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Transcrição

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Brasilia - Ano 6 - N. 25
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Equ ipe responsavel :
Faculdade de Direito do Recife
Jose Augusto Guerra
Curriculo de 1? grau numa sociedade em mudan~a
Terczinha Saraivn
A IIngua portuguesa nes meios de
Elba Maria Games Lontra, Darlan Manoel Rosa,
Norma Mar'luez de Souza Eleuterio, Walmir
Felix Ayala
comunica~äo
de massa
Esau A. de Carv,;lho
A experiencia nos primeiros anos de vida
Zaida Grinberg Lewin
Dire1Or-Geral do Departamenro de
Documenra,iio e Divulga,iio: Mozart Baptista
Bemquerer
Planejamen 10 :
IIIiiidiii....,,,"--,
Tecnicas de expressäo livre na escola de 1? grau
Alvisto Skeff Sobrinho
Ou1./Dez. - 1977
Publicac;;äo oficial do Ministerio da
Educacäo e Cultura
~ D~partamento de Documentac;;äo
e Divulgac;;äo
Esplanada dos Ministerios - Bloco L Terreo - Brasflia - DF - Brasil
_
Engenharia da instrw;:äo
Cosete Ramos
Influencia de Ifnguas africanas n o portugues do Brasil
Yeda Pessoa de Castro
Estudos
Norberto Cardoso Ferreira
Execu,iio:
o
Coordena~äo:
Reginaldo Jorge da Silva, Lucia
Gouvea Gomes Leite
Programa~äo
Visual: Luiza Kotaira
Fotos:
Rivaldo Gomes - capa e pags. 78-79-BO-83
Sebastiäo Barbosa - pilgs. 32, 36, 39,42,65,
106 e 107, 110 e 111
Capa: Projeto Municine
Assinatura por dois anos: Cr$ 200 ,00 Exterior : US$ 60.00
Numero avulso: Cr$ 20,00 - Exterior: US$ 8.00
Impressa na Edirora GfiHir:a Alvorada L rda .
8rasil i a - DF
Educa~äo
projeto munieine
Flavio de Campos
e cultura no Estado do Rio de Janeiro
Myrtes de Luca Wenzel
Treinamento de professores alfabetizadores
Licia Regina Moreira de S . da Fonseca -- Zorilda Andrade Vaz da Silva
Subnutri~äo
e desenvolvi menta mental
Maria Thereza Mare lIio de Souza
Fatos da educac;;äo/Do noticiario
Wanderlei Barroso - Tänia Barbosa
Summaries - Resumes - Resume,lt?s
11
Os nlveis de linguagem que pro­ irradiayao cultural africana no pafs.
A delimita<;äo dos nfveis que pro­
pomos aqui representam elos de
uma cadeia ininterrupta situada en­ pomos nao e nem definitiva nem
tre as IInguas africanas que foram absoluta. Existem entre eies intera­
faladas no Brasil e 0 portugues eu­ <;:öes e inter-rela<;:öes, mas onde se s'i­
ropeu regional e de carater arcaizan­ tuam asfronteiras que diferenciam
uma classe de situa<;:öes que, de ma­
te.
Nosso enfoque e sincr6nico e se neira geral, exige uma variedade ou
centra nos aspectos da integra<;:äo outra, nos consideramos empirica­
progressiva dos emprestimos lexi­ mente como a linguagem popular
cais africanos atraves de diferentes da Bahia ou LP.
A partir da LP, 0 produto da
contextos sociolingü(sticos dos fala­
res baianos, em sua direc;:ao ao por­ observayao de duas situa<;:öes socio­
tugues brasileiro 1 • Diacronicamente culturais distintas e da variedade de
conviria ter em conta a influencia mudan<;:a ou de näo mudan<;:a lin­
de Ifnguas amerfndias do Brasil, 0 gü(stica que elas revelam resultou
que sera feito apenas quando neces­ na identifica<;ao de mais quatro
-~rio as conclusöes.
nlveis de linguagem e na divisao
Tomamos como modelo de nossa desses nfveis em func;:ao do menor e
analise as modalidades de falares do maior grau de integra<;:äo dos
baianos do Rec6ncavo e da cidade empn§stimos africanos nos falares
do Salvador, duas regiöes que sem­ da Bahia e, em grande parte, no
pre estiveram interligadas por uma portugues do Brasil. Em outros ter­
linha hist6rica contfnua. Nelas se mos, observa-se que os empn§stimos
desenvolveu uma sociedade que tem lexicais africanos estao mais ou me­
assimilado e integrado elementos nos completamente integrados ao·
culturais africanos e europeus du­ sistema portugues, segundo os niveis
rante quatro seculos,apresentando de linguagem s6cio-culturais, en­
hoje um elevado fndice de popula­ quanto os graus de mestic;:agem lin­
yao negra e mesti<;:a, aproximada­ gü(stica correspondem, mas nao evi­
mente 65% da popula<;:äo total. 0 dentemente de maneira absoluta,
Recöncavo, zona rural, de planta­ aos graus de mestic;:agens biol6gicas.
c;:oes de cana-de-ac;:ucar, de en­
Os cinco nlveis identificados· fo­
genhos, dos prindpios da coloniza­ ram:
c;:äo no seculo XVI, e a regiao qUe ~ N1 ou TR -: a terminologia religio­
cireunda a ba(a de Todos os Santos sa dos candombles da Bahia;
e acidade do Salvador, a primeira N2 ou PS - a linguagem do povo de
capital do Brasil e da America Por­ , anta, membros e adeptos dos can­
tuguesa par mais dedois seculos, re­ aombles;
conhecidamente 0 maior centro de N3 ou LP - a linguagem popular da
50
BA - 0 portugues regional
de uso corrente na Bahia;
N5 ou BR - 0 portugues de uso
corrente falado no Brasil.
Considerando N1/N2, de um la­
do, e N4/N5, do outro, como duas
forc;:as dinamicamente opostas e
complementares convergindo para 0
N3, 0 N3 sera entao 0 resultado de
uma dupla interac;:ao: a africani- /
za<;:äo do Rportugues e a portugali­
za<;:ao dos africanismos, enquanto
N1/N2 e N4/N5 serao respectiva­
mente mais ou menos africanizados.
A complacencia ou a resistencia em
face dessas influencias mutuas e
uma questäo de ordem socio-cultu­
ra I.
Os chamados cultos afro-brasilei­
ros ou candombles, na Bahia, cada
qual e um tipo de organizac;:ao s6­
cio-religiosa baseada em padröes de'
tradi<;öes africanas em crenc;:as, mo­
do de adorac;:ao e IIngua, I fngua
aqui entendida como desempenho
mais do que simples competencia
lingüIstica, na acepc;:ao de Choms­
ky, ou, para utilizar a terminologia
deMalinowski.mais como modo de
a<;:äo que de reflexä0 2 • Esses ele­
mentos do siste'ma - crenc;:a, modo
de adorac;:ao e IIngua - estäo de tal
maneira estruturalmente associados
que um dos criterios marcantes na
divisao dos candomblesem "na­
c;:öes", tais como jeje, nag6, queto,
Ijexil, conga e angola, se acha nas
d iferenc;:as de procedencia mera­
mente formais de um repert6rio lin­
gü(stico de origem africana especi­
fico das cerimönias ritual Isticas dos
cultos em geral: fon ou jeje; ioruba
ou nago, queto, ijexa; banto ou
congo, angola .
Como as palavras de origem kwa
provem principalmente de duas
I(nguas distintas, fon e ioruba, fa ­
ladas em area geogratica relativa­
mente pequena e de introdu~äo
mais recente no Brasil, elas säo mais
faceis de identificar por meio da
ana ti se lingü(-stica do que as do gru ­
po banto, que, alem do fat6 de esta­
rem mais integradas ao sistema lin­
1Ü(stico do portugues, 0 que de­
monstra a sua maior antiguidade,
podem ter sua origem numa area
geografica mais ampla, teoricamen­
te em toda a regiäo ao sul do equa­
dor. Por esta razäo preferimos indi­
car congo, angola como banto em
geral , observando, porem, que entre
as "na~öes" assim denominadas na
Bahia parece haver, no caso preciso
da TR, uma predom inancia de ter­
mos de tres linguas litoräneas, 0
quicongo, 0 quimbundo e 0 um­
bundo, sobretudo das duas primei­
ras. Da mesma maneira, para as " na ­
~es" conhecidas por jeje, 0 fon,
dentre as outras linguas do grupo
ewe da Africa Ocidental, se mostra
a mais impressiva, embora näo de­
vamos esquecer que neste grupo 0
fon, 0 gun e 0 mahi säo muito pro­
ximas entre si 3 .
o termo candomble, de etimo
bant0 4 , ja integrado nos dicionarios
da lingua portuguesa para designar
as religiöes populares brasileiras de Ihas, frutos, ralzes etc.) e gestosas­
origem africana na Bahia (como ma­ sociados a um repertorio lingü(stico
cumba, no Rio de Janeiro, e xango, propria dos contextos sagrados em
em Pernambuco), e aqui empregado geral e de cada terreiro ou "nac;:äo"
com 0 sent ido corrente que toma em particular.
entre seus membros e adeptos . De­
A chamada I/ngua de santo na
signa os grupos socio-religiosos diri­ Bah ia com pree nde um a term ino­
gido por uma classe sacerdotal cuja logia es ecif ica, de carch er magico­
autoridade suprema e popularmente semant ico e de or a pQrt u uesa,
ch~mada de mäe-de-santo ou pai­
mas g ue re pousa s0 5 re slstemas e­
de-santo, mas que recebe 0 titulo xicais de diferentes I(nguas afri­
9 enerico de humbono ou hum­ canas que foram faladas no Brasil
bondo (etimo fon) entre as "na­ ~ poca da escravidao, vindo a
c;:öes" jeje; de ialorixa ou babalorixa const ituir uma lingua ritual, m(tica
(etimos iorubas) entre as "nac;:öes" que se acredita pertencer cl nac;:äo
nago , queto, ijexa; de mameto ou do vodun, orixa ou inquice e näo a
tateto (etimos bantos) entre as "na­ qualquer nac;:äo africana atual. Des­
~öes" congo, angola . Esses grupos
sa maneira, durante as cerimönias
se caracterizam por um sistema de ·festivas dos cultos em geral, can­
ta-se para os voduns em jeje, para os
cren~as associadas ao fenömeno de
possessäo ou de transe m(stico pro­ orixas em nago, queto, ijexa, para
vocado por divindades popularmen­ os inquices em congo , angola. Esse
te chamadas de santos, mas que re­ repertorio lingü(st ico , do dominio
cebem 0 nome generico de voduns religiose comum, se torna lento e
(etimo fon) entre as "na~öes" jeje; inconscientemente diferenciado pe­
de orixas (etimo ioruba) entre as los membros e adeptos dos cu Itos
"na~5es" nago, queto , Ijexa; d~
em virtude de ser habitualmente
inquices (etimo banto) entre as "na­ usado por essa ou por aquela "na­
~es" congo, angola.
c;:äo" de candomble .
A caracterlstica fundamental no
Säo palavras que descrevem a or­
aprendizado das praticas rituais·nos ganiza<;:äo s6cio-religiosa do grupo,
candombles e 0 processo iniciatico objetos rituallsticos .e sagrados, co­
e participante. Durante 0 perlodo zinha ritual(stica; cänticos, sauda­
de reclusao nos terreiros ou ro9as ~es e express5es referentes a cren­
(casas de cultol, 0 iniciando passa ~as, costumes especificos, cerimö­
por uma serie de ritos esotericos nias e ritos mag icos, todas apoiadas
(banhos rituais, raspagem da cabe~a num tipo consuetud inario de com­
etc.) ao mesmo tempo que com~a portamento bem conhecido dos
a adquirir um complexo c6digo de participantes desses cultos por ex­
simbolos materiais (substäncias, fo - periencia pessoal.
51,_ __
Em tal desempenho lingü(stico,
ou competenCia simb61ica que refle­
te a variedade na unidade e uma
unidade na variedade, importa saber
mais a adequac;:ao semantica do que
a traduc;:ao f,iteral de cada palavra ou
expressao, coisa que geralmente
poucos fieis sao capazes de fa zer.
Eies podem compreender 0 sentido
denotativo de certos termos, ex­
pressöes, trechos de canticos e sau­
dac;:öes, mas ignoram as a!usöes e
implicac;:öes mais profundas que eies
contem. Esse conhecimento, que
faz parte dos segredos ou fun­
damentos rituais, e fator determi­
nante de ascensao s6cio -religiösa no
::!rior do grupo e do dom(nio ex­
clusivo dos membros mais antigos e
hierarquicamente mais e'levados nas
casas de culto. Importa saber, por
exemplo, para que santo e a que
momento deve ser cantada tal can­
tiga e näo 0 que significa literillmen­
te. Encontramos ara 'deia jakob­
soniana de aspecto co tivo e näo·
referencial dßssa mensagem, a partir
do momento em que a orientac;:ao
da mensagem encontra seu destina­
tario na sua forma mais pura do vo­
cativo e das f6rmulasimperativas
que diferem fundamentalmente das
sentenc;:as afirmativas, porque, do
ponto de vista 16gico, essas podem e
aquelas näo podem ser submetidas ci
prova de verdade s .
Sendo assim, mesmo consideran­
do essas manifestac;:öes como reali­
dades brasileiras na medida em que
Brasil, a terminolo ia es ed fica das I lingua especial que, segundo os que
pnhicas rituais se conserva estranha a estudaram, e um falar esoterico
ao do mfnio da Ifngua Qortuguesa que integra formas de diferentes lin­
porque nela se e:wontra a noc;:ao guagens faladas na regiao onde essas
maior de segredo dos cultos . E se a sociedades exercem suas influen­
Ifngua nao reflete a realidade, mas a cias, parecendo, no entanto, preva­
cria subjetivamente, qualquer mu­ lecer a Ifngua ou 0 dialeto de onde
danc;:a que se opere no sistemalin ­ se atribui a proveniencia da diljin­
gü(stico dessa Ifngua refletira neces­ dade, ou, como na Bahia, da "na­
sariamente uma mudanc;:a na ima­ c;:ao" do santo .
gem dessa realidade .
Entre os lokeie (Zaire), Carrin­
Vale lembrar deo passagem que a ghton estudou 0 "libeli", enquanto
mudanc;:a do latim para as varias Laman eGalland falam da "escola
IInguas nacionais nas cerimönias da de ndembo (nkisi), sua I(ngua ini­
Igreja Cat61ica Romana se fez ciatica", entre os bakongo (Repu­
acompanhar da mudanc;:a de partes blica Popular do Congo, Cabinda,
de cerimönias liturgicas. Por exem­ Baixo Zaire e norte de Angola), na
plo, no caso da celebrac;:ao da missa, qual os futuros iniciados ao entrarem
para a casa de culto tomam um no­
' 0 aspecto conativo para mais refe­
rencial, uma atitude que chegou a me novo (Cf. name de santo, na Ba i­
ser interpretada popularmente hia);osiniciadosrecebemonomede
como dessacrallizac;:ao da Igreja. Tal­ "nganga", os nao-iniciados, de
vez neste ca rater hermetico e sa­ "vanga"6 . Entre os candomblescon­
grado do antigo ritual cristä'o esteja go, angola na Bahia, ganga e oocul­
para ser encontrada lIma explicac;:äo tista, 0 ja iniciado nos seg.redos dos
subjacente aos fatores de ordem di­ cultos, epalanga säo os näo-iniciados.
versa que determinaram a aceitac;:äo
Entre os fon do Daome (atual
das orientac;:öes religiosas europeias Benin), 0 "hungbe" (Iit. I(ngua da
pelos africanos introduzidos no divindade ou do vodun) e definido
Novo Mundo, no chamado sincre­ por Segurola como "langue rituelle
tismo religioso que se produziu com dans le culte d'un fetiche", com a
0 catolkismo. De outra parte e pre­ explicac;:ao de que, em geral, ela re­
sentemente, os chamados cultos sulta de uma mistura convencional
afro-brasileiros estejam crescendo de varios dialetos com predominän­
em vigor e importäncia em relac;:äo ci cia da IIngua de origem do
Igreja Cat61,ica Renovada no Bra­ "vodun"; os iniciados recebem 0
sil.
nome de "vodunsi", e os näo-inicia­
Por outro lado, sabemos que em dos sao "ahe"? ou "aigbeto" ou
Äfrica as sociedades secretas de ca­ "kosi"8 . Como na Bahia, entre as
t__:_~_r_a_m re_c_r_ia_d__as_e_r_e_m_O_ld_a__d a:_no_ rat~
_ _
religioso possuem, cada uma, "na,öes" jeje,
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ini~i~adO:~~
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~-~~~---~---------
i
• (h ~ td.L~ (~ !? I
•
vodunsi; beta e kosi säo os näo-ini­
ciados (idem nos candombles nago,
queto,liexa).
Herskovits tambem conta que,
entre os fon, durante 0 periodo de
reclusäo no "hunko" ou "hunk­
pame" (Cf. na Bahia, hunea, quarto
de reclusäo, entre os candomb les
em geral, e hondemo ou humpame,
casa de culto, entre as "na<;:5es"
jeje) , os candidatos aprendem uma
I(ngua ritual, e que ate a sua consa­
grac;:äo final, publica, eies fingem näo
mais compreender 0 fon, porque
daquele dia em diante falam a
I(ngua da na<;:äo de origem da divin­
dade pela qual estao possu fdos 9 .
Segundo Carlyle Mayl 0, os casos
especiais desse fenömeno de g.losso­
lalia, conhecidos por xenoglossia,
säo muito freqüentes nas religi5es
afrieanas, eom larga distribuic;:äo
geografica na Äfriea. Aiguns autores
sugerem que a xenoglossia na Äfri­
ca e parcialmente faeilitada pelo fa­
to dos glossolalistas falarem tam­
bem outras dialetos proximos ou vi­
zinhos. Na Bahia, observa-se que
nos easos de glos5OIalia os inieiados
"falam a I(ngua" de uma outra "na­
<;:ao".
Entre os candombles, os casos·
mais freqüentes de glossolalia en ­
eontram-se nCjs . manifestayöes de
possessäo ou de transe mistieo dos:
1. ere, esp(ritos infantis eujo falar e
considerado eomo de qualidade
inferior, prima rio, associado ao
uso de crianc;:as;
2. pretos-ve/hos, antigos escravos
divinizados no Brasil ou os ances­
trais dos cultos, que "falam" um
portugues crioulizante conside­
rade como aquele que era falado
pelos africanos na epoca da escra­
vidäo no Brasil. Este falar tem
certas particularidades lingü (s­
ticas do falar corrente do propria
povo de santo (Cf. no LP);
3. santos ou divindades africanas
(orixas, voduns ou inquiees) que
"falam" tambem um portugues
crioulizante intercalado de sons
desprovidos de sentido, proximo
do que Carlyle May chamou de
"phonation frustes, mutterings
that vary fram gurgling to mea­
ningless syllabies" (op. eit.) .
0 vocabulario apresenta certas
particularidades:
1. um certo numero de itens da ter­
minologia reli9 iosa da propria
"nac;:äo";
2.0 emprego de formas de substi­
tui<;:äo para exprimir certos sen­
tidos de uma rnaneira diferente
dos da linguagem corrente;
3. a Igumas expressöes em rela<;:äo
eom ineidentes locais conheci­
dos;
4. um certo numero de palavras e
expressöes sem sentido denota­
tivo, ou de sentido indetermina­
do, mas que possuem uma fun­
<;:ao de comuniea<;:ao largamente
intencional. Aqui observa-se a
eombinac;:äo de palavras que fo­
ram manufaturadas para expres­
sar algum sentimento do grupo,
ou para ajudar alguma prfltica ri­
!qL,' Ü,.,..,...I4.J­
~
(I! 7 )
tual, ou para denominar algum objeto sagrado. No caso do falar dos ere, ha 0 emprego freqüente de a lav ras do
falar corrente e de itens da T R ~~.: .
regados de conota<;:5es ofe~trvasl ~'''''.J~
obscenas (Cf. xibungo, pederasta
passivo; idem N3l. Ja no caso dos
pretos-ve/hos, ha ocorrencia fre ­
qüente de etimos bantos e de ele­
mentos lexicais portugueses assina­
lados pelo acrescimo de um fonema
inicial Z, fricativa sonora (Cf. os
casos de reten<;:äo do augment) .
Os itens mais freqüentes da TR
sao :
1. nomes que se referem a objetos,
lugares, flora, fauna, cozinha;
2. nomes de divindades;
3. nomes iniciatieos;
4. nomes de parentesco religioso;
5. expressöes de exoreismo, de sau­
dac;:ao, de benediyäo, de pedido,
de permissäo, de interdic;:äo, de
negac;:äo, de reveremcia;
6. nomes e expressöes referentes a
diversas funyöes sexuais, fisiol6­
gicas, a gravidez e a doenc;:as.
A este nivel, os itens da TR apre­
sentam certas earacterfstieas, algu­
mas que denuneiam seu eonservan­
tismo e melhor resisteneia a inoya­
<;:öes sob a interfereneia do siste.rna
lI n ü (stieo do portugues, mostran­
do-se, assim, mais proximas dos
seus possiveis modelos originais.
1. a marca de plural (morfema s)
näo-ineidente nos itens (Cf. LP);
2. grau de instabilidade numa cate­
goria de genera;
3._ __
t
3. poucos casos de ad!s'äo de mor· assim registrado rios dicionarios bra­
femas de genero (masculino 0, sileiros de IIng J a portuguesa), os
feminino a) e de sufixos a uma outros casos s~o isolados e apa­
mesma raiz africana . (Os casos aso recem em itens ' lexicais do ioruba e
sinalados foram de derivados por-. do fon, deve do-se aqui, portanto,
tugueses formados a partir de ral- considerar a MSsibilidade de uma
I introdu äo reäente (cursos de ioru­
zes bantos. Idem N2 > N5);
4. formas ioaoalisaveis que per" ba na cida e do S Ivador e viagens
deram limite de morfema ou de de pessoas dos candombles a Nige­
palavra:
ria eBenin). Por outro lado, nao se
Ex. : == kU.nen .a # -? # kunena # , pode deixar de considerar tambem
o verbo defecar, em banto, aso com Einar Haugen que "unless a
sinalado pelo prefixo nominal number of individuals borrow a
classe 15 (ku-) do infinitivo (Cf. word, it is not likely to attain great
N2);
currency. If they learn it from the
5. casos de retencäo do que os ban­ same source, and speak the same
tUlstas chamam de " au mento" dialect, and have the same degree of
(Fr. augment), um morfema pre· bilingualism. the effect will merely
so reconstruldo a partir do pro ­ be one of reinforcement of the ori­
tobanto e, embora atestado atu­ ginal form"12.
almente em um bom numero de
A vida religiosa dos candombles
linguas banto, 0 mais freqüente­ centra-se nos terreiros ou rQJ:i1§ dirimente reduzido a uma vogal gidos por uma classe sacerdotal sub·
(como em umbundol, em quim· metida apenas a autoridade superior
bundo central e em quicongo, dos ntos Cada terreiro pertence a
. subsiste opcionalmente apenas uma " na<;:äo" determinada, segundo
diante do prefixo nominal classe 0 vodun, orixa ou inquice tido
10 (ziji) I I .
a Bahia, abant6, como seu protetor ou como prote­
gente, povo; zmgoma, atabaque tor do chefe do terreiro, e cada qual
(jdem N2);
criou para si um tipo de comporta­
6. conserva<;:äo de a g~ as caracte- menta religioso ideal a partir de ar­
LCstica dos sistemas lingü (sticos quetipos africanos comuns 13. Con­
seqüentemente ha candombles que
africanos :
a) tonaHdade em alguns itens;
se dizem de " na<;:äo" jeje-nago, que·
b) os fonemas labiovelares Ikpl, to-angola etc., onde diferentes deo
nomina<;:öes se combinam, mas
Igbl e a africana sonora Iz I.
Com exce<;:äo dessa ultima, de cada qual querendo denunciar pra­
ocorrencia ma is freqüente e parcia 'l­ ticas ritualisticas diversas, assinala­
mente conservada no N2 (Cf. adja, das sobretudo pelo uso ' da termino ­
sinD de uma s6 campanula , de ferro , logia religiosa .
"
-
Dentro dos candombles hc'l dife­
rentes graus de hierarquia s6cio-reli·
giosa, cada grupo constituindo-se
no que se chama na Bahia de fam(­
lia de santo: os hierarquicamente
maiS grad uados säo chamados de
pai ou de mäe, enquanto os seus ini·
ciados säo filhos ou filhas, e tanto
os iniciado sriU'm mesmo grupo de
inicia<;:ao ou barco quanta os que
cultuam um mesmo santo säo ir­
mäos ou irmäs .
-A linguagem cerimonial dos
membros e adeptos do cu Ito neste
contexto int ragrupal apresenta va­
rias particularidades de vocabulario.
1. specializa<;:äo do sentido de ter­
mos do falar corrente (Cf. alem
da terminologia classificat6ria de
parentesco religioso, f6rmulas
que substituem certos itens da
>< R considerados tabus, com0....!2.
velho em lugar de Omulu (Cf .
4), orixa protetor contra doen·
X <;:as da pele e a variola, dar ~
do velho por doburu ou guguru
ou p ipocas, comida consagrada a
Omulu);
2. emprego de itens da TR habitual·
mente usada pela "na<;:äo" do ter­
-----
reiro;
3. tabus lingü(sticos;
4. emprestimos h(bridos e poucos
casos de decalques (Cf . adiante) .
Esses itens säo:
1. expressöes de saudac;:äo, de reve­
rElncia, de perm issäo, de bene­
di<;:äo, de autoriza<;:äo;
2. formulas de exorcismo , de inter­
di<;:äo, de consentimento, de neo
54
- - -.­
gac;:äo;
3. nomes referentes a objetos, subs­
tancias, locais, flora, fauna, co­
zinha, ritual, e a hierarquia socio­
religiosa do grupo;
4. nomes iniciMicos;
5. nomes de divindades e suas sau­
dac;:6es respectivas.
Os itens da TR se caracterizam :
1. pela tendencia a categorizac;:äo de
genera que e manifestada fre­
qüentemente por um modifica­
dor, em geral 0 artigo definido
portugues (masculinoo, femini­
no a);
2. pela tendencia a categoriza<;:äo de
numero assinalado pelos mesmos
modificadores no plural ou pelos
numerais (um, dois, tres etc.)
(jdem LP);
3. pela tendencia a categorizac;:äo de
tempos verbais de acordo com 0
sistema lingü(stico do portugues:
presente = passado.
A I inguagem de comunica<;:äo
usual do povo de santo e a lingua­
gem de um grupo inclusivo que es­
tabelece larga e sistematicamente a
diferencia<;:äo das variedades li ngü IS­
ticas do seu repertorio em diferen­
tes situa<;öes. Na categoria de povo
de santo cada membro do culto esta
ligado por uma filia<;:äo religiosa a
uma '~na<;:äo" determinada que em­
prega uma terminologia religiosa
particular; como membro da co­
munidcde lingü Istica mais ampla,
eie participa do repertorio lingü(s­
tico do dom(nio religioso comum
em geral .
de eua (kwa) em lugar do terme
Essa consciencia lingü Istica se re­
corrente quizi/a (banto), interdi­
flete na atitude habitualmente to­
<;:äo
religiosa, tabu, ja integrado
mada por näo importar qual dentre
no
N5,
com 0 objetivo de par em
eies, diante de um termo, uma ex­
evidencia
e, ao mesmo tempo, es­
pressäo, um trecho de dlntico per­
tabelecer
a diferenc;:a de filiac;:äo
tencente a uma terminologia religio ­
religiosa;
sa que eie finge nao compreender
b) itens que se referem aos 6r­
sob 0 pretexto de "minha nac;:äo
gaos
sexuais, a diversas func;:5es
näo pega" . 0 fato mesmo de saber
fisiol6gicas,
a gravidez, ao ho­
que se trata do repertorio lingü (s­
mossexualismo. Os casos assinala­
tico de uma outra "nac;:äo", referen­
dos por eufemismo foram de
te a divindades com outras apela­
etimos bantos, como nena, fezes,
c;:6es e representando uma variante
ou fa zer nena, defecar (Cf. N1);
do culto, implica exatamente numa
cu far , morrer (jdem N3);
conscientiza<;:ao da rea lidade socia I,
lingü(stica e cultural de que eie faz
c) certos itens de conotac;:äo obs­
parte como membro da sociedade
cena e ofensiva como os que se
que 0 engloba.
encontram na li gu em dos ere.
Nesta situa<;:äointergrupal 0 vo­
Os itens da TR se caracte­
cabulario do PS apresenta ainda es­ rizam :
~.
tas outras particularidades:
1. pela categoriza<;:äo de ~~nero q ~'~
1. a especializa<;:äo do sentido de
em geral se manifesta pelos arti­
termos e expressöes do falar cor­
gos definidos do portugues como
rente relacionados a situa<;:oes do
~ modificadores, independente da
N1 (Cf. fazer sant~ passar pelo
concordancia que possa haver
processo d e Inlcl~äo);
com a vogal tematica final do
2. uma troca rapida e nao rec(proca
item ·africano (Cf. 0 samba).
de uma variedade de itens da T R
Aqui convem observar que, nos
considerada de outra "nac;:äo",
casos de itens lexicais com reten­
habitua I mente de carater metaf6­
c;:äo da vogal do "aumento", esta
rico, por enfase ou contraste' 4 e
voga I e freqüentemente con­
tambem por eufemismo.
fundida com 0 artigo portugues 0
Neste caso temos os seguintes
ou a (Cf. unganga, N1 -)- 0 gan­
exemplos:
ga, N2);
.
a) 0 emprego de guzo ou gunzo
(banto) em lugar de axe (kwa), 2. pela categoriza<;:äo dos itens ver­
bais de origem banto na primeira esse ultimo de uso m'ais corrente
conjugac;:äo, com a vogal tematica no. PS e ja popularizado no LP,
final (-a) do sistema verbal do para intensificar 0 sentido de for­
portugues, que comporta tres vo­
<;:a, poder magico; ou 0 emprego
55
ga is temat icas (-a, oe, -i). No caso
encontramos a integra9ao de for­
mas verbais bantos inanalisaveis
como cufar < ku.fa (Cf. kune­
na, N1);
Os itens verbais de origem kwa,
menos freqüentes que os de origem
banto, sao integrados sem a vogal
tematica final (-al. Observa-se que 0
ioruba e 0 fon näo possuem um sis­
tema classificat6rio como as Ifnguas
banto, e a vogal final dos verbos po­
de ser todas as vogais pertencentes
ao seu sistema vocalico lS ;
o emprego de itens verbais de ori­
gem ba nto na terce ira pessoa do
singular do preterito perfeito,
com a vogal tematica final (-6),
de acordo com 0 sistema verbal
da primeira conjuga9ao em por­
tugues dia letal e popular. Assim
kU.fa ~ kU.fö ~ cufö;
4. a ocorrencia freqüente de deriva­
dos nominais portugueses de um
mesmo item lexical, isto e, a par­
tir de uma mesma raiz africana,
geralmente banto. Idem N 1 a N5.
(Cf. dendezeiro, esmolambado).
Aqui convem observar que os no­
. mes bantos, todos compostos de
um conjunto prefixal, de um radical
e eventualmente de um sufixo,
veem seus limites morfol6gicos de­
saparecerem e -säo reinterpretados
como formados -unicamente de um
. radical enlarguecido, indecomposto
(Idem N2 a N5) (Cf. ka- N- domb ­
56
t. J.t',f
id- e ~ candomble). Como no caso termo, de um "sentido" tomado
precedente, quandG da variedade da emprestado a I(ngua B; assim a pala­
mudan9a de nfveis no interior de vra despacho cujo sentido de envio
um mesmo n fvel, isto e, no PS, na tomo u ta lvez aquele de oferenda
X
passagem de uma variedade so<;.1'O-" (= envio as divindades) por decal­
Iingü (stica para outra, isto e, do PS que dos itensafricanosboz6 (banto)
Qaca 0
, se proauzem adaptacöes e eb6 (kwa).
maior es dos itens africanos aos mo­
Ouando se trata de uma palavra W 54
delos fono l6gicos do portugues fa­ composta, a Ifngua A freqüenteI
lade no N3. Esta mudan9a concorre mente conserva a ordem dos ele­
tambem para 0 aparecimento de di­ mentos da Ifngua B. No entanto, as
ferentes tipos de emprestimos lexi­ palavras compostas decalcadas a
cais africanos que se encontram no partir de palavras compostos afri­
portugues do Brasil. Para esclarecer canas respeitam a estrutura do por­
a questäo, tomaremos as definic;:5es tugues.
propostas pelo Dictionaire de Un­
Einar Haugen (op. cit., pag. 227)
guistique, Larousse, Paris, 1973:
classifica os emprestimos numa ana­
lise sincrönica:
a) Emprestimo (Fr. emprunt)
Ha empn§stimo lingü(stico quan­ 1. "Ioanwords" - sem substitui9ao do um falar A (aqui 0 portugues)
morfemica (em nosso caso, em­
utiliza e termina por integrar uma
prestimos lexicais); unidade ou um tra90 lingü fstico 2. "Ioanblends or hybrids" - com
que existia antes num falar B (aqui
substitui9ao morfemica parcial
cada Ifngua africana em questao) e
(em nosso caso, os h(bridos);
que A näo possufa. Exemplos: qui­ 3. "Ioanshifts or loan-translations zila, orixa, samba, vodun.
and semantic loans" - com subs­
titui<;:ä"o morfemica completa (em b) Decalque (Fr. ca/que)
nosso caso, decalques ou empres­
Ha decalque lingü(stico quando,
timos por trad u9äo) 16. para denominar uma no<;:ä"o ou um
Weinreich em Languages in con­
objeto novo, uma I(ngua A (aqui 0
portugues) traduz uma palavra sim­ tact; 1953, pag. 47, precisa:
ples ou composta pertencente a
"As maneiras em q ue um voca­
uma I(ngua B (aqui as I(nguas afri­ bulario pode interferir em um outro
canas).
sao varias. Dadas duas IInguas A e
Ouando se trata de uma palavra B, morfemas podem ser transferidos
simples, 0 decalque se manifesta de A para B (em nosso caso, em­
pela adi<;:äo, ao sentido corrente do prestimos lexicais) ou B - morfemas
L.
podem ser usados em novas func;:öes
designativas no modelo de A-morfe­
ma (aqui decalques) com 0 conteu­
do dos quais eies säo finalmente
identificados; no caso de elementos
lexicais compostos, ambos os pro­
cessos podem ser combinados (aqui
casos hfbridos).
No caso dos elementos lexicais
simples (näo compostos), 0 tipo
mais comum de interferencia e a
transferencia direta das seqüencias
fonemicas de uma Ifngua para outra
Ctqui, por exemplo, orixa, quizila).
Simples nesta conexäo deve ser de­
finido a partir do bilingüe, que d~
sempenha a transferencia, mais da
que da lingüfstica descritiva. Dessa
maneira a categoria de palavras
"simples" tambem inc.lui compos­
tos que säo transferidos numa for­
ma inanalisavel, (aqui, ia·lorixa, can­
dombh~)".
Tipos de emprestimos:
a) emprestimos lexicais:
' Ir
1. itens simples: eb6 babalor'
2. itens compostos: Nanä' Bu­ ,
rucu;
b) decalques ou emprestimos por
traduc;:äo:
')c
1. itens simpl'es: des acho;
2. itens compostos: pai-de-santo; >:
c) casos hfbridos: despacho de Exu }
(decalque/emprestimo).
Exemplos de emprestimos e de
decalques (simples ou compostos)
atraves dos nfveis:
Empr es timos
Decalques
,
(Ioruba)
orisha
~Banto)
(Fon)
vodum
!
r. kisi
I
Nl
N2
N3
N4
N5
TR
PS
LP
Ba
Br
I
j
TR
PS
LP
Ba
Br
urixa = vo dun
orixa = vodun
o r ixa
- -orixa
-orixa
=
=
I
I
II
I
I
.
,
ibeji =
ibeji =
ibeji
hoho
hoho
---
--
--
--
=
-­
=
- -- -
=
=
sa nto
santo
sa nto
=
--
Decalques
,
Portugues
I
=
=
maba<;:a
mabac;:a
mabac;:a
maba<;:a
mabac;:a
=
=
=
=
=
eba
eb6
eb6
-
-
,
dois - dois
dois - dois
dois - dois Decalques
Portugues
(Banto)
mbozo
( loruba)
ebo
I
I
Emprestimos
TR
PS
LP
Ba
Br
I
inqui ce
inquice
Emprestimo s
I
I (Banto)
(Fon)
(Ioruba)
hoho
mapasa
ibeji
i
,
Portugue s
=
=
bOla
bOl6
=
=
boz6
=
=
bol6
--
=
=
=
despacho
despacho
despacho
despacho
ft
_______________
I
'
~
7
~
____
~ ~.JJ.h ßrI--1 .
~\M fTw /t ~,I''''''
'f
------------------------------~~~~~~--.------------------------~
I
,
As tra nsforma<;:öes semanticas
l1ue se produzem a partir do N2 sao
evidentemente determinadas pela
mudan<;:a de contexto. cultural. Os
casos mais freqüentes säo os de po­
lissemia (Cf. Weinreich, ap. eh.,
Haugen, "Ioan-synonyms"), uma
extensao 16gica e gradual do sentido
do termo emprestado, como no
exemplo seguinte:
Seja ebo (kwa) e bozo (banto),
oferenda enviada aos deuses, e des­
paeho (portugues), 0 envio . Como
essas oferendas (pipocas, farofa, ca­
cha<;:a, milho cozido, etc.) säo geraI­
mente enviadas ou despachadas pa­
ra encruzilhadas de ruas ou logra­
douros publicos freqüentados, rapi­
damente, no N3, ebo, bozo e des­
aeho come<;am atomar tambem 0
senti 0 e feitico. Neste momento,
como se tratäcie manter tres varie­
dades lingü isticas servindo as mes­
mas fun<;:öes sociais de comunica<;:ao
usual (Cf. Joshua Fishman, op.
eit.), uma delas (aqui eb6, de intro­
du<;:ao mais recente) termina neces­
sariumente por ser deslocada, e uma
nova distin<;:ao funcional se estabe­
lece para boz6 e despaeho. No N4,
as duas passam a significar apenas
feiti<;o (idem despaeho, N5).
Ja os casos de homonimia (Cf.
Weinreich, op. eit.; Haugen, "Ioan­
homonyms"), quando se produz
um "pulo" no sentido do empres­
timo, parecem ocorrer com menor
freqüencia . Podemos talvez trazer
como exempl~ 0 caso de xibungq..,
pederasta paSSlvo (N 1 > N3), e ae
quibungo (N2, N3), um "Iobo" fan­
tastico que tem um buraco nas cos58
tas por
<;:as que
as suas
giäo do
onde costuma comer crian­ rencia da ap6cope do morfema de
encontra acordadas durante plural 1 si, a categoria de numero dos
incursöes noturnas pela re­ nomes e manifestada apenas pelo
Reconcavo, uma especie de pl,ural dos modificadores (artigos ou
bieho-papäo dos acalantos infantis. adjetivos), eliminando-se assim a re­
Xibungo e quibungg provem do dundancia (Cf. as casas -+ LP as ea­
banto "nbungu" . a hiena, 0 cao Sel- a ) .
vagem, com prefixo nominal classe 2. ocaliza<;:ao da lateral velar em
posi<;äo final (Cf. N4)
7, que dialetalmente pode ser ki ou
shi (Cf. Meussen, op. eh.).
1 -+ w 1- #
A linguagem popular da Bahia ou
Esses casos que Serafim da Silva
LP e a linguagem de comunica<;:ao Neto trata como "vulgarismos en­
usual das camadas s6cio-economica­ contrados em todas as partes do
mente menos privilegiadas da socie­ Brasil, sobretudo nas baixas classes
dade, entre as quais se registra um (... ) e de relachamentos articulat6­
nt'vel baixo de escolariza<;:ao. Tra­ rios que precipitam a deriva da
ta-se da grande parte da popula<;:äo It'ngua", invocando aqui uma influ­
negra e mesti<;a, da maioria do povo encia de linguas amert'ndias ou afri­
de santo e de pessoas que näo sao canas l 11, podemos historicamente
membros adeptos de candombles, considerar, em areas onde no pas­
mas que, no entanto, de uma ma­ sado houve um a grand e concentra­
neira ou de outra, mantem liga<;:öes <;:ao de africanos, como na cidade
com povo de santo, tais como em­ do Salvador e regiäo do Reconcavo,
pregados domesticos, pequenos fun­ como resultado essencialmente da
cionarios publicos, artesöes, feiran­ influencia de I(nguas africanas.
Iniciado 0 tratico entre Brasil e
tes, vendedores ambulantes, moto­
17
Africa no seculo XVI, com~a a se
ristas, cabeleireiros etc. •
A LP apresenta certas particulari­ observar a confluencia de Ifnguas
dades lingüt'sticas comuns aos fa la­ africanas e do europeu antigo ao en­
res populares brasileiros' em geral, e contro de IInguas amerindias.
que tem sido objeto de preocupa­
A partir do seculo XVII, com 0
<;äo constante da parte de lingü(s­ aumento desse tratico, as I(nguas
tas e fil61ogos no que concerne a amer(ndias, que ate entao tinham
avalia<;äo da influencia de Ifng\-las sido empregadas como //ngua gera/
amerfnd ias ou africanas. Entre ou­ (I(ngua veicular), come<;aram, sem
tras, destacamos duas das mais fre­ duvida nenhuma, a ser totalmente
üentes:
substitu(das nas senzalas par I(n­
l.edu<;äo a zero do Irl e do Isl em guas africanas.
posiyäo final
0 resultado desses primeiros con­
(r, s) -7 rp 1- #
tatos lingüt'sticos e culturais se re­
flete hoje nos chamados eandom­
Observa -se aqui que, em decor­ blf§s de eaboclo, entre os quais os
-
(;) t1 $ I)~ . IV vdJ..u-l
:Mr),
'11
r.Y~
h; ~~ "*'" t k
I/-/)J
~) f/.w.J c/h -7-"t--f-.-,-- ---1-· -1" .. . gl.,.,~t!.:j.--=~~- tu;"""",~l,­
'
)' < +
j
(
~
ck yiIpu-. ir'-rt'
~ J.-:J ~
~
eaboclos, espfritos amerfndios divi-
cadas por Westermann e Bryan (op, do Rec6ncavo e nas zonas de mine­
nizados, sao geralmente cultuados eit.) no grupo de Iinguas kwa da ra<;:ao, que importavam trabal hado­
ao lado de santos cat61icos e de di- Africa Ocidental, ou ainda 0 quim ­ res da Bahia, como Minas Gerais,
vindades africanas, e durante tais . bundo e 0 quicongo, co locadas deve ter necessariamente facilitado
cultos um largo vocabulario de ori­ por Guthrie no grupo H das linguas ~ 0 apare iruento de um dia/eto mina,
ger:1 amerindia e usado juntamente bant0 20 . Penc: ~ mos tambem em se­ da base ewe (Cf . Ant6nio da Costa
com palavras portuguesas e afri­ melhan<;:as nas origens de todas es­ Peixoto em A Obra No va da L fngua
canas. Tambem nos casos espec(­ sas linguas tomadas conjuntamente, Gera/ da Mina, escrito na primeira
ficos de glossolalia - que podem fato que coincide com sua classifi ­ metade do secu 10 XVIII e publica­
ocorrer independentemente de filia ­ ca<;:äo no grupo mais amplo que do em Lisboa em 1945)21.
c;:ao religiosa, pois cada fiel, seja de Green.berg classif,ica de Congo-Cor- u Ja no seculo ~ COill a _Ql.igra­
que "na<;:ao" for, ao lado do orixa, dofanlano (op . elt.) .
~äo da Corte Real Portuguesa para
Alem disso, tambem seria com­ 0 Rio de Janeiro, a abertura dos
vodun ou inquiee, cultua ainda um
eaboe/o -, os glossolalistas "falam" preensivel se 0 processo de nive la­ portos bras ileiros para 0 comercio
um portugues crioulizante entre­ mento - conseqüencia do isolamen ­ mundial e a conseqüente expansäo
meado de termos e expressöes de to tanto quanto do contato direto e dos centros urbanos, 0 nivelamento
origem amerindia e africana, sobre­ permanente de numE:rosos grupos d esses dial etos pode ter sido ccle­
tudo banto 19 •
lingüisticamente diferenciados ms ra de pelo po rtugues (que os afri­
Tambem nas senzalas, onde se senzalas - tivesse sido induzido pe­ canos tln ham
e falar de qual­
"
'sturavam povos diferentes co
la I(ngua do grupo majoritario ou quer jeito) , espec'ialmente por cau­
, fina li a e ae e vltar re be liöes que culturalmente preponderante. Se­ sa das semelhanc;:as casuais, mas
pusesse serlamente em perigo a vi- gundo os dadas existentes sobre 0 notave is, entre 0 sistema I,ingü istico
da de seus proprietarios numerica­ tratico com Angola, que preva 'leceu do portugues, de uma parte, e das
mente inferiorizados, a necessidade rio Brasil ate a seglunda metade do I(nguas africanas do grupo kwa e
de comunicac;:ao deve ter provocadc seculo passado, principalmente com banto, de outra parte . Assim enten­
o aparecimento de uma especie de , 0 porto de Luanda (a Aruanda dos de-se melhor as razöes de nao haver
I/ngua franca ou dialeto das senza­ canticos populares 'brasileiros), 0 sucedido no Brasil um crioulo do
las. 0 desenvolvimento desse dia­ dia 'leto entao corrente nas senzalas tipo que se encontra nas demais ex­
leto pode ter sido facilitado, em par­ e nas zonas rurais deve ter sido da colonias europeias das Americas, on­
te, por certas tendencias internas de base banto (Cf , Serafim da Silva Ne- de a presenc;a do africano tambem
desenvolvimento de algumas Ifnguas to, op. eit., pag . 1~9, ue e ns'ä"ter ~oi marcante, muito e~~or~ tenb~
banto e kwa. Essas tendencias se re-, sldo usa do nos quilombos um f~J.§.!:. . sido registrada a eXlstencla , ate
fletem nas semelhan<;as de expres­ a ase anto; cf. ainda 0 falar dos comeco este sec
de um ortu­
söes e de unidade de conteudo que pretos-veTfi7:j'Se dos caboc/os).
gues ~ r ioulo da bas~ banto falad o
n6s encontramos durante a pesquisa
Durante 0 seculo XVIII no eil­ na ' zOriäiii"ineira de fv1inas Gerai sT'2
das fontes dos ltens lexicais africa­ tanto, em razao do desenv~lvimen- e de outro, provavelmente a base
nos que serviram de base para a ana­ to intenso do tratico entre a Bahia e nag6, que foi corrente entre a po­
lise que apresentamos aqui. Näo nos a chamada Costa da Mina, no Golfo pulac;:äo negra e mestic;:a da cidade
referimos täo-somente a semelhan­ de Ben in, a concentrac;:ao de povos do Salvador, em conseqüencia da
c;:as nas fontes de Ifnguas considera­ de uma mesma procedencia etnica grande concentrac;:ao de africanos
das culturalmente relacionadas, tais do oeste africano nos incipientes dessa origem etn ica naque'la cidade
como fon e ioruba. as duas classifi ­ nuc leos urbanos da zona fumageira durante 0 seculo passad0 2 3 _
s
59
ci'
Como esta discussao implica nu­
ma descric;:ao da lingua portuguesa,
nos limitaremos unicamente a pör
eil' destaque duas das semelhanc;:as
d , lodelos estruturais entre 0 por­
tug ues e as I (ng uas af ricanas em
questäo:
1.0 sistema vocalico de sete ele­
mentos do portugues do Brasil
coincide praticamente com os do
ioruba e do fon, que tambem
conhecem as nasais correspon­
dentes, e com as sete vogais orais
(reconstru rdas no protobanto) de
um bo m numero de I(nguas
banto atuais, entre elas, no pllano
fönico, 0 quimbundo, 0 quicon­
go e 0 umbund0 24 .
2. com excec;:äo da nasal silabica N
para as I inguas africanas, a vogal
(V) e sempre centro de silabas.
Se tomarmos, de uma parte, uma
estr·'tura silabica A pr6pria ao ioru­
b,
ao banto [ N (C) V } e, de
ouua parte, uma estrutura silabica
B, pr6pria ao portugues padräo,
correspondendo ao N5, {(C)
C)V(C) } ou seja
1) V
2) CV
3) VC
4) . CVC
5)
ccv
6) CCVC, observa-se, no N3,
pa ra as pa lavras portug uesas uma
adaptac;:äo do sistema silabico B em
um sistema silabico C sob a influen­
cia do sistema A. Esta adaptac;:äo se
explica pela aplicac;:äo de quatro re­
gras ordenadas seguintes:
Rl
'7
60
r
-+
rp / c - - - - ­
R2
rp
R3
'1) -+ W /
R4
C -+
-+ V
/
c
rp / ou seja:
1. Ir I que desaparece antes de con­
soante;
2. criac;:ao de uma vogal entre con­
soantes;
3. vocalizac;:ao do lei em posic;:ao fi­
nal;
4. desaparecimento da consoante
em posic;:ao final.
(N.B. E evidente ewe um conjun­
to de regras mais completo deveria
desenvolver explicitamente os des­
locamentos de limites silabicos e ser
o objeto de uma analise de trac;:os
constitutivos para cada segmento).
Em outros termos:
{ (Cl Cl v (Cl) ..... { (CIVJ
scO
a influencia de I~, (C)vJ
Exemplos:
2.
ne.gra
..... ne.ga
CV.CCV
..... CV .CV
..... fU.Ii'>
..... CV.CV
flor
CCVC
3. sal.var
CVC.CVC
..... sa.la.va
- CV.CV.CV
(Aqui convem observar que em
Portugal mesmo essas caracteristi­
cas ' ja foram ha muito tempo re­
conhecidas como da pronuncia afri­
cana de palavras estrangeiras. Gil
Vicente, por exemplo, ern 0 Cterigo
da Beira, representado em 1526, co­
loca "Furunando" por Fernando e
"pari" por parir, na boca de um afri­
cano)25.
No mesmo N3, constata-se igual­
mente, para os emprestimos lexicais
africanos, a adaptac;:äo do sistema
A, em sua integrac;:ao progressiva em
direc;:ao ao sistema B2 6.
ou seia C
#
#
1.
ou seja
nlo
N
-+
-+
ndende
N
unlb
(Nl> N3) V'
VN
-+
-+
dende
(Nl
> N5)
Em outros termos, 0 portugues
brasileiro atual, descontada a relati­
va;;:;ente menor influencia de lin­
9 ua s amerindias (Cf. G ladstone
Chaves de Melo, ap. cit., "influen­
cia horizonta li,") , e antes de tudo 0
resultado da imanta äo dos sistemas
fönicos africanos em dire<;;äo ao
portu ues euro p_eJ.J regional e de ca­
rFerar caizaote ~t em sentido inver­
so do sistelJla fönico portugues em
(iirec;:äo aos sistemas africanos . Con­
seqüentemente os fa 'lares regionais
brasileiros, a depender de onde se
exigiu uma grande presenc;:a de afri­
canos (e poucas foram historiea­
mente as regiöes do Brasil onde isso
nao ocorreu), sao todos mais ou
menos africanizados. Destacam-se
particularmente os falares da Bahia,
onde ainda se observa a interferen­
cia do tipo lexical que teria neces­
sariamente se desenvolvido numa si­
tuac;:ao de contato lingü (stico per­
manente, como aquela no passado,
grac;:as ao vocabulario de origem
africana compreendido na TR dos
candombles, que e preservado pelo
povo de santo e ocasionalmente
transferido para 0 LP. Em muitos
casos a palavra transferida tem uma
forma tal que fonologicamente pa­
rece uma palavra em potencial ou ja
existente no portugues (Cf. assento
(portugues) e "asento" (fon), lugar
onde se coloca ou se assenta 0 as­
sem, objetos consagrados a uma di­
vindade entre os candombles).
o vocabulario do N3 se caracte­
riza pela ocorrencia de emprestimos
lexicais africanos dos tres tipos ja
classificados. Em gera I sao em pres­
timos que decorrem da influencia
religiosa dos candombles. Trata-se
principalmente de casos de decal­

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