3 Precipitação
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3 Precipitação
ENG06631-Metalurgia Extrativa dos Metais Não-Ferrosos I-A Nestor Cezar Heck - DEMET / UFRGS 10 3 Precipitação 3-1 O que é? É a remoção de um soluto (específico), de uma solução saturada, pela formação de um composto sólido, tipicamente cristalino, através da perda da solubilidade provocada por um método químico. 3-2 Emprego A precipitação atende aos objetivos de separação e de formação de composto. Quando uma solução contém íons indesejados, pode-se: (i) precipitar seletivamente esses íons ou, alternativamente, (ii) somente aquele que contém o metal de valor. O objetivo, aqui, é a separação; um exemplo importante na metalurgia extrativa é a eliminação do ferro para a purificação de soluções ricas em Zn2+, provenientes da lixiviação, na metalurgia extrativa do zinco. Um segundo objetivo é o da formação de composto (raramente final) para a obtenção do metal; um exemplo é a precipitação de Mg(OH)2 da água do mar, para a extração em larga escala do magnésio. De uma maneira geral, os compostos metálicos são precipitados pela adição de reagentes químicos sob a forma de soluções aquosas, gases, ou de compostos sólidos à solução sob tratamento. Um exemplo de reagente sólido é o Ca(OH)2, utilizado na precipitação de Mg(OH)2 , mas também se pode citar a injeção de gases tais como: H2S e SO2. Assim, compostos de Ni e Co, em uma solução aquosa contendo sulfato de ferro, à 25°C, podem ser precipitados pela injeção de H2S à pressão de 1 [atm]. Esse tratamento reduz as concentrações dos metais Fe, Ni e Co na solução, respectivamente, para os seguintes valores de equilíbrio: 1; 0,01 e 0,0001 [M]. 3-3 Aspectos termodinâmicos da precipitação A precipitação pode ser estudada sob o ponto de vista da termodinâmica analisando-se o importante caso da precipitação de hidróxidos – mas ela se aplica, também, a outros compostos. Naquele caso, o seguinte equilíbrio pode ser escrito: Me(OH ) z = Me z + + z (OH − ) . A constante de equilíbrio – aqui igual ao produto de solubilidade –, considerando a atividade do hidróxido ‘puro’ como sendo igual à unidade, é dada por: K = aMe z + ⋅ a(zOH ) − . Extraindo-se o logaritmo decimal dessa expressão tem-se log aMe z + = log(K ) − z log aOH − . ( ) ( ) Como, por definição, pOH = − log(aOH − ) , a substituição dessa expressão na equação anterior permite descrever a concentração de uma espécie metálica dissolvida em uma solução aquosa em função do pOH: log aMe z + = log(K ) + z ⋅ pOH . ( ) Podemos substituir a expressão do pOH pela do pH – muito mais utilizada – lembrando que: pOH = 14 − pH . Assim: ( ) log(a ) = log(K ) + z ⋅ 14 − z ⋅ pH , log aMe z + = log(K ) + z (14 − pH ) , Me z + ou, log(aMe z + ) = − z ⋅ pH + cte. – que é a equação da reta que descreve o logaritmo da atividade de um íon metálico em uma solução aquosa em função do valor do pH. A inclinação dessa reta é igual ao negativo da valência do íon, -z; e, portanto, é cada vez mais ‘aguda’ (ou sensível ao valor do pH) conforme estamos tratando de íons monovalentes, bivalente ou trivalentes – independentemente de qual seja o metal. O uso desta análise será vista, na sequência, dentro de uma das técnicas de cristalização. 3-4 Técnicas de precipitação Para se promover a precipitação de um sólido (sem eliminar o solvente ou mudar o valor do produto de solubilidade pela alteração da temperatura) pela primeira técnica adiciona-se à solução (inicialmente na condição A, Figura 3-1) um excesso ENG06631-Metalurgia Extrativa dos Metais Não-Ferrosos I-A Nestor Cezar Heck - DEMET / UFRGS 11 do íon não-metálico P y- – o íon comum, aquele presente nas duas soluções. Dessa forma, o produto de solubilidade é excedido e a solução estará na condição B – solução instável. A instabilidade acabará por provocar a cristalização do composto MemPn. Pela precipitação do composto, o equilíbrio químico, ponto C, será eventualmente atingido. Exemplo dessa primeira técnica é a adição de HCl a uma solução de cloreto de prata (que contém os íons Ag+ e Cl-). Se o aumento na concentração de íons cloreto exceder o limite de solubilidade do sal, haverá a precipitação de parte dos íons Ag+ como AgCl. Figura 3-1. Produto de solubilidade dos íons Me z+ e P y– (linha curva contínua); de acordo com a técnica de precipitação de adição de íon comum, os íons, inicialmente na condição A, são obrigados a passar à condição B, atingindo eventualmente o estado final C (ver texto); o deslocamento líquido é de A para C A análise termodinâmica da precipitação de hidróxidos, realizada anteriormente, espelha exatamente o fenômeno da adição de um íon comum. Adicionando-se o íon OH- à solução alcalina tem-se, como resultado, a precipitação do composto. É importante ressaltar a ampla faixa de pH’s sobre a qual os metais se precipitam como hidróxidos, Figura 3-2. Além da técnica de adição de um íon comum, também se usar a técnica da modificação do composto a precipitar. Com a segunda técnica, pode-se precipitar um determinado íon dando-lhe a possibilidade de formar um novo composto, com a adição de um reagente à solução. Assim, por exemplo, os íons Pb2+ e SO42- coexistem em uma solução sem se precipitar como sulfato enquanto o produto das suas concentrações (atividades) for menor que o valor do produto de solubilidade do PbSO4, 6,3x10-7. Adicionando-se à solução Na2CO3 (íons: Na+ e CO32-) em uma quantidade suficiente, é provável que o valor do produto de solubilidade do PbCO3, de 7,41x10-14 – muito menor do que o do sulfato –, seja facilmente excedido! Desse modo, a solução se exaure quase que completamente dos íons Pb2+, que – usando-se uma linguagem coloquial – ‘optam’ pela precipitação do (novo) composto PbCO3 . 3-5 Seletividade A ampla faixa de pH’s sobre a qual os metais se precipitam como hidróxidos, vista na Figura 3-2, permite – pelo controle adequado do valor de pH – a separação dos diferentes cátions de uma solução. Neste caso, pode-se precipitar tanto a impureza quanto o metal de valor – aquele que possuir o menor valor do produto de solubilidade. Um caso muito interessante é aquele apresentado pelo Fe. O ferro é um metal abundante na natureza, e normalmente está presente nas soluções da lixiviação em uma concentração que não pode ser desprezada. Ele pode estar nos estados oxidados II ou III e as duas formas se comportam de modo bastante desigual: enquanto a concentração do Fe3+ é igual a 10-4 M para um pH da solução igual a 3, um pH de ~8 é necessário para se conseguir a mesma concentração do íon Fe2+. Assim, a existência desses dois estados de oxidação provê rotas alternativas para a separação seletiva do ferro de outros metais: na primeira, na presença de ferro II, pode-se precipitar preferencialmente íons de alguns metais como Co3+ e Al3+. Na segunda – a mais importante –, elimina-se preferencialmente a maior parte do ferro III, deixando-se na solução íons de vários metais comuns. ENG06631-Metalurgia Extrativa dos Metais Não-Ferrosos I-A Nestor Cezar Heck - DEMET / UFRGS 12 Figura 3-2. Diagrama esquemático da precipitação de hidróxidos de metais (baseado em dados termodinâmicos para a temperatura de 25°C) Para este caso, é interessante saber que a transformação de ferro II em ferro III não é difícil de ser realizada, por exemplo, pela simples injeção e borbulhamento ar no seio da solução aquosa. 3-6 Problemas e dificuldades Durante a eliminação do ferro, na purificação da solução de lixiviação do óxido de zinco, os fenômenos são mais complexos do que os esperados. Infelizmente, nessa solução, quando se eleva o pH para a precipitação do Fe(OH)3, há uma tendência de que complexos do tipo ‘Fe3+-oxidrilas’ formem polímeros com ligações cruzadas (via pontes de oxidrilas) dando origem a um ‘gel’ de ferro, de difícil decantação. A saída para esse problema foi a descoberta de que a adição de íons NH4+, Na+ ou K+ à solução, à temperatura de 95°C (mantendo-se o valor do pH entre 1,1 e 1,5), provoca a precipitação do Fe sob a forma de uma fase cristalina mineral conhecida como jarosita (com a fórmula geral X Fe3(SO4)2(OH)6 onde X pode ser: NH4+, H3O+, Na+ ou K+), facilmente separável da solução, e que contém pouco zinco substituindo outros elementos na sua rede. Uma dificuldade, na precipitação dos metais via hidróxidos, é a manutenção do valor do pH da solução em um ponto específico – álcalis muito fortes, como o NaOH, tendem a deslocam o pH para valores tão altos que a precipitação de produtos gelatinosos, de difícil lavagem e filtração, são comuns 1; o controle que se consegue em laboratório, pelo uso de soluções tampão, é industrialmente inviável em razão do alto custo envolvido. Como alternativa está a escolha criteriosa de óxidos, hidróxidos ou carbonatos metálicos apropriados, capazes de realizar apenas a sua dissociação parcial na solução. Por fim, resta a constatação, de que, sob um valor de pH muito elevado, alguns metais voltam a se solubilizar – nesse caso sob a forma de íons oxidados, normalmente ânions – inviabilizando a sua precipitação. O íon Al+ , por exemplo, vai sendo precipitado à medida que o pH aumenta, mas, se ao final o valor de pH for muito alto, a concentração do ânion AlO2- não pode mais ser desprezada (lixiviação do precipitado, já prevista no diagrama de Pourbaix). 1 Isso decorre da elevada força motriz que se estabelece, provocando a cristalização de muitas partículas pequenas, com um diâmetro de aproximadamente 1 µm.