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1 NATHALIA DA COSTA KING JORNALISMO DE MODA ANÁLISE DISCURSIVA DOS TEXTOS DA REVISTA VOGUE BRASIL E ESTADOS UNIDOS Trabalho de conclusão de curso apresentado como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Comunicação Social, Habilitação em Jornalismo pela Escola de Comunicação Social da Universidade Católica de Pelotas. Orientadora: Margareth de Oliveira Michel Pelotas 2007 2 Autor: Nathalia da Costa King Título: JORNALISMO DE MODA Análise discursiva dos textos da Revista Vogue Brasil e Estados Unidos Natureza do trabalho: Trabalho de Conclusão de Curso Objetivo: Monografia apresentada como parte dos requisitos para a obtenção do título de Bacharel – habilitação em Jornalismo, no curso de Comunicação Social sob a orientação da professora Margareth de Oliveira Michel Instituição: Universidade Católica de Pelotas Ano / Semestre: 2007/2 3 PENSAMENTO "Com a primeira folha de parreira surgiu o primeiro problema da moda feminina: onde colocá-la?" (Leon Eliachar) 4 DEDICATÓRIA "Para a minha vó Lili, que essa hora deve estar encantando os anjos do céu com seu bom gosto, charme e elegância". 5 AGRADECIMENTOS Primeiramente, quero agradecer aos meus pais, Nadya e João Manoel, que sempre me apoiaram em todas as decisões da minha vida. Durante o curso de Jornalismo, pude sempre contar com seus elogios e críticas construtivas, fazendo com que, hoje, eu possa me formar uma profissional melhor. Obrigada aos meus colegas que fizeram esta jornada mais gostosa e agradável, meus companheiros da Tropa de Elite: Rebeca Recuero, Rafael Varela, Francisco Lima, Carolina Graziadei, Patrícia Mota, Hélen Albernaz, Wagner Oliveira e Marta Gentilini. Juntos conseguimos passar por todas as dificuldades e organizar uma formatura linda! Amo muito vocês! O QUE NÃO NOS DERRUBA NOS FORTALECE! Vou sentir imensas saudades de todos os momentos que passamos juntos, nas reuniões da comissão, em meio a risadas, choros, brigas, dores de cabeça que, no fim, provaram que "a união faz força". Desejo para vocês o melhor caminho sempre e, espero nunca perder o contato. Às minhas amigas Luisa, Manuela, Rachel, Danielle, Luiza Monteiro, Paula e Rafaela, obrigada pelo apoio em todos os momentos que precisei. Pelas conversas e risadas que tivemos a fim de desopilar um pouco do T.C.C. Me desculpem pela pouca atenção que dei para vocês neste período, mas agora tudo vale a pena. "Não vem visitar a amiga?" "Ai, odeio esse teu T.C.C." Gurias, obrigada pela paciência e amizade. Ao meu querido amigo Henrique Viana, que me ajudou muito conseguindo a Vogue americana lá nos Estados Unidos por um preço bem mais em conta; à Cadija Souza, que, além de sempre demonstrar uma grande amizade, também me indicou bons sites sobre a Vogue; à Mabel Teixeira, minha colega-formanda que me deu uma das entrevistas usadas na análise. 6 À TV UCPel, que, no início da faculdade e, agora no final, me proporcionou momentos de aprendizagem mesclados com muita diversão. Obrigada Michelle, Amanda, Max, Luysa, Marcelo, que me compreenderam neste final de semestre, nas minhas faltas ao Fora do Ar e, sempre me deram o maior apoio e confiança possível. Um agradecimento especial à Embrapa, ao programa Terra Sul, aos meus queridos amigos Rui Madruga e Sérgio Silva. Meus verdadeiros mentores nos dois anos que estive trabalhando lá. Com vocês pude aprender muito mais do que técnicas e reportagem, aprendi a dar valor às coisas simples da vida. Amo muito vocês! À TV Pampa que também meu deu uma grande oportunidade de trabalhar com o telejornalismo, com a correria do dia-a-dia de uma televisão. Obrigada aos amigos queridos que conquistei, por todos os momentos de aprendizagem e brincadeiras. À minha querida orientadora Margareth, que em todos os momentos, seja em nossas orientações, nos e-mails, pelo celular ou até mesmo nos corredores da ECOS, me acalmou, me incentivou para que eu pudesse fazer um bom trabalho. Marga, podes ter certeza de que tens um papel muito importante nesta minha conquista, afinal, és bárbara! Aos professores Fábio Cruz (Tela) e Antônio Heberlê, por terem me guiado nas disciplinas de Projeto Experimental e Pesquisa em Comunicação, respectivamente, quando iniciei meus primeiros passos no T.C.C. À Eni Zambrano, que carinhosamente corrigiu este trabalho. A minha querida amiga-irmã Rebeca Recuero que me ajudou a diagramá-lo. Agradecer a todos os meus colegas, que encerram comigo mais esta jornada, obrigada pela amizade, companheirismo, festas, reuniões e tudo que foi necessário para que a nossa formatura se concretizasse da melhor maneira possível. Enfim, a uma força superior que me deu garra, vontade e entusiasmo de produzir esta pesquisa, com todo o amor que dediquei a ela. E, a todos que sempre torceram por mim, muito obrigada! 7 RESUMO Este trabalho tem como objetivo analisar os discursos da revista Vogue brasileira e americana. O estudo será realizado a partir dos textos das chamadas de capa e dos Editoriais de cada uma das revistas. Atualmente, a moda possui um papel extremamente importante na sociedade e no comportamento de cada indivíduo. Ela não dita apenas tendências, mas também estilos de vida. Os meios de comunicação têm sido utilizados, cada vez mais, como forma de dissipar a moda, sendo pela televisão, jornais, revistas ou Internet. Por isso, se pretende enumerar os principais conceitos do Jornalismo de Moda, traçando um paralelo com seus textos jornalísticos. A análise desse material será feita de acordo com os princípios da análise do discurso. O trabalho está ancorado teoricamente em Fairclough (2001), Pinto (2002), Lipovetsky (1989), Crane (2006), Scalzo (2004) e Marques de Melo (2006). Palavras-chave: Jornalismo - Moda - Análise lingüística. Revista Vogue: Brasil e Estados Unidos. 8 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 9 CAPÍTULO I - JORNALISMO .................................................................................. 11 1.1 Jornalismo Segmentado .................................................................................. 13 1.2 Jornalismo em Revista..................................................................................... 16 1.3 Jornalismo de Moda ......................................................................................... 25 CAPÍTULO II - A MODA........................................................................................... 29 2.1 Conceituação e contextualização histórica ................................................... 30 2.2 A moda nos últimos séculos ........................................................................... 31 2.3 A moda e seu destino nas sociedades modernas ......................................... 37 CAPÍTULO III - O DISCURSO DA MÍDIA ................................................................ 40 3.1 A análise crítica do discurso ........................................................................... 40 3.2 O discurso midiático e a mudança social ...................................................... 44 3.3 Discurso e intertextualidade............................................................................ 47 CAPÍTULO IV - REVISTA VOGUE (ANÁLISE) ....................................................... 51 4.1 Histórico ............................................................................................................ 51 4.2 Metodologia ...................................................................................................... 53 4.3 Apresentação de dados ................................................................................... 53 4.4 Análise............................................................................................................... 57 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 65 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................ 67 ANEXOS .................................................................................................................. 70 9 INTRODUÇÃO O presente trabalho propõe-se a estudar e analisar os discursos dos textos jornalísticos da Vogue, principal revista de moda no mundo. Utilizar-se-ão, em primeiro momento, as chamadas de capa e quais seus principais apelos. Num segundo momento, a atenção será dada para os editoriais, ou seja, palavra do editor-chefe, falando diretamente com o seu leitor sobre os assuntos da revista. A relevância do projeto de pesquisa se deve ao fato de moda, tema central deste trabalho, possuir uma grande influência em diversas áreas da sociedade de nossa vivência, criando e modificando comportamentos. Além disso, é uma das indústrias que mais empregam no mundo e, é possível contar-se a história das décadas através das suas vestimentas. Paralelamente, o jornalismo de moda é uma área a crescer, mundial e nacionalmente. Oriundo do jornalismo cultural há muito tempo ele se tornou suficientemente capaz de tecer suas próprias teorias. Podendo ser considerado como um new journalism1, suas reportagens misturam informação e cultura. A partir dessa concepção, utilizando autores que dão suporte com as suas teorias, os dois primeiros capítulos deste trabalho tratam do jornalismo segmentado e a moda no passado, presente e futuro. A análise do discurso, relatada no capítulo III, encaixa-se nesta discussão, no momento que será utilizada para responder a pergunta-chave deste trabalho: quais as principais diferenças discursivas entre o 1 O New Journalismo, ou "novo jornalismo" nascido nos Estados nas décadas de 60 e 70 do século XX, tem como objetivo dar um enfoque mais imaginativo e lírico à reportagem, permitindo ao jornalista inserir-se na narrativa sem alterar a realidade da notícia sobre a qual trabalha. Seus defensores postulam que o jornalista não seria um mero observador e transmissor dos fatos, mas uma verdadeira personagem nas situações que descreve. Sai de cena o repórter-realista e entra o repórter-escritor, que explora a sensibilidade do estilo próprio. Tendo como expoentes Truman Capote, Tom Wolfe e Gay Talese, o New Journalism espalhou-se por todo o mundo. (ELMAN e BENETTI, 2007) 10 texto da Vogue brasileira e americana? A proposta é descobrir quais as diferenças e semelhanças através da teoria do discurso midiático. Assim, será possível diferenciar os profissionais de cada publicação, mostrando quais os tipos de discurso que cada um utiliza como formador de opinião. 11 CAPÍTULO I - JORNALISMO A comunicação social é um tema relevante no mundo contemporâneo. Como afirmou Pedro Gilberto Gomes2, com o desenvolvimento das modernas tecnologias de comunicação, o mundo ficou pequeno e aumentaram as possibilidades de interrelação entre as pessoas. Por isso, todos os aspectos que envolvem este contexto devem ser pensados e analisados. Hoje, quem domina a comunicação, nas suas diversas formas, possui também o domínio sobre o mundo e a vida das pessoas. (GOMES, 1997, p. 7) Assim, atualmente, os Meios de Comunicação em Massa (MCM) assumiram um papel de liderança, dando explicações e interpretações da realidade. Neles se formulam e se debatem as principais questões da sociedade moderna e desenvolvida. A fim de introduzir este capítulo sem cair na repetição de transcrever teorias da Comunicação sobre o Jornalismo, as questões serão tratadas com ênfase diferente. O presente trabalho de conclusão de curso pretende – entre alguns dos seus objetivos – analisar, no momento - a linha editorial da revista Vogue brasileira e a da americana. O verdadeiro desafio desta primeira parte do capitulo está em resgatar as teorias de comunicação que avaliam a incidência das Escolas de Comunicação latino-americanas e norte-americanas. A pesquisa em comunicação na América Latina possui raízes no século XIX e no início do XX. O continente é cenário de uma série de acontecimentos que marcaram profundamente os estudos sobre comunicação. Em contrapartida, percebe-se a insuficiência de uma teoria da comunicação que continua tendo como ponto de partida a teoria da dependência e da manipulação. Ou seja, não se podem minimizar os efeitos da influência econômica, política e cultural dos Estados Unidos 2 Doutor em Comunicação Social. 12 na América Latina. Sendo assim, a teoria do Imperialismo cultural é incapaz de dar conta da situação latino-americana. O problema da comunicação, no entendimento de Luiz Ramiro Beltrán, envolve, no mundo contemporâneo, uma batalha feroz. Enquanto os países do chamado Terceiro Mundo rebelam-se contra as três classes de dependência a que se acham submetidos: dominação política, econômica e cultural, o Primeiro Mundo empenha-se em manter seus privilégios. A dependência cultural é a grande novidade das últimas décadas. Na década de 80, o reconhecimento de que a comunicação está a serviço das três classes de dominação neocolonialista apareceu definitivamente. (GOMES, 1997, p. 76). Na sociedade americana, a manipulação do comportamento das pessoas por meio da comunicação sempre pareceu natural. Foi na América Latina, onde começaram a surgir críticas com mais força contra este modelo de persuasão, ou seja, uma alienação a partir de uma ideologia, a "ideologia capitalista, expressando uma comunicação vertical e autoritária3". Por essas afirmações, é possível perceber que a suposta comunicação estabelecida mais parece um monólogo, no qual o receptor das mensagens é passivo e está submetido. "Tão vertical, assimétrica e quase autoritária relação social constitui uma forma antidemocrática de comunicação. Devemos ser capazes de construir um novo conceito de comunicação – um modelo humanizado, não elitista, democrático e não mercantilista". (GOMES, 1997, p. 79) Os estudos da escola na América Latina direcionam-se para dois lados: a análise do fenômeno da globalização e o estudo do relacionamento da cultura e da educação com o ato de comunicar. Em compensação, o funcionalismo norte-americano tem origem em um modelo "organicista spenceriano"4, isto é, num organismo vivo dotado de funcionamento próprio. Em uma visão sociológica e antropológica, o funcionalismo tem por função determinar o contributo de cada elemento social para a organização que participa. O seu postulado fundamental é a unidade funcional da sociedade, pensada em termos de equilíbrio interno. A teoria funcionalista dos meios de massa constitui essencialmente uma abordagem geral dos meios de comunicação de massa no seu conjunto". Acentuam-se as funções em detrimento dos efeitos. Isto é, a grande questão de fundo é o estudo das funções que os meios de massa exercem na sociedade. Constata-se que há uma evolução na preocupação com os meios de massa. Começa-se com a manipulação, volta-se para a 3 4 Gomes (1997) Gomes, 1997, p. 58 13 persuasão e, passando pela influência, chega-se às funções. (GOMES, 1997, p. 60). A teoria funcionalista consiste na definição da problemática dos mass media5 a partir do ponto de vista da sociedade, da perspectiva do funcionamento do sistema social no seu conjunto e da contribuição que seus componentes dão a esse funcionamento. Ao tratar dos usos e satisfações dos mass media, as mensagens são captadas, interpretadas e adaptadas ao contexto subjetivo das experiências, conhecimentos e motivações. Nesta escola, o receptor é também um iniciador, originando mensagens de retorno e pondo em prática processos de interpretação com autonomia. "Ele age sobre a informação que está à sua disposição e a utiliza". (GOMES, 1997, p. 63) Por essas duas dimensões podemos ver notoriamente quais as funções e segmentos de cada uma das escolas. Interessa notar como a colonização dos diferentes países envolvidos influi nas idéias e atitudes dos indivíduos. A escola latino-americana, apesar da tentativa de repressão à funcionalista, ainda continua subordinada até hoje. O verdadeiro desafio está em pesquisar-se e analisar-se novas idéias, para se poder construir novos caminhos nas teorias latino-americanas e não precisar-se mais depender do autoritarismo funcionalista. 1.1 Jornalismo Segmentado Atualmente a função atribuída aos jornalistas de informar os assuntos de relevância para a sociedade vem-se alterando ao longo do tempo. Mostrar o que o público precisa saber vem sendo substituído pelo que o público quer saber. Ou seja, a escolha de um assunto interessante para toda a sociedade está cada vez mais difícil de ser feita. Desta forma, as escolhas individuais prevalecem e faz sentido a informação procurar atender públicos distintos. Tal idéia explica a necessidade das mudanças do perfil do jornalista, pois as publicações passam a dedicar-se mais à informação personalizada, o que leva ao desenvolvimento do jornalismo especializado. 5 São sistemas organizados de produção, difusão e recepção de informação. Estes sistemas são geridos, por empresas especializadas na comunicação de massas e exploradas nos regimes concorrenciais, monopolísticas ou mistos. As empresas podem ser privadas, publicas ou estatais. 14 Isso está relacionado à lógica econômica que busca a segmentação do mercado com uma estratégia de atingir os grupos dissociados entre si. Muito além de ser uma ferramenta eficaz de lucro, o jornalismo especializado acaba sendo uma resposta a essa demanda por informações direcionadas, característica da formação de "audiências especificas". (ABIAHY, 2000) Nestes tempos de desintegração das ideologias e da ruptura com um projeto de modernidade que pregava a unidade, o jornalismo especializado demonstra uma mudança dos paradigmas informacionais. Na medida em que diferenças e divergências foram afrouxando os laços da coletividade, os indivíduos foram se fechando em seus interesses particulares e constatamos hoje o quanto a comunidade encontra-se dividida em nichos os mais diversos. (ABIAHY, 2000, p. 5). A jornalista Luana Pavani, disse, em seu artigo6, que hoje em dia, empresários, por exemplo, necessitam muito do jornalismo especializado, visto eles carecerem de informação para tomar algumas decisões. Eles devem levar em conta o ambiente interno, o macroeconômico e o da concorrência. E o jornalista está aí para isto. Uma notícia importante é saber que as demais empresas já estão exportando enquanto a sua mal definiu os mercados. Tais dados estão disponíveis na Internet, porém, não se pode perder tempo procurando-os. Os noticiários segmentados possuem, então, esta vantagem, já que o bom jornalismo setorial aborda os pilares estratégicos e ainda aponta tendências. No negócio jornalístico, o “furo” – divulgação da notícia em primeiramão – é a vantagem competitiva. No jornalismo segmentado, a agilidade é igualmente valiosa. Portanto, o diferencial é o conhecimento do repórter setorial, que rapidamente agrega ao conteúdo o possível desenrolar do fato, seu histórico e posicionamento de cada uma das partes envolvidas. A notícia aparece ao mesmo tempo - no noticiário aberto e no segmentado -, mas não com a mesma relevância. (PAVANI, 2004). O papel de coesão social no jornalismo especializado passa a cumprir a função de unir pessoas de acordo com suas afinidades, ao invés de tentar igualar a comunidade em torno de um padrão médio de informação e interesses, o que jamais atenderia os anseios de cada grupo. A busca pela identidade é um fator presente na vida dos indivíduos, dos receptores de informação, pois estão formando novas tribos ou focos de resistência à homogeneidade. A autora (PAVANI, 2004) esclarece "os produtos culturais passam a organizar-se segundo a ótica da diferenciação, portanto, a produção 6 PAVANI, Luana. A diferença entre notícia e informação estratégica. Artigo escrito em 2004. Disponível em http://www.equifax.com.br/cmn_mat.asp?MAT_COD=77&MAT_ANO=2004 Acesso em 14/11/2007 15 informativa que atinge audiências segmentadas e as publicações especializadas faz parte do contexto de desmassificação e da personalização". (ABIAHY, 2000, p. 6) Aliados a outros fatores, estes novos parâmetros vêm resultando em alterações no campo do jornalismo. Quando o jornalismo se iniciou, cumpria uma espécie de expressão ideológica, mostrando os jornais como políticos, os jornalistas como articulistas e a informação como destinada a doutrinar o povo. No entanto, quando eles viraram "empresas", a informação adquiriu condição de "bem público, serviço à comunidade e o jornalista é o mediador, o repórter que presta essa função". (ABIAHY, 2000, p. 7) A especialização de cada função jornalística também contribuiu para delinear o atual patamar em que se encontra a profissão. A fase artesanal da profissão já está comprovadamente ultrapassada, o jornalismo, a partir da fase empresarial, assume sua condição orgânica, ou de sistema, os jornalistas são divididos de acordo com diferentes atribuições. (ABIAHY, 2000, p. 7). Com o volume cada vez maior de informações a nos atingir, a tentativa de mostrar o que seria considerado mais importante no noticiário, acaba levando os telespectadores a uma desinformação. Essa atitude frenética de bombardear o povo com milhares de assuntos pode levar à exaustão pois, de acordo com Abiahy (2000), as matérias vêm sendo construídas numa linguagem rápida e supérflua. Na visão de José Marques de Melo7, a segmentação dos jornais e revistas no Brasil ocorre mais por seu apelo de utilidade do que em função do perfil ideológico destas publicações. O leitor busca escolher o veiculo capaz de atender suas necessidades de informação cotidiana, que o ajudem a tomar decisões tanto econômicas e políticas como de lazer. O autor destaca também possuir o jornalismo contemporâneo uma ideologia própria, manifestada por suas características básicas; o sensacionalismo, quando um jornalista quer vender a notícia e, portanto, dá emoção a mais na reportagem e a "atomização"8, significando que a realidade de uma sociedade não percebida ao todo e, sim nos seus fragmentos, como política, economia, esportes, ciência, entre outros. Uma última lição de José Marques de Melo é a comunicação social pressupor o manejo da linguagem e a codificação/decodificação das mensagens e, assim, 7 Jornalista, professor universitário, pesquisador científico e consultor acadêmico. MELO, José Marques de. Teoria do Jornalismo: identidades brasileiras. São Paulo: Editora Paulus, 2006. 277p. 8 MELO, 2006, p. 115. 16 exigir cada vez mais uma formação especifica. O autor dá um exemplo: "ao cientista cabe produzir o conhecimento. Ao jornalista compete democratizá-lo, popularizá-lo". (MELO, 2006, p. 118) Mas, sem duvida, o jornalista é um profissional que estudou, pesquisou e deve ser capaz de compilar qualquer informação para o grande publico, independentemente da sua especificidade. 1.2 Jornalismo em Revista Ao tratar de um assunto que ocupa um espaço enorme no país hoje em dia e, ao mesmo tempo, é tão pouco conhecido, esta é uma tentativa de explicar, orientada por teorias sobre Jornalismo em Revista, o passo-a-passo desta grande indústria. Uma revista é um veiculo de comunicação, um produto, uma marca, um objeto, um conjunto de serviços, uma mistura de jornalismo e entretenimento. De acordo com Marília Scalzo9 (2004, p. 12), a revista é "uma história de amor com o leitor". E, como toda a relação, também precisa de confiança, credibilidade, expectativas, erros, pedidos de desculpas, brigas e reconciliações. Uma das diferenças entre uma revista e um jornal, por exemplo, fica na sua forma e no material utilizado na sua produção. Elas são fáceis de guardar sem sujar e podemos fazer coleções de várias revistas. Também são ótimas para quem quer copiar um vestido, um molde, uma decoração; para recortar e fazer pesquisas de escola. Revista é também um encontro entre um editor e um leitor, um contato que se estabelece, um fio invisível que une um grupo de pessoas, e, nesse sentido ajuda a construir identidade, ou seja, cria identificações, dá sensação de pertencer a um determinado grupo. Não é à toa que leitores gostam de andar abraçados às suas revistas – ou de andar com elas à mostra – para que todos vejam que eles pertencem a este ou àquele grupo. (SCALZO, 2004, p.12). Seguindo a sabedoria de Gabriel García Márquez10, citado por Scalzo (2004, p.13) "a melhor notícia não é a que se dá primeiro, mas a que se dá melhor". Esta, pode-se dizer, é a filosofia do jornalismo em revista, pois serve para explicar e 9 Jornalista, consultora para projetos editoriais e professora de Jornalismo de Moda no Senac. Importante escritor colombiano, jornalista, editor e ativista político. 10 17 aprofundar as histórias que acontecem, já vistas em outras mídias como televisão11, rádio, jornal e Internet. As revistas vieram para ser um tipo de complemento na educação e no serviço utilitário oferecido a seus leitores. Elas unem entretenimento e interpretação dos acontecimentos, assim, fazendo crescer a duração do interesse do leitor, visto as notícias poderem ser consideradas atuais, mas, trazerem um conteúdo históricocultural maior. Possuem menos informação no sentido clássico do jornalismo – as notícias chamadas "quentes", acontecidas há momentos, porém, trazem mais informação pessoal – aquela que vai ajudar o leitor em seu cotidiano. Scalzo (2004) refere-se ao fato de geralmente, em jornais e televisões não se saber ao certo quem é o público leitor, seus rostos, gostos, tornando-se uma platéia heterogênea. Já a revista entra na intimidade, na casa de cada um. Há uma no quarto, outra na sala, outra no banheiro. No caso de uma revista semanal de informação, a platéia é mais selecionada, podendo ter-se uma idéia melhor do grupo, mesmo sem conseguir identificar um a um. É assim que, de fato, se conhece cada leitor e sabe-se exatamente com quem se está falando. Mira (2001, p. 149) dá outra contribuição ao dizer que, para compreender esse "emaranhado de novos títulos e novos leitores, duas variáveis mostraram-se muito importantes: a faixa etária e a classe socioeconômica do leitor. Não por acaso, essas variáveis são, depois do sexo do leitor, as mais importantes para traçar o seu perfil". Por meio de uma revista, podemos conhecer um país e suas culturas, pois ali estão seus hábitos, modas, personagens e assuntos que mobilizaram grupos de pessoas. Em diversas vezes, encontramos nela, como matéria principal, algo acontecendo na conjuntura atual do país. No Brasil, por exemplo, a política tem sido abordada. Ao mesmo tempo, encontramos no mesmo exemplar, fatos culturais em curso no país, assim como aspectos da economia, história de celebridades, reportagens sobre a novela das oito que podem refletir-se na realidade nacional. E assim por diante. O ponto de partida de todo este processo surgiu em 1663, data da primeira revista publicada de que se tem notícia. A Erbauliche Monaths-Unterredungen12, da Alemanha, tinha aspecto e jeito de livro, mas era considerada revista porque trazia 11 12 A partir deste parágrafo, vou me dirigir à Televisão pela sua sigla, TV. Em português: Edificantes Discussões Mensais. 18 vários artigos sobre teologia e era voltada para um público específico. Esta e as demais vindas um pouco depois, se pareciam com livros, mas deixavam bem clara a missão do novo tipo de publicação que surgia: aprofundar os assuntos – mais que jornais, menos que livros. Em 1731, em Londres, é lançada a primeira revista mais parecida com as que conhecemos hoje em dia, The Gentleman´s Magazine. Inspirada nos grandes magazines - lojas que vendiam um pouco de tudo – reunia vários assuntos e os apresentava de forma leve e agradável. O termo magazine, a partir de então, passa a servir para designar revistas em inglês e em francês. Na seqüência, em 1749, surge a Ladies Magazine, que lança mão da mesma receita para o público feminino. (SCALZO, 2004, p. 19-20). Ao longo do século XIX, as revistas cresceram e ditaram moda, abrindo caminho para outros estilos. Porém, a leitura só fazia parte dos hábitos de uma pequena elite culta e rica, cujos filhos eram educados em escolas na Europa. Somente aos homens eram permitido estudar, para as mulheres, que raramente saíam de casa, o analfabetismo era signo de nobreza e virtude, pois afastava do perigo dos "amores secretos por correspondência". (MIRA, 2001, p. 18) Com o aumento do índice de escolarização – principalmente por parte das mulheres - surgiu uma população alfabetizada e com desejo de instrução. Porém, não se interessavam pela profundidade dos livros, ainda eram considerados elitistas e de difícil alcance. Então, com o avanço técnico das gráficas, as revistas tornaramse o meio ideal, reunindo vários assuntos num só lugar e trazendo belas imagens para ilustrá-los. Na história da imprensa talvez nada tenha contribuído tanto para o progresso do gênero como o surgimento da primeira revista semanal de noticias, em 1923 nos Estados Unidos. Times nasceu com o intuito de atender as necessidade de informar com concisão em um mundo onde já havia um caos de informações. "A idéia principal era trazer notícias da semana, do país e do mundo, organizadas por seções, sempre narradas de maneira concisa e sistemática, com todas as informações cuidadosamente pesquisadas e checadas". (SCALZO, 2004, p. 22) Ao contrário do usual, duas boas novas fórmulas para as revistas femininas surgiram e reforçaram o modelo. Logo depois da Segunda Guerra Mundial, em 1945, na França, aparece a Elle, revista feminina semanal com a intenção de restituir à 19 mulher francesa o gosto pela vida13. Depois de anos de privação, a leitora encontrou nas páginas da revista idéias para se redescobrir. O sucesso foi imediato. A história das revistas no Brasil, assim como da imprensa em qualquer lugar do mundo, confunde-se com a história econômica no país. As revistas chegaram aqui no começo do século XIX junto com a corte portuguesa que vinha fugindo da guerra e de Napoleão. A primeira revista, As Variedades ou Ensaios de Literatura aparece em 1812, em Salvador, Bahia, e, segundo ela própria, propõe-se a publicar "discursos sobre costumes e virtudes morais e sociais, algumas novelas de escolhido gosto e moral, extratos de historia antiga e moderna, nacional ou estrangeiras, resumos de viagens, pedaços de autores clássicos portugueses – quer em prosa, quer em verso – cuja leitura tenda a formar gosto e pureza na linguagem, algumas anedotas e artigos que tenham relação com os estudos científicos propriamente ditos e que possam habilitar os leitores a fazer-lhes sentir a importância das novas descobertas filosóficas". (SCALZO, 2004, p. 27). Maria Celeste Mira14 esclarece que a primeira revista surgiu por iniciativa do editor português estabelecido em Salvador, Antonio da Silva Serva, em 1812 e chamava-se As variedades ou Ensaios de Literatura. A revista tinha como objetivo defender os costumes e as virtudes morais, publicando romances, resumos de viagens, trechos de autores clássicos, algumas anedotas e boas respostas, conselhos domésticos, informações sobre navegação, instrução militar, política e ciências. Em 1813, no Rio de Janeiro, surge O Patriota, a segunda revista publicada no Brasil, propondo-se a divulgar autores e temas da terra. Em 1827, aponta O Propagador das Ciências Médicas, revista dedicada aos novos médicos que começam a atuar no país na época. Junto com ela, a pioneira entre as revistas femininas nacionais: Espelho Diamantino, sobre política, literatura, belas-artes, teatro e modas, tudo para deixar a mulher brasileira à frente do seu tempo. No início do século XX ocorre uma série de transformações científicas e tecnológicas, que se refletem na vida cotidiana das cidades. As revistas acompanham esta mudança, com diversos títulos lançados e inovações na indústria gráfica. Assim, proliferam publicações de todos os gêneros, a imprensa começa a se profissionalizar, acompanhando o evoluir da industrialização do país. Nesta época, as publicações dividem-se entre as variedades e as culturais. Porém, toda industrialização e pesquisa visavam atender a demanda da imprensa norte13 Scalzo (2004) 20 americana, que crescia muito no período. Também as imagens, antes coloridas à mão, podiam agora ser decompostas em cores por máquinas que começavam a ser importadas e difundidas nas primeiras décadas do século. Não se pode falar das revistas brasileiras sem citar alguns fenômenos editoriais que contaram a história do país ao longo dos anos. Em 1928, nasce O Cruzeiro, publicação que estabelece uma nova linguagem na imprensa nacional, através de grandes reportagens e uma atenção especial ao fotojornalismo. Na década de 1950, surge Manchete, uma revista ilustrada, também valorizando aspectos gráficos e fotográficos de uma maneira otimista. Hoje em dia, temos Veja que, após anos de censura conseguiu acertar a sua fórmula, tornando-se a revista mais vendida do Brasil, e a Época. A imprensa feminina nasceu com muita força quando as mulheres analfabetas aprenderam a ler. Com uma narrativa amorosa, a fotonovela se difundiu com grande sucesso na América Latina. Nos anos 50 e 60 vive sua época áurea no Brasil. Em termos de circulação, só perde para os quadrinhos Disney. Várias editoras se lançam neste mercado de publicações sentimentais. Do melodrama, com o cinema e suas congêneres no radio e na TV, ela herda quase tudo: temas (intrigas amorosas, traições, desencontros e mal-entendidos); personagens (o herói, o vilão e a vitima); a divisão do mundo entre ricos e pobres, a visão maniqueísta; o moralismo e o desfecho ditado pelo destino. (MIRA, 2001, p. 34). A partir dos anos 70, as revistas de fotonovela entram em declínio. Mesmo assim, no início da década de 80 ainda circulavam em torno de 20 títulos. Do lado do público foi havendo um certo desinteresse por esse tipo de narrativa, já então considerada ingênua pelas leitoras. Em 1959, nasce a primeira revista de moda brasileira, Manequim, que trazia e traz até hoje encartados, moldes de roupas para fazer em casa. Já em 1961, para acompanhar a vida da nova mulher e, também a indústria nascente de eletrodomésticos, surge Cláudia. A principio, falava sobre temas como novelas, moda, receitas, decoração e beleza. Aos poucos, começou a comentar assuntos da vida da mulher moderna, como consultas jurídicas, saúde, orçamento doméstico e sexo. Com Cláudia nasce também a produção fotográfica de moda, beleza, culinária e decoração no Brasil. Fotos desse tipo até então (e no começo da vida de Cláudia também) eram todas importadas. Logo, a equipe da revista descobre que é necessário fazer uma publicação mais brasileira e, para 14 Escritora. 21 isso, percebe que é preciso fotografar o estilo, a comida, a casa e, principalmente, a mulher brasileira. (SCALZO, 2004, p. 34). Nos anos 1970, com a mulher entrando com força para o mercado de trabalho, as revistas femininas, conseqüentemente, aumentaram as suas vendas. A partir disso, começam a aparecer revistas que já não tratam mais a mulher como simples dona-de-casa e mães, e sim como profissionais em busca de realização. Nova e Mais são um exemplo de publicações desta época. De acordo com Scalzo, (2004, p.37), hoje as grandes revistas femininas seguem modelos muito parecidos e, apesar de cada uma direcionar-se para um tipo específico de mulher, repetem fórmulas e cobrem mais ou menos o mesmo universo. Atualmente, o segmento feminino representa a maior fatia do mercado de revistas. Por essas afirmações, é possível perceber que a revista trata o leitor de uma maneira mais íntima, e, para isso, precisa saber ouvi-lo. São diversas as maneiras que permitem ocorrer esta troca: pesquisas qualitativas e quantitativas, telefonemas, cartas e e-mails enviados à redação. Um bom editor consegue manter uma relação estreita com determinado público e, muitas vezes, sabe antes do leitor o que tal segmento de mercado quer ou vai querer ler, pois, só assim a revista será capaz de adiantar e surpreender. O que vale para todo jornalista, sempre, é não perder a oportunidade, quando ela se apresenta, de observar um leitor folheando a revista em cuja redação trabalha. No aeroporto, no ônibus, na praia... Presta atenção no que ele lê ou não lê, quando ri, quando fica sério, quando pula páginas sem nenhuma piedade, quando pára, quando se surpreende. Esse tipo de observação silenciosa é, na verdade, a melhor bússola para quem escreve em revista. (SCALZO, 2004, p. 39). Discute-se muito, hoje, a relação entre jornalismo e entretenimento. Sabemos que o entretenimento é uma das vocações mais evidentes do veículo revista, a partir de sua própria origem. Somente no século XX, com o surgimento das revistas semanais de informação, elas incorporaram a função de informar e veicular notícias. Antes disso, não havia grandes preocupações jornalísticas. Entretanto, "todas as publicações ganharam consistência quando os procedimentos jornalísticos foram adotados pelas revistas semanais de informação. O rigor da apuração e a checagem das informações afetou o trabalho, mesmo nas revistas que não tinham o jornalismo como principal linha editorial". (SCALZO, 2004, p. 52) Porém, temos de ter em mente haver funções dentro da revista que não têm – 22 nem nunca tiveram – a ver com o jornalismo propriamente dito, como palavras cruzadas, gravuras, histórias em quadrinhos, entre outras. O editorial consiste num texto que expressa a opinião de um meio de comunicação, que pode ser jornal ou revista, cujo conteúdo apresenta a opinião da empresa, da direção ou da equipe de redação, sem se ater a nenhuma imparcialidade ou objetividade. É enquadrado, segundo Bonini (2003) por muitos teóricos da comunicação como um gênero jornalístico15 “são aqueles que estão presentes no ambiente de produção do jornal” e podem ser classificados ainda como “gêneros centrais presos – são aqueles que estruturam o jornal”. Em geral, grandes jornais e mais recentemente as revistas, reservam espaços predeterminados para os editoriais em duas ou mais colunas logo nas primeiras páginas internas. Conforme este autor, os editoriais são normalmente demarcados com bordas ou com tipologias diferentes, cujo objetivo é marcar claramente que aquele texto é opinativo, e não informativo. Segundo o Manual da Folha de São Paulo (2001, p.71), “Os editoriais não dirigem o noticiário, mas temas que neles aparecem com freqüência devem ser explorados pela reportagem”. Segundo Marques de Melo (1994, p. 95) o discurso do editorial, no contexto de empresa moderna, “constitui uma teia de articulações políticas e por isso representa um exercício permanente de equilíbrio semântico”. De acordo com os autores consultados, a linha editorial é uma política determinada pela direção do veículo de comunicação ou pela diretoria, que determina a lógica pela qual a empresa jornalística enxerga o mundo. O editorial indica seus valores, aponta seus paradigmas e influencia decisivamente na construção de sua mensagem, orientando o modo como cada texto será redigido, a hierarquia dos temas nas diferentes edições, e os termos que devem ou não ser usados. Bonini (2003) coloca ainda que a opinião de um veículo não é expressa exclusivamente nos editoriais, mas também na forma como organiza os assuntos 15 São muitos os teóricos que abordam o tema Amaral (1978, 1982); Bahia (1990); Erbolato (1978); Sodré e Ferrari (1986), mas os principais trabalhos da área de comunicação quanto ao estudo dos gêneros do jornal são os de Melo (1985, 1992) e o de Chaparro (1998), embora o fundador desta discussão tenha sido Beltrão (1969, 1980, 1980). Os gêneros mais comumente citados (a partir dessa perspectiva de técnica de trabalho) são: a notícia, a reportagem, a entrevista e o editorial. Estes manuais mostram uma concepção de gênero como fixo, claramente delimitável e, por isso, passível de ser ensinado como técnica.(BONINI, 2003) 23 publicados, pela qualidade e quantidade que atribui a cada um no processo de edição jornalística. Segundo Caldas (2005, p.137), O entendimento do papel do jornalista na construção coletiva da memória passa pela compreensão do contexto histórico dos fatos e do veículo em que está inserido, sua linha editorial e política. A análise do discurso jornalístico para a construção da história do cotidiano passa, necessariamente, pelo conhecimento da história de vida dos agentes envolvidos no processo de produção da informação (jornalistas e proprietários dos meios). Para tornar-se um bom jornalista de revista é prioritariamente necessário ser um bom jornalista. Seja qual for o meio onde irá trabalhar, este profissional deve preocupar-se em ampliar sua cultura geral, ter uma visão de mundo livre de preconceitos e um olhar crítico sobre o próprio trabalho. Os princípios básicos do jornalismo são iguais para qualquer tipo de veículo: o esforço para apurar os fatos corretamente, o compromisso com a verdade, ouvir todos os lados que envolvem uma questão, mostrar diversos pontos de vista na tentativa de elucidar histórias, o respeito aos princípios éticos, a busca constante da qualidade de informação, o bom texto. (SCALZO, 2004, p. 54). A partir da concepção de um texto de revista ser diferenciado dos demais, é válido, por mais bem escrito que ele esteja, ser sempre mais bem compreendido e atraente quando acompanhado de uma fotografia ou de um infográfico bem feito. Assim, dominar um pouco a linguagem visual também se torna basilar ao jornalista de revista. Ao analisar o trabalho na produção de uma revista, pode-se notar que o trabalho em equipe é essencial. A integração entre jornalistas, designers e fotógrafos é obrigatória para uma revista oferecer aos seus leitores páginas ao mesmo tempo "informativas e sedutoras". (SCALZO, 2004, p. 59) Além disso, é necessário entender um pouco de administração, pois as equipes geralmente são pequenas e cabe aos jornalistas controlar e administrar seu borderô16. Uma boa revista precisa de uma capa que a ajude a conquistar os leitores e os convença a levá-la para casa, sendo a vitrine da edição a fim de seduzi-lo. Isto porque ela é o primeiro elemento a prender a atenção do leitor, juntamente com o logotipo, principalmente se já for uma revista conhecida, com certa credibilidade. Além da capa, a escolha certa da pauta em uma revista é meio caminho andado. O jornalista tem de encontrar novos enfoques para os assuntos factuais, o "como" é fundamental. Pegando de exemplo uma notícia de moda: não adianta a 24 revista noticiar tal desfile, pois, no dia seguinte, ele já terá recebido atenção da imprensa diária. Então, se essa informação é relevante para as suas leitoras, a publicação deverá dar um enfoque que ninguém lhe tenha dado, com informação complementada, analisada, interpretada e bem fotografada. É preciso também cuidar da diversificação e do equilíbrio entre as pautas de cada edição. A diversificação, afinal, é o que vai ditar o ritmo da revista e está na própria natureza do veículo. Nunca é demais lembrar que a mistura exata dos ingredientes, numa proporção equilibrada e bem dosada, é o segredo de qualquer boa fórmula. A cada edição o leitor deve encontrar, ao mesmo tempo, variedade e algumas marcas de identidade, que lhe permitem reconhecer e manter uma relação e familiaridade com sua revista predileta. (SCALZO, 2004, p. 64-65). Assim como a fotografia, os infográficos estão no primeiro nível de leitura de qualquer meio impresso. Ou seja, eles são, muitas vezes, as portas de entrada para os textos. Ali o leitor deposita, inicialmente, sua atenção e pode ser por meio deles que ele decida se vai ler ou não a matéria. É uma maneira de fornecer informações ao leitor, utilizando um conjunto de gráficos, tabelas, desenhos, fotos, legendas, mapas, maquetes, entre outras. O bom jornalismo é sempre tecnicamente bem feito e o jornalismo tecnicamente bem feito tende a ser um jornalismo necessariamente ético. "A fim de garantir ao leitor que as informações veiculadas sejam objetivas e independentes de interesses comerciais, governamentais, partidários, religiosos e outros, uma publicação e seus colaboradores devem, além de evitar conflitos de interesses, evitar dar ao leitor a impressão de que esses estejam ocorrendo, não basta, ao jornalista ser honesto, é preciso parecer honesto". (SCALZO, 2004, p. 79). O verdadeiro desafio está na concepção de jornalistas serem seres humanos e cidadãos com opções e convicções políticas, culturais, religiosas e sexuais. Assim sendo, a melhor forma de tratar desses assuntos é com honestidade e humildade, sabendo que não se é isento nem objetivo por natureza, embora seja esse o objetivo em cada reportagem. 16 Dinheiro usado para as edições e reportagens. 25 1.3 Jornalismo de Moda Depois de ter mostrado a importância do Jornalismo em revista, suas diferenças dos jornais e toda a sua trajetória histórica, entra-se agora em uma parte mais especializada deste tipo de publicação, o Jornalismo de Moda. Enquanto, nos jornais, a parte dedicada à moda não recebe status de editorias, permanecendo como uma seção, sem especialidade, nas revistas femininas, normalmente, existem as editorias de moda. Porém, de acordo com Ruth Joffily17, ambas as situações prejudicam o jornalista de moda, "por não ser reconhecido como integrante de uma editoria, seu salário é defasado em relação ao dos colegas jornalistas de outras especialidades". Ou seja, acaba assistindo a seu trabalho servir apenas como um espaço de divulgação ou para a publicar propagandas, perdendo a ligação com o leitor e curvando-se à outra, com o anunciante. O trabalho presente não pretende criticar a importância da publicidade dentro de revistas, principalmente nas de moda, pois tem consciência de ser ela que, muitas vezes, mantém a revista nas bancas. Porém, de acordo com leituras e experiências, pode-s dizer que afastar a cobertura jornalística de moda do jornalismo e entregá-la à publicidade só resolve o déficit de faturamento a curto prazo, pois o público sente (e ressente) quando a publicação transforma o editorial em mais um "cabide de anúncios". (JOFFILY, 1991, p.12) O valor do editorial de moda está em manter o público atualizado em relação aos lançamentos e tendências. Está em realizar a crítica, buscando critérios estéticos e pragmáticos. Estéticos, pelo lado criativo e artístico da criação de moda. Pragmáticos, porque a roupa é para ser usada no cotidiano, porque há períodos em que o consumidor anda de bolso vazio. Está em acompanhar, pelo prisma da moda, a flutuação dos comportamentos, a mudança nas correntes socioculturais. Em outro dos seus ramos, o jornalismo de moda especializado em prestar serviço ao leitor – informação extremamente objetiva -, realiza-se, na minha opinião, a concretização do nosso papel junto ao público, qual seja o de adequar o sonho da moda à realidade da leitora... Dar a ela o direito de se apropriar do sonho no seu dia-a-dia. (JOFFILY, 1991, p. 12-13). 17 Jornalista, professora, redatora e produtora. 26 A importante questão volta-se para o fato de o profissional realizar seu trabalho da melhor maneira possível. O jornalista que participa de uma publicação possui métodos mais fáceis de conhecer suas leitoras e seus principais perfis. Desta maneira, sigo o exemplo de Joffily (1991, p. 70) ao fala sobre o caso das fotos nos editorias de moda: "a modelo, na hora da foto, deve saber interpretar, colocar-se no papel da leitora da revista". É sabido que ela recebe orientações, mas a sua habilidade, além de ter um rosto e corpo bonito, é expressá-los através da sua postura, pois a foto é feita para as leitoras imaginarem-se usando aquela roupa. Outra questão a se pensar, ainda relativa à imagem da leitora, é sobre como a moda exposta na publicação é adequada à realidade da mulher brasileira. Na moda que estamos acostumados a ver nas revistas, os tipos físicos são muito fixados no padrão europeu, naturalmente estreitando o mercado consumidor. A cor da pele, por exemplo, não é devidamente levada em conta, pois, dificilmente se encontram propostas de cores que favoreçam a mulher negra ou de tez mais morena. Além disso, as medidas das brasileiras quanto aos quadris, busto etc., fogem dos padrões europeus. Na realização de uma matéria de moda, são mobilizados inúmeros profissionais, e somente o produto final conta. Se este sair com imperfeições, não importa quem tenha errado, o trabalho de todos estará comprometido, visto o trabalho de equipe ser essencial na revista. O jornalista de moda não pode dar-se o luxo de "passar os olhos" na produção, ele tem de acompanhá-la o passo-a-passo. A pauta determina a cobertura das tendências – a notícia da moda -, de eventos – feiras, lançamentos -, dependendo da linha editorial, explora as ousadias de estilo, propõe estilo, sugere de maneira ampla opções para o seu público. Em termos jornalísticos, o centro da atenção é a leitora. Para ela, em seu favor, devem estar dirigidas as matérias – para informá-la. Nesse sentido – coisa ainda a se desenvolver com mais intensidade no jornalismo de moda – o editorial de moda poderia não apenas apresentar o que há à disposição no mercado mas também realizar a "crítica", apontar as ligações da moda num sentido mais amplo com a atualidade sociocultural, avaliar as propostas dos estilistas, funcionar até mesmo, em alguma medida, como uma defesa do consumidor, auxiliar a leitora a adequar a moda ao seu tipo físico e estilo de vida. (JOFFILY, 1991, p. 86-87). Dotado de um ambiente democrático, com muitas sugestões, a equipe possui mais chances de conseguir desenvolver os objetivos lidos na citação acima. Durante a reunião de pauta, dá-se início ao processo da publicação: são determinadas as matérias de texto, os assuntos e as fotos; assim, também o clima da produção, se 27 será interna, no estúdio ou externa, na rua. Os prazos finais são fixados nesta reunião de pauta, muitas vezes as revistas estrangeiras sendo utilizadas como fonte de sugestões, tanto para o layout da revista como para a reportagem. Quando nos referimos ao jornalismo de moda, logo, pensamos que somente um jornalista propriamente dito pode realizar todo o trabalho. Mas a autora esclarece existirem diversos outros profissionais também fazendo parte desse trabalho. O produtor é um deles. "É aquele que tem todos os contatos com estilistas, modelos e fotógrafos. Ele organiza tudo para que a sessão de fotos saia perfeita. Só descansa quando as luzes do estúdio se acendem. Seu trabalho é no tocante à execução, braçal". (JOFFILY, 1991, p. 117) A editora de moda e a editora de arte fazem a seleção final das fotos a serem aproveitadas nas reportagens da revista. A partir daí, o trabalho final da edição passa para a fase da arte, como são chamadas nas redações a diagramação e a composição das fotos com textos nas páginas. A arte devolve a matéria à redação com a marcação do espaço que será ocupado pelas fotos, títulos, entretítulos, textos e legendas. A redatora escreve os textos, conforme o tamanho indicado, obviamente, dentro do espírito da matéria. Completada a primeira etapa da fase gráfica, uma prova de página é enviada à redação, para uma revisão final. É a última oportunidade de se mexer no texto. Depois disso, uma nova reunião de pauta para as matérias do mês seguinte, e assim sucessivamente. (JOFFILY, 1991, p. 91-92). Tecnicamente falando, de acordo com Joffily (1991), existem três tipos de matérias de moda: tendência, serviço e comportamento. A cada uma corresponde um enfoque tanto do texto quanto da foto ou ilustração. Entretanto, na maioria das vezes, esses três tipos de matéria se misturam. Nada é muito rígido na definição de uma pauta, pois boas idéias geralmente criam uma combinação dos "ingredientes" (JOFFILY, 1991, p. 95) Em resumo, matéria sobre tendência aborda o que se estará usando na estação seguinte, quais as peças e acessórios em que as leitoras poderão apostar para estar dentro da moda. Já matéria de serviço fala sobre alguma marca, apresenta lojas, locais relacionados com a moda, compara preços etc., tudo para facilitar a vida da leitora na hora de procurar tal peça ou os melhores preços. Uma publicação ganha notável "colorido" com matérias sobre comportamento, isto porque interessa a um público maior do que o público de moda. Em suma, esse tipo de reportagem na revista de moda a insere na atualidade, nas correntes sociais 28 e culturais, resgata a moda como uma dessas correntes, com sua história, preocupação estética e sua simetria com os fatos. Tem-se como exemplo, a minissaia e o jeans, que nunca saem de moda e já atravessaram décadas. Envolve também mudanças de hábitos de consumo da sociedade, perfil de estilistas, mostrando propostas desenvolvidas ao longo de sua carreira Relembra figuras históricas da moda, situando sua importância na época. À medida que se enriquecem as matérias com depoimentos de pessoas de destaque da época, pesquisa e material de documentário, mais interessante se torna a sessão da revista. Na hora de montar a produção de moda de uma revista tem de saber compor os elementos com uma identidade própria, e não torná-la valida porque se parece com o real. Como toda ficção, ela busca expressar alguma coisa, dentro de diversos recursos que devem ser coerentes entre si, que devem dialogar na mesma língua. Texto e imagem devem ter sincronia em uma publicação. Cada matéria traz uma intenção e um estilo e, sem dúvida, um texto que acompanhe a vida da matéria é primordial. A partir da definição de um público para a revista, uma redação competente irá criar um bom texto. De acordo com Joffily (1991, p. 117), habitualmente, as publicações de moda procuram reduzir o espaço para o texto, destacando mais as fotos, pois é crença corrente que a leitora de moda lê pouco. No entanto, novas revistas femininas aparecidas no mercado desmentem esse preconceito, pois o texto dá um charme a mais à publicação. A moda interessa à leitora no seu cotidiano; mas esse cotidiano tem um contexto, do qual a leitora não está alheia. 29 CAPÍTULO II - A MODA As teorias em torno da moda proliferaram entre o final do século XIX e o início do século XX. O tema ocupou um lugar central nas reflexões de artistas e intelectuais empenhados em desvendar a dinâmica da modernidade, compreendida como o novo modo de vida que despontava no fluxo da cultura urbana e da sociedade industrial. Segundo Crane18 (2006), entre as décadas de 1970 e 1980, com a ocorrência da globalização, o mundo da moda tornou-se mais complexo e sua importância aumentou consideravelmente. O desenvolvimento de um novo mundo da moda gerou uma demanda de pesquisas, promovendo um crescimento de trabalhos acadêmicos na área. Assim como outras formas de cultura popular, ela emerge de um conjunto de organizações e redes que interagem e moldam esse conceito de várias maneiras. Os significados dos produtos culturais são afetados por relações entre criadores e públicos e entre administradores e mercados. De acordo com Solange Wajnman19 em seu artigo no livro Moda, Comunicação e Cultura, existem diversos motivos para a Moda ter tido um grande crescimento. Entre eles, destaca-se o amadurecimento das indústrias de confecção e têxteis, a qualificação da mão-de-obra, os novos padrões de qualidade impostos, além da abertura do mercado internacional. Nesse sentido, a moda é um sistema de comunicação próprio, um vetor de organização social. A indústria da moda está sendo desenvolvida no sentido de configurar novas formas de relacionamento social que 18 Especialista em sociologia, artes e mídia, Diana Crane é professora emérita de sociologia na Universidade da Pensilvânia, Filadélfia. 19 Mestre em Psicologia Social da PUC – SP; doutora em Sociologia, Paris V. Sorbonne, professora do Programa de Mestrado em Comunicação da UNIP e da Graduação em Moda. 30 superam os antigos, cunhando novas identidades dos indivíduos e dos grupos. (WAJNMAN, 2002 p. 29). Enquanto cada item do vestuário obedecer a um estilo especifico, nem todos os estilos estarão na moda, pois eles entram e saem da moda. E enquanto cada item do vestuário obedecerá a uma moda determinada, nem toda moda é elegante. Alguns tipos de moda se dispõem a ser "antimoda". Finalmente, pode-se dizer que, enquanto toda moda é estilizada, nem toda moda refere-se a um item de vestuário. Estilos de moda envolvem mudar a cor ou a forma do corpo. 2.1 Conceituação e contextualização histórica Moda. De acordo com a Wikipedia20, é a tendência de consumo da atualidade. É composta de diversos estilos que podem ser influenciados por diversos aspectos. Acompanha o vestuário e o tempo e se integra ao simples uso das roupas no dia-a-dia. É uma forma passageira e facilmente mutável de se comportar e, sobretudo, de se vestir. Para criar estilo, os figurinistas utilizaram-se de cinco elementos básicos: cor, silhueta, caimento, textura e harmonia. É um sistema que acompanha o vestuário e o tempo, integrando o simples uso das roupas no dia-a-dia a um contexto maior, político, social, sociológico. Podese ver a moda naquilo escolhido de manhã para vestir; no visual de um punk, de um skatista e de um pop star; nas passarelas do mundo; nas revistas e até mesmo no terno de um político ou no vestido das avós. Assim, a etimologia da palavra fashion21, de acordo com o Oxford English Dictionary, remete ao latim factio (de facere) significando "o poder de fazer". Portanto, o sentido original de fashion referia-se a atividades; fashion era algo que uma pessoa fazia, diferentemente de hoje, talvez, quando a empregamos no sentido de algo que usamos". (BARNARD, 2003 p. 23) Fashion também pode ser entendida como fetiche, visto facere também fazer parte da raiz dessa palavra. Deste modo, podemos relacionar os itens de moda e de indumentária como produtos fetichizados, já que são fabricados e consumidos pela sociedade capitalista. 20 21 http://www.wikipedia.org Fashion significa Moda em inglês. 31 Ainda em sua obra, Moda e Comunicação, Barnard22 dá outros sentidos para a palavra fashion, ou seja, moda. Como substantivo, a expressão significa um gênero ou uma forma de fazer específica, como uma maneira ou conduta. Fashion pode ser considerada um sinônimo da palavra "modo". Já como verbo, possui o sentido de atividade, o "fazer" e o "fabricar". Além disso, também pode ser utilizado como sinônimo de termos como "adorno", "estilo" e "vestimenta". A partir da concepção de Renata Pitombo23 (2005), modus, palavra oriunda do latim, significa maneira, a moda é denominada como maneira, modo individual de fazer, ou uso passageiro que regula a forma dos objetos materiais, e particularmente, os móveis, e as vestimentas O sociólogo e teórico da moda Gilles Lipovetsky, escreve que a moda não pertence nem a todas as épocas nem a todas civilizações. Pois, somente a partir do final da Idade Média podemos reconhecê-la como sistema, com suas metamorfoses constantes, seus movimentos bruscos e suas extravagâncias, como veremos mais adiante neste capítulo. 2.2 A moda nos últimos séculos Antes do início do capitalismo mercantil e do crescimento das cidades na Europa Medieval, a maioria dos historiadores do traje concordam quanto a, praticamente, não haver moda, "apesar de, nas cortes imperiais da China e do Japão existirem modas no que diz respeito às cores, aos enfeites e outros pormenores, mesmo que o formato das roupas fosse o mesmo", (WILSON, 1985 p. 29) Até o século XIV são visíveis as mudanças ocorridas no Ocidente nas formas de vestir, devendo-se isso à expansão do comércio, ao crescimento da vida nas cidades e à sofisticação nas cortes reais e aristocráticas. Durante o período do Império Romano, poucas transformações aconteciam na vestimenta do povo – principalmente ou somente na vida dos ricos, investindo-se em penteados, perucas e cosméticos. 22 23 Especialista em História e Teoria da Arte & Design da Universidade de Derby. Doutora em Comunicação. 32 Bem recuado no tempo, já em 476, no Império Oriental ou Bizantino, cujo centro era Constantinopla24, o imperador, como um rei sacerdote, vestia trajes religiosos. Segundo Wilson (1985), tanto os homens como as mulheres da época usavam vestimentas largas, em estilos simples e permanentes. O vestuário distinguia pobres de ricos, dirigentes dos dirigidos; apenas pelo fato de as roupas dos trabalhadores serem feitas com lã, ao passo que as roupas da corte usavam seda em sua confecção, além de serem muito mais enfeitadas do que as vestes do povo. Com a passagem do tempo, propagaram-se estilos mais elaborados que aqueles existentes até o momento, tanto para os homens como para as mulheres. O gibão para os homens era usado muito curto e apertado. Os vestidos, também usados pelos homens e pelas mulheres, tornaram-se extravagantemente largos e compridos, com as mangas ou muito apertadas ou muito largas, as bainhas com cortes fantásticos, enquanto os chapéus e toucas passaram a ter as formas mais extravagantes e mudavam rapidamente de formato. Os sapatos passaram a ser exageradamente compridos à frente e bicudos. (WILSON, 1985, p. 32-34). Somente a partir dos séculos XV e XVI usar roupas ultrapassadas começou a ser motivo de vergonha. Assim, as classes mais baixas tentavam reproduzir as modas costumeiras daqueles com possibilidade de pôr de lado as roupas ultrapassadas. Porém, era praticamente impossível concluir essa tarefa com sucesso, já que as roupas eram caras e a classe não podia mudar o guarda-roupa com tanta rapidez em tão pouco tempo. Assim sendo, continuaram a vestir o que há tempos já não estava em voga. Sarja azul, sarja castanha avermelhada e pano de algodão branco eram os tecidos utilizados pelo povo da classe mais baixa, ou seja, panos baratos. Nessa época, diferenciavam-se os indivíduos pelo tipo de roupa usada. O mestre artesão das corporações medievais vestia uma roupa especial, ou pelo menos usava um capuz. No final da era Medieval, a classe dos mercadores vestia e copiava as modas dos nobres que vestiam peles, sedas e jóias, supostamente reservados aos proprietários de terras e aos cavaleiros. (WILSON, 1985, p.37). De acordo com Diana Crane, as roupas da moda para as mulheres no século XIX tinham elementos de controle social, pois exemplificavam a concepção dominante e restritiva dos papéis femininos, pois o ideal era que trabalhar nem dentro nem fora de casa, sendo suas roupas ornamentais e complicadas. A "ociosidade aristocrática" (CRANE, 2006) era considerada um modo de vida indicado para as mulheres de classe média e alta, assim se refletindo nas suas 24 Atualmente conhecida como Istambul, maior cidade da Turquia. 33 roupas. A composição nada prática incluía corpetes amarrados e crinolinas25 volumosas e de forma geral, prejudicava a saúde feminina. Se as mulheres de classe privilegiada utilizavam tal tipo de vestimenta, o mesmo era totalmente inapropriado para aquelas da classe operária, pois dificultava na realização das atividades diárias por serem roupas pesadas e apertadas. Na metade do século XIX, os itens do guarda roupa geralmente eram comprados. A industria parisiense prêt-à-porter26, produzia roupas baratas para serem vendidas em diversos lugares. (CRANE, 2006) Outra alternativa era mandar fazê-las em alfaiates, serviço digno naquela época, pois, atualmente, são poucos os alfaiates remanescentes, já que, não se é mais costume mandar fazer roupas para tal dia da semana ou ternos para inverno e verão. Dando continuidade à análise, de acordo com as teorias de Crane, as roupas das mulheres eram geralmente feitas em casa, pois, na época, era comum saber costurar, aprendendo tal serviço antes do casamento. Porém, notava-se a brusca diferença entre as vestimentas das mulheres de diferentes classes sociais. O verdadeiro símbolo de elegância de uma dama era a riqueza nos detalhes de cada traje em uma ocasião particular. Demonstrava-se que um traje era típico de classe média por diversas maneiras. Primeiro, por detalhes específicos do modelo de uma roupa, como mangas justas, as anquinhas ou a cauda de uma saia. Certos detalhes mudavam todos os anos, e pode-se precisar facilmente de quando são datados. Segundo, pelo uso de tecidos caros e delicados. Terceiro, pelo uso de cores claras e brilhantes; e quarto, pelos acessórios, entre os quais se encontravam chapéus, luvas, sombrinhas, leques e lenços, e peças de lingerie, como espartilhos e crinolinas. (CRANE, 2006, p. 109). Cabe ressaltar uma roupa íntima característica, em voga até o começo do século XX, o espartilho. "Um elemento essencial do vestuário feminino entre os ricos. Firmemente amarrado ao redor do peito, cintura e quadris, dificultando a respiração e atividades físicas em geral". (CRANE, 2006). É verdade que a natureza de um guarda roupa feminino era muito influenciada pelos tipos de acessórios usados. Para estar permanentemente na moda, a adição de alguns itens era essencial: xales, echarpes, chapéus, luvas e lenços são alguns deles. Mesmo as mais pobres possuíam lenços, ou seja, 25 Criada na década de 1840 era uma pequena anquinha feita da união da crina do cavalo com fios de algodão. Servia para conquistar o efeito de roda desejado nas saias e, tinha, em média, um diâmetro de 3 metros. (Dicionário da Moda. 2007, p. 204) 26 Expressão francesa que significa "pronto para vestir", ou seja, indica roupa que é comprada pronta. (Enciclopédia da Moda. 2007, p. 359) 34 conseguiam seguir a risca alguns padrões da classe media quando podiam baratear o custo. A autora esclarece que, na maior parte do período, os xales mais elegantes eram os feitos de cashmere27 e, em todas as classes sociais, era considerado impróprio uma mulher sair de casa sem chapéu. Em 1837, os chapéus, que também constituíam símbolos poderosos de identidade masculina, foram igualmente incorporados pelas mulheres durante este período. A cartola passou a ser usada com trajes femininos de montaria a partir da década de 1830 e permaneceu em uso ao longo do século. (CRANE, 2006, p. 206-208). O paletó combinado com saia para compor um conjunto foi chamado de "símbolo da mulher emancipada no século XIX". Na primeira metade deste, o vestido ainda dominava a moda mas, a partir da segunda metade do século, o paletó ressurgiu como parte do traje para se usar no campo ou no litoral. Casacos largos, semelhantes a modelos masculinos, usavam-se com blusas de colarinho masculino, gravata-borboleta e chapéu de palha. (CRANE, 2006) As normas rígidas da indumentária correta sugerem não sair sem chapéu, luvas e meias, mesmo no verão. A partir de 1930, as mulheres iniciaram o uso de calça, embora só em balneários e não nas ruas. Durante a Segunda Guerra Mundial28 é que ela começou a ser usada com mais freqüência devido à escassez de roupas. Porém, somente em 1950 as calças para o sexo feminino passaram a fazer parte da vida urbana. Com a Revolução Industrial29 do século XIX, relacionou-se a liberdade da vida citadina com o desenvolvimento do individualismo, e a moda como expressão do indivíduo. Em um mundo dominado pela primeira vez por máquinas, o capitalismo30 atingiu um novo nível, criando grandes centros turbulentos nas cidades, com novas características. (WILSON, 1985) Assim, a moda passou a ser mais importante do que antes. A diferença das alamedas calmas dos séculos anteriores para as ruas turbulentas da nova geração era assinalada pelas roupas, cada vez mais marcantes da distinção entre o "estar em casa" e o "estar em público". (WILSON, 1985) 27 Lã fina e macia obtida a partir do pêlo de cabras da região da Caxemira. (Dicionário da Moda. 2007, p. 155) 28 Guerra que durou de 1939 a 1945 entre os países Aliados (China, França, Grã-Bretanha, União Soviética e Estados Unidos) e as Potências do Eixo (Alemanha, Itália e Japão). 29 Consistiu em um conjunto de mudanças tecnológicas com profundo impacto no processo produtivo em nível econômico e social, iniciado na Grã-Bretanha. 30 Sistema de organização de sociedade baseado na propriedade privada e na liberdade de contrato. 35 A regra de antigamente para o homem elegante (seda, rendas, veludo) hoje foi deixado para trás. O homem moderno evoluiu, usando roupas normais do dia-adia, acessórios e tecidos confortáveis e de acordo com as estações. As mulheres também acompanharam esse desenvolvimento, trocaram as saias exageradamente almofadadas, o pó e as perucas, pelo algodão, a chita e a mousseline31. Assim nasceram os estilos característicos do Império e da Regência para as mulheres, e pela primeira vez em várias centenas de anos, os espartilhos foram abandonados e as pernas mostradas, por vezes de forma bastante chocante. No entanto, nessa mesma altura os papéis sociais e econômicos dos homens e das mulheres na sociedade começaram a divergir mais profundamente; no início do século 19, o papel das mulheres na sociedade começava a diminuir, a maneira de vestir começava a distinguir os sexos de forma mais acentuada e a moda já não era mais, tal como fora nas cortes do século 17, apenas uma moldura sem preço para a beleza feminina. Aconteceu qualquer coisa de mais sutil; criou-se a feminilidade. (WILSON, 1985, p. 45). No final do século XX, a gravata virou um símbolo de emancipação feminina e uma maneira de desafiar o status social dos homens. "Possuía significados diferentes, que dependiam de onde e por quem era usada, permanecendo, assim, um marco de independência feminina na publicidade, em revistas de moda e filmes". (CRANE,2006) A essa altura, o objetivo da moda era mudar as proporções do corte, forma e cor das roupas, projetando imagens que atribuíam significados aos itens de vestuário. Sobre as tais condições, os estilos fluíam do centro para a periferia e viceversa. De acordo com Elizabeth Wilson, o primeiro desenhador de modas verdadeiramente moderno foi Charles Frederick Worth, inglês que fez fama e fortuna em 1850 na corte de Napoleão III da França, quando desenhou os vestidos da princesa Pauline Metternick e da imperatriz Eugénia. A partir deste momento, as roupas femininas elegantes começaram a ser consideradas somente as de um estilista e a indústria do vestuário com a moda produzida em massa surgiram. Por outro lado, à medida que os velhos sinais da posição social desapareciam, surgia o uniforme32. Em decorrência, eles foram o primeiro tipo de vestuário produzido em massa. Simbolizavam o avanço do Estado Moderno na vida do indivíduo. Mas, até os próprios uniformes estão sujeitos à moda. O setor feminino da Marinha Americana tinha um corte elegante. Nos anos 1960 e 1970, até as freiras 31 32 Palavra francesa que se refere a tecido de algodão muito fino, leve e transparente. Padrão de vestuário usado por membros de uma dada organização. 36 modernizaram os seus hábitos. (WILSON, 1985) Simultaneamente, as mulheres elegantes e arrojadas desse século ainda cultivavam o lado romântico na hora da produção. Pode-se também argumentar que os elementos pré-modernistas da moda contemporânea contribuem para a existência de uma "hegemonia conflitante". (CRANE, 2006) "A moda pós-moderna, da maneira como é mostrada nas revistas de moda e personificada em produtos, não oferece às mulheres uma identidade específica. Pelo contrário, a heterogeneidade dos estilos contemporâneos permite às mulheres assumir uma variedade de identidades possivelmente contraditórias". Assim sendo, a moda acelerou seu processo e proliferou-se andando no ritmo da vida moderna. Trajes antigamente reflexos de status e conformismo social, com seus ricos tecidos, já foram deixados no passado. A roupa, agora, constitui o gosto da pessoa, seu estado de espírito e sua personalidade. A moda e o vestuário, como papel de tornassol, oferecem pistas para desvendar as ligações entre estrutura social e cultura para traçar os itinerários da cultura material em sociedades fragmentadas. Na sociedade cada vez mais multicultural do século XXI, os códigos de vestuário continuarão a proliferar como meio de expressar relações no interior dos grupos e segmentos sociais, e entre eles, e como indicadores de respostas a hegemonias ainda mais conflitantes. (CRANE, 2006, p. 474). A sociedade pós-moderna é uma sociedade de consumo. Portanto, a moda deve ser considerada como tendo uma afinidade especial com essa época. A julgar pelo compreendido com as teorias citadas no inicio desta fundamentação teórica comparadas às finais, atualmente, a industria da moda funciona de uma maneira muito rápida. Quando um item da vitrine não está mais em voga, rapidamente outro toma o seu lugar e assim por diante. E, de acordo com Barnard (2003), o ciclo de obsolescência internamente construído ou planejado é moda. Conseqüentemente, o desejo por outro modelo, o mais recente possível é instantaneamente satisfeito pelo ciclo da moda na pós-modernidade. Nesse momento, podemos considerar que: o vestuário como forma de comunicação tornou-se um conjunto de dialetos em vez de uma língua universal. 37 2.3 A moda e seu destino nas sociedades modernas A moda não apareceu sozinha; paralelamente, em velocidades e graus diferentes, outros setores como decoração, linguagens, maneiras, gostos, idéias, artistas e obras culturais foram atingidos por todo o processo da moda. "Nesse sentido, é verdade que a moda, desde que está instalada no Ocidente, não tem conteúdo próprio; forma especifica da mudança social, ela não está ligada a um objeto determinado, mas é, em primeiro lugar, um dispositivo social caracterizado por uma temporalidade particularmente breve, por reviravoltas mais ou menos fantasiosas". (LIPOVETSKY, 1989) Entre 1340 e 1350 essa inovação espalhou-se por toda a Europa Ocidental e, a partir daí, várias mudanças começaram a ocorrer. As variações das vestimentas tornam-se mais freqüentes e arbitrárias, em um ritmo nunca visto antes. A mutabilidade da moda se impôs como fato evidente, transformando-se incessantemente. Com a moda, aparece uma primeira manifestação de uma relação social que encarna um novo tempo legitimo e uma nova paixão própria ao Ocidente, a do "moderno". A novidade tornou-se fonte de valor mundano, marca de excelência social; é preciso seguir "o que se faz" de novo e adotar as últimas mudanças do momento: o presente se impôs como o eixo temporal que rege uma face superficial, mas prestigiosa da vida das elites. (LIPOVETSKY, 1989, p.33). É certo ter sido no século XIX que a moda masculina começou a desaparecer diante da feminina. Os novos cânones da elegância dos homens, a discrição, sobriedade e rejeição à ornamentação, fizeram da moda e seus artifícios uma regalia feminina. E, por essas e outras razões, a moda não cessou de despertar a crítica, de chocar as normas estéticas, morais e religiosas dos contemporâneos. De maneira crescente, a moda trabalhou no refinamento e aguçamento da sensibilidade estética, "civilizando" o olho, a fim de saber distinguir pequenas diferenças. O vestuário já não é feito como antigamente, que passava de geração para geração e sim, de milhares de variações e opções que permitem ao indivíduo desprender-se das normas antigas, montando um gosto mais pessoal. 38 Introduzindo continuamente novidades, legitimando o fato de tornar exemplo nos contemporâneos e não mais no passado, a moda permitiu dissolver a ordem imutável da aparência tradicional e as distinções intangíveis entre os grupos, favoreceu audácias e transgressões diversas não apenas na nobreza, mas também na burguesia. A moda deve ser pensada como instrumento da igualdade de condições. Ela alterou o princípio da desigualdade de vestuário, minou os comportamentos e os valores tradicionalistas em beneficio da sede das novidades e do direito implícito à "bela aparência" e às frivolidades. (LIPOVETSKY, 1989, p.41-42). Porém, a moda só pôde colaborar para a revolução democrática porque, junto com ela, mais dois fatores fundamentais ocorreram, mudando a história de nossas sociedades: a ascensão econômica da burguesia e o crescimento do Estado moderno, pois juntos puderam dar legitimidade aos desejos de promoção social de todas as classes inferiores33. Deve-se ter em mente que a moda impôs uma regra de conjunto, ou seja, simultaneamente a pessoa precisa ser como os outros, vestir-se dentro do padrão, mas também deve ter seu gosto particular. Assim, ao longo dos séculos tivemos diversos pioneiros ou, como Lipovetsky prefere chamar "ministros da elegância" capazes de lançar modas, às quais, às vezes, estão ligados seus próprios nomes. Normalmente tais "ministros da elegância" estão concentrados em Paris, a capital da moda, onde há hegemonia da Alta Costura. Com uma moda hipercentralizada mas, ao mesmo tempo, internacional, a cidade é habitada por milhares de mulheres up to date34 do mundo. Por outro lado, temos manifestações de um consumo de massa homogêneo, indiferente às fronteiras. Centralização, internacionalização e, paralelamente, democratização da moda. O impulso da confecção industrial de um lado, o das comunicações de massa de outro, enfim a dinâmica dos estilos de vida e dos valores modernos acarretam, com efeito, não apenas o desaparecimento dos múltiplos trajes regionais folclóricos, mas também a atenuação das diferenciações heterogêneas no vestuário das classes, em beneficio dos toaletes ao gosto do dia para camadas sociais cada vez mais amplas. O fenômeno mais notável aqui é que a Alta Costura, industria de luxo por excelência, contribuiu igualmente para ordenar essa democratização da moda. (LIPOVETSKY, 1989, p. 74). 33 Se não se deve superestimar o papel da moda nesse processo parcial de igualação das aparências, ela nele contribui incontestavelmente. Introduzindo continuamente novidades, legitimando o fato de tornar exemplo nos contemporâneos e não mais no passado, a moda permitiu dissolver a ordem imutável da aparência tradicional e as distinções intangíveis entre os grupos, favoreceu audácias e transgressões diversas não apenas na nobreza mas também na burguesia. A moda deve ser pensada como instrumento da igualdade de condições. Ela alterou o principio da desigualdade de vestuário, minou os comportamentos e os valores tradicionalistas em beneficio da sede das novidades e do direito implícito à "bela aparência" e às frivolidades. (O império do Efêmero, 1989, p.41-42) 34 Mulheres que estão sempre na moda, vestindo as últimas tendências. 39 A partir dos meios como revistas e jornais especializados, as massas foram preparadas para um código da moda, para as rápidas variações do que está em voga ou não, para inspirar-se nas estrelas. Existe uma controvérsia na moda atualmente: ao mesmo tempo há uma reivindicação da individualidade, mas permanece uma obediência uniforme às normas da Alta Costura. Isto se deve a uma cultura jovem, impulsionada a partir dos anos 50 e 60, com novos valores que contribuíram para dar nova fisionomia à tal reivindicação individualista. De acordo com Lipovetsky (1989, p.120); "Instalou-se uma cultura que exibe o não-conformismo, que exalta valores de descontração, de humor e espontaneidade livre". O autor afirma também que dever-se o sucesso deste estilo e da onda prêt-à-porter à tradução do sistema da moda, da ascensão desses novos valores modernos do rock, dos ídolos e estrelas jovens. Wajnman (2002, p.152) vai além e afirma: “Convencionalmente, a moda envolve toda a cadeia têxtil, os grandes criadores com os pequenos, os consumidores, as mais variadas mídias, histórias de vidas, os grandes centros urbanos, pequenas localidades, além de ser um sem-fim de outras áreas como a cultura, economia, psicologia e a parte mais intima deste universo: a natureza da contradição humana". Assim se instaura essa moda na qual se aceitam quase todos os trajes, na qual cada vez menos se julga o outro pelo que veste. A moda contemporânea não trabalha para eliminar as estratégias de sedução, mas sim, para torná-las mais discretas, quase invisíveis. Nada mais é proibido, todos os estilos têm direito de cidadania e se expandem em ordem dispersa. Já não há moda, há modas. 40 CAPÍTULO III - O DISCURSO DA MÍDIA Discurso, como a própria palavra indica, origina-se do latim discurrere, que por sua vez vem do próprio latim currere e significa discorrer, atravessar. É termo com noção de continuidade, fluente35. O entendimento da palavra varia bastante dependendo do enfoque ou correntes que trabalham com ela. Para a corrente francesa, os discursos são produtos culturais, vistos como textos, como forma do uso da linguagem no interior de práticas sociais contextualizadas histórica e socialmente. Já para a corrente estruturalista angloamericana, o conceito é formado entre discurso e frase e da linguagem verbal em contextos determinados. 3.1 A análise crítica do discurso Na visão de Norman Fairclough (2001), o termo "discurso" significa um termo de ação, a maneira como as pessoas podem agir sobre o mundo e sobre os outros. "O discurso é moldado e restringido pela estrutura social no sentido mais amplo e em todos os níveis: pela classe e por outras relações sociais em um nível societário; pelas relações específicas em instituições particulares; por sistemas de classificação; por várias normas e convenções, tanto de natureza discursiva como não-discursiva, e assim por diante". (FAIRCLOUGH, 2001, p. 91) São distinguidas três funções de linguagem e dimensões de sentido interagentes durante o discurso: a função identitária, aquela na qual as identidades sociais são estabelecidas no discurso; a relacional, mostrando como as relações sociais significam o mundo e seus processos e a função ideacional, criada através do pensamento e da reflexão. 35 SERRA (2001) 41 Como prática política, o discurso estabelece, mantém e transforma as relações de poder e as comunidades e/ou grupos possuidores dessas relações. Como prática ideológica, ele constitui, mantém e transforma os significados do mundo nas relações de poder. Acontece de eventos discursivos manifestarem uma orientação de elementos do código, ou seja, para se poder considerar como regra o chamado interdiscurso. A prática discursiva está alicerçada na linguagem, manifesta-se na forma lingüística. A prática social, ou seja, a política e a ideologia, é uma dimensão do evento discursivo, como o texto. Essas duas formas não se opõem, ao contrário, se preenchem. A análise de um discurso na prática discursiva focaliza processos de produção, distribuição e consumo textual e esses métodos são sociais exigindo referência aos ambientes econômicos, políticos e institucionais em que o discurso é gerado. A preocupação central é estabelecer conexões explanatórias entre os modos de organização e interpretação textual (normativos, inovativos, etc.), como os textos são produzidos, distribuídos e consumidos em um sentido mais amplo, e a natureza da prática social em termos de sua relação com as estruturas e as lutas sociais. Não se pode nem reconstituir o processo de produção nem explicar o processo de interpretação simplesmente por referência aos textos: eles são respectivamente trações e pistas desses processos e não podem ser produzidos nem interpretados sem os recursos dos membros. Uma forma de ligar a ênfase na prática discursiva e nos processos de produção, distribuição e consumo textual ao próprio texto é focalizar a intertextualidade do ultimo. (FAIRCLOUGH, 2001, p. 99-100). A concepção tridimensional do discurso é uma tentativa de reunir três tradições analíticas. De acordo com o autor, cada uma delas é indispensável na análise de discurso. Para Fairclough (2001), é a tradição "macrossociológica" de análise da prática social em relação às estruturas sociais e à tradição interpretativa ou "microssociológica" de considerar a prática social como alguma coisa que as pessoas produzem ativamente e entendem com base em procedimentos de senso comum partilhados. (Figura 1) 42 Figura 1: Concepção tridimensional do discurso A análise lingüística é uma esfera complexa e técnica que incorpora muitos tipos de análise. Quando se avaliam textos sempre se examinam simultaneamente questões de forma e questões de significado, isto é, signos, as palavras ou seqüências mais longas de texto que possuem um significado combinado com uma forma. A análise textual pode ser organizada em quatro itens: vocabulário, gramática, coesão e estrutura textual. "O vocabulário trata principalmente das palavras individuais; a gramática, das palavras combinadas em orações e frases; a coesão trata da ligação entre orações e frases e a estrutura textual trata das propriedades organizacionais de larga escala dos textos". (FAIRCLOUGH, 2001, p. 103) O argumento do autor prossegue quando ele diz ainda existirem outros três itens usados na análise textual: "a 'força' dos enunciados, isto é, os tipos de atos de 43 fala (promessas, pedidos, ameaças, etc.) por eles constituídos; a 'coerência' dos textos e a 'intertextualidade' dos textos". (FAIRCLOUGH, 2001, p. 103-104) Esses sete itens juntos formam um quadro para a análise, abrangendo aspectos da produção, interpretação e as propriedades formais dos textos. A prática discursiva envolve processos de produção, distribuição e consumo textual, variando entre diferentes tipos de discurso, de acordo com fatores sociais. Um exemplo são os textos produzidos de maneira jornalística; eles possuem rotinas de natureza coletiva, um grupo cujos membros estão envolvidos indiferentemente do que façam, seja no acesso às fontes, agências de notícias, decisão do local da reportagem no jornal e na edição da mesma. De uma perspectiva diferente, Milton José Pinto36 diz que o ponto de partida de qualquer análise de discursos é a necessidade do analista de dar uma atenção especial à "textura" dos textos, tanto na linguagem verbal como no uso de outras semióticas. Isso porque, na sua visão, "os discursos sempre são produtos culturais empíricos produzidos por eventos comunicacionais entendidos como textos". (PINTO, 2002, p. 26) O exercício do analista é, primeiramente, o de procurar e interpretar vestígios que permitem a contextualização. As teorias lingüísticas apropriadas são aquelas que não se limitam apenas a descrever a estrutura interna das frases, à maneira dos estruturalismos europeus e norte-americanos, mas que conceptualizam também os usos da linguagem em contextos, como a teoria da enunciação francesa. A análise de discursos que se propõe não se esgota na análise imanente dos textos, como algumas outras abordagens, pois ela só se completa com a fase de contextualização. (PINTO, 2002, p. 27). Para a análise do discurso, existe a problemática do sujeito, pois, o autor comenta às vezes, ser a responsabilidade por alguma representação reconhecida em um texto, atribuída erroneamente a alguém. Cada texto possui maneiras diferentes de construir a representação de determinada prática social ou área de conhecimento propostas pelos sujeitos. Tal idéia vai ao encontro das teorias de Foucault e Fairclough, que chamam estas posições enunciativas de discurso ou tipo de discurso. Sobre tais condições, há uma distinção entre os sujeitos, os autores de um texto. Inicialmente, tem-se o autor empírico, aquele produtor do texto fisicamente e o enunciador ou narrador em textos narrativos, ou emissor para textos orais, 36 PINTO, Milton José. Comunicação e Discurso: introdução à análise de discursos. São Paulo: Hackers Editores, 2002. 128pgs. 44 denominado locutor. Eles são representados pelo pronome "eu", ou seja, há um personagem agindo e falando nos textos e, no enunciado, aparece como responsável deste. Isto resulta em diálogos coincidentes, como em uma conversa cotidiana. A esses receptores ou, simplesmente, público que dialoga com o autor empírico, cabe interpretar o texto produzido. Certamente, irão se reconhecer no texto ou, pelo menos, em parte dele, pois ele trata o leitor por "tu", "você" e outras formas na segunda pessoa, assim como o sujeito é representado pelo "eu", explicado acima. No momento de Pinto (2002) especificar a análise do discurso, falando sobre texto e sujeitos, tanto o receptor como o emissor o argumento prossegue, desta vez falando de uma explicitação do dispositivo da enunciação: a imagem. Segundo o autor, são poucos os casos de só haver um texto em um sistema semiótico. O mais comum, na cultura midiática contemporânea, são os textos mistos, que reúnem texto verbal e imagens. Nas imagens encontramos intertextualidade, enunciadores e dialogismo, tal com nos textos verbais. As artes deste final de século, pintura, escultura, arquitetura, teatro e cinema, e a mídia, em peças publicitárias e charges encontrados em jornais e revistas em todo mundo, fazem um uso extensivo da citação e da paródia nas imagens. A mídia impressa, em especial nas capas de revistas e na primeira página dos jornais, utiliza diversas técnicas de tratamento de imagens e diagramação para definirem posições enunciativas. (PINTO, 2002, p. 37-38). 3.2 O discurso midiático e a mudança social Segundo Serra (2001), uma das principais características do discurso midiático é o fato de ele se apresentar como um discurso acabado e de funcionar aparentemente sem intervalos, nem vazio. "Ele flui de maneira constante e ininterrupta, encadeia enunciados que se apresentam habitualmente de forma acabada, e esconde os seus processos de origem". (SERRA, 2001, p. 36) Todo esse processo é resultante da camuflagem da enunciação, visto se usar a terceira pessoa predominantemente, pois é a forma verbal da não-pessoa. Desta maneira, garante ao discurso midiático uma credibilidade da narração dos fatos independente do lugar da fala do enunciador, a fim de manter o contato contínuo com o público. 45 O discurso midiático é unilateral, ou seja, um enunciador dirige a palavra a um público relativamente indiferenciado e ausente, que não tem possibilidade de tomar efetivamente a palavra, pelo menos no decurso da sua relação discursiva. Esta questão parece ser contornada quando se tenta aproximar os processos da enunciação midiática dos processos de enunciação do discurso face a face. (SERRA, 2001, p. 40). Não obstante, Fairclough (2001) ainda acopla os conceitos de ideologia e hegemonia dentro do discurso midiático e mudanças sociais, como práticas sociais. Ele diz serem as ideologias significações da realidade, contribuindo para a produção, reprodução ou transformação das relações de dominação. "Elas (ideologias) se tornam naturalizadas e atingem o status de 'senso comum'". (FAIRCLOUGH, 2001, p. 117) Existe também uma concepção textual da localização da ideologia: ela está na lingüística crítica, ou seja, nos textos. Embora seja conhecido que as formas e os conteúdos trazem consigo as estruturas ideológicas de cada um, não é possível identificá-las, isto porque cada texto escrito pode ter mais de uma interpretação. Essa tendência, entretanto, já é familiar na sociologia da mídia, pois os receptores dos textos já estão suficientemente imunes aos efeitos das ideologias supostamente encontradas nos textos. Porém, nem todos os discursos são necessariamente ideológicos. As ideologias surgem nas sociedades caracterizadas por relações de dominação com base na classe, no gênero social, no grupo cultural, e assim por diante. E "à medida que os seres humanos são capazes de transcender tais sociedades, são capazes de transcender a ideologia". (FAIRCLOUGH, 2001, p. 121) Juntamente com a ideologia, o autor também cita a hegemonia, significando o poder sobre a sociedade como um todo, a construção de alianças e a integração. A luta hegemônica inclui as instituições da sociedade (educação, sindicatos, família etc.), com possível desigualdade entre diferentes níveis e domínios. A prática discursiva, a produção, a distribuição e o consumo (como também a interpretação) de textos são uma faceta da luta hegemônica que contribui em graus variados para a reprodução ou a transformação não apenas da ordem de discurso existente (por exemplo, mediante a maneira como os textos e as convenções prévias são articulados na produção textual), mas também das relações sociais e assimétricas existentes. (FAIRCLOUGH, 2001, p. 123-124). O conceito de hegemonia ajuda a analisar a prática social à qual pertence o discurso em termos de relações de poder, isto é, se essas relações reproduzem, reestruturam ou desafiam as hegemonias já existentes. A mídia possui um 46 importante papel hegemônico neste processo. Além de reproduzir, ela também reestrutura a relação entre os domínios público e privado, envolvendo a fragmentação da distinção, "de modo que a vida pública e a privada são reduzidas a um modelo de ação e motivação individual, e de relações baseadas em presumida experiência popular da vida privada". (FAIRCLOUGH, 2001, p. 147) Textos do tipo "informação-e-publicidade" ou "falar-e-vender" (FAIRCLOUGH, 2001) são comuns nos discursos que estamos acostumados a ver na mídia da sociedade contemporânea. Pode-se relacionar isto com uma tendência atual de incorporação de novos domínios no mercado e da ampliação do consumismo. Esses possíveis "consumidores" universais da publicidade e de suas extensões são versões do "eu", caracterizado pela capacidade para escolher. Essas tendências influenciam a constituição da subjetividade ou individualidade pelo discurso. Por "democratização" Fairclough (2001, p. 248) entende "a retirada de desigualdades e assimetrias dos direitos, das obrigações e do prestígio discursivo e lingüístico dos grupos de pessoas". Ela vem sendo um parâmetro de mudança social nas últimas décadas mesmo de maneira desigual, já que existem questões sobre o quando as mudanças têm sido reais ou superficiais. Línguas diferentes do inglês têm-se tornado mais aceitas ou toleradas mundialmente. De acordo com o autor, não se trata da tentativa de "proclamar o surgimento de uma utopia lingüística"37, mas sim, de conquistas advindas de lutas sociais que encontraram resistência. Prestando mais atenção à teoria, podemos dizer que a conversação está colonizando a mídia, o discurso está assumindo um caráter mais conversacional, fazendo parte de uma reestruturação importante dos limites entre o público e o privado. Os valores culturais contemporâneos dão um valor alto à informalidade e a mudança predominante está ligada a formas que lembram a fala na escrita. Há muito mais conversação para ouvir e assistir nesses meios (por exemplo, programas de entrevistas), o que reflete por si mesmo sua avaliação, mas é também o caso de apresentadores que 'conversam' largamente com sua audiência de massa, como se estivessem 'batendo papo' com alguns indivíduos. (FAIRCLOUGH, 2001, p. 252). Outro também definidor do discurso como prática social é Pinto (2002). Conforme esse autor, ao conceituarmos os discursos como práticas sociais, 47 significamos ser a linguagem verbal e as outras semióticas com que se constroem os textos partes integrantes do contexto sociohistórico e não alguma coisa de caráter puramente instrumental, externa a pressões sociais. Exercem, assim, papel fundamental na reprodução, manutenção ou transformação das representações desenvolvidas pelas pessoas e das relações e identidades com que se definem numa sociedade, pois por meio dos textos se travam as batalhas que, no nosso dia-a-dia, levam os participantes de um processo de comunicação a procurar dar a última palavra, isto é, a ter reconhecido pelos receptores o aspecto hegemônico do seu discurso. Ao nos assumirmos como emissores ou co-emissores de um evento comunicacional, desde aqueles primeiros momentos em que na primeira infância acordamos para a comunicação e a linguagem, estamos entrando no amplo mundo das representações (conhecimentos e crenças), das relações e identidades sociais, e aceitamos alguma forma de controle social. Aprendemos a ser o que nós somos por meio de regras e convenções subjacentes aos discursos que dominamos – cujo conjunto define o que foi denominado acima do gênero de discursos -, as quais não podemos ignorar e que só podemos alterar em situações de mudança social, mesmo que pensemos ser os senhores absolutos de nosso próprio arbítrio. (PINTO, 2002, p. 43-44). Para ele, uma ideologia pode ser nomeada, mas nunca descrita, pois não temos total acesso aos seus fragmentos. O ideológico é uma dimensão necessária de todos os discursos, responsável pela produção de qualquer sentido social e o que define ideologia como um repertório de conteúdos, opiniões, atitudes ou representações. Por fim, Pinto (2002) afirma que a quantidade de gêneros de discursos denominada por uma pessoa e utilizada, na sua prática de produção e consumo de textos constitui uma espécie de "capital sociocultural, em tudo semelhante ao capital econômico-financeiro propriamente dito" (PINTO, 2002, p. 54), pois condiciona o reconhecimento do seu status em cada evento comunicacional de que participa e (re)define sua posição dentro das escalas de poder presentes na sociedade. 3.3 Discurso e intertextualidade O termo "intertextualidade" foi cunhado por Kristeva38 no final dos anos 1960, no contexto de suas influentes apresentações para audiências ocidentais do trabalho 37 38 Fairclough, 2001, p. 248 Julia Kristeva. Filósofa búlgara, crítica literária. É influente na análise crítica e nas teorias culturais. 48 de Bakhtin39. O básico é: não pode haver enunciado que de uma maneira ou de outra não reatualize outros. Em termos mais específicos, para Fairclough (2001), os textos e os enunciados são moldados por textos anteriores pelos quais eles foram desenvolvidos e, por textos subseqüentes que eles antecipam. Cada enunciado é um elo na cadeia da comunicação. Eles são constituídos por pedaços de outros enunciados, mais ou menos explícitos ou completos. O conceito de intertextualidade aponta para a produtividade dos textos, para como os textos podem transformar textos anteriores e reestruturar as convenções existentes (gêneros, discursos) para gerar novos textos. Mas essa produtividade na prática não está disponível para as pessoas com um espaço ilimitado para a inovação textual e para os jogos verbais: ela é socialmente limitada e restringida e condicional conforme as relações de poder. A teoria da intertextualidade não pode ela própria explicar essas limitações sociais, assim ela precisa ser combinada com uma teoria de relações de poder e de como elas moldam (e são moldadas por) estruturas e práticas sociais. (FAIRCLOUGH, 2001, p. 135). Existem relações "horizontais", consideradas como um monólogo, na opinião do autor, entre o texto e aqueles que o precedem. Um exemplo é uma carta, relacionada intertextualmente a cartas anteriores e subseqüentes. Por outro lado, há relações "verticais", ou seja, textos com seus contextos imediatos, textos sendo historicamente ligados em varias escalas temporais, até mesmo que sejam contemporâneos a eles. Além disso, a intertextualidade do texto tem uma relação estreita com algumas convenções textuais, como gêneros, discursos, entre outras. Sendo assim, não só recorrem a tais convenções como também as modificam, por exemplo, usando-as ironicamente, parodiando-as, ou mesmo mesclando-as de vários modos. A intertextualidade é fonte de muita ambivalência dos textos. Ou seja, pode dar-lhes diferentes sentidos. Fairclough (2001) esclarece: "se a superfície de um texto pode ser multiplamente determinada pelos vários outros textos que entram em sua composição, então os elementos dessa superfície textual não podem ser claramente colocados em relação à rede intertextual do texto, e seu sentido pode ser ambivalente". A fala de autores de outros textos pode ser representada no chamado discurso indireto, porém, podem-se cometer erros no momento de atribuir realidade à pessoa que fala ou ao autor do texto principal. No caso do discurso indireto, o texto representado tem a forma de uma oração gramaticalmente subordinada à oração que relata, ou seja, marcada pela 39 Fairclough (2001) 49 conjunção 'que'. "As vozes do relator e do relatado são menos claramente demarcadas, e as palavras usadas para representar o discurso podem ser as do relator e não as do relatado". (FAIRCLOUGH, 2001, p. 140-141). Já no discurso direto, as palavras representadas estão com aspas, pois são as do texto original, as palavras exatas do autor quando as relata. Quanto à voz, há uma diferença marcante entre a de quem relata e a do que é relatado. Dada a considerável variedade de textos, pode haver um número interminável de cadeias intertextuais entre eles, porém, o número de cadeias reais é limitado, já que as práticas sociais são proferidas de modos particulares, e esse aspecto limita o desenvolvimento dessas cadeias. As cadeias intertextuais podem ser muito complexas – por exemplo, aquelas em que entram textos de diplomacia e negociação internacional de armas. Um discurso importante do presidente Lula será transformado em textos da mídia de vários tipos em cada país do mundo, em reportagens, análises e comentários por diplomatas, em livros, artigos acadêmicos, em outros discursos que o parafraseiam, o elaboram, respondem a ele, e assim por diante. Por outro lado, uma contribuição a uma conversa informal provavelmente será transformada somente em formulações pelos coparticipantes, e talvez em relatos da mesma por outros. Assim, os diferentes tipos de textos variam radicalmente quanto ao tipo de redes de distribuição e cadeias intertextuais em que eles entram, e, portanto, quanto aos tipos de transformação que eles sofrem. (FAIRCLOUGH, 2001, p. 167). As relações intertextuais são o ponto central para compreender os processos de constituição do sujeito. Isto funciona como uma escala durante a vida do indivíduo, e para a constituição e reconstituição de grupos sociais e comunidades. A interpretação dos textos depende muito do conceito de "coerência", pois, desta maneira, é uma propriedade que os intérpretes impõem aos textos, porém não evita ambivalências. Os intérpretes são mais que sujeitos do discurso, eles também são sujeitos sociais, com experiências particulares acumuladas para múltiplas dimensões da vida social, afetando, assim, os modos de como vão interpretar os discursos dos textos. Simultaneamente, Pinto (2002), diz que para toda análise de discurso, o texto é híbrido ou heterogêneo quanto à sua enunciação, pois ele é um conjunto de citações cuja autoria fica explícita ou não, vindas de outros textos dos preexistentes, dos contemporâneos ou do passado. Alguns autores preferem chamar a intertextualidade de heterogeneidade mostrada (PINTO, 2001, p. 31) "caracterizada pela manifestação, localizável pelos receptores/intérpretes a partir do contexto situacional imediato, de uma 50 multiplicidade de outros textos citados de maneira unívoca ou aludidos pelo texto presente; e a do plural do texto, heterogeneidade constitutiva ou interdiscurso, constituído pelo entrelaçamento no texto presente e vestígios de outros textos preexistentes, muitas vezes independentemente de trações recuperáveis de citação ou alusão e segundo restrições sociais e histórico-culturais sobre as quais o autor empírico do texto não tem controle". 51 CAPÍTULO IV - REVISTA VOGUE (ANÁLISE) 4.1 Histórico A Vogue é a principal revista de moda em todo o mundo. É publicada mundialmente pela editora Condé Nast40, com exceção da edição brasileira, a única do mundo controlada por outra, a Carta Editorial. Atualmente, existem dezessete diferentes edições no mundo, na Alemanha, Austrália, Brasil, China, Coréia, Estados Unidos, Espanha, França, Grécia, Índia, Itália, Japão, México, Portugal, Reino Unido, Rússia e Taiwan. No Brasil, publicadas pela Carta Editorial existem outras edições como a Casa Vogue, RG Vogue, Homem Vogue, Vogue Passarelas, Vogue Jóias, Vogue Kids e Vogue Noivas, cuja editora é Patrícia Carta. Na edição norte-americana, a editora da revista desde novembro de 1988 até a atualidade é Anna Wintour. Ela foi precedida por Edna Woolman Chase (19141951), Jessica Daves (1952-1962), Diana Vreeland (1963-Junho 1971), e Grace Mirabella (Julho 1971-Outubro 1988). A Vogue americana tinha pouco mais de 70 anos, quando Luis Carta lançou a Vogue Brasil em maio de 1975, provocando um impacto, pois o mercado achava impossível uma publicação desse porte sobreviver. Alegava-se não haver anunciantes interessados em uma classe sofisticada e de alta qualificação. 40 Condé Nast Publications Inc. é o nome de um dos maiores grupos internacionais de edições de revistas, baseada na cidade de Nova Iorque, com subsidiárias em locais tão distantes como Sydney e Paris, entre outros. Fundado em 1909 por Condé Montrose Nast, com a publicação de sua primeira revista, Vogue, dedicada à moda, a empresa foi a criadora da estratégia de marketing, hoje universalizada, de lançar publicações dedicadas a assuntos específicos como moda, culinária, decoração, arquitetura e golf. Tem hoje uma circulação total de cerca de 13 milhões de exemplares diversos ao mês, com um universo de leitores cinco vezes superior a esse número, para 17 títulos de revistas. A sede do grupo em Nova Iorque é no famoso edifício Condé Nast Building. Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Revista_Vogue consultada em 03/09/2007. 52 Esse primeiro número foi um assombro. Vogue apareceu nas bancas com um grande alarde publicitário. Tinha 178 páginas, sendo 80 de publicidade e o restante editorial. Os anunciantes tinham acreditado. Os 50 mil exemplares iniciais se esgotaram. Em poucos anos, Vogue se tornou referencial. Fundamentalmente uma revista de moda, ela acompanhou a trajetória das indústrias da moda e têxtil no Brasil, o aparecimento de grande números de estilistas e de confecções, a profissionalização das modelos, dos produtores e maquiadores. Entre o número 1, publicado há 32 anos e o 351, nas bancas em novembro de 2007, a revista passou por diversos ciclos. O primeiro ocorreu em 1986, quando Luis Carta, o fundador, deixou o Brasil e se mudou para a Espanha, onde criou a Vogue Espanha. O segundo, quando o filho de Luis, Andrea assumiu a revista e a conduziu até 2003, quando morreu prematuramente, depois de ter alçado a revista a um patamar privilegiado na mídia brasileira. Naquele ano, Patrícia, filha de Luis e até então diretora de moda da Vogue, iniciou a terceira fase, que dura até hoje. Com tiragem média mensal de 50 mil exemplares, Vogue descreve seu leitor como um sujeito de classes A e B, de idade entre 18 e 45 anos, 70% mulheres e 30% homens. Além da circulação nacional, também possui 7.700 assinantes41. Vogue é moda, beleza, comportamento, saúde, gente, cultura e expoente social. "Ela traduz os estilos de vida na sociedade contemporânea em seus editoriais fotográficos, colunas e reportagens sobre os principais eventos e lançamentos do mercado de arte, livros, e moda". (ELMAN e BENETTI, 2007, p. 9) Ao atravessarmos suas edições, vemos como sempre teve um olhar atento para os acontecimentos, para o Brasil e o mundo, para as mudanças de comportamento e atitudes; como pode ser hoje pesquisada por qualquer historiador que deseje escrever a historia dessas décadas, fixando-se na maneira de se vestir, agir no trabalho, na diversão, nos sonhos de consumo. 41 Histórico e dados retirados do site da Vogue Brasil. Disponível em http://www.vogue.com.br 53 4.2 Metodologia Para atingir os objetivos propostos, o trabalho baseia-se no estudo das teorias da análise do discurso francesa e anglo-americana aplicado à revista Vogue brasileira de julho de 2007 e à edição correspondente americana. O objetivo do trabalho é analisar o texto jornalístico da revista – aqui representado nos editoriais de moda - atentando às diferenças entre a brasileira e a americana. Busca-se saber se o padrão de linguagem textual da Vogue EUA é igual ao da Vogue Brasil; se a técnica utilizada é padrão. Este objetivo será buscado por meio da análise da teoria histórica e conceitual da moda e do entendimento de como o Jornalismo de Moda é definido hoje em dia, traçando um paralelo com a história da moda. Para isso, foram escolhidas teorias de autores com idéias sobre a moda antigamente, no mundo contemporâneo e nas sociedades modernas. Sob tais condições, com as idéias expostas a partir da leitura e construção teórica realizadas, pôde-se relacioná-las com a prática, ou seja, o Jornalismo de Moda propriamente dito. Inicialmente, serão analisados os discursos das capas de cada uma das revistas, comparando seus textos e chamadas, estilos de discursos e apelo visual. Logo após, estudar-se-a o editorial de cada uma ou, como é preferivelmente chamado na Vogue americana: letter from the editor. O método de pesquisa escolhido é o da Análise de Discurso pelas teorias de Norman Fairclough (2001), Milton José Pinto (2002) e com subsídio dos estudos de Giane Amaral Serra (2001). Simultaneamente, Pedro Gilberto Gomes (1997) auxilia na comparação com suas teorias sobre as Escolas de Comunicação funcionalista e latino-americana. 4.3 Apresentação de dados De acordo com o método escolhido serão descritas as capas com suas chamadas que destacam as reportagens, buscando entender a linha editorial. VOGUE BRASIL Edição 347 (julho de 2007) 54 1. "SEXY E COOL" 2. "Saiba já as peças que serão best-seller no inverno europeu" 3. "Alerta fashion – Encontrou seu clone na festa? Como as grifes de luxo evitam a saia justa" 4. "Bebida anticelulite – Águas que aceleram drenagem viram mania na França" 5. "Férias na neve – Três experts montam a mala certa para dias de esqui" 6. "Inverno quente – Brilhos, tecidos hi-tech e cores fortes em looks para qualquer estação" As chamadas são distribuídas em toda a volta da capa e da modelo, localizada no centro dela. São usadas três fontes diferentes divididas nas seis chamadas de capa. As cores utilizadas são preto e branco, contrastando com o rosa velho do fundo da capa, de maneira limpa e de fácil leitura. O tamanho das fontes também varia. (ANEXO 1) VOGUE EUA (julho 2007)42 As chamadas citadas a partir de agora, já estão traduzidas. O texto original encontra-se nos anexos43. (ANEXO 2) 1. "SEDUÇÃO DE VERÃO – A volta da Beleza Megawatt – lábios envolventes, cabelo altamente brilhoso" 2. "20 DICAS QUENTES DE EMAGRECER & TONIFICAR SEU CORPO" 3. "Como se vestir bem quando está quente – 3 fashionistas revelam seus segredos" 4. "O PODEROSO PENN – Celebrando o Maior Fotógrafo Vivo da América" 5. "'SEM ARREPENDIMENTOS' – Elizabeth Edwards – na Maternidade, Lutando contra o Câncer e a Corrida pela Casa Branca" 6. "Superbabá! Por que uma babá masculina é o acessório chique da temporada?" 7. "Uma vez queimada, envergonhada em dobro! Um conto da mulher que teve abstinência de bronzeamento" 42 A revista não informa o número da edição. Tendo em vista o grande volume de textos em inglês, optou-se por transcrever aqui somente o traduzido. Porém, os dois textos em inglês utilizados estarão disponíveis para consulta na parte dos Anexos. 43 55 As chamadas também se localizam em volta da capa e da modelo, são usadas apenas duas fontes divididas entre as sete chamadas de capa. As cores predominantes são dourado, branco, vermelho e preto, fazendo o texto tornar-se um pouco confuso com o fundo da revista, que é o cenário da foto. Como na Vogue Brasil, o tamanho da fonte também varia. O segundo foco da análise serão os editoriais de cada revista, ou seja, o espaço onde o editor-chefe, a direção ou a equipe de redação expressa a opinião da revista, sem a obrigação de se ater a alguma imparcialidade ou objetividade. É como uma conversa com o leitor. VOGUE BRASIL Edição 347 (julho de 2007) MODA HOJE E SEMPRE (ANEXO 3) "Se a princípio o frio começa agora, nas lojas o inverno está chegando ao fim. Tempo de liquidação, hora certa para arrematar peças que poderão ser usadas na próxima estação. A nossa aposta é o jeans, curinga de todas as horas, desde que tenha a silhueta certa. Recomendamos macaquinhos (que ganham ainda mais força na primavera), calças skinnies e tons de cinza – confira tudo isso no editorial Invista no Índigo. Ainda pensando em vida real, fotografamos nas ruas de Paris os looks do momento: a calça colada ao corpo, com jaquetas à la Chanel, camisetas de algodão e acessórios de peso. Uma mistura hi-lo, hard-chic, que Vogue adora. Fazemos também uma leitura fashion de peças esportivas como parkas, jaquetas e capuzes, em editorial de Bob Wolfenson que une esses elementos a materiais high-tech, com um resultado absolutamente novo e vibrante. Nesse número damos destaque ainda às bolsas que, mais do que nunca, determinam o nosso visual. O que de fato importa nas coleções européias de inverno, você confere no View, a partir da página 82. Com a seção Visto, que mostra os novos estilistas que as 'celebs' estão usando do outro lado do oceano, fechamos o panorama da moda hoje. Grosso modo falando. É claro que você não vai deixar de ler a coluna da Constanza, que fala sobre a influência de Poiret sobre dois jovens e promissores estilistas. Duvido também que você resista às dicas de estilo e à nova mania de usar armas de brinquedo como acessório. Só para mencionar algumas das páginas que podem ser deliciosamente vistas e lidas neste suposto mês de férias. Ideal se puder ser na montanha, num spa mágico ou na casa de campo. A do Sig Bergamin, que também está aqui, inspira qualquer um. Dá uma olhada." 56 Patrícia Carta VOGUE EUA (julho 2007): MAJESTADE DE PENN (ANEXO 4) "Este tema é uma festa surpresa de aniversário para Irving Penn, que faz 90 anos este mês. Eu digo isso praticamente de forma literal: Sr. Penn reluta em fazer publicidade pessoal, e qualquer conhecimento que tivesse de nós estarmos planejando uma homenagem de aniversário, o mandaria correndo para as colinas – armado, com certeza, com sua câmera Rolleiflex e sua lâmpada de cabeceira. Durante meses nós perguntamos a ele – sem contar a ele por quê – para dizer uma variedade de assuntos e nos deixar ter alguns trabalhos recentes e que não foram publicados. Vendo-os juntos, fui pega de surpresa novamente pelo nível extraordinário de versatilidade e engenho que ele trouxe para a página. O seu trabalho hoje é tão requintado e eletrizante como era em 1943, quando ele começou a contribuir para a Vogue. Quando eu perguntei a ele, depois do almoço em fevereiro passado, para fazer rapidamente um retrato de Cate Blanchett, ele imediatamente desenhou um croqui de um filme que eu tinha trazido conosco. Este, eu imediatamente mandei, via Editor Executivo de Moda Phyllis Posnick (colaborador há um longo tempo de Penn na Vogue), para Nicolas Ghesquière, na Balenciaga. Penn sempre concebe fotos primeiro; Vogue facilita sua visão e os resultados são reaplicados nas páginas da revista. Não existe alguém que trabalhe com esse nível de intensidade imaginativa e economia. Ele é uma luz guiadora para cada fotógrafo que trabalha para Vogue, e a presença dele na revista todo mês é humilde e enobrecedora para seus jovens colegas, três deles mandaram numa foto e seus pensamentos como presente de aniversário. A encantadora fotografia de um campo com flamingos cor de rosa de Bruce Weber foi inspirada por uma fotografia de Penn de sua falecida esposa, Lisa Fonssagrives-Penn. Annie Leibovitz descreve o poder de Penn de transformar retratos em vida humana, e Mario Testino credita o uso, no seu trabalho, de luz natural no estúdio às influências de Penn. Meu próprio presente para Irvin Penn é simplesmente gratidão eterna. Ter sido colega e amiga de um dos melhores artistas do século vinte é um privilégio maior do que eu poderia imaginar, e eu sinto que a nossa longa colaboração nos trouxe a um lugar onde nossos pontos de vista estão deliciosamente em sintonia. Através do nosso trabalho conjunto, ele me fez uma editora melhor. Anos atrás, quando eu estive na revista por um curto tempo, ele me ligou para elogiar o assunto de julho. (Ele não é um homem 57 que faz muitos elogios, então, quando isso vem, significa muito). Penn comentou tudo daquela edição da Vogue – o que funcionou, o que não funcionou e por quê. Ele finalizou nossa conversa dizendo, "agora esta é a sua revista". Eu sempre pensarei nela como nossa. Feliz aniversário, Sr. Penn." Anna Wintour A partir destes dados, será possível realizar a análise a que este trabalho objetiva, através das teorias de análise do discurso estudadas até então. 4.4 Análise Olhando para ambas as edições da revista Vogue, a brasileira e a americana, pode-se notar possuírem um padrão estético parecido, condizente com o contexto da editora onde a revista foi criada para atender ao jornalismo segmentado, na área de moda e dirigido a determinadas categorias sociais. Por serem publicações veiculadas em diferentes países (Brasil e Estados Unidos), cabe lembrar a questão, conforme o referencial teórico, de, com o desenvolvimento das modernas tecnologias de comunicação, aumentarem as possibilidades de inter-relação entre as pessoas (GOMES,1997), e, através do discurso midiático serem mantidos e transformados os significados de mundo e as relações sociais entre os sujeitos, que se filiam a uma determinada ideologia (FAICLOUGH, 2001). A revista estudada representa tanto a inter-relação entre os jornalistas de moda, quanto entre os leitores. Seu discurso está filiado a um contexto maior, que é político, social, sociológico, constituindo-se em si mesma, de acordo com Wajnman (2002), num sistema de comunicação próprio e cuja indústria se desenvolve “no sentido de configurar novas formas de relacionamento social que superam os antigos, cunhando novas identidades dos indivíduos e dos grupos” (2002, p. 29). O nome da revista, estampado na parte superior da capa (VOGUE), chama a atenção nas bancas. A fim de dar um ar mais despojado a isto, a modelo (em ambas as edições), que ocupa todo o espaço da capa, geralmente fica "por cima" ou "por trás" do nome, para obter um design mais equilibrado e natural. De acordo com Lipovetsky (1989), a moda traz consigo a primeira manifestação de uma relação social que representa tanto um tempo novo e legítimo, quanto uma paixão pelo 58 ‘moderno’ e a novidade como um valor mundano. Isto se traduz na forma como a revista é trabalhada pois, de acordo com Joffily (1991), é necessário na produção de uma revista de moda, que os elementos tenham identidade própria e expressem em seus conteúdos, discursos coerentes e que dialoguem na mesma língua. Analisando-se cores e formas das chamadas de reportagens, pode-se dizer que, comparando estas duas publicações, a brasileira dá um ar mais neutro ao texto, imagens e modelo. Utilizando as cores branca e preta nos textos, enfatiza a roupa que a modelo está usando, dourada com um lenço colorido em volta do pescoço. Já na revista americana, a modelo está posando para uma foto que tem como tema "festa", ela está elegante, com vestido de noite, cabelo bem arrumado e maquiagem forte. Como citado na Apresentação de Dados, na americana, as chamadas para as reportagens estão em conflito com as cores de fundo da capa (que é a da foto da modelo), isso porque se utilizam quatro: dourado, branco, vermelho e preto. Pode-se dizer que estas cores, chamativas da atenção, fazem jus ao tema da capa da revista, que é festa, celebração, porém, dão um certo cansaço aos olhos dos leitores. Estes dados, analisados à luz do referencial teórico, comprovam afirmada por Joffily (1991), quando diz que texto e imagem devem apresentar sincronia e cada publicação ter uma intenção e um estilo a partir da definição do público da revista e ainda, a moda interessar à leitora em seu cotidiano inserido num determinado contexto que, neste caso, é diferente nos dois países nos quais as revistas circulam. A partir deste ponto, passa-se para o estudo do discurso das chamadas para as reportagens. Na Vogue brasileira, existem seis chamadas e, pode-se notar que quatro delas fazem uso de termos em inglês: "Sexy e Cool" "Alerta fashion" "(...) tecidos high-tech.." "Saiba já as peças que serão best-seller.." Este tipo de discurso mostra que, mesmo sendo constatado ter a moda tem como seu centro a rota Nova York – Paris – Milão, ainda existe uma hegemonia (FAIRCLOUGH, 2001) do uso da principal língua do mundo: o inglês. Apesar da moda brasileira já ter crescido muito nos últimos anos, ainda dependemos da utilização de alguns termos, talvez para possuir mais status ou pelo simples fato de 59 não existir uma boa tradução. Ainda dentro deste contexto, pode-se analisar que três chamadas fazem referência a outros países ou a atividades que não são feitas no Brasil, como esquiar, pois aqui não neva: "Águas que aceleram drenagem viram mania na França" "Saiba já as peças que serão best-seller no inverno europeu" "Férias na neve – três experts montam a mala certa para dias de esqui" Pode dizer destas chamadas é a revista Vogue ter, como público-alvo, leitores da classe A e B, ou seja, pessoas com condições de passar as férias na Europa ou aproveitar as águas contra a celulite na França. Entretanto, mostra-se claramente a influência do exterior, pois, no Brasil existem milhares de lugares interessantes e bonitos de se mostrar e ir. Isso não significa a revista não lhes dar valor. Ao contrário, aborda diversos assuntos relacionados com o nosso país e nossas personalidades em reportagens interessantes e bem escritas. Aqui também está expresso o colocado no referencial teórico, segundo Joffily (1991), com relação às matérias de moda; uma publicação se destaca com matérias que abordam o comportamento, porque interessam a um público muito maior e esse tipo de reportagem insere a moda na atualidade, nas correntes sociais e culturais, resgatam a moda como uma dessas correntes. De forma sutil, a revista inicia, logo na sua capa, um diálogo com o leitor, uma conversação: "Encontrou seu clone na festa?" "Saiba já as peças..." Como observa Fairclough (2001) em suas teorias, discursos como esses, iniciam uma relação social do leitor com a revista. Naquele texto não está somente uma reportagem sobre tendências, mas sim, o estilo pessoal de cada um e como agir para fazê-lo durar. A prática discursiva envolve processos de produção, distribuição e consumo textual, variando entre diferentes tipos de discurso de acordo com os fatores sociais. Uma chamada que pede uma análise mais profunda é a seguinte: "Alerta fashion – Encontrou seu clone na festa? Como as grifes de luxo evitam a saia justa" Nesta segunda oração, nota-se que a revista não possui apenas o interesse de transmitir informações para os leitores, ela não está sendo produzida só para dar 60 dicas de moda, tendências, saúde e comportamento, mas também para vender. Nesta reportagem da chamada em estudo, tem-se um exemplo, pois nela são mostradas marcas que fazem o leitor poder ir para uma festa ou qualquer outro lugar sem correr o risco de cruzar com alguém vestindo a mesma roupa. Assim, de acordo com o estudado no capítulo III, nas teorias de Fairclough (2001), nota-se, com a força dos enunciados, esta atitude da revista estimular o consumismo, processo já comum na sociedade contemporânea. Ao analisar a Vogue americana, percebe-se que as chamadas para as reportagens são um pouco diferentes. A revista brasileira traz muito assunto de fora, dos Estados Unidos e Europa, já no discurso daquelas da revista americana, os assuntos não especificam um lugar, sendo mais gerais. Tendências, cabelo, saúde do corpo, babás, fotógrafos, bronzeamento e personalidades, são todos assuntos da revista estampados na sua capa. De acordo com Gomes (1997), aqui se pode encontrar um bom exemplo do funcionalismo norte-americano, afinal, eles produzem textos para eles mesmos, ou seja, partem do princípio de cada um na sociedade possuir o dever de tornar-se um receptor aberto e interpretar a informação da maneira que lhe parecer melhor. Mesclando-se isso com as teorias de Fairclough (2001), diga-se que o leitor da revista Vogue americana acaba desenvolvendo uma identidade social através do discurso, pois eles possuem uma mesma ideologia: "SEM ARREPENDIMENTOS – Elizabeth Edwards – na Maternidade, Lutando contra o Câncer e a Corrida pela Casa Branca" "Superbabá! Por que uma babá masculina é o acessório chique da temporada?" "O PODEROSO PENN – Celebrando o Maior Fotógrafo Vivo da América" Juntamente com esses processos, a revista utiliza diversas expressões e jogos de palavras, como se realmente estivesse dialogando com a(o) "melhor amiga(o)", discursos utilizados diariamente pelas mulheres e pelos homens leitores de Vogue. É a prática social gerando a prática discursiva que, conseqüentemente, gera o texto. "SEDUÇÃO DE VERÃO – A volta da Beleza Megawatt – lábios envolventes, cabelo altamente brilhoso" "20 DICAS QUENTES DE EMAGRECER & TONIFICAR SEU CORPO" 61 "Uma vez queimada, envergonhada em dobro! Um conto da mulher que teve abstinência de bronzeamento" Acha-se em comum nas chamadas da Vogue brasileira e da americana é o fato de sempre existir alguma com um contexto de capitalismo, do consumo propriamente dito, embutido nas reportagens, como se analisou nas chamadas da capa brasileira. Exemplo: "Como se vestir bem quando está quente – 3 fashionistas revelam seus segredos" Estes "fashionistas" citados no discurso são as pessoas que ditam tendências, lançam moda. Assim, se eles revelarem seus segredos de estilo, certamente falarão de marcas favoritas, lojas de que mais gostam e assim por diante; fazendo os leitores se identificarem e consumirem. Estas tendências influenciam a constituição da subjetividade ou individualidade pelo discurso e vão ao encontro ao que Fairclough (2001), no referencial teórico, chama de textos do tipo "informação-e-publicidade" ou "falar-e-vender", comuns nos discursos que estamos acostumados a ver na mídia da sociedade contemporânea. A julgar pelo já se analisou nas capas das duas edições da revista Vogue Brasil e Estados Unidos, pode-se dizer que os editoriais analisados a seguir, não fogem desta linha editorial do discurso. A fim de continuar com a mesma linha de raciocínio, examinar-se-á o Editorial da Vogue americana primeiramente . Intitulado como "letter from the editor" (carta do editor), ele é formado por três paginas intercaladas por publicidade. O texto discursivo deste editorial é totalmente diferente do visto, em geral nestes espaços. A editora-chefe Anna Wintour não fala sobre os principais assuntos da revista ou de tendências para a estação. O foco principal é sobre o aniversário de 90 anos do fotógrafo Irving Penn que, para ela, é um dos melhores do mundo. Notase isso pois o discurso está em primeira pessoa, ou seja, Anna Wintour está dando a sua opinião e contando a sua experiência. "Não existe alguém que trabalhe com esse nível de intensidade imaginativa e economia. Ele é uma luz guiadora para cada fotógrafo que trabalha para Vogue, e a presença dele na revista todo mês é humilde e enobrecedora para seus jovens colegas..." 62 "Meu próprio presente para Irvin Penn é simplesmente gratidão eterna.Ter sido colega e amiga de um dos melhores artistas do século vinte é um privilégio maior do que eu poderia imaginar, e eu sinto que a nossa longa colaboração nos trouxe a um lugar onde nossos pontos de vista estão deliciosamente em sintonia. Através do nosso trabalho conjunto, ele me fez uma editora melhor." Durante seu discurso no editorial, ela relata alguns fatos já acontecidos no passado e já descritos na revista. Aqui, pode-se achar o conceito de intertextualidade, dado por Fairclough (2001) no capítulo III deste trabalho. Isto porque ela revive alguns textos do passado sobre o mesmo assunto e, certamente terá um feedback em textos subseqüentes a esse. Fica explícita a ideologia da revista, na palavra de sua editora-chefe. Ela acredita neste fotógrafo, considera-o um dos melhores da atualidade. Assim, concluise que, na opinião de Anna, se ele trabalha na Vogue e é um dos mais poderosos fotógrafos, conseqüentemente a revista também é. Ao longo do discurso midiático nas três paginas da publicação, são expostas cinco imagens coincidentes com o texto: fotos tiradas por Penn, pinturas e retratos inspirados no trabalho do fotógrafo. De acordo com Pinto (2002), na cultura midiática contemporânea, este tipo de discurso é comum, pois se usam textos mistos, que reúnem a parte verbal e as imagens, a fim de definir uma força extra ao enunciado. O discurso da editora-chefe e jornalista de moda Anna Wintour já traz consigo as marcas do profissional de comunicação. É um discurso estimulante, que chama a atenção dos leitores para a historia, faz o receptor da mensagem se interessar por mais e ler a matéria. Contrariando isto, o editorial da Vogue Brasil é, de certo modo, linear. Porque usa um mesmo discurso do início ao fim, sem usar a característica do "eu", citada por Fairclough (2001). O texto está dialogando com o leitor, chama a atenção e é convidativo. Porém, não se arrisca demais. A diretora responsável, Patrícia Carta prefere usar a 3ª pessoa, dando a opinião de toda a equipe e não somente a dela: "A nossa aposta é o jeans..." "Recomendamos..." "Fazemos também uma leitura fashion..." "Nesse número damos destaque.." 63 Prestando mais atenção, pode-se notar que no final, ela se arrisca em 1ª pessoa em uma única oração: "Duvido também que você resista às dicas de estilo e à nova mania de usar armas de brinquedo como acessório" O discurso da diretora possui força de enunciado, porém, ao lê-lo, é difícil haver uma identidade social logo no começo. Para haver uma maneira de interação, é necessário que o discurso se mostre e seduza, e isso depende diretamente de quem anuncia o discurso. A revista possui uma ideologia, porém, não consegue desprender-se totalmente da edição americana, existe uma certa hegemonia, notado ao folhear as páginas da Vogue Brasil. O discurso dos jornalistas envolvidos na publicação brasileira é ótimo, gostoso de se ler, porém, ainda não conseguiram criar uma linha própria de discurso na moda. Aqui, cita-se a moda, mas isso acontece em diversos segmentos do jornalismo no Brasil e acaba tornando-se cansativo. Segundo Gomes (1997), é assim que a escola latino-americana sempre funcionou: com grandes possibilidades de seguir seu próprio caminho, mas com dificuldades em dar os passos sozinha. Em entrevista via e-mail (ANEXO 5), a editora de moda da Vogue Brasil Maria Prata, diz que a escolha das pautas é feita por toda a redação e, ao fim de uma edição, eles sentam e discutem as idéias de cada um, até chegar às pautas ideais. Quanto ao padrão Vogue de que se vem falando durante esta análise, Maria diz ter a Vogue Brasil o "padrão Vogue", sem focalizar em um país específico. A Carta Editorial responde à Conde Nast International e, assim, deve seguir alguns padrões pois é um título internacional. Ela não detalhou, na entrevista quais padrões seriam esses. Fica para o receptor das informações distingui-los. A fim de ilustrar a análise feita neste trabalho, pesquisou-se no site Jornalistas da Web44 uma entrevista (ANEXO 6) com a jornalista de moda Iesa Rodrigues, na qual ela fala um pouco sobre a moda no Brasil e como os discursos são utilizadas na mídia. Confirmando o dito nesta discussão, Iesa afirma que o colonialismo é o culpado desta cópia entre revistas de moda nacionais e internacionalmente. Ela fala 44 http://www.jornalistasdaweb.com.br/index.php?pag=displayConteudo&idConteudoTipo=2&idConteudo =509 Acesso em 21/08/07 64 especialmente sobre as publicações brasileiras, diz serem muito bonitas, mas, um "patchwork" não só de tendências, mas de matérias também. São (as publicações brasileiras de moda) uma mistura de todas as outras revistas de moda do mundo. Uma frase interessante de Iesa que pode ser comparada com tudo que foi estudado e analisado neste trabalho é que a moda ainda sofre muito preconceito, pois é muito comercial. Pois bem, a moda é comercial porque vende roupa, mas o cinema cobra o ingresso, o teatro também. O CD do Caetano Veloso é vendido e, assim, sucessivamente. Este lado do jornalismo, a parte comercial, é o serviço, comentado no capítulo I deste projeto, que fala sobre jornalismo de moda. Portanto, após ter realizado a análise e discussão através de seus dados e entrevistas obtidas, seria equivocado dizer que os discursos estudados buscam apenas informar e entreter os leitores. Além disso, pôde-se perceber que o jornalismo de moda é sim, diferente entre os dois países analisados, já que as escolas de comunicação ainda possuem grande influência na imprensa mundial. 65 CONSIDERAÇÕES FINAIS A proposta do presente trabalho era analisar o discurso midiático entre a revista Vogue do Brasil e dos Estados Unidos. Isto foi possível através do estudo lingüístico das chamadas de reportagens de ambas as capas e, os editoriais, cujo texto define a linha editorial da publicação. Durante todo o trabalho foi possível reunir diversas teorias sobre os principais assuntos tratados neste estudo. Constatou-se que o jornalismo especializado está totalmente fixado hoje em dia, praticamente todos os jornalistas saídos das faculdades, especializam-se em alguma área. A moda foi tratada em diversos ângulos. Mostrou-se sua importância a nível histórico, diferenciando cada momento, na vida antiga e na sociedade contemporânea. Como se pôde constatar, a moda também é um tipo de discurso, com seus termos, suas ideologias e diferenciações. Ao analisar o discurso das duas publicações (revista Vogue), foram traçadas as diferenças e semelhanças entre elas. O discurso midiático brasileiro na moda ainda engatinha, talvez por falta de mercado, por necessidade de profissionais qualificados para tal ou, até mesmo, pelo simples fato de ainda existir um grande preconceito sobre esse tema. Deve-se considerar também o estudo das Escolas de Comunicação, a latino-americana que, possui grandes possibilidades de encontrar um caminho e, criar suas próprias teorias, fazendo a imprensa brasileira tomar novos rumos. Já quanto à análise da revista americana, pode-se constatar que o discurso é totalmente direto, é um diálogo que acontece, onde o emissor dá a idéia e o receptor a recebe, aceitando-a e interpretando-a da maneira que lhe for benéfica. Ou seja, foi-se possível estudar as diferenças discursivas através do método proposto: a análise do discurso e, também se constatou que as escolas ainda influenciam, e muito, o trabalho realizado na imprensa mundial atualmente. 66 Considerou-se também que a moda por si só já atrai as pessoas através dos discursos transmitidos com suas roupas e tendências. Muitas vezes é taxada como "vilã" no mundo capitalista, porém, o que realmente incita as pessoas ao consumo da moda é a mídia. O poder de persuasão dos meios de comunicação foi também se constatado com a análise das revistas. Por outro lado, também se teve a chance de discutir as perspectivas do jornalismo de moda no mercado de trabalho atual e alguns dos reais problemas enfrentados pelo profissional de comunicação em moda. O deve-se discutir é que o jornalismo de moda possui uma formação técnica e cultural como principal e única arma contra a desvalorização que lhe é imposta. Acredita-se que ele possui a mesma capacidade de qualquer outro jornalista especializado, pois passou pelas mesmas provações e desafios para trabalhar. Então, deve-se reagir contra essa tendência preconceituosa. Ou será por simples acaso que não existe algum Prêmio Esso para o jornalismo de moda? Ou será apenas descuido o fato de o jornalismo de moda ser sempre esquecido sem seminários sobre jornalismo ou até mesmo em currículos de faculdade? Partindo desse pressuposto, por fim, deixa-se a expectativa de trabalhos subseqüentes a este, a fim de mostrar a importância deste estudo com moda e, que o jornalista de moda brasileiro ainda tem muito a aprender e crescer, juntamente com as teorias comunicacionais latino-americanas. 67 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABIAHY, Ana Carolina de Araújo. O jornalismo especializado na sociedade da informação. Dissertação apresentada à Escola de Comunicação Social da Universidade Federal da Paraíba/PB, 2000. Disponível em http://www.bocc.ubi.pt/pag/abiahy-ana-jornalismo-especializado.pdf Acesso em: 14/11/2007. BARNARD, Malcolm. Moda e Comunicação. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2003. 267pgs. BONINI, Adair. Os gêneros do jornal: o que aponta a literatura da área de comunicação no Brasil? Revista Linguagem em (Dis)curso, volume 4, número 1, jul/dez. 2003 CALDAS, G. 2005. Mídia e memória: a construção coletiva da história e o papel do jornalista como historiador do cotidiano. 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Lisboa: Edições 70, 1985. 342pgs. 70 ANEXOS 71 Anexo 1 72 Anexo 2 73 Anexo 3 74 Anexo 4 75 Anexo 5 76 Anexo 6 Um papo sobre moda Postado por mcavalcanti Por Geiza Rocha (*) Quando a jornalista Iesa Rodrigues viu que faltava espaço na grande imprensa para falar sobre moda ela chegou a desanimar. Na procura por uma solução, ela foi aconselhada por um amigo a fazer uma página na internet. Deu certo. Com cinco anos de existência o site www.estiloiesa.com.br se tornou uma referência para quem procura informações sobre o mundo fashion na Rede. Neste bate-papo, num café do Leblon, Rio de Janeiro, conversamos sobre a Semana Barrashopping, a descoberta da internet como possibilidade de falar sobre moda no sentido mais amplo do termo e sobre o jornalismo de moda, que como o jornalismo econômico é muito específico. JW - Onde você busca suas fontes, para saber as tendências da moda? Iesa Rodrigues - Eu viajo, não muito, mas pelo menos uma vez por ano JW - Você costuma ler jornais, revistas e sites sobre moda? IR - Eu evito. Eu acho que jornalismo é um só no mundo inteiro. Então quando a gente faz uma análise de um desfile, fazemos uma análise a partir do nosso ponto de vista. A análise da minha colega da Elle francesa é uma análise do ponto de vista dela. A análise da Vogue também será diferente. Então eu acho que se você quer fazer jornalismo de moda você não tem que seguir o que os outros falam, o que as outras revistas fazem. Tem que descobrir uma maneira sua de reportar e de trabalhar esta informação. Um problema que nós temos aqui no Brasil é que a informação de moda internacional ainda não é muito grande, porque é difícil viajar e porque o jornalista brasileiro nem sempre tem convite para todos os desfiles. Mas não é por isso que você vai abrir uma revista, ver a produção que a Elle fez em cima da coleção Yves Saint Laurent, esperar que a confecção brasileira tenha aquelas roupas, e fazer a mesma produção. Não tem sentido. JW - Essa mania de copiar é constante entre as revistas de moda. Se observarmos, não há muita diferença entre elas. É falta de criatividade? IR - É colonialismo. As pessoas acham um pouco radical, mas é. Uma revista italiana é completamente diferente da francesa, que é diferente da inglesa. A revista brasileira o que é? Um mix de todas. A revista japonesa tem personalidade, todas têm. A brasileira é muito bonita mas é um patchwork não só de tendências, mas de matérias mesmo, acho que é um hábito, não sei. Então eu acho que a gente precisa de fotógrafos originais, e de matérias originais. Você pode até aprender a técnica 77 olhando a foto, mas não é pegar a foto e fazer igualzinha, como a maioria faz. Isso não é jornalismo. JW - A que você atribui isso? É um problema só dos jornalistas? IR - Os grandes veículos, acho que isso é uma coisa que acontece no mundo inteiro, não têm mais espaço para análise de moda. Quando você faz um perfil de um estilista você fala de quase tudo menos da moda dele. O editor-chefe acha que não vale a pena falar que foi o cara que inventou a manga não sei como, que ele fez um xadrezinho diferente. Isso não interessa. Primeiro porque o editor é homem, e homem ainda não se interessa por moda, acha que tem outros assuntos prioritários. Então isso vai sumindo na grande imprensa. Hoje, todas as grandes editoras de moda brasileiras estão indo para a internet, que é onde elas podem realmente fazer análise e reportar o que elas viram, a opinião delas, o que acontece. A Érica (Palomino) tem um site, a Glorinha Khalil tem um site, a Regina Martelli tem site, todas têm um site. Isso foi o que me levou a ir também para a internet. Chegou a um ponto no jornal que eu via aquele monte de papel, de notícia, de telefonema chegando, telex (porque naquela época ainda tinha telex) na minha mesa e eu me perguntando, "Meu Deus, onde é que eu vou colocar tudo isso?" Aí eu pensei em fazer um jornalzinho e um amigo me disse: "que jornalzinho nada, você já está num jornalzão, vai para a internet". Aí eu fui. JW - E qual foi a experiência que você teve nesses cinco anos escrevendo para o seu site? IR - É interessante, porque como é um meio global, você tem todos os tipos de faixas de leitores. A moda ela têm as suas subdivisões: ele é a tendência, a criação, que é esta coisa inteiramente louca, inusável, biruta, que você nem pode achar feio. Tem a parte de lançamento que são os desfiles, as coberturas. Tem a parte de uso e a parte de comportamento. A grande tendência da imprensa escrita é o comportamento, o que é uma maluquice. Comportamento é o fim, é a coisa já na rua, e aquilo saiu de onde? Na internet eu tenho desde a pessoa que me escreve um e-mail querendo saber das tendências do verão de 2003 até a menina que quer saber como vai se vestir em uma festa num rodeio lá em Ribeirão Preto. Tem até uma menina cubana, que me escreve todas as semanas e mandando notícias de Cuba. Outro dia mesmo ela disse que vamos ficar sem nos falar por um mês porque ela vai entrar de férias e em casa ela não tem acesso à internet. JW - Além da falta de espaço não tem ainda o problema do preconceito? IR - É, ele continua. Também existe um conceito de que a moda é muito comercial, o que eu sempre contra-argumento. Tudo bem, a moda é comercial porque vende roupa, mas o cinema não cobra ingresso? O teatro não cobra ingresso? O CD maravilhoso do Caetano Veloso não é vendido? O jornal não é vendido na banca? Pelo amor de Deus, tudo é comercial. Existe o lado comercial deste jornalismo que é o serviço. Você fala que o Adam Mendes faz uma roupa assim assado, com semente, e agora já está vendendo esta roupa na Barra, na loja tal. Você tem que dizer, isso é informação. O que adianta falar que o cara tem uma roupa maravilhosa se a gente não tem acesso à ele? Jornalismo não é informação? Agora se você só fala de um determinado estilista, aí é esquisito, perde a credibilidade. JW - E a rua, é um bom lugar para descobrir a moda? 78 IR - A rua é comportamento, é o ponto final. Ela é uma versão do que se pode fazer no jornalismo de moda. Eu acho que já temos uma roupa de qualidade de uns 30 anos, já temos um armário de avó bom, então muito jovem pode pegar isso e recriar. É engraçado ver o que aconteceu com esta roupa. Mas isso não é novidade, é uma maneira nova de usar, é um re-uso. É claro que ninguém vai vestir Levi´s dos pés a cabeça. As pessoas pegam a sua Levi´s enjoativa botam um bordadinho diferente, sempre foi assim. Agora era preciso que tivesse um estoque de qualidade para isso acontecer. Antigamente a gente tinha roupa sem qualidade. A roupa acabava, desbotava, puía, encolhia, não tinha qualidade. Mas se olharmos para os anos 80 já tem muita roupa legal. Então é engraçado ver isso ressuscitando. O que foi uma novidade nos anos 80 agora é uma re-novidade Cai em comportamento. Mas fazer só isso não pode. Fica faltando o original, a maluquice, fica faltando o serviço, onde você encontra aquela roupa, a nova ou a velha, e ainda tem liquidação. JW - O Plano Real influenciou positivamente o mercado da moda? IR - No princípio foi muito bom, porque o real estava mais ou menos equiparado ao dólar então facilitou a importação. Muita marca boa chegou aqui. Porque uma coisa é copiar, outra coisa é ver o que é o mundo, e a gente não pode ficar eternamente isolado numa ilha, sem saber o que existe. Se lá fora eles têm uma tecnologia uma indústria, uma cultura isso tudo leva à uma qualidade de trabalho que a gente aqui não tinha porque não tinha como comparar. Comparar é importante. Você tem que ver o que todos fazem para poder fazer o seu. E moda é uma coisa muito frágil, muito dependente de pesquisa e, principalmente, de informação - mais até do que dinheiro. Aqui sempre teve muita criatividade, mesmo quando era uma ilha fechada e sem dinheiro. Então o princípio do Plano foi muito bom. Agora, as coisas se adaptam, não sei como, mas acho que é um caminho sem volta. JW - E a Semana Barrashopping, como foi este ano? IR - Foi boa principalmente porque teve público. Porque o Rio tem uma preguiça incrível de ir à Barra da Tijuca. E desta vez não, era uma multidão, era gente cult, adepta, não era cliente. Era aquela turma doida. Domingo não estava legal, na Segunda estava muito legal e aí, na saída, o túnel estava fechado. Todos tiveram que pegar o Joá e eu pensei: "Pronto! Amanhã não vai ter ninguém neste evento", mas o pessoal foi do mesmo jeito, subiu o Joá, tudo. Achei muito legal. JW - Teve alguma coisa diferente? Fora o Ciro Darlan, que foi destaque em todos os jornais? IR - Isso não é moda, não vou comentar porque isso é bastidor. E eu acho que evento não é bastidor. JW - Mas todos os jornais só noticiaram os bastidores... IR - Um dia era bastidor, outro dia eram os penetras, outro dia era a área de convivência. Meu Deus do céu, você não pode fazer uma análise do evento pela área de convivência. Tinham quatro salas, cada uma de 300 a mil lugares e você falar daquele barulho que estava ali fora, não tem nada a ver. Aquilo ali é o ponto final da moda. É o comportamento. É engraçado, mas não é uma matéria, senão não tem evento. E isso me desanima. Eu penso eu não vou mais para lá, ninguém fala de moda, vou para a internet (risos). 79 JW - E o tempo real, dá para fazer tempo real na moda? IR - Dá, se descrever o desfile. Mas eu já tentei fazer isso e não deu muito certo. Na verdade já experimentei vários tipos de cobertura. Nem botei no ar a minha cobertura ainda. Quando cheguei no desfile, meu filho tinha instalado um programa que eu não consegui entrar com meu login. Aí dei um ataque e decidi fazer em casa porque enquanto eu estava lutando para entrar no programa, perdi o desfile não consegui ver a Água de Coco. Ou você faz uma coisa ou outra. Normalmente eu bato as matérias no intervalo. JW - De quanto em quanto tempo você atualiza o site? IR - Eu tento atualizar sempre. Semanalmente ele tem coisas novas. Não mudo ele inteiro porque é muito grande. Sempre tento reduzir, decido que não vou mais falar de gastronomia e aí vem alguém de moda falando de um restaurante, aí eu tenho que colocar este restaurante em algum lugar e pronto, volta a sessão de gastronomia. Eu não consigo resumir. O que a gente está tentando fazer é disponibilizar coberturas antigas. Por que os desfiles de outubro são válidos para o nosso verão. Então quem quer se inspirar naquilo ali vai querer ver, eu sou contra a tal da inspiração, mas se as pessoas querem, eu não vou proibir o acesso. JW - Em relação aos sites de moda, tem algum que seja uma referência para você? IR - A Elle francesa ainda é a melhor revista, e o site reflete isso, porque trata de todos os assuntos: de evolução da sociedade, de erotismo, cinema, cultura, de maneiras de viver, de consumo, tudo que cerca a moda. Porque ninguém se veste e fica em frente ao espelho o dia inteiro. Você se veste, vai para a rua e está sujeito a tudo que a rua tem, que a casa e que o escritório tem. Existe uma ambientação para a moda que tem que ser feita também numa revista. É claro que eu não sei escrever sobre teatro e cinema tão bem quanto uma pessoa especializada. Mas tenho que ter informação sobre aquilo. Se tem uma peça legal com um figurino bom, tenho que ver. Então isso é o que a Elle faz com tudo: ela vai buscar a maneira de viver que pode desencadear uma moda. Comida, existe uma comida da moda, não existe? Existe. JW - O que é preciso ter para ser um bom jornalista de moda? IR - Tem que ter aquela curiosidade de Feira hippie, tem que ir à umas coisas assim. Um dos melhores caras que eu vi ultimamente no Rio, eu achei num desfile completamente mambembe na Galeria da Fórum, em Ipanema, às 7h da noite, numa segunda feira, um negócio maluquíssimo. As roupas atrasaram, o desfile estava marcado para as 18h começou às 21h, eu já indócil, pensando no que eu estava fazendo ali, tentando assistir aquele desfile completamente mambembe. Aí as modelos começaram a fazer protesto, ameaçaram desfilar nuas, acabaram entrando na passarela de calcinha e sutiã. Aí eu pensei: Bem isso aí já dá uma primeira página, é engraçado. Quando elas entraram no camarim, as roupas chegaram. E foi maravilhoso. Entrou a primeira modelo, eu pensei: Ué? O que é isso? Entrou a segunda, eu disse: Poxa, bem cortadinho, legal, interessante. Depois eu conheci, um menino maravilhoso, alfaiate. Inteiramente novo, sabe tudo de alfaiataria. Então não pode ficar só no circuito, tem que descobrir o que há de novo, não pode ter preconceito. 80 JW - No Brasil temos grandes nomes no jornalismo de moda. Na sua opinião, está surgindo mais alguém ou faltam jornalistas de moda? IR - Eles não aparecem por que não tem espaço, não tem veículo. A internet é muito legal por causa disso. Mas você consegue guardar o nome de alguém legal que tenha um site na internet? Você guarda o nome do site. Se num jornal você demora pelo menos cinco anos para as pessoas gravarem o seu nome, imagina na rede? Mas no jornalismo impresso poderia estar aparecendo muito mais gente. Mas no espaço que tem, as pessoas não conseguem falar de moda. Elas têm que falar da modelo que está com o Leonardo di Caprio. Mas eu acho que tem gente boa. A Adriana Bechara é boa, a Jussara Romão, da Elle, não é nova, mas tem uma visão jornalística legal. Mas, você conhece a Jussara? JW - Conheço. IR - Ah, que bom. Eu acho estas duas boas, mas tinha que ter mais. JW - E como é a relação entre as produtoras de moda e as jornalistas? IR - Aqui no Brasil é muito complicado porque, em geral, a editora de moda tem que trabalhar com produção. O legal seria ter uma editora de moda que fizesse a malha de texto, a reportagem, e a produtora. Mas no meu caso é tranquilo porque eu trabalho com a Rita Moreno desde 1983, é muito tempo já. Eu odeio produção. Aquele negócio de a roupa não vir do jeito que eu quero é muito frustrante. Por isso eu não me meto. Eu faço um storyboard, com todas as posições que eu quero, mostro para o fotógrafo, mostro para a modelo, mostro para a produtora e daí por diante é um deus nos acuda, cada um com seu trabalho. Senão é um desgaste muito grande. Isso aí a análise me ensinou direitinho. Um dia eu estava numa das sessões reclamando e o analista disse peraí: "então vc quer fazer a pauta, o desenho, escolher a roupa, escolher a modelo, fazer a foto, paginar no fim e de preferência comprar todas as revistas da banca?". Nesse ponto a internet é ótima, porque dá uma sensação de onipotência e a impressão de que estou dominando tudo. Não domino nada, mas dá a impressão de que pelo menos ali eu faço o que eu quero do jeito que eu quero. Iesa Rodrigues começou a trabalhar em 1967 como desenhista de moda no Jornal do Brasil. Em 1969, ela começou a fazer desenhos para a Riográfica também. Em 1971, ela iniciou uma curta carreira de um ano como produtora, na revista Desfile, até virar a mão por causa de uns cabides cheios de ternos masculinos. Isso tudo paralelamente ao JB, onde continuava a ser desenhista. Em 1980 ela foi ser editora de moda da Abril na sucursal do Rio e em 1981 voltou para o JB, onde continua até hoje. *Geiza Rocha é jornalista e redatora Web. 81