Classicismo_ópera. - História da Cultura e das Artes

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Classicismo_ópera. - História da Cultura e das Artes
História da Cultura e das Artes
Ano letivo: 2012/2013
CLASSICISMO: A ÓPERA
Índice
1)
Introdução ............................................................................................................................. 2
2)
A Ópera no período clássico ................................................................................................. 5
2.1 A colaboração de Mozart com Lorenzo da Ponte ............................................................... 6
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História da Cultura e das Artes
Ano letivo: 2012/2013
1) Introdução
CLASSICISMO: 1750-1830
1750 – Morte de Johann Sebastian Bach (1685-1750)
1830 – Nova onda de revoluções liberais por toda a Europa (França, Bélgica, Holanda, Portugal,
etc.), embora no início do século XIX já existissem compositores a cultivar um novo estilo
O termo “clássico”: é aplicado para designar a música deste período na década de 30/40 do
século XIX (época do historicismo, com um interesse crescente pelo passado). De forma geral,
o termo clássico significa o que é modelar, equilibrado, verdadeiro, belo, harmonioso, bem
proporcionado e compreensível. Esta palavra vem do latim classicus e ao longo do tempo esteve
associada a algo superior, como paradigma de referência. Talvez por esta razão, os românticos
tenham escolhido esta palavra para designar a música clássica, associada aos três grandes
clássicos vienenses, uma música que teve como ideais a universalidade, a simplicidade, a
contenção de meios (estrutura, harmonia, instrumentação, etc.), a beleza, a clareza, a
expressividade e a naturalidade, cativando de forma imediata o ouvinte. Segundo Rousseau:
“Musique est l´art de combiner les sons d´une manière agréable à l´oreille” (Rousseau,
1768). No entanto, a conceção da música clássica como monumental, extremamente racional, é
uma projeção feita posteriormente, é deve ter-se em conta que nesta época também houve um
interesse em se explorar os sentimentos e as emoções, embora de uma forma equilibrada
(encontrar um equilíbrio entre a razão e a não razão).
a palavra clássico… seu sentido, para nós, está associado a algo que consideramos de alta classe,
de primeira ordem, de extremo valor. Assim como ‘clássicos’ da literatura, falamos, por
exemplo, das peças de Shakespeare ou dos romances de Charles Dickens; e descrevemos como
‘clássico’ o estilo arquitetónico da Grécia e da Roma antigas – significando um estilo que atribui
suma importância à graça e à simplicidade, à beleza de linhas e formas, ao equilíbrio e à
proporção, à ordem e ao controle. No que diz respeito à música, o termo ‘clássico’ é empregado
em dois sentidos diferentes. As pessoas, às vezes, usam genericamente a expressão ‘música
clássica’ considerando toda a música dividida em duas grandes categorias: ‘clássica’ e ‘popular’.
Para o musicólogo, entretanto, ‘Clássico’ com ‘C’ maiúsculo tem sentido muito especial e
preciso. O termo designa especificamente a música composta entre 1750 e 1810 – período bem
curto, que inclui a música de Haydn e Mozart, bem como as composições iniciais de Beethoven
(Bennet, 1988).
O músico clássico: nesta época ainda predominam os palácios, com a culta aristocracia a
promover serões e encontros musicais com instrumentistas de alto nível. Investiam bastante para
manter conjuntos de câmara ou para apoiar jovens músicos, obtendo em troca divertimento e
sobretudo prestígio. A dedicatória de um compositor afirmado ou a proteção de um músico
famoso assegurava ao mecenas reconhecimento na alta sociedade. Sensível aos valores da arte,
destaca-se nesta época a aristocracia vienense, que promoveu a criatividade de tantos músicos,
libertando-os das aborrecidas obrigações de um emprego na corte. Para além disto, Viena, fruto
de uma conjuntura sócio-cultural privilegiada, tinha-se tornado num grande centro de cultura
cosmopolita e de encruzilhada de várias correntes estéticas.
Durante este período ocorre uma mudança gradual do perfil dos músicos. Se antes, se
procurava estar ao serviço de alguém, porque dava estabilidade, apesar dos condicionamentos e
das obrigações, a partir do século XVIII afirma-se a individualidade artística, em que o
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compositor compõe e vende as suas obras a um determinado editor. Esta evolução pode ser vista
pelas próprias vidas de Haydn, Mozart e Beethoven. Se Haydn ainda esteve quase toda a sua
vida ao serviço dos Esterhazy, Mozart, apesar de estar ao serviço da corte do Arcebispo de
Salzburgo, desejava tornar-se um músico independente, por isso vai para Viena. Já Beethoven,
apesar de na sua juventude estar associado a uma corte e de ter algum patronato de nobres
vienenses, nunca esteve ao serviço de uma corte, afirmando-se como músico independente.
Consequentemente, surge uma esfera pública da música, com concertos públicos (com um
público diversificado socialmente), edição e crítica musical, etc. Uma grande conquista do
século XVIII.
Características gerais da música clássica:
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Século cosmopolita, com uma linguagem musical “universal” – as diferenças nacionais
tendem a ser minimizadas, por exemplo, compositores alemães exerceram a sua atividade
em Paris e compositores italianos na Alemanha, Espanha e França (segundo Quantz, 1752,
“Hoje há apenas uma música em toda a Europa”).
Aparecimento do pianoforte (de destacar os Sei concerti per il cembalo o piano e forte de J.
C. Bach, o primeiro a adotar este instrumento em concertos públicos): em 1709, B.
Cristofori (1655-1731) introduz um sistema de martelos que percutiam as cordas, em vez de
as beliscarem. Esta invenção traz uma nova forma de expressão, fazendo com que o órgão
perca a sua importância (falta de maleabilidade do som) e o antigo cravo deixe de ser
utilizado. Os concertos públicos integravam com frequência sonatas ou concertos para este
instrumento. Consequentemente começa-se a valorizar o virtuosismo, no sentido de o
intérprete demostrar a sua habilidade no teclado. Executantes como Cramer, Wolf e
Gelinek, são admirados e protegidos, solicitados como professores e por vezes as
rivalidades entre os seus mecenas desencadeavam verdadeiros desafios ao pianoforte.
Impressão: fruto da grave crise económica, originada pelo desencadear das guerras
napoleónicas, o período entre o final do século XVIII e o início do século XIX assistiu à
progressiva diminuição da qualidade da impressão.
Estabelecimento dos princípios da Harmonia – J. Ph. Rousseau com o seu tratado Traité
d´Harmonie, reduite à ses príncipes naturels (Tratado de Harmonia reduzida aos seus
princípios naturais) sistematizou os novos procedimentos harmónicos.
Com a valorização de estilos mais simplificados (como o estilo galant e o empfindsamkeit),
em que ocorre uma mudança do papel da harmonia e do acompanhamento, surge um
procedimento típico na música para tecla, em meados do século XVIII: o baixo de Alberti,
associado ao nome do compositor italiano Domenico Alberti (c.1710-1740). Este processo,
bastante comum até ao século XIX, consiste em quebrar cada um dos acordes subjacentes
num padrão simples de notas breves que, incessantemente repetido, cria uma espécie de
ondulação, que permite destacar a melodia.
O baixo-contínuo praticamente desaparece e começam-se a valorizar novos géneros
instrumentais, entre eles o quarteto de cordas (dois violinos, uma viola e um violoncelo) é
o mais importante.
Supremacia da música instrumental (música pura).
Surge o incremento de muitas orquestras, com grande reputação por toda a Europa. É o caso
da Orquestra de Manheim: sob a direção de Johann Stamitz (1717-1757), surge a
orquestra de Manheim, organizada pela primeira vez por famílias (ou naipes) de
instrumentos, famosa por toda a Europa pelo seu virtuosismo e versatilidade dinâmica (do
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pianíssimo ao fortíssimo, recorrendo também ao crescendo e diminuendo). Trata-se de uma
tendência para a variedade e flexibilidade dos efeitos musicais, longe da uniformidade
barroca. Em 1756, esta orquestra compunha-se de 20 violinos, 4 violas, 4 violoncelos e 4
contrabaixos, 2 flautas, 2 oboés e 2 fagotes, 4 trompas, 1 trompete e 2 timbales. Tratava-se
de um agrupamento excecionalmente numeroso.
Para além da Escola de Manheim (Stamitz) é de destacar nesta época a Escola Vienense
(Haydn, Mozart e Beethoven) e a Escola de Berlim (C. Ph. E. Bach).
Ensino da música: ensinar música em privado torna-se neste período numa grande fonte de
rendimento. Anteriormente, os músicos recebiam a sua formação dos pais ou dentro das
cortes ou das instituições eclesiásticas e também ainda não existia a figura do diletante
culto, essencial para a atividade de um professor. A crescente procura de aulas privadas
nasce do desejo de aprender a cantar ou de dominar um instrumento, presente cada vez mais
nas casas dos nobres e de muitos burgueses. Muitos compositores chegaram a ter como
única fonte de rendimento o ensino.
Terminologia no início do período clássico:
ESTILO GALANTE (style galant) – o termo francês galant (galanterie) foi utilizado para
designar, durante o século XVIII, mais uma maneira de compor do que um período. Segundo
Voltaire ser galante significa procurar “agradar”. Um termo que foi aplicado às artes
(arquitetura, pintura, poesia, música) e a tudo o que era elegante, suave, fluente, gracioso e
sofisticado. Na música corresponde à simplicidade, reagindo contra a complexidade e a textura
contrapontística do período barroco. Pelo contrário, valoriza-se uma textura mais homofónica,
com linhas melódicas cantáveis, agradáveis, harmonias e acompanhamentos simples. Trata-se
de uma música subtil, delicada, com fluidez melódica. Entre estas peças encontram-se as
danças, como o minuete. Este estilo pode já ser observado em árias de ópera de Pergolesi e
Hasse, assim como na música de tecla de Galuppi e Sammartini. Contudo, o compositor mais
famoso foi provavelmente Johann Stamitz.
EMPFINDSAMKEIT (empfindsamer stil) – termo alemão associado ao “estilo da
sensibilidade ou do sentimentalismo”, uma designação atribuída pelos musicólogos a alguns
compositores de música instrumental de meados do século XVIII, como C. Ph. Emmanuel
Bach, Johann Christian Bach, Michael Haydn, entre outros. Este estilo está relacionado com a
expressão da paixão melancólica e requintada, recorrendo ao cromatismo, a figurações rítmicas
repetidas ou a inflexões harmónicas surpreendentes. Um estilo que valoriza acima de tudo a
emoção e a expressão dos sentimentos pessoais, resultando em composições musicais
imprevisíveis.
STURM UND DRANG (tempestade e ímpeto) – movimento estético e literário, que ocorreu
na Alemanha entre 1760 e 1780. Reagindo ao racionalismo do Iluminismo e ao classicismo
francês, o sturm und drang apela ao sentimento e às emoções extremas (empfindsamkeit levado
ao seu extremo). Este movimento surgiu inicialmente na literatura (Goethe, Schiller), com uma
poesia mística, espontânea, com a emoção acima da razão, refletindo-se depois nas outras artes.
Trata-se quase de um pré-romantismo. Na música, foge-se aos padrões clássicos convencionais.
Muitos autores consideram C. Ph. Emmanuel Bach como um dos representantes deste estilo.
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2) A Ópera no período clássico
A ópera séria, associada à escola napolitana, ao Ancien Régime, ao entretenimento e à
aristocracia, privilegiava o bel canto, os castratti, assim como temas históricos e mitológicos.
Com as mudanças sociais e culturais que se começaram a sentir, a ópera séria vai perdendo
progressivamente terreno, a favor de uma ópera cómica, com temas quotidianos da vida
burguesa, sem ornamentação vocal excessiva, com maior equilíbrio entre a música e o drama e
com recursos relativamente modestos.
Deste modo, em Itália, que continua a ser o grande centro da ópera (funciona como modelo),
destacam-se duas vertentes: a ópera séria e a ópera buffa.
Ópera buffa: a partir de meados do século XVIII, a ópera buffa afirmou-se, sobretudo após o
êxito do intermezzo La Serva Padrona (A Criada Patroa, 1733) de Pergolesi, sobre um texto de
Gennaro Antonio Federico, apresentado em Nápoles nos intervalos da ópera Il prigioner
superbo, também de Pergolesi.
Ao contrário da ópera séria, os temas da ópera buffa são retirados da vida quotidiana,
misturando elementos cómicos e sentimentais. As personagens são muitas vezes inspiradas na
commedia dell´arte (teatro de improvisação cómico-burlesco do século XVI), cujas
personagens eram arquétipos, sempre interpretadas com as mesmas máscaras e trajes. Para a
individualização destes arquétipos, como personagens individuais, vivas, com traços
diferenciados e heterogéneos, contribui o dramaturgo e libretista veneziano Carlo Goldoni
(1707-1793), autor de aproximadamente oitenta libretos, a maior parte deles cómicos (utilizados
por Galuppi, Piccinni, Paisiello, Bertoni, Fischietti, entre outros). Apesar de Goldoni não se
assemelhar, do ponto de vista literário, a Zeno ou a Metastásio (autores de libretos da ópera
séria), os seus libretos funcionavam de forma eficaz no palco. De realçar a sua colaboração com
o compositor Baldassare Galuppi (1706-1785), que começou em 1754 com Il filosofo di
Campagna (Veneza), um drama giocoso em três atos. A abertura, puramente instrumental,
segue o modelo italiano (rápido, lento, rápido), existem muitas árias (três das quais são arias da
capo), cinco arietas (pequenas árias, na realidade, canções), três duetos, dois quartetos e um
sexteto no final da obra.
Da sua colaboração com Niccolò Piccini destaca-se a ópera La Cecchina, ossia La buona
fligliuola (1760, Roma), baseada num romance inglês, bastante popular na época, de Samuel
Richardson Pamela, or Virtue Rewarded. De destacar nesta ópera, em três atos, a valorização de
personagens nobres de coração, que cantam arias da capo, e de personagens mais simples, com
um registo muitas vezes cómico, que cantam árias bipartidas. O compositor utiliza também um
registo caricatural – por exemplo, a marquesa Lucinda, cuja preocupação está simplesmente na
reputação nobre da sua família, não consentindo a relação da pobre Cecchina com o seu irmão,
canta de forma caricatural árias da capo, o que marca a sua condição social aristocrática. Deste
modo, Goldoni contribui também para o enriquecimento dos libretos da ópera cómica, cujos
enredos, para além de cómicos, adquirem um carácter sério, sentimental ou até patético (daí a
designação drama giocoso – drama jocoso).
Deste modo, na segunda metade do século XVIII, a ópera buffa é palco de modificações
em termos do estilo operático anterior:
 Maior flexibilidade, por exemplo, nos padrões formais – para além da aria da capo
também se cultiva a ária bipartida (AB, um organização formal mais simétrica, que
pode ter várias variantes) – a escolha depende muitas vezes das personagens
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(Goldoni, por exemplo, utiliza as arias da capo para aquelas personagens que são
nobres de coração e não por descendência).
As Árias deixam de funcionar apenas como uma forma de reflexão ou como um
comentário, tornando-se árias de ação (arias di azione). Consequentemente, os
compositores exploram muito mais o texto em termos musicais (tonalidade, ritmo,
mudança de compasso ou de andamento, etc.)
Continuidade musical: apesar de não deixar de existir uma separação entre árias e
recitativos, esta torna-se menos nítida (as cenas vão se sucedendo sem estarem
separadas por recitativos).
Importância dos números de conjunto (comédia da coletividade), sobretudo nos finais
de cada ato. No Barroco, dava-se mais importância aos solos, como forma de
virtuosismo. O ideal passa agora a ser o de uma dramaturgia mais variada: números a
solo (recitativos, canções, árias de diferentes dimensões), duetos, trios, etc.
A música não funciona simplesmente como ornamentação. No período barroco, a
música concebida para a ópera era estática, com uma função puramente ornamental,
de embelezamento do texto. Agora, a música participa na ação (continuidade
dramática e dinamismo).
Abandona-se o culto dos castratti, o bel canto e a ornamentação exagerada. Pelo
contrário, as melodias são simples e utiliza-se a tessitura natural da voz.
Maior equilíbrio entre a música e o drama (maior compreensão do texto).
De destacar ainda a importância dada aos finais de cada ato, sobretudo com a utilização do
chamado finale em cadeia. Na ópera séria italiana, era comum os atos anteriores ao ato final
terminarem com uma ária de uma personagem principal ou ocasionalmente com um dueto. Era
comum o ato final terminar com a participação de três ou quatro personagens. Em meados do
século XVIII, em Veneza, sobretudo a partir da colaboração entre Goldoni e Galuppi, os
números de conjunto começam a aparecer nos finais de todos os atos. Uma das formas mais
utilizadas é o finale em cadeia, no qual várias secções se vão sucedendo sem interrupção e em
que todas as personagens vão entrando em cena – uma dramaturgia músico-teatral contínua. O
ponto culminante ocorre em 1780/90, em Viena, com as três óperas buffas de Mozart. O
libretista Lorenzo Da Ponte considerava os finais um drama dentro do drama, onde deviam
aparecer todas as personagens e cantar em conjunto, de forma a se produzir um crescendo
dramático.
Para além de Pergolesi, Galuppi e Piccinni, de destacar também os compositores Leonardo
Vinci (1690-1730), Leonardo Leo (1694-1744), Niccolò Jommeli (1714-1774), Giovanni
Paisiello (1740-1816), Pasquale Anfossi (1727-1797) e Domenico Cimarosa (1749-1801).
2.1 A colaboração de Mozart com Lorenzo da Ponte
A opera buffa culmina com a colaboração entre W. A. Mozart (1756-1791) e Lorenzo da
Ponte (1749-1838): Le Nozze di Figaro (Viena, 1786), Don Giovanni (Praga, 1787) e Così fan
tutte (Viena, 1790), onde Mozart se destaca pela caracterização musical das personagens
(mistura de personagens cómicas e sérias, sentimentais e trágicas, populares e aristocratas), pela
fusão perfeita dos géneros serio e buffo, pelos finais extremamente dramáticos, pela
originalidade melódica e pela riqueza da sua orquestração.
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Mozart em maio de 1781, após estar ao serviço do arcebispo de Salzburgo, onde era tratado
como um criado (obrigado a compor música para os serviços religiosos e de entretenimento da
corte), foi para Viena. De imediato se tornou na estrela do palco musical. Os seus concertos, nos
quais ele próprio atuava, eram acompanhados por um público entusiasta e as encomendas para
compor novas obras eram abundantes. No que diz respeito à ópera, uma primeira oportunidade
chegou em 1782, sob a forma de um singspiel (um género que alterna canções, pequenas árias,
números de conjunto com diálogos falados), o Rapto do Serralho, que teve um grande êxito.
Entretanto, Mozart começou a procurar libretos mais reais, com personagens e situações mais
próximas da realidade, até que conheceu na casa do barão Wetzlar o poeta italiano Lorenzo da
Ponte (1749-1838), que lhe propôs um projeto entre os dois, surgindo assim As Bodas de Fígaro
(1786), Don Giovanni (Praga, 1787) e Cosí fan tutte (Asssim Fazem Todas, 1790). Antes de
colaborar com Mozart, os seus libretos já tinham sido musicados por Antonio Vivaldi, Niccolò
Jommelli, Christoph Willibald Gluck, Johann Adolph Hasse e Domenico Cimarosa.
As Bodas de Fígaro: o libreto foi baseado na comédia francesa Le Mariage de Figaro de Caron
de Beaumarchais, apresentada em Paris em 1784, obtendo um grande êxito entre o público, e em
Viena em 1786. No entanto, a obra tinha sido proibida pelo imperador José II, devido
fundamentalmente ao seu carácter subversivo. De facto, a obra atacava os privilégios e a
moralidade da nobreza, pelo que Lorenzo da Ponte prometeu suavizar o enredo. Em apenas seis
semanas a ópera ficou concluída. Nas suas Memórias, Da Ponte recorda:
Sem falar com ninguém, fui oferecer Fígaro ao imperador. “Como?”, disse. “Já sabes que
Mozart, excelentíssimo com os instrumentos, apenas escreveu um drama vocal, e não era grande
coisa!”. “Também eu”, repliquei humildemente, “sem a clemência de Vossa Majestade, pouco
mais do que um drama teria escrito em Viena”, “É verdade”, replicou, “mas proibí essas Bodas
de Fígaro”. “Sim, mas ao compor um drama por música e não uma comédia, omiti e encurtei
tudo quanto pudesse ofender a delicadeza e decência de uma espetáculo presidido por vossa
Soberana Majestade. E quanto à música, pelo que posso julgar parece-me de uma maravilhosa
beleza”. “Bem, sendo assim, fio-me no teu gosto quanto à música e na tua prudência no que à
moral se refere. Faz com que entreguem a partitura ao copista.
A estreia da ópera ocorreu a 1 de Maio de 1786, no Teatro da Corte Imperial e Real de
Viena, sob a direção do compositor. Foi um êxito, contudo o público considerou a ópera longa e
complexa, e pouco depois saiu do cartaz, dando lugar à ópera Una cosa rara, com libreto de
Lorenzo Da Ponte e música de Vicent Martín y Soler. Contudo, quando a ópera foi estreada em
Praga foi acolhida de forma triunfal, abrindo caminho para a obra seguinte: Don Giovanni.
Características desta ópera:
 Intriga cómica, sublinhando as tensões sociais e caricaturando a sociedade: aristocratas e
plebeus, maridos e mulheres adúlteros, médicos incompetentes, notários e advogados
pedantes, etc. (personagens próximas da commedia dell´arte).
 Alternância entre personagens sérias e cómicas, caracterizadas musicalmente, por
exemplo, Susana e Fígaro apresentam recitativos acompanhados, árias de ação, números
de conjunto, o que sublinha o seu carácter cómico.
 A ópera inclui recitativos, árias a solo, duos, trios e conjuntos mais vastos, mas o
destaque vai para o finale do Ato II, mais elaborado e complexo do que o final da ópera.
Este final é em cadeia, em que a música acompanha a ação: o ideal da continuidade
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dramática, em que as situações dramatúrgicas se encadeiam de forma dinâmica. A
Condessa Almaviva, no início do Ato II, queixa-se do desamor que o Conde lhe
manifesta. Susana, criada da Condessa e noiva de Fígaro (criado do Conde), comenta
com a condessa as intenções e os assédios do conde. Então, Fígaro explica-lhes um plano
para desmascarar o conde, para o qual pede a ajuda da condessa – Fígaro enviou uma
carta anónima ao conde, prevenindo-o que a condessa tem um encontro, mas Susana terá
também de lhe enviar um outro bilhete, marcando com ele um encontro no jardim, a
intenção é mandar Cherubino disfarçado, para que a condessa o possa apanhar em falta.
Nesta parte final do Ato II, Susana e a condessa disfarçam Cherubino. No momento em
que Susana sai, o conde bate à porta. Cherubino, assustado, esconde-se no roupeiro, e a
condessa abre a porta ao conde, murmurando desculpas. Este irrita-se, convencido de
que surpreendeu a condessa em falta. Um ruído procedente do roupeiro aviva ainda mais
o ciúme. A condessa nega-se a abrir a porta, dizendo que é Susana que está lá dentro.
Contudo, o conde decide procurar ferramentas para a abrir e obriga a condessa a
acompanhá-lo. Durante a discussão, Susana voltou a entrar, mas ao ouvir o conde,
esconde-se. O conde tranca a porta e Susana solta Cherubino, mas este tem de saltar pela
janela. Susana esconde-se então no roupeiro. O conde chega e a condessa acaba por
confessar que é o pajem que está escondido e o conde irrita-se ainda mais. Para surpresa
dos dois, abre-se a porta e aparece Susana. A condessa fica tão surpreendida como o
próprio conde, mas disfarça, fingindo ter agido assim para castigar os ciúmes do conde.
Nesse momento aprece Fígaro, que ignora o sucedido. Pouco depois, chega o jardineiro
dizendo que alguém acabou de saltar pela janela, mas Fígaro argumenta que foi ele quem
saltou. Nesse momento, chegam Bartolo e Marcellina, com Basílio, para reclamar a
dívida que Fígaro tem com Marcellina. Fígaro não pode pagar o empréstimo, logo, terá
de se casar com ela, conforme o contrato de casamento que tinha assinado. Deste modo,
são encadeadas seis cenas, que se vão contrastando.
Cena 6: o Conde e a Condessa; Allegro, MibM
Cena 7: o Conde, a Condessa e Susana, Molto Andante, SibM
Cena 8: a Condessa, Susana e o Conde, Allegro, SibM
Cena 9: Fígaro, o Conde, Susana e a Condessa, Allegro e Andante, SolM e DóM
Cena 10: Antonio, o Conde, Susana, a Condessa e Fígaro, Allegro molto e Andante, FáM e
SibM
Cena 11: Marcellina, Basílio, Bartolo, o Conde, a Condessa, Fígaro, Susana, Allegro Assai,
MibM.
Todas as modulações são previsíveis, feitas em relações de quintas. A menos previsível é
SibM-SolM (3ªm), que coincide com a entrada de Fígaro. De facto a revolução de Mozart
começa com este finale: um extenso fragmento em que de dueto se passa para um septeto, a
partir da entrada progressiva de personagens, sem que nem a ação teatral nem a música se
detenham um só instante.
Don Giovanni: esta ópera resultou de uma encomenda, após o êxito de As Bodas de Fígaro,
sendo estreada em 1787 no Teatro Nacional de Praga. Baseia-se na lenda medieval do Don
Juan, muito abordada na literatura e na música desde o início do século XVII. Na ópera, esta
personagem, eficazmente retratada do ponto de musical, comporta-se como um verdadeiro herói
romântico, revoltando-se contra a autoridade e desprezando a moral vulgar, exemplo de
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individualismo, coragem, mas também de uma certa imoralidade. Esta obra contém não só
partes cómicas (o próprio criado Leporello, por exemplo, revela uma grande influência da
commedia dell´arte) mas também partes trágicas (por exemplo, a cena inicial da obra, bastante
agitada). O próprio D. Giovanni é tratado tanto como uma personagem séria como uma
personagem cómica. Como se trata de uma obra com elementos considerados exagerados para a
época (a música é mesmo considerada como ousada e excessiva), sugere um pré-romantismo,
pelo que esta ópera foi a que mais apelou ao gosto do século XIX.
Cosi fan Tutte, ossia La scuola degli amanti: Em 1789, toda a corte de Viena transformara em
tema das suas conversas um escandaloso caso que ocorrera em Trieste e cujos protagonistas
eram dois jovens aristocratas que tinham apostado a fidelidade das suas respetivas noivas.
Convenientemente disfarçados, cada um começou a cortejar a dama do outro, sendo que
nenhuma das duas se opôs aos encantos do novo pretendente. Quer verdadeira ou não, esta
história chegou aos ouvidos do próprio imperador, que encomendou um libreto sobre esta
história a Lorenzo Da Ponte, que Mozart deveria musicar. Esta obra foi recebida por ambos
como uma forma de obter um grande triunfo em Viena, mas também para aliviar a situação
económica de Mozart, cujos rendimentos extremamente irregulares o tinham feito contrair
dívidas.
O libreto foi inspirado na famosa história, mas Da Ponte também se baseou no poema
Orlando Furioso de Ludovico Ariosto, no qual alguns jovens abandonam também as suas
amantes ao verificarem a infidelidade destas, voltando apenas para elas quando percebem que as
restantes mulheres agem da mesma maneira. Outra fonte foi o libreto de Giovanni Battista Catti
de La grotta di Trofonio, que Salieri havia musicado em 1785, e no qual se utiliza com
frequência os casais cruzados.
Così Fan Tutte, ossia La scuola degli amanti (Assim fazem todas, ou a Escola dos
Amantes) foi estreada no Burgtheater de Viena em 1790. Na época, a ópera parece ter agradado,
contudo, o público não ficou muito surpreendido, pois não se tratava de uma opera buffa
habitual, mas sim de uma história inverosímil de infidelidade. Para além disto, o imperador José
II faleceu. Os teatros foram fechados e, embora Così Fan Tutte tenha regressado à cena quando
terminou o período decretado de luto, só se manteve durante mais cinco apresentações. Lorenzo
da Ponte acabou também por abandonar Viena, mas Mozart permaneceu com a esperança de
que o novo imperador, Leopoldo II, precisasse dos seus favores. Contudo, Mozart morreu no
final do ano seguinte, na mais absoluta miséria.
A recuperação de Cosi Fan Tutte foi tardia, pois só chegou no século XX. Durante o século
XIX foi desprezada, não tanto pela música, perfeita na estrutura e na caracterização de situações
e personagens, mas mais pelo tema, ofensivo para as mulheres, distante do amor-paixão do
século XIX, uma obra triste e pessimista.
Mozart – aspetos característicos (sistematização de tendências já existentes): abertura num
único andamento, divisão entre dois a quatro atos, valorização da ação na música, utilização de
muitos números de conjunto e dos grandes finales, variedade de tipos de árias, muitas vezes
adequando-as às personagens, retrato musical da profundidade psicológica de cada personagem,
mestria dramática, melódica e orquestral.
Óperas Sérias: Metridate, re di Ponto (1770), Ascanio in Alba (1771), Il sogno di Scipione
(1775), Lucio Silla (1772), Il re pastore (1775), Idomeneo, re do Creta (1781) e La Clemenza di
Tito (1791).
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Operas buffas: La finta semplice (1769), La finta giardiniera (1775), L´oca del Cairo (1783),
Lo sposo deluso (1783), Le Nozze di Figaro (1786), Don Giovanni (1787) e Così fan tutte
(Viena, 1790).
Singspiel: Bastien und Bastienne (c.1768-70), Die Entführung aus dem Serail (O Rapto
do Serralho, 1782) e Die Zauberflöte (A Flauta Mágica, 1791).
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