Apostila Nono Ano (Parte 2) – Terceira Certificação

Transcrição

Apostila Nono Ano (Parte 2) – Terceira Certificação
Colégio Pedro II
Campus São Cristóvão II
Departamento de Sociologia/Equipe de Ciências Sociais
Apostila Nono Ano (Parte 2) – Terceira Certificação - 2015
Elaboração: Professores Alline Torres, Marília Silva, Paulo Victor Aniceto, Raquel Silveira e Tatiana
Bukowitz
Coordenação: Professora Marília Silva
Continuação da apostila do projeto “Caça aos Códigos”
20.
Texto 10
Gilles Deleuze chamou a atenção de seus leitores para o fato de que, no mundo
cibernético – aquele organizado através das redes de computadores –, o marketing é o novo
instrumento de controle social. As estratégias de comunicação instantânea empregadas pelas
mídias e indústria cultural chegam a milhões de pessoas. Em poucos segundos, anúncios sobre
mercadorias, personalidades, estilos de comportamento se propagam por muitos lugares do
planeta, estimulando tanto o consumo quanto determinados padrões de vida geralmente
associados à cultura capitalista. Tais anúncios são criados com técnicas publicitárias que nos
convencem a entrar na espiral incessante da compra e do endividamento. Para Gilles Deleuze,
no mundo contemporâneo, o controle é ao “ar livre”: sem confinar espacialmente ninguém, o
marketing produz desejos que parecem únicos e individuais, cria uma percepção de liberdade e
bem-estar relacionada ao consumo ininterrupto, e regula o cotidiano abrindo mão das grades, dos
muros altos e das torres de observação.
21.
Poema “Eu, etiqueta” (Carlos Drummond de Andrade)
Em minha calça está grudado um nome
que não é meu de batismo ou de cartório,
um nome... estranho.
Meu blusão traz lembrete de bebida
que jamais pus na boca, nesta vida.
Em minha camiseta, a marca de cigarro
que não fumo, até hoje não fumei.
Minhas meias falam de produto
que nunca experimentei
mas são comunicados a meus pés.
Meu tênis é proclama colorido
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de alguma coisa não provada
por este provador de longa idade.
Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro,
minha gravata e cinto e escova e pente,
meu copo, minha xícara,
minha toalha de banho e sabonete,
meu isso, meu aquilo,
desde a cabeça ao bico dos sapatos,
são mensagens,
letras falantes,
gritos visuais,
ordens de uso, abuso, reincidência,
costume, hábito, premência,
indispensabilidade,
e fazem de mim homem-anúncio itinerante,
escravo da matéria anunciada.
Estou, estou na moda.
É duro andar na moda, ainda que a moda
seja negar minha identidade,
trocá-la por mil, açambarcando
todas as marcas registradas,
todos os logotipos do mercado.
Com que inocência demito-me de ser
eu que antes era e me sabia
tão diverso de outros, tão mim mesmo,
ser pensante, sentinte e solidário
com outros seres diversos e conscientes
de sua humana, invencível condição.
Agora sou anúncio,
ora vulgar ora bizarro,
em língua nacional ou em qualquer língua
(qualquer, principalmente).
E nisto me comparo, tiro glória
de minha anulação.
Não sou - vê lá - anúncio contratado.
Eu é que mimosamente pago
para anunciar, para vender
em bares festas praias pérgulas piscinas,
e bem à vista exibo esta etiqueta
global no corpo que desiste
de ser veste e sandália de uma essência
tão viva, independente,
que moda ou suborno algum a compromete.
Onde terei jogado fora
meu gosto e capacidade de escolher,
minhas idiossincrasias tão pessoais,
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tão minhas que no rosto se espelhavam
e cada gesto, cada olhar
cada vinco da roupa
sou gravado de forma universal,
saio da estamparia, não de casa,
da vitrine me tiram, recolocam,
objeto pulsante mas objeto
que se oferece como signo de outros
objetos estáticos, tarifados.
Por me ostentar assim, tão orgulhoso
de ser não eu, mas artigo industrial,
peço que meu nome retifiquem.
Já não me convém o título de homem.
Meu nome novo é coisa.
Eu sou a coisa, coisamente.
22.
“Eu, etiqueta”, Ficção (Direção: Alex Walker), 2 min, 2015. Baseado na obra de Carlos
Drummond de Andrade:
https://www.youtube.com/watch?v=sXaj_xUBbkE&feature=youtu.be
23.
Música “Wings” de Macklemore e Ryan Lewis (álbum “The Heist”, 2011):
https://www.youtube.com/watch?v=vPlFLxUMhKQ
24.
Texto 11
A reflexão sobre o poder do marketing nas sociedades capitalistas, no entanto, é anterior à
abordagem de Gilles Deleuze. No final dos anos 1960, Guy Debord, ativista e pensador francês,
publicou o livro “Sociedade do Espetáculo”. Para Debord, as atividades e objetos culturais,
assim como a produção de bens e produtos de uso diário, são criados dentro de uma lógica
comercial. O lucro orienta a produção de cultura nas sociedades ocidentais e capitalistas.
Deste modo, para Debord, cultura e diversão se tornam “coisas”, mercadorias, que podem ser
vendidas, compradas e gerar lucro, como vários outros produtos.
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25.
Fonte:
https://projetoaletheia.wordpr
ess.com/sociologia/neyjansen/cultura-e-sociedade/
26.
“Halley... olhe para cima! Ele está chegando e
prometendo um verdadeiro show nas áreas mais
díspares da cultura de massas, tais como
astrologia, astronomia, turismo, moda, HQs,
samba-enredo de escola de samba etc. O que
fascina no cometa Halley? Tudo, menos o
próprio cometa em si enquanto fenômeno
astronômico. A mercadoria Halley vai se
constituindo numa invenção para atender às
expectativas de cada público que quer ver nele
aquilo que melhor lhe convém [...].”
Capa da História em Quadrinho (HQ) “A Era
dos Halley”, mercadoria cultural criada por
ocasião de um fenômeno astronômico
amplamente divulgado pelos meios de
comunicação da época: a passagem do
cometa Halley pelas imediações do planeta
Terra.
(Trecho de “Uma mercadoria chamada
Halley”, título da reportagem escrita pelo
jornalista Wilson Roberto Vieira Ferreira, no
jornal A Tribuna de Santos (Santos/SP,
14/3/1986), sobre a transformação de um
fenômeno astronômico em produto cultural: uma
história em quadrinhos criada para ser vendida e
consumida pelo público jovem dos anos 1980).
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27.
Texto 12
O caso do cometa Halley e da invenção de uma estória, de uma HQ, sobre este
acontecimento astronômico, é somente um exemplo da transformação de situações da vida em
produtos comerciais. Quando Guy Debord escreveu sobre a mercantilização da cultura (do
conhecimento, das artes, e, neste caso, da ciência) nas sociedades capitalistas, ele destacou que
ocorre uma separação entre as imagens que assistimos nas mídias e a realidade. Para Debord,
esta separação é possível porque as imagens das mídias invertem a vida social. O que nós
consumimos como cultura e diversão são imagens representadas, não vividas, que procuram
parecer com a realidade. E podemos nos perguntar: isso ocorre em “A Era dos Halley”? Na capa
desta HQ, podemos identificar pelo menos uma imagem vinculada ao cometa: a de um modelo
familiar padronizado. Uma das conclusões de Debord é a de que a avalanche de imagens que se
inserem no cotidiano, mesmo que separadas da realidade, acabam se tornando parte dela. Ele
criou a noção de sociedade do espetáculo para explicar o funcionamento da vida social com
base em representações, nas imagens não vividas da publicidade e do marketing. Para Debord,
estas imagens são empregadas no dia a dia como um modo de as pessoas interagirem e se
relacionarem. Tornaram-se uma maneira coletiva de ver o mundo e a vida.
28.
“Vote Tiririca, pior que tá não
fica”, slogan da campanha política
do candidato a deputado federal,
que representa a si mesmo e a vida
pública do país como um palco de
diversão e falta de seriedade. Sua
propaganda política assume o papel
de espetáculo que gera riso e
indiferença no telespectador.
Fonte:
http://www.brasilemfoco.com.br/arquivos/ca
tegory/destaques/page/2
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29.
Fonte: http://coisasecasosfeitosefatos.blogspot.com.br/2013/11/sociedade-do-espetaculoou-sera-quepiora.html
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