Teologias Negra e Feminista — Um Diálogo Crítico com a Teologia

Transcrição

Teologias Negra e Feminista — Um Diálogo Crítico com a Teologia
Teologias Negra e Feminista — Um Diálogo Crítico
com a Teologia da Libertação Latino-Americana
João Guilherm e Biehl
CLAQUETE! C ena 666! A çã o .. J
. . .E eis que de espaços extra -te rre stres surge o E. T ., um a f i­
g ura m onstrenga , com fe iç õ e s fe ta is e com a titu d e s tão re vo lu cio n a ria m e n te in fa n tis , q u e é capaz de d e s m a n te la r to d o o a p a ra to
de Segurança N a c io n a l da N A S A ... E na n o ite de N a ta l os "G re m lin s " se tra n s fo rm a m de a n jos em d e m ô n io s, to rn a n d o o d ia mais
im p o rta n te da " n a ç ã o a b e n ç o a d a por Deus” num in fe rn o ... E co­
mo se não bastasse, nesta n oite se descobre que Papai N o e l, sím ­
b o lo da re lig iã o c iv il n o rte -a m e ric a n a ^ está m o rto ... M as o herói
In d ia n a Jones c o n tin u a suas e x p lo ra ç õ e s m undo à fo ra . Só que ao
e n tra r no "T e m p lo da P e rd iç ã o " o m acho branco protestante
a n g lo -s a x ã o já não é m ais tão in ve n cíve l com o o seu p a rce iro Tarzã, rei branco das selvas a frican as. O m achão só consegue se safar
graças à corajosa ação de um m e n in o chinês e — ve ja m só — de
um a m u lh e r... M as o g o lp e fa ta l m esm o no " H o lly w o o d ia n o " so­
nho n o rte -a m e ric a n o , "T h e A m e ric a n D re a m ", parece te r sido te ­
le v is iv a m e n te d a d o p e lo a p o c a líp tic o film e "T he Day A fte r " , " O
(1)
Estou to ta lm e n te cie n te da to ta l re la tiv id a d e que e n v o lv e as in te rp re ta çõ e s que faço
destes film e s m e nciona dos. C oncebo a m in h a le itu ra com o um a e n tre tantas outras
possíveis.
Para um a p r o fu n d a m e n te sobre a q u e s tã o id e o ló g ic a da in d ú stria c in e m a to g rá fic a
n o rte -a m e ric a n a v id e o en sa io de S ta n le y A ro n o w itz "F ilm — the A rt o f Late C a p ita ­
lis m ", no seu liv ro The Crisis of Historical M a te ria lis m , N e w York, P raeger, 1981,
p. 201-224.
(2)
V id e o a rtig o de John A. C o le m a n "C iv il R eligion and L ibe ratio n T h e o lo g y in North
A m e ric a ", in: S ergio Torres e John Eagleson, Theology in the Am ericas, N e w York,
O rbis Books, 1976, p. 113s.
10
Dia S e g u in te ". C om o se e sq ue ce r d a q u e la a n to ló g ic a cena fin a l
q u a n d o um v e lh o d iz a o ou tro : "S a i da m in h a casa!” ?... Só qu e
não existem m ais casas das q u a is se pode sair. E o fim da p ro p rie ­
d a d e p rivad a . A g u erra n u c le a r só d e ix a ra vivos os sonhos das ba­
ratas. ..
Estas in te rp re ta ç õ e s que fa ç o de a lguns grandes sucessos da
c o n te m p o râ n e a safra c in e m a to g rá fic a n o rte -a m e ric a n a p e lo m e ­
nos nos d ão vazão a pensarm os q u e inversões, desestruturações e
desenca ntos com re la ç ã o ao " A m e ric a n W a y o f L ife ", "E stilo d e v i­
da N o rte -a m e ric a n o ", já e n c o n tra m re sp a ld o ju n to às massas ia n ­
ques. E eis q u e elas passam a co n su m ir a p ró p ria d e stru içã o m oral
e m a te ria l do seu sistem a s ó c io -p o lític o -e c o n ô m ic o e c u ltu ra l. Este
p ro fé tic o criticism o c in e m a to g rá fic o está, de fa to , em fra n c o con­
traste a o a n tig o sonho n o rte -a m e ric a n o — p e sa d e lo para nós —
tão m ae stra lm e n te a rtic u la d o p e lo e x -s e n a d o r B everage do estado
de In d ia n a :^
" . . . de todas as raças Deus m arcou o povo n o rte -a m e ric a n o
com o sua nação, e s c o lh id a para le v a r o m u n d o fin a lm e n te à re g e ­
n era ção to ta l... "
M as, vo lte m o s um pouco no passado a fim de lo ca liza rm o s
h isto rica m e n te a d e sin te g ra ç ã o deste s o n h o ...
...Eis q u e os anos pós-S egunda G uerra m u n d ia l tro u x e ra m
às te la s m u n d ia is um Estados U nidos q u e cantava na chuva com
G in g e r Rogers e com Freddy A sta ire . A " n a ç ã o a b e n ço a d a por
D eus" saía da g u e rra com um a e c o n o m ia in te rn a a lta m e n te fo rta ­
lecida d e v id o à in d ú s tria b é lica . N ão! Por a q u e le s lados n in g u é m
p are cia te r o u v id o os g e m id o s das b o m b a s de H iroshim a e N a g a saki. A necessidade de le v a r ao m u n d o as "B o a s N o v a s " da PazA m e ric a n a e de co m b a te r o d e m o n ía c o " c â n c e r " co m unista fo ra m
capa id e o ló g ic a para a e xpa n sã o in te rn a c io n a l desta nação b ro ta ­
da, de fa to , em m e io às sangrentas lutas lib e ra cio n ista s contra o
ju g o c o lo n ia l b ritâ n ic o ^ . E a e c o n o m ia in te rn a p ro m e tia p ro sp e ri­
(3)
S ena dor B everage, a p u d Theology in th e A m e ric as — Docum ent n ° 2, a first W orld
(4)
De m a n e ira a lg u m a nos é possível excursar sobre o to d o d a histó ria dos Estados U nidos
Response to a Third W orld C hallenge, p. 18-19.
neste re d u z id o espaço te m p o ra l. Para um a in tro d u ç ã o a o assunto, a p a rtir d e um a
p e rspectiva p o p u la r, v id e o liv ro de H o w a rd Z in n, A People's History of th e United
States, N e w York, H arp er a n d Row, 1980.
Para um a in te rp re ta ç ã o m a rx is ta d o d e s e n v o lv im e n to e c o n ô m ic o n o rte -a m e ric a n o v i­
de o a rtig o de Joseph H o lla n d " M a rx ia n Class A n a ly sis in A m e ric a n S ociety T o d a y ",
in: S erg io Torres e John Eagleson, Theology in th e A m ericas, p. 317s.
11
d a d e a todos. "A s s im d e v e ria c a m in h a r a h u m a n id a d e !" E os anos
60 fo ra m , pois, a d écada do d e s e n v o lv im e n tis m o ^. Os Estados U n i­
dos p re cisavam d e m a té ria s -p rim a s e de m ã o -d e -o b ra barata a fim
d e m a n te r a e xpa n sã o da e c o n o m ia in te rn a , a lé m de novos m e r­
cados para a colo caçã o de seus produtos in d u stria liza d o s. Assim ,
p a u la tin a m e n te o g o v e rn o e as m u ltin a c io n a is ian q u e s fo ra m en­
ca m p a n d o as "s e lv a g e n s re p u b liq u e ta s " latinas, asiáticas e a fric a ­
nas. Eis q u e o Pato D o n a ld visita va Zé C arioca e nos v e n d ia suas
te o ria s d e se n v o lv im e n tis ta s . A h e g e m o n ia n o rte -a m e ric a n a passa­
va a c irc u la r por nossos poros políticos, econôm icos e c u l t u r a i s . .
M as, o d e s e n v o lv im e n tis m o não trouxe a assim esparada
in d u s tria liz a ç ã o e progresso para estas terras de chanchadas. De­
p e n d ê n c ia , e n d iv id a m e n to e x te rn o , m ilita riz a ç ã o da sociedad e
era m o nosso d ia -a -d ia . Pois, fo i no co n te xto de conscientiza ção
destas re a lid a d e s opressivas que brotou a assim co nhecid a T e olo­
g ia de Libertação la tin o -a m e ric a n a '7, s u b stitu in d o as bênçãos d e ­
sen vo lvim e n tista s. E po r estes o p rim id o s rincões la tin o s passou a se
o u v ir: "E l Pueblo un id o jam ás será v e n c id o !" Era hora de to m a r a
história nas m ãos, c a m in h a r e se g u ir a ca n çã o ...
Tam bém nos Estados U nidos os anos 60 não presenciara m
som e nte as rom â nticas ba la d a s do p ra cin h a Elvis Presley. Diversos
m o vim e n to s com eça ra m a critica r o falso otim ism o local e a he g e ­
m o n ia in te rn a c io n a l. O m o v im e n to pelos D ireitos Civis lid e ra d o
p o r M a rtin Luther King, expôs à luz do d ia o in u m a n o racism o insti­
tu c io n a liz a d o pe la n ação " te m e n te a D eus". O m o vim e n to contra
(5)
M ic h a e l P. T o daro no seu liv ro Economic D eve lo p m e n t in the Third W orld, N e w York,
Longm an, 1977, o fe re c e aos le ito re s u m a visão bem d e ta lh a d a das m ais diversas te o ­
ria s d e s e n v o lv im e n tis ta s be m com o d o re la c io n a m e n to de "d e p e n d ê n c ia d e s e n v o lv im e n tis ta " im p o s ta pe lo s Estados U nidos aos países d o te rc e iro m u ndo.
(6)
V id e o liv ro de A rie l D o rfa m e A rm a n d M a tte la rt, Com o ler o Pato Donald, p a ra um a
m a io r c o m p re e n s ã o d o uso id e o ló g ic o fe ito p e lo c a p ita lis m o n o rte -a m e ric a n o dos pe r­
sonagens de W a lt Disney. C o n fira ta m b é m o liv ro de P edrin ho G ua resch i, Comunica*
çâo e P oder, P etró polis, Vozes, 1982.
(7)
H ugo A ssm ann n o seu liv ro Teologia desde la Praxis d e la Liberación, S a la m a n ca , Ediciones S ígue m e, 1973, a n a lis a o s u rg im e n to d a te o lo g ia da lib e rta ç ã o la tin a no con­
te xto da co n s c ie n tiz a ç ã o p o p u la r deste
situ a çã o de d e p e n d ê n c ia
só c io -p o lític o -
e c o n ô m ic a . V id e e s p e c ia lm e n te as p. 23s.
Para um a p a n h a d o g e ra l d a h is tó ria de d e p e n d ê n c ia da A m é ric a Latina, de sde o c o lo ­
n ia lis m o h is p a n o -p o rtu g u ê s até o m o d e rn o c o lo n ia lis m o n o rte -a m e ric a n o , vid e a
o b ra -p rim a d e E duardo G a le a n o , As V eias A b e rta s da A m érica Latina, Rio d e Ja n e i­
ro, E ditora Paz e Terra, 1979.
12
a G uerra do V ie tn a m critica va a id e o lo g ia d o m in a n te de q ue os Es­
tados U nidos e ra m o " m o c in h o " d e fe n d e n d o a lib e rd a d e e a d e ­
m ocra cia m u nd o à fo ra . Nas u n ive rsid ad e s se q u e stio n a va a com ­
p e titiv a d in â m ic a in te rn a do sistem a e d u c a cio n a l e suas lições e x ­
ternas com os com plexos m ilita re s -in d u s tria is. As m ulheres p a rtic i­
pantes destes m ais diversos protestos passaram ta m b é m a se cons­
c ie n tiz a r da sua fo rça e a desm ascarar o p a tria rc a lis m o in e re n te
aos valo re s e às instituições do fa m ilia r sonho ia n q u e . E tra b a lh a ­
dores, apesar de re la tiv a m e n te bem pagos, ta m b é m se a tre ve ra m
a d e n u n c ia r as suas perigosas e desum anas condições de tra b a lh o .
Destas lutas e m e rg ira m correntes te o ló g ica s e n fo c a n d o o te m a de
lib e rta ç ã o a e x e m p lo do que estavam fa z e n d o os la tin o a m e rican os^. M as, ta n to a te o lo g ia negra, com o a e m e rg e n te te o ­
lo g ia fe m in is ta te n d e ra m a se fe c h a r em si mesmos. Ignorava-se,
então , a d ia lé tic a inte rco n e cçã o e xiste n te e n tre os m ais varia d o s
m ecanism os m a rg in a liz a d o re s na socie dad e n o rte -a m e rica n a .
M as, o sistem a d o m in a n te re p rim iu estes m o vim e n to s com o p ô de;
e q u a n d o não m ais p ôde, passou a co n su m i-lo ao v e lh o estilo ca­
p ita lis ta : "V o c ê protesta; nós a ssim ilam os; eles c o n s o m e m !".
Os anos 70 tro u x e ra m consigo a crise p e tro lífe ra , o fim da
G uerra do V ie tn a m , a d e rru b a d a do sonho socialista d e A lle n d e , a
desco be rta de que a escalada nu cle a r de m a n e ira a lg u m a se d e te ­
rá com os fa m ig e ra d o s tratados a m e rica n o -so vié tico s, o escândalo
de W a te rg a te , os " a m e n d o in s " d e C arter e os film e s de " b a n g b a n g " de Ronald R eagan. Tudo isto to rn o u a in d a m ais v u ln e rá v e l
o sonho n o rte -a m e ric a n o . As estatísticas ta m b é m não conseguiam
mais m e n tir. Existiam , na v e rd a d e , duas A m éricas do N orte. A de
" N ix o n , Reagan & C o rp o ra tio n s " e a q u e la das m in o ria s étnicas,
raciais e de classe, v iv e n d o m u ito a b a ix o d o nível da pobreza.
Neste co n te xto os diversos m o vim e nto s lib e ra cio n ista s passaram a
se con scien tiza r d a in o p e râ n c ia p o lític a d e suas lutas in d iv id u a liz a ­
das e c o m p a rtim e n ta iizadas. Estava mais do que na hora de fa la r e
de v ia b iliz a r Diálogo e Coalisão^.
Mas, "la ç o s de te rn u ra " à parte, este bo sq u e jo in tro d u tó rio ,
p e rm e a d o com "fla s h e s " c in e m a to g rá fic o s , antes d e te r q u e rid o
(8)
V id e o a rtig o de Lee C o rm ie "L ib e ra tio n and S a lv a tio n : A First W o rld V ie w , in: Brian
M a h a n e L. D ale R ichesin, The C hallenge of Liberation Theology, N e w York, O rbis
Books, 1984, p .21-47.
(9)
V id e o d o c u m e n to n ° 18 d o g ru p o T h e o lo g y in the A m e rica s, Doing Theology in a D ivi­
ded W orld, N e w Y ork, 1983.
13
fa z e r b ro ta r e m o c io n a d a s lá g rim a s nos o lhos de vocês, procurou,
em v e rd a d e , d a r pistas para um a e v e n tu a l co m p re e n sã o do con­
te x to c o n te m p o râ n e o n o rte -a m e ric a n o no q u a l se a rtic u lo u os en­
fo q u e s lib e ra c io n is ta s n e g ro e fe m in is ta q ue a q u i q u e re m o s carac­
terizar. De coração, espero que este b o sq u e jo não te nha se asse­
m e lh a d o ta n to a um d a q u e le s fa m ig e ra d o s "b a n g -b a n g s " e s tre la ­
dos por Roni R eagan, a p o nto de ter le va d o vocês a q u e re re m sair
do c in e m a já no in íc io da p ro je ç ã o do film e . A in d a tem os um lo n ­
go c a m in h o a desbrava r. Nesta e m p re ita d a não nos interessam ,
num p rim e iro p la n o , os p e rfis dos heróis e de suas pom posas co r­
tes. Q ue re m os d ia lo g a r, isto sim , com os "F e io s, Sujos e
M a lv a d o s ". Por isso, nesse ro te iro , há espaços pa ra o m udo g rito
do ne gro " d e ix a d o m orto, sem sangue, a a p o d re c e r", para a força
de Jesse Jackson, p a ra as d esafia n te s canções de Joan Baez e de
Bob Dylan. Nós q ue re m o s aqui fo c a r em p rim e iro p la n o as feições
d a q u e le s e d a q u e la s d e rro ta da s na h is tó ria ... negros e m ulheres
q u e procu ra m h o je re le r suas jo rn ad as de opressão e de resistên­
cia a fim de se e n e rg iz a re m na c o n cre tiza çã o de um presente m ais
justo, m ais ig u a litá rio , m ais fra te rn o no co n te xto n o rte -a m e rica n o .
A ssim , n u m p rim e iro m o m e n to , trazem os dos bastidores a te o lo g ia
negra de lib e rta ç ã o e, num segund o, in tro d u zim o s em cena —
desta vez sem m a q u ia g e n s — a te o lo g ia fe m in is ta de lib e rta çã o .
B asicam ente vam os c a ra cte riza r estes d ois e n fo q u e s a p a rtir de
suas m e to d o lo g ia s e c ritic a r sua p ro p rie d a d e ou não a p a rtir de
um a p erspe ctiva o riu n d a do nosso e n g a ja m e n to ju n to à te o lo g ia
de lib e rta ç ã o la tin o -a m e ric a n a . O m étodo te o ló g ic o , em ú ltim a
a n á lis e , d e fin e a que interesses os ditos e n fo q u e s servem e a que
práxis social eles re m e te m : m a n u te n çã o de 'status q u o " ou à luta
p o lític a por lib e rta çã o . Na m e d id a do possível te n to colocar e c riti­
car a lg u m a s va ria n te s te o ló g ic a s destes e n fo q u e s no que ta n g e à
c ris to lo g ia e à e c le s io lo g ia . M as, e n fa tiz o que é im possível, neste
espaço lite rá rio tão re d u z id o , a b a rc a r a riqueza e c o m p le x id a d e
destes e n fo q u e s lib e ra cion ista s. Nesse sentido, me coloco à d ispo­
sição das pessoas interessadas a num o u tro m o m e n to , in d ic a r lite ­
ratura a d ic io n a l ou m esm o bater um pago re g a d o a chi m a rrã o e à
te o lo g ia ...
De fo rm a a lg u m a esta a p re se n ta ção que fa ç o para vocês
p re te n d e um a o b je tiv id a d e e n e u tra lid a d e id e a lista . Já na c o lo c a ­
ção dos diversos e n fo q u e s p rocuro, às vezes rabiscar alg u m a s críti­
cas o riu n d a s d a m in ha opção p or um a perspectiva de lib e rta çã o
14
latin a. E esta crítica não é, de m a n e ira a lg u m a , u n id ire c io n a l. Por
isso, e n fa tiz o diálogo crítico. O e n fo q u e la tin o ta m b é m está su je i­
to a ser c o rrig id o ou c o m p le m e n ta d o a p a rtir do c o n fro n to com os
en fo q u e s n e g ro e fe m in is ta . E, por um a perspectiva de lib e rta çã o
la tin a eu ba sica m e n te co m p re e n d o os seguintes pontos h e rm e ­
nêuticos:
— A te o lo g ia é um ato segundo que segue a práxis. Deus é
e n te n d id o a p a rtir da e x p e riê n c ia h u m a n a ^ ;
— A le itu ra da B íblia se dá a p a rtir de um a s o lid a rie d a d e
real e a tiv a com os o p rim id o s , com o reverso da história^ ^;
— A insistência na re cup eraçã o histórica da m ensagem bí­
b lica a p a rtir d e um a ótica h is tó ric o -m a te ria lista põe fim a a bstra­
ções u n ive rsa liza n te s e a co n ce p tu a l izações ahistóricas e
atem porais^
— Existe a necessidade da m e d ia çã o das C iências Sociais.
C om o d iz Juan Luis S e g u n d o ^ ; " O te ó lo g o de lib e rta ç ã o se vê
o b rig a d o , a cada passo, a c olocar juntas as d iscip lin a s q ue lhe
a b re m o passado e as d iscip lin a s qu e e x p lic a m o presente, e isso
na p ró p ria e la b o ra ç ã o da te o lo g ia , isto é, no seu in te n to de in te r­
p re ta r a p a la v ra de Deus d irig id a a nós, a q u i e a g o ra ” .
... E aí vêm os e n fo q u e s lib e ra c io n ista s n e g ro e fe m in is ta !
CLAQUETE! AÇÃO !
Pois eu c o n v id o vocês a a b rire m seus poros e seus sentidos
às histórias, sonhos e cantos deste povo negro qu e "c h e g a do fu n ­
do da te rra , do ve n tre da n o ite , da carne do a ço ite e q ue q u e r le m ­
b r a r ..."
(10) V id e o liv ro de G ustavo G utie rre z, Teologia da Libertação, P etró polis, Vozes, 1979,
p. 18.
(11) V id e a c o le tâ n e a d e a rtig o s e d ita d a p o r V ic to rio A ra y a , Lectura Política d e la B íblia —
A n to lo g ia, San José, S e m in á rio B íb lic o L a tin o a m e rica n o , p .3.
(12) C o m o d iz José AAiguez B o n in o n o seu liv ro La Fé en Busca d e Ef k a c ia , S alam a nca, Ediciones S íguem e, 1977, p. 117:
" M u y c o n c re ta m e n te , nosotros no p o d e m o s a c e p ta r la in te rp re ta c ió n te o ló g ic a p ro v e ­
n ie n te dei m u n d o ric o sin sospechar de e lla e por eso, sin p re g u n ta r cuál es e l tip o de
p ra xis que e lla suporta, re fle ja o le g itim a " .
(13) V id e o liv ro d e Juan Luis S egu ndo , A Libertação d a Teologia, S ão P aulo, Edições Loyo­
la, 1978, p. 10.
15
A Missa dos Q u ilo m b o s p o e tiza o c la m o r desta g e n te o p r i­
m ida em todos os cantos d o p la n e t a : ^
"Estamos chegando do fundo do medo,
estamos chegando das surdas correntes,
um longo lamento nós somos,
viemos louvar.
Estamos chegando das velhas senzalas,
estamos chegando das novas favelas,
das margens do mundo nós somos,
viemos d an çar..."
E cla ro que estou cie n te de que a a p resenta ção que aqui fa ­
ço d a te o lo g ia n e g ra n o rte -a m e ric a n a tem suas orig e n s em mãos
so cia lizad a s brancas. E só isso já nos dá um a id é ia do risco de par­
c ia lid a d e q u e perpassa estas colocações.
M a s... a re v o lu ç ã o ca p ita lista , com o a re vo lu çã o dos cristia ­
nizados povos brancos protestantes, ro m p e u as fro n te ira s d o v e lh o
m u n d o e criou o sistem a escravocrata n o rte -a m e r ic a n o ^ , j ó na
m e ta d e d o século 17 a In g la te rra sabia do im enso p o te n cia l e c o n ô ­
m ico das suas p la nta çõ es nas terras a m ericanas. M as antes que
a c u m u la ç ã o de ca p ita l pudesse de fa to se co n cre tiza r, era neces­
sá rio d e s e n v o lv e r um e fic ie n te m odo de p ro d u çã o e e stabele cer
um sistem a c o lo n ia l e s tá v e l^ . In e s pe ra d am ente, no entanto , isto
não fo i um a ta re fa fá c il. Já em 1676 os a nais da história dos o p ri­
m idos re g istra ra m um a re b e liã o de centenas de negros e de b ra n ­
cos, servos e escravos, contra a d o m in a ç ã o que lhes era im posta
pelos la tifu n d iá rio s do estado de V ir g í n ia ^ . A fim de conter re b e ­
liões deste tip o e , assim , p ro te g e r seus interesses im p e ria lista s e
de classe, o g o v e rn o b ritâ n ic o passou a d e s e n v o lv e r um co n tro le
m ais ríg id o e a fo m e n ta r a d iv is ã o ra cia l. O século 18 tro u xe consi­
go a co n so lid a ç ã o d o escrava gism o racista e seus e fe ito s d is to rc i­
dos sobre q u a lq u e r possível consciência e luta de classes. No en-
(14) Da “ M issa dos Q u ilo m b o s " d e M ilto n N a s c im e n to , Pedro T ie rra e D. Pedro C a sa ld á lig a ,
in : Tempo d e Presença, Rio de J a n e iro , (173): 6, ja n e iro e fe v e re iro de 1982.
(15) V id e o a rtig o d e H e lm u t G o llw itz e r, "W h y Black T h e o lo g y ", in: Union Sem inary Q u a r­
te rly R eview , N e w Y ork, 31(1): 38-58, 1975.
(16) V id e com m a is d e ta lh e s a in te rp re ta ç ã o m a rx is ta d o ra cism o n o rte -a m e ric a n o fe ita por
M a n u e l Febres no seu a rtig o "R a c is m in th e U. S. A ." , in: S erg io Torres e John Eagleson,
Th eology in th e A m ericas, p. 329-40.
(17) Ib id e m , p.331.
16
tanto, o d e s e n v o lv im e n to do c a p ita lis m o e do m ercado de tra b a lh o
conseguiu p o r vezes, u n ir negros e brancos na luta a b o lic io n is ta .
Pois, fo i e x a ta m e n te da m e ta d e do século 17 a té o fim da g uerra
c iv il e n tre norte e sul e a con seq ü en te a b o liç ã o da escravatura em
1863, que durou a p rim e ira etapa da te o lo g ia negra de lib e rta çã o
n o rte -a m e ric a n a . Estes dois séculos d e e scra vid ã o fo ra m m arcados
p o r um a constante postura p ro fé tic a por p a rte dos negros. De um
la d o , a desum an a e scra vidã o era d e n u n c ia d a através de petições,
re b e liõ e s , fu g a s; e de o utro , na p rá tica das igrejas negras, era
a n u n c ia d o o n ovo te m p o em q u e fin a lm e n te o Jordão seria a tra ­
vessado e os negros te ria m Jerusalém a q u i na t e r r a E n q u a n t o os
m issionários brancos a p re se n ta va m o C ristianism o aos escravos co­
m o um p a lia tiv o para a dor, estes últim os o in te rp re ta va m com o
lib e rta ç ã o p o lítica das correntes da e scravidão. Por não e n c o n tra ­
rem espaço em igrejas brancas, os negros co n stitu íra m sociedades
de a ju d a m ú t u a ^ , se m e lh a n te às irm a n d a d e s e n tre os escravos
b rasile iro s. E, em 1787 in ic ia ra m um m o v im e n to de ig re ja s in d e ­
pendentes. N a q u e le ano, Richard A lle n e outros negros saíram da
Igreja M eto dista São Jorge, na F ila d é lfia , por se recusarem a sen­
tar segregados do resto da com unidade^O . Eventos sim ilares le v a ­
ram a um a p ro life ra ç ã o de ig re ja s negras — " b la c k ch u rch e s". No
sul dos Estados U nidos, d e v id o à p ro ib iç ã o de cu lto e de re u n iã o ,
os negros cria ra m um a in s titu iç ã o in vis ív e l. Eles se re u n ia m de n o i­
te nas senzalas e nas p lan taçõ e s para o fe re c e r c u lto ao Deus que
lhes d a v a a p o s s ib ilid a d e de lib e rta ç ã o . De fa to , fo ra m as igrejas
que d e ra m id e n tid a d e aos negros, que m a n tiv e ra m acesas suas
esperanças de lib e rd a d e e que fo m e n ta ra m no seu b o jo
in s u rre iç õ e s ^ .Por isso, Deotis Roberts chega a a firm a r que "te o lo -
(18) Law rence Jones n o seu a rtig o "T h e y s o u g h t a C ity: The Black C hurch a n d C hurchm e n in
the N in e te e n th C e n tu ry ", in: Union S em inary Q u a te riy Review, N e w York, 26 (3) 253272, 1971, a rro la datas, luga res e nom es re la c io n a d o s com o s u rg im e n to e a p ro life ra ­
ç ão de igre jas negras nos Estados Unidos.
(19) Ib id e m , p .259.
(20) R ichard A lle n descreve sua e x p e riê n c ia no liv ro de Jam es C one Black Theology and
Black P ow er, N e w Y ork, The S eabury Press, 1969, p .95.
(21) Jam es C one n o liv ro Black Theology and Black P o w e r, p .94, a firm a qu e a ig re ja n e g ra
nasceu com o fo rm a de protesto: " I n this sense, it is th e precursor o f B lack Power. U n li­
ke the w h ite chu rch, its re a lity stem m ed fro m the e s c h a to lo g ic a l re c o g n itio n th a t fre e ­
do m a n d e q u a lity are th e essence o f h u m a n ity , a n d thus s e g re g a tio n a n d s la v e ry are
d ia m e tric a lly opposed to C h ris tia n ity . Freedom a n d e q u a lity m a d e u p th e cen tral th e ­
m e o f the b la c k
u n iq u e n e s s ".
church; an d
protest a n d a c tio n w e re th e e a rly m arks o f its
17
g ia negra é e sse n cia lm e n te te o lo g ia da ig re ja n e g ra ” ^ . E a q u i já
tem os pistas m u ito im p o rta n te s para a com preensã o d o q u e é te o ­
lo g ia negra co n te m p o râ n e a . Ela está basicam ente e n ra iza d a na
h istó ria oral dos negros. Por isso e la se vale de e xortações de p re ­
g ad ores negros, da lite ra tu ra p o p u la r negra, dos " b lu e s " e dos
" s p ir itu a ls " e da p o e s ia ^ O segund o e sta g io da te o lo g ia negra pode ser vista com o
crítica ao racism o in s titu c io n a l. O p e río d o de 1864 até 1969 fo i m a r­
cad o p e la luta de cristãos negros contra as instituições pós-guerra e
pós-escravocratas q ue , a cim a de tu d o , m a n tive ra m a id e o lo g ia de
"s e p a ra d o s mas ig u a is ". A g ra n d e m a io ria dos negros p e rm a n e ­
ceu p o litic a m e n te im p o te n te , so cia lm e n te d e g ra d a d a e e c o n o m i­
ca m e n te e x p lo r a d a ^ . M ilh õ e s de negros passaram a m ig ra r para
o N orte à procu ra de e m pregos. Os g uetos urbanos se e s ta b e le ce ­
ram . Lincham entos re su lta ra m na m o rte de centenas de negros. A
ig re ja se con stitu ía, e n tã o , no ú nico lu g a r seguro para a massa n e ­
g ra . Um a certa lib e ra liz a ç ã o do p o d e r ju d ic iá rio n o rte -a m e ric a n o
nos anos 50 reacende u e n tre os negros a esperança de "ig u a ld a d e
a través de canais le g a is ". E aí surgiu o m o v im e n to dos Direitos Ci­
vis lid e ra d o por M a rtin Luther King, que se a p o ia v a na fo rça p ro fé ­
tica das ig re jas negras e no lib e ra lis m o branco^5. Q ua n d o a visão
lib e rta d o ra holista de King passou a to car nas estruturas do sistema
c a p ita lis ta n o rte -a m e ric a n o e le fo i tra g ic a m e n te assassinado, em
1968. M esm o q ue as institu içõe s segregacionistas h a via m sido o fi­
c ia lm e n te banidas, os negros a in d a se e n co n tra va m c o m p le ta ­
m ente d iscrim ina d os. A luta pelos D ireitos C ivis não tro u xe lib e rta -
(22) V id e o a rtig o d e D eotis Roberts “ Resposta C ria tiv a a o Racismo: A T e o lo g ia N e g r a ", in:
Concilium, P etró polis, 171 (1): 51-61, 1982, p .51.
E n o m ín im o inte ressan te a c on stataçã o de q u e os te ó lo g o s negros n o rte -a m e rica n o s
q u a se q u e u n a n im e m e n te n ã o tocam nunca na q u estão d o "d e n o m in a c io n a lis m o p ro ­
te s ta n te ".
(23) V id e o liv ro de Jam es C one The Spirituals and th e Blues, N e w York, The S eabury
Press, 1972.
(24) C o rn e l W est, Prophesy D eliverance,
P h ila d e lp h ia , The W estm in ster Press,
1982,
p. 102s.
(25) V id e as re fle x õ e s de V in c e n t H a rd in g sob re a visã o d e M a rtin Luther K ing, Jr. in: So­
journers, W a s h in g to n , D.C ., ja n e iro de 1983.
A lg u n s livro s d e King:
A donde Vam os: Caos o C om unidad? B a rce lo n a , A y m á S ocieda d A n ó n im a Editora,
1967.
The Trum pet of Conscience. N e w York, H arp er and Row, 1968.
Strength to Love. N e w Y ork, H arp er a n d Row, 1963.
18
ção para os negros, mas sim o "B la c k P o w e r", "P o d e r N e g ro "2 6 .
A través do m o v im e n to d o Black Pow er os negros p rocuravam a u to ­
de te rm in a ç ã o , novas d e fin iç õ e s e critérios de v a lo r para si; um no­
vo senso de d ig n id a d e e o rg u lh o e a lib e rd a d e de p o d e re m tra ça r
seus p ró p rio s destinos.
A p u b lic a ç ã o do liv ro " O M essias N e g ro " por A lb e rt C leage,
em 1968, e do liv ro "T e o lo g ia N e g ra e Poder N e g ro " p o r Jam es
Cone, em 1969, deu in íc io a um a te rc e ira fase d e n tro deste e n fo ­
q ue lib e ra c io n is ta . O p e río d o de 1969 até 1977 fo i m arcado, pois,
p e la crítica negra à te o lo g ia bran ca n o rte -a m e ric a n a . A te o lo g ia
negra se to rn a ra , c o n fo rm e Jam es C one, na a rm a do Black Pow er
ao id e n tific a r a luta p o lític a negra com o E vangelho de Jesus^7. O
p ró p rio Cone ch e g a va a acusar a te o lo g ia branca de ser a te o lo g ia
d o A nti-C risto, já q ue e la a p ro v a v a e le g itim a v a a opressão dos
negros^S. M as, cedo os p ró p rio s te ó lo g o s negros se d e ra m conta
de q u e este e n fo q u e era m u ito a p o lo g é tic o e restrito e de q ue es­
tava m ais d o que na hora de m e rg u lh a re m m ais fu n d o nas e x p e ­
riência s re lig iosa s negras, e a p a rtir daí d e s e n v o lv e r um a te o lo g ia
mais autócton e. Assim, nos seus dois p ró xim os livros "O s S pirituals
e os B lu e s ", e "D e u s dos O p rim id o s " (agora la n ça d o p e la Paulinas), Cone procurou in te g ra r no seu discurso te o ló g ic o a re lig io s i­
dade p o p u la r negra. M as ta m b é m esta perspectiva passou a ser
m u ito critica d a . Dizia-se que a te o lo g ia negra de Cone fo m e n ta v a
apena s um a re v o lu ç ã o psico ló g ica e um a to m a d a de p o d e r por
p a rte dos negros, sem tocar no in justo e e x p lo ra d o r sistema ca p ita ­
lista norte-am ericano^*?.
A C o n fe rê n cia sobre T e o lo g ia N egra em A tla n ta , agosto de
1977, pode ser vista co m o o m arco in ic ia l da qu a rta fase do desen-
(26) Para um a a p ro x im a ç ã o g e ra l aos pressupostos básicos do "B la c k P o w e r", v id e o p ri­
m e iro c a p ítu lo do liv ro de Jam es Cone Black Theology and Black P ow er, p. 5-30.
(27) V id e o a rtig o de Jam es C one "E v a n g e liz a tio n a n d Politics: A Black P e rsp e ctive ", in:
S erg io A rce e O de n M a ric h a l (eds), Evangelization and Politics, N e w Y ork, N e w Y ork
Circus, 1982, p. 121-135.
(28) Jam es Cone, A Black Theology of Liberation, N e w York, Lip p in co tt C om p any, 1970,
p. 25s.
(29) H e rb e rt Edw ards n o seu a rtig o "B la c k T h e o lo g y and Black L ib e ra tio n ", in: S ergio Torres
e John Eagleson, Theology in the A m ericas, p. 25, pe rg u n ta :
"D o e s Professor C one re a lly p ro v id e us w ith a m o re su b sta n tive d e fin itio n o f re v o lu tio n
th a n a p s y c h o lo g ic a l re o rie n ta tio n to w a rd th e 'p rin c ip a litie s , structures a n d p o w e rs o f
op p re ssio n '? A re these 'p o w e rs ' re a lly to b e 'o v e rth ro w n ' or are th e y s im p ly to be
th ro w n o p e n ' so th a t th e fo rm e r v ic tim s m ay n o w sha re m ore fu lly if no t e q u ita b ly , in
th e 'ill- g o tte n ' ga in s w h ic h m a d e th e present system p o ssib le ? "
19
v o lv im e n to da te o lo g ia negra. Ela a in d a se estende até h o je e é ti­
da com o crítica n e g ra a o c a p ita lis m o n o rte -a m e ric a n o . A c o n fe ­
rência de A tla n ta levou os te ó lo g o s negros a to m a re m a sério a re­
lação e n tre racism o e classism o, bem co m o o con te xto in te rn a d o -,
nal de opressão — o q ue não e ra fe ito a té então^O.
Há um consenso e n tre os te ó lo g o s negros de q u e o dese n ­
v o lv im e n to das ig re ja s negras, o m o v im e n to dos D ireitos C ivis e do
Black Power, bem com o as re fle x õ e s te o ló g ica s e políticas re la c io ­
nadas com eles, já tro u x e ra m os negros um bom pedaço pa ra fo ra
do Egito.
M as, eles ta m b é m estão cientes de que não co n se g u irã o ir
m u ito a lé m , caso não a la rg a re m o seu p ro je to de lib e rta ç ã o de tal
fo rm a q u e e le ve n h a a expressar s o lid a rie d a d e com outros m o v i­
m entos sociais. C ornei W est, o jo v e m professor n e g ro de Y ale e
m ilita n te do Partido S ocialista nos Estados Unidos, é um a das fig u ­
ras e x p o n e n c ia is do m o v im e n to te o ló g ic o negro co n te m p o râ n e o ,
que procura c o m p re e n d e r o E vangelho nas circunstâncias atuais,
de fo rm a q u e racism o e sexism o sejam vistos com o parte in te g ra n ­
te do e x p lo ra d o r sistem a c a p ita lis ta lo cal, bem com o de seus te n tá ­
culos im p e ria lis ta s . C ornei ce rta m e n te está a b rin d o ca m in h o para
um a q u in ta fase no d e s e n v o lv im e n to da te o lo g ia negra nos Esta­
dos U nidos; a g o ra com o crítica à c iv iliz a ç ã o c a p ita lis ta ^ .
E deve ra s d ifíc il e p e rig o s o e x p lo ra r apena s a lg u m a s p re ­
missas de um a p rá tica te o ló g ic a tã o c o m p le x a e já lite ra ria m e n te
tão vasta com o é a te o lo g ia n e g r a ^ . O to d o nunca é apenas a so­
ma das partes, nem são as partes sem pre to ta lm e n te re p re s e n ta ti­
vas do todo. M as, o je ito é c o n tin u a r " v iv e n d o p e rig o s a m e n te ” e
arriscar v is lu m b ra r certas prem issas m e to d o ló g ica s e te o ló g ica s
deste e n fo q u e lib e ra c io n is ta no tra b a lh o de um dos seus pio n e iro s
e m ais c o n tro ve rtid o s e xp oe n tes, Jam es C one.
(30) Jam es Cone, "E v a n g e liz a tio n an d P o litic s ...", p. 128.
(31) C o rn e l W est, Prophesy D eliverance, p. 106s.
(32) Eis algu ns dos m ais im p o rta n te s a u tore s e obras da te o lo g ia n e gra n o rte -a m e ric a n a :
J. Deotis Roberts. A Black Political Theology. W estm in ster Press, 1974.
M a jo r Jones. C hristian Ethics for Black Theology. A b in g d o n Press, 1974.
Joseph W a s h in g to n . Black Sects and Cults. D o u b le d a y & C o., 1972.
C ecil Cone. The Id en tity Crisis in Black Theology. N a s h v ille , A fric a n M e th o d is t Episco­
p a l C hurch, 1975.
Preston W illia m s . The Black E xperience and Black R e ligion . In: Theology Today, vol.
26, o u tu b ro de 1969.
G a y ra u d W ilm o re . Black Religion and Black Radicalism. D o u b le d a y & C o., 1973.
20
C o n form e Cone, a te o lo g ia negra q u e r a rtic u la r a e x p e riê n ­
cia negra com o e x p e riê n c ia re lig io s a q ue tem um a m ensagem d i­
vina para os Estados U nidos c o n te m p o râ n e o . Com base nas suas
lutas e na sua resistência d e b a ix o do d e s u m a n o sistem a escravo­
crata e racista os negros estão convencid os de que Deus não qu e r
que eles m o rra m , mas sim q ue v iv a m em lib e rd a d e . E a constante
re a firm a ç ã o desta tra n sce n d ê n cia de Deus que irro m p e na histó­
ria, q u e , segund o C one, p re v in e a te o lo g ia negra de ser re duzida
à h istó ria cu ltu ra l dos negros. E para eles a re a lid a d e transcenden­
te não é outra que Jesus Cristo do qual as Escrituras fa la m ^ ^ . Cone
a c re d ita que q u a n d o a te o lo g ia e n fo c a as Escrituras lhe é g a ra n ti­
da a lib e rd a d e de to m a r a sério a situação social e p o lítica sem ser
d e te rm in a d a p o r isso. Para e le , a B íblia lib e rta a te o lo g ia para q ue
e la ve n h a a ser cristã na situ açã o c o n te m p o râ n e a ^ .
Na te o lo g ia de C one, Jesus é visto com o um e v e n to de li­
b e rta ç ã o q u e acontece nas lutas dos o p rim id o s. Por isso, é im possí­
vel in te rp re ta r as Escrituras e e n te n d e r Jesus "c o rre ta m e n te ” sem a
m e d ia çã o das lutas negras de o nte m e de h oje. E este é , para Co­
ne, o s ig n ific a d o de enca rn a çã o. Deus se tornou hom em em Jesus
Cristo, a firm a n d o sua v o n ta d e de estar com a h u m a n id a d e , em
m e io a sua po breza . E p o rq u e os negros a c e ita m a presença de
Deus e m Jesus com o v e rd a d e ira d e fin iç ã o de sua h u m a n id a d e ,
n e g ritu d e e d iv in d a d e estão d ia le tic a m e n te atadas com o uma rea­
lid a d e . A a firm a ç ã o "J e s u s is B la c k ", "Jesus é N e g ro ", não diz
re sp e ito sim p le sm e n te à cor da p e le histórica de Jesus, mas e n fa ti­
za a transcen dê n cia de Deus q u e nunca d e ix o u , nem d e ix a rá os
o p rim id o s sozinhos na luta por lib e r ta ç ã o ^ . A ig re ja , para Jam es
C one, d eve ser fie l à p a rc ia lid a d e de Jesus ju n to aos o p rim id o s.
Nesse sentido, a te o lo g ia branca n o rte -a m e rica n a é herética, pois
d e fin e Jesus com o s a lva d o r e s p iritu a l, d o coração, e não com o li ­
b e rta d o r nessa h istória. C one e a te o lo g ia negra, apesar de leva-
(33) Jam es C one no seu a rtig o "T h e D ia le c tic o f T h e o lo g y a n d Life or S pea kin g the T ru th ",
in: Union S em inary Q u a rte rly Review, N e w Y ork 29(2), 1982, p .84.
(34) Jam es C one no seu a rtig o " O q u e é T e o lo g ia C ris tã ", in : Tem po e Presença, Rio d e Ja ­
n e iro (173), ja n .fe v ., 1982, p.19.
Esta " p r io riz a ç ã o " das Escrituras com o p o n to de p a rtid a h e rm e n ê u tic o n ã o pa rece ter
sid o d e v id a m e n te tra ta d o na a p re s e n ta ç ã o crítica q u e Juan Luis S egundo fa z d o círculo
h e rm e n ê u tic o de C one no liv ro Libertação da Teologia, p .32-43.
(35) Jam es C one no seu a rtig o "B la c k T h e o lo g y an d Id e o lo g y : A Response to m y Respon­
d e n ts ", in: Union Sem inary Q u a rte rly R eview, N ew Y ork, 31 (1), 1975, p .82.
21
rem a h istória a sério, n ão lim ita m lib e rta ç ã o a esta h istória e a es­
te tem po. Os o p rim id o s não podem a lca n ça r ple n a lib e rd a d e por si
sós. Diz C one^á; " . . . a lib e rd a d e é e sse n cia lm e n te o q ue Deus tem
fe ito e fa rá p ara le v a r a cabo a lib e rta ç ã o na h istó ria e m ais a lé m
da h is tó ria ” .
As a lte rn a tiv a s po lítica s que a te o lo g ia de C one colocava
até 1977 e ra m , ou a a ssim ilação dos negros à sociedad e no rte a m e ric a n a , ou a sua total " g u e ti z a ç ã o ". M as, desde a C o n fe rê n cia
ne gra de A tla n ta , de p o is de te r firm a d o a e sp e c ific id a d e da luta
a n ti-ra c is ta e classista, Cone vem fa la n d o da necessidade do m o v i­
m e n to n e g ro e n tra r em coalisões com outros m o vim e n to s lib e ra cionistas, a fim de que m udanças estruturais possam acontecer.
N esta sua nova fase te o ló g ic a Jam es C one parece te r d e ix a d o de
la d o seu m edo e x tre m o de lid a r com o in stru m e n ta l do m a te ria lis ­
m o histórico, be m com o seu n o tó rio sexism o e seu estilo de vida
b ranco-bu rg uês. Ele a in d a sustenta, no e n ta n to , que a in ic ia tiv a na
e n u n cia çã o d e um n o v o te m p o para a socie d a d e n o rte -a m e ric a n a
cabe à ig re ja negra, já q ue e la fo i e a in d a é a única in stitu içã o nos
Estados U nidos liv re do p o d e r da classe branca d o m in a n te .
N u m d iá lo g o crítico com a te o lo g ia negra de Cone é de res­
s a lta r o seu c a rá te r a p o lo g é tic o in ic ia l. A fim de le g itim a r seu tra ­
b a lh o fre n te à a c a d ê m ic a te o lo g ia tra d ic io n a l e le acabou se v a ­
le n d o de um a lin g u a g e m e de conceitos te o ló g ic o s tre m e n d a m e n ­
te distantes da base de opressão e de resistência negra à q u a l ele
d iz ia estar se d irig in d o . A in flu ê n c ia da co n se rva d o ra te o lo g ia o c i­
d e n ta l parece c o m p ro m e te r a p o s s ib ilid a d e do protesto negro v ir a
re ceb e r um m a n d a to re v o lu c io n á rio da te o lo g ia negra. Cone se
m antém m u ito bem d e n tro do esquem a " B a rth ia n o " ao sem pre de
n ovo e n fa tiz a r qu e lib e rta ç ã o vem d e fo ra d a história e não se co n ­
cretiza p le n a m e n te nesta h istó ria . Pois, é de p e rg u n ta r ju n to com
C ain F elder^7: " A fin a l, q u ã o ne gro é um n e g ro B a rth ia n o ? ". As
fe m in is ta s ta m b é m não p o u p a m críticas à n e o -o rto d o x ia da te o lo ­
g ia negra. S egundo M a ry D aly, e la é reform ista^® já que se v a le
(36) Jam es C one no seu a rtig o "E l C o n te xto Social de La T e o lo g ia : Libe rtad , H isto ria y Espera n z a ", in : H ugo A ssm ann et a lii. Teologia N eg ra — Teologia de la Liberación, S a la ­
m a nca, E diciones S íguem e, 1974, p .80.
(37) C ain Felder no seu “ Book R e v ie w ", in: Union S em inary Q u a rte rly R eview, N e w Y ork,
25 (4), 1970, p. 546.
(38) M a ry Daly no seu liv ro Beyond G od the Father, Boston, Beacon Press, 1973, p. 19.
22
dos conceitos e das arm as d o opressor para c o n tra -a ta c á -lo ^ . " O
Deus n e g ro e o M essias N eg ro a p a re n te m e n te são os mesmos p a ­
triarcas d e p o is de um a o p e ra çã o de p ig m e n ta ç ã o sendo seu com ­
p o rta m e n to m achista m a n tid o in a lte ra d o ". A té 1977 a te o lo g ia n e ­
gra n o rte -a m e ric a n a v in h a ta m b é m sendo se ria m e n te critica d a
d e v id o a o seu paro qu ia lism o ^O . Em p rim e iro lugar, e la pa re cia
isola r a e x p e riê n c ia re lig io s a neg ra n o rte -a m e ric a n a de suas he­
ranças a fr ic a n a s ^ . E, em segund o lu g ar, e la a b s o lu tiza va a luta
de lib e rta ç ã o negra nos Estados U nidos com o c rité rio ú ltim o para
toda e q u a lq u e r te o lo g ia , nem sequer tra ça n d o conexões com lu­
tas negras na Á fric a do S u l^ . P a ro qu ia lism o s à p a rte , o ce rto é
que a te o lo g ia neg ra fo i capaz de re la tiv iz a r a e te rn a e ab so lu ta
ve rd a d e da e x p e riê n c ia branca e a firm a r a e x p e riê n c ia negra co­
mo locus de re v e la ç ã o d iv in a . Ela conseguiu re cu p e ra r a história
dos negros, re s titu in d o -lh e s a d ig n id a d e d e serem considerados
sujeitos históricos e não m eras bestas escravas. Seu e s ta b e le c i­
m e n to d e fin itiv o nos anos 70 fo i um d e s a fio para que outras m in o ­
rias étnicas e raciais — com o as p o p u la ç õ e s asiáticas, ind íg e n a s e
hisp a n o -a m e rica n a s — tam bé m articulassem suas e x p e riê n cia s
te o lo g ic a m e n te ^ .
Os te ó lo g o s brancos n o rte -a m e ric a n o s de um a m a n e ira g e ­
ral p re fe re m d ia lo g a r com a te o lo g ia de lib e rta ç ã o la tin a d o que
(39) Ib id e m , p .25.
(40) Eric Lincoln no seu a rtig o " A P erspective on Jam es C one 's Black T h e o lo g y ", in : Union
Sem inary Q u arterly R eview , N e w Y ork, 23 (3): 219-233, 1968, n ã o co n corda com esta
crítica.
(41) G a y ra u d W ilm o re na sua ''B o o k R e v ie w ", in : Union Sem inary Q u a rte rly R eview , N e w
Y ork, 26 (3):413-418, 1971.
(42) O te ó lo g o s u l-a fric a n o A lle n A . Boesak, no seu liv ro F arew ell to Innocence: A SocioEthical Study on Black Theology and Black P o w e r, N e w Y ork, O rb is Books, 1979,
p. 143, d iz o s e g u in te :
"C o n e 's m ista ke is th a t he has ta k e n Black T h e o lo g y out o f the fra m e w o rk o f th e th e o ­
lo g y o f lib e ra tio n , th e re b y m a k in g his o w n s itu a tio n (b e in g b la ck in A m e ric a ) a n d his
o w n m o v e m e n t (lib e ra tio n fro m w h ite ra cism ) the u ltim a te c rite riu m fo r a ll th e o lo g y .
By d o in g this, C one m akes o f a c o n te x tu a l th e o lo g y a re g io n a l th e o lo g y , w h ic h is not
the sam e th in g at a ll" .
(43) A lg u m a s sugestões de lite ra tu ra destes d ife re n te s e n fo q u e s libe ra cio n ista s:
Roy Sano. The Theologies of A sian A m ericans and Pacific Peoples: a Reader. O ak­
la n d , A sian C enter fo r T h e o lo g y a n d S trategies, P acific School o f R e lig io n , 1976.
V in e D e lo ria jr. God is Red. N e w York, G rosset & D unlap, 1973.
C arl F. S ta rk lo ff. The P eople o f the C enter: A m erican In dian Religion and C hristianity.
N e w Y ork, S eab ury Press, 1974.
R o d o lfo A cuna . Occuppied A m erica: The Chicano's Struggle Tow ard Liberation. San
Francisco, C a n fie l Press, 1972.
23
com a p ró p ria te o lo g ia n e g r a ^ . N ão raro a te o lo g ia la tin a é trans­
fo rm a d a num novo p ro d u to de m oda, num a c o m o d id a d e que não
n ecessa ria m e nte e x ig e um a a ção re v o lu c io n á ria . Cone chega a
a firm a r que os te ó lo g o s brancos usam a q u estão d e classes sociais
para e n c o b rir e ig n o ra r seu p ró p rio racism o. A liá s, esta questão é
a p o n tin h a d o " ic e b e r g " no q u a l se tra n sfo rm o u a p o lê m ic a discus­
são e n tre te ó lo g o s negros e te ó lo g o s latinos. Os negros acusam os
la tin o s de n ã o d a re m espaço d e v id o ao seu d e te rm in is m o e c o n ô ­
m ico — à luta c u ltu ra l e nem de v a lo riz a re m s u fic ie n te m e n te a re­
lig io s id a d e p o p u la r dos p obres q u e eles mesmos d iz e m te r o " p r i ­
v ilé g io e p is te m o ló g ic o " ^ . Por o u tro lado, os la tin o s, com o Hugo
Assm ann e Enrique D u s s e l^ , acusam a te o lo g ia negra de não e n ­
fa tiz a r a m ud an ça no sistem a q u e p ro d u z e x p lo ra ç ã o ra cia l, e co ­
n ô m ica e c u ltu ra l. Em outras palavras, os teólogos latinos acham
que a teologia negra é muito norte-am ericana, e os teólogos ne­
gros acham que a teologia latina é muito branca. Nessa a ltu ra da
discussão, p o d e m o s arrisca r d iz e r que te ó lo g o s la tin o s e negros
p o d e m a p re n d e r uns dos outros neste d e b a te todo. A nós fic a o de­
s a fio de serm os m ais sensíveis às c o m p le x id a d e s e a m b ig ü id a d e s
da c u ltura p o p u la r e da re lig iã o . Aos negros va le a re co m e n d a çã o
o riu n d a do uso d o in s tru m e n ta l d o m a te ria lis m o histórico pelos
teó lo g o s latinos, de re la c io n a r sua a n á lise da cultura e da re lig iã o
n e gra as estruturas de p o d e r d o m in a n te s na m o derna sociedad e
c a p ita lis ta n o rte -a m e ric a n a .
Com o um fe c h o p ro v is ó rio desta parte, p odem os a firm a r a
" in a d e q u a b ilid a d e " do a tu a l e s tá g io da te o lo g ia negra, fa ce aos
desafio s que a c o m p le x a so cie da d e n o rte -a m e ric a n a apresenta
h oje. C om o p le ite ia C ornei W e s t^ , parece ser necessário en visio n a r um a nova te o lo g ia de lib e rta ç ã o negra q u e preserve os co n ­
teúdos p ositivos dos seus p rim e iro s estágios, que ultrapasse a sua
" c e g u e ira e s tru tu ra l", q u e to rn e m ais exp lícito s os p ro b le m a s con­
te m p o râ n e o s e que a n u n c ie possíveis estratégias de ação política.
Os aspectos positivos a serem m an tido s são: a a firm a ç ã o te o ló g ic a
(44) Jam es C one, "E v a n g e liz a tio n a n d P o litic s ...", p.126.
(45) G re g o ry Baum sistem atiza a c rític a n e g ra à te o lo g ia de lib e rta ç ã o la tin o -a m e ric a n a in:
Theology in the A m ericas, e d ita d o por S erg io Torres e John Eagleson, p.408s.
(46) V id e o a rtig o de Enrique Dussel "U m R e la tó rio da S ituaçã o na A m é ric a L a tin a ", in:
Concilium, P etró polis, 171 (1): 51-61, 1982.
(47) C o rn e l W est, Prophesy D eliverance, p. 116.
24
da p a rc ia lid a d e de Deus em fa v o r dos pobres; a id é ia de que a re­
lig iã o dos o p rim id o s p o d e ser ta n to ó p io com o fo rça de resistência
e de ru p tu ra histórica; a constatação d e que o racism o branco está
no c e n tro da co n s titu iç ã o do e x p lo ra d o r sistem a ca p ita lista no rte a m e ric a n o ; a re cu p e ra çã o do p a p e l p ro fé tic o d e se m p e n h a d o p e ­
las ig re ja s negras^®. Os pontos fra co s a serem revistos são: a a u ­
sência de um a a n á lis e social m ais sistem ática, o qu e tem p riv a d o
os te ó lo g o s negros de esta b e le ce re m conexões e n tre racism o, sexism o, classism o e im p e ria lis m o ; a fa lta da e n u n c ia ç ã o de e stra té ­
gias claras de lib e rta ç ã o , de um p ro g ra m a p o lític o e de um a p rá ti­
ca q u e fa c ilite m udanças estruturais.
D istinto p ú b lic o , e m cena a T e o lo g ia Fem inista!
... Era um a vez um gru po de m u lh e re s q ue resolveu se reu­
nir. E eis q u e ela s arrisca ra m re p a rtir um as com as outras suas his­
tórias de opressão e de resistência. A te o lo g ia nunca m ais fo i a
mesm a desde e n tã o . V e rd a d e s m asculinas, absoluta s e a h istó ricas, fo ra m feita s re la tiva s face à v a lo riz a ç ã o m e to d o ló g ic a das ex­
p e riê n cia s de co n scien tiza ção fe m inistas. M as, se a p ro ch e g u e m
um p o u co m ais e o uçam os juntos a re in te g ra ç ã o q ue Ju d ith Plaskow fa z do m ito de Lilith, re to m a d o da tra d iç ã o r a b ín ic a ^ :
N o in íc io de tu d o , Deus criou A d ã o e L ilith do pó da terra e
soprou nas suas narinas o fô le g o da v id a . C riados da m esm a fo n te ,
eles eram c o m p le ta m e n te iguais. A d ã o não gostou m u ito desta si­
tuação e m andou Lilith to m a r conta do ja rd im sozinha. M as com o
e la não era um tip o m u ito subm isso, e la invocou o nom e de Deus e
se m a nd ou e m b o ra , antes de torna r-se escrava.
Deus e n tã o criou Eva. Ela e A d ã o se d avam m u ito bem . Eva
pa re c ia satisfe ita em ser esposa e e m p re g a d a de A d ã o . O q u e lhe
in co m o d a v a um pouco era a q u e la re la ç ã o ín tim a e e x c lu d e n te e n ­
tre A d ã o e Deus. Um d ia Lilith co nse gu iu a rro m b a r o p o rtã o d o ja r­
d im ... Ela e A d ã o tiv e ra m um a b rig a fe ia ... Lilith acabou sendo
d e rro ta d a . M as antes que e la tivesse d e sa p a re cid o , Eva consegu iu
(48) Jam es C one e x a m in a a a tu a l " a p a tia p r o fé tic a " das ig re ja s n e gras, a g o ra m ais p re o ­
cupadas com suas vidas in te rn a s d o q u e com as lutas sociais, no seu a rtig o "B la c k
T h eolog y a n d th e Black C hurch: W h e re do w e g o fro m h e re ? " , in: G e ra ld A n d e rso n e
Thom as Stranski, Mission Trends n ° 4, N e w York, P aulist Press, 1979, p. 131-144.
(49) V id e o a rtig o d e Ju d ith P laskow "T h e C o m in g o f L ilith : T o w ard a F e m inist T h e o lo g y ",
no liv ro de P laskow e d e C arol C hrist W om anspirit Rising: A Feminist R eader in Reli­
gion, San Francisco, H a rp e r a n d Row, 1979, p.206s.
25
ver seu se m b la n te e d e sco briu q u e Lilith era um a m u lh e r com o ela
e n ão um d e m ô n io com o A d ã o lh e contara. A p a rtir de e n tã o , Eva
co m e çou a pe nsa r sobre os lim ite s de sua vid a no ja rd im ... 'Por
que A d ã o lhe m e n tira sobre Lilith? Ela pa re cia tã o b o n ita e tão fo r­
te ... Ela lu ta ra com ta n ta b ra v u ra '... Um d ia Eva n o tou um g a lh o
qu e se este n d ia p o r cim a do m uro do ja rd im . Ela subiu ne le e p u ­
lou o m uro. Eva não teve de p e ra m b u la r m u ito do lado de fo ra até
e n c o n tra r q u e m de fa to e la estava a p ro cu ra r: Lilith. A m bas se e n ­
tre o lh a ra m e p e rg u n ta ra m : "Q u a l é a tua h is tó ria ? " ... E fic a ra m
a li, horas a fio re p a rtin d o suas tristezas e suas a le g ria s ... E isto se
re p e tiu m uitas vezes... até que cresceu entre elas o laço da "irmã-
dade"!
A A d ã o estava c o m e ça n d o a fic a r p re o cu p a d o com as cons­
tan tes saídas d e Eva. Ela ta m b é m não m ais o b e d e c ia todas as suas
ordens e, por vezes, a rro g a v a -s e m esm o a e le v a r-lh e a voz. A té
q u e um d ia , fin a lm e n te , Eva saiu do ja rd im e se uniu a Lilith. A d ã o
fo i im e d ia ta m e n te co n ta r o o c o rrid o para Deus. Pô, Deus, q u a l é
q u e é? M as Ele, com a cabeça um pou co m ais a b e rta e te n d o seus
pró p rio s te m o re s com re la ç ã o ao crescente p o d e r de A d ã o , ta m ­
bém estava confuso e não fo i capaz de a ju d a r m u ito ... A lg u m a
coisa não tin h a ido c o n fo rm e o p re v is to ... E Deus e A d ã o estavam
a m e d ro n ta d o s e ao m esm o te m p o curiosos d o d ia e m que Eva e Li­
lith re to rn a ria m para o ja rd im , e x p lo d in d o com novas p o s s ib ilid a ­
des, pro nta s a , q u e m sabe, a c a b a r com tu d o , ou, a reconstruir tudo
juntas...
O m ito de Lilith, re co n ta d o de um a perspectiva fe m in is ta
p o r Ju dith P laskow , nos dá um a p rim e ira mostra da d iv e rs id a d e
e x is te n te d e n tro da te o lo g ia e da e s p iritu a lid a d e fe m in is ta . Se pe­
lo fa to de Plaskow se v a le r de um a tra d iç ã o p a tria rca l e la pode ser
ta ch a d a de " r e fo r m is ta " , a m a n e ira com o e la reconta o m ito abre,
no e n ta n to , p o s s ib ilid a d e s de se tra n sce nde r esta tra d içã o . A v e r­
são de Plaskow não som ente in v e rte a tra d ic io n a l im a g e m de Lilith
com o sendo o a rq u é tip o da m u lh e r m á, tra n s fo rm a n d o -a no a r­
q u é tip o da m u lh e r lib e rta , mas ta m b é m d e ix a em a b e rto a questão
se e la e Eva em " ir m ã d a d e " , "s is te rh o o d ", vão reconstruir ou sim ­
ple sm e n te co n stru ir o u tro ja rd im . T am bém em a b e rto fic a a per­
g u n ta p e la p a rtic ip a ç ã o de Deus e dos hom ens em to d o este p ro ­
cesso.
O certo é q ue a g o ra , passadas quase duas décadas de irru p ­
ção " o f ic ia l" , em 1968, d o q ue h o je se concebe com o te o lo g ia fe ­
26
m in ista de lib e rta ç ã o , com o liv ro d e M a ry D aly " A Ig re ja e o Se­
g u nd o S e x o ", o m o v im e n to te o ló g ic o das m ulheres se assem elha
em m u ito a um a s in fo n ia . Tensões e dissonâncias internas, h a rm o ­
nizadas p e lo te m a s in fô n ic o co m u m de lib e rta ç ã o , a ca b a m se
tra n s fo rm a n d o n u m a m úsica de rara b e le za e m elodia^® . O fa to
das m u lh e re s so frerem opressões p rim a ria m e n te o riu n d a s de sexism o, mas ta m b é m de classism o, racism o e im p e ria lis m o , torna
os diversos m o vim e n to s fe m in is ta s a pa r da necessidade d e p le i­
te a re m por um a lib e rta ç ã o " h o lis ta " . N e n h u m a opressão pode ser
re d u z id a à o utra, ou s im p lesm en te m in im iz a d a ^ . Pois, a este pro­
cesso das m u lh e re s d a re m nom e as suas e xp e riê n c ia s na so cie d a ­
de m achista e de e n v is io n a re m juntas um novo te m p o — baseado
num m u tu a lism o que p e rm ite a a firm a ç ã o de d ife re n ça s — tem si­
do ch a m a d o de te o lo g iz a ç ã o fe m in is ta . E este te rm o expressa o fa ­
to das m u lhe re s estarem e n g a ja d o s num processo d ia lé tic o , a b e r­
to, de a ção e de re fle x ã o . Q ue isto nos sirva de a le rta ! Q u a n d o
a q u i fa la rm o s de te o lo g ia fe m in is ta , te rem os sem pre em m ente
não um b lo co estático d e c on h ecim en tos, mas sim processos de
te o lo g iza çõ e s co le tiva s, brotadas das e x p e riê n c ia s das m ulheres
re p a rtid a s em fo rm a de histórias...
O e n g a ja m e n to das m u lh e re s no processo de te o lo g iz a ç ã o
não com eçou " d e re p e n te , não m ais que de re p e n te " há cerca de
duas d écadas atrás. H ouve ta m b é m um m o v im e n to fe m in is ta no
século 19, q ue brotou entre as m ulheres e n v o lv id a s na causa a b o li­
cionista. E de se ressaltar, no e n ta n to , q u e elas n ão co n se g u iria m
fo rm u la r m ais s iste m a tica m e n te a in te rre la ç ã o e n tre a e scravidão
dos negros no sul, a e x p lo ra ç ã o dos tra b a lh a d o re s livre s no norte e
a opressão social das m u lh e re s le g itim a d a p e la ig r e ja ^ . C erta­
m ente um a das fe m in is ta s a causar m ais im p a cto no século passa­
do fo i E lizabeth C ady S tanton. Em 1895, Stanton lançou a " B íb lia
da M u lh e r ^ " . Ela h a v ia c o le ta d o e in te rp re ta d o , com base em
(50) V id e o a rtig o de Isabel C arter H e y w a rd A Symphony of Liberation: The Radicalization
of Christian Fem inism . C a m b rid g e , Episcopal D iv in ity S chool, 1983. (X e ro g ra fa d o ).
(51) V id e os livros de R osem ary R uether e d e Letry Russell q u e fa la m d e lib e rta ç ã o h u m a n a
em g e ra l:
R osem ary R uether. N e w W om an, N e w Earth — Sexist Ideologies & H um an Liberation.
N e w Y ork, S eab ury Press, 1975.
R osem ary Ruether. Liberation Theology. N e w York, P aulist Press, 1972.
Letty Russel. Hum an Liberation in a Fem inist Perspective. P h ila d e lp h ia , The W estm in s­
ter Press, 1974.
(52) A n g e la Davis, W om en, Race and Class, San Francisco, 1982, p.66.
(53) C arol C hrist e Jud ith P laskow , W om anspirit Rising, p. 19.
27
pesquisas histórico-críticas, todas as a firm a ç õ e s co ntidas na B íblia
sobre as m ulheres. Para S tanton, era p o n to p a c ífic o que a B íblia
n ã o e ra um a liv ro n e u tro , mas sim um a arm a p o lítica u tiliz a d a co n ­
tra a lib e rta ç ã o das m ulheres. Os hom ens ch e g a va m a se v a le r da
B íblia para n e g a r o vo to fe m in in o . Stanton critica va ta m b é m ra d i­
c a lm e n te o ca rá ter a n d ro c ê n tric o , m asculino, da B íblia e e x ig ia
um a revisão de seus conteúdos. M as este p ro je to aca b o u se to r­
n an do im p o p u la r ju sta m e n te d e v id o as suas fo rte s im plicações
p o lític a s ^ . Inclusive a Associação N a c io n a l N o rte -a m e ric a n a pe lo
S u frá g io F e m in in o re je ito u a " B íb lia da M u lh e r” com o sendo um
" e r r o p o lític o ” . Mas, segu nd o S h e illa C ollins, a q u e la crítica ra d ica l
de Stanton fo i o v e rd a d e iro com eço do e n g a ja m e n to fe m in is ta na
te o lo g ia de lib e rta ç ã o . Este fe m in is m o ra d ica l do século passado
fo i sendo, pouco a p ou co , e n c a m p a d o p e lo protestantism o lib e ra l
que passou a v e ic u la r o c u lto da fe m in ilid a d e . S urgia a c o m e m o ­
ração do Dia das M ã e s ...55
A e x e m p lo do q u e a conteceu com a p rim e ira onda do m o v i­
m ento fe m in is ta n o rte -a m e ric a n o , ta m b é m a segunda onda irro m ­
peu, na d é ca d a de 60, em m e io às lutas das m ulheres ju n to aos
m o vim e n to s dos D ireitos Civis e a n ti- b é lic o s ^ . Mas, de novo as
m u lh e re s p e rce b e ra m q ue caso elas não colocassem suas lutas es­
pecíficas na a g e n d a d o d ia , ela s c o n tin u a ria m sendo tratadas in ­
justa e d e s ig u a lm e n te .
Com o liv ro de M a ry Daly, " A Ig re ja e o Segundo S e x o ", pe­
la p rim e ira vez fo i tra z id o para d e n tro d a discussão te o ló g ic a a ca ­
d ê m ic a o sexism o das Escrituras e das tradições eclesiásticas. Daly
tin h a , e n tã o , um a proposta n itid a m e n te r e fo r m is ta ^ . Em ú ltim a
a n á lis e , e la pensava que a m o d e rn iza çã o tra zid a p e lo V a tica n o II
p o d e ria to rn a r a ig re ja ca tó lic a a b e rta ao m in is té rio fe m in in o .
(54) E lizabeth Fiorenza, In M e m o ry of H er, N e w Y ork, C rossroads, 1983, p .8. Nas pá g in a s
se g u in te s Fiorenza a n a lis a a h e rm e n ê u tic a d e Stanton.
(55) V id e a c o n trib u iç ã o d e B everly H arrison no "T h e Fem inist T h e o lo g y P a n e l", in: S erg io
Torres e John Eagleson, Theology in the A m ericas, p .368.
(56) Ib id e m , p .368.
V id e ta m b é m o a rtig o d e M a rg a re t N. M a x e y , "B e y o n d Eve a n d M a ry " , in: M a rtin e
Dean P eerm an, N e w Theology n ° 9, N e w Y ork, The M a c m illa n C o m p a n y, 1972, p . 207229.
(57) C arol Crist e Ju d ith P laskow , W o m a n s p irit Rising, p.22s.
Fiorenza ta m b é m critica a D aly no seu liv ro In M e m o ry of H er, p. 21 s.
28
Mas, a te o lo g iz a ç ã o fe m in is ta se s o lid ific o u m esm o com o
processo c o le tiv o e c o m u n itá rio no in íc io dos anos 70. Em diversos
encontros as m u lheres passaram a re p a rtir suas histórias, músicas,
ritu a is; sem pre na busca po r um a te o lo g ia e p o r um a e s p iritu a lid a ­
de q u e as energizasse p ara lu tar por lib e rta çã o num a sociedad e
d o m in a d a p or m achos brancos das classes d o m in a n te s. A crítica
fe m in is ta à re lig iã o se in te n s ific o u a tal p o n to q ue alg u m a s m u lh e ­
res não v ira m outra a lte rn a tiv a fre n te ao suposto nato a n d ro ce n trism o cristão a n ão ser re c h a ç á -lo c o m p le ta m e n te a p ro cu ra r por
trad içõ e s a lte rn a tiv a s , tais com o o c u lto à Deusa^®. M u lh e re s p o ­
bres, negras, e de outras m in o ria s étnicas ta m b é m com eçaram a
le v a n ta r as suas vozes e a re c la m a r q ue a e x p e riê n c ia classe m é­
d ia , branca aca d ê m ica da g ra n d e m a io ria das te ó lo g a s não fa la ­
va, de fa to , às suas e x p e riê n c ia s de opressão. A sinfonia foi se
tornando cada vez mais complexa. O uçam os a g o ra , pois, a lg u ­
mas destas consonâ ncias e dissonân cias...
As te ólo ga s fe m in is ta s d e ix a m cla ro que h e rdaram dos teó­
logos de lib e rta ç ã o la tin a a v a lo riz a ç ã o m e to d o ló g ic a da e x p e ­
riê n c ia h u m a n a ^ . M as o novo da te o lo g ia fe m in is ta está no fa to
de q u e e la coloca a e x p e riê n c ia da m u lh e r — b a n id a da h e rm e ­
nêu tica e da re fle x ã o te o ló g ic a do passado — com o chave essen­
cial p a ra a re le itu ra da B íblia e das tradiçõ es. As m u lh e re s não fo i
p e rm itid o traze re m suas e x p e riê n c ia s para a fo rm u la ç ã o p ú b lica
das trad içõ es. E, a lé m disso, as p ró p ria s tra d içõ e s q u e tem os fo ra m
fo rm u la d a s contra as m ulh eres e para ju s tifica r sua e x c lu s ã o ^ . Pa­
ra te ó lo g a s com o E lizabeth Fiorenza, Rosem ary R uether, B everly
Harrison e S h e illa C ollins, e x p e riê n c ia fe m in is ta com o chave h e r­
m enêutica é , pois, o processo crítico através do q u a l a m u lh e r
id e n tific a , dá nom e e ju lg a a sua e x p e riê n c ia de opressão sexista
na sociedad e p a t r ia r c a l^ . Há, no e n ta n to , a lg u m a s teó lo g a s —
(58) V id e os a rtig o s d e S tarh aw k "W itc h c ra ft a n d W o m e n 's C u ltu re " e de C aro l C hrist "W h y
N e e d the G oddess: P h e n o m e n o lo g ic a l, P sycholog ical an d P o litica l R e fle c tio n s ", in:
W om anspirit Rising.
(59) V id e B everly H arrison, "T h e Fem inist T h eolog y P a n e l", p . 369.
N u m a conversa in fo rm a l com B everly, e la critico u a h e rm e n ê u tic a d a te o lo g ia da li­
b e rta ç ã o la tin o -a m e ric a n a po r n e g a r a e x p e riê n c ia pessoal das m u lh e re s co m o sendo
n o rm a tiv a pa ra a le itu ra b ib lic a e tra d itiv a . S egu ndo B everly, é n o níve l d a e x p e riê n ­
c ia pessoal q u e as m u lh e re s em g e ra l são m ais o p rim id a s .
(60) V id e o a rtig o d e R osem ary R uether, Feminist H erm eneutics: A M etho d of C o rre latio n ,
N e w Y ork, U n io n T h e o lo g ic a l S em ina ry, 1983, p.3.
(61) S heila C o llin s , A D iffe re n t H eav en and Earth, V a lle y Forge, Judson Press, 1974, p.31s.
29
com o M a ry D aly, C arol C hrist e S ta rh aw k — que d e fe n d e m a tese
de que e x p e riê n c ia fe m in is ta d eve se re fe rir àq u e la s e xp e riê n cia s
tra d ic io n a is das m u lh e re s — in clu sive as b io ló g ica s — mas agora
re a p ro p ria d a s de um a pe rsp ectiva fe m in is ta ^ . Esta va lo riza çã o
h e rm e n ê u tic a da e x p e riê n c ia da m u lh e r descobre o a n d ro ce n trismo das tradições bíblicas e eclesiásticas, bem com o re la tiv iz a seu
suposto u n iv e rs a lis m o e n e u tr a lid a d e ^ .
O g ru p o de teó lo g a s fe m in is ta s q ue a in d a se co n sideram
cristãs se re la c io n a com tra d iç ã o b íb lic o m orm e n te a p a rtir de um a
d ia lé tic a
p e rs p e c tiv a d e d e m ito lo g iz a ç ã o /d e c o n s tru ç ã o e
c o n s tru ç ã o /re im a g in a ç ã o . J u n ta m e n te com as te ó lo g a s pós-cristãs
elas criticam e d e p lo ra m a pe rsp ectiva m ascu lin a da tra d iç ã o
ju d a ico -cristã . M as elas ta m b é m tê m por g a ra n tid o q u e esta pers­
p e c tiv a é um a disto rção histórica que precisa ser c o rrig id a através
da v o lta à essência da m ensagem ju d a ico -cristã qu e seria lib e rta ­
ção, justiça, ig u a ld a d e e paz. Assim , Rosem ary Ruether c o rre la c io ­
na o p rin c íp io crítico fe m in is ta q u e , seg u n d o e la , é a p ro m o çã o da
c o m p le ta h u m a n id a d e das m ulhe re s, com a q u e le p rin c íp io através
do q u a l a p ró p ria B íblia se critica e re no va sua visão da a u tê n tica
Palavra de Deus. Este p rin c íp io crítico seria o da tra d iç ã o p ro fé tico m e s s iâ n ic a ^ . Phyllis T rible re la tiv iz a c o m p le ta e to ta lm e n te as
a p ro p ria çõ e s m achistas de tra d içõ e s bíblicas. E, através do cristia ­
nism o retó rico , e la v a lo riz a a h e rm e n ê u tica in te rn a das Escrituras e
descobre im a g e n s e m e táfo ra s com cu n h o a lta m e n te fe m in is ta
que podem servir de fo n te e n e rg iz a d o ra às lutas das m ulheres
,hoje^5. Para E lizabeth Fiorenza, a p a tria rc a liz a ç ã o não é um pro­
cesso in e re n te à re v e la ç ã o d iv in a e à c o m u n id a d e cristã. Se v a le n ­
d o de um in stru m e n ta l de a n á lis e h istórico-crítico e la qu e r resgatar
o d is c ip u la d o de ig u a is presente no cristianism o p r im it iv o ^ .
O utras fe m in is ta s , e n tre ta n to , a firm a m q ue a essência da
tra d iç ã o ju d a ico -cristã é tã o irre m e d ia v e lm e n te sexista que não
fa z se n tido e sp e ra nça r p or a lg u m a m udança d e n tro d e la . Assim,
"teólogas" com o C arol Christ, S tarhaw k e M e rlin Stone recorrem à
(62) C arol C hrist e Ju d ith Plaskow , W om anspirit Rising, p .8.
(63) R osem ary R uether, Sexism and G od-Talk, Boston, B eacon Press, 1983, P. 13.
(64) R osem ary R uether, F e m in is t H e rm ene utics, p .9.
(65) V id e o liv ro de P hyllis T rib le , G od and th e Rethoric o f Sexuality, P h ila d e lp h ia , Fortress
Press, 1980.
(66) V id e o a rtig o de E liza beth Fiorenza "P a ra m u lh e re s em AAundos M a scu lin o s: U m a Teo­
lo g ia C rítico -F e m inista de L ib e rta ç ã o ", in: Concilium, P etrópolis, 191 (1):51-61, 1984.
30
b ru x a ria , e ao cu lto à Deusa, e n ra iz a d o em a n tig a s re lig iõ e s
n e o lític a s ^ . Estas fe m in is ta s pagãs são fre q ü e n te m e n te acusadas
de ro m a n tiz a re m a tra d iç ã o da Deusa e de in co rre re m num d u a lis ­
m o sim p lista : a re lig iã o b íb lic a fo m e n ta ria o p a tria rc a lis m o e a tra ­
d iç ã o pag ã o m a tria rc a lis m o ^ .
D iante dos "p e rig o s ” desta busca p o r um passado " u s á v e l" ,
seja b íb lic o ou p a g ã o , outras fe m in is ta s o p ta m por te r com o base
única para o seu te o lo g iz a r a e x p e riê n c ia co n te m p o râ n e a das m u­
lheres. A ssim , N aom i G o ld e n b e rg a p e la p a ra os sonhos e as fa n ta ­
sias das m u lheres com o fo n te de r e v e la ç ã o ^ . M a ry D aly a p e la p a ­
ra um fu tu ro a n d ró g in o , e n v is io n a n d o Deus com o V erbo,
"B e -in g "7 0 . É interessante notarm os q u e este ú ltim o g ru p o de
"teólogas" fe m in is ta s que tra b a lh a fo ra da tra d içã o b íb lica e teolo g iza a p a rtir d a e x p e riê n c ia b io ló g ic a e cu ltu ra l d ife re n c ia d a d a
m u lh e r, m ais fre q ü e n te m e n te p le ite ia por um a ascensão da m u­
lh e r sobre o h o m e m e p o r co m u n id a d e s re ligiosas fe m in ista s a lte r­
nativas, à parte da cu ltura p a tria rc a l. As práticas políticas oriundas
destes e x p e rim e n to s re lig io so s g e ra lm e n te pro cu ra m por tra n sfo r­
m ações culturais, sem prestarem a te n ça õ à in te rco n e cçã o da d o ­
m in a çã o m achista com as estruturas econ ôm icas e de p o d e r d o m i­
nantes. Para Daly, por e x e m p lo , lib e rta ç ã o se dá id e a lis tic a m e n te
através da criação de um a nova lin g u a g e m d e n tro de grupos r e li­
giosos separatistas lé s b ic o s ^ .
As teó log a s que se m antém d e n tro da tra d içã o b íb lica a d vo ­
ga m , im p líc ita ou e x p lic ita m e n te , p e la ig u a ld a d e e n tre hom ens e
m u lheres d e n tro de co m u n id a d e s re lig iosas m ixtas. " Irm ã d a d e " s e
dá d e n tro da ig re ja constituída. São as m ulheres im p u ls io n a n d o a
ig re ja a ser "ecclesia semper reformando", ig re ja sem pre em re­
fo rm a . Rosem ary R uether, Elizabeth Fiorenza, Isabel C arter Hey-
(67) C arol Christ e Ju d ith P laskow , W om anspirit Rising, p. 10s.
(68) R osem ary R uether, Sexism and G o d-T alk, p.268 nota n° 17.
(69) N a o m i G o ld e n b e rg , Changing of the Gods, Boston, Beacon FVess, 1979.
(70) M a ry Daly, Beyond God th e Father, p.33s.
(71) Ib id e m , p. 132s.
Para um a p ro fu n d a m e n to no tra ta m e n to te o ló g ic o d a d o a o le s b ia n is m o po r te ó lo g a s,
v id e :
M a ry E. H unt. Lovingly Lesbian: To w ard a Feminist Theology of Friendship, W a sh in g ­
ton, D. C. (X e ro g ra fa d o ).
A d rie n n e Rich. C o m p u lso ry H e te ro s e x u a lity a n d Lesbian Existence, in: Signs, 5(4),
1980.
A u d re Lord. Uses of th e Erotic: The Erotic as P ow er. N e w Y ork, O u t & O u t Books, 1978.
31
w a rd e B everly H arrison p le ite ia m na esfera só cio -p o lítica lib e rta ­
ção holista e v a lo riz a ç ã o da e s p e c ific id a d e de cada opressão, seja
por raça, sexo, classe ou p re fe rê n c ia sexual^2. Dentre estas, so­
m ente R uether e H arrison se v a le m de um in stru m e n ta l m arxista e
a b e rta m e n te a d v o g a m por um a socied a d e socialista.
N um d iá lo g o crítico com o processo de te o lo g iz a ç ã o fe m i­
nista n ã o se p o d e passar p o r cim a do fa to de que e le nasceu basi­
ca m e n te num c o n te x to classe m é d ia , branco, a c a d ê m ico nortea m e ric a n o . É p o n to p a cífico , ta m b é m , q u e o m o v im e n to fe m in is ta ,
a d e sp e ito do seu suposto u n ive rsa lism o , a in d a não consegu iu en­
g lo b a r as lutas e os discursos d e , p o r e x e m p lo , m ulheres negras e
pobres. M esm o assim, teó lo g a s com o R uether, Fiorenza e Harrison
critica m a te o lo g ia de lib e rta ç ã o la tin a p o r seu d e te rm in is m o e co ­
n ô m ic o e por sua pouca s e n s ib ilid a d e em re la çã o às exp e riê n cia s
das m u lh e re s e das m in o ria s de seus p a ís e s ^ . As m u lh e re s são
g e ra lm e n te in fo rm a d a s de que o processo de m udança social e x i­
ge p rio rid a d e s e estratégias. E a elas cabe, então, sem pre esperar
no fin a l da f ila po r sua lib e rta ç ã o . E no fim , com o constata
R u e th e r^ , elas são o b rig ad a s a d esapa re cer, se rvin d o a outras lu­
tas q u e não e s p e c ific a m e n te as suas. Nessa crítica à te o lo g ia la ti­
na, te ó lo g a s fe m in is ta s e te ó lo g o s negros parecem se encontrar.
A m b o s e n fo q u e s lib e ra c io n is ta s e x ig e m com q u e a te o lo g ia la tin a
leve m ais a sério as opressões cu ltu ra is na sua análise social, bem
co m o na e n u n c ia ç ã o d e um h o rizo n te de lib e rta ç ã o holista. Mas, é
de se ressaltar, ta m b é m , que a ê nfase colocada pelos te ó lo g o s
la tin o -a m e ric a n o s na tra n s fo rm a ç ã o e co n ô m ica tem sido um a le rta
constante a que fe m in is ta s e negros não re strinjam suas lutas a um
m ero re fo rm is m o c u ltu ra l, d e ix a n d o o p ró p rio sistem a ca p ita lista
in ta c to ^ . As te ó lo g a s fe m in is ta s n o rte -a m e rica n a s podem , por
seu la d o , ser acusadas pelos la tin o s de não te re m um in stru m e n ta l
(72) Em Sexism an d G o d -T alk, p.232s, R uether discute a v ia b ilid a d e de um a visã o in te g ra tiv a fe m in is ta da socied ade .
V id e T a m bém o a rtig o de J a c q u e ly n G ra n t "Tasks o f a P rophetic C h u rc h ", in: C ornel
W est (e d .), Theology in th e A m ericas — D e tro it II C onference Papers, N e w Y ork, Orbis Books, 1982, p. 136-142.
(73) B e v e rly H arrison, "T h e Fem inist T h eolog y P a n e l", p .367.
(74) Ib id e m , p.372.
(75) G re g o ry Baum re p ro d u z o p e n s a m e n to da g ra n d e m a io ria dos te ó lo g o s de lib e rta ç ã o
la tin o -a m e ric a n o , in : S e rg io Torres e Joh n Eagleson, Theology in th e A m ericas,
p. 406s.
32
de a ná lise c la ro que p ro p ic ie certa coa lisão das dissonâncias deste
m o vim e n to . Enquanto, po r e x e m p lo , o fe m in is m o lib e ra l insiste na
a u to n o m ia e ig u a ld a d e dos d ire ito s do in d iv íd u o , as fe m in ista s so­
cialistas lo c a liz a m o fa to r d e te rm in a n te da opressão social da m u­
lher no re la c io n a m e n to entre classe e sexo na sociedade c a p ita lis­
ta o c id e n ta l^ . E, com o observa F io r e n z a ^ : "Essa d ive rs id a d e de
an á lises e perspectivas teóricas desem boca e m concepções d iv e r­
sas de fe m in is m o , lib e rta ç ã o da m u lh e r e de ser h um ano no m un­
d o . . ."
Mas, com o o espaço é tão lim ita d o , vam os a g o ra à co n clu ­
são, ond e a p o n ta re m o s a lg u n s aspectos a serem considerados na
fo rm u la ç ã o de um instru m e nta l de a ná lise e na e n u n cia çã o de um
p ro je to re v o lu c io n á rio holista d e n tro da so ciedad e no rte a m e rica n a .
Já p o e ta va Pablo N eruda^® :
" A m o todas as coisas, e entre todos os fo g o s só o a m o r não
gasta, p or isso vo u de v id a em v id a , de g u ita rra em g u ita rra , e não
te n h o m edo da luz nem da som bra, e p o rq u e quase sou de terra
pura te n h o colheres para o in fin ito ... A u x ílio , a u x ílio ! A ju d e m !
A ju d e m -n o s a ser m ais terra cada d ia ! "
"S e r m ais terra cada d ia " , eis a prece que m ais a p ro p ria d a ­
m ente resum e ho je o a n e lo da m a io ria dos e das representantes
dos e n fo q u e s lib e ra c io n is ta s n e g ro e fe m in is ta ... M as, existe tam ­
bém um a crescente con scie n tiza çã o destes e n fo q u e s do re d u cio nism o o riu n d o de suas análises e práticas sociais. Em sum a, a
opressiva re a lid a d e m achista, racista, c a p ita lis ta , im p e ria lis ta
n o rte -a m e ric a n a não consegue ser e n te n d id a em toda a sua com ­
p le x id a d e som ente a p a rtir de aná lises e n fo c a n d o is o la d a m e n te as
questões de raça, sexo e classe social. Nem a sua tra n sfo rm a çã o é
viá v e l som ente, por e x e m p lo , através da luta de c la s s e s ^ . Por ou­
tro la d o , ta m b é m é im possível c o m p re e n d e r e tra n s fo rm a r a re a li­
da d e e spe cífica de cada um a destas opressões sem que seja ende-
(76) V id e o liv ro e d ita d o po r Z íla h Eisenstein C ap italist P atriarchy and th e Case fo r Socia­
list Fem inism , N e w Y ork, M o n th ly R eview Press, 1979.
(77) E lizabeth Fiorenza, "P a ra M u lh e re s em M u ndos M a s c u lin o s ", p.54s.
(78) P ablo N e ru d a , A ntolo gia Poética, Rio d e J a n e iro , Livra ria J o s é O ly m p io E ditora, 1983,
p. 200.
(79) S tanle y A ro n o w itz a n a lis a a crise d o M a te ria lis m o H istó rico na p rim e ira pa rte d o seu li­
vro The Crisis in Historical M a te ria lis m , N e w York, P raeger, 1981.
33
reçada a d ia lé tic a re la çã o e x is te n te e n tre elas. Pois, fo i neste sen­
tido que fa la m o s d u ra n te toda esta e m p re ita d a da necessidade de
um a a n á lis e social holista e do e n v is io n a m e n to de um a lib e rta ç ã o
h o lista por p arte dos diversos e n fo q u e s a rrolados. E cla ro q ue sem ­
pre e xiste m opções estra tég icas; e no caso la tin o -a m e ric a n o , d e v i­
do a o p ró p rio se lva g ism o da ação c a p ita lis ta /im p e ria lis ta , é n e ­
cessário, com o um a p rio ri lib e rta d o r, a tra n siçã o pa ra um a socie­
d a d e socialista. M as, é ta m b é m p o n to p a c ífic o qu e as lutas fe m i­
nistas, é tn ica s e negras têm de se d e s e n v o lv e r d ia le tic a m e n te interco ne cta d a s com este a p rio ri estratégico. Caso c o n trá rio , elas
c o n tin u a rã o sem pre esp e ra nd o no fin a l da fila .
N o caso dos Estados U nidos, a e m e rg ê n c ia destes diversos
m o vim e n to s cu ltu ra is e x ig e coalisão ao invés de s e p a ra tism o . Se­
g u n d o S ta n le y A ro n o w itz ^ O , filó s o fo n e o -m a rx is ta n o rte a m e ric a n o , é certo q u e um a re to m a d a c ie n tífic a da crítica de
G ram sci à o n ip o tê n c ia da estrutura e co n ô m ica e da sua descoberta
acerca da re la tiv a a u to n o m ia das assim cham adas "s u p e re s tru tu ­
ra s " e sua a çã o d ia lé tic a sobre a base e co n ô m ica , da rá uma a m ­
p litu d e m a io r à ta re fa crítica do m a te ria lis m o histórico. Uma a n á li­
se social e c o n o m ic a m e n te d e te rm in is ta e q ue não leva em conta a
m u ltip lic id a d e de d e te rm in a n te s da vid a social (com o raça, sexo,
etnias e classe s o c ia l) re tra ta rá ou fo m e n ta rá um a p rá tica social
um ta n to q u a n to lim itada® ^. C ornei W est se a p ro p ria desta crítica
de A ro n o w itz às lim ita ç õ e s d o m a te ra lism o histórico e se v a le de
um in s tru m e n ta l n e o-G ra m scian o para a n a lisa r a e sp e cificid a d e
da opressão a fro -a m e ric a n a , be m com o sua in te rre la ç ã o com
opressões o riun d as de d iv is ã o sexual e de classe®^. De fo rm a a lg u ­
ma tem os co n diçõ e s — nem é nosso in te n to — d e o fe re c e r aq u i
um a e x p lic ita ç ã o filo s ó fic a d e ta lh a d a deste in stru m e n ta l holista
n e o -g ra m scian o . Fica, no e n ta n to , d a d a a pista e o d e s a fio de que
ta m b é m nós, la tin o -a m e ric a n o s , com ecem os a d ia lo g a r c ritic a ­
m ente com esta perspectiva.
Para C o rn ei, é fu n d a m e n ta l e in e v itá v e l um casam ento en­
tre o cristian ism o p ro fé tic o e o n e o -m a rxism o progressista no con-
(80) Ib id e m , p.65.
(81) S ta n le y A ro n o w itz discute n o seu liv ro , p. 128s, novas e stra té g ia s p o lítica s pa ra a v ia b i­
liz a ç ã o de um s o c ia lis m o no co n te x to n o rte -a m e ric a n o .
(82) V id e o a rtig o de C ornel W est, "M a rx is t Theory and the S p e cificity o f A fro -A m e ric a n
O p p re s s io n ", N e w Y ork, U nion T h e o lo g ic a l S em ina ry, 1983, P.8s. (X e ro g ra fa d o ).
34
te xto da e squerda n orte -a m e rica n a ® ^. Isto é o que p le ite ia ta m ­
bém o g ru p o "T h e o lo g y in th e A m é ric a s ", "T e o lo g ia nas
A m é ric a s ", da q u a l C ornei é um dos p rin c ip a is co laborad ores. Este
g ru p o surgiu de um a c o n fe rê n c ia h o m ô n im a , re a liz a d a e m 1975,
em D etro it, com o o b je tiv o de in te rp re ta r n o co n te xto dos Estados
U nidos os d e sa fio s le va n ta d o s p e la te o lo g ia d e lib e rta ç ã o la tin o a m ericana® ^. Já n a q u e la o p o rtu n id a d e , negros, hispanos, índios
e fe m in is ta s d e ix a ra m cla ro q u e era típ ic o dos te ó lo g o s brancos
n o rte -a m e ric a n o s q u e re r im p o rta r um a te o lo g ia de lib e rta çã o
a lh e ia ao seu c o n te xto espe cífico , ig n o ra n d o , assim , os clam ores
dos e n fo q u e s locais®^. T am bém os te ó lo g o s la tinos se p re o c u p a ­
vam com a possível a p ro p ria ç ã o de sua te o lo g ia e a conseqüente
dissolução de suas im plica çõe s re volucionárias® ^. D aquela co n fe ­
rência b ro to u o g ru p o "T h e o lo g y in the A m é ric a s ", c o m p ro m e tid o
com a construção de um a nova te o lo g ia que viesse a e m e rg ir d o e
a fa ze r jus ao con texto dos Estados Unidos®^. A sede da o rg a n iza ­
ção é em N e w Y o rk e há sub-grupos espalhados nas bases d e to ­
dos os cantos dos Estados U nidos com as m ais diversas p ro b le m á ti­
cas: sexism o, racism o, am eaça n u cle a r, etc. Na segunda c o n fe ­
rência, re a liz a d a em 1980, ta m b é m em D etroit, a o rg a n iza çã o já
estava con so lid a d a e consegu ia p e n e tra r e m co m u n id a d e s locais,
órgãos eclesiásticos o ficia is, un iversidad es, sem inários, m o v im e n ­
tos de resistência e grup os políticos. Nos seus o b je tiv o s fix a d o s e n ­
tão, o g ru p o d e ix o u clara a sua busca por um a a n á lise social holista, p o r um a postura te o ló g ic a p ro fé tic a e p o r um a práxis po lítica
re v o lu c io n á ria . Entre seus o b je tiv o s estão:®®:
— D iscernir os sinais sociais e p o lítico s dos tem pos a p a rtir
da pe rsp ectiva dos e x p lo ra d o s e exclu íd o s;
(83) C o rn e l West, Theology in the Am ericas — D etro it II Conference Papers, p. 158.
(84) S e rg io Torres e John Eagleson, Theology in th e A m ericas, p.3s.
(85) V id e as cartas de R osem ary R uether e de G re g o ry Baum a S erg io Torres, in: Theology
in th e Am ericas, p.84s.
R ichard S haull e M a ria A u g u sta N eal estã o e n tre a q u e le s /a s te ó lo g o s /a s no rtea m e ric a n o s /a s que fo rte m e n te e n fa tiz a m a ne cessidad e de se, p ra tic a m e n te , trans­
p la n ta r a te o lo g ia d e lib e rta ç ã o la tin a p a ra d e n tro d o co n te xto n o rte -a m e ric a n o .
(86) V id e o p ro n u n c ia m e n to d e H ugo A ssm ann a p u d S e rg io Torres, Theology in th e A m e ri­
cas, p. XV.
(87) S e rg io Torres e John Eagleson, op .cit. p .433.
(88) C orn el W est, Theology in the A m ericas — D etro it II C onference Papers, p .3.
35
— F om entar coalisões e n tre grupos lu ta n d o contra opres­
sões de classe, sexo e raça;
— A rtic u la r a visão de um a nova sociedad e, e x p lo ra n d o
um a a lte rn a tiv a socialista c ria tiv a ;
— C e le b ra r as e x p e riê n c ia s cu ltu ra is e e s p iritu a is p ro fé ti­
cas;
— V ia b iliz a r a a çã o p ro fé tic a da ig re ja ;
— M a n te r a d im e n s ã o in te rn a c io n a l e g ru p a i d o processo
de te o lo g iz a ç ã o .
V a le re g istrar a q u i, a in d a , a ca m p a n h a pre sid e n cia l d o pas­
to r batista n e g ro Jesse Louis Jackson, em 1983-1984, com o um
e x e m p lo de um fa z e r te o ló g ic o q u e a n e la lib e rta ç ã o ho lista a tra ­
vés de ação política® ^. A "R a in b o w C o a litio n " , "C o a lis ã o do A rcoIris ", p le ite a d a po r Jackson visava c a n a liz a r as d ife re n te s causas
fe m in is ta , n e g ra , p a c ifis ta , é tn ic a , o p e rá ria , g a y para d e n tro de
um m o v im e n to p o lític o de massa, capaz d e tra ze r à tona um a m u­
d a n ça fu n d a m e n ta l na socie da d e n o rte -a m e rica n a no interesse da
pro m o çã o d e Paz p or Justiça. É c la ro q u e o im p a cto da "C o a lis ã o
d o A rc o -lris " não pode ser m e d id o p e lo insucesso fin a l a lca n ça d o
a um nível im e d ia to . O q u e conta é o processo e a sua re ve rb a çã o
n um a p e rspe ctiva a lo n g o prazo. E este processo ensinou que, de
fa to , as " m in o r ia s " unida s e m coalisões p o d e m v ia b iliz a r um a fo r ­
ça tra n s fo rm a d o ra nos Estados U nidos. De m a n e ira a lg u m a isto im ­
p lica e m q u e os d ife re n te s e n fo q u e s n ão d e va m c o n tin u a r tra b a ­
lh a n d o por suas causas específicas. Em v e rd a d e , é necessário que
c o n tin u e m a firm a n d o suas críticas e re ivin d ica çõ e s nas igrejas,
universidad es, fá b rica s, co m u n id a d e s locais. M as é im p o rta n te
q ue o fa ç a m com base num a a n á lis e m ais a m p la qu e id e n tific o u
as conexões existentes e n tre as diversas estruturas opressoras na
so cie da d e n o rte -a m e ric a n a . Q ue p ro cu re m , ta m b é m , na m e d id a
d o possível, co lig a r-se com outros grupos re lig io so s, civis, p o líti­
cos, a lç a n d o , assim , um a voz m ais a u d ív e l, tira n d o os gritos do si­
lê n c io ...
... Pois, se antes eu n ão sabia d ire ito com o in tro d u z ir toda
esta p ro b le m á tic a a vocês, a g o ra me é m ais d ifíc il a in d a co n clu ir.
E que eu penso que as coisas, as vidas, as histórias, as lutas, os so­
nhos en ce n a d o s aqui não te rm in a m ... M u ita s questões fic a ra m em
(89)
V id e o a rtig o d e B e n ja m in C havis “ The T h e o lo g ic a l Im p o rta n te o f the P re side ntial
C a m p a ig n o f th. R everend Jesse Louis J a c k s o n " in: CALC Report, 1984, p.3-8.
36
a b e rto ; outras tantas carecem de um a p ro fu n d a m e n to m aior. Mas,
a fin a l, ta m b é m não é este tip o de sensação q ue nos d e ix a m as p ri­
mas obras do mestre G la u b e r Rocha? As cenas pro je ta d a s não ca­
bem só na te la . Elas são fru to do d ia -a -d ia e re m e te m a e le . A
ação não acaba com o fim . E este parece ser o d e s a fio que se nos
coloca a g o ra : le v a r a d ia n te , d iscu tir, c ritic a r, re -im a g in a r, c o n te x­
tuai izar...
Enfim , to rn a r os "fla s h e s " destes e n fo q u e s lib e ra cio n ista s
parte dos nossos processos te o ló g ic o s te ó ric o -p rá tico s. E, e n q u a n to
aqui nesta la tin a A m é ric a nós vam os c o n tin u a r re cu p e ra n d o e pro­
curando tra n s fo rm a r as vidas dos "C a b ra s M arcados para M o rre r" ,
o xa lá q u e lá p ela s bandas do h e m is fé rio n o rte o p o vo seja capaz
de a m a r e de lu ta r p e la v id a de seus sem elhante s e não som ente
da de seres extra-terrestres. E um dia , q uem sabe q u a n d o , nós va­
mos p o d e r nos re la c io n a r de ig u a is para ig uais, sem m ediações
m u ltin a c io n a is , sem " c lic - c lic s " g lob ais. Então, a q u i e a co lá , m u ­
lheres, negros, índios, o p e rá ria s, crianças e velhos fa rã o o c a rn a ­
val no d ia -a -d ia , a m a n d o m ais a
te rra ju n to s... N ão m ais estare­
mos na e ra Pós-H iroshim a, mas sim na e ra P.P.J., Paz por Ju stiça...
Sonhos? Utopias? E q u em disse que a re lig iã o não fa la destas co i­
sas? ... O le m a da IECLB para 1986, "E m Jesus Cristo, Paz p o r Justi­
ç a ", nos leva a crer que a m a n d o a terra a brim os nossas mãos para
o in fin ito e somos capazes de sonhar o que vai ser re a l... com o
canta M ilto n N a s c im e n to :^
"Q uero a utopia, quero tudo e mais,
Quero a felicidade dos olhos de um pai,
Quero a alegria, muita gente feliz,
Quero que a justiça reine em meu país,
Quero a liberdade, quero o vinho e o pão,
Quero ser a amizade, quero amor, prazer,
Quero nossa cidade sempre ensolarada,
Os meninos na praça e o povo no poder eu quero ver...
Assim dizendo a minha utopia
eu vou levando a vida,
eu vou viver bem melhor,
doido pra ver o meu sonho
um dia se re a liz a r..."
...CLAQUETE! Ação...
(90)
M úsica "C o ra ç ã o C iv il" , c a n ta d a p o r M ilto n N a s c im e n to no disco "C a ç a d o r d e M im "
EMI - O de on.

Documentos relacionados