa abordagem parte de
uma perspectiva da paisagem como sendo culturalmente construída, que está em
constante mudança. A paisagem que é impregnada de sentidos, de significados, que foi
modificada e modifica o caminhar. Paisagem são construções que se formam a partir de
três aspectos interligados: prática, memória e narrativa (PELLINI, 2014).
Os sítios de arte rupestre por sua vez devem ser entendidos como locais que
sofreram e sofrem mudanças, onde marcas evidentes foram sendo feitas ao longo do
tempo. Além disso, ocorrem eventuais mudanças de cores nas pinturas, escorrimento de
sílica, descamamento da rocha e quedas de blocos. Se levarmos em conta também
alguns aspectos antrópicos, como por exemplo, fogueiras recentes, pixações, uso dos
lugares por caçadores, peregrinação religiosa, a eventual resignificação desses locais
pelas populações atuais. Assim, sabemos que a nossa experiência ao vivenciar o sítio
jamais alcançará a sua configuração original.
Que poder esses sítios e essas pinturas exerciam sobre essas pessoas? E/ou
vice-versa? Nas suas memórias, nas lembranças? Fomos ensinados a pensar em
memória como uma capacidade cerebral, mas o ato de memória envolve todo nosso
corpo. O corpo foi entendido como um ponto central na percepção sensorial, tanto
Boivin (2003) quanto Tilley (2004) falam de um corpo que pinta, de um engajamento
corpóreo para a apreensão da paisagem. A interação do corpo móvel no mundo cria um
quadro de experiência nesta interação (Tilley, 2004). O sítio, ou melhor, a paisagem
condiciona nosso caminhar, é uma relação corpórea com o mundo, se pensarmos que
quando deixamos estes aspectos fora das nossas discussões, deixamos de lado uma
perspectiva importante.
É neste ponto que também tentamos aproximar esses dois conceitos paisagem e
memória, uma vez que entendemos que paisagem e memória andam juntos. As pinturas
rupestres como diria Pauketat (2003) funcionaria como uma espécie de lembrete
constante para as pessoas em diferentes situações.
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3. ARTE RUPESTRE E EXPERIÊNCIA ESTÉTICA UMA APROXIMAÇÃO
POSSÍVEL
No ocidente usamos palavras como 'arte' para designar objetos de especial valor
sensorial em nossa cultura, mas nem todas as culturas têm uma categoria de arte
(Gosden, 2001: p. 163). É um tema delicado e controverso, defendido por alguns e
criticado por outros, se por um lado Gell (1998) e outros criticam a noção de estética na
antropologia da arte, por outro lado Gosden defende que este conceito é muito útil para
se jogar fora. Sabemos claramente que a análise que fazemos ao estudarmos um objeto é
enviesada pela nossa percepção pelos conceitos antecipadamente aprendidos por nós,
mas não podemos desprezar a possibilidade de “olharmos” para esses objetos dentro de
um contexto específico. O importante, é entender “como” esses objetos estabelecem
relações sociais com as pessoas, assim como Gell entende que esses objetos ajudam a
criar e a manter relações sociais. A noção de estética é um caminho possível para
trabalharmos com arte rupestre. Se pensarmos que o comportamento estético é parte
da condição humana, uma vez que experimentamos de modo sensorial o mundo à
nossa volta. De acordo com Giesbrecht (2002: p.06):
Noções de Beleza e de Verdade podem não ser parte daquela
experiência já que estes não são os únicos objetos dos
julgamentos estéticos. O que não é consistente na experiência
humana são os detalhes que envolvem as experiências
sensoriais.
Quando estabelecemos a relação entre a estética e as pinturas rupestres, não
estamos tratando do conceito moderno de estética, buscamos recordar o significado
etimológico original do palavra "estética”, aisthitikos é a palavra do grego antigo para
aquilo que é "perceptivo sentindo". De acordo com Buck-Morss (1992: p.06):
Aisthisis é a experiência sensorial de percepção. O campo original da
estética não é arte, mas a realidade - corpóreo, material, natural. Como
Terry Eagleton escreve: "Estética nasce como um discurso do corpo".
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É uma forma de cognição, conseguida através de paladar, tato,
audição, visão, cheiro - todo sensório corporal.
Como negar a experiência estética da materialidade? Como negar que os objetos,
as pinturas foram feitas e em muitos casos ganham mais atenção (não somente a nossa,
mas possivelmente daquele grupo que o produziu) pelo seu “conteúdo estético”. Por que
algumas pinturas chamam mais a atenção de que outras? Por que os machados semilunares não foram confeccionados com qualquer rocha ao invés de rochas que lhe
atribuem cor e textura diferenciada, por exemplo? E mais, por que muitos deles não
foram usados para cortar, já que são conhecidos e categorizados por nós arqueólogas e
arqueólogos como machados? Por que pintar e desenhar na parte interna dos recipientes
cerâmicos (as cerâmicas de tradição Tupy são um dos tantos exemplos deste tipo)
conhecidos arqueologicamente como assadores? Como deixar de pensar na arqueologia
e sua materialidade, seus objetos, sem pensarmos na arte e na estética? Como já foi dito,
as pessoas apreendem o mundo de diferentes maneiras, a percepção sensorial do mundo
não é puramente fisiológica de impulsos que chegam aos nossos cérebros, mas sim de
algo que temos de engajar ativamente. Neste ponto é importante destacar o papel que a
cultura e as diferentes formas de como percebemos o mundo estão intimamente ligadas,
pois somos educadas e educados sensorialmente e isso tudo é aprendido, mesmo que
não tenhamos na maioria dos casos consciência disso.
4. AS CORES TEM HISTÓRIA PARA CONTAR
O homem só é levado ao desejo de conhecer fenômenos notáveis se
lhe chamam a atenção. Para que esta perdure, é preciso haver um
interesse mais profundo, que nos aproxime cada vez mais dos objetos.
(Goethe, 1993: p.43).
A cor é cada vez mais reconhecida dentro da antropologia e arqueologia, como
um importante jogo na prática social que define as relações entre as pessoas, coisas e
paisagens (ZAWADZKA, 2011). A cor é manipulada e manipula, é na cor que a forma
se faz pintura e nela a ideia se materializa.
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De acordo com Zawadzka (2011), os sítios de arte rupestre estão entre os lugares
mais marcantes onde as cores têm história para contar nos olhos cromáticos da
paisagem. Neste ponto trataremos apenas da cor relacionada aos sítios de pinturas
rupestres e não das cores de todo contexto da paisagem em que eles estão inseridos.
Uma vez que as cores estão em diferentes nuances nas paisagens, e podem ser
percebidas ou não, como já foi dito, depende também de quem as experiencia.
É preciso que façamos uma diferenciação entre os termos: o pigmento e a cor.
Os pigmentos pré-históricos são alvos de investigações há algumas décadas no Brasil,
principalmente aspectos físico-químicos. As investigações neste campo, atualmente
apresentam resultados importantes para a arqueologia no Brasil (NASCIMENTO,
2013). Por outro lado, aspectos relacionados a cor na arte rupestre brasileira ainda
carecem de abordagens que contemplem suas relações com a estética, forma, temática,
etc.
Há um volume expressivo de pesquisas sobre as representações rupestres no
Nordeste do Brasil (Bahia, Piauí, Pernambuco, Paraíba, etc.), mas aspectos que
contemplem o universo simbólico, preferência estética, experiência corporal e estas
relações com a cor ainda são abordagens pouco comuns. Assim, a minha proposta atual
é pensar a cor e seus aspectos especiais, é pensá-las num contexto de preferência,
entende-las para além dos aspectos físico-químicos. Afinal, não faz sentido ficarmos
discutindo quanto de cristais de quartzo contém numa determinada pintura feita com
hematita ou com goetita. É preciso entender quais sentidos estão impregnados na cor,
suas nuances, sua adição a outras pinturas e como estas promovem um diálogo com as
pessoas através da experiência.
A questão central é: como trabalhar com arte rupestre numa outra perspectiva,
que possa contemplar aspectos que contemplem a cor, o corpo, a memória, o tempo, a
experiência e percepção sensorial? Nesta seção tentarei, ainda tateando, pisando em
ovos, aproximar alguns aspectos teóricos úteis para ampliar a discussão da minha
investigação em arte rupestre.
Tilley (2004) baseado na fenomenologia de Merleau-Ponty, traz uma
colaboração importante quando aproxima a percepção sensorial com relação à cor:
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Em vez disso, podemos considerar a percepção da cor como parte da
coisa percebida, uma parte da sua existência e significado para o
observador. As cores são percebidas de forma diferente em diferentes
circunstâncias. Se a coisa vermelha é lisa, áspera, brilhante, grandes
ou pequenas questões ( ibid. : 313) (p. 12, tradução minha).
Apesar de entender que tratarei sobre as cores, o que nos leva inevitavelmente a
relacioná-las apenas em como as enxergamos, é necessário exercitarmos a possibilidade
de tratá-las para além dos nossos olhos. Na perspectiva fenomenológica, o visível é o
que se apreende com os olhos, o sensível é o que apreendemos com sentidos (MerleauPonty, 1999). Se apreendêssemos as cores somente com os olhos, como poderíamos
discutir o entendimento das cores quentes e das cores frias (objeto de discussão de
Goethe na Doutrina das Cores).
Na Doutrina das Cores, mesmo dando ênfase ao poder da visão, Goethe em sua
narrativa fala sobre os outros sentidos quando diz:
A totalidade da natureza também se mostra a outro sentido. Fechando
os olhos, o ouvido se aguça: do mais leve sussurro ao mais selvagem
ruído, do som mais simples à mais elevada harmonia, do grito mais
veemente e apaixonado à palavra mais suave da razão, é somente a
natureza que fala e revela a sua presença, poder vida e relações.
Mesmo privado da visibilidade infinita, um cego pode, pela
audição, perceber a infinita vitalidade. (Goethe, 1993: 35-36) Grifo
nosso.
Em geral, uma abordagem muito comum nos estudos brasileiros em arte
rupestre, em que é dado ênfase à mente que pinta, exemplifico aqui a teoria
“Gourhaniana” um dos clássicos da antropologia e arqueologia. De acordo com ele, a
visão é responsável pela “evolução” dos territórios coordenadores de gestos traduzidos
em símbolos materializados graficamente (LEROI-GOURHAN, 1985: p.193). É
importante destacar que a materialidade encarnada das pinturas nos suportes não deve
ser somente atrelada a visão, porque aquela ou aquele que pinta, não pinta somente com
os olhos e as mãos, mas pinta com o corpo inteiro. Se pensarmos que estamos
desprezando todo um entendimento e potencialidades sensoriais, essa concepção restrita
(amplamente utilizada) da visão sobre os outros sentidos, está nos ajudando a
compreender/apreender o que exatamente?
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Um ponto importante da abordagem sobre a cor, a cor que vemos hoje já sofreu
alterações diversas com a ação das intempéries e certamente sofreu mudanças
cromáticas. Assim, algumas tintas vermelhas perdem cor tornando-se alaranjadas,
algumas amarelas tornam-se tão claras que ficam quase imperceptíveis, e as brancas e
pretas em geral em menores proporções nos sítios de arte rupestre da mesma forma. Por
outro lado, quando estamos nos domínios das cores os aspectos subjetivos, vilão, tão
rechaçado pela “ciência objetiva”, assume posição de protagonista. Não é possível ser
"puramente" objetiva ou "puramente" subjetiva. Nossa experiência e conhecimento do
mundo é uma combinação de ambos (Tilley, 2004).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As cores são importantes marcadores de transformação, sazonalidade e
temporalidade, seja na cultura material ou na paisagem. É só tentarmos lembrar de um
jardim florido, de uma árvore a exemplo do Ipê amarelo, o quanto a cor vibra na
paisagem, o quanto é particular e única essa experiência estética.
Abordar a paisagem e a arte rupestre é mais um caminho possível para
buscarmos um entendimento de um contexto mais amplo, pois ao contrário do que em
sua maioria acontece nas abordagens sobre sítios com representações rupestres, em que
as discussões estão centradas nas figuras em si, analisadas fora dos suportes em que
foram pintadas ou gravadas, nosso esforço é buscar um entendimento desta paisagem
impregnada de memória, que ganhou “vida” nas cores das pedras.
Há duas questões a serem tratadas, a primeira é reconhecer as limitações de
nossas percepções sensoriais e reconhecer a existência de realidades além do nosso
alcance (OUZMAN, 2001).
A arte tem uma dimensão sensorial muito particular. Cada ser humano que tem
contato com a materialidade na pedra, a arte rupestre, terá uma experiência única diante
das pinturas. É alguma coisa inexplicável, que te toca, que te envolve, que te motiva a
buscar entender qual o sentido dessas pinturas nas paredes? Mas para que? Para quem?
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Por que? A liberdade das pincelas, a carga de tinta, o universo criativo, não há nada
mais revolucionário e libertador do que a arte.
Os sítios arqueológicos com representações rupestres, sejam elas pintadas ou
gravadas, estão impregnados de memórias, são marcadores temporais, marcam a
paisagem, como citamos no título desse pequeno artigo, as cores nesses sítios tem
história para contar, resta saber se nós enquanto pessoas do presente estamos ‘treinados’
para vivenciá-las, experienciá-las e transformá-las em narrativas, como a que acabamos
de fazer.
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