Modelo de Tese - acervo

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Modelo de Tese - acervo
UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
EDDY ERVIN ELTERMANN
CONCEPÇÕES DE UNIVERSIDADE:
DAS QUESTÕES TEÓRICAS À REPRESENTAÇÃO NO SENSO COMUM.
Tubarão
2012
EDDY ERVIN ELTERMANN
CONCEPÇÕES DE UNIVERSIDADE:
DAS QUESTÕES TEÓRICAS À REPRESENTAÇÃO NO SENSO COMUM.
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado
em Educação da Universidade do Sul de Santa
Catarina para a obtenção do título de Mestre em
Educação.
Orientadora: Prof. Dra. Maria da Graça Nóbrega Bollmann.
Tubarão
2012
2
Eltermann, Eddy Ervin, 1978B79
Concepções de universidade: das questões teóricas à
representação no senso comum.
Tubarão, Santa Catarina / Eddy Ervin Eltermann;
orientadora: Maria da Graça Nóbrega Bollmann. -2012.
115 f. : il. color. ; 30 cm
Dissertação (mestrado) –Universidade do Sul de Santa
Catarina, Tubarão, 2012
Inclui Bibliografias
1. – Tubarão (SC).
3. Tubarão,. II. Título.
CDD (21. ed.) 304.2
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Universitária da UNISUL
3
4
Dedico este trabalho a minha família e
amigos, apoios em todas as horas difíceis.
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AGRADECIMENTOS
Agradeço a minha mãe, Ligia Mara Beltramini que, com muita garra,
assumiu a responsabilidade de minha educação, após o falecimento de meu pai,
Eduard Erwin Eltermann. Dedico boa parte de todas as conseqüências positivas em
minha vida à luta árdua que teve em prol de minha formação como pessoa.
Agradeço a minha avó, Leonor Coninck, por todo apoio que pôde oferecer
para preencher o espaço deixado por meu pai. Fortaleza que sempre estava lá, em
todas as horas. Minha segunda mãe.
Agradeço ao meu irmão, Luiz Gustavo Metzger, pelas conversas e
parcerias que tivemos durante minha adolescência. Dos jogos e disputas que
sempre me fortaleciam como pessoa e como observador de seu crescimento e da
formação do homem que hoje o é.
Agradeço a minha tia, Ema Romais Cunha, que, apesar de ter nos
deixado, é uma memória viva de toda a maravilhosa infância que tive. Se a falta do
pai não me foi um obstáculo, o excesso de mães tampouco... Minha terceira mãe.
Agradeço a maravilhosa família que tenho. A todos que me deram apoio
em qualquer momento e dos quais não citarei nomes pela imensa lista, com medo
de cometer injustiças.
Agradeço a meu sogro Ricardo da Cunha Mello e meus “novos avós”
Eneida Frey Mello e Januário da Cunha Mello Júnior.
Agradeço aos colegas de mestrado pelas longas discussões, pelas
viagens, pelo conforto num processo de formação que concebeu nossa realidade.
Em especial a Clarisy, Franciellen, Natali, Daniela, Sinara e Gisele, bem como a
tantos outros que a memória não me ajudou a lembrar.
Agradeço em especial a dois colegas, que se tornaram meus grandes
amigos em Tubarão: Rafael Nunes Braga e sua alegria contagiante, com um sorriso
sempre pronto. Sempre me recordarei de nosso encontro em Copacabana; e Phelipe
Pires Fermino e sua esposa Dani aos quais devo muito por terem me hospedado em
sua casa por tantas vezes, por estarem sempre de coração aberto para nossas
longas conversas por madrugadas a fio e que por tantas vezes foi meu companheiro
de viagens (...e badernas). Obrigado mesmo gurizada!
Agradeço aos meus amigos Jean Cani, Rafael Amorin, Alexandre Oliveira,
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André Odelli, Vanessa Sartor, Emmanuel Schmidt, Rafael Archer, Rafael de Fazio,
Daniele Maldaner, Roberto e Fatima Mello, Caroline Machado, Marcelo Oliveira,
Carlos Cappelini, Athos Teixeira, Heitor Brito, Esteban Areco, Macky Pereira, Carla
Magro, Vicente Tristão, Fernando e Sueli Vollet e tantos outros que, mesmo de
longe, sei que sempre torceram por mim.
Agradeço a todos os professores do PPGE pela importante acolhida e
contribuição em meu processo de formação.
Agradeço os(as) professores(as) Adriana Marrero (Universidad de la
Republica de Montevidéu), Clovis Nicanor Kassick (UNISUL) e Leticia Carneiro
Aguiar (UNISUL) por aceitarem o convite de participação em minha banca de defesa
desta dissertação.
Agradeço aos Professores da Rede Iberoamericana de Investigação em
Políticas de Educação (RIAIPE 3), a qual integro como Assistente de Investigação
(bolsista), que por tantas vezes foram para mim exemplos da luta pela educação no
Brasil e no mundo.
Agradeço a minha orientadora, Professora Maria da Graça Nóbrega
Bollmann (que poderia até dizer minha quarta mãe, como sempre me diziam meus
colegas) por todo apoio incondicional em minha formação. Dos artigos aos vinhos,
cada momento foi uma aula de vida que sempre vou guardar.
Agradeço em especial a minha esposa, Estefânia Tumenas Mello, que
suportou todo o meu processo formação e que hoje começa a traçar o seu. Que
aguentou firme todas as dificuldades que passamos e que posso afirmar hoje é a
pessoa mais companheira que conheci e a quem devo parte do que sou. Te amo!
Agradeço em especial a minha filha, Sarah Mello Eltermann, que durante
esses anos teve um pai menos participativo em função do caminho que assumi
traçar, mas a quem posso dizer: “isso tudo é para você!”.
7
“Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem segundo sua
livre
vontade,
em
circunstâncias escolhidas por eles próprios,
mas nas
circunstâncias imediatamente encontradas, dadas e transmitidas”. (Karl Marx)
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RESUMO
O presente estudo analisa as concepções de universidade, suas representações e
as interpretações destas pela sociedade. Trata-se de uma pesquisa qualitativa,
inspirada na dialética, referida em Lukács (1960) como não desconectada da
realidade. A dialética é por si só contraditória e, portanto, não é estática. Movimentase na história e nos embates sociais e contempla a realidade, ainda que, como
conhecimento da realidade deve ser precedido do questionamento: o que é a
realidade? Nessa perspectiva, a compreensão da problemática passa, inicialmente,
pela busca da história da universidade em suas origens e o processo de
transformação nos contextos que a conceberam. A partir daí, observamos as
diferentes representações adquiridas pela universidade, por meio de um estudo
bibliográfico em diferentes fontes. Procuramos identificar a concepção de
universidade dos organismos internacionais, em especial do Banco Mundial, na
leitura de autores contemporâneos como Deise Mancebo (2010), Anísio Teixeira
(1988), Luiz Antonio Cunha(1989), Pablo Gentili (2008), Roberto Leher (2010), entre
outros. Também buscamos alguns dados empíricos através de depoimentos de
estudantes de graduação brasileiros e de outras nacionalidades. Estes depoimentos
foram tomados com o intuito de atender a perspectiva histórico-dialética, opção
metodológica desta dissertação, para contemplar o necessário conhecimento da
realidade concreta. Para a análise dos dados partimos da comparação entre os
depoimentos que mostraram a visão de universidade dos estudantes e a concepção
desta instituição social que parece estar contraditoriamente induzida na direção de
um modelo de mercado. Esta concepção de universidade, para Chauí (2001),
constitui-se em uma organização social. Criamos, a partir da construção de
Fischmann e Sales (2010), uma metodologia de classificação para podermos
analisar de forma sistemática a concepção de universidade. Com essa finalidade, a
classificamos como Universidade de Ensino, Pesquisa e Extensão (UEPE) e
Universidade de Mercado (UMER). Para ampliar a compreensão deste tema de
estudo, recorremos aos autores Evans (2006) e Lakoff (2002) que apresentam uma
discussão sobre a criação de protótipos da realidade, os quais podem expor
modelos
que
“naturalizem”
determinadas
concepções.
Para
compreender
historicamente os diferentes contextos da criação das universidades foram
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analisadas concepções de Estado para a discussão da sua interferência nas
políticas de educação, em especial na educação superior. Percebemos que o
sentido de espetacularização anestesia a população e tira o foco das questões que
deveriam ser discutidas como centrais. Assim, envolvidos nesta inércia, a educação,
e nela a universidade são ressignificadas e interpretadas pelos estudantes em uma
direção apropriada pelo mundo e na exacerbação do sistema neoliberal tornam a
universidade a expressão da sociedade em que está inserida: volátil, individualista e
pragmática, mas também coletiva, filosófica e reflexiva.
Palavras
Chaves:
Universidade;
Representação; Protótipo.
Sociedade;
Estado;
Ressignificação;
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ABSTRACT
This study analyzes conceptions of universities, their representations when sight by
the society. This is a qualitative research based on dialectics, articulated by Lukacs
(1960), as there is no disconnection to reality. The dialectic is contradictory and,
though, it is not static. It moves in the history and social struggles and contemplates
reality, even that the knowledge of reality must be preceded by: what is reality? In
this perspective, understanding the problem is, initially, the search for the history of
university in its origins and the evolutionary process in the conceived contexts. From
that, we watch different representations acquired by the university, through a
bibliographic study in different sources. We sought to identify the meaning of what is
university for international organization, in particular the World Bank, reading
contemporary authors as Deise Mancebo (2010), Anísio Teixeira (1988), Luiz
Antonio Cunha (1989), Pablo Gentili (2008), Roberto Leher (2010), among others.
We also collected some empirical data through testimonials of graduate students
from Brazil and other countries. The testimonials were taken in order of getting the
historical dialectic perspective, methodological choice for this dissertation, to
contemplate the necessary knowledge of reality. The data analysis was made by
comparing the testimonials that reported the students’ conception of the university
and the notion of that social institution that seems to be led to a market shape. This
concept of university, for Chauí (2001), is a social organization. We have created,
based on Fischmann and Sales (2010), a classification method in order to
systematically analyze the concept of university. For this purpose, we classify that as
University of Teaching, Researching and Extension (UEPE) and University of Market
(UMER). To enlarge the comprehension of this theme study, we appealed to the
authors Evans (2006) and Lakoff (2002), they discuss about the creation of reality
prototype, which can expose models that “naturalize” some concepts. To historically
understand the different contexts of the creation of universities, conceptions of State
were analyzed to discuss its interference at the politics of education, specially on
higher education. We realized that the sense of spectacle anesthesia the population
and takes the focus off issues that should be discussed as major. Thus, involved in
that inertia, the education, including in it, the university, are re-signified and
interpreted by the students in a direction taken by the world, and the exacerbation of
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the neoliberal system make university the result of society in which it is inserted:
volatile, individualistic and pragmatic, but also collective, philosophic and reflexive.
Key Words: University; Society; State; Re-signification; Representation; Prototypes.
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LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Perfil dos entrevistados. ........................................................................ 91
Quadro 2 – Concepção de Universidade .................................................................. 93
13
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Evolução do número de IES por organização acadêmica – Brasil –
2005-2009 ................................................................................................................. 57
14
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 – Distribuição por tipos de IES 1 ................................................................ 56
Gráfico 2 – Comparação da IES por dependência administrativa ............................. 57
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LISTA DE SIGLAS
BIRD: Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento
BM: Banco Mundial
CEFET: Centro Federal de Educação Tecnológica
ENEM: Exame Nacional do Ensino Médio
FHC: Fernando Henrique Cardoso
FMI: Fundo Monetário Internacional
FUNDEB: Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de
Valorização dos Profissionais da Educação
FUNDEF: Fundo De Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e
Valorização do Magistério
GEF: Fundo Mundial para o Meio Ambiente
IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IC SID: Centro Internacional para Resolução de Disputas sobre Investimentos
IDA: Associação Internacional do Desenvolvimento
IES: Instituições de Ensino Superior
IF: Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
IFC: Cooperação Financeira Internacional
IFM: Instituições de Fundo Monetário
LDB: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
LDBEN: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MEC: Ministério da Educação
MIGA: Agência de Garantia de Investimentos Multilaterais
OCDE: Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
ONG: Organização Não Governamental
ONU: Organização das Nações Unidas
REUNI: Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das
Universidades Federais
RIAIPE: Rede Iberoamericana de Investigação em Políticas de Educação
UNISUL: Universidade do Sul de Santa Catarina
UDF: Universidade do Distrito Federal
USP: Universidade de São Paulo
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 18
1.1 OBJETIVO GERAL ............................................................................................. 21
1.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ............................................................................... 21
1.3 APRESENTAÇÃO DOS CAPÍTULOS..................................................................21
2 A HISTÓRIA DA UNIVERSIDADE: DA CRIAÇÃO A CONTEMPORANEIDADE . 23
2.1 ESCOLAS DA IDADE MÉDIA ............................................................................. 24
2.1.1 Escolas monacais no Oriente ...................................................................... 24
2.1.2 Escolas monacais no Ocidente ..................................................................... 24
2.1.3 Escolas Presbiteriais ou Paroquiais ............................................................. 25
2.1.4 Escolas Episcopais ........................................................................................ 26
2.1.5 Escolas Palatinas ........................................................................................... 27
2.1.6 As Pré-universidades ..................................................................................... 28
2.2 ESCOLAS “PRÉ-UNIVERSITÁRIAS” .................................................................. 28
2.2.1 A escola ascético-terapêutica de Buda ........................................................ 28
2.2.2 A escola de Confúcio ..................................................................................... 29
2.2.3 A Escola de Pitágoras .................................................................................... 29
2.2.4 A academia de Platão .................................................................................... 30
2.2.5 O Liceu de Aristóteles.................................................................................... 31
2.2.6 Os sofistas, o Jardim e o Pórtico .................................................................. 31
2.3 “ENSAIOS” DE UMA CONCEPÇÃO UNIVERSITÁRIA ....................................... 32
2.3.1 O Mouseion ..................................................................................................... 32
2.3.2 A Didascália .................................................................................................... 33
2.3.3 Constantinopla ............................................................................................... 33
2.3.4 Al-Azhar em Cairo .......................................................................................... 34
2.4 A ORIGEM DAS UNIVERSIDADES MEDIEVAIS ............................................... 35
3 A HISTÓRIA DA UNIVERSIDADE NO BRASIL .................................................... 39
3.1 O PRIMEIRO PERÍODO DE EXPANSÃO UNIVERSITÁRIA NO
BRASIL (ANOS 1960) ............................................................................................... 42
3.2 AS REFORMAS EDUCACIONAIS NA DÉCADA DE 1990: UMA
RELEITURA OTIMISTA DE UMA REALIDADE PESSIMISTA .................................. 44
4 A EDUCAÇÃO E A UNIVERSIDADE NO ATUAL CONTEXTO NEOLIBERAL ... 50
17
4.1 O PROCESSO DE PRIVATIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR NO
BRASIL: MERCANTILIZAÇÃO E RESSIGNIFICAÇÃO ............................................ 54
5 CONCEPÇÕES DE EDUCAÇÃO E UNIVERSIDADE ........................................... 59
5.1 A EDUCAÇÃO NO ÂMBITO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR NECESSÁRIA ......... 63
6 A COMUNICAÇÃO E SEU PAPEL NO SENTIDO DA CONSTRUÇÃO DO
SER HUMANO .......................................................................................................... 66
6.1 MÍDIA E OUTROS PODERES ............................................................................ 67
6.2 O LADO CONTROVERSO DAS PALAVRAS: OS “PROTÓTIPOS”,
“REPRESENTAÇÕES” E “RESSIGNIFICAÇÕES” ................................................... 72
7 CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS ............................................................... 78
7.1 CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO E PROCEDIMENTOS
DE PESQUISA .......................................................................................................... 80
7.2 COLETA E ANÁLISE DE DADOS ....................................................................... 82
8 CONSIDERAÇÕES E RECOMENDAÇÕES ........................................................ 102
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 105
18
1 INTRODUÇÃO
A definição da problemática de pesquisa é um processo que, por si só,
expressa um novo momento na formação acadêmica. Idealizar, definir e tentar
atingir um nível crítico de entendimento por meio da pesquisa de um objeto, requer
esforço, dada a complexidade desse processo, especialmente em uma sociedade
que, como definida por Bauman (2001) através da concepção de modernidade
líquida, vive a volatilidade e a intangibilidade.
Assim, num momento onde a crise mundial reposiciona economicamente
os países do globo; num momento onde o capital torna-se invisível e supranacional
(mundializado); num momento em que a universidade coloca em risco sua
autonomia com a entrada da Polícia Militar (PM) na Universidade de São Paulo
(USP); num momento em que o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) é
utilizado como critério de seleção para as poucas vagas na universidade; num
momento em que o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das
Universidades Federais (REUNI) amplia as vagas para o acesso, ainda que em
condições muitas vezes aquém das necessárias; num momento em que o Brasil tem
cerca de 2.300 Instituições de Ensino Superior (IES) e onde somente cerca de 15%
destas são do poder público; num momento de mudanças, revoluções e
acontecimentos que mudam a sociedade a cada instante, entendemos a
complexidade da decisão na abordagem do tema de estudo.
Percebemos na educação brasileira, atualmente, uma educação que
subordina a modernização dos meios à qualificação do professor. Retorna o
pensamento educacional brasileiro a ser influenciado pela teoria do capital humano,
ainda que contraditoriamente isso não ocorra em todos os níveis e modalidades da
educação. Neste sentido, valores como o conformismo, a disciplina exacerbada, a
adoção de modelos importados de ensino, a reprodução do conhecimento, entre
outros, conduzem a uma mentalidade necessária ao processo neoconservador
próprio do mundo da globalização econômica. Nesta perspectiva fica secundarizada
uma educação em valores para a crítica, para a libertação para o conhecimento
científico e tecnológico, enfim do conhecimento socialmente elaborado em favor da
melhor qualidade de vida do homem. Estamos assistindo a uma expansão
quantitativa da educação que vem na contramão da projeto do Estado brasileiro em
19
garantir a qualidade do ensino.
Parece assim, que não só no âmbito da sociedade e na educação em
especial, as ações, costumes, a cultura, partem de conceitos formulados e
influenciados que buscam direcionar o modo de pensar e agir na direção do
interesse econômico, ou seja, pelo valor do mercado.
Formar indivíduos autônomos que agem movidos pelo senso crítico não é
tarefa fácil. Se possível o é! Mover-se pela apropriação do conhecimento,
socialmente elaborado, significa compreender as regras sobre as quais a sociedade
se pauta. Esse processo é parte integrante da formação da consciência crítica.
Assim, compreender o mundo em sua complexidade contribui para retirar o ser
humano de sua inércia para torná-lo atuante em sua responsabilidade social.
Recorremos a Gramsci (1957), que destaca o papel do pensamento crítico ao
afirmar que o homo faber não pode ser separado do homo sapiens, e sendo assim,
não devem ser atribuídas ao mesmo, somente atividades técnicas e operacionais,
mas funções que possam harmonizar seu trabalho com uma autonomia e uma
conscientização para com a sociedade.
O desafio de interpretarmos as diferentes formulações de universidade
exige compreendê-la em suas múltiplas funções, em especial na produção da
ciência e no atendimento as demandas da sociedade, haja vista, nessa perspectiva
a compreensão do mundo em que vivemos.
Assim, dedicamos este estudo à busca da compreensão da universidade
em sua concepção, o que subentende analisar, do ponto de vista dialético, como ela
influencia e como é influenciada, muitas vezes, nos marcos de um mundo
sustentado pelo pragmatismo e sua consequente desconexão na relação com o
conhecimento crítico. Significa investigar como a sociedade percebe a universidade
e para o entendimento desta problemática, definimos como referência, uma
concepção de universidade historicamente construída, de indissociabilidade entre o
ensino, a pesquisa e a extensão, com gestão democrática e autonomia de gestão
administrativa, financeira e patrimonial, nos moldes do artigo 207 da Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988 e as representações que ela (a
universidade) assume. Essa indagação sugeriu, portanto, que nos debruçássemos
sobre uma metodologia de pesquisa em uma abordagem dialética, tendo
como
fonte de investigação alguns documentos, que nos limites deste estudo, foram
passíveis de análise, autores contemporâneos e diálogos com a sociedade, a partir
20
de um recorte temporal (2011), quantitativo (21 estudantes), e, principalmente
qualitativo. Isto porque nos interessava conhecer a partir de uma referência de
universidade, não só o pensar de um setor representativo da sociedade, o
estudante, como também, suas representações e o que a mídia, entre outros fatores,
aponta como referência para a concepção de universidade.
A concepção de universidade do mercado versus sua concepção crítica
vem sendo discutida largamente por historiadores como Noan Chomsky e teve nos
anos 1960 e 1970, análises culturais, históricas e sociológicas produzidas pela nova
esquerda britânica representada entre outros por Stuart Hall, Raymond Willians e
Perry Anderson, e ainda discutida nas obras de neomarxistas como do economista
como Giovanni Arrighi ou do geógrafo David Harvey. (RIMBERT, 2011).
Entender a universidade é, sobretudo, uma busca para entender sua
função no mundo e a forma com a qual ela deveria apresentar-se à sociedade, é
participar na compreensão de sua concepção e difundi-la à sociedade, confrontando
sua representação (viés de propósitos) com sua concepção historicamente
construída, desinteressada do viés econômico.
Neste sentido buscamos, por meio desta dissertação, compreender a
concepção de universidade e sua representação na sociedade.
Ao discutir este contexto faz-se necessário analisar as premissas de um
conceito que, especialmente no Brasil, aliena e conduz às bases de formação
voltadas ao imediatismo e a uma educação pragmática. Mais que isso, concebe uma
contradição a um processo que deveria libertar o estudante de dogmas para outro
que se sustenta através da dominação, sua ressignificação1.
Nesse ciclo de influências e forças antagônicas da sociedade, portanto,
interessa investigar o processo evolutivo da concepção de Universidade e suas
representações perante a sociedade.
1
A ressignificação reporta-se predominantemente à representação, à subjetividade da realidade, e é
revestida de uma tonalidade afetiva particular do indivíduo, portanto, a nível afetivo-psicológico.
Ressignificamos a realidade, muitas vezes, a partir de nosso próprio subconsciente, mas em geral, a
ressignificação é causada pela influência, especialmente num mundo onde podem buscar tais
ressignificações da realidade em consequência de interesses.
21
1.1 OBJETIVO GERAL
Discutir as concepções de universidade e as representações que esta
assume na sociedade a partir de 1996 com a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases
da Educação (LDB).
1.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS
 Identificar a percepção de universidade pós LDB de 1996 na sociedade;
 Perceber na mídia a concepção de universidade e como ela é veiculada;
 Analisar as atuais recomendações propostas pelos organismos internacionais
para a concepção de universidade
 Identificar em autores contemporâneos, o pensamento que expressa a
concepção de universidade;
 Buscar elementos que colaborem para a compreensão da universidade em
suas funções na sociedade.
1.3 APRESENTAÇÃO DOS CAPÍTULOS
No capítulo 1 apresentamos a introdução do tema, contemplando
aspectos relevantes a este estudo, bem como, os objetivos geral e específicos do
mesmo.
No capítulo 2 debatemos a história da universidade a partir do
pressuposto de uma construção histórico-dialética, apresentando desde as Escolas
da Idade Média, das chamadas Escolas “Pré Universitárias”, dos “Ensaios” de uma
Concepção de Universidade até a origem das Universidades Medievais.
No capítulo 3 apresentamos as instituições que precederam a composição
universitária no Brasil, estabelecendo os modelos expansionistas de 1960 e 1990
22
como marcos da transformação da mesma no país.
No capítulo 4 debatemos a educação e nela a universidade no atual
contexto neoliberal, propondo uma identificação de suas características com o
processo de privatização das Instituições de Ensino Superior, especialmente no
Brasil.
No capítulo 5 discutimos as concepções de universidade com base em
autores contemporâneos que pesquisam temas ligados a universidade e seu
processo de expansão no Brasil. A discussão busca refletir sobre a concepção de
universidade como um todo, sua formação e seus rebatimentos na sociedade atual.
No capítulo 6 apresentamos alguns apontamentos que aproximam a
discussão acerca da universidade e de sua representação, ressignificação ou ainda,
da criação de protótipos que possam direcionar sua concepção a um novo
“caminho”. Discussão esta que atravessa alguns elementos como sua apresentação
à sociedade através da mídia, bem como o papel desta na perpetuação de
interesses do capital.
No
capítulo
7
apresentamos
as
considerações
metodológicas,
caracterizando os procedimentos e a área de estudo desta pesquisa, a coleta e uma
análise dos dados coletados. Apresentamos aqui uma aproximação de artigos de
revistas e jornais, da compreensão de estudantes de graduação e da aproximação
destas formas de apresentar a universidade em comparação à “universidade que
queremos”.
No capítulo 8 apresentamos as considerações finais deste estudo, bem
como algumas orientações para que, a partir deste, outros trabalhos possam dar
continuidade a compreensão do objeto de estudo: a universidade.
23
2 A HISTÓRIA DA UNIVERSIDADE: DA CRIAÇÃO A CONTEMPORANEIDADE
No sentido de compreender a universidade, vislumbram-se várias formas
de concebê-la, várias definições e difusas percepções, envolvidas num processo
que, demarcado na sociedade da espetacularização, pode provocar uma
compreensão confusa, portanto, de senso comum e quase única na linha de sua
concepção, não passível de generalização. Neste sentido, faz-se aqui necessário
demarcar através de um breve relato histórico, os momentos que contribuíram para
a concepção da universidade, seu processo de criação e o contexto no qual ela se
insere.
Compreender a origem da universidade é “mergulhar” num complexo
delinear dos tempos, buscando sua criação inicial, nos séculos XII e XIII, passando
pelo período da Renascença e da Contra-Reforma, no século XVI, até o momento
atual onde reafirmamos a complexidade da compreensão de sua concepção como
uma instituição social.
A universidade assim constituída teve seus primeiros ensaios de
formação paralelos ao desenvolvimento da história da Igreja, da filosofia e do
pensamento resultante de seu reflexo na sociedade. Assim, a universidade, nos
termos que alguns dos intelectuais a concebem, é resultante do conflito de ideias,
das vigorosas degladiações intelectuais e de um conjunto de propostas
revolucionárias no âmbito político e religioso.
Dessa forma, propomos aqui discutir a universitas medieval, o modus
vivendi de alunos e professores, visando a partir do passado, compreender a
concepção de universidade através dos tempos.
Com isso, vale salientar que se delimita aqui a Idade Média2 como a
época que comporta o nascimento da universidade, sendo este período bastante
difuso por inúmeros historiadores, mas aqui demarcado por dois eventos: 313 (Edito
de Milão) como o início e 1517 (Reforma de Lutero) como o final desta fase.
Para melhor compreensão o surgimento das universidades, é importante
relancear, conforme sugerido por Ullmann e Bohnen (1994) os quatro tipos de
escolas existentes naquele período: monacais, presbiterais, episcopais e palatinas.
2
Vale salientar que o período relacionado como Idade Média como um momento de importante
desenvolvimento filosófico e teológico, marco do início do desenvolvimento universitário.
24
Sendo assim, faz-se necessário um breve histórico de cada uma delas:
2.1 ESCOLAS DA IDADE MÉDIA
2.1.1 Escolas monacais no Oriente
As escolas monacais eram voltadas a vida religiosa e compunham-se por
padres do deserto egípcio que acolhiam jovens, doutrinando-os a uma vida baseada
em ensinamentos voltados as práticas educativas centralizadas na virtude, sendo
estas formadoras de um sentido mais espiritual do que intelectual.
A formação destes meninos e jovens dava-se visando a permanência na
vida sacerdotal exercida pelos monges, e somente mais tarde acabou recebendo
alunos leigos, que tinham o interesse dos pais em prestar-lhes um serviço
educacional. Contudo, em torno de 50 anos depois de sua fundação, as práticas
voltaram a ser destinadas aos futuros monges, uma vez que se procedeu a ideia de
que os demais perturbavam sua paz e recolhimento.
Pode-se destacar aqui, entre seus percussores, São Pacômio (292-342),
Santo Antônio de Tebas (251-356), São Basílio (330-379), São Jerônimo (347-419).
2.1.2 Escolas monacais no Ocidente
No ocidente a vida monacal foi introduzida por Santo Agostinho (350430), iniciando na África, em Tagaste (atual Souk-Ahras, na Argélia) onde o mesmo
organizou um pequeno seminário para a formação dos sacerdotes.
Na região da Gália, (onde hoje se encontra parte da Itália) os monges de
são Martinho fundaram o mosteiro Marmoutir e na Europa Insular, São Patrício
construiu o mosteiro de Armagh, na Irlanda, o qual mais tarde se converteu em um
centro de cultura.
O movimento monástico atingiu seu ponto mais alto com São Bento (480-
25
543), tendo neste período, três focos de irradiação cultural, os quais compreendem
as atuais: França, Itália e Irlanda. A formação destes centros de estudos
proporcionou a criação de importantes bibliotecas, já que o desenvolvimento da
produção dos alunos podia ser transcritas na sala de copistas3, onde também eram
feitas as transcrições de textos antigos. Outro ponto que deve ser ressaltado é que
as escolas monacais não viviam isoladas, pois frequentemente mantinham
intercâmbios de códices, os quais eram copiados com o intuito de enriquecer todas
as bibliotecas.
2.1.3 Escolas Presbiteriais ou Paroquiais
As escolas presbiterais ou paroquiais possuem uma contribuição de
menor escala para a formação das universidades quanto ao conhecimento, contudo,
devem ser apresentadas em função dos novos núcleos de alcance proferidos pela
mesma. Tais escolas iniciaram suas atividades por determinação do II Concílio de
Vaison (529), na França, onde todos os párocos rurais eram obrigados a receber
meninos em suas paróquias com o intuito de educá-los para as atividades do clérigo.
Dessa forma, os alunos aprendiam nesse local basicamente a ler e
escrever, a decorar alguns Salmos e a conhecer a Bíblia, tornando-se assim
possíveis substitutos para a paróquia onde estudavam.
Mais tarde, alguns nobres4 também se utilizavam destas escolas para
provir a educação a seus filhos. Na prática, a formação dos mesmos não se
diferenciava em nada dos futuros sacerdotes (pouco se aprendia da cultura clássica,
ou talvez nada), mas dava-lhes as bases necessárias a possibilidade de sua futura
formação intelectual.
3
Os copistas eram os responsáveis por transcrever a produção dos alunos, já que nesta época não
havia imprensa. Assim a produção do conhecimento podia ser difundida e acessada entre os
estudantes. Os copistas normalmente trabalhavam durante o dia, aproveitando a luz natural. Sabia-se
que os mesmos trabalhavam em grandes mesas, providas de canetas, pincéis, penas de aves,
tinteiros e material para apagar os erros, além do que, escreviam sempre ornando as primeiras letras
dos capítulos com vinhetas e figuras geométricas. (NEWMAN, 1973).
4
Ser nobre na Idade Média não significava ter uma educação elevada. Muitos não sabiam nem ler ou
escrever e assim faziam parte desta classe pelas habilidades como guerreiro, ou seja, pela força
(ULMANN; BOHNEN, 1994, p. 30).
26
2.1.4 Escolas Episcopais
As escolas episcopais já existiam desde o século VI, mas somente
ganham força com o desenvolvimento urbano do século XII, já que, as escolas
monacais eram típicas do agrarismo medieval e as episcopais localizavam-se em
centros mais desenvolvidos, fortaleciam-se com o crescente número de alunos que
as procuravam.
Assim, as escolas episcopais foram criadas formalmente por Santo
Crodegango, por volta de 750, as quais também visavam, sobretudo, a formação de
padres como principal função, ainda que oferecessem cursos para leigos na
chamada schola exterior.
Seu crescimento encontrou o ápice no século XII, culminando no que se
pode afirmar, conforme Ulmann e Bohnen (1994, p. 31) “[...] na ante-sala para o
surgimento das universidades”. Consequentemente vê-se que as escolas monaicas
não estão diretamente ligadas à criação da universidade, mas não se pode
desconsiderar a importância das mesmas no desenvolvimento educacional da
população nesta época, bem como, por não se tratar de um marco ou de uma
verdade absoluta, o início da universidade entrelaça-se às contribuições de diversas
atividades.
Próximos do ano 1000, os bispos ordenam a ampliação do programa de
estudos e assim, as artes liberales5 acrescem a filosofia e a teologia, sendo a última,
com noções de direito canônico. Assim nascem os pilares dos conteúdos
abrangidos, os quais, adicionados aos estudos da Bíblia, formam as chamadas sete
colunas da sabedoria (NEWMAN, 1973).
Vale destacar que o papel docente era sustentado pelos bispos, os quais
não cobravam pelo ensino, vigorando assim a gratuidade, e tendo os “professores”
um pagamento pelo serviço prestado, como destacado por D’irsay (1993, p. 65)
onde “o mestre, que ensina os clérigos pobres e os alunos de qualquer escola
catedral deve receber um benefício condizente”.
Tal gratuidade não é uma inovação da época, já que os gregos, através
5
O conceito de artes liberales tem sentido distinto de nossa concepção atual, especialmente no termo
artes, já que Arquitas de Tarento (contemporâneo de Platão), Varro (116-27a.C.), Sêneca (4-65 d.C.),
Santo Agostinho (354-430), Boécio (470-525) referem-se a esta no sentido de ensino.
27
da Paidéia6, tradicionalmente ofereciam aulas fundamentadas na ideia da amizade a
da construção de uma consciência coletiva. Assim, nem mesmo Sócrates ou Platão
cobravam pelas aulas. Aristóteles oferecia seus conhecimentos dizendo que o
estudante pagaria o quanto pudesse. Decartes por sua vez, criticava os sofistas, que
no século V (a.C.) exigiam honorários antecipados e assim criaram pela primeira vez
o “comércio do conhecimento”, sendo assim acusados de vender as artes nobres7.
Os gregos, portanto não cobravam pelo ensino, mas aceitavam
recompensa fixada pelo beneficiário, o qual prestava pagamento mediante
propósitos como respeito ou gratidão pelo conhecimento e pelo auxílio do “mestre”
na busca de uma consciência crítica8.
Assim as escolas episcopais se constituíram o primeiro passo na
concepção da universidade, criando-a gratuita, contudo não laica como se espera
hoje, devido a sua forte ligação com a igreja. Dessa forma, com a introdução das
novas disciplinas, aparecem aqui a divisão de ensino e aprendizagem e
consequentemente sua formalização através da faculdade de ensinar (magister
scholae), a qual, segundo Ullmann e Bohnen (1994, p. 34), conferia o título de
licentia docendi, concebido pelo Papa e possibilitando ao mesmo lecionar na
diocese a que este pertencia.
2.1.5 Escolas Palatinas
As escolas palatinas recebem este nome por basearem-se em “palácios”,
já que eram pertencentes aos nobres da época, e mesmo existindo antes de Carlos
6
A Paidéia, originária do grego “paidos” (criança), significa simplesmente “criação de meninos”,
contudo, seu sentido é muito mais amplo. A Paidéia foi a criação grega de um sistema clássico de
educação baseado no desenvolvimento de ações que fizessem o participante formar uma consciência
que lhe fizesse entender os aspectos voltados a liberdade e a beleza cultural disponível. A Paidéia
formava cidadãos.
7
Leiamos Platão: “Digamos, pois, que a música, sob todas as suas formas e modalidades, vendida
de cidade em cidade, comprada aqui para ser levada a outra parte e ali vendida, e do mesmo modo a
pintura, a arte de fazer prodígios e muitos outros artigos destinados à alma, que se transportam de cá
pra lá, e se vendem a título de entretenimentos prazenteiros, bem como os objetos de um estudo
sério, confere ao que os transporta e os vende o direito ao título de negociante não menos que a
venda de comida e bebida”, deixando clara aqui a preocupação relevante ao comércio das artes e do
conhecimento (Platão, 223d.).
8
Consciência crítica é aqui citada como termo para visualizar o sentido do conhecimento adquirido e,
segundo o autor deste estudo, não deve ser considerada no mesmo sentido hoje empregado.
28
Magno, foram por ele difundidas, o que lhe rendeu o título de “restaurador das belasletras clássicas”. Durante este período, a França, por exemplo, não possuía uma
capital fixa e por esse motivo, os grupos se deslocavam como verdadeiros nômades.
As aulas, ministradas em latim, puderam mais tarde ser parte influente da
disseminação do idioma entre os nobres.
2.1.6 As Pré-universidades
Seguindo a história, podemos destacar a criação das, como definido por
Ulmann e Bohnen (1994), “pré-universidades”, as quais tiveram (ou buscaram ter) os
moldes do que podemos considerar um ensaio à criação das universidades. Assim,
seguindo as colaborações dos autores citados, dividimos as mesmas em um grupo
de seis escolas (a escola ascético-terapeuta de Buda, a escola de Confúcio, a
escola de Pitágoras, a academia de Platão, o Liceu de Aristóteles, e um último grupo
que contempla os Sofistas o Jardim e os Pórticos) que deram origem ao conceito ou
que contribuíram de alguma forma na direção do que conhecemos por universidade,
e outras quatro (Mouseion, Didascália, Constantinopla e Al-Azhar), que são aquilo
que podemos chamar de um verdadeiro “ensaio” da concepção de universidade.
2.2 ESCOLAS “PRÉ-UNIVERSITÁRIAS”
2.2.1 A escola ascético-terapêutica de Buda
Ao buscarmos a escola de Buda (650 a.C. – 550 a.C.), nos deparamos
com uma Índia ainda praticamente inexplorada, onde mitos e divindades
circundavam a verdade propriamente dita. Buda, é claro, não criou uma universidade
em si, pois nem mesmo a escola era compreendida na chancela formal, nem seus
alunos constituíam uma societá. Contudo, Buda discutia a distinção de uma práxis
ascética, sem especulações de cunho ontológico e detestava as especulações
29
metafísicas9, entendendo-as como uma forma de desviar a atenção da população
das questões centrais dessa sociedade e da compreensão das verdades simples10.
2.2.2 A escola de Confúcio
A escola de Confúcio (511-478 a.C.) trazia como principal lema a reforma
dos costumes, conforme Ullmann e Bohnen (1994), a piedade, o desapego as
riquezas materiais e às glórias mundanas11.
Confúcio tinha algumas centenas de discípulos que o seguiam e
atribuíam-lhe uma atitude extremamente cordial de oferecer educação até mesmo
aos que não poderiam pagar por ela, ou que lhe oferecessem um valor irrisório,
conforme o que cada um poderia pagar. Assim, sua escola difundiu ideais que
criticavam entre outras coisas, o ensino nos mosteiros através da vida monaica.
Contudo, tal escola não se desenvolveu no sentido universitas12 devido a
falta de espírito corporativo existente entre seus discípulos e a não universalização
de seus ensinamentos, muitas vezes voltados a um sentido mais ético-religioso.
2.2.3 A Escola de Pitágoras
O primeiro de uma série de colaborações gregas neste trabalho, Pitágoras
(582 a.C. - 500 a.C.) fundou uma escola na qual os discípulos organizavam-se em
uma comunidade independente, de ordem celibatária e com uma série de preceitos
como a prática do silêncio e a abstenção de determinados alimentos.
9
Metafísica, do grego “meta”, que significa “depois de, através de” e “physis” que significa “natureza,
físico”, é um ramo da filosofia que estuda a essência do mundo e a natureza da realidade.
10
Apesar de o desvio da atenção da população para questões centrais englobar um dos eixos
centrais deste trabalho.
11
Tal passagem nos fazer recordar também a Sócrates que, através da obra Apologia, de Platão, “[...]
enquanto me ficarem alento e força, antes de beber a cicuta, não cessarei de filosofar, de admoestarvos e de doutrinar a quem quer que seja, dizendo-lhe: como tu, meu estimadíssimo cidadão do maior
e do mais culto do Estados (Atenas), não te envergonhas de ocupar-te com o afã de encher o mais
possível a tua bolsa e de procurar fama e honra, e não te importas o juízo moral, da verdade e da
melhoria de tua alma?” (Platão, 29d.).
12
O termo universitas vem do latim e significa “o todo”, “o universo”.
30
A escola de Pitágoras tinha como característica os ensinamentos de
cunho religioso-moral e os ensinamentos passados do mestre para seus alunos
eram baseados em ensinamento morais e nas constituições do universo e do
cosmos, e, sobretudo, mantidos em segredo13.
2.2.4 A academia de Platão
Na Grécia, Platão (429-347 a.C.) funda a sua academia em 387 a.C.,
dando origem a um dos principais movimentos que se aproximam da ideia de
universidade abrangida por este estudo14.
Tal academia possui uma proposta de currículo que abrange feições de
ensino superior, tratando assim em um primeiro momento, do espírito humano e do
direcionamento deste a “Ideia suprema do Bem”. Em seguida, a teodicéia15 aborda
as realidades visíveis, ou o kósmos horatós, que é o conceito do não perfeito, do
mutável, do mundo-sombra, como conhecido o plano na Terra. No terceiro momento
os ensinamentos ocupavam-se da ética social e política, nos quais a virtude
empregava o ponto central da discussão.
No ensino, Platão empregava o método dialético, não repassando
conhecimento, mas sim, possibilitando aos estudantes que o buscassem através de
suas próprias análises e de suas experiências. Assim, não havia uma verdade
absoluta, mas condicionada a descoberta estabelecida por cada um deles, dandolhes a possibilidade de atingir um pensamento crítico em oposição à dominação
passiva.
13
O conceito de manter em segredo os ensinamentos é considerado, pelo autor deste trabalho, a
principal desavença com os propósitos exercidos pelo conceito de universidade, já que, a idéia que
hoje temos do que chamamos de “extensão”, trata justamente da disseminação do conhecimento
produzido na sociedade e na melhoria das condições desta.
14
Optamos neste estudo pela concepção humboldtiana de universidade que abordaremos
posteriormente. Cabe destacar que a articulação entre o pensamento de Platão quanto a distribuição
de conteúdos no currículo, bem como o emprego do método dialético associado ao pensamento de
Humboldt, são fundamentais para o desenvolvimento dos conceitos e concepções a respeito desse
tema na atualidade.
15
Teodicéia é o ramo da teologia que trata da coexistência de um Deus Todo-poderoso, de infinita
bondade, com o mal.
31
2.2.5 O Liceu de Aristóteles
Aristóteles (348-322 a.C.) foi aluno de Platão, e de sua dissidência criou o
Liceu, onde desenvolveu estudos que tinham como objetivo o conhecimento do
pensamento humano, sua abrangência e seu consequente direcionamento. Assim, o
Liceu teve participações importantes, através de Aristóteles nos escritos lógicos,
metafísicos, na metereologia, zoologia, botânica, psicologia, na moral, na retórica, na
poesia e em várias outras áreas do conhecimento, tornando-o extremamente
complexo do ponto de vista do alcance de suas investigações.
Uma das grandes contribuições a atual concepção de universidade está
baseada no empirismo, já que, Aristóteles mantinha grupos auxiliares de mestres
que estudavam o comportamento de animais e as características das plantas em
determinadas áreas e enviavam ao mesmo o resultado de suas pesquisas. Dessa
forma, o comprometimento da formação de um grupo, ainda que subordinado, traz o
início da colaboração científica.
2.2.6 Os sofistas, o Jardim e o Pórtico
Estão agrupadas aqui, três instituições: as escolas dos sofistas,
preocupadas na centralidade do homem; o Jardim de Epicuro (341-270 a.C.), que
era sobretudo uma comunidade religiosa, mas que incluía também o gênero
feminino, caso raro à época; e o Pórtico de Zenon de Cítio (340-263 a.C.), que se
tratava de uma escola fundada na tripartição da filosofia, entre lógica, física e ética.
Tais instituições também desencadearam processos que mais tarde
viriam a compor a concepção de universidade pós-moderna16, mas, contudo,
segundo D’Irsay (1993) e Díaz (1945) este grupo de mestres não compunha a
16
Guardam-se aqui as devidas discussões entre o fim do modernismo e o início do pós-modernismo,
bem como a existência ou não de uma sociedade pós-moderna. Destacam-se as inúmeras
composições lidas que delimitam o início da pós-modernidade com o fim da União Soviética e a
liberalização da China, em 1991. Contudo, saliento a compreensão pessoal de definições que
proibiriam-me demarcá-la, como as do francês Jean-François Lyotard e as “metanarrativas”, o
americano Frederic Jameson e a “lógica cultural do capitalismo tardio”, do sociólogo polonês Zygmunt
Bauman e a “modernidade líquida”, do filósofo alemão Jürgen Habermas e a formação da pósmodernidade como tendências neoconservadoras contrárias ao Iluminismo, entre outros.
32
verdadeira abrangência do caráter universitário. Eram grupos isolados que pouco
buscavam um vínculo com o Estado e com a sociedade, bem como, desenvolviam
de forma muito tímida o intuito de coletividade. Eram mestres que passavam
ensinamentos a seus discípulos preferidos e assim pouco atendiam as demandas da
sociedade. Contudo, é inegável sua contribuição na formação dos processos que
desencadearam os chamados “ensaios” de universidade.
2.3 “ENSAIOS” DE UMA CONCEPÇÃO UNIVERSITÁRIA
Ao entendermos a Universidade Medieval, que mais tarde iria compor a
estrutura desta instituição, é de sapiência coletiva que tal fato não se deu
isoladamente, nem ao acaso. A construção da universidade trouxe anteriormente,
quatro instituições que representavam claramente o que estaria por vir. Assim,
durante este capítulo, faz-se necessário um resumo estrutural destas para que nos
capítulos seguintes possibilite discutirmos a concepção da “universidade”.
2.3.1 O Mouseion
Fundada por Ptolomeu I (323-285 a.C.), o Mouseion, ou Museu, situavase em Alexandria e inicialmente era uma instituição focada essencialmente na
investigação17, a qual, mais tarde, dedicou-se também ao ensino.
A grandeza desta instituição caracteriza-se por um complexo centro de
investigações que era composto por galerias cobertas, amplos corredores, sala para
conferências públicas, além de um grande refeitório. No sentido da investigação,
segundo Ullmann
e Bohnen (1994), esta contava com um observatório, um
zoológico, jardins para aclimatar plantas, salas de dissecação e museus. O quadro
docente era composto por filólogos, homens de letras, humanistas e cientistas, e,
17
Destacam-se aqui, conforme Nestle (1987), Eratóstenes (276-194 a.C.), que calculou a
circunferência da Terra com uma margem de erro de 384 km, e Praxágoras, que foi o primeiro a
dissecar cadáveres humanos para pesquisa.
33
segundo Marrou (1948, p. 261), “[...] os professores eram isentos de impostos e de
todos os encargos (sociais), eram sustentados a expensas do rei e viviam em
comunidade, à sombra do palácio, suntuosamente alojados”.
Constitui-se aqui, em três séculos de existência, um impressionante
acervo, onde foram reunidas cerca de setecentas mil obras, e foi-se dado ênfase aos
estudos da matemática e da medicina, compondo assim o que podemos chamar de
o início das cidades universitárias.
2.3.2 A Didascália
Também em Alexandria, formou-se a escola catequética denominada
Didaskaleion, originária do desenvolvimento grego da investigação, com traços
marcantes do cristianismo, uma vez que, o crescimento do mesmo neste período
tomou proporções extremas. Assim, Grabmann (1928) destaca que há aqui um
estreito enlace entre a filosofia grega e o cristianismo e os ensinamentos do
platonismo, do estoicismo e os de Fílon, os quais encontram cordial estima e
utilização em sua incorporação com fundamentos de sistemática teológica.
Dessa forma, Alexandria se destaca neste pelo avanço na disseminação
do conhecimento, oferecendo aos seus estudantes uma prévia do que seria hoje, a
composição de universidade.
2.3.3 Constantinopla
Criada em 425 por Teodósio II18, a “universidade” de Constantinopla
funcionou até 1453 e tinha sua organização centrada na ideia do Estado como
responsável pelo que diz respeito aos custos do financiamento da educação. Todos
os professores eram então pagos pelo poder público e proibidos de ministrar aulas
particulares. A gramática era o tema central, tendo o grego e o latim, segundo
18
Teodósio II, imperador bisantino, criou o Codex iustinianus, o qual constitui o fundamento da
legislação romano-cristã.
34
Ulmann e Bohnen (1994), dez mestres para cada uma das disciplinas. A filosofia
tinha uma cadeira ministrada em língua grega, o direito em latim, e, no total
compunham-se trinta e uma cátedras, distribuídas pelo que seriam hoje
denominadas faculdades.
Dessa forma, conforme a análise de Marrou (1948), o que havia em
Constantinopla deveria sim ser deferido o título de universitas, já que, muito mais
que Bolonha19, onde inicialmente havia somente a faculdade de direito, aqui
tínhamos uma instituição com características de universidade20. Havia no local,
estudos em teologia, filosofia, e direito, bem como expressamente praticados o
ensino e a pesquisa.
2.3.4 Al-Azhar em Cairo
A “Universidade” do Cairo, criada em 988, tal qual as citadas
anteriormente, compunha um vasto repertório de argumentos que poderiam torná-la
uma universidade propriamente constituída, contudo, há pouco debate no ocidente
quanto a sua importância na caracterização do que vieram a ser a universidades
atuais.
Al-Azhar iniciou-se, segundo Galino21 (1960), com a persuasão do califa
Aziz, pelo vizir Yakub, para que o primeiro ministrasse instrução e colaborasse com
a alimentação de 35 jovens. A partir daí, a mesma foi crescendo sem cessar e atraiu
jovens de todo o mundo muçulmano e estes jovens davam uma extrema
contribuição ao que conhecemos hoje por extensão, já que, ao retornarem as suas
regiões de origem, passavam os conhecimentos adquiridos à população,
19
A Universidade de Bolonha é considerada a mais antiga do mundo ocidental. Fundada em Bolonha,
Itália, em 1088, tornou-se conhecida por suas escolas de Humanidades e Direito Civil. Em 1158, o
Imperador Federico I promulga uma "Constitutio Habita" (lei orgânica da universidade) que transforma
praticamente a Universidade de Bolonha em uma Cidade Estado (UNIVERSITÀ DI BOLOGNA, 2012).
20
Destacamos a caracterização de Bolonha e não de outras como Constantinopla, como a primeira
universidade pelo tenro fator da escolha por parte do poder, e porque não dizer da “mídia” em sua
significação do termo traduzido do inglês “meio”, ao considerarmos que o meio, ou o talvez o poder
despendido na Europa possa ser um dos grandes determinantes dessa “ocidentalização” e do
“eurocentrismo” do mundo.
21
Gostariamos de destacar uma contribuição de Galino (1960, p. 461) quando interroga que “Se a AlAzhar e à instituição organizada por Teodósio II é negado o termo universidade, merecem tal nome
muitas universidades da Idade Média e mesmo (pós) modernas?”. (grifos do autor).
35
disseminando-o assim a uma vasta região.
2.4 A ORIGEM DAS UNIVERSIDADES MEDIEVAIS
Delimitar uma data para a criação da universidade no mundo é deveras
complexo, haja vista que o processo universitário abrange uma gradativa
transformação, como aqui elencamos, desde Buda até Al-Azhar, e assim é evidente
que não caberia à Idade Média tal façanha, mas sim à constante busca do ser
humano no sentido de buscar e de transmitir o saber.
Com isso, o desenrolar da história traz algumas conclusões que podem
mostrar fatos e determinantes que contribuíram para o desenho da universidade,
demarcando os princípios e características de suas concepções atuais.
Nessa perspectiva, o próprio termo universitas22, leva a compreender
também o sentido de universidade, pois ele resulta de universitates, que se origina
da criação de agremiações ou corporações que buscavam a defesa dos direitos. As
universitates poderiam ser, segundo Nunes (1979), de barbeiros, dos comerciantes,
e de quaisquer outras atividades, o que mais tarde, acabou incorporando também as
de estudantes e professores. Estas constituíram assim as universitas magistrorum et
scholarium, em Paris, e a universitas escolarium, em Bolonha. Com isso, a
universidade tem seu início como uma comunidade que defende interesses das
classes de mestres e estudantes.
A concentração dos europeus em grandes cidades contribuiu de duas
formas na criação das universidades. Na primeira, porque algumas das escolas
monacais, catedralícias e palatinas se estabeleceram fora de pontos estratégicos de
comércio com o Mediterrâneo, e consequentemente, perderam sua força política e
estratégica no desenvolvimento, além do que, atendiam somente o trivium e o
quadrivium23, o que se tornou obsoleto frente as novas ciências da filosofia, do
22
Segundo Nunes (1979), o termo universitas designava um colégio ou uma agremiação. Contudo,
mais tarde usou-se também em Roma o termo universitas vestra para designar “a todos vós”, o que
era comum verificar no início de algumas cartas, podendo também ser compreendido como “prezados
senhores”, ou ainda “Vossa Senhoria”.
23
O trivium e o quadrivium correspondem etimologicamente ao cruzamento de três e quatro ramos ou
caminhos de discussão. O primeiro, concentrava-se na lógica, na gramática e na retórica e o
segundo, na aritmética, na geometria, na música e na astronomia.
36
direito, da medicina, da história natural e da astronomia. Na segunda, porque este
fluxo gerado pelas Cruzadas tornou possível o contato com o mundo oriental,
estimulando a curiosidade pela universalidade do conhecimento (D’IRSAY, 1993).
Devemos destacar ainda a influência dos imperadores e Papas24 na
contribuição da formação da concepção de universidade, especialmente pela
influência destes no contexto histórico, sendo que coube ao Papado, através da
Igreja ter a designação de, conforme D’Irsay (1993), conceder o diploma de licentia
ublique docendi. A Igreja era também o ponto comum entre os estudantes, além da
língua latina, já que em sua maioria, como destacado por Ullmann e Bohnen (1994),
eram compostos por oriundos de diversas nações.
Uma das característica das universidades medievais era a não
diferenciação de classes sociais25 quanto ao acesso à educação, assim, desde
clérigos, monges ou leigos, todos tinham a oportunidade de aprender e, após
formação, também ensinar. Tal modelo pode ser verificado através de Walsh (1943,
p. 114) ao afirmar que “Um homem bem dotado podia alçar-se da mais baixa classe
social às mais privilegiadas posições políticas e eclesiásticas”, contemplando assim
um desenho universitário que se sustentava nos alicerces da equidade, ainda que,
muitas vezes, entre uma contraditória disputa de interesses.
A universidade surge então em uma complexidade de experiências, de
instituições e de caminhos que abrangem uma gama significativa de razões, as
quais são apresentadas como:
As condições, que presidiram o nascimento das universidades, foram
proporcionadas pela cidade: concentração demográfica, aparecimento de
uma classe interessada no direito romano (burguesia), a intensificação das
relações, contato com civilizações até então desconhecidas, concentração
cultural – tais foram os fatores que condicionaram, social e culturalmente
[...]. (JANOTTI, 1992, p. 49).
Assim do resultado desse processo, compartilhado pelos professores e
alunos, surge a universidade direcionada a criar condições de aprimoramento do
conhecimento, servindo a sociedade que a construiu, mas com ressalvas de servir
24
Nem toda contribuição gerada pelos imperadores ou pela igreja católica foram positivos a
concepção de universidade, mas é inegável sua participação no processo de desenvolvimento da
mesma.
25
Ainda que se possa conceituar a não existência de classes sociais quanto ao acesso não quer
dizer que não haviam classes sociais à época, pois para que um jovem pudesse acessar a
universidade, os pais deveriam ter condições econômicas para mantê-lo na mesma, haja vista que
este seria um trabalhador a menos na família.
37
também aos interesses da Igreja.
Cabe destacar que a universidade tinha feições diferentes em
determinados locais, sendo esta um reflexo da sociedade na qual estava inserida.
Assim, podemos afirmar que na Alemanha, formava-se a universidade humboldtiana,
voltada à pesquisa; na França, a universidade napoleônica, voltada a formação dos
quadros superiores, como médicos juristas e professores; e na Inglaterra, a
identidade se aproximava da formação do saber universal, do gentleman.
Destacamos
que,
após
a
Revolução
Francesa,
a
universidade
napoleônica altera os modelos até então difundidos e, pela primeira vez na história,
estabelece uma instituição de ensino superior subordinada ao Estado Nacional. No
contexto de dominação de Napoleão é fundada a Universidade Imperial com um
corpo docente destinado à educação pública naquele Estado. Tal modelo de
universidade inclusive se expande até os Países Baixos e à Itália. (RIBEIRO, 1975).
Assim a ideia da universidade napoleônica é concebida não só no intuito da
educação, mas também como forma de conduzir e sistematizar a figura do
imperador nas mais distintas áreas da sociedade.
Assim segundo Trindade (1998, p.10):
Com exceção do Collège de France, a Universidade tornou-se um
instrumento do poder imperial. Seu sistema de escolas primárias, colégios,
liceus e faculdades profissionais (direito, medicina, ciências técnicas),
denominado Academia nas diferentes regiões do Império, criou ainda as
“faculdades isoladas” com diplomas equivalentes e a École Normale que se
destinava à formação de professores. O novo sistema estatal napoleônico
foi eficiente na formação profissional, mas as ciências não tiveram a
evolução da universidade prussiana de Berlim.
Neste mesmo período, o impacto causado pela guerra e demais
revoluções napoleônicas afetam diretamente todo o Estado alemão, inclusive quanto
às instituições de ensino. Segundo Trindade (1998), com a chegada e ocupação
francesa da margem esquerda do Rio Reno, as universidade de Colônia, Mayence e
Trier fecham. Neste movimento, outras dezesseis universidades também são
obrigadas a parar suas atividades. Assim a Prússia perde toda a sua base intelectual
e mostra-se necessária a criação de uma nova universidade. O amadurecimento de
um conceito de educação superior sobre os princípios da pesquisa e do trabalho
científico desinteressados começa a ganhar força, especialmente com a nomeação
38
de Humboldt26, em 1809 para o Departamento dos Cultos e da Instrução Pública do
Ministério do Interior, concebendo assim a nova Universidade de Berlin, resultado da
fusão com a Academia de Berlin, a qual passou a atuar com a garantia de liberdade
dos cientistas e sobre a proteção do Estado (D’Irsay, 1993).
Assim, segundo Trindade (1998, p. 10) a “Universidade de Berlim foi
concebida como o laboratório da nova Nação e não apenas de um Estado territorial
legado por Bismarck. Ela se torna o centro da luta pela hegemonia intelectual e
moral na Alemanha”. Esta instituição se organiza de forma integrada, diferenciandose do sistema de Faculdades Isoladas de Napoleão. Com isso, o impulso dado pela
criação da Universidade de Berlin conduz a recuperação da educação superior
alemã
entre
1810
e
1820,
enaltecendo
a
estrutura
caracterizada
pela
indissociabilidade entre o saber, o ensino e a pesquisa, proferindo-se contrária às
ideias napoleônicas de profissionalização.
No Brasil, o modelo de universidade implantado inicialmente é o
napoleônico, formando quadros ou profissionais com a exclusiva finalidade de
servirem ou incorporarem setores ligados a sua área de formação. Tal modelo
vigorou até meados de 1934, quando dois modelos de universidade foram
propostos: a Universidade de São Paulo (USP), com ênfase nos preceitos europeus
da formação humboldtiana e a Universidade do Distrito Federal (UDF), a qual
defendia a criação de um modelo de universidade brasileira. O projeto paulista
acabou sendo o modelo utilizado e a expansão deste projeto acompanhou o
desenvolvimento em toda a esfera Federal e Estadual, com algumas idas e vindas
formadas pelos períodos de ditadura (anos 1960) ou de expansão universitária (anos
1960 e 1990) que serão discutidos no próximo capítulo.
26
Wilhelm Von Humboldt ou Friedrich Wilhelm Christian Karl Ferdinand, ou também chamado Barão
von Humboldt foi diplomata, filósofo e funcionário do governo, bem como, fundador da Universidade
de Berlin. A partir dela, fez importantes contribuições a teoria e à prática pedagógica, a qual tem sua
atuação reconhecida até hoje. Humboldt foi um dos pioneiros nas reflexões sobre a concepção e a
função da universidade em si. Destaca-se pela busca da ciência objetiva através de uma formação
subjetiva.
39
3 A HISTÓRIA DA UNIVERSIDADE NO BRASIL
A formação do Estado brasileiro, resultado de uma política de colonização
e do intuito do dominador português em mantê-lo, tem uma história recente sobre a
universidade e sobre o conhecimento como bem social. A tradição brasileira de
formação de quadros no ensino superior atendia a um modelo caracterizada pelo
envio dos filhos da elite dominante à Europa para o desenvolvimento de seus
estudos. Este modelo resultava na exclusão da maioria da população no alcance de
uma formação superior que pudesse questionar os interesses da coroa portuguesa,
sendo preservado assim, o desenvolvimento de uma autonomia intelectual elitizada,
em conformidade com os ideais dos próprios colonizadores.
A Colônia oferecia, segundo Azevedo (1963), estudos em Letras e Artes
(Filosofia e Ciências), bifurcando o final deste para a continuidade em Letras e Artes,
como o realizado no Colégio Central da Bahia27; na Faculdade de Teologia em
Coimbra; ou visando a formação no sentido humboldtiano28 de universidade, na
Universidade de Coimbra, destinada aos estudos em direito; e de Montpellier, para
os estudos de Medicina.
Destacamos assim que, ao final do século da Conquista, o Brasil estava
atrasado em relação aos demais países de colonização espanhola, já que aqui eram
obtidos apenas títulos na Bahia, sendo estes complementados em Portugal ou outro
país da Europa para a então obtenção do reconhecimento de tal título. Nesse
mesmo período, as colônias espanholas já contavam com 06 (seis) universidades, e
mais tarde com 19 (dezenove), no momento de suas independências.
Com isso, segundo Fávero (2000), Portugal sempre pode exercer certo
controle do pensamento da elite brasileira, utilizando-se da influência oportunizada
em seus processos de formação. A Metrópole exercia uma política de paralisia às
políticas e movimentos criados no sentido da independência cultural da Colônia.
Algumas alterações no cenário passam a existir com a vinda da família
real em 1808, ainda que os primeiros cursos criados tenham sido para a formação
27
O padre Jesuíta Miguel Garcia enviou a Roma um relatório alertando que havia um interesse deste
em tornar-se Universidade, o que o mesmo repudiava, alegando que “[...] neste colégio querem meter
ressaibos de Universidade”. (LEITE, 1938, p. 38). Verificamos, portanto, que mesmo entre os
Jesuítas, não havia consenso da aprovação de títulos na colônia.
28
A centralidade da concepção humboldtiana de universidade é centrada na indissociabilidade entre
o ensino e a investigação (pesquisa).
40
de quadros técnicos necessários a estruturação, no intuito de fortalecer e aprimorar
as condições de bem-estar dos reis do Império.
Assim, em 18 de fevereiro de 1808 é criado o Curso Médico de Cirurgia
na Bahia, e em 05 de novembro do mesmo ano, é instituído o Hospital Militar do Rio
de Janeiro, desenvolvendo-se para o que conhecemos hoje como as Faculdade de
Medicina da Universidade Federal da Bahia e da Universidade Federal do Rio de
Janeiro. (VILLANOVA, 1948, p. 8).
Em seguida, em 1810, é criada a Academia Real Militar, visando a
formação de engenheiros civis e militares, mais uma vez destinados a ampliação das
condições estruturais e de defesa necessárias a chegada da Côrte. Esta criação foi
conferida através da Carta Régia, em 04 de dezembro, onde constava a finalidade
de “[...] formação de hábeis Oficiais de Artilharia, Engenharia, ainda mesmo Oficiais
da Classe de Engenheiros Geógrafos e Topógrafos, que possam também ter o útil
emprego de dirigir objetos administrativos de minas, de caminhos, portos, canais,
pontes, fortes e calçadas”. (VILLANOVA, 1948, p. 21). Vemos então que o objetivo
inicial da formação no Brasil era o de intuito pragmático, objetivado por interesses
referentes à formação profissional para atuação em áreas que pudessem interessar
a côrte portuguesa e não em preceitos que objetivassem a formação intelectual do
indivíduo. Podemos então dizer que o início das atividades do Ensino Superior no
Brasil visava muito mais os interesses de Portugal que do próprio país.
Dessa forma, o Brasil chega a sua independência apenas com Escolas
Superiores de modelo profissionalizante, estritamente voltado ao conhecimento
técnico e pragmático, as quais podemos aproximar das características de diversas
Instituições de Ensino Superior na atualidade.
No período que antecede a independência, várias tentativas de criação da
universidade no Brasil foram frustradas por movimentos que objetivavam a
manutenção da situação do Brasil colônia. A primeira destas, realizada em 12 de
junho de 1823, proposta do Deputado rio-grandense José Feliciano Fernandes
Pinheiro, Visconde de São Leopoldo, propõe, segundo Fávero (2000), a criação de
uma universidade no novo Império, e que esta tenha sede na cidade de São Paulo,
dado o momento de desenvolvimento local. Contudo, apesar da impressão inicial
causada pela discussão em diversas assembleias e inclusão de inúmeras emendas,
as vésperas da promulgação da Lei, o Imperador dissolveu a Constituinte.
(FÁVERO, 2000, p. 21).
41
Durante este período, até a real criação da mesma, o tema manteve-se
como constante pauta de discussões, apesar de que, em grande parte destas,
acabava tendo o mesmo destino das discussões anteriores: “a gaveta”. De qualquer
maneira, parecia que a criação da universidade era agora uma questão de tempo,
dadas as circunstâncias criadas pelas discussões apresentadas.
Assim, finalmente em 1915, através do Decreto n° 11.530, é determinado,
através do artigo 6 que: “O Governo Federal, quando achar oportuno, reunirá em
Universidade as Escolas Politécnica e de Medicina do Rio de Janeiro, incorporando
a elas uma das Faculdades Livres de Direito, dispensando-a da taxa de fiscalização
e dando-lhe gratuitamente edifício para funcionar”. Destacamos ainda que, no
mesmo artigo temos a determinação de que: “a) O Presidente do Conselho Superior
de Ensino será o Reitor da Universidade e b) O Regimento Interno elaborado pelas
três congregações reunidas, completará as organizações estabelecidas no presente
decreto”, atribuições que ainda hoje vigoram.
A partir daí, em 1920, o Governo Federal instituía a Universidade do Rio
de Janeiro29, oficializando dessa forma a criação da primeira30 universidade no
Brasil. Destaca-se que no período de 1920 a 1932, outras 05 universidades públicas
foram também concebidas, sendo elas 02 federais e 03 estaduais. Assim, tínhamos
neste período, segundo Vahl (1980), as federais: Universidade do Brasil (1920) e a
Universidade Rural do Brasil (1937), bem como as estaduais: Universidade de Minas
Gerais (1927), Universidade de São Paulo (1934) e Universidade de Porto Alegre
(1934).
Mais tarde, no período de 1937 a 1950, outras 7 universidades foram
criadas, elevando o número total para 12, e, dentre estas, destaca-se o surgimentos
das 3 primeiras universidades privadas do Brasil, as quais foram as Pontifícias
Universidades Católicas do Rio de Janeiro, de São Paulo e do Rio Grande do Sul
(CHAGAS, 1967, p. 14).
29
Alguns historiadores contestam a criação desta universidade como sendo uma instituição que teria
sido criada estritamente para conceder ao Rei Balduíno da Bélgica o título de Doctor Honoris, que
impôs como condição para participar dos festejos de independência do Brasil.
30
Encontramos diversas informações a respeito do tema “a primeira universidade no Brasil”, sendo
que a contradição representada pelas inúmeras informações de diversos autores nos faz refletir a
respeito. Encontramos em textos da própria Fávero (2000) a constituição da Universidade de Manaus
em 1909; Universidade de São Paulo em 1911 e da Universidade do Paraná, em 1912. Contudo,
concebemos a Universidade do Rio Janeiro, de 1920 como marco representado pelo Decreto nº
14.572, de 23 de dezembro de 1920, estabelecendo como objetivo da mesma “estimular a cultura das
ciências, estreitar entre os professores os laços de solidariedade intelectual e moral e aperfeiçoar os
métodos de ensino” (FÁVERO, 2000, p.28).
42
Assim, finalmente em 1955 o país já detinha 19 universidades, sendo
estas 10 federais, 03 estaduais, 05 particulares católicas e a primeira particular leiga.
Este desenvolvimento continuou homogêneo até 1967, quando o Brasil possuía 30
universidades federais, 09 estaduais, 02 municipais e 22 particulares. (VAHL, 1980,
p. 34).
3.1 O PRIMEIRO PERÍODO DE EXPANSÃO UNIVERSITÁRIA NO BRASIL (ANOS
1960)
Os anos 196031 definem um modelo de educação no Brasil cujo momento
histórico, culmina em 1964 com o golpe de Estado (março/ abril), ao ponto de ser
defendido o abandono de práticas democráticas como as de participação eleitoral.
O Brasil se organizou em um modelo onde as práticas colaborativas e
participativas da sociedade se unem em organizações e associações. Surgem
inúmeras redes como associações de moradores, sindicatos de trabalhadores32 e
outros segmentos que, divididos pela religião, gênero, conceitos, passam a conceber
as lutas da sociedade, afastando-os cada vez mais dos partidos políticos e
redistribuindo a organização da sociedade. Neste processo, inúmeras oligarquias
instauradas nos diferentes estados da federação passam, a partir da aproximação
de empenhos do cenário político, a direcionar seus interesses como classe
dominadora, também à educação, a fim de garantir uma formação de uma elite que
venha ao encontro dos interesses dessa classe. Assim, a melhoria das condições
da sociedade como um todo33 poderia ser um objetivo a ser conquistado pela
31
Há que se ressaltar que a composição da sociedade obteve, no período 1945-1964, a primeira
experiência democrática, terminando o ciclo de Getúlio Vargas (1930-1945) até o golpe de 1964.
Neste momento, os partidos políticos tinham a possibilidade de atuação, coalizão e divulgação, ainda
que, consumidos pelos limites da generalização das práticas populista ocorrida à época. (grifos do
autor deste trabalho).
32
O posicionamento do autor deste estudo concebe a liberdade e incentiva a participação de
sindicatos no Brasil, contudo, essa desconexão que vem acontecendo aos partidos políticos tende a
favorecer interesses das elites regionais e o corporativismo que se vê aumentar a cada dia,
potencializa uma forma de pensamento conservadora e despolitizada na sociedade brasileira.
33
Tal processo se evidencia com clareza em Santa Catarina, onde, a partir de 1964, há uma
crescente distribuição de universidades no interior, próximas estas das oligarquias regionais
encontradas no Estado e com o intuito de desvincular a população local da aproximação das idéias
socialistas que se desenhavam como conduta na universidade federal deste estado, bem como à
formação estrita de mão-de-obra capacitada a servir ao desenvolvimento destas mesmas oligarquias.
43
universalização do direito a educação superior.
A história do Brasil registra assim, um fenômeno de expansão
universitária a partir dos anos 1960, a qual se alastra até hoje, com as devidas
medidas aplicadas ao registro de cada época. Esta expansão ainda se dá de forma
lenta e muitas vezes orientada por fenômenos e ideologias representadas por cada
momento histórico. É no final desta década que verificamos uma expansão sem
precedentes, extremamente elitista e formada por um aumento considerável na
ampliação de vagas no ensino superior privado. Neste período desenvolvem-se as
chamadas IES isoladas, constando que, o fato de serem isoladas, permitia ainda
mais o controle de ideologias e cunho políticos representados pelos poderes locais e
regionais.
Neste período, a concepção de universidade, como proclamada pelo
Estatuto das Universidades Brasileiras, baixado em 1931 por um decreto do governo
provisório de Francisco Campos, não se materializava como realidade, pois cada
faculdade representava uma célula independente, com total autonomia de
universidade como um todo. (CUNHA, 1999). As faculdades acabavam tendo
diferentes
diretórios,
chamados
do
que
se
compunham
como
cátedras,
representadas por um professor titular vitalício e professores assistentes, livresdocentes e auxiliares34.
Assim, em 1968, prevendo que tal expansão das IES isoladas pudessem
promover uma desordem35 do atual cenário, os legisladores estabelecem a Lei n.
5.540, de 28 de novembro de 1968, fixando assim um sentido de organização das
mesmas, representada, em seu artigo 8° que “os estabelecimentos isolados do
ensino superior deverão, sempre que possível, incorporar-se à universidade ou
agregar-se com estabelecimentos isolados da mesma localidade ou de localidades
próximas, constituindo neste último caso, federações ou escolas, regidas por uma
administração superior e com regimento unificado que lhes permitam adotar critérios
34
Neste período, exacerbando o modelo elitista brasileiro, o ensino superior se caracterizava,
segundo Cunha (1989, p. 16), “[...] pela cobrança de exame vestibular, matrícula em cada ano, taxa
por cadeira (disciplina) e por período (semestre), inscrição em exame, certificado de exame, guia de
transferência, certidão de freqüência, diploma”. Contudo, a aproximação da classe média à educação
superior, em função das mudanças ocorridas neste período, propiciou o fortalecimento de entidades,
como os centros acadêmicos e desenvolveu um dos maiores níveis de organização política do país,
comandado pelo Conselho Nacional dos Estudantes, os quais se reuniam anualmente desde 1937.
35
Consideramos que tal “desordem” do cenário poderia não representar-se especificamente em
termos da melhoria do funcionamento das universidades, mas uma reorganização geográfica que
pudesse evitar, a partir da expansão das IES, a invasão do território de interesse político alheio.
44
comuns de organização e funcionamento”. Destaca-se ainda que, visando frear tal
lógica de expansão, acrescentou-se a este artigo, o parágrafo que estabelecia que
“os programas de financiamento do ensino superior considerarão o disposto neste
artigo”. (VAHL, 1980, p. 36).
Como se pode observar, em termos legais, buscava-se uma incorporação
destes estabelecimentos isolados, facilitando assim a tarefa de planejamento do
ensino superior e buscando um padrão de ensino no país. Ainda no artigo 10 da
citada Lei, buscava-se a divisão do país em “Distritos Geo-Educacionais”,
promovendo assim a aglutinação das citadas IES isoladas em universidades ou em
federações de escolas.
As ações encontradas buscavam estabelecer que o desenvolvimento das
IES isoladas devesse ocorrer em casos específicos, tratando-se de exceções do
contexto, contudo, com o resultado observado atualmente, no qual há uma
quantidade esmagadora das mesmas no cenário brasileiro, percebe-se que
alterações e novas concepções marcaram o desenvolvimento da educação superior
brasileira no decorrer dos anos.
3.2 AS REFORMAS EDUCACIONAIS NA DÉCADA DE 1990: UMA RELEITURA
OTIMISTA DE UMA REALIDADE PESSIMISTA.
Em 1990, em Jomtien (Tailândia), realizou-se a Conferência Mundial de
Educação para Todos, com financiamento de organismos multilaterais, tais como:
UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a cultura),
UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância), PNUD (Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento) e Banco Mundial. A Declaração aprovada na
conferência tratou de medidas urgentes para assegurar uma educação básica de
qualidade para crianças, jovens e adultos. Dos 155 governos que subscreveram a
declaração, os nove países com maior taxa de analfabetismo do mundo
(Bangladesh, Brasil, China, Egito, Índia, Indonésia, México, Nigéria e Paquistão)
conhecidos ali por “E 9”, comprometeram-se a agilizar políticas educativas
articuladas a partir desse Fórum.
Das estratégias acordadas na Conferência para os “E 9”, Torres (1995)
45
assim os sintetizou:
1. promover um contexto de políticas de apoio no âmbito econômico, social
e cultural;
2. mobilizar recursos financeiros, públicos, privados e voluntários,
reconhecendo que o tempo, a energia e o financiamento dirigidos à
educação básica constituem o mais profundo investimento que se possa
fazer na população e no futuro de um país;
3. fortalecer a solidariedade internacional, promovendo relações
econômicas justas e equitativas para corrigir as disparidades econômicas
entre nações, priorizando o apoio aos países menos desenvolvidos e de
menores ingressos e eliminando os conflitos e contendas a fim de garantir
um clima de paz.
Porém, nem tudo foi resolvido e esclarecido no Fórum e logo começaram
a aparecer os primeiros contrapontos:
Um primeiro problema refere-se à expressão “para todos” que sugeria uma
universalização da educação básica, que no Brasil compreendia desde a
educação infantil até o ensino médio, que a conferência não pretendia. Em
segundo lugar, alguns autores compreenderam o conceito “necessidades
básicas de aprendizagem” (NEBA) em sua função ideológica de indicar a
natureza do ensino a ser ministrado. Isto é, para estratos sociais diferentes,
ensinos diferentes, uma vez que as necessidades básicas de um e outro
não poderiam ser as mesmas. (SHIROMA; MORAES; EVANGELISTA,
2004, p. 61).
Nos anos seguintes, as recomendações de Jomtien começaram a
aparecer na política educacional brasileira, entretanto, à medida que a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação (LDB 9394/96) era debatida, o governo conseguiu
por meio de medidas provisórias implantar o seu projeto educacional, amarrados aos
compromissos firmados no Fórum e aos grandes interesses internacionais,
sobretudo porque tramitava em paralelo, por exemplo à LDB, outras leis, em um
processo silencioso e desconhecido da sociedade. Recorremos as contribuições de
Torres (1995) e a Shiroma, Moraes e Evangelista (2004) para esclarecer os
principais temas e interesses tratados na Conferência em 1990:
1. Expansão da assistência e das atividades de desenvolvimento da primeira
infância, inclusive as intervenções da família e da comunidade, especialmente
para as crianças pobres, desassistidas e impedidas;
2. Acesso universal a educação básica até o ano 2000;
3. Melhoria dos resultados da aprendizagem;
4. Redução da taxa de analfabetismo dos adultos à metade do total de 1990 até
o ano 2000 e modificação da desigualdade entre índices de alfabetização de
46
homens e mulheres;
5. Ampliação dos serviços de educação básica e de formação para outras
competências necessárias a jovens e adultos, avaliando-se os programas em
razão da modificação da conduta e do impacto na saúde, no emprego e na
produtividade;
6. Aumento, por indivíduos e famílias, dos conhecimentos, capacidades e
valores necessários para viver melhor e para conseguir em desenvolvimento
racional e sustentável por meio dos canais da educação – incluídos os meios
de informação modernos, outras formas de comunicação tradicionais e
modernas, e a ação social – avaliando-se a eficácia dessas intervenções pela
modificação da conduta.
Sendo assim, a Conferência de Jomtien aparece como um divisor de
águas
no
cenário
das
políticas
educacionais
brasileiras
atuais.
Em,
aproximadamente, 20 anos, assistimos pelo menos a sete grandes momentos na
elaboração do aparato legal no contexto político educacional brasileiro. São eles: o
Plano Decenal de Educação para Todos (1993), a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB/1996), o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do
Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF/1996), o Plano
Nacional de Educação (PNE/2001), o Plano de Desenvolvimento da Educação
(PDE/2007), o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de
Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB/2006) e o Piso Salarial
Profissional Nacional (PSPN/2008).
De forma sucinta, apresentamos o que mais se evidencia nesse conjunto
de medidas que o governo adotou para tentar cumprir os compromissos firmados na
Tailândia em 1990.
A atual LDB (Lei nº 9.394/1996) foi sancionada pelo presidente Fernando
Henrique Cardoso (FHC) e pelo ministro da educação Paulo Renato Souza, em 20
de dezembro de 1996. Baseada no princípio do direito universal à educação para
todos a LDB de 1996 trouxe diversas mudanças em relação às leis anteriores, como
a inclusão da educação infantil (creches e pré-escolas) como primeira etapa da
educação básica. O texto aprovado é resultado de um longo embate, que durou
cerca de oito anos (1988 a 1996) anos, entre duas propostas distintas. A primeira
conhecida como Projeto Jorge Hage foi o resultado de uma série de debates abertos
com a sociedade, organizados pelo Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública,
47
sendo apresentado na Câmara dos Deputados. A segunda proposta foi elaborada
pelos senadores Darcy Ribeiro, Marco Maciel e Maurício Correa em articulação com
o poder executivo através do Ministério da Educação (MEC), apresentada no
Senado Federal
A principal divergência se constituía no papel do Estado em relação à
educação. Enquanto a proposta dos setores organizados da sociedade civil
apresentava uma grande preocupação com mecanismos de controle social do
sistema de ensino, a proposta dos citados parlamentares previa uma estrutura de
poder mais centrada nas mãos do governo. Apesar de conter alguns elementos
levantados pelo primeiro grupo, o texto final da LDB se aproxima mais das ideias
levantadas pelo segundo grupo, particularmente no capítulo da educação superior,
facilitando, como nunca, em um projeto de lei a privatização desse nível de
educação, fato que ficou comprovado com a expansão desse nível de ensino no final
dos anos 1990 e no início de 2000 e que contou com forte apoio do governo FHC
nos últimos anos de sua tramitação.
O Plano Decenal de Educação para Todos foi um documento elaborado
em 1993 pelo Ministério da Educação (MEC) destinado a cumprir, no período de
uma década (1993 a 2003), as resoluções da Conferência Mundial de Educação
Para Todos, realizada em Jomtien. Esse documento é considerado "um conjunto de
diretrizes políticas voltado para a recuperação da escola fundamental no país". Em
seu conjunto, o Plano Decenal marca a aceitação formal, pelo governo federal
brasileiro, das teses e estratégias que estavam sendo formuladas nos foros
internacionais. Segundo o Plano, "os compromissos que o governo brasileiro
assume, de garantir a satisfação das necessidades básicas de educação de seu
povo, expressam-se no Plano Decenal de Educação para Todos, cujo objetivo mais
amplo é assegurar, até o ano 2003, a crianças, jovens e adultos, conteúdos mínimos
de
aprendizagem
que
atendam
a
necessidades
elementares
da
vida
contemporânea" (PLANO DECENAL DE EDUCAÇÃO PARA TODOS, 1993).
O Plano expressa sete objetivos gerais de desenvolvimento da educação
básica:
1. Satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem das crianças, jovens e
adultos, provendo-lhes as competências fundamentais requeridas para a
participação na vida econômica, social, política e cultural do país,
especialmente as necessidades do mundo do trabalho;
48
2. Universalizar, com equidade, as oportunidades de alcançar e manter níveis
apropriados de aprendizagem e desenvolvimento;
3. Ampliar os meios e o alcance da educação básica;
4. Favorecer um ambiente adequado à aprendizagem;
5. Fortalecer os espaços institucionais de acordos, parcerias e compromisso;
6. Incrementar os recursos financeiros para manutenção e para investimentos
na qualidade da educação básica, conferindo maior eficiência e equidade em
sua distribuição e aplicação;
7. Estabelecer canais mais amplos e qualificados de cooperação e intercâmbio
educacional e cultural de caráter bilateral, multilateral e internacional.
Os resultados obtidos, em consequência de Jomtien reformularam a
educação brasileira e essa reformulação nos trouxe um número maior de iniciativas
que condizem ao desenvolvimento de ações que mercantilizaram a educação.
Foram criadas as possibilidades de um novo rumo, estabelecido por uma unidade de
pensamento derivada dos organismos internacionais.
Com isso, a “reforma” do Estado passa a se caracterizar como um
processo de “desresponsabilização” do mesmo para com as políticas públicas como
um todo e de educação em particular. A Conferência de Jomtien também
desenvolveu ações de aproximação da Organização Mundial do Comércio (OMC) e
do Banco Mundial (BM) com as políticas educacionais.
Neste contexto, a “cascata” de decisões, planos e leis que surgiram do
encontro, resultaram em brechas que reconfiguraram o novo dimensionamento das
políticas de educação pelo governo federal brasileiro à época. A proximidade deste
com os processos de privatização resultaram numa afronta às políticas sociais em
nosso país, especialmente na educação superior, tornando-a um “bem de mercado”,
subtraindo sua finalidade de bem social e imprimindo e ampliando o seu caráter
mercadológico.
Nessa perspectiva, vale destacar que:
Desde o primeiro momento do governo Fernando Henrique Cardoso (19951998) têm sido implementadas uma série de políticas e um conjunto de
medidas “cotidianas” que já configuram a existência de uma reestruturação
da educação superior no Brasil que inclui, especialmente, um “novo” padrão
de modernização e de gerenciamento para o campo universitário, inclusos
no novo paradigma de produção capitalista e na reforma da administração
pública do Estado. (CATANI; OLIVEIRA, 2000, p. 63).
49
Neste processo, torna-se perceptível o caráter demarcado pela busca da
equidade e coesão social, porém, contraditoriamente, o resultado das leis
elaboradas e aprovadas no Brasil sob sua inspiração, promoveu, no caso da
educação superior, uma exacerbação do elitismo com o rumo privatista que assumiu
esse nível de ensino.
50
4 A EDUCAÇÃO E A UNIVERSIDADE NO ATUAL CONTEXTO NEOLIBERAL
As universidades enfrentam atualmente, no Brasil e no mundo, um
cenário onde ideologias, centralizações de poder e interesses econômicos induzem
a população a ter uma visão distorcida de sua concepção como um todo.
Discutir o conceito de universidade passa também por discutir o conceito
ideológico neoliberal aportado e difundido no mundo, bem como, as influências
resultantes dessa corrente de pensamento nos rumos que a universidade vem
tomando atualmente. Discutir o conceito de universidade significa discutir as políticas
públicas desenvolvidas no cenário nacional e relacionando-as com as decisões e ao
papel que desempenham no cenário social. Do ponto de vista do jogo de interesses
políticos, a concepção de universidade vem-se formando em geral, a mercê da
dominação de alguns grupos sobre outros. Nessa relação contraditória de poderes
as finalidades para com as demandas da sociedade podem ser ou não atendidas.
Neste sentido, podemos interpretar que também as políticas públicas
passam a integrar, conforme Augusto (2005), parte das mudanças realizadas com o
propósito de atender à racionalização e modernização dos serviços do Estado. São
mudanças na forma de gestão pública que implicam em redução de custos na área
de pessoal. Na área educacional, são também implementadas reformas, em que a
descentralização administrativa e financeira é característica. A participação dos
sujeitos no processo educacional torna-se um pressuposto necessário na gestão da
educação, mas a definição das políticas públicas e seu controle continuam
centralizados.
Segundo Dale (2004), o padrão de regulação educacional permanece sob
o controle do Estado, embora novas e cada vez mais visíveis formas de
desresponsabilização estão a configurar-se. Com isso, o autor considera que os
debates sobre as políticas educativas vão além dos conteúdos curriculares
desejáveis para a educação. Os quadros regulatórios que seguem os padrões dos
organismos internacionais, determinam as funções a serem desempenhadas,
definem o provimento de recursos, e o funcionamento dos sistemas educativos
nacionais. Os quadros são em maior ou menor medida, moldados e delimitados por
forças supranacionais, assim como, por forças político-econômicas nacionais,
definidas pelo neocolonialismo conservador de forças influentes na sociedade.
51
Sendo assim, podemos dizer que essas mudanças acabam ampliando
restrições ao atendimento da educação pública como política social, gerando
limitações na melhoria da prestação de serviços educacionais, direito de todos e
dever do Estado.
Concordamos com Höffling (2001) quando afirma que o Estado não pode
ser reduzido à burocracia pública, aos organismos estatais que conceberiam e
implementariam as políticas. As políticas públicas são compreendidas como as de
responsabilidade do Estado quanto à implementação e manutenção a partir de um
processo de tomada de decisões que envolvem órgãos públicos, diferentes
organismos e agentes da sociedade a elas relacionados. Nesse sentido, políticas
públicas não podem ser reduzidas a políticas estatais. Assumem "feições" diferentes
em diferentes sociedades e diferentes concepções de Estado. É impossível pensar
Estado fora de um projeto político e de uma teoria social para a sociedade como um
todo.
Dessa forma, tratamos aqui políticas públicas sociais, sobretudo a
educacional, como formas de interferência do Estado, visando à manutenção das
relações sociais de determinada formação social. Assim, nosso estudo sobre
políticas públicas educacionais se insere em um contexto do Estado capitalista, com
características mais amplas, complexas e contraditórias no campo das relações
econômicas.
Uma das marcas da sociedade brasileira é que o Estado nacional pode
estar perdendo a capacidade de controlar os capitais. Não ter o contraponto do
trabalho é uma força que fica sem controle da sociedade. O capitalismo sem
nenhum tipo de controle vai influenciando a sociedade e isto é possível que já venha
acontecendo com o padrão de desenvolvimento contemporâneo.
Inserido nesta discussão, o mercado desta forma, busca o conhecimento
e, assim, uma constante aproximação com o mundo acadêmico, utilizando-se da
estratégia de que este conhecimento resulta em saldos lucrativos necessários ao
desenvolvimento dinâmico do mesmo.
No entanto, não são exclusivamente as relações de trabalho que mudam
em função do capital. O próprio capital, para que continue se fortalecendo, exige
mudanças de qualidade em sua escala com o intuito de aumentar sua abrangência e
sua força em todo o mundo. Por isso, o capitalismo se apresenta cada vez mais
concentrado e móvel, tentando encontrar diversas formas de expansão.
52
No campo econômico, o caráter predatório da concorrência e a crescente
mobilidade dos capitais comprometeram a capacidade da sociedade
nacional preservar o controle sobre os centros internos de decisão e
reproduzir os mecanismos de solidariedade orgânica entre as classes
sociais. No plano político, a acirrada disputa pelo monopólio das novas
tecnologias e pelo controle dos mercados mundiais acirraram
perigosamente as rivalidades entre os Estados nacionais, provocando uma
encarniçada concorrência pela atração de investimentos produtivos e pela
criação de empregos industriais. (SAMPAIO JÚNIOR, 2007, p. 145).
Sendo assim o capital se torna cada vez mais concentrado e móvel,
fazendo com que os países desenvolvidos, ou de centro, se preparem para esse
confronto. A ideia é minimizar os desejos desse capital sobre sua sociedade,
assumindo uma mudança na qualidade e na escala do espaço econômico nacional.
Com isso procuram atrair e manter algum controle sobre este capital, na esperança
de encontrar soluções para que ele seja mais estável com o seu espaço econômico
nacional.
Se é móvel, ele se torna instável e passa a ser muito poderoso em
relação à sociedade nacional. Por isso é necessário criar condições para que
mesmo móvel esse capital fique em seu país. Dessa forma gera-se uma política que
instaura uma competição desenfreada entre os estados nacionais. Assim, Sampaio
Júnior (2007) destaca que se as economias capitalistas mais desenvolvidas
possuem alguma possibilidade de atenuar os problemas destrutivos causados pela
globalização, que elas mesmas impulsionam ao reforçarem os planos necessários a
sua hegemonia e que tal possibilidade não se manifesta nas regiões periféricas, ao
contrário, acentua os efeitos negativos resultantes desta política. (FALETTO, 2009).
Os países subdesenvolvidos ou da periferia, não conseguem de forma
alguma exercer controle e muito menos manter relações duradouras sobre esse
capital porque não conseguem desenvolver sua infraestrutura econômica, não
implementam uma política de formação de profissionais de acordo com as
demandas da sociedade não ampliam seu estado econômico nacional, não
exercendo sua soberania.
Contraditando a crença de que a adesão ao receituário neoliberal permitiria
à América Latina aumentar a competitividade de sua economia e aproximála do Primeiro Mundo, o balanço de quase duas décadas de ajuste às
determinações da comunidade internacional mostra uma realidade
desoladora, marcada pela ampliação do atraso econômico e acelerada
deterioração das condições de vida da população. Nesse contexto, não
deve causar surpresa o avanço descontrolado da barbárie, ainda que de
maneira desigual, em todos os recantos do continente. (SAMPAIO JÚNIOR,
2007, p. 149).
53
Mas, qual a influência da globalização na concepção de Estado e, em
especial do Estado nacional? O desenvolvimento e a aceitação da globalização por
parte da “massa”, oculta e mascara determinadas realidades de exclusão,
intensificando a consolidação e a aceitação mundial deste fenômeno como a única
porta de entrada após o fim da bipolaridade mundial representada ao final do século
passado por Estados Unidos e o neoliberalismo e a União Soviética e o socialismo.
Faz-se parecer que a única saída do mundo seria o neoliberalismo, influenciado pelo
do acúmulo de capital na linha da universalidade econômica.
A globalização traz consigo um confronto social e uma nova forma de
exclusão da sociedade, fortalecida pela hegemonia e pelos processos contrahegemônicos. Tal exclusão é talvez ainda mais “perversa”, pois dá aos participantes
a falsa compreensão de que não estão envolvidos neste ciclo vicioso de sistema que
se aproxima muito ao feudalismo. Assim, a opressão, a servidão e as desigualdades
são marcadas, segundo Frigotto (2010), pela ilusão de uma sociedade livre e
igualitária.
Algumas análises destacam a preocupação de diversos intelectuais com o
processo denominado globalização e a visão do modelo neoliberal como a saída
única para o mundo.
O sistema global apresenta vários riscos. São diversas armadilhas que
estão vitimando milhares de pessoas em todo mundo, manifestando-se
através de crescente exclusão social, que vem assolando, tanto países
ricos, como os chamados países de periferia. Em nome da dita ordem,
várias crianças estão morrendo de subnutrição, já são milhares de
desempregados e inúmeras pessoas que vivem marginalizadas. (SILVA,
1997, p. 271).
Martin e Schumann também alertam sobre o contexto da exclusão, o qual,
encoberto por uma ressignificação da globalização pela mídia, gera um processo
que pode eclodir em alguns anos, devido à privação de pessoas frente aos
empregos e à nova forma de separação social: “Somente teóricos ingênuos ou
políticos míopes podem julgar que se possa, como atualmente na Europa, privar ano
após ano milhões de pessoas do seu emprego e do seguro social, sem ter que
pagar o devido preço político algum dia”. (MARTIN; SCHUMANN, 1998, p. 20).
É aqui, na fronteira da dimensão cultural com a dimensão do Estado que
há uma reprodução dessa relação colonialista neoconservadora no âmbito de
54
políticas educacionais reforçando uma tendência geral na organização da política
educacional. Nesse contexto, qual é a política educacional para os países
subdesenvolvidos ou em fase de desenvolvimento? É a estabelecida por organismos
internacionais? Isso não quer dizer que os organismos internacionais consigam
diretamente impor as suas políticas, pois eles vêm em desencontro com as forças de
resistências, classes operárias, classes políticas, etc., mas, contraditoriamente,
influenciam toda uma rede de concepções na sociedade.
Concordamos com Mészáros (2008), quando salienta que não pode haver
uma solução efetiva para a auto-alienação do trabalho, sem que se promova,
conscienciosamente, a universalização conjunta do trabalho e da educação, ou seja,
para que possamos assumir mudanças No contexto educacional, devemos, acima
de tudo, estabelecer uma formação sólida e consciente aos indivíduos, lutando pela
conquista
do
reconhecimento
social,
baseado
no
conhecimento
crítico
e
multidisciplinar, tornando-o independente de uma visão mercantilista e pragmática
que o cerca.
4.1 O PROCESSO DE PRIVATIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL:
MERCANTILIZAÇÃO E RESSIGNIFICAÇÃO
Frente aos demais países, e apesar do seu crescimento econômico, o
Brasil continua ocupando uma posição desfavorável, seja em relação as políticas
sociais ou, em particular à educação. Cada vez mais percebemos que a
aproximação
dos
níveis
de
vida
entre
os
países
desenvolvidos
e
em
desenvolvimento está diretamente ligada a perda da formação do estado nacional,
ficando comprometida inclusive a identidade cultural historicamente construída. Seja
no nível das forças produtivas, no nível das relações de produção, no nível da
organização do território, no nível da organização de um Estado ou no nível da
organização da cultura. Todos os pilares da nossa sociedade estão sendo abalados
na sua soberania.
Este quadro apresentou-se inicialmente no governo do Presidente
Fernando Collor de Melo (1990 – 1992) e delineou-se no de Fernando Henrique
Cardoso, (1994 - 2002), após a reforma institucional que buscou introduzir na esfera
55
social, por intermédio de um pacto social pragmático, a racionalidade capitalista e
privatista, que se expressa na redução do público e na expansão do privado. Tal
pragmatismo perdurou na administração Luiz Inácio Lula da Silva (2002 – 2010) com
uma tendência, principalmente, dos dois primeiros elementos das forças produtivas
centrais. A educação, assim, se destaca não como, defendida por Paulo Freire, na
constituição da autonomia, mas encontra-se subordinada à economia, enquanto
mediadora das políticas de ciência e tecnologia de um modelo econômico neoliberal
que consequentemente expressa-se pelo consumo. (SILVA JUNIOR, 2007). Assim,
a educação brasileira é também enfocada no contexto do neoliberalismo, tendendo a
distanciar-se da responsabilidade do atendimento pelo Estado, transferindo para a
sociedade civil mais essa função. Deste modo o que seria direito social, passa a ter
um caráter de mercado econômico.
A expressão maior da mudança do panorama das IES brasileiras foi
arquitetada por um conjunto de medidas legais nos anos 1990, entre as quais a Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB)36, que, segundo Mancebo
(2010), no capítulo “Educação Superior”, artigos 43 a 57, aponta para a
diferenciação e flexibilização da oferta de ensino, definindo sua organização em:
Universidades, Centros Universitários e Faculdades Integradas, Faculdades,
Institutos ou Escolas Superiores37.
O resultado desse processo de diversificação no Brasil pode ser
visualizado através da Sinopse do Ensino Superior do Ministério da Educação (MEC)
de 2009, conforme o Gráfico 1.
36
Brasil (1988); Brasil (1996b).
A organização da educação superior, conforme decreto Decreto 5.773 de 09/05/06, modificou o
artigo 44 da Lei nº 9.394, de 20/12/96, ao destacar no credenciamento a reorganização das IES em:
Faculdades, Centros Universitários e Universidades.
37
56
Gráfico 1 – Distribuição por tipos de IES 1
Fonte: Brasil (2009).
O Gráfico 1 mostra a expansão do número de Faculdades que
representam 84,96% do total de IES no Brasil. Neste sentido, um percentual elevado
de estudantes desse nível de ensino está inserido num modelo de IES que, em
geral, não atende ao princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e
extensão, sobre a qual se sustenta a produção do conhecimento. Também não
atende ao princípio da igualdade de direitos que permite a criação desmedida de IES
privadas, o que concorre para a desresponsabilização do investimento público,
elitizando cada vez mais o acesso à universidade, caracterizada pela pouca inclusão
de brasileiros e brasileiras. (SANTOS, 2010). Entendemos que há um grave
problema no Brasil que não se constitui apenas na exclusão dos jovens no direito ao
acesso ao ensino superior e a permanência nele, mas agrava-se porque as vagas
nesse nível de ensino ainda são limitadas, sobretudo as de acesso à universidade,
como apresentado na Tabela 1.
57
Tabela 1 – Evolução do número de IES por organização acadêmica – Brasil – 2005-2009.
Ano Total Universidades
%
Centros
%
Faculdades
%
Universitários
Institutos
%
Federais e
CEFET’s
2005 2.165
176
8,1
114
5,3
1.842
85,1
33
1,5
2006 2.270
178
7,8
119
5,2
1.940
85,5
33
1,5
2007 2.281
183
8,0
120
5,3
1.945
85,3
33
1,4
2008 2.252
183
8,1
124
5,5
1.911
84,9
34
1,5
2009 2.314
186
8,0
127
5,5
1.966
85,0
35
1,5
Fonte: Brasil (2009).
As mudanças que ocorreram na composição das IES no Brasil, agravada
nos anos 1990, levaram os estudantes ao distanciamento da pesquisa e extensão.
Tal crescimento praticamente estagnou a partir de 2005, mas, do ponto de vista da
formação, o desajuste já estava concebido. Tão preocupante quanto esta
composição das IES é o reduzido número de estudantes entre 18 e 24 anos, que no
Brasil somam 5.954.021, que cursavam esse nível de ensino em 2009. (BRASIL,
2009). É evidente a discrepância do número de estudantes nos diferentes tipos de
IES. Para termos um exemplo, basta observar que o percentual de universidades se
manteve em torno de 8% entre 2005 e 2009. Por outro lado, o percentual de
faculdades, apesar se manter em torno de 85% do total de IES, já contava, desde
2005, com um número enorme em relação ao número de universidades, ou seja,
havia dez vezes mais faculdades do que universidades.
Gráfico 2 – Comparação da IES por dependência administrativa
Fonte: Brasil (2009).
58
O processo de expansão privada pode ser visualizado no Gráfico 2. O
número de IES privadas é de 2.069, o que corresponde a 89,40%, e o número de
IES públicas é de 245 (94 Federais, 84 Estaduais e 67 Municipais), o que
corresponde a 10,60%.
Tal processo de expansão expressa uma concepção de IES voltada
predominantemente para o mercado de trabalho (ensino). A formação dos docentes
que atuam nos Centros Universitários, Faculdades e Faculdades Integradas está
concentrada nos cursos de Especialização (38%) e Mestrado (41%), enquanto que,
a Universidade apresenta uma concepção mais voltada para a pesquisa, exigindo
que pelo menos 1/3 do corpo docente tenha formação em nível de doutorado. Numa
análise mais apurada, percebemos, ainda, que o perfil dos docentes das classes de
IES citadas caracteriza-se por professores de tempo integral nas públicas, e
professores horistas nas privadas. Observamos que, em ambas, a maioria dos
docentes é do gênero masculino e a maioria dos discentes concentra-se no gênero
feminino (BRASIL, 2009).
59
5 CONCEPÇÕES DE EDUCAÇÃO E UNIVERSIDADE
O sentido que se busca para a universidade como um todo, traz à tona a
discussão do sentido da educação que, destacada por Teixeira (1977, p. 12) que:
Quando na Convenção Francesa se formulou o ideal de uma educação
escolar para todos os cidadãos, não se pensava tanto em universalizar a
escola existente, mas em uma nova concepção de sociedade em que
privilégios de classe, de dinheiro e de herança não existissem, e o indivíduo
pudesse buscar pela escola, a sua posição na vida social.
Assim, observamos que a educação, seja ela na concepção de educação
superior ou não, tem por objetivo a formação do homem comum na direção de uma
transformação intelectual que vise sua colaboração para o bem-estar da sociedade a
qual este pertence.
Portanto, qual seria o conceito de formação universitária no Brasil?
Estaríamos realmente formando indivíduos condizentes a esta concepção, ou
estaríamos retornando aos conceitos do Brasil colônia ao formar indivíduos aptos ao
trabalho solicitado pela côrte38?
Este novo embate sobre a universidade no contexto do neoliberalismo
traz a uma nova concepção de universidade e de sua função na sociedade. Neste
sentido a concepção da universidade nos remete a uma contestação da identidade
política neoconservadora imperante, a qual induz a uma corrente de pensamento
estritamente direcionada a lucratividade e ao sentido de resultados práticos e
imediatos. Assim, conforme destacado em alguns pontos desta dissertação, a
concepção de universidade que aqui se defende, acima de tudo, defende também
uma alternativa ao pensamento único e ideológico neoliberal.
 A educação segundo os organismos internacionais (Banco Mundial)
O Banco Mundial é fundado em 1944, após o término da Segunda Guerra
Mundial, na conferência de Bretton Woods, sendo hoje composto por um grupo de
instituições financeiras, tendo como principal representante, o Banco Internacional
38
O novo conceito de côrte poderia ser hoje trazido pelas grandes corporações, pelos detentores do
capital ou ainda pelos organismos internacionais que constantemente “ditam” o sentido da educação,
da formação dos indivíduos e do objetivo de sua formação universitária.
60
para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), o qual abrange: a Associação
Internacional do Desenvolvimento (IDA), a Cooperação Financeira Internacional
(IFC), o Centro Internacional para Resolução de Disputas sobre Investimentos
(ICSID), a Agência de Garantia de Investimentos Multilaterais (MIGA) e o Fundo
Mundial para o Meio Ambiente (GEF).
O processo de tomada de decisões é feito na base de cálculo “um dólar,
um voto”, ou seja, para cada dólar aplicado, os seus 190 países constituintes têm um
voto representado. Assim, o poder de decisão está diretamente ligado a contribuição
orçamentária.
O Banco Mundial teve sua composição baseada na ideia de reconstruir as
economias devastadas pela guerra, além de tornar-se credor para empresas
privadas. Tal atividade foi o foco de suas políticas somente até meados de 1950,
quando em contrapartida ao crescimento das tensões causadas pela Guerra Fria,
passou a criar e a apoiar programas de assistência econômica e de empréstimos a
países de Terceiro Mundo, reforçando assim a incorporação destes ao bloco
ocidental não comunista. Com isso, segundo Haddad39 (2008), 70% dos programas
de empréstimo realizados pelo Banco, entre 1950 e 1970 visavam políticas de
industrialização destes países e a tese central deste programa era que a pobreza
desapareceria em função deste processo desenvolvimentista.
Com a constatação de que, após o término deste período de duas
décadas, a pobreza não só persistiu, mas aumentou, especialmente no que diz
respeito aos países desenvolvidos e subdesenvolvidos. Dessa forma, o Banco
resolveu ampliar o pacote de medidas, passando assim a investir não só na
industrialização, mas também na agricultura e nos setores sociais. Verifica-se a
partir deste momento, nos discursos implementados entre as décadas de 1970 e
1980, um forte apelo a políticas de combate da pobreza.
A década de 1980 caracteriza-se por uma nova reformulação das ações
não só do Banco Mundial, mas também de outras Instituições de Fundo Monetário
(IFM). Neste período, com o extremo endividamento dos países subdesenvolvidos,
com destaque aos países latino-americanos, o Banco concentra suas ações em um
39
O autor Sérgio Haddad destaca a participação de Camila Crosso, Vera Masagão, Carolina Gil,
Carmen Cacciacarro e Marina Gonzalez nos processos de coordenação, edição, revisão e
colaboração, para a composição do texto apresentado com o título: “A concepção do Banco Mundial
sobre desenvolvimento e Educação”, pag. 17-28, inseridos no livro de Haddad, com título disponível
nas referências bibliográficas.
61
papel de interlocutor na renegociação das dívidas, bem como no processo de
abertura das economias e na adequação destes países para a retomada de novos
financiamentos.
Tal reestruturação das economias endividadas teve como consequência
algumas condicionalidades recomendadas pelo Banco, negociando propostas e
projetos específicos, sendo que, algumas delas, poderiam inclusive mudar
legislações vigentes nos Estados em questão.
Assim, a partir da metade da década de 1990, novas reformas são
implementadas, envolvendo especialmente o aprofundamento das políticas de
abertura comercial, a desregulamentação e a privatização iniciadas nos anos 1980.
No caso brasileiro, verificamos aqui, entre outras reformas, a flexibilização do
mercado de trabalho e as alterações de cunho trabalhista e previdenciário, bem
como as novas políticas de reforma do ensino superior.
Finalmente, em 16 de março de 2005, o então presidente americano
Geroge W. Bush indica a sucessão de James Wolfesohn pelo conservador Paul
Wolfowitz, para a presidência do Banco Mundial, causando o repúdio de diversos
setores e entidades40, e acreditamos que, a partir deste momento o Banco possa
passar a ser, ainda mais, um braço da economia e do autoritarismo hegemônico
americano no mundo, ainda que atualmente possam haver questionamentos sobre o
tema.
Outro ponto com relação ao Banco Mundial relaciona-se as políticas de
integração com o FMI, dando aos países a obrigatoriedade de serem previamente
filiados a esta. Contudo, nos últimos anos, a aproximação de ambos com a OMC é o
fato que causa maior estranheza, já que os dois organismos que deveriam combater
a pobreza, como no princípio da argumentação para a sua criação são hoje
enfáticos na importância dos esforços de liberalização comercial, tendo como
consequência a possibilidade de controle de investimentos em áreas, como por
exemplo, a da educação.
O Banco Mundial acentua a discussão na dimensão do ensino superior 41,
através das demandas apresentadas a outros níveis de ensino, quando afirma que
os recursos destinados a este, deveriam ser entregues para a melhoria da
40
Tal repúdio pode ser acessado e lido em diversas entrevistas na época, entre elas a da Rede
Brasil, disponível em <www.rbrasil.org.br>, em 17 de março de 2005
41
Em 1998 o Banco Mundial criou um novo organismo, a Edinvest, destinado especificamente a
promover a educação privada a todos os níveis.
62
educação. Algumas proposições são apresentadas por meio de argumentos que
apontam para uma série de novas orientações como:
Fomentar a maior diferenciação das instituições, incluindo o
desenvolvimento de instituições privadas; proporcionar incentivos para que
instituições diversifiquem as fontes de financiamento, por exemplo, a
participação dos estudantes nos gastos e a estreita vinculação entre o
financiamento fiscal e os resultados; redefinir a função do governo no
ensino superior; adotar políticas que destinadas a outorgar prioridade aos
objetivos da qualidade e da equidade. (BANCO MUNDIAL apud
SGUISSARDI, 2009, p. 62).
Assim, percebe-se as implícitas e explícitas conduções de um novo
contexto universitário, a partir do qual, a composição de novos significados e a
aceitação e absorção dos mesmos pela sociedade vêm até mesmo propor a “tal”
diversificação, direcionando o ensino superior a uma centralidade não mais
localizada na universidade.
Este processo de acentuação nas discussões para a priorização da
educação básica, induz a pensar que tem por objetivo “entregar” a educação
superior brasileira às oligarquias já dispostas a investir no setor, perdendo assim a
autonomia que deveria ser característica desta instituição. Concordamos com
Dourado quando afirma que:
Ao defender o princípio da priorização da educação básica, cujo foco é a
educação escolar, busca-se construir mecanismos ideológicos, sobretudo
em países como o Brasil que sequer garantiu a democratização do acesso à
educação básica e a permanência nesse nível de ensino. Ao priorizar a
educação básica escolar, restrita à aprendizagem das habilidades cognitivas
básicas, as propostas do Banco Mundial indicam que o discurso da
centralidade do conhecimento, a despeito de enunciado, configura-se como
um artifício de retórica e adesão às premissas do neoliberalismo, reduzindo
o processo de formação a uma visão de racionalidade instrumental,
tutelada, restrita e funcional ante o conhecimento universal historicamente
produzido. Em contrapartida, essas políticas acarretam a secundarização de
projetos de educação não-formal, o redirecionamento da educação
profissional e o processo crescente de privatização da educação,
especialmente da educação superior. (DOURADO, 2002. p. 239-240)
Esta nova visão da racionalidade instrumental, do pragmatismo na
formação pode destruir toda a história de lutas sociais construídas no bojo da
universidade brasileira, bem como, proporcionar ao mercado o direcionamento das
pesquisas a serem conduzidas pelas instituições. Ora, se a universidade passa a ter
financiadores com seu processo de privatização, estariam eles dispostos a
patrocinar pesquisas voltadas a direitos trabalhistas que podem ferir seus preceitos
63
de lucratividade? Estariam eles dispostos a patrocinar pesquisas que fossem
contrárias a sua ideologia?
5.1 A EDUCAÇÃO NO ÂMBITO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR NECESSÁRIA
[...] nenhuma outra instituição parece tão natural como esta e evolui, como
as coisas naturais, por leis próprias ou sem lei nenhuma. Deixar-se levar e,
deste modo, se transforma, sem saber bem como se transforma, sem saber
bem como se está transformando. [...] Acompanhar esta transformação
desde 1852 até, depois de 1930 e, com a Segunda Guerra Mundial, até os
dias de hoje, corresponde a assistir a história de uma instituição que, entre
mil resistências, rompe com o isolamento e se vai, aos poucos, misturando
com a vida presente até se fazer, talvez, instituição completamente nova
pela sua complexidade, pela sua variedade, pelo seu pluralismo, e, por que
não dizer, pela sua extrema confusão e divisionismo. (TEIXEIRA, 1988, p.
74-75)
A universidade é (ou deveria ser) um espaço social destinado a
aprendizagem e a formação de um pensamento crítico voltado a conduzir soluções
que possam contribuir na racionalização do saber e na utilização do conhecimento
construído em prol de toda a sociedade. Bollmann e Carvalho (2009) destacam que
“a universidade é uma instituição social e, portanto sua legitimidade se sustenta no
princípio da autonomia e na indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”.
Assim, destaca-se a análise de Magalhães (2004) e Newman (1973) que
a universidade deve ter um caráter de fornecimento de educação como formação
crítica, bem como, não deve se basear na fragmentação de uma concepção de
trabalho, de governo ou de ideologia dominante. Já para Anísio Teixeira (1988), a
universidade é muito mais do que um meio de difusão de conhecimento e de
conservação da experiência humana, já que os livros podem realizar estes papéis.
Também não é uma forma de preparar práticos ou profissionais de ofício, já que
escolas mais singelas poderiam fazê-lo. Então, universidade seria a atmosfera
resultante do mundo acadêmico, o empirismo. O conhecimento chamado pelo autor
de conhecimento “vivo” é o maior bem que se pode obter, e este somente se daria
através da vivência e do acúmulo de experiências resultantes desta vivência.
Marrero e Mallada (2009, p. 175) expressam também o sentido do “conhecimento
vivo” de Anísio Teixeira ao afirmar que “una de las mayores satisfacciones que
pueden obtenerse en el campo académico, es el poder establecer diálogos
64
interesantes y fecundos con otros colegas que están dedicados a las teóricas y
prácticas”.
Para Ristoff (1999, p. 69) “no seu sentido mais amplo e institucional, as
ações de uma Universidade são o ensino, a pesquisa e a extensão –
constitucionalmente a serem desenvolvidos de forma indissociável”. Entendemos
nessa mesma direção a afirmação destacada por Gentili (2008) que as
universidades democráticas devem ser espaços de produção e difusão dos
conhecimentos socialmente necessários à compreensão e à transformação do
mundo em que vivemos.
Silva Júnior (2005) destaca a preocupação quando ao tratar de parte do
texto da LDB, destaca o estímulo para que sejam buscadas novas formas de
financiamento da educação superior.
Milton Santos (2008, p. 20) reflete sobre as características desse novo
processo de formação universitária quando coloca que “[...] no mundo de hoje,
aumenta o número de letrados e diminui o número de intelectuais”.
Sendo a universidade parte integrante da formação pessoal e tendo
importante papel na formação profissional do estudante, discute-se também a sua
própria identidade, onde se faz necessário estabelecer parâmetros os quais possam
dar sustentabilidade e caracterizar diferentes níveis de formação, proporcionados
pelos diferentes âmbitos e pelas diferentes qualificações obtidas pelo mesmo.
Considerando os aspectos relacionados à educação, é necessário
estabelecer e diferenciar as modalidades e os papéis das instituições de ensino, seja
ela, conforme Decreto n°. 2.306, de 19 de agosto de 1997, quanto a sua
organização, classificadas em: universidades; centros universitários; faculdades
integradas; faculdades; institutos superiores; ou escolas superiores (BRASIL, 1997,
art. 8°), além, dos institutos tecnológicos e demais formadores para uma área que
não exige ensino superior no desempenho de seu ofício. Lamarra (2007, p. 18)
também questiona a diversificação das IES ao afirmar que “para atender la demanda
creciente y con el predominio de las concepciones de mercado, se fueran creando
diversos tipos de instituciones de educación superior (IES) universitarias y no
universitarias [...] sin criterios a niveles de calidad y pertinencia institucional”.
Com o intuito de posicionarmos a concepção de universidade defendida
por este autor, recorremos a Chauí quando afirma que:
65
A universidade é uma instituição social e como tal exprime de maneira
determinada a estrutura e o modo de funcionamento da sociedade como um
todo. Tanto é assim que vemos no interior da instituição universitária a
presença de opiniões, atitudes e projetos conflitantes que exprimem
divisões e contradições da sociedade. Essa relação interna ou expressiva
entre universidade e sociedade é o que explica, aliás, o fato de que, desde
seu surgimento, a universidade pública sempre foi uma instituição social,
isto é, uma ação social, uma prática social fundada no reconhecimento
público de sua legitimidade e de suas atribuições, num princípio de
diferenciação, que lhe confere autonomia perante outras instituições sociais,
e estruturada por ordenamentos, regras, normas e valores de
reconhecimento e legitimidade internos a ela (CHAUÍ, 2003, p.1).
Ainda, para reforçar o posicionamento do autor deste estudo, utilizamos
também a concepção proposta pelo Sindicato Nacional dos Docentes de Instituições
de Ensino Superior (ANDES-SN), quando que:
A universidade, como importante patrimônio social, caracteriza-se pela sua
necessária dimensão de universalidade na produção e transmissão da
experiência cultural e científica da sociedade. Ela é, essencialmente, um
elemento constitutivo de qualquer processo estratégico e de construção de
uma identidade social, além de uma instituição social de interesse público,
independente do regime jurídico a que se encontra submetida. (CADERNOS
ANDES, 2003)
Para Leher (2010), as universidades brasileiras e latinoamericanas foram
alteradas em todas as suas dimensões, desde a docência à investigação, do
financiamento à carreira. Dessa forma, “[...] a universidade ressignificada termina por
assumir seu papel na exacerbação do pensamento único, do senso comum, da
massificação [...]” transformando-a em “[...] um espaço de lógica competitiva e
individualista”. (BOLLMANN; CARVALHO, 2009, p. 27).
66
6 A COMUNICAÇÃO E SEU PAPEL NO SENTIDO DA CONSTRUÇÃO DO SER
HUMANO
A palavra transcende a identidade humana e dá a possibilidade de
transmitirmos informações, conhecimentos, experiências e quaisquer perspectivas
que nos seja interessante transmitir aos demais. Esta “transmissão” se dá
especialmente no período conhecido como Iluminismo42, quando o homem passa a
desenvolver possibilidades individuais e foca suas perspectivas de crescimento no
próprio homem.
Assim as teorias articuladas à linguagem expressam o sentido de que o
mundo é a totalidade dos fatos e a linguagem como a totalidade de proposições que
representam os mesmos fatos43. Outras teorizam no sentido de que a linguagem não
reflete a realidade, mas atua como instrumento realizador de trabalhos para com
esta realidade.
Contudo, segundo Patrício (1998) o marco da ciência moderna da
linguagem é inaugurada por Ferdinand de Saussare, com a obra Curso de
Linguística Geral, trazendo teses sobre a conexão entre a realidade humana e a
linguagem verbal. Neste contexto, a língua é o que garante ao ser humano o
domínio completo de suas noções de interação com os demais, com o meio, com
seu passado e com suas atribuições futuras.
A burocracia é também consequência deste ato de comunicação,
formando um corpo burocrático na própria linguagem, o qual, somente através de
estudos referentes ao domínio de determinado vocabulário é que nichos da
sociedade poderiam comunicar-se. Destaca-se aqui, por exemplo, na chegada de
Mussolini ao poder, a forte tendência da criação de diferentes modos de dizer, haja
vista que este era um fecundo criador de palavras, muitas vezes forçando seu uso e
disseminação através dos meios de comunicação de massa.
42
O estudo da linguagem ganhou espaço entre os iluministas, especialmente referenciado por John
Locke, cientista e filósofo britânico que marcou o início do Iluminismo em 1690, através de sua obra
Essay Concerning Human Understanding, que dedicava um de seus quatro capítulos à palavra.
43
Teoria esta especialmente reforçada pelo austríaco Wittgenstein, que compreende em sua história,
dois momentos filosóficos distintos, sendo o primeiro, conforme citado acima, influência para toda a
filosofia lingüística ocidental. Mais tarde, com a publicação póstuma de 1953, percebe-se uma
mudança de direção em suas posições, voltando-o muito mais no sentido de que a linguagem não
deve ser concebida como um espelho que reflete a realidade, mas como um instrumento para realizar
diversos tipos de trabalho que irão compor a realidade.
67
Percebemos hoje no mundo a frequente marginalização dos filhos de
trabalhadores mais simples através da linguagem utilizada pelos mesmos,
mostrando o poder exercido pela mesma, como instrumento de “seleção” dentro de
uma sociedade. Assim a palavra, escrita ou não, nos conduz a sensações e
conceitos pré- determinados, levados a exacerbação de uma alienação linguística
em diversos modos de pensar.
Neste sentido, a linguagem se desenvolve e nos torna participantes de
um complexo fenômeno de compreensões que envolvem os mais determinados
contextos, experiências e aspectos culturais, resultando em compreensões, difusões
ou possíveis representações alienadas, ressignificadas ou influenciadas por razões
externas. Com este estabelecido, de palavras e imagens que conceituam nossas
características humanas, a mídia também tem papel fundamental, seja na formação
de pensamentos, na informação dos cidadãos, na distribuição de produtos, na
alienação, no criação do senso comum e nos mais numerosos formatos que esta
também assume em sua concepção.
6.1 MÍDIA E OUTROS PODERES
De acordo com o Oxford English Dictionary, foi somente em 1920 que as
pessoas começaram a utilizar o termo “mídia”, mas somente em 1950 foi que
passaram a utilizá-la no sentido de uma “revolução da comunicação”. Há de se
convir aqui que o interesse sobre os meios de comunicação oral ou escrito vem
desde a Grécia ou da Roma antigas, sendo valorizada como forma de expressão
intelectual, bem como, segundo Briggs e Burke (2006) os conceitos de “opinião
pública” aparecem no final do século XVIII, resultando no sentido de “massa”, no
século XIX, na época em que os jornais ajudavam a formar uma consciência
nacional.
Encravados na chamada “sociedade do conhecimento44”, a sociedade em
44
Conceber a sociedade atual como “sociedade do conhecimento” pode ser uma ressignificação da
própria “sociedade do capital” e formada a partir de uma ideologia imposta e designada para servir a
interesses da agenda pós-moderna. Reinteramos nossa compreensão da responsabilidade em
utilizarmos tal termo, contudo, percebemos que este pode ser desmistificado com outras atribuições
68
si integra um complexo desenvolvimento de um sistema de informações em
velocidade nunca antes visto. Há indícios de uma constituição antropológica45
quanto ao conceito de mídia46 e nos deparamos com um aumento cada vez maior da
possibilidade de, através dela “tocarmos” o outro lado do mundo em segundos.
O desenvolvimento das mídias possui dois lados controversos e de
análise abstrusa. A mídia pode favorecer o esclarecimento da população em
diversas questões, possibilitando compreender o mundo e as sociedades nele
inseridas.
Contudo, a mídia tem também sua face manipuladora, que pode
estabelecer conteúdos tendenciosos e dar uma ressignificação a diversos conceitos
e processos, promovendo o senso comum que massifica e deixando de exercer o
seu papel com isenção ideológica, a que convenhamos é difícil, haja vista os
financiadores da imprensa escrita, falada e televisionada. Daí, em um complexo
“jogo” comunicativo, a mídia tem papel fundamental na difusão da informação, mas
quando empregada de forma tendenciosa pode resultar na construção de “verdades”
que visam favorecer grupos específicos.
A manipulação, por meio da mídia em favor do capital transforma o livre
arbítrio, ao qual todos tem direito, em um meticuloso estado de conduta direcionada,
tornando expectadores de um mundo coordenado, gerido e manipulado de forma a
passar, a crença em verdades impostas a toda sociedade.
É nesta perspectiva que se entende a mídia brasileira: cada vez mais
centralizada, de propriedade particular, atuando de forma compatível a interesses de
seus proprietários ou de chancelas de parceiros detentores do poder e do capital. A
ideia de mercado não só se estabelece na atualidade educacional, como também,
passa a ser adotada pela população por meio da manipulação de informações a ela
(população) imposta.
Ao longo dos últimos anos, a busca de fontes e as reações negativas
também se fortalecem como mecanismos de influência da elite. A
centralização da mídia e a redução de recursos dedicados ao jornalismo
como a incontestável articulação e ampliação da tenologia para o desenvolvimento das
comunicações.
45
Segundo Marshall McLuhan não só a constituição física estabelece os princípios do homem, mas
sim, "todos os artefatos humanos - línguas, leis, idéias, hipóteses, ferramentas, vestuário,
computadores - são extensões de nosso corpo físico”. (MCLUHAN, 2005, p. 335).
46
A palavra mídia, segundo o dicionário de comunicação (RABAÇA; BARBOSA, 1998) é uma
adaptação do termo inglês “media”, que por sua vez, constitui-se como o plural do termo latim
“medium”, ou seja, “meio”.
69
têm tornado a mídia mais dependente do que nunca dos definidores
primários que ao mesmo tempo fazem notícia e subsidiam a mídia
oferecendo matérias acessíveis e baratas. Eles, hoje têm maior influência
sobre a mídia; e as empresas de relações públicas que trabalham para
esses e outros interesses poderosos também a avolumam como fonte de
mídia. (HERMAN; CHOMSKY, 2003, p. 18).
Tal centralização de mídia é resultado de centralização do poder, e, em
primeira impressão, parece que o Brasil padece também de uma sedenta
característica de dominação da massa. A centralização da informação quer gerar a
centralização do conhecimento ou o direcionamento dos conteúdos a serem
transmitidos, afastando cada vez mais os “miseráveis” das possibilidades que esta
lhes representa, e induzindo à população que a necessidade de privatização da
educação tem um efeito positivo em seu desenvolvimento, mascarando que, com a
necessidade do pagamento de mensalidades, uma grande parcela da população
está, na verdade, distanciando-se ainda mais de sua possibilidade de ingressar no
ensino superior.
No Brasil, devido à consequência de sua cultura autoritária, a informação
relevante não chega ao cidadão, muito embora, concordado por Anjos (2006), o
discurso da administração pública seja bastante diferente.
O que observamos no desenvolvimento do país é um confronto direto à
democracia, proporcionando que oligarquias regionais47, como as presentes em
praticamente todos os Estados brasileiros, possam optar pela manipulação de
informações e pela ressignificação de conceitos. Sendo a democracia uma condução
da sociedade por seus direitos e interesses comuns, como podemos permitir um
controle tão eficiente da mídia e uma tentativa constante de exercer este controle
também na educação? Seria mesmo o melhor para todos que a educação superior
privada se estabeleça como a única chance para a maioria da população brasileira
na faixa de idade compreendida entre os 19 e 24 anos? E, em sendo assim, as
instituições de ensino superior (IES), como faculdades particulares e privadas
47
Das conhecidas mídias detentoras de poder, temos exemplos significativos no Brasil, como: o
grupo RBS (Rede Brasil Sul) na região Sul (Família Sirotsky), a Rede Globo na região Sudeste
(Família Marinho), o Grupo Câmara na região Centro - Oeste (Família Câmara), o Grupo Verdes
Mares no Nordeste e Rio de Janeiro (Família Jereissati), o Grupo Zahran no Mato Grosso e Mato
Grosso do Sul (Família Zahran), o Grupo da TV do Amazonas na região Norte (Familia Daou), o
Grupo Manchete no Sudeste, Centro - Oeste e Nordeste (Família Bloch), o Grupo da Rede
Bandeirantes no Sudeste, Sul, Nordeste e Distrito Federal (Família Saad), o Grupo SBT (Sistema
Brasileiro de Televisão) no Pará, Distrito Federal, Rio Grande do Sul e Sudeste (Família Abravanel),
além de casos como do Maranhão e de Alagoas, onde as afiliadas da Rede Globo estão nas mãos de
famílias de ex-Presidentes da República (CHAUÍ, 2006).
70
cobrem mensalidades de seus alunos e que nunca cheguem a se tornar
universidades devido à baixa rentabilidade que os departamentos de pesquisa lhes
possam atribuir? A necessidade atual seria a criação de mais vagas em instituições
universitárias públicas como universidades federais, estaduais e municipais. Do total
de matrículas na graduação presencial para o ano de 2008, 74,9% dos alunos
ocupavam as mesmas em IES privadas, mostrando a disparidade na distribuição de
vagas em comparação às públicas, sendo destas, 2,8% municipais, 9,7% estaduais
e 12,7% federais (BRASIL, 2008)48.
O Estado não consegue garantir a população o exercício dos direitos
mínimos de acesso à educação, particularmente à educação superior, assegurados
na Constituição Federal. E sendo a mídia tão poderosa que mesmo em democracias
como a americana, a francesa ou a inglesa, consegue manipular a opinião pública,
de que forma podemos reconciliar a consciência da sociedade e identificar os
passos manipuladores neste contexto? Porque a educação vem se tornando um
produto comercial em claro desencontro com o interesse público e com o marketing
produzido em conceitos ressignificados como o de “educação para todos49” ou nos
moldes recentes “todos pela educação”?
Essa corrida para o acúmulo de capital, proveniente do modelo
econômico atual, aplicados a esfera de mídia presente, enfraquecem a “esfera
pública” e consequentemente sobrepõe o capital as decisões da coletividade,
prevalecendo, salvo exceções, a ordem da privatização do público. A utilização da
mídia neste processo de ressignificação desenha novas verdades, substituindo a
presença do Estado por uma cultura de consumo despolitizada50. Numa
contextualização por Herman e Chomsky (2002, p.19), a mídia é desenvolvida pelo
entretenimento, o qual “[...] é o equivalente contemporâneo dos jogos de circo
romanos, pois desvia a atenção do público das questões políticas e ainda gera uma
apatia política útil para a preservação do status quo.”
Ainda de acordo com Herman e Chomsky (2002), a ocupação do público
com discussões apáticas e de pouca relevância, mascara ações tomadas nos
48
Alguns dados encontrados neste estudo são citados com fontes de 2008 em função do Governo Federal ter
extraído os dados do site do INEP, impossibilitando consultas atualizadas.
49
Entendemos o “todo” do termo “educação para todos” não só no acesso à educação fundamental,
mas no sentido em todo o processo de formação, chegando até a educação superior.
50
Termo utilizado por Edward S. Herman e Noam Chomsky no livro “A Manipulação do Público:
política e poder econômico no uso da mídia”, em 2003.
71
bastidores e dispõe à população uma oferta de possibilidades, um menu de opções,
uma “cesta de negócios”, que induzem à escolhas. Sublinhamos, ainda, que aos
cidadãos carece a oportunidade de decisão sobre o que ler ou assistir. Das pessoas
que leem, em grande parte, acabam lendo o que lhes é oferecido. Sendo a mídia
patrocinada pelo setor privado, e, o setor público, não raras vezes se submetendo
aos padrões culturais da oferta privada, do ramo dos negócios, dos produtos, entre
outros, veicula a ideologia do consumo, necessária ao mercado, e, em geral,
terminam lendo o que os detentores do capital desejam.
Com isso, a ressignificação pode ordenar os fatos de tal maneira que
estes possam ser associados a uma nova imagem da realidade, definindo a
convicção de um outro contexto. O enquadramento de palavras enganosas51,
suscitando este processo possibilita novas definições a determinados termos e
busca associações do imaginário das pessoas, diferente das que deveriam ser
empregadas. Tal ressignificação pode afrontar aos interesses públicos, destruir a
livre consciência e influenciar de forma danosa a constatação dos fatos,
reenquadrando a opinião popular, distanciando-a da realidade, criando um conjunto
de necessidades não definidas pelas pessoas, mas “impostas” por um sistema de
indução, na maioria das vezes não perceptível.
A formação do contexto é bastante discutível quando percebemos que os
“formadores de opinião” (escritores de jornais, revistas, apresentadores de televisão)
estão transmitindo a informação de uma maneira já direcionada. Não temos a
oportunidade de ler ou ouvir a informação e analisá-la livremente. Muitas vezes,
restam somente os sentimentos e emoções despendidos ao processo de
entendimento.
Para Bourdieu:
O próprio processo de constituição de padrões comuns é inseparável da
conversão desses padrões comuns em capital monopolizado por aqueles
que possuem o monopólio da luta pelo monopólio do universal. Todo esse
processo – constituição de um campo, autonomização do campo em relação
a outras necessidade; constituição de uma necessidade específica em
relação à necessidade econômica e doméstica.”
[...] a gênese do Estado é, em suma, inseparável da constituição do
51
Segundo a definição de Andreas Freund, citado no livro “A manipulação das palavras”, de Philippe
Breton (1999), “as palavras enganosas não passam de informação deturpada veiculada por
vocabulários de conteúdo tendencioso. Uma vez inseridas na linguagem corrente com sua carga de
sentido demagógico, servirão como munição de pequeno calibre na batalha permanente que se trava
para conquistar os espíritos”, ou seja, a opinião popular.
72
monopólio do universal, e o exemplo por excelência desse processo é a
cultura (BOURDIEU, 2011, p.16).
Assim, entendendo que a universalização da cultura do senso comum
passa pela mídia, questionamos se a mídia está interferindo na formação da opinião
sobre a concepção de universidade? Qual seria a concepção de Universidade
difundida pela mídia?
6.2
O
LADO
CONTROVERSO
DAS
PALAVRAS:
OS
“PROTÓTIPOS”,
“REPRESENTAÇÕES” E “RESSIGNIFICAÇÕES”
Conceber a figura humana é tão complexa quanto as relações traçadas
pelo mesmo. Definir o ser humano foi tarefa assumida por Diógenes de Apolônia,
ainda no período pré-socrático, ao afirmar a superioridade deste em relação aos
outros animais, a aptidão na contemplação dos astros e a linguagem.
Contudo, definir o ser humano em uma sociedade de classes é ainda
mais complexo. Ele é, hoje, “denominado” ou “agrupado” em concepções como: por
onde trabalha, o quanto ganha, ou seja, pelo status ao qual pertence (ou lhe é
atribuído) ou que alcança nesta sociedade. É, portanto, o resultado daquilo que
exerce como profissão, como resultado econômico, e, através de determinadas
nomenclaturas, encravado em um ciclo de relações que lhe é imposta.
Tais condições são conferidas por uma concepção de homem, como a
apresentada por Diógenes, que o diferencia como seres humanos, diferentes de
outros seres, portanto o homem passa a ser diferente do próprio homem pelo
intermédio do capital.
Esta concepção influencia nas relações de trabalho e concebe uma forma
contraditória às ideias de liberdade tão exploradas pelos defensores das políticas
neoliberais. Pois de que liberdade falamos se estamos “amarrados” e influenciados a
classe social a que pertencemos? Que inclusão é esta que exclui cada vez mais os
trabalhadores, deixando-os à margem de uma sociedade cada vez mais
consumista? O homem conduz o mundo a um sentido exploratório e, “o capitalismo
tornou-se um espetáculo global para poucos”. (GRUPO KRISIS, 2000).
A principal virtude deste sistema é, portanto, a naturalização da
73
exploração. O convencimento constante e a alienação que conforta o ser humano e
lhe conduz a criação de protótipos ou de modelos ressignificados, constitui uma
nova visão e afasta a população dos temas centrais de toda a sociedade, embora,
segundo Anjos (2006), o discurso da administração pública seja bastante diferente.
Dessa forma, podemos aqui chamar a atenção para os movimentos ou
práticas linguísticas que induzem a população a reproduzir conceitos através da
utilização de ideias pré formuladas que tem o intuito de aproximar as concepções
populares a um “perigoso jogo” de novas interpretações. Destacamos, através do
texto de Moraes (2003, p. 158)52 que alguns termos foram “construídos,
ressignificados, modificados ou substituídos por outros mais convenientes”. A autora
destaca ainda alguns exemplos como “[...] igualdade cedeu lugar a equidade”, “[...] o
conceito de classe social foi substituído pelo de status socioeconômico” dentre
outros. Assim, até mesmo a concepção de sociedade civil, usada inicialmente para
designar a nova economia do século XVIII, passou por Hegel na concepção de
dissolução, miséria, de anarquia, chega a Marx como sendo a própria sociedade
burguesa, dilacerada pelo capital, assume hoje uma conotação positiva. (BOBBIO,
1982).
Sabemos também, que através de estudos cognitivos as pessoas
entendem o mundo constituído através de exemplos, sejam eles dos objetos
próprios como “pedra”, “bola”, “livro” ou “martelo”, como também o tem quando se
trata do abstrato como “romantismo”, “amor” ou “viagem”. (FELDMAN, 2006;
LAKOFF, 2002). Assim, não entendem as verdadeiras concepções, mas sim as
representações criadas a partir delas, os exemplos concebidos, ou os que são
concebidos e “entregues” para que possam ser reproduzidos. Portanto, a partir do
subconsciente, formam-se novos contextos, constantemente induzidos à criação de
conceitos manipulados pela “mão invisível” do capital. (FISCHMAN; SALES, 2010).
Nessa perspectiva, o próprio capitalismo passa por uma ressignificação.
O que compreendia a Maquiavel, é maquiavélico. Contudo, o neoliberalismo que o
pode exacerbar não o é. A globalização é “benéfica”, havendo até quem proponha
uma “sociedade do conhecimento” desvinculada de interesses capitalistas ou uma
“globalização solidária”. Para alguns, “aproxima os povos”, “leva empregos a
diversos países”, “aumenta a produção”. Estamos nos referindo a mesma
52
Parágrafo com grifos dos autores em itálico com o intuito de facilitar a compreensão dos termos
utilizados. A obra original de Maria Célia Marcondes de Moraes possui os mesmos entre aspas.
74
globalização que contribui para a precarização do trabalho, exclui sociedades e
culturas inteiras e entregam ao capital, nações esfaceladas por crises que o próprio
capital criou? (CECEÑA; SADER, 2002; MÉSZÁROS, 2003; SANTOS, 2010).
Assim, a alienação popular cria uma ressignificação que privatização da
educação superior é também benéfica, à competitividade e a regulação pelo
mercado, discutindo constantemente o posicionamento da universidade na
dualidade entre servir a economia ou servir a sociedade. Em tais circunstâncias, a
sociedade civil53 compactua muitas vezes com o conformismo, o pragmatismo e a
tolerância, haja vista que não distingue a realidade das representações, ou, como
destacado por Chauí (2006), a realidade do espetáculo.
A espetacularização criada no decorrer deste último século vem
reformulando conceitos em torno de diversas atividades, como da produção do
conhecimento e da diversificação da oferta acadêmica. Diversas formas de prover a
informação são geradas, e, muitas vezes, somente através de uma complexa análise
do discurso pode-se entender o resultado buscado por estes meios para induzir a
compreensão de quem os ouve, assiste ou lê.
Neste contexto, o Brasil vem, com o passar dos anos, reconfigurando a já
fragilizada formação profissional e comprometendo a qualidade do ensino através da
disseminação de cursos voltados, por exemplo, para a Educação a Distância (EaD)
ou na aceleração da formação destes profissionais para sua entrada imediata no
mercado54, tornando-se assim, parte de um ciclo produtivo e de consumo que induz
e é induzido ao pragmatismo, à aceleração do processo de formação e a inserção
prematura dos estudantes ao mercado, dando-os na maioria das vezes,
possibilidades somente para o alcance do conhecimento técnico fragmentado.
A sociedade com isso fica à mercê de uma representação, sendo
estimulada a compreender que, para o “bem da Nação”, o “milagre da educação”
deve encurtar etapas e colocar rapidamente estes profissionais no mercado para
que possam suprir as vagas defasadas em diversas áreas, especialmente nas
ligadas a tecnologia. Entretanto, o modelo afeta também outras áreas do
conhecimento, como nas que concebem a formação de professores.
53
Palavra utilizada em itálico para sugerir o conceito atual de sociedade civil, fundada em premissas
distintas das sugeridas por Marx e Hegel neste trabalho.
54
A EaD ou a formação acelerada proposta entre outros fatores, bem como os mestrados
profissionais são discussões pertinentes aos novos dilemas na formação acadêmica, contudo, pela
centralidade do trabalho estabelecer outra relevância, não debateremos os temas citados com a
profundidade necessária.
75
Assim, o professor é constantemente denominado o “[...] recurso humano
imprescindível
a
ser
(con)formado
às
demandas
da
contemporaneidade”.
(SHIROMA; MORAES, EVANGELISTA, 2004, p. 85). O professor assume aqui seu
papel de “profissional”, apto a responder aos desafios da sociedade contemporânea
e conduzi-la ao “caminho da profissionalização”, pressionado e submetido ao
caminho único da “universidade de mercado” (organização social), na concepção de
Marilena Chauí (2001).
Dessa forma, compreendeu-se o professor como elo principal entre a
educação e o mercado. A este foi estabelecida a importância de preparar os jovens
para este processo e gradativamente, educação e trabalho passaram a estabelecer
uma aproximação. A educação parece, portanto, ser prioridade para o Estado. Ora,
mas se realmente o é, por que os investimentos atingem níveis orçamentários tão
reduzidos?
Atravessamos um período decisivo para, segundo Augusto (2005),
definirmos a ambiguidade não só na universidade, mas também presente hoje no
trabalho docente, entre a profissionalização e a proletarialização, especialmente em
função da precarização, resultante de políticas tão contraditórias quanto sua atual
concepção.
Estabelecemos aqui o posicionamento em Marx ao compreendermos o
trabalho em sua concepção, não por representações ou derivações alienadas, mas
como qualidade inerente a atividade vital, que forma, transforma e educa, tornando o
indivíduo um ser concebido em uma práxis social. Assim, mesmo na concepção
capitalista (alienada) o trabalho tem sua participação na formação social, ainda que
em uma significância depreciativa, devido ao sentido exploratório do mesmo. Marx
assim concebe, aprimorando a visão hegeliana, o trabalho como um criador não só
das riquezas objetivas, mas como criador do próprio homem.
Contudo, percebemos que não há desvinculação do trabalho formador
para com o trabalho (alienado) provedor de degradação física e moral. As
concepções se fundem e o professor muitas vezes concebe a sua formação através
de representações oriundas desta alienação. A práxis é então concebida, como
fundamento do ser social, e, portanto, objetivada numa compreensão onde todos os
movimentos sociais são também educativos e deveriam ser compreendidos no
processo de formação do professor.
Assim, conceber o trabalho em Marx, numa sociedade “encravada” no
76
neoliberalismo é tão complexo quanto conceber as verdadeiras relações entre a
educação superior e a universidade e sua função como formadoras de uma
consciência crítica. Identificar os protótipos ou ressignificações instaurados neste
processo pode ser uma difícil tarefa, muitas vezes passando de forma contundente
aos olhares despercebidos de uma sociedade anestesiada pela espetacularização
da vida.
Nesse âmbito, a universidade passou também a ser ressignificada, e
induzida a protótipos estabelecidos pela mídia. Destacamos em
Evans e Green
(2006 apud FISCHMANN; SALES, 2010, p. 04) que:
Por exemplo, a Universidade de Oxford é um exemplo relevante de
universidade, em parte devido a sua história (ela recebeu autorização real
no século XIII), em parte devido ao respeito pelo qual seu ensino e bolsas
de estudo têm tradicionalmente sido concedidos e, em parte, devido à
natureza das faculdades que compõem a universidade, em termos de
estrutura da instituição e de sua arquitetura. Embora de várias maneiras
atípicas em termos de instituições britânicas de ensino superior e de outras
instituições internacionais, as pessoas, especialmente no Reino Unido,
sempre consideram Oxford um ponto de comparação para outras
universidades. Efeitos de tipicalidade ocorrem quando Oxford serve para
estabelecer um meio de avaliar e julgar outra universidade. Em outras
palavras, exemplos salientes, como protótipos em geral, fornecem pontos
de referência cognitivos que podem influenciar as decisões que tomamos,
por exemplo, se decidimos entrar para uma certa universidade com base na
sua semelhança com um exemplo saliente como Oxford.
Assim, indagamos nesse caso: seria Oxford a universidade da
representação ideal do conhecimento? Por que Oxford é considerada um modelo?
Existe um modelo de universidade? Como a sociedade cria seus modelos? O que
interfere na criação de modelos?
77
7 CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS
Este estudo utiliza uma abordagem exploratória de cunho qualitativo,
tendo no materialismo histórico e dialético seus fundamentos. Para realização da
pesquisa qualitativa, fundamental na obtenção de informações para melhor
compreensão da realidade atual, recorremos a diferentes fontes de análise.
Percebemos, portanto, que dada a complexidade do tema “concepção de
universidade”, houve a necessidade de utilização de mais de um procedimento de
pesquisa para ampliar o entendimento do fenômeno estudado.
Assim, optamos por três tipos de procedimentos para o conhecimento do
objeto da pesquisa: pesquisa bibliográfica em autores contemporâneos, análise
documental, entre eles a análise de conteúdos midiáticos (jornal e revista) e
entrevistas (depoimentos). A escolha pela interlocução entre os autores consultados,
entre os documentos analisados e a coleta de dados empíricos por meio de
entrevistas se deu por percebermos a necessidade do confronto e complementação
entre estes para a interpretação da realidade e consequente compreensão da
concepção e função da universidade.
Para Demo (1993, p. 128), a pesquisa é vista como um “diálogo crítico e
criativo com a realidade, culminando com a elaboração própria e na capacidade de
intervenção”. Como salientado por Ruiz (1996, p. 48) “Pesquisa científica é a
realização concreta de uma investigação planejada, desenvolvida e redigida de
acordo com as normas da metodologia consagradas pela ciência”.
A abordagem qualitativa não tem o objetivo de trabalhar com grandes
amostragens, mas com fatos e suas pertinências, a fim de aprofundar as análises
relativas a interpretação. Privilegiam-se os instrumentos de coleta que incidem na
narrativa oral (depoimentos dos estudantes). Para Iamamotto (1999, p. 22-23) os
pressupostos que fundamentam o uso das pesquisas qualitativas são: a
singularidade do sujeito, onde cada pessoa é única, pois partindo dessa premissa,
permite-se que o mesmo se revele nos aprofundamentos teóricos sugeridos. O
segundo pressuposto contempla o reconhecimento da importância social do sujeito,
onde conhecer a experiência social do mesmo, pode contribuir na compreensão do
objeto de estudo. O terceiro pressuposto concebe que “conhecer o modo de vida do
sujeito, pressupõe sua experiência social”.
78
Optamos por uma metodologia sustentada no pensamento dialético pois,
ela se configura, segundo Kosik (1976, p. 41), como “[...] o processo de
concretização que procede do todo para as partes e das partes para o todo, dos
fenômenos para a essência e da essência para os fenômenos, da totalidade para as
contradições e das contradições para a totalidade”. Nesse sentido, partimos do
pressuposto que a verdadeira teoria acompanha a práxis e, sendo assim, constrói-se
de um movimento de observação, interpretação e transformação da totalidade social
(KOSIK, 1976).
A dialética se caracteriza por não apresentar um pensamento puro, mas
“conectado” com a realidade em que está inserido, neste movimento recíproco de
realidade e pensamento, para uma elucidação mútua. Neste sentido, essência e
aparência são inseridos em um mesmo contexto ontológico, mas, percebidos em sua
separação real.
Se, portanto, os fatos devem ser aprendidos com precisão, convém, em
primeiro lugar compreender clara e exatamente a diferença entre a sua
existência real e seu núcleo interior, entre as representações que deles
formamos e seus conceitos. Essa distinção é a primeira condição de um
estudo verdadeiramente científico. (LUKÁCS, 1960, p. 25).
Assim, a dialética apresenta o caráter concreto do objeto, apresenta o real
como totalidade e os movimentos contraditórios deste real. Com isso, como sugerido
por Marx e Engels (1977), o processo de produção do conhecimento seria a
conjunção de uma teoria da reprodução intelectual do real mediante um sujeito ativo,
cuja atividade encontra-se regida pelo objeto. Podemos, portanto, dizer que
conhecer é também reproduzir uma realidade posta, independentemente do sujeito.
O método dialético se expressa pela contradição, pelo ir e vir. Da tese à
antítese e tendo a síntese como seu resultado, ainda que seja um resultado em
constante movimento, ou o processo do constante devir. A própria síntese recria-se
como uma nova tese e o movimento contínuo, essencialmente contraditória e em
permanente transformação, resulta na dialética.
Com isso, na análise de Saviani pode-se afirmar que:
Com efeito, a lógica dialética não é outra coisa senão o processo de
construção do concreto de pensamento (ela é uma lógica concreta) ao
passo que a lógica formal é o processo de construção da forma de
pensamento (ela é, assim, uma lógica abstrata). Por aí, pode-se
compreender o que significa dizer que a lógica dialética supera por
inclusão/incorporação a lógica formal (incorporação, isto quer dizer que a
79
lógica formal já não é tal e sim parte integrante da lógica dialética). Com
efeito, o acesso ao concreto não se dá sem a mediação do abstrato
(mediação da análise como escrevi em outro lugar ou “detour” de que fala
Kosik). Assim, aquilo que é chamado lógica formal ganha um significado
novo e deixa de ser a lógica para se converter num momento da lógica
dialética. A construção do pensamento se daria pois da seguinte forma:
parte-se do empírico, passa-se pelo abstrato e chega-se ao concreto.
(Saviani, 2007, p.11)
A dialética, portanto, não é só pensamento: é pensamento e realidade a
um só tempo. Assim, a lógica dialética é uma possibilidade de compreensão da
realidade como essencialmente contraditória e em permanente transformação
(KONDER, 1981). Para Gil (1987, p. 32), alguns dos princípios comuns da dialética
são:
- Princípio da unidade e luta dos contrários. Os fenômenos apresentam
aspectos contraditórios, que são organizadamente unidos e constituem a
indissolúvel unidade dos opostos.
- Princípio de transformação das mudanças quantitativas em qualitativas.
Quantidade e qualidade são características inerentes a todos os objetos e
fenômenos, e inter-relacionados. No processo de desenvolvimento as
mudanças quantitativas graduais geram mudanças qualitativas.
- Princípio da negação da negação. O desenvolvimento processa-se em
espiral, isto é, suas fases repetem-se, mas em nível superior.
Assim, a dialética caracteriza-se por ser contraditória a todo
conhecimento rígido, pois tudo é visto em constante mudança. Neste sentido, tudo
parte de um princípio e desenvolve-se, desagrega-se e transforma-se. Assim,
concordamos com Demo (2007, p. 88) quando considera “[...] a dialética a
metodologia mais conveniente para a realidade social”.
Já o materialismo designa um conjunto de concepções ou teorias que, ao
rejeitar a existência de um princípio espiritual liga toda a realidade à matéria e a suas
modificações. O materialismo surge da luta das ciências com as formas de
conhecimento anteriores, muitas destas, ligadas a composições e ideologias
desconectadas da realidade.
É, segundo Ianni (1982), com esta preocupação que Marx deu o caráter
material (os homens se organizam na sociedade para a produção e a reprodução da
vida) e o caráter histórico (como eles vêm se organizando através de sua história).
Assim, o materialismo histórico dialético compreende a educação em seu movimento
contraditório de humanização e alienação, sendo portanto que a educação tem
sentido contraditório de produção e reprodução, transformação e alienação.
No sentido histórico, Demo (2007, p. 90) afirma que:
80
Toda formação histórica está sempre em transição, o que supõe visão
intrinsecamente dinâmica da realidade social, no sentido da produtividade
histórica. Se, de um lado, as transformações históricas se dão de maneira
estruturada, porque não são o caos, nem pura veleidade humana, nem
intromissão dos deuses, do outro, aportam formações inovadoras, nas quais
predomina o novo sobre o velho. O que acontece na história é
historicamente condicionado e por isso não se produz o totalmente novo
que não tivesse condicionamento histórico, pois já seria um ato de criação,
do nada, introduzindo na história, condições não históricas.
Nesta perspectiva, para Saviani (1994, p. 24), “[...] o trabalho educativo é
o ato de produzir, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida
histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens”. Entendemos portanto, o
materialismo
histórico
dialético
como
processo
formador
e
facilitador
da
compreensão do objeto de estudo, haja vista que, em conformidade com Engels, “o
método é a alma da teoria”.
7.1
CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO E PROCEDIMENTOS DE
PESQUISA
Para a compreensão do objeto desta investigação, no que se refere aos
seus procedimentos, recorremos a Severino (2007), entre outros autores, em suas
formulação sobre este assunto. Assim, as pesquisas bibliográficas, segundo
Severino (2007, p. 122):
[...] são aquelas que se realizam a partir do registro disponível, decorrente
de pesquisas anteriores, em documentos impressos, como livros, artigos,
teses, etc. Utiliza-se de dados ou de categorias teóricas já trabalhadas por
outros pesquisadores e devidamente registrados. Os textos tornam fontes
dos temas a serem pesquisados. O pesquisador trabalha a partir das
contribuições dos autores dos estudos analíticos constantes dos textos.
Sobre a pesquisa documental este autor (p. 122-123) destaca que:
Tem-se como fonte documentos no sentido amplo, ou seja, não só de
documentos impressos, mas sobretudo de outros tipos de documentos, tais
como jornais, fotos, filmes, gravações, documentos legais. Nestes casos, os
conteúdos dos textos ainda não tiveram nenhum tratamento analítico, são
ainda matéria-prima, a partir da qual o pesquisador vai desenvolver sua
investigação e análise.
81
Já quanto a entrevista Severino (2007, p. 124) a define como uma “[...]
técnica de coleta de informações sobre um determinado assunto, diretamente
solicitadas aos sujeitos pesquisados. Trata-se, portanto, de uma interação entre
pesquisador e pesquisado”. Triviños (1987, p. 123) contempla um ponto de vista
bastante próximo ao afirmar que, durante a pesquisa, existe também uma relação
que não implica na ausência do cientista,
[...] mas isso não significa que o pesquisador assuma uma postura neutra;
ao contrário, ele é sujeito participante da pesquisa, diretamente implicado
na relação pesquisador-pesquisado. [...] O investigador, sem dúvida, ao
iniciar qualquer tipo de busca, parte premunido de certas ideias gerais,
elaboradas conscientemente ou não. É impossível que um cientista, um
buscador ou fazedor de verdades, inicie seu trabalho despojado de
princípios, de ideias gerais básicas.
Ainda para Severino (2007, p. 124), “a entrevista é muito utilizada nas
pesquisas da área das Ciências Humanas. O pesquisador visa assim aprender o que
os sujeitos pensam, sabem, representam, fazem e argumentam”. A entrevista pode
ser definida, segundo Moreira (2004, p. 54), como uma conversa entre duas ou mais
pessoas, com um propósito específico em mente; “O pesquisador quer obter
informações que o respondente supostamente tem”.
Na entrevista semiestruturada o pesquisador/entrevistador faz alguns
questionamentos em uma ordem pré-determinada, mas dentro de cada questão, é
relativamente grande a liberdade do entrevistado. Também é possível que outras
questões sejam levantadas, dependendo de suas respostas, ou seja, podem existir
questões suplementares sempre que algo interessante, e não previsto na lista
original de questões, aparecerem. (MOREIRA, 2004, p. 55).
Optamos, neste estudo, pela entrevista semiestruturada, face aos
objetivos desta dissertação, e que no presente estudo, assumiu a forma de
depoimentos, proporcionando ao pesquisador uma composição dialética do objeto
estudado com um maior nível de aprofundamento das questões formuladas, ainda
que salvaguardadas as devidas composições de cunho quantitativo que não
puderam ser representadas neste trabalho.
82
7.2 COLETA E ANÁLISE DE DADOS
A busca por elementos que pudessem contribuir para a compreensão da
problemática desta pesquisa, necessitou da apropriação de outros meios de
consulta para elucidar a amplitude do objeto em foco. Nesse sentido, trabalhamos
em duas perspectivas de análise de documentos (jornais e revistas) e depoimentos,
como referido anteriormente.
Inicialmente, apresentamos as contribuições, do ponto de vista de clarear
nosso entendimento sobre os efeitos da mídia na concepção de universidade
identificado nas diferentes inserções desse meio de comunicação social.
A intervenção da mídia no “controle” social já não é novidade, nem
mesmo aos desprovidos de qualquer formação acadêmica ou de qualquer
consciência crítica. Podemos dizer que a condução ou indução gerada pela mídia é
hoje senso tão comum quanto o que esta quer criar em seus debates. Resta-nos
perguntar: por que ela consegue ser tão eficaz? Como podemos perceber os
meandros engendrados nas afirmações controvérsias e tendenciosas que são
veiculadas diariamente?
Essas e outras questões, pelos limites que apresenta este estudo, talvez
não possamos respondê-las. Contudo, apresentamos a seguir, algumas conclusões
obtidas que podem contribuir neste sentido e se referem a trechos de notícias em
jornais e revistas sobre o tema da “Educação Superior”, e nele o tema
“Universidade”.
Para realizar a seleção do material analisado (notícias selecionados)
procedemos a busca a partir de alguns critérios pré definidos sustentados nas
categorias, também utilizadas nas tomadas de depoimentos, como segue:
 Concepção de Universidade;
 Comparativo de concepção antes e durante o ingresso na universidade;
 A percepção da universidade na sociedade;
 A universidade nos meios de comunicação;
 Função da Universidade;
 A dualidade da Universidade (Instituição Social; Organização Social).
83
A escolha dos jornais e revistas a serem utilizados foi definida pelo
número de circulação, sendo a Folha de São Paulo o jornal mais vendido do país de
2002 a 200955, segundo a Associação Nacional de Jornais (ANJ). Elegemos também
o Diário Catarinense56 por se tratar do jornal mais lido no Estado de Santa Catarina,
ainda segundo a ANJ. A escolha da Revista Veja57 como fonte de dados deu-se
também por ser a terceira maior revista de vendagem semanal do mundo e a maior
fora dos Estados Unidos, segundo a Associação Nacional de Editores e Revistas
(ANER).
Os artigos foram coletados aleatoriamente58, buscando informações que
pudessem ter relevância quanto ao tema estudado. A busca por artigos foi realizada
entre outubro de 2010 e janeiro de 2012, contemplando meses alternados para que
não houvesse qualquer indução ou concentração (direcionamento) de notícias ou
assuntos em determinadas épocas, bem como para evitar modismos momentâneos
ou centralização de temas.
Na discussão da relevância de alguns fatos, percebemos um possível
direcionamento da informação, o que aprofundamos na sequencia deste estudo:
Texto 01:
MEC divulga avaliação das instituições de ensino superior;
(Título de reportagem em 31/08/2009. Folha On line).
O Ministério da Educação divulgou nesta segunda-feira o
desempenho das instituições de ensino superior avaliadas no
IGC (Índice Geral de Cursos da Instituição). Foram avaliadas
2.000 universidades, sendo que apenas 21 obtiveram nota
máxima.
A maioria, 884, obteve nota 3 no IGC --a escala vai de 1 a 5-, o que representa satisfatório. Das 206 instituições públicas,
151 tiveram notas iguais ou superiores a 3, informou o MEC.
O indicador, que foi divulgado pela primeira vez no ano
passado, atribui notas às faculdades e universidades levando
55
Destacamos que no ano de 2010 o jornal Folha de São Paulo foi ultrapassado em vendas pelo Jornal Super
Notícia de Minas Gerais. Contudo, pelo número de anos que estave na frente, bem como pela sua relevante
participação e abrangência em todo o Brasil, optou-se pela utilização dessa fonte. Lembramos que os dados
referentes a 2011 ainda não estavam disponíveis no momento de finalização desta dissertação.
56
Somente para apontar a relevância dete meio no cenário brasileiro, o Diário Catarinense é o 26° jornal de
maior vendagem no Brasil, tendo uma tiragem de 41.962 exemplares no ano de 2010.
57
Segundo a Associação Nacional de Editores e Revistas (ANER) a Revista Veja tem uma tiragem semanal de
1,2 milhões de exemplares, bem como uma circulação líquida de mais de 1 milhão, sendo a revista mais lida do
Brasil e alternando-se entre a terceira e a quinta mais lida do mundo.
58
A aletoriedade da escolha dos artigos deu-se somente a partir da pré classificação dos mesmos
nos temas abordados. Neste sentido, após a “triagem” inicial, não foram considerados outros fatores
senão a simples ordem em que os mesmos foram encontrados.
84
em consideração a qualidade dos cursos de graduação e pósgraduação.
A nota da prova é um dos fatores que compõem o CPC
(Conceito Preliminar de Curso), utilizado para o cálculo do IGC.
O CPC também leva em conta as chamadas "variáveis de
insumo", que consideram corpo docente, a infraestrutura e o
programa pedagógico.
Texto 02:
Nove instituições de ensino superior podem ser
descredenciadas pelo MEC. (Título de reportagem em
31/08/2009 – Folha Online)
Nove instituições de ensino superior que em 2007 obtiveram
nota 2 no IGC (Índice Geral de Cursos da Instituição) estão na
"malha fina" do MEC (Ministério da Educação). As comissões
de avaliação que visitam as universidades após o baixo
desempenho do IGC confirmaram as más condições de oferta
do ensino.
Só 1% das universidades obtém conceito máximo de
qualidade.
No índice divulgado nesta segunda-feira, essas instituições
também obtiveram o conceito 2, considerado insatisfatório.
Uma delas já foi descredenciada.
O IGC atribui notas às faculdades e universidades que são
divididas em faixas de 1 a 5, levando em consideração a nota
dos alunos no Enade (Exame Nacional de Desempenho dos
Estudantes) e outros fatores como o corpo docente e a
infraestrutura. Após essa etapa, uma equipe faz uma avaliação
in loco para confirmar ou não a nota do IGC.
No grupo das nove instituições, a Faculdade Cidade de João
Pinheiro (MG) já foi descredenciada. Segundo a secretária de
Ensino Superior do MEC, Maria Paula Bucci, havia "tantas
irregularidades" na oferta do ensino que não foi possível firmar
um termo de saneamento que pudesse resolver a situação.
As outras instituições entraram com recurso na CTAA
(Comissão Técnica de Acompanhamento e Avaliação) do MEC
para revisão da nota obtida após a avaliação presencial.
A notícia transcrita mostra uma condição satisfatória da educação
superior no Brasil, especialmente no trecho que destacamos. Contudo, ao
aprofundarmos nossa leitura e análise do texto, percebemos, na mesma publicação,
em um ponto menos destacado uma questão que parece contraditória no que se
85
refere a qualidade das instituições de ensino superior (IES) brasileiras. Também
induz nossa análise a outras questões, por exemplo: seria esse mecanismo de
avaliação tão propalado pela mídia e definido pelo MEC, suficiente para expressar
com tanta convicção a qualidade das IES brasileiras? Que critérios definem essa
avaliação que exclui elementos da avaliação institucional interna das universidades,
por exemplo? Do ponto de vista quantitativo, resultados inferiores a 1%,
representados pelas IES com índice máximo, poderiam ser considerados
satisfatórios, como os citados no primeiro texto?
Texto 03:
Meta de 30% dos jovens no ensino superior não será
cumprida, diz MEC (Título de reportagem em 27/11/2009 –
Folha On Line)
Apesar do crescimento nas matrículas do ensino superior
apontado pelo censo divulgado nesta sexta pelo MEC
(Ministério da Educação), o Brasil não vai cumprir a meta de
incluir 30% da população entre 18 e 24 anos na
universidade. Essa era uma das determinações estabelecidas
pelo PNE (Plano Nacional de Educação) para 2011. Hoje essa
taxa está próxima a 14%.
"Até 2011 não vamos atingir essa meta. O crescimento
dessas taxas são difíceis. Durante duas décadas (70 e 80)
ela ficou estagnada em 8%", destacou o presidente do Inep
(Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais),
Reynaldo Fernandes.
Segundo dados do censo de 2008, o Brasil tem 5 milhões de
alunos matriculados em cursos superiores no Brasil, a maioria
em instituições privadas. O número de ingressantes também
aumentou, apesar de ter apresentado uma leve queda em
relação ao aumento registrado em anos anteriores.
Para a secretária de Ensino Superior do MEC, Maria Paula
Bucci, se for considerada a taxa bruta que representa o
número de universitários em relação ao total da população
o número já chegou a 25%.
"As taxas tem melhorado muito, mas não chegaremos aos 30%
se considerarmos a taxa líquida na população de 18 a 24 anos.
A taxa bruta é mais expressiva do ponto de vista do que
acontece no país porque existe uma defasagem grande em
todo o fluxo escolar", defende Maria Paula.
Para a secretária, os números indicam que o Brasil precisa
"continuar expandindo a educação superior" e que é incorreto
relacionar o crescimento da oferta de vagas e instituições com
queda de qualidade. O atual PNE termina a sua vigência em
2010. No ano que vem será preciso traçar as bases do novo
86
plano com revisão de metas e diretrizes.
O Plano Nacional de Educação (PNE) que ainda vigora em 2012, apesar
de ser Lei Federal com vigência 2001/2011 (Lei nº 10.172 de 09 de janeiro de 2001)
expressa nas suas metas para a educação superior, a inclusão até 2011 de 30% da
população brasileira na faixa de 18 a 24 anos, fato este noticiado amplamente pela
mídia como apontado no texto jornalístico em análise.
Quando observamos alguns dados referentes às metas propostas pelo
governo percebemos a intenção não manifestada em confundir a opinião pública em
indicar aos formadores de opinião parâmetros contraditórios, pela inclusão da taxa
bruta, aumentando acentuadamente o percentual e o aproximando da meta dos 30%
como referência de análise do percentual o que se configura como uma forma de
“maquiar” os números de um processo que continua extremamente lento, tanto do
ponto de vista do acesso, quanto da permanência em relação a mencionada faixa
etária. Com isso, essa prática não só confunde, mas aliena, distorce a realidade,
pois reforça a representação/ alienação social sobre o tema.
Já no que diz respeito a chamada “avaliação” das IES, cada vez mais
percebemos uma forte tendência mercantilista de exacerbar os rankings, os
chamados “índices de qualidade” como prerrogativa de um processo de formação.
Percebemos a continuidade da tendência lançada pelos organismos internacionais,
desde a aproximação do Banco Mundial e do FMI com a OMC. Ressaltamos a
presença cada vez mais marcante das chamadas “orientações-chave” na condução
de determinantes e por que não dizer, dos “destinos” da educação.
Texto 04:
Prazo para instituições de ensino superior participarem do
censo de 2011 termina em 16 de abril (Título de reportagem
em 02/02/2012 – Folha Online)
Alunos e instituições de ensino superior têm até 16 de abril
para responder ao Censo da Educação Superior (ano
referência 2011). O Ministério da Educação (MEC) espera a
participação de mais de 2,3 mil instituições e de cerca de 6 mil
alunos de cursos de bacharelado, licenciatura, tecnológicos e
formação específica.
O Censo reúne informações sobre as instituições de ensino
superior: cursos, vagas oferecidas, inscrições, matrículas,
alunos que ingressam e os que se formam, além de
87
informações sobre o corpo docente. Os dados contribuem no
cálculo de indicadores de qualidade, como o Índice Geral de
Cursos (IGC).
Texto 05:
Só o direito da UFSC ganha o selo da OAB. (Título de
Reportagem 26/11/2011 - Diário Catarinense)
Dos 59 cursos de Direito de Santa Catarina reconhecidos pelo
Ministério da Educação, apensa o da Universidade Federal de
Santa Catarina (UFSC) recebeu o selo da OAB 2011.
No Brasil, de 1.210 graduações existentes, 90 ganharam o
reconhecimento, o que representa 7,4%, conforme divulgado
na última quarta-feira.
Percebemos que cada vez mais o processo de formação se constrói num
sentido competitivo e onde muitas IES passam a ser medidas por sua eficiência,
criando-se pontuações, rankings, e colocando as universidades como empresas em
concorrência de mercado pelos melhores alunos. O sentido de concorrência é,
portanto, transferido também para o contexto da educação e, a pressão do “mundo
econômico” parece ter encontrado na educação a sua nova “menina dos olhos”, haja
vista a possibilidade de lucro em tornar a educação um serviço dependente de um
mercado de consumo.
Texto 06:
Kroton compra Unopar por R$1,3 bi (Título de Reportagem
16/12/2011 – Revista Veja)
Com a compra, a Kroton Educacional fortalece sua posição
em ensino a distância no país
A Kroton Educacional anunciou nesta sexta-feira a compra da
Universidade Norte do Paraná (Unopar) por 1,3 bilhão de reais,
impulsionando sua posição em ensino à distância no país.
Segundo a Kroton, a Unopar foi fundada em 1972 e é a maior
instituição de ensino a distância do país, com cerca de 162 mil
alunos, 146 mil deles em cursos de graduação não presenciais.
O valor da aquisição será pago em duas etapas. Na primeira,
serão 650 milhões de reais à vista, 260 milhões de reais até 14
de março de 2012 e 130 milhões de reais em 12 meses após o
fechamento. Na segunda etapa, quando haverá a incorporação
de 20% do capital social da Unopar remanescentes, a Kroton
pagará com 13.877.460 de suas units.
"Com a aquisição da Unopar, a Kroton se consolida como uma
das principais organizações educacionais do mundo, com mais
88
de 264 mil alunos no ensino superior e 45 campi distribuídos
por todas as regiões do Brasil", afirmou a Kroton em
comunicado ao mercado.
Notamos inicialmente que o fato de um artigo que envolve universidade
estar na coluna de economia, por si só, já denota algumas mudanças no aspecto da
concepção e da função da universidade. A revista apresenta diversos dados
referentes a compra e aos números que remontam bilhões. Ora, se a Kroton
Educacional59 tem toda esta quantia para comprar outra universidade, não estaria
ela economizando em termos de desenvolvimento dos estudantes que já a
frequentam? Tal lucro não seria exacerbado em uma universidade que não
concentra centros de pesquisas de destaque? Como uma instituição de ensino
superior pode lucrar tanto e ao mesmo tempo não estar reconhecida como um
centro de excelência? Talvez boa parte dos estudantes desta instituição tenham
uma clara noção desta “mágica” lucrativa60.
Nesse
sentido,
decidimos
também
efetivar
um
cruzamento
de
informações neste processo de compreensão da concepção de universidade, e,
portanto, fez-se aqui necessário dialogar com os estudantes e buscar compreender
no contexto destes, os meandros que contemplam a formação da opinião em relação
a universidade. Assim, o método escolhido foi a coleta de depoimentos, como será
explanada nos próximos parágrafos.
Quanto aos depoimentos, o universo que contempla este estudo é
composto por um grupo de estudantes de diferentes nacionalidades. A busca pela
multiculturalidade fez-se necessária no intuito de buscar articulações e perspectivas
distintas, especialmente para que se pudesse perceber o comportamento dos
entrevistados com base em diferentes regiões do mundo, “explorados” por diferentes
contextos midiáticos.
A coleta de dados deste estudo foi realizada entre 10 de maio e 14 de
novembro de 2011. As entrevistas foram realizadas em horários diurnos e noturnos,
sendo, sendo 6 entrevistas no período matutino, 04 no período vespertino e 10 no
59
A Kroton Educacional é uma das maiores organizações educacionais privadas do Brasil e do
mundo, com ações listadas na Bolsa de Valores de São Paulo, (BM&FBovespa), ponto do qual parte
a pergunta: estariam os acionistas realmente preocupados com o conteúdo da educação prestada
pela instituição ou com o lucro que as ações podem representar a eles?
60
Destacamos aqui uma palestra do Prof. Dr. Valdemar Sguissardi em 2011, no Campus da Unisul
Tubarão onde o mesmo apresentava relatos de alunos que chamavam a atenção para a diminuição
de investimentos na biblioteca de sua instituição entre outros aspectos, sendo estes os possíveis
meios de acumulação de capital.
89
período noturno. A concentração de aplicação de entrevistas no período noturno se
deve, especialmente nas pesquisas aplicadas no Brasil, devido ao alto índice de
estudantes matriculados na educação superior neste período.
Os depoimentos foram coletados seguindo uma mesma orientação, ou
seja, a apresentação deste pesquisador e uma breve explicação a respeito do
estudo. No que se refere, todos os depoimentos foram tomados em 2011, e
identificamos os sujeitos como estudantes de universidades de diferentes países,
conforme apresentado a seguir. O tempo médio para os depoimentos foi de 26
minutos.
Buscamos deixar o depoente à vontade em suas contribuições aos
questionamentos, reorganizando as questões e condução do tema, resguardando a
autenticidade das respostas, para evitar induções nos depoimentos, procurando
garantir, assim, a coerência no procedimento utilizado.
Roteiro básico das questões adotado para a tomada dos depoimentos:
 Concepção de Universidade;
 Comparativo de concepção antes e durante o ingresso na universidade;
 A percepção da universidade na sociedade;
 A universidade nos meios de comunicação;
 Função da Universidade;
 A dualidade da Universidade (Instituição Social; Organização Social).
O processo da seleção dos depoentes seguiu alguns critérios, sendo o
critério mais utilizado, a participação do autor desta dissertação em eventos
nacionais e internacionais. A seleção dos entrevistados se deu aleatoriamente,
abordando os sujeitos em seus campi e aplicando os procedimentos neste mesmo
local.
Neste âmbito temos o seguinte quadro de universidades, através de seus
estudantes de graduação, contemplam os participantes desta investigação:
Brasil:
Universidade Federal de Santa Catarina, Campus de Florianópolis;
Universidade do Sul de Santa Catarina, Campus de Tubarão;
Universidade do Vale do Itajaí, Campus de Balneário Camboriú.
90
Bolívia:
Universidad Loyola, em La Paz.
Paraguai:
Universidad Autónoma de Asunción;
Universidad Católica de Asunción
Estados Unidos:
Kennesaw State University, em Kennesaw (Georgia);
Massachusetts Amherst University, em Boston (Massachusetts);
Grand Valley State University, em Allendale (Michigan);
University of Minnesota, em Minneapolis (Minnesota);
Coréia do Sul:
Myongji University, em Seul;
México:
Universidad Nacional Autónoma de México, na Cidade do México
Chile:
Universidad Viña del Mar
Cuba:
Universidad de la Habana
Neste processo, o número de depoimentos tomados foi de 22, distribuídos
da seguinte forma:
91
Quadro 1 – Perfil dos entrevistados.
Sujeitos
Idade
Naturalidade
Graduação
Universidade
E1
22
Boliviana
Veterinária
Universidad Loyola
E2
21
Boliviana
Serviço Social
Universidad Loyola
E3
22
Boliviana
Agronomia
Universidad Loyola
E4
26
Paraguaia
Sociologia
Universidad Católica
E5
29
Paraguaia
Cinema
Universidad
Entrevistados
Autónoma
E7
21
Americana
Linguística
Massachusetts
Amherst University
E8
19
Americana
Gerenciamento
University of
de Construções
Minnesota
E9
26
Americana
Sociologia
Kennesaw University
E10
21
Americana
Ciências da
Grand Valley State
Computação
University
E11
22
Coreana
Economia
Myongji University
E12
29
Brasileira
Turismo e
Univali
Hotelaria
E13
24
Brasileira
Gastronomia
Univali
E14
21
Brasileira
Direito
Univali
E15
22
Brasileira
Administração
Unisul
E16
22
Brasileira
Letras
Unisul
E17
23
Brasileira
Nutrição
UFSC
E18
22
Brasileira
Jornalismo
UFSC
E19
27
Mexicana
Relações
UNAM
Internacionais
E20
20
Mexicana
Economia
UNAM
E21
29
Chilena
Jornalismo
Universidad Viña del
Mar
E22
23
Cubana
Turismo
Universidad de la
Habana
Fonte: Dados da Pesquisa, 2011.
Para a análise das contribuições obtidas nos depoimentos, recorremos a
Fischmann e Sales (2010) que dividem as universidade em 3 (três) modelos. Para
92
fins deste estudo, utilizamos 2 (dois) modelos que melhor se adaptavam as
necessidades de obtenção dos dados desta pesquisa. O primeiro, chamado de
Universidade de Ensino, Pesquisa e Extensão (UEPE) e o segundo, de Universidade
de Mercado (UMER) para os quais foram por eles elencadas algumas
características.
Universidade de Ensino, Pesquisa e Extensão (UEPE) configura-se como
um modelo de universidade nas seguintes situações:
1. O ensino e a aprendizagem de grandes verdades universais e atemporais,
através de aulas expositivas ministradas pelo docente;
2. A produção de conhecimento pelo seu valor em si, o que inclui o
conhecimento das artes e o desenvolvimento de alunos completos e
equilibrados, sem se importar com as vantagens econômicas diretas;
3. A melhora da comunidade, com ênfase na formação de líderes comunitários.
(FISCHMANN; SALES, 2010, p. 10).
Além disso, para fazer parte desta categoria, a universidade deveria ter ao
menos uma das características a seguir:
4. Ser financiada pelo estado;
5. Ser uma instituição autônoma com sua própria cultura e processos.
A Universidade de Mercado (UMER) configura-se como um modelo de
universidade nas seguintes situações:
1. O ensino de certos conhecimentos que permitiriam aos alunos melhorar sua
posição econômica (ao invés de estudantes bem formados integralmente);
2. A produção de trabalhadores bem qualificados e de conhecimentos para
investigações, pois a educação superior é a chave para a prosperidade
econômica de um país e para a concorrência com outros países.
Da mesma forma que a categoria anterior, para fazer parte desta, a
universidade deveria ter ao menos uma das características abaixo citadas.
3. Ser um negócio com financiamento próprio;
4. Produzir conhecimento e vendê-lo aos estudantes e clientes investigadores;
5. Utilizar critérios objetivos que possam medir os resultados acadêmicos, tanto
na admissão de estudantes como para demonstrar a qualidade institucional;
6. Promover a competição, chave para o aperfeiçoamento, tanto entre
estudantes, quanto entre instituições. (FISCHMANN; SALES, 2010, p. 10).
93
A metodologia utilizada, por meio de procedimentos de pesquisa, sugeriu
nos primeiros apontamentos de análise uma concepção de universidade voltada ao
mercado, com 15 dos 22 depoimentos “ressignificando-a” em suas funções na
sociedade. Também se servindo de sua representação para nos moldes de uma
organização social, como segue:
Quadro 2 – Concepção de Universidade
UEPE
UMER
E1
X
E2
X
E3
X
E4
X
E5
X
E6
X
E7
X
E8
X
E9
X
E10
X
E11
X
E12
X
E13
X
E14
X
E15
X
E16
X
E17
X
E18
X
E19
X
E20
X
E21
X
E22
X
FONTE: Dados da Pesquisa.
A análise dos “modelos” de universidade entendidos pelos estudantes foi
feito com base nos depoimentos tomados, sendo que, para elucidar o método de
compreensão e análise desenvolvido neste estudo para a tabulação dos resultados,
destacamos alguns trechos de relevância para o mesmo. Assim, verificamos, com
94
base no roteiro apresentado, algumas das contribuições e através das percepções
apresentadas, conforme segue:
Universidad para mi es superarnos cada día más para ser alguien, una
persona con valores. Para superarnos cada día más, más y más porque el
motivo es y salir de acá como un profesional. El motivo es salir profesional.
Es para esto que estoy acá en la universidad. (E1).
Percebemos aqui a vinculação entre a universidade e o lugar que ocupa o
indivíduo na sociedade. Percebemos isto quando (E1) destaca a “ideia” de que se
transformar em “alguém”, passa pela necessidade de estar na universidade.
Interpretamos, assim, pelo seu contrário, ou seja, “quem não está na universidade
seria ninguém?”
A compreensão a respeito da universidade, tanto na concepção quanto
em sua função se interpelam e concentram-se também no sentido único de
formação profissional, o que chamava Gramsci (1957), a construção do homo faber,
como mostra o depoimento:
Es un lugar de formación donde te forman para salir en una carrera
cualquier parte que quieras (E2).
É uma fase muito importante para estabelecer quais os objetivos em relação
ao mercado de trabalho (E12).
A universidade é o primeiro passo da minha profissionalização. Serve como
caminho para que eu consiga aprender as técnicas necessárias e começar
a trabalhar. (E13)
University is a place where I can gain new knowledge that pertains to my
61
major so I am able to get a leadership position in a company .
Universidade é um lugar onde eu posso adquirir conhecimentos que dizem
respeito a minha área de atuação, então eu seria capaz de ter uma posição
de liderança em uma empresa (E8).
An exposure to a wide range within my subject area of study to aid me in
choosing a career path.
Uma exposição a uma grande variedade dentro da minha área objeto de
estudo para me ajudar na escolha de um plano de carreira. (E7)
Universidade é uma instituição com vários institutos e faculdades pras
pessoas conseguirem um diploma de ensino superior e ter um bom trabalho.
(E11)
Universidad es donde te puedes preparar para una carrera profesional
(E19).
61
Os depoimentos em inglês foram transcritos na língua original e traduzidos pelo autor em seguida. Tal
processo foi definido com o intuito de buscar a legitimidade das respostas e evitar quaisquer tipos de conduções
ou tendenciamentos nos trechos traduzidos.
95
Já para outros entrevistados, há a percepção da função social da
universidade, como:
Una institución que tiene como objetivo brindar formación académica, profesional,
científica, humana a todas las personas, en diferentes ramas. La misma, debe estar
orientada al mejoramiento de la propia sociedad (E4)
Preparar os jovens para o mercado de trabalho, e principalmente para formar
cidadãos conscientes (E18).
A Universidade é um lugar de referência em formação profissional e social.
Sua função seria lançar na sociedade jovens com conhecimento e opinião
suficiente para ajudar no desenvolvimento dessa sociedade (E14).
Para mim, universidade seria a reunião de vários elementos que promovem
a formação profissional e pessoal dos indivíduos. A principal função seria
construir a formação profissional e pessoal do indivíduo (E16)
La universidad es un recinto de ideas y teorías. La función de la universidad
es forjar líderes íntegros y comprometidos con sus comunidades y entorno
social (E20).
Universidad es un centro de estudios, a los que acuden personas que
quieren obtener una profesión, donde se comparte con personas de
distintas clases socioeconómicas y generalmente de distintas realidades. Un
lugar donde a diferencia de la escuela donde es obligatorio asistir, en las
universidades uno asiste porque elige voluntariamente cual es la profesión
que quiere desarrollar de por vida (E21).
La universidad en Cuba es tal vez ... No sé por qué no se es así en Brasil...
tan único como nuestra sociedad. Muchas veces escucho que en otros
países las personas se forman para conseguir un trabajo mejor. Aquí, la
universidad es para adquirir conocimiento (E22).
A representação do viés único da formação para uma carreira, volta a ser
citado como a compreensão do estudante para com sua formação.
Universidad es un centro donde te especializan para una carrera, para salir
profesional. (E3).
O mesmo estudante ainda completa que:
Yo creo que es para formar gente con conocimiento para que puedas
ejercer algo que le gusta.(E3)
Neste, a desconexão entre a participação do “eu” no processo formativo
aponta para uma percepção na qual há apontamentos da colonialização, da
serventia, ao dizer “donde te forman”, padece da incapacidade e da impercepção de
96
que o próprio estudante está inserido no processo de formação pelo “conhecimento
vivo” citado por Anísio Teixeira. Para Kassick (2009, p. 38) “observa-se, também,
que a docência universitária ainda é realizada sob o signo da transmissão do
conhecimento”. (grifos do autor). É, conforme Chauí (2001), a chamada
“Universidade Operacional”, explicitada nas afirmações seguintes:
La Loyola tiene un nivel profesional de muy buenas referencias porque tú
sales de la Loyola y tienes buenas… como puedo dicer… perspectivas.
Puedo tener un bueno trabajo en el futuro. (E1)
En nuestro tiempo, la universidad se convirtió en una entidad lucrativa muy
buena para generar esclavos de grandes empresas. (E5)
Eu entendo que a universidade deixou de ser aquilo que era no passado.
Hoje a gente estuda e não muda de vida. Daí vem a pós e vejo muito gente
na mesma. Cada vez a gente tem que estudar mais para melhorar o
emprego (E15)
O estudante E5 destacou uma visão profunda (talvez até radical) quanto a
universidade, colocando-a num modelo de preparadora do cidadão a ser explorado.
Já para E1, ainda que sem a devida percepção, a colonialização intrínseca que
ainda enfrentam, quando mostra que, para as universidades bolivianas, um diploma
obtido no exterior pode ter uma valorização exacerbada no processo.
Mucha gente sale de Bolivia. Quieren trabajar en el exterior. Acá no
tenemos la valides de títulos que tiene en Bolivia en otros países. Pero los
que vienen del exterior para Bolivia son bienvenidos. Algún extranjero, un
agrónoma extranjero y un agrónomo Boliviano, el extranjero ocupa la
posición. Hay una valorización para os de allá más que los de acá… tienen
preferencias.(E1)
Tal afirmação vai de encontro à exacerbação do processo colonialista, da
discriminação adotada no discurso da interculturalidade e congrue com as
afirmações de Yapu (2011, p. 46) quando diz que a identidade conceituada a um
povo “Es mucho más que la relación de “yo” y “el otro”, mas si, “un camino tortuoso
de construcción social lleno de tensiones, que como tema, remonta hasta los
primeros pasos de la modernidad”. (YAPU, 2001, p. 46). Assim, a complexidade das
concepções de indivíduo são também marcadas pelos anos de processos
discriminatórios, criando conceitos em forma de protótipos tanto de bolivianos para
com estrangeiros, quanto no caminho inverso. Concordamos assim com Casanova
(2009, p. 157) quando afirma que “somos partidarios de las diferencias, no de las
97
desigualdades”.
Este movimento contraditório entre a informação e a representação se dá
também nas análises dos questionamentos como “antes de estares aqui, como vias
a universidade?”
Cuando estaba en el colegio, decían: La universidad es difícil, pero querer
es poder. Es muy difícil, me decían. Me decían que los docentes te daban
un tema y lo tenía que mirar solo por como estudiar. (E1).
Lo que más o menos me imaginaba era que los estudios tenían que ser más
fuertes. Pero ahora se parece lo mismo que la escuela.
Pensaba que era un lugar muy distinto de mi colegio donde necesitaría
estudiar un poco más y tener una carrera y yo tenía que me aplicar más
para ser una buena profesional. (E2).
Bueno la vía como algo muy grande, un poco más difícil… bueno, mucho
más difícil, mucho más fuerte que el colegio. (E3).
Antes de entrar en la universidad, pensaba que era la mejor garantía que
podría tener para mi formación profesional. Pero durante el período en que
estaba adentro me di cuenta que el criterio de formación profesional es muy
diferente a lo que uno espera tener. Ahora pienso que no es así y por esta
razón creo que voy salir. (E5)
Estoy cursando la universidad, y creo que mis expectativas con relación a
ella se van debilitando con el correr de los años. Si bien fue un espacio de
formación importante, a raíz de algunos profesores más comprometidos con
sus alumnos, además de la interacción con otros compañeros interesantes.
No deja de ser un espacio extremadamente burocrático, con una visión
mercantilista de la educación, y en el cual solo importa asistir a clases para
cumplir los programas establecidos, rendir exámenes, etc. por pura
formalidad, con bibliografías desactualizadas, y cada vez más contenidos
disociados de la propia realidad del país, del mundo, además de
profesores/as que siguen siendo autoritarios ante la mínima organización de
los estudiantes.(E4)
Na mina opinião não mudou muito. Alguns amigos já cursavam e me
passaram como seria. Na verdade, no início eu vim muito motivado, mas,
minha expectativas foram se perdendo quando comecei a trabalhar e vi que
o salário não tinha mudado muito. (E13)
Um estudante ainda completa que:
En Paraguay, el sistema educativo es uno de los más excluyentes, ya que
es ínfimo el porcentaje de personas que pueden acceder hoy en día a la
universidad. (E4)
Aqui percebemos a representação da Universidade no sentido da
intangibilidade e a formação de um senso comum no sentido da impossibilidade, da
distância e da complexidade que envolve a educação superior. Destacamos ainda a
98
manutenção de afirmações sempre voltadas exclusivamente à função da
universidade no sentido de qualificar profissionalmente, do mercado do trabalho, e
consequentemente, sendo “o meio” para chegar ao “desenvolvimento econômico”.
Quanto ao posicionamento da compreensão entre universidade de
pesquisa (instituição social) e universidade de ensino (organização social) propomos
uma análise sobre a compreensão da diferença entre tais termos. Os depoimentos
resultaram nas seguintes formulações:
No lo se (E1).
Facultad es lo que hay en la pública con varias carreras y universidad son
las privadas (E2).
En la verdad acá se conoce todo como universidad. Pero, para mí la
universidad es la pública (E3).
Para mim não há diferença alguma (E12).
Eu entendo que a universidade precisa de pesquisa, mas, mesmo a
operacional ou de ensino pode ter algumas pesquisas, não? (E17)
Eu vejo a universidade com autonomia a escolha mais acertada, pois, se ela
visa lucro, como podemos ter certeza que se esforçarão para nos dar o
melhor? Me parece que deveria ser sempre voltada ao social. (E18)
Assim, podemos apontar que os conceitos apresentados nos primeiros
questionamentos vão diretamente ao sentido de concepções importadas de outras
definições. Através da comparação, percebemos problemas de compreensão dos
estudantes no sentido da instituição a que pertencem, sua definição, bem como a
função a ser cumprida pela mesma. Existem respostas ambíguas e formulações que
não refletem o real, mas sim o desconhecimento.
Quando questionados sobre o que alterou a sua percepção sobre antes
de estar na universidade e agora, os depoimentos foram:
Cambio muchísimo. Ya no es lo que pensaba.
Cambio ahora porque estoy haciendo muchas materias que me gustan y
puedo hacer también las prácticas que gusto… es distinto del colegio (E2).
Mudou porque agora eu estudo algumas disciplinas mais práticas e menos
teóricas. Não entendo o motivo de aprendermos tanta teoria, já que não a
utilizamos para nada (E13).
Percebemos, neste momento do texto, que a compreensão do estudante
99
está voltada ao exposto no sentido do atendimento de seus gostos individuais e
pouco no sentido da compreensão mais ampla.
Quanto a compreensão da concepção de universidade e de sua imagem
veiculada nos meios de comunicação, questionamos aos entrevistados, como, a
partir da imagem exposta por estes meios, poderíamos utilizar como “modelo” de
universidade que o estudante conhece em seu dia a dia. Destacamos a análise
abaixo:
Por ejemplo esta universidad se dedica mucho a la publicidad, pero algunas
cosas no están ciertas. Nos prometen muchas cosas pero después no lo
cumplen.
Hay muchas deficiencias. No cumplimos las prácticas como veterinarios. No
hay material para las clínicas, las practicas. La manera que te venden la
universidad no es la misma que encuentras acá.
No hay mucha gente que se lanza a la investigación porque nadie los
apoya. Esto es lo malo.
Las públicas acá son mucho mejores. Son mucho mejores. Te quedas en
las carreras desde la mañana hasta la noche. (E3, grifos do autor).
Já para outro estudante, algumas críticas são feitas à propaganda
apresentada pela universidade, mas, no Paraguai, segundo outro depoente, as
mudanças ocorridas nos últimos anos mostra a universidade hoje num sentido
voltado à competição e ao desenvolvimento técnico.
Ao perguntarmos “quando foi a última vez que você ouviu falar sobre
universidade na mídia” e, sobre como a universidade era apresentada, e ainda, se
“esta” universidade que aparece na mídia se identifica com a que encontraram,
tivemos as seguintes constatações:
Esta mañana, en la radio.
No, la universidad de la propaganda es peor de la que encontré.
Las universidades se volvieron una entidad comercial donde se profesa una cosa,
pero en la práctica es otra.(E5)
Hoy, cuando fue al cine, pasaron un comercial sobre una de las tantas universidades
privadas de nuestro país, teniendo como mensajes fuertes a la competitividad y el
desarrollo.
Y la realidad definitivamente no es la misma! La propaganda muestra lo contrario a
la realidad, es decir, a lo que uno encuentra finalmente cuando ingresa a una de
ellas.
Las semejanzas que tienen: Realmente te enseñan acerca de la competitividad en el
mercado, ya que toda la enseñanza está en función a ganar dinero, a cualquier
precio.
Degradación progresiva de la carreras sociales, por sobre las empresariales.
[…] Y las diferencias son que tener un título universitario no es directamente
proporcional a conseguir trabajo. La certificación del plantel docente no existe, por
100
lo cual los profesores son producto del azar, así como pueden asignarte profesores
calificados, también pueden sorprenderte con pseudo profesores.(E4)
Hoje em dia as universidades aparecem muito na mídia. vejo o tempo todo algo a
respeito, mas somente as particulares. Normalmente é com foto de hotel na internet,
dificilmente você encontra aquilo que mostra. Na época em que ingressei, a
cobertura da mídia era muito menor. Eu sequer conhecia o campus ou o sistema da
universidade pra onde estava indo, assim, não houve decepção em relação a nada.
Creio que se fosse hoje me decepcionaria com o que vejo na mídia e o que encontro
aqui. (E14)
A mídia me parece um pouco mentirosa... [...] bem na verdade, na verdade, não acho
que é mentiroso, mas manipulado, meio fantasioso. Nem tudo é simples e fácil como
na propaganda. O acesso aos serviços e instalações não estão disponíveis como
parece. (E16)
Es que en Chile las universidades siempre están en las noticias. Aparecen
promocionando sus cursos y escuelas en los diarios y canales de televisión, entre
diciembre y marzo para que postulen estudiantes. Luego, en las noticias por ejemplo
siempre hay profesores de universidad entre los entrevistados de temas como
terremotos, económicos, o que requieran algún teórico al respecto. Mi universidad,
la Universidad de Viña del Mar, era una universidad pequeña, que exigía puntaje
para tener buenos alumnos, y trataba de tener buenos estudiantes siempre. Ahora, es
una universidad grande, de las más tecnológicas del país, con muchos más alumnos,
pero no elige tan bien a sus estudiantes, para tener más recursos. (E21)
Tais depoimentos nos fazem refletir sobre a atual identidade da
universidade, que parece estar perdendo sua autonomia e “clientelizando” os
estudantes para então transformá-los em força de trabalho a serviço do capital. A
concepção e o posicionamento das universidades vem se aproximando do projeto
econômico neoconservador, da condição de, como salientado por Mancebo (2010,
p. 46), uma “pseudo-educação de nível superior”.
Para alguns dos depoentes, a função da universidade é caracterizada em
seus relatos:
Debe ser una institución orientada al desarrollo social, promoviendo el saber
científico y la investigación, formando personas comprometidas con su sociedad,
con verdadero pensamiento crítico. (E4)
The true function of a university is to make connections with employers and
gain knowledge on specific subjects.
A verdadeira função da universidade é fazer conexões com empregadores e
adquirir conhecimento nos estudos específicos. (E10)
A universidade de ensino, pesquisa e extensão (instituição social), está
sendo ressignificada e substituída por uma modalidade onde sua composição se
caracteriza pela exclusividade do ensino (organização social) em uma direção cada
101
vez mais pragmática e voltada, na ideologia dos estudantes, ao acúmulo do capital e
ao desenvolvimento econômico.
102
8 CONSIDERAÇÕES E RECOMENDAÇÕES
A sociedade contemporânea é abarcada por um processo de globalização.
Tal processo “encanta” a grande parte dos envolvidos e parece ter uma
contemplação da felicidade ao saber que o mundo está ao alcance. O contexto da
globalização se mostra, para muitos, como um processo irreversível, irremediável.
Assim, estamos todos sendo “globalizados”.
Esse sentido de pertencimento começa a se esfacelar em boa parte do
planeta. Os governos sulamericanos cada vez mais apostam em figuras com
passados de esquerda; o Oriente Médio se vê envolvido com uma série de eventos e
revoluções, com cenas da mais pura barbárie; a Europa (quem diria) atravessa uma
crise sem precedentes e reluta para manter-se como União Europeia e mercado
comum, as custas da demolição do Estado de Bem-Estar Social; a Ásia se vangloria
de seus países emergentes, resultado da exploração de empresas que fogem dos
altos salários conquistados por lutas históricas pelos direitos humanos na França ou
na Inglaterra. Espanha, Grécia, Portugal ou Itália? Onde veremos o próximo
colapso? A China que reconfigura a composição mundial, tornando-se cada vez
mais integrada ao capital globalizado e sobre a qual indagamos: será a próxima
hegemonia? Os Estados Unidos ainda contam as perdas de Wall Street com a crise
passada em 2009, sabendo que a próxima está por vir. Ou seria uma consequência
inefutável da última?
Nesse sentido, percebemos que a globalização vem conduzindo milhares
de pessoas a condições impostas, no sentido da proletarização, da discriminação e
do descarte daqueles que não são participantes da condição econômica necessária
para manter a “roda do jogo girando”.
Percebemos que o largo período de ajustes estruturais, especialmente nos
anos 1990 que continua vigente até a atualidade, fortaleceu a
composição da
sociedade mundial do capital, favorecendo os modelos mais internacionalizados e
marginalizando ainda mais as periferias. A sociedade sofre também da dicotomia, da
dualidade, e por que não dizer, dos problemas que ela mesma cria e impulsiona.
As representações da realidade induzem a sociedade à felicidade através
dos bens de consumo, da particularidade se cria a universalidade, e, estando a
particularidade
em
acordo
com
os
moldes
de
governação
neoliberal,
a
103
universalidade também estará. As representações incorporadas pela sociedade não
são naturais, mas são o resultados de construções ideológicas conduzidas pela
chamada “mão invisível do Capital”, ainda que em muitas vezes esta seja
extremamente visível. A história se ressignifica e dessa forma, ressignifica também
as compreensões da sociedade para com diversas concepções.
Vivemos num mundo confuso e confusamente percebido. Haveria nisto um
paradoxo pedindo uma explicação. De um lado é abusivamente mencionado
o extraordinário progresso das ciências e das técnicas, das quais um dos
frutos são os novos materiais artificiais que autorizam a precisão e a
intencionalidade. De outro lado, há, também, referência obrigatória à
aceleração contemporânea e todas as vertigens que cria, a começar pela
própria velocidade. Todos esses, porém, são dados de um mundo físico
fabricado pelo homem, cuja utilização, aliás, permite que o mundo se torne
esse mundo confuso e confusamente percebido. (SANTOS, 2010, p. 17).
A dificuldade para compreender a sociedade atual se expressa também na
dificuldade de compreender a universidade. Como destacado por Saviani (2007, p.
157), “os contextos educacionais não podem ser compreendidos a não ser na
medida em que são referidos ao contexto em que se situam”.
Nesse processo se instaura também a universidade, complexa, dinâmica,
“globalizada(?)”. Compreender a concepção da universidade, sustentada em um
modelo humboldtiano da indissociabilidade entre ensino pesquisa e extensão é o
que se defende neste estudo, como também toda a luta desenvolvida neste
processo de sua formação. Compreendê-la e assumi-la como produto de uma
sociedade neoconservadora e capitalista de exacerbado consumo, é retirá-la de sua
forma, é criar algo que talvez não possamos sequer chamar de “universidade”.
Nesta dicotomia em que a universidade se apresenta nos marcos de um
modelo caracterizado pela dualidade de universidade de pesquisa e de universidade
de ensino (mercado), passa a buscar aportes no “lucrativo mercado” educacional.
Assim, a universidade pode também se mostrar um aporte de possibilidades de
exploração, apresentada na centralidade do mundo econômico. Para Chauí (2003,
p. 03), esta transformação da universidade de “[...] uma organização difere-se de
uma instituição por definir-se por uma prática social determinada de acordo com sua
instrumentalidade: está referida ao conjunto de meios (administrativos) particulares
para obtenção de um objetivo particular.”
Para Sguissardi (2009, p. 50):
104
ser utópido sem ser otimista ingênuo é saber que a democratização do
acesso e garantia de não evasão e conclusão do curso superior depende de
políticas de inclusão social, de distribuição, depende de políticas de inclusão
social, de distribuição de renda, de erradicação da indigência e da pobreza
que afetam mais da metade dos brasileiros.
...e completando a idéia do autor, tavez dependa de uma outra sociedade.
Assim, compactuamos com Anísio Teixeira ao afirmar que “a ausência da
universidade com suas funções faz com que não se possa chegar a existir como
povo". O povo, a nação que vive sem a concepção crítica do conhecimento, da
universidade e da “existência autônoma, acaba vivendo, tão somente, como um
reflexo dos demais” (TEIXEIRA, 1998, p. 34).
105
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