Modelo de Tese - acervo
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Modelo de Tese - acervo
UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDDY ERVIN ELTERMANN CONCEPÇÕES DE UNIVERSIDADE: DAS QUESTÕES TEÓRICAS À REPRESENTAÇÃO NO SENSO COMUM. Tubarão 2012 EDDY ERVIN ELTERMANN CONCEPÇÕES DE UNIVERSIDADE: DAS QUESTÕES TEÓRICAS À REPRESENTAÇÃO NO SENSO COMUM. Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Educação da Universidade do Sul de Santa Catarina para a obtenção do título de Mestre em Educação. Orientadora: Prof. Dra. Maria da Graça Nóbrega Bollmann. Tubarão 2012 2 Eltermann, Eddy Ervin, 1978B79 Concepções de universidade: das questões teóricas à representação no senso comum. Tubarão, Santa Catarina / Eddy Ervin Eltermann; orientadora: Maria da Graça Nóbrega Bollmann. -2012. 115 f. : il. color. ; 30 cm Dissertação (mestrado) –Universidade do Sul de Santa Catarina, Tubarão, 2012 Inclui Bibliografias 1. – Tubarão (SC). 3. Tubarão,. II. Título. CDD (21. ed.) 304.2 Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Universitária da UNISUL 3 4 Dedico este trabalho a minha família e amigos, apoios em todas as horas difíceis. 5 AGRADECIMENTOS Agradeço a minha mãe, Ligia Mara Beltramini que, com muita garra, assumiu a responsabilidade de minha educação, após o falecimento de meu pai, Eduard Erwin Eltermann. Dedico boa parte de todas as conseqüências positivas em minha vida à luta árdua que teve em prol de minha formação como pessoa. Agradeço a minha avó, Leonor Coninck, por todo apoio que pôde oferecer para preencher o espaço deixado por meu pai. Fortaleza que sempre estava lá, em todas as horas. Minha segunda mãe. Agradeço ao meu irmão, Luiz Gustavo Metzger, pelas conversas e parcerias que tivemos durante minha adolescência. Dos jogos e disputas que sempre me fortaleciam como pessoa e como observador de seu crescimento e da formação do homem que hoje o é. Agradeço a minha tia, Ema Romais Cunha, que, apesar de ter nos deixado, é uma memória viva de toda a maravilhosa infância que tive. Se a falta do pai não me foi um obstáculo, o excesso de mães tampouco... Minha terceira mãe. Agradeço a maravilhosa família que tenho. A todos que me deram apoio em qualquer momento e dos quais não citarei nomes pela imensa lista, com medo de cometer injustiças. Agradeço a meu sogro Ricardo da Cunha Mello e meus “novos avós” Eneida Frey Mello e Januário da Cunha Mello Júnior. Agradeço aos colegas de mestrado pelas longas discussões, pelas viagens, pelo conforto num processo de formação que concebeu nossa realidade. Em especial a Clarisy, Franciellen, Natali, Daniela, Sinara e Gisele, bem como a tantos outros que a memória não me ajudou a lembrar. Agradeço em especial a dois colegas, que se tornaram meus grandes amigos em Tubarão: Rafael Nunes Braga e sua alegria contagiante, com um sorriso sempre pronto. Sempre me recordarei de nosso encontro em Copacabana; e Phelipe Pires Fermino e sua esposa Dani aos quais devo muito por terem me hospedado em sua casa por tantas vezes, por estarem sempre de coração aberto para nossas longas conversas por madrugadas a fio e que por tantas vezes foi meu companheiro de viagens (...e badernas). Obrigado mesmo gurizada! Agradeço aos meus amigos Jean Cani, Rafael Amorin, Alexandre Oliveira, 6 André Odelli, Vanessa Sartor, Emmanuel Schmidt, Rafael Archer, Rafael de Fazio, Daniele Maldaner, Roberto e Fatima Mello, Caroline Machado, Marcelo Oliveira, Carlos Cappelini, Athos Teixeira, Heitor Brito, Esteban Areco, Macky Pereira, Carla Magro, Vicente Tristão, Fernando e Sueli Vollet e tantos outros que, mesmo de longe, sei que sempre torceram por mim. Agradeço a todos os professores do PPGE pela importante acolhida e contribuição em meu processo de formação. Agradeço os(as) professores(as) Adriana Marrero (Universidad de la Republica de Montevidéu), Clovis Nicanor Kassick (UNISUL) e Leticia Carneiro Aguiar (UNISUL) por aceitarem o convite de participação em minha banca de defesa desta dissertação. Agradeço aos Professores da Rede Iberoamericana de Investigação em Políticas de Educação (RIAIPE 3), a qual integro como Assistente de Investigação (bolsista), que por tantas vezes foram para mim exemplos da luta pela educação no Brasil e no mundo. Agradeço a minha orientadora, Professora Maria da Graça Nóbrega Bollmann (que poderia até dizer minha quarta mãe, como sempre me diziam meus colegas) por todo apoio incondicional em minha formação. Dos artigos aos vinhos, cada momento foi uma aula de vida que sempre vou guardar. Agradeço em especial a minha esposa, Estefânia Tumenas Mello, que suportou todo o meu processo formação e que hoje começa a traçar o seu. Que aguentou firme todas as dificuldades que passamos e que posso afirmar hoje é a pessoa mais companheira que conheci e a quem devo parte do que sou. Te amo! Agradeço em especial a minha filha, Sarah Mello Eltermann, que durante esses anos teve um pai menos participativo em função do caminho que assumi traçar, mas a quem posso dizer: “isso tudo é para você!”. 7 “Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem segundo sua livre vontade, em circunstâncias escolhidas por eles próprios, mas nas circunstâncias imediatamente encontradas, dadas e transmitidas”. (Karl Marx) 8 RESUMO O presente estudo analisa as concepções de universidade, suas representações e as interpretações destas pela sociedade. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, inspirada na dialética, referida em Lukács (1960) como não desconectada da realidade. A dialética é por si só contraditória e, portanto, não é estática. Movimentase na história e nos embates sociais e contempla a realidade, ainda que, como conhecimento da realidade deve ser precedido do questionamento: o que é a realidade? Nessa perspectiva, a compreensão da problemática passa, inicialmente, pela busca da história da universidade em suas origens e o processo de transformação nos contextos que a conceberam. A partir daí, observamos as diferentes representações adquiridas pela universidade, por meio de um estudo bibliográfico em diferentes fontes. Procuramos identificar a concepção de universidade dos organismos internacionais, em especial do Banco Mundial, na leitura de autores contemporâneos como Deise Mancebo (2010), Anísio Teixeira (1988), Luiz Antonio Cunha(1989), Pablo Gentili (2008), Roberto Leher (2010), entre outros. Também buscamos alguns dados empíricos através de depoimentos de estudantes de graduação brasileiros e de outras nacionalidades. Estes depoimentos foram tomados com o intuito de atender a perspectiva histórico-dialética, opção metodológica desta dissertação, para contemplar o necessário conhecimento da realidade concreta. Para a análise dos dados partimos da comparação entre os depoimentos que mostraram a visão de universidade dos estudantes e a concepção desta instituição social que parece estar contraditoriamente induzida na direção de um modelo de mercado. Esta concepção de universidade, para Chauí (2001), constitui-se em uma organização social. Criamos, a partir da construção de Fischmann e Sales (2010), uma metodologia de classificação para podermos analisar de forma sistemática a concepção de universidade. Com essa finalidade, a classificamos como Universidade de Ensino, Pesquisa e Extensão (UEPE) e Universidade de Mercado (UMER). Para ampliar a compreensão deste tema de estudo, recorremos aos autores Evans (2006) e Lakoff (2002) que apresentam uma discussão sobre a criação de protótipos da realidade, os quais podem expor modelos que “naturalizem” determinadas concepções. Para compreender historicamente os diferentes contextos da criação das universidades foram 9 analisadas concepções de Estado para a discussão da sua interferência nas políticas de educação, em especial na educação superior. Percebemos que o sentido de espetacularização anestesia a população e tira o foco das questões que deveriam ser discutidas como centrais. Assim, envolvidos nesta inércia, a educação, e nela a universidade são ressignificadas e interpretadas pelos estudantes em uma direção apropriada pelo mundo e na exacerbação do sistema neoliberal tornam a universidade a expressão da sociedade em que está inserida: volátil, individualista e pragmática, mas também coletiva, filosófica e reflexiva. Palavras Chaves: Universidade; Representação; Protótipo. Sociedade; Estado; Ressignificação; 10 ABSTRACT This study analyzes conceptions of universities, their representations when sight by the society. This is a qualitative research based on dialectics, articulated by Lukacs (1960), as there is no disconnection to reality. The dialectic is contradictory and, though, it is not static. It moves in the history and social struggles and contemplates reality, even that the knowledge of reality must be preceded by: what is reality? In this perspective, understanding the problem is, initially, the search for the history of university in its origins and the evolutionary process in the conceived contexts. From that, we watch different representations acquired by the university, through a bibliographic study in different sources. We sought to identify the meaning of what is university for international organization, in particular the World Bank, reading contemporary authors as Deise Mancebo (2010), Anísio Teixeira (1988), Luiz Antonio Cunha (1989), Pablo Gentili (2008), Roberto Leher (2010), among others. We also collected some empirical data through testimonials of graduate students from Brazil and other countries. The testimonials were taken in order of getting the historical dialectic perspective, methodological choice for this dissertation, to contemplate the necessary knowledge of reality. The data analysis was made by comparing the testimonials that reported the students’ conception of the university and the notion of that social institution that seems to be led to a market shape. This concept of university, for Chauí (2001), is a social organization. We have created, based on Fischmann and Sales (2010), a classification method in order to systematically analyze the concept of university. For this purpose, we classify that as University of Teaching, Researching and Extension (UEPE) and University of Market (UMER). To enlarge the comprehension of this theme study, we appealed to the authors Evans (2006) and Lakoff (2002), they discuss about the creation of reality prototype, which can expose models that “naturalize” some concepts. To historically understand the different contexts of the creation of universities, conceptions of State were analyzed to discuss its interference at the politics of education, specially on higher education. We realized that the sense of spectacle anesthesia the population and takes the focus off issues that should be discussed as major. Thus, involved in that inertia, the education, including in it, the university, are re-signified and interpreted by the students in a direction taken by the world, and the exacerbation of 11 the neoliberal system make university the result of society in which it is inserted: volatile, individualistic and pragmatic, but also collective, philosophic and reflexive. Key Words: University; Society; State; Re-signification; Representation; Prototypes. 12 LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Perfil dos entrevistados. ........................................................................ 91 Quadro 2 – Concepção de Universidade .................................................................. 93 13 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Evolução do número de IES por organização acadêmica – Brasil – 2005-2009 ................................................................................................................. 57 14 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 – Distribuição por tipos de IES 1 ................................................................ 56 Gráfico 2 – Comparação da IES por dependência administrativa ............................. 57 15 LISTA DE SIGLAS BIRD: Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento BM: Banco Mundial CEFET: Centro Federal de Educação Tecnológica ENEM: Exame Nacional do Ensino Médio FHC: Fernando Henrique Cardoso FMI: Fundo Monetário Internacional FUNDEB: Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação FUNDEF: Fundo De Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério GEF: Fundo Mundial para o Meio Ambiente IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IC SID: Centro Internacional para Resolução de Disputas sobre Investimentos IDA: Associação Internacional do Desenvolvimento IES: Instituições de Ensino Superior IF: Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia IFC: Cooperação Financeira Internacional IFM: Instituições de Fundo Monetário LDB: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDBEN: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional MEC: Ministério da Educação MIGA: Agência de Garantia de Investimentos Multilaterais OCDE: Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico ONG: Organização Não Governamental ONU: Organização das Nações Unidas REUNI: Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais RIAIPE: Rede Iberoamericana de Investigação em Políticas de Educação UNISUL: Universidade do Sul de Santa Catarina UDF: Universidade do Distrito Federal USP: Universidade de São Paulo 16 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 18 1.1 OBJETIVO GERAL ............................................................................................. 21 1.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ............................................................................... 21 1.3 APRESENTAÇÃO DOS CAPÍTULOS..................................................................21 2 A HISTÓRIA DA UNIVERSIDADE: DA CRIAÇÃO A CONTEMPORANEIDADE . 23 2.1 ESCOLAS DA IDADE MÉDIA ............................................................................. 24 2.1.1 Escolas monacais no Oriente ...................................................................... 24 2.1.2 Escolas monacais no Ocidente ..................................................................... 24 2.1.3 Escolas Presbiteriais ou Paroquiais ............................................................. 25 2.1.4 Escolas Episcopais ........................................................................................ 26 2.1.5 Escolas Palatinas ........................................................................................... 27 2.1.6 As Pré-universidades ..................................................................................... 28 2.2 ESCOLAS “PRÉ-UNIVERSITÁRIAS” .................................................................. 28 2.2.1 A escola ascético-terapêutica de Buda ........................................................ 28 2.2.2 A escola de Confúcio ..................................................................................... 29 2.2.3 A Escola de Pitágoras .................................................................................... 29 2.2.4 A academia de Platão .................................................................................... 30 2.2.5 O Liceu de Aristóteles.................................................................................... 31 2.2.6 Os sofistas, o Jardim e o Pórtico .................................................................. 31 2.3 “ENSAIOS” DE UMA CONCEPÇÃO UNIVERSITÁRIA ....................................... 32 2.3.1 O Mouseion ..................................................................................................... 32 2.3.2 A Didascália .................................................................................................... 33 2.3.3 Constantinopla ............................................................................................... 33 2.3.4 Al-Azhar em Cairo .......................................................................................... 34 2.4 A ORIGEM DAS UNIVERSIDADES MEDIEVAIS ............................................... 35 3 A HISTÓRIA DA UNIVERSIDADE NO BRASIL .................................................... 39 3.1 O PRIMEIRO PERÍODO DE EXPANSÃO UNIVERSITÁRIA NO BRASIL (ANOS 1960) ............................................................................................... 42 3.2 AS REFORMAS EDUCACIONAIS NA DÉCADA DE 1990: UMA RELEITURA OTIMISTA DE UMA REALIDADE PESSIMISTA .................................. 44 4 A EDUCAÇÃO E A UNIVERSIDADE NO ATUAL CONTEXTO NEOLIBERAL ... 50 17 4.1 O PROCESSO DE PRIVATIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL: MERCANTILIZAÇÃO E RESSIGNIFICAÇÃO ............................................ 54 5 CONCEPÇÕES DE EDUCAÇÃO E UNIVERSIDADE ........................................... 59 5.1 A EDUCAÇÃO NO ÂMBITO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR NECESSÁRIA ......... 63 6 A COMUNICAÇÃO E SEU PAPEL NO SENTIDO DA CONSTRUÇÃO DO SER HUMANO .......................................................................................................... 66 6.1 MÍDIA E OUTROS PODERES ............................................................................ 67 6.2 O LADO CONTROVERSO DAS PALAVRAS: OS “PROTÓTIPOS”, “REPRESENTAÇÕES” E “RESSIGNIFICAÇÕES” ................................................... 72 7 CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS ............................................................... 78 7.1 CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO E PROCEDIMENTOS DE PESQUISA .......................................................................................................... 80 7.2 COLETA E ANÁLISE DE DADOS ....................................................................... 82 8 CONSIDERAÇÕES E RECOMENDAÇÕES ........................................................ 102 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 105 18 1 INTRODUÇÃO A definição da problemática de pesquisa é um processo que, por si só, expressa um novo momento na formação acadêmica. Idealizar, definir e tentar atingir um nível crítico de entendimento por meio da pesquisa de um objeto, requer esforço, dada a complexidade desse processo, especialmente em uma sociedade que, como definida por Bauman (2001) através da concepção de modernidade líquida, vive a volatilidade e a intangibilidade. Assim, num momento onde a crise mundial reposiciona economicamente os países do globo; num momento onde o capital torna-se invisível e supranacional (mundializado); num momento em que a universidade coloca em risco sua autonomia com a entrada da Polícia Militar (PM) na Universidade de São Paulo (USP); num momento em que o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) é utilizado como critério de seleção para as poucas vagas na universidade; num momento em que o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI) amplia as vagas para o acesso, ainda que em condições muitas vezes aquém das necessárias; num momento em que o Brasil tem cerca de 2.300 Instituições de Ensino Superior (IES) e onde somente cerca de 15% destas são do poder público; num momento de mudanças, revoluções e acontecimentos que mudam a sociedade a cada instante, entendemos a complexidade da decisão na abordagem do tema de estudo. Percebemos na educação brasileira, atualmente, uma educação que subordina a modernização dos meios à qualificação do professor. Retorna o pensamento educacional brasileiro a ser influenciado pela teoria do capital humano, ainda que contraditoriamente isso não ocorra em todos os níveis e modalidades da educação. Neste sentido, valores como o conformismo, a disciplina exacerbada, a adoção de modelos importados de ensino, a reprodução do conhecimento, entre outros, conduzem a uma mentalidade necessária ao processo neoconservador próprio do mundo da globalização econômica. Nesta perspectiva fica secundarizada uma educação em valores para a crítica, para a libertação para o conhecimento científico e tecnológico, enfim do conhecimento socialmente elaborado em favor da melhor qualidade de vida do homem. Estamos assistindo a uma expansão quantitativa da educação que vem na contramão da projeto do Estado brasileiro em 19 garantir a qualidade do ensino. Parece assim, que não só no âmbito da sociedade e na educação em especial, as ações, costumes, a cultura, partem de conceitos formulados e influenciados que buscam direcionar o modo de pensar e agir na direção do interesse econômico, ou seja, pelo valor do mercado. Formar indivíduos autônomos que agem movidos pelo senso crítico não é tarefa fácil. Se possível o é! Mover-se pela apropriação do conhecimento, socialmente elaborado, significa compreender as regras sobre as quais a sociedade se pauta. Esse processo é parte integrante da formação da consciência crítica. Assim, compreender o mundo em sua complexidade contribui para retirar o ser humano de sua inércia para torná-lo atuante em sua responsabilidade social. Recorremos a Gramsci (1957), que destaca o papel do pensamento crítico ao afirmar que o homo faber não pode ser separado do homo sapiens, e sendo assim, não devem ser atribuídas ao mesmo, somente atividades técnicas e operacionais, mas funções que possam harmonizar seu trabalho com uma autonomia e uma conscientização para com a sociedade. O desafio de interpretarmos as diferentes formulações de universidade exige compreendê-la em suas múltiplas funções, em especial na produção da ciência e no atendimento as demandas da sociedade, haja vista, nessa perspectiva a compreensão do mundo em que vivemos. Assim, dedicamos este estudo à busca da compreensão da universidade em sua concepção, o que subentende analisar, do ponto de vista dialético, como ela influencia e como é influenciada, muitas vezes, nos marcos de um mundo sustentado pelo pragmatismo e sua consequente desconexão na relação com o conhecimento crítico. Significa investigar como a sociedade percebe a universidade e para o entendimento desta problemática, definimos como referência, uma concepção de universidade historicamente construída, de indissociabilidade entre o ensino, a pesquisa e a extensão, com gestão democrática e autonomia de gestão administrativa, financeira e patrimonial, nos moldes do artigo 207 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e as representações que ela (a universidade) assume. Essa indagação sugeriu, portanto, que nos debruçássemos sobre uma metodologia de pesquisa em uma abordagem dialética, tendo como fonte de investigação alguns documentos, que nos limites deste estudo, foram passíveis de análise, autores contemporâneos e diálogos com a sociedade, a partir 20 de um recorte temporal (2011), quantitativo (21 estudantes), e, principalmente qualitativo. Isto porque nos interessava conhecer a partir de uma referência de universidade, não só o pensar de um setor representativo da sociedade, o estudante, como também, suas representações e o que a mídia, entre outros fatores, aponta como referência para a concepção de universidade. A concepção de universidade do mercado versus sua concepção crítica vem sendo discutida largamente por historiadores como Noan Chomsky e teve nos anos 1960 e 1970, análises culturais, históricas e sociológicas produzidas pela nova esquerda britânica representada entre outros por Stuart Hall, Raymond Willians e Perry Anderson, e ainda discutida nas obras de neomarxistas como do economista como Giovanni Arrighi ou do geógrafo David Harvey. (RIMBERT, 2011). Entender a universidade é, sobretudo, uma busca para entender sua função no mundo e a forma com a qual ela deveria apresentar-se à sociedade, é participar na compreensão de sua concepção e difundi-la à sociedade, confrontando sua representação (viés de propósitos) com sua concepção historicamente construída, desinteressada do viés econômico. Neste sentido buscamos, por meio desta dissertação, compreender a concepção de universidade e sua representação na sociedade. Ao discutir este contexto faz-se necessário analisar as premissas de um conceito que, especialmente no Brasil, aliena e conduz às bases de formação voltadas ao imediatismo e a uma educação pragmática. Mais que isso, concebe uma contradição a um processo que deveria libertar o estudante de dogmas para outro que se sustenta através da dominação, sua ressignificação1. Nesse ciclo de influências e forças antagônicas da sociedade, portanto, interessa investigar o processo evolutivo da concepção de Universidade e suas representações perante a sociedade. 1 A ressignificação reporta-se predominantemente à representação, à subjetividade da realidade, e é revestida de uma tonalidade afetiva particular do indivíduo, portanto, a nível afetivo-psicológico. Ressignificamos a realidade, muitas vezes, a partir de nosso próprio subconsciente, mas em geral, a ressignificação é causada pela influência, especialmente num mundo onde podem buscar tais ressignificações da realidade em consequência de interesses. 21 1.1 OBJETIVO GERAL Discutir as concepções de universidade e as representações que esta assume na sociedade a partir de 1996 com a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). 1.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS Identificar a percepção de universidade pós LDB de 1996 na sociedade; Perceber na mídia a concepção de universidade e como ela é veiculada; Analisar as atuais recomendações propostas pelos organismos internacionais para a concepção de universidade Identificar em autores contemporâneos, o pensamento que expressa a concepção de universidade; Buscar elementos que colaborem para a compreensão da universidade em suas funções na sociedade. 1.3 APRESENTAÇÃO DOS CAPÍTULOS No capítulo 1 apresentamos a introdução do tema, contemplando aspectos relevantes a este estudo, bem como, os objetivos geral e específicos do mesmo. No capítulo 2 debatemos a história da universidade a partir do pressuposto de uma construção histórico-dialética, apresentando desde as Escolas da Idade Média, das chamadas Escolas “Pré Universitárias”, dos “Ensaios” de uma Concepção de Universidade até a origem das Universidades Medievais. No capítulo 3 apresentamos as instituições que precederam a composição universitária no Brasil, estabelecendo os modelos expansionistas de 1960 e 1990 22 como marcos da transformação da mesma no país. No capítulo 4 debatemos a educação e nela a universidade no atual contexto neoliberal, propondo uma identificação de suas características com o processo de privatização das Instituições de Ensino Superior, especialmente no Brasil. No capítulo 5 discutimos as concepções de universidade com base em autores contemporâneos que pesquisam temas ligados a universidade e seu processo de expansão no Brasil. A discussão busca refletir sobre a concepção de universidade como um todo, sua formação e seus rebatimentos na sociedade atual. No capítulo 6 apresentamos alguns apontamentos que aproximam a discussão acerca da universidade e de sua representação, ressignificação ou ainda, da criação de protótipos que possam direcionar sua concepção a um novo “caminho”. Discussão esta que atravessa alguns elementos como sua apresentação à sociedade através da mídia, bem como o papel desta na perpetuação de interesses do capital. No capítulo 7 apresentamos as considerações metodológicas, caracterizando os procedimentos e a área de estudo desta pesquisa, a coleta e uma análise dos dados coletados. Apresentamos aqui uma aproximação de artigos de revistas e jornais, da compreensão de estudantes de graduação e da aproximação destas formas de apresentar a universidade em comparação à “universidade que queremos”. No capítulo 8 apresentamos as considerações finais deste estudo, bem como algumas orientações para que, a partir deste, outros trabalhos possam dar continuidade a compreensão do objeto de estudo: a universidade. 23 2 A HISTÓRIA DA UNIVERSIDADE: DA CRIAÇÃO A CONTEMPORANEIDADE No sentido de compreender a universidade, vislumbram-se várias formas de concebê-la, várias definições e difusas percepções, envolvidas num processo que, demarcado na sociedade da espetacularização, pode provocar uma compreensão confusa, portanto, de senso comum e quase única na linha de sua concepção, não passível de generalização. Neste sentido, faz-se aqui necessário demarcar através de um breve relato histórico, os momentos que contribuíram para a concepção da universidade, seu processo de criação e o contexto no qual ela se insere. Compreender a origem da universidade é “mergulhar” num complexo delinear dos tempos, buscando sua criação inicial, nos séculos XII e XIII, passando pelo período da Renascença e da Contra-Reforma, no século XVI, até o momento atual onde reafirmamos a complexidade da compreensão de sua concepção como uma instituição social. A universidade assim constituída teve seus primeiros ensaios de formação paralelos ao desenvolvimento da história da Igreja, da filosofia e do pensamento resultante de seu reflexo na sociedade. Assim, a universidade, nos termos que alguns dos intelectuais a concebem, é resultante do conflito de ideias, das vigorosas degladiações intelectuais e de um conjunto de propostas revolucionárias no âmbito político e religioso. Dessa forma, propomos aqui discutir a universitas medieval, o modus vivendi de alunos e professores, visando a partir do passado, compreender a concepção de universidade através dos tempos. Com isso, vale salientar que se delimita aqui a Idade Média2 como a época que comporta o nascimento da universidade, sendo este período bastante difuso por inúmeros historiadores, mas aqui demarcado por dois eventos: 313 (Edito de Milão) como o início e 1517 (Reforma de Lutero) como o final desta fase. Para melhor compreensão o surgimento das universidades, é importante relancear, conforme sugerido por Ullmann e Bohnen (1994) os quatro tipos de escolas existentes naquele período: monacais, presbiterais, episcopais e palatinas. 2 Vale salientar que o período relacionado como Idade Média como um momento de importante desenvolvimento filosófico e teológico, marco do início do desenvolvimento universitário. 24 Sendo assim, faz-se necessário um breve histórico de cada uma delas: 2.1 ESCOLAS DA IDADE MÉDIA 2.1.1 Escolas monacais no Oriente As escolas monacais eram voltadas a vida religiosa e compunham-se por padres do deserto egípcio que acolhiam jovens, doutrinando-os a uma vida baseada em ensinamentos voltados as práticas educativas centralizadas na virtude, sendo estas formadoras de um sentido mais espiritual do que intelectual. A formação destes meninos e jovens dava-se visando a permanência na vida sacerdotal exercida pelos monges, e somente mais tarde acabou recebendo alunos leigos, que tinham o interesse dos pais em prestar-lhes um serviço educacional. Contudo, em torno de 50 anos depois de sua fundação, as práticas voltaram a ser destinadas aos futuros monges, uma vez que se procedeu a ideia de que os demais perturbavam sua paz e recolhimento. Pode-se destacar aqui, entre seus percussores, São Pacômio (292-342), Santo Antônio de Tebas (251-356), São Basílio (330-379), São Jerônimo (347-419). 2.1.2 Escolas monacais no Ocidente No ocidente a vida monacal foi introduzida por Santo Agostinho (350430), iniciando na África, em Tagaste (atual Souk-Ahras, na Argélia) onde o mesmo organizou um pequeno seminário para a formação dos sacerdotes. Na região da Gália, (onde hoje se encontra parte da Itália) os monges de são Martinho fundaram o mosteiro Marmoutir e na Europa Insular, São Patrício construiu o mosteiro de Armagh, na Irlanda, o qual mais tarde se converteu em um centro de cultura. O movimento monástico atingiu seu ponto mais alto com São Bento (480- 25 543), tendo neste período, três focos de irradiação cultural, os quais compreendem as atuais: França, Itália e Irlanda. A formação destes centros de estudos proporcionou a criação de importantes bibliotecas, já que o desenvolvimento da produção dos alunos podia ser transcritas na sala de copistas3, onde também eram feitas as transcrições de textos antigos. Outro ponto que deve ser ressaltado é que as escolas monacais não viviam isoladas, pois frequentemente mantinham intercâmbios de códices, os quais eram copiados com o intuito de enriquecer todas as bibliotecas. 2.1.3 Escolas Presbiteriais ou Paroquiais As escolas presbiterais ou paroquiais possuem uma contribuição de menor escala para a formação das universidades quanto ao conhecimento, contudo, devem ser apresentadas em função dos novos núcleos de alcance proferidos pela mesma. Tais escolas iniciaram suas atividades por determinação do II Concílio de Vaison (529), na França, onde todos os párocos rurais eram obrigados a receber meninos em suas paróquias com o intuito de educá-los para as atividades do clérigo. Dessa forma, os alunos aprendiam nesse local basicamente a ler e escrever, a decorar alguns Salmos e a conhecer a Bíblia, tornando-se assim possíveis substitutos para a paróquia onde estudavam. Mais tarde, alguns nobres4 também se utilizavam destas escolas para provir a educação a seus filhos. Na prática, a formação dos mesmos não se diferenciava em nada dos futuros sacerdotes (pouco se aprendia da cultura clássica, ou talvez nada), mas dava-lhes as bases necessárias a possibilidade de sua futura formação intelectual. 3 Os copistas eram os responsáveis por transcrever a produção dos alunos, já que nesta época não havia imprensa. Assim a produção do conhecimento podia ser difundida e acessada entre os estudantes. Os copistas normalmente trabalhavam durante o dia, aproveitando a luz natural. Sabia-se que os mesmos trabalhavam em grandes mesas, providas de canetas, pincéis, penas de aves, tinteiros e material para apagar os erros, além do que, escreviam sempre ornando as primeiras letras dos capítulos com vinhetas e figuras geométricas. (NEWMAN, 1973). 4 Ser nobre na Idade Média não significava ter uma educação elevada. Muitos não sabiam nem ler ou escrever e assim faziam parte desta classe pelas habilidades como guerreiro, ou seja, pela força (ULMANN; BOHNEN, 1994, p. 30). 26 2.1.4 Escolas Episcopais As escolas episcopais já existiam desde o século VI, mas somente ganham força com o desenvolvimento urbano do século XII, já que, as escolas monacais eram típicas do agrarismo medieval e as episcopais localizavam-se em centros mais desenvolvidos, fortaleciam-se com o crescente número de alunos que as procuravam. Assim, as escolas episcopais foram criadas formalmente por Santo Crodegango, por volta de 750, as quais também visavam, sobretudo, a formação de padres como principal função, ainda que oferecessem cursos para leigos na chamada schola exterior. Seu crescimento encontrou o ápice no século XII, culminando no que se pode afirmar, conforme Ulmann e Bohnen (1994, p. 31) “[...] na ante-sala para o surgimento das universidades”. Consequentemente vê-se que as escolas monaicas não estão diretamente ligadas à criação da universidade, mas não se pode desconsiderar a importância das mesmas no desenvolvimento educacional da população nesta época, bem como, por não se tratar de um marco ou de uma verdade absoluta, o início da universidade entrelaça-se às contribuições de diversas atividades. Próximos do ano 1000, os bispos ordenam a ampliação do programa de estudos e assim, as artes liberales5 acrescem a filosofia e a teologia, sendo a última, com noções de direito canônico. Assim nascem os pilares dos conteúdos abrangidos, os quais, adicionados aos estudos da Bíblia, formam as chamadas sete colunas da sabedoria (NEWMAN, 1973). Vale destacar que o papel docente era sustentado pelos bispos, os quais não cobravam pelo ensino, vigorando assim a gratuidade, e tendo os “professores” um pagamento pelo serviço prestado, como destacado por D’irsay (1993, p. 65) onde “o mestre, que ensina os clérigos pobres e os alunos de qualquer escola catedral deve receber um benefício condizente”. Tal gratuidade não é uma inovação da época, já que os gregos, através 5 O conceito de artes liberales tem sentido distinto de nossa concepção atual, especialmente no termo artes, já que Arquitas de Tarento (contemporâneo de Platão), Varro (116-27a.C.), Sêneca (4-65 d.C.), Santo Agostinho (354-430), Boécio (470-525) referem-se a esta no sentido de ensino. 27 da Paidéia6, tradicionalmente ofereciam aulas fundamentadas na ideia da amizade a da construção de uma consciência coletiva. Assim, nem mesmo Sócrates ou Platão cobravam pelas aulas. Aristóteles oferecia seus conhecimentos dizendo que o estudante pagaria o quanto pudesse. Decartes por sua vez, criticava os sofistas, que no século V (a.C.) exigiam honorários antecipados e assim criaram pela primeira vez o “comércio do conhecimento”, sendo assim acusados de vender as artes nobres7. Os gregos, portanto não cobravam pelo ensino, mas aceitavam recompensa fixada pelo beneficiário, o qual prestava pagamento mediante propósitos como respeito ou gratidão pelo conhecimento e pelo auxílio do “mestre” na busca de uma consciência crítica8. Assim as escolas episcopais se constituíram o primeiro passo na concepção da universidade, criando-a gratuita, contudo não laica como se espera hoje, devido a sua forte ligação com a igreja. Dessa forma, com a introdução das novas disciplinas, aparecem aqui a divisão de ensino e aprendizagem e consequentemente sua formalização através da faculdade de ensinar (magister scholae), a qual, segundo Ullmann e Bohnen (1994, p. 34), conferia o título de licentia docendi, concebido pelo Papa e possibilitando ao mesmo lecionar na diocese a que este pertencia. 2.1.5 Escolas Palatinas As escolas palatinas recebem este nome por basearem-se em “palácios”, já que eram pertencentes aos nobres da época, e mesmo existindo antes de Carlos 6 A Paidéia, originária do grego “paidos” (criança), significa simplesmente “criação de meninos”, contudo, seu sentido é muito mais amplo. A Paidéia foi a criação grega de um sistema clássico de educação baseado no desenvolvimento de ações que fizessem o participante formar uma consciência que lhe fizesse entender os aspectos voltados a liberdade e a beleza cultural disponível. A Paidéia formava cidadãos. 7 Leiamos Platão: “Digamos, pois, que a música, sob todas as suas formas e modalidades, vendida de cidade em cidade, comprada aqui para ser levada a outra parte e ali vendida, e do mesmo modo a pintura, a arte de fazer prodígios e muitos outros artigos destinados à alma, que se transportam de cá pra lá, e se vendem a título de entretenimentos prazenteiros, bem como os objetos de um estudo sério, confere ao que os transporta e os vende o direito ao título de negociante não menos que a venda de comida e bebida”, deixando clara aqui a preocupação relevante ao comércio das artes e do conhecimento (Platão, 223d.). 8 Consciência crítica é aqui citada como termo para visualizar o sentido do conhecimento adquirido e, segundo o autor deste estudo, não deve ser considerada no mesmo sentido hoje empregado. 28 Magno, foram por ele difundidas, o que lhe rendeu o título de “restaurador das belasletras clássicas”. Durante este período, a França, por exemplo, não possuía uma capital fixa e por esse motivo, os grupos se deslocavam como verdadeiros nômades. As aulas, ministradas em latim, puderam mais tarde ser parte influente da disseminação do idioma entre os nobres. 2.1.6 As Pré-universidades Seguindo a história, podemos destacar a criação das, como definido por Ulmann e Bohnen (1994), “pré-universidades”, as quais tiveram (ou buscaram ter) os moldes do que podemos considerar um ensaio à criação das universidades. Assim, seguindo as colaborações dos autores citados, dividimos as mesmas em um grupo de seis escolas (a escola ascético-terapeuta de Buda, a escola de Confúcio, a escola de Pitágoras, a academia de Platão, o Liceu de Aristóteles, e um último grupo que contempla os Sofistas o Jardim e os Pórticos) que deram origem ao conceito ou que contribuíram de alguma forma na direção do que conhecemos por universidade, e outras quatro (Mouseion, Didascália, Constantinopla e Al-Azhar), que são aquilo que podemos chamar de um verdadeiro “ensaio” da concepção de universidade. 2.2 ESCOLAS “PRÉ-UNIVERSITÁRIAS” 2.2.1 A escola ascético-terapêutica de Buda Ao buscarmos a escola de Buda (650 a.C. – 550 a.C.), nos deparamos com uma Índia ainda praticamente inexplorada, onde mitos e divindades circundavam a verdade propriamente dita. Buda, é claro, não criou uma universidade em si, pois nem mesmo a escola era compreendida na chancela formal, nem seus alunos constituíam uma societá. Contudo, Buda discutia a distinção de uma práxis ascética, sem especulações de cunho ontológico e detestava as especulações 29 metafísicas9, entendendo-as como uma forma de desviar a atenção da população das questões centrais dessa sociedade e da compreensão das verdades simples10. 2.2.2 A escola de Confúcio A escola de Confúcio (511-478 a.C.) trazia como principal lema a reforma dos costumes, conforme Ullmann e Bohnen (1994), a piedade, o desapego as riquezas materiais e às glórias mundanas11. Confúcio tinha algumas centenas de discípulos que o seguiam e atribuíam-lhe uma atitude extremamente cordial de oferecer educação até mesmo aos que não poderiam pagar por ela, ou que lhe oferecessem um valor irrisório, conforme o que cada um poderia pagar. Assim, sua escola difundiu ideais que criticavam entre outras coisas, o ensino nos mosteiros através da vida monaica. Contudo, tal escola não se desenvolveu no sentido universitas12 devido a falta de espírito corporativo existente entre seus discípulos e a não universalização de seus ensinamentos, muitas vezes voltados a um sentido mais ético-religioso. 2.2.3 A Escola de Pitágoras O primeiro de uma série de colaborações gregas neste trabalho, Pitágoras (582 a.C. - 500 a.C.) fundou uma escola na qual os discípulos organizavam-se em uma comunidade independente, de ordem celibatária e com uma série de preceitos como a prática do silêncio e a abstenção de determinados alimentos. 9 Metafísica, do grego “meta”, que significa “depois de, através de” e “physis” que significa “natureza, físico”, é um ramo da filosofia que estuda a essência do mundo e a natureza da realidade. 10 Apesar de o desvio da atenção da população para questões centrais englobar um dos eixos centrais deste trabalho. 11 Tal passagem nos fazer recordar também a Sócrates que, através da obra Apologia, de Platão, “[...] enquanto me ficarem alento e força, antes de beber a cicuta, não cessarei de filosofar, de admoestarvos e de doutrinar a quem quer que seja, dizendo-lhe: como tu, meu estimadíssimo cidadão do maior e do mais culto do Estados (Atenas), não te envergonhas de ocupar-te com o afã de encher o mais possível a tua bolsa e de procurar fama e honra, e não te importas o juízo moral, da verdade e da melhoria de tua alma?” (Platão, 29d.). 12 O termo universitas vem do latim e significa “o todo”, “o universo”. 30 A escola de Pitágoras tinha como característica os ensinamentos de cunho religioso-moral e os ensinamentos passados do mestre para seus alunos eram baseados em ensinamento morais e nas constituições do universo e do cosmos, e, sobretudo, mantidos em segredo13. 2.2.4 A academia de Platão Na Grécia, Platão (429-347 a.C.) funda a sua academia em 387 a.C., dando origem a um dos principais movimentos que se aproximam da ideia de universidade abrangida por este estudo14. Tal academia possui uma proposta de currículo que abrange feições de ensino superior, tratando assim em um primeiro momento, do espírito humano e do direcionamento deste a “Ideia suprema do Bem”. Em seguida, a teodicéia15 aborda as realidades visíveis, ou o kósmos horatós, que é o conceito do não perfeito, do mutável, do mundo-sombra, como conhecido o plano na Terra. No terceiro momento os ensinamentos ocupavam-se da ética social e política, nos quais a virtude empregava o ponto central da discussão. No ensino, Platão empregava o método dialético, não repassando conhecimento, mas sim, possibilitando aos estudantes que o buscassem através de suas próprias análises e de suas experiências. Assim, não havia uma verdade absoluta, mas condicionada a descoberta estabelecida por cada um deles, dandolhes a possibilidade de atingir um pensamento crítico em oposição à dominação passiva. 13 O conceito de manter em segredo os ensinamentos é considerado, pelo autor deste trabalho, a principal desavença com os propósitos exercidos pelo conceito de universidade, já que, a idéia que hoje temos do que chamamos de “extensão”, trata justamente da disseminação do conhecimento produzido na sociedade e na melhoria das condições desta. 14 Optamos neste estudo pela concepção humboldtiana de universidade que abordaremos posteriormente. Cabe destacar que a articulação entre o pensamento de Platão quanto a distribuição de conteúdos no currículo, bem como o emprego do método dialético associado ao pensamento de Humboldt, são fundamentais para o desenvolvimento dos conceitos e concepções a respeito desse tema na atualidade. 15 Teodicéia é o ramo da teologia que trata da coexistência de um Deus Todo-poderoso, de infinita bondade, com o mal. 31 2.2.5 O Liceu de Aristóteles Aristóteles (348-322 a.C.) foi aluno de Platão, e de sua dissidência criou o Liceu, onde desenvolveu estudos que tinham como objetivo o conhecimento do pensamento humano, sua abrangência e seu consequente direcionamento. Assim, o Liceu teve participações importantes, através de Aristóteles nos escritos lógicos, metafísicos, na metereologia, zoologia, botânica, psicologia, na moral, na retórica, na poesia e em várias outras áreas do conhecimento, tornando-o extremamente complexo do ponto de vista do alcance de suas investigações. Uma das grandes contribuições a atual concepção de universidade está baseada no empirismo, já que, Aristóteles mantinha grupos auxiliares de mestres que estudavam o comportamento de animais e as características das plantas em determinadas áreas e enviavam ao mesmo o resultado de suas pesquisas. Dessa forma, o comprometimento da formação de um grupo, ainda que subordinado, traz o início da colaboração científica. 2.2.6 Os sofistas, o Jardim e o Pórtico Estão agrupadas aqui, três instituições: as escolas dos sofistas, preocupadas na centralidade do homem; o Jardim de Epicuro (341-270 a.C.), que era sobretudo uma comunidade religiosa, mas que incluía também o gênero feminino, caso raro à época; e o Pórtico de Zenon de Cítio (340-263 a.C.), que se tratava de uma escola fundada na tripartição da filosofia, entre lógica, física e ética. Tais instituições também desencadearam processos que mais tarde viriam a compor a concepção de universidade pós-moderna16, mas, contudo, segundo D’Irsay (1993) e Díaz (1945) este grupo de mestres não compunha a 16 Guardam-se aqui as devidas discussões entre o fim do modernismo e o início do pós-modernismo, bem como a existência ou não de uma sociedade pós-moderna. Destacam-se as inúmeras composições lidas que delimitam o início da pós-modernidade com o fim da União Soviética e a liberalização da China, em 1991. Contudo, saliento a compreensão pessoal de definições que proibiriam-me demarcá-la, como as do francês Jean-François Lyotard e as “metanarrativas”, o americano Frederic Jameson e a “lógica cultural do capitalismo tardio”, do sociólogo polonês Zygmunt Bauman e a “modernidade líquida”, do filósofo alemão Jürgen Habermas e a formação da pósmodernidade como tendências neoconservadoras contrárias ao Iluminismo, entre outros. 32 verdadeira abrangência do caráter universitário. Eram grupos isolados que pouco buscavam um vínculo com o Estado e com a sociedade, bem como, desenvolviam de forma muito tímida o intuito de coletividade. Eram mestres que passavam ensinamentos a seus discípulos preferidos e assim pouco atendiam as demandas da sociedade. Contudo, é inegável sua contribuição na formação dos processos que desencadearam os chamados “ensaios” de universidade. 2.3 “ENSAIOS” DE UMA CONCEPÇÃO UNIVERSITÁRIA Ao entendermos a Universidade Medieval, que mais tarde iria compor a estrutura desta instituição, é de sapiência coletiva que tal fato não se deu isoladamente, nem ao acaso. A construção da universidade trouxe anteriormente, quatro instituições que representavam claramente o que estaria por vir. Assim, durante este capítulo, faz-se necessário um resumo estrutural destas para que nos capítulos seguintes possibilite discutirmos a concepção da “universidade”. 2.3.1 O Mouseion Fundada por Ptolomeu I (323-285 a.C.), o Mouseion, ou Museu, situavase em Alexandria e inicialmente era uma instituição focada essencialmente na investigação17, a qual, mais tarde, dedicou-se também ao ensino. A grandeza desta instituição caracteriza-se por um complexo centro de investigações que era composto por galerias cobertas, amplos corredores, sala para conferências públicas, além de um grande refeitório. No sentido da investigação, segundo Ullmann e Bohnen (1994), esta contava com um observatório, um zoológico, jardins para aclimatar plantas, salas de dissecação e museus. O quadro docente era composto por filólogos, homens de letras, humanistas e cientistas, e, 17 Destacam-se aqui, conforme Nestle (1987), Eratóstenes (276-194 a.C.), que calculou a circunferência da Terra com uma margem de erro de 384 km, e Praxágoras, que foi o primeiro a dissecar cadáveres humanos para pesquisa. 33 segundo Marrou (1948, p. 261), “[...] os professores eram isentos de impostos e de todos os encargos (sociais), eram sustentados a expensas do rei e viviam em comunidade, à sombra do palácio, suntuosamente alojados”. Constitui-se aqui, em três séculos de existência, um impressionante acervo, onde foram reunidas cerca de setecentas mil obras, e foi-se dado ênfase aos estudos da matemática e da medicina, compondo assim o que podemos chamar de o início das cidades universitárias. 2.3.2 A Didascália Também em Alexandria, formou-se a escola catequética denominada Didaskaleion, originária do desenvolvimento grego da investigação, com traços marcantes do cristianismo, uma vez que, o crescimento do mesmo neste período tomou proporções extremas. Assim, Grabmann (1928) destaca que há aqui um estreito enlace entre a filosofia grega e o cristianismo e os ensinamentos do platonismo, do estoicismo e os de Fílon, os quais encontram cordial estima e utilização em sua incorporação com fundamentos de sistemática teológica. Dessa forma, Alexandria se destaca neste pelo avanço na disseminação do conhecimento, oferecendo aos seus estudantes uma prévia do que seria hoje, a composição de universidade. 2.3.3 Constantinopla Criada em 425 por Teodósio II18, a “universidade” de Constantinopla funcionou até 1453 e tinha sua organização centrada na ideia do Estado como responsável pelo que diz respeito aos custos do financiamento da educação. Todos os professores eram então pagos pelo poder público e proibidos de ministrar aulas particulares. A gramática era o tema central, tendo o grego e o latim, segundo 18 Teodósio II, imperador bisantino, criou o Codex iustinianus, o qual constitui o fundamento da legislação romano-cristã. 34 Ulmann e Bohnen (1994), dez mestres para cada uma das disciplinas. A filosofia tinha uma cadeira ministrada em língua grega, o direito em latim, e, no total compunham-se trinta e uma cátedras, distribuídas pelo que seriam hoje denominadas faculdades. Dessa forma, conforme a análise de Marrou (1948), o que havia em Constantinopla deveria sim ser deferido o título de universitas, já que, muito mais que Bolonha19, onde inicialmente havia somente a faculdade de direito, aqui tínhamos uma instituição com características de universidade20. Havia no local, estudos em teologia, filosofia, e direito, bem como expressamente praticados o ensino e a pesquisa. 2.3.4 Al-Azhar em Cairo A “Universidade” do Cairo, criada em 988, tal qual as citadas anteriormente, compunha um vasto repertório de argumentos que poderiam torná-la uma universidade propriamente constituída, contudo, há pouco debate no ocidente quanto a sua importância na caracterização do que vieram a ser a universidades atuais. Al-Azhar iniciou-se, segundo Galino21 (1960), com a persuasão do califa Aziz, pelo vizir Yakub, para que o primeiro ministrasse instrução e colaborasse com a alimentação de 35 jovens. A partir daí, a mesma foi crescendo sem cessar e atraiu jovens de todo o mundo muçulmano e estes jovens davam uma extrema contribuição ao que conhecemos hoje por extensão, já que, ao retornarem as suas regiões de origem, passavam os conhecimentos adquiridos à população, 19 A Universidade de Bolonha é considerada a mais antiga do mundo ocidental. Fundada em Bolonha, Itália, em 1088, tornou-se conhecida por suas escolas de Humanidades e Direito Civil. Em 1158, o Imperador Federico I promulga uma "Constitutio Habita" (lei orgânica da universidade) que transforma praticamente a Universidade de Bolonha em uma Cidade Estado (UNIVERSITÀ DI BOLOGNA, 2012). 20 Destacamos a caracterização de Bolonha e não de outras como Constantinopla, como a primeira universidade pelo tenro fator da escolha por parte do poder, e porque não dizer da “mídia” em sua significação do termo traduzido do inglês “meio”, ao considerarmos que o meio, ou o talvez o poder despendido na Europa possa ser um dos grandes determinantes dessa “ocidentalização” e do “eurocentrismo” do mundo. 21 Gostariamos de destacar uma contribuição de Galino (1960, p. 461) quando interroga que “Se a AlAzhar e à instituição organizada por Teodósio II é negado o termo universidade, merecem tal nome muitas universidades da Idade Média e mesmo (pós) modernas?”. (grifos do autor). 35 disseminando-o assim a uma vasta região. 2.4 A ORIGEM DAS UNIVERSIDADES MEDIEVAIS Delimitar uma data para a criação da universidade no mundo é deveras complexo, haja vista que o processo universitário abrange uma gradativa transformação, como aqui elencamos, desde Buda até Al-Azhar, e assim é evidente que não caberia à Idade Média tal façanha, mas sim à constante busca do ser humano no sentido de buscar e de transmitir o saber. Com isso, o desenrolar da história traz algumas conclusões que podem mostrar fatos e determinantes que contribuíram para o desenho da universidade, demarcando os princípios e características de suas concepções atuais. Nessa perspectiva, o próprio termo universitas22, leva a compreender também o sentido de universidade, pois ele resulta de universitates, que se origina da criação de agremiações ou corporações que buscavam a defesa dos direitos. As universitates poderiam ser, segundo Nunes (1979), de barbeiros, dos comerciantes, e de quaisquer outras atividades, o que mais tarde, acabou incorporando também as de estudantes e professores. Estas constituíram assim as universitas magistrorum et scholarium, em Paris, e a universitas escolarium, em Bolonha. Com isso, a universidade tem seu início como uma comunidade que defende interesses das classes de mestres e estudantes. A concentração dos europeus em grandes cidades contribuiu de duas formas na criação das universidades. Na primeira, porque algumas das escolas monacais, catedralícias e palatinas se estabeleceram fora de pontos estratégicos de comércio com o Mediterrâneo, e consequentemente, perderam sua força política e estratégica no desenvolvimento, além do que, atendiam somente o trivium e o quadrivium23, o que se tornou obsoleto frente as novas ciências da filosofia, do 22 Segundo Nunes (1979), o termo universitas designava um colégio ou uma agremiação. Contudo, mais tarde usou-se também em Roma o termo universitas vestra para designar “a todos vós”, o que era comum verificar no início de algumas cartas, podendo também ser compreendido como “prezados senhores”, ou ainda “Vossa Senhoria”. 23 O trivium e o quadrivium correspondem etimologicamente ao cruzamento de três e quatro ramos ou caminhos de discussão. O primeiro, concentrava-se na lógica, na gramática e na retórica e o segundo, na aritmética, na geometria, na música e na astronomia. 36 direito, da medicina, da história natural e da astronomia. Na segunda, porque este fluxo gerado pelas Cruzadas tornou possível o contato com o mundo oriental, estimulando a curiosidade pela universalidade do conhecimento (D’IRSAY, 1993). Devemos destacar ainda a influência dos imperadores e Papas24 na contribuição da formação da concepção de universidade, especialmente pela influência destes no contexto histórico, sendo que coube ao Papado, através da Igreja ter a designação de, conforme D’Irsay (1993), conceder o diploma de licentia ublique docendi. A Igreja era também o ponto comum entre os estudantes, além da língua latina, já que em sua maioria, como destacado por Ullmann e Bohnen (1994), eram compostos por oriundos de diversas nações. Uma das característica das universidades medievais era a não diferenciação de classes sociais25 quanto ao acesso à educação, assim, desde clérigos, monges ou leigos, todos tinham a oportunidade de aprender e, após formação, também ensinar. Tal modelo pode ser verificado através de Walsh (1943, p. 114) ao afirmar que “Um homem bem dotado podia alçar-se da mais baixa classe social às mais privilegiadas posições políticas e eclesiásticas”, contemplando assim um desenho universitário que se sustentava nos alicerces da equidade, ainda que, muitas vezes, entre uma contraditória disputa de interesses. A universidade surge então em uma complexidade de experiências, de instituições e de caminhos que abrangem uma gama significativa de razões, as quais são apresentadas como: As condições, que presidiram o nascimento das universidades, foram proporcionadas pela cidade: concentração demográfica, aparecimento de uma classe interessada no direito romano (burguesia), a intensificação das relações, contato com civilizações até então desconhecidas, concentração cultural – tais foram os fatores que condicionaram, social e culturalmente [...]. (JANOTTI, 1992, p. 49). Assim do resultado desse processo, compartilhado pelos professores e alunos, surge a universidade direcionada a criar condições de aprimoramento do conhecimento, servindo a sociedade que a construiu, mas com ressalvas de servir 24 Nem toda contribuição gerada pelos imperadores ou pela igreja católica foram positivos a concepção de universidade, mas é inegável sua participação no processo de desenvolvimento da mesma. 25 Ainda que se possa conceituar a não existência de classes sociais quanto ao acesso não quer dizer que não haviam classes sociais à época, pois para que um jovem pudesse acessar a universidade, os pais deveriam ter condições econômicas para mantê-lo na mesma, haja vista que este seria um trabalhador a menos na família. 37 também aos interesses da Igreja. Cabe destacar que a universidade tinha feições diferentes em determinados locais, sendo esta um reflexo da sociedade na qual estava inserida. Assim, podemos afirmar que na Alemanha, formava-se a universidade humboldtiana, voltada à pesquisa; na França, a universidade napoleônica, voltada a formação dos quadros superiores, como médicos juristas e professores; e na Inglaterra, a identidade se aproximava da formação do saber universal, do gentleman. Destacamos que, após a Revolução Francesa, a universidade napoleônica altera os modelos até então difundidos e, pela primeira vez na história, estabelece uma instituição de ensino superior subordinada ao Estado Nacional. No contexto de dominação de Napoleão é fundada a Universidade Imperial com um corpo docente destinado à educação pública naquele Estado. Tal modelo de universidade inclusive se expande até os Países Baixos e à Itália. (RIBEIRO, 1975). Assim a ideia da universidade napoleônica é concebida não só no intuito da educação, mas também como forma de conduzir e sistematizar a figura do imperador nas mais distintas áreas da sociedade. Assim segundo Trindade (1998, p.10): Com exceção do Collège de France, a Universidade tornou-se um instrumento do poder imperial. Seu sistema de escolas primárias, colégios, liceus e faculdades profissionais (direito, medicina, ciências técnicas), denominado Academia nas diferentes regiões do Império, criou ainda as “faculdades isoladas” com diplomas equivalentes e a École Normale que se destinava à formação de professores. O novo sistema estatal napoleônico foi eficiente na formação profissional, mas as ciências não tiveram a evolução da universidade prussiana de Berlim. Neste mesmo período, o impacto causado pela guerra e demais revoluções napoleônicas afetam diretamente todo o Estado alemão, inclusive quanto às instituições de ensino. Segundo Trindade (1998), com a chegada e ocupação francesa da margem esquerda do Rio Reno, as universidade de Colônia, Mayence e Trier fecham. Neste movimento, outras dezesseis universidades também são obrigadas a parar suas atividades. Assim a Prússia perde toda a sua base intelectual e mostra-se necessária a criação de uma nova universidade. O amadurecimento de um conceito de educação superior sobre os princípios da pesquisa e do trabalho científico desinteressados começa a ganhar força, especialmente com a nomeação 38 de Humboldt26, em 1809 para o Departamento dos Cultos e da Instrução Pública do Ministério do Interior, concebendo assim a nova Universidade de Berlin, resultado da fusão com a Academia de Berlin, a qual passou a atuar com a garantia de liberdade dos cientistas e sobre a proteção do Estado (D’Irsay, 1993). Assim, segundo Trindade (1998, p. 10) a “Universidade de Berlim foi concebida como o laboratório da nova Nação e não apenas de um Estado territorial legado por Bismarck. Ela se torna o centro da luta pela hegemonia intelectual e moral na Alemanha”. Esta instituição se organiza de forma integrada, diferenciandose do sistema de Faculdades Isoladas de Napoleão. Com isso, o impulso dado pela criação da Universidade de Berlin conduz a recuperação da educação superior alemã entre 1810 e 1820, enaltecendo a estrutura caracterizada pela indissociabilidade entre o saber, o ensino e a pesquisa, proferindo-se contrária às ideias napoleônicas de profissionalização. No Brasil, o modelo de universidade implantado inicialmente é o napoleônico, formando quadros ou profissionais com a exclusiva finalidade de servirem ou incorporarem setores ligados a sua área de formação. Tal modelo vigorou até meados de 1934, quando dois modelos de universidade foram propostos: a Universidade de São Paulo (USP), com ênfase nos preceitos europeus da formação humboldtiana e a Universidade do Distrito Federal (UDF), a qual defendia a criação de um modelo de universidade brasileira. O projeto paulista acabou sendo o modelo utilizado e a expansão deste projeto acompanhou o desenvolvimento em toda a esfera Federal e Estadual, com algumas idas e vindas formadas pelos períodos de ditadura (anos 1960) ou de expansão universitária (anos 1960 e 1990) que serão discutidos no próximo capítulo. 26 Wilhelm Von Humboldt ou Friedrich Wilhelm Christian Karl Ferdinand, ou também chamado Barão von Humboldt foi diplomata, filósofo e funcionário do governo, bem como, fundador da Universidade de Berlin. A partir dela, fez importantes contribuições a teoria e à prática pedagógica, a qual tem sua atuação reconhecida até hoje. Humboldt foi um dos pioneiros nas reflexões sobre a concepção e a função da universidade em si. Destaca-se pela busca da ciência objetiva através de uma formação subjetiva. 39 3 A HISTÓRIA DA UNIVERSIDADE NO BRASIL A formação do Estado brasileiro, resultado de uma política de colonização e do intuito do dominador português em mantê-lo, tem uma história recente sobre a universidade e sobre o conhecimento como bem social. A tradição brasileira de formação de quadros no ensino superior atendia a um modelo caracterizada pelo envio dos filhos da elite dominante à Europa para o desenvolvimento de seus estudos. Este modelo resultava na exclusão da maioria da população no alcance de uma formação superior que pudesse questionar os interesses da coroa portuguesa, sendo preservado assim, o desenvolvimento de uma autonomia intelectual elitizada, em conformidade com os ideais dos próprios colonizadores. A Colônia oferecia, segundo Azevedo (1963), estudos em Letras e Artes (Filosofia e Ciências), bifurcando o final deste para a continuidade em Letras e Artes, como o realizado no Colégio Central da Bahia27; na Faculdade de Teologia em Coimbra; ou visando a formação no sentido humboldtiano28 de universidade, na Universidade de Coimbra, destinada aos estudos em direito; e de Montpellier, para os estudos de Medicina. Destacamos assim que, ao final do século da Conquista, o Brasil estava atrasado em relação aos demais países de colonização espanhola, já que aqui eram obtidos apenas títulos na Bahia, sendo estes complementados em Portugal ou outro país da Europa para a então obtenção do reconhecimento de tal título. Nesse mesmo período, as colônias espanholas já contavam com 06 (seis) universidades, e mais tarde com 19 (dezenove), no momento de suas independências. Com isso, segundo Fávero (2000), Portugal sempre pode exercer certo controle do pensamento da elite brasileira, utilizando-se da influência oportunizada em seus processos de formação. A Metrópole exercia uma política de paralisia às políticas e movimentos criados no sentido da independência cultural da Colônia. Algumas alterações no cenário passam a existir com a vinda da família real em 1808, ainda que os primeiros cursos criados tenham sido para a formação 27 O padre Jesuíta Miguel Garcia enviou a Roma um relatório alertando que havia um interesse deste em tornar-se Universidade, o que o mesmo repudiava, alegando que “[...] neste colégio querem meter ressaibos de Universidade”. (LEITE, 1938, p. 38). Verificamos, portanto, que mesmo entre os Jesuítas, não havia consenso da aprovação de títulos na colônia. 28 A centralidade da concepção humboldtiana de universidade é centrada na indissociabilidade entre o ensino e a investigação (pesquisa). 40 de quadros técnicos necessários a estruturação, no intuito de fortalecer e aprimorar as condições de bem-estar dos reis do Império. Assim, em 18 de fevereiro de 1808 é criado o Curso Médico de Cirurgia na Bahia, e em 05 de novembro do mesmo ano, é instituído o Hospital Militar do Rio de Janeiro, desenvolvendo-se para o que conhecemos hoje como as Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia e da Universidade Federal do Rio de Janeiro. (VILLANOVA, 1948, p. 8). Em seguida, em 1810, é criada a Academia Real Militar, visando a formação de engenheiros civis e militares, mais uma vez destinados a ampliação das condições estruturais e de defesa necessárias a chegada da Côrte. Esta criação foi conferida através da Carta Régia, em 04 de dezembro, onde constava a finalidade de “[...] formação de hábeis Oficiais de Artilharia, Engenharia, ainda mesmo Oficiais da Classe de Engenheiros Geógrafos e Topógrafos, que possam também ter o útil emprego de dirigir objetos administrativos de minas, de caminhos, portos, canais, pontes, fortes e calçadas”. (VILLANOVA, 1948, p. 21). Vemos então que o objetivo inicial da formação no Brasil era o de intuito pragmático, objetivado por interesses referentes à formação profissional para atuação em áreas que pudessem interessar a côrte portuguesa e não em preceitos que objetivassem a formação intelectual do indivíduo. Podemos então dizer que o início das atividades do Ensino Superior no Brasil visava muito mais os interesses de Portugal que do próprio país. Dessa forma, o Brasil chega a sua independência apenas com Escolas Superiores de modelo profissionalizante, estritamente voltado ao conhecimento técnico e pragmático, as quais podemos aproximar das características de diversas Instituições de Ensino Superior na atualidade. No período que antecede a independência, várias tentativas de criação da universidade no Brasil foram frustradas por movimentos que objetivavam a manutenção da situação do Brasil colônia. A primeira destas, realizada em 12 de junho de 1823, proposta do Deputado rio-grandense José Feliciano Fernandes Pinheiro, Visconde de São Leopoldo, propõe, segundo Fávero (2000), a criação de uma universidade no novo Império, e que esta tenha sede na cidade de São Paulo, dado o momento de desenvolvimento local. Contudo, apesar da impressão inicial causada pela discussão em diversas assembleias e inclusão de inúmeras emendas, as vésperas da promulgação da Lei, o Imperador dissolveu a Constituinte. (FÁVERO, 2000, p. 21). 41 Durante este período, até a real criação da mesma, o tema manteve-se como constante pauta de discussões, apesar de que, em grande parte destas, acabava tendo o mesmo destino das discussões anteriores: “a gaveta”. De qualquer maneira, parecia que a criação da universidade era agora uma questão de tempo, dadas as circunstâncias criadas pelas discussões apresentadas. Assim, finalmente em 1915, através do Decreto n° 11.530, é determinado, através do artigo 6 que: “O Governo Federal, quando achar oportuno, reunirá em Universidade as Escolas Politécnica e de Medicina do Rio de Janeiro, incorporando a elas uma das Faculdades Livres de Direito, dispensando-a da taxa de fiscalização e dando-lhe gratuitamente edifício para funcionar”. Destacamos ainda que, no mesmo artigo temos a determinação de que: “a) O Presidente do Conselho Superior de Ensino será o Reitor da Universidade e b) O Regimento Interno elaborado pelas três congregações reunidas, completará as organizações estabelecidas no presente decreto”, atribuições que ainda hoje vigoram. A partir daí, em 1920, o Governo Federal instituía a Universidade do Rio de Janeiro29, oficializando dessa forma a criação da primeira30 universidade no Brasil. Destaca-se que no período de 1920 a 1932, outras 05 universidades públicas foram também concebidas, sendo elas 02 federais e 03 estaduais. Assim, tínhamos neste período, segundo Vahl (1980), as federais: Universidade do Brasil (1920) e a Universidade Rural do Brasil (1937), bem como as estaduais: Universidade de Minas Gerais (1927), Universidade de São Paulo (1934) e Universidade de Porto Alegre (1934). Mais tarde, no período de 1937 a 1950, outras 7 universidades foram criadas, elevando o número total para 12, e, dentre estas, destaca-se o surgimentos das 3 primeiras universidades privadas do Brasil, as quais foram as Pontifícias Universidades Católicas do Rio de Janeiro, de São Paulo e do Rio Grande do Sul (CHAGAS, 1967, p. 14). 29 Alguns historiadores contestam a criação desta universidade como sendo uma instituição que teria sido criada estritamente para conceder ao Rei Balduíno da Bélgica o título de Doctor Honoris, que impôs como condição para participar dos festejos de independência do Brasil. 30 Encontramos diversas informações a respeito do tema “a primeira universidade no Brasil”, sendo que a contradição representada pelas inúmeras informações de diversos autores nos faz refletir a respeito. Encontramos em textos da própria Fávero (2000) a constituição da Universidade de Manaus em 1909; Universidade de São Paulo em 1911 e da Universidade do Paraná, em 1912. Contudo, concebemos a Universidade do Rio Janeiro, de 1920 como marco representado pelo Decreto nº 14.572, de 23 de dezembro de 1920, estabelecendo como objetivo da mesma “estimular a cultura das ciências, estreitar entre os professores os laços de solidariedade intelectual e moral e aperfeiçoar os métodos de ensino” (FÁVERO, 2000, p.28). 42 Assim, finalmente em 1955 o país já detinha 19 universidades, sendo estas 10 federais, 03 estaduais, 05 particulares católicas e a primeira particular leiga. Este desenvolvimento continuou homogêneo até 1967, quando o Brasil possuía 30 universidades federais, 09 estaduais, 02 municipais e 22 particulares. (VAHL, 1980, p. 34). 3.1 O PRIMEIRO PERÍODO DE EXPANSÃO UNIVERSITÁRIA NO BRASIL (ANOS 1960) Os anos 196031 definem um modelo de educação no Brasil cujo momento histórico, culmina em 1964 com o golpe de Estado (março/ abril), ao ponto de ser defendido o abandono de práticas democráticas como as de participação eleitoral. O Brasil se organizou em um modelo onde as práticas colaborativas e participativas da sociedade se unem em organizações e associações. Surgem inúmeras redes como associações de moradores, sindicatos de trabalhadores32 e outros segmentos que, divididos pela religião, gênero, conceitos, passam a conceber as lutas da sociedade, afastando-os cada vez mais dos partidos políticos e redistribuindo a organização da sociedade. Neste processo, inúmeras oligarquias instauradas nos diferentes estados da federação passam, a partir da aproximação de empenhos do cenário político, a direcionar seus interesses como classe dominadora, também à educação, a fim de garantir uma formação de uma elite que venha ao encontro dos interesses dessa classe. Assim, a melhoria das condições da sociedade como um todo33 poderia ser um objetivo a ser conquistado pela 31 Há que se ressaltar que a composição da sociedade obteve, no período 1945-1964, a primeira experiência democrática, terminando o ciclo de Getúlio Vargas (1930-1945) até o golpe de 1964. Neste momento, os partidos políticos tinham a possibilidade de atuação, coalizão e divulgação, ainda que, consumidos pelos limites da generalização das práticas populista ocorrida à época. (grifos do autor deste trabalho). 32 O posicionamento do autor deste estudo concebe a liberdade e incentiva a participação de sindicatos no Brasil, contudo, essa desconexão que vem acontecendo aos partidos políticos tende a favorecer interesses das elites regionais e o corporativismo que se vê aumentar a cada dia, potencializa uma forma de pensamento conservadora e despolitizada na sociedade brasileira. 33 Tal processo se evidencia com clareza em Santa Catarina, onde, a partir de 1964, há uma crescente distribuição de universidades no interior, próximas estas das oligarquias regionais encontradas no Estado e com o intuito de desvincular a população local da aproximação das idéias socialistas que se desenhavam como conduta na universidade federal deste estado, bem como à formação estrita de mão-de-obra capacitada a servir ao desenvolvimento destas mesmas oligarquias. 43 universalização do direito a educação superior. A história do Brasil registra assim, um fenômeno de expansão universitária a partir dos anos 1960, a qual se alastra até hoje, com as devidas medidas aplicadas ao registro de cada época. Esta expansão ainda se dá de forma lenta e muitas vezes orientada por fenômenos e ideologias representadas por cada momento histórico. É no final desta década que verificamos uma expansão sem precedentes, extremamente elitista e formada por um aumento considerável na ampliação de vagas no ensino superior privado. Neste período desenvolvem-se as chamadas IES isoladas, constando que, o fato de serem isoladas, permitia ainda mais o controle de ideologias e cunho políticos representados pelos poderes locais e regionais. Neste período, a concepção de universidade, como proclamada pelo Estatuto das Universidades Brasileiras, baixado em 1931 por um decreto do governo provisório de Francisco Campos, não se materializava como realidade, pois cada faculdade representava uma célula independente, com total autonomia de universidade como um todo. (CUNHA, 1999). As faculdades acabavam tendo diferentes diretórios, chamados do que se compunham como cátedras, representadas por um professor titular vitalício e professores assistentes, livresdocentes e auxiliares34. Assim, em 1968, prevendo que tal expansão das IES isoladas pudessem promover uma desordem35 do atual cenário, os legisladores estabelecem a Lei n. 5.540, de 28 de novembro de 1968, fixando assim um sentido de organização das mesmas, representada, em seu artigo 8° que “os estabelecimentos isolados do ensino superior deverão, sempre que possível, incorporar-se à universidade ou agregar-se com estabelecimentos isolados da mesma localidade ou de localidades próximas, constituindo neste último caso, federações ou escolas, regidas por uma administração superior e com regimento unificado que lhes permitam adotar critérios 34 Neste período, exacerbando o modelo elitista brasileiro, o ensino superior se caracterizava, segundo Cunha (1989, p. 16), “[...] pela cobrança de exame vestibular, matrícula em cada ano, taxa por cadeira (disciplina) e por período (semestre), inscrição em exame, certificado de exame, guia de transferência, certidão de freqüência, diploma”. Contudo, a aproximação da classe média à educação superior, em função das mudanças ocorridas neste período, propiciou o fortalecimento de entidades, como os centros acadêmicos e desenvolveu um dos maiores níveis de organização política do país, comandado pelo Conselho Nacional dos Estudantes, os quais se reuniam anualmente desde 1937. 35 Consideramos que tal “desordem” do cenário poderia não representar-se especificamente em termos da melhoria do funcionamento das universidades, mas uma reorganização geográfica que pudesse evitar, a partir da expansão das IES, a invasão do território de interesse político alheio. 44 comuns de organização e funcionamento”. Destaca-se ainda que, visando frear tal lógica de expansão, acrescentou-se a este artigo, o parágrafo que estabelecia que “os programas de financiamento do ensino superior considerarão o disposto neste artigo”. (VAHL, 1980, p. 36). Como se pode observar, em termos legais, buscava-se uma incorporação destes estabelecimentos isolados, facilitando assim a tarefa de planejamento do ensino superior e buscando um padrão de ensino no país. Ainda no artigo 10 da citada Lei, buscava-se a divisão do país em “Distritos Geo-Educacionais”, promovendo assim a aglutinação das citadas IES isoladas em universidades ou em federações de escolas. As ações encontradas buscavam estabelecer que o desenvolvimento das IES isoladas devesse ocorrer em casos específicos, tratando-se de exceções do contexto, contudo, com o resultado observado atualmente, no qual há uma quantidade esmagadora das mesmas no cenário brasileiro, percebe-se que alterações e novas concepções marcaram o desenvolvimento da educação superior brasileira no decorrer dos anos. 3.2 AS REFORMAS EDUCACIONAIS NA DÉCADA DE 1990: UMA RELEITURA OTIMISTA DE UMA REALIDADE PESSIMISTA. Em 1990, em Jomtien (Tailândia), realizou-se a Conferência Mundial de Educação para Todos, com financiamento de organismos multilaterais, tais como: UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a cultura), UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância), PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) e Banco Mundial. A Declaração aprovada na conferência tratou de medidas urgentes para assegurar uma educação básica de qualidade para crianças, jovens e adultos. Dos 155 governos que subscreveram a declaração, os nove países com maior taxa de analfabetismo do mundo (Bangladesh, Brasil, China, Egito, Índia, Indonésia, México, Nigéria e Paquistão) conhecidos ali por “E 9”, comprometeram-se a agilizar políticas educativas articuladas a partir desse Fórum. Das estratégias acordadas na Conferência para os “E 9”, Torres (1995) 45 assim os sintetizou: 1. promover um contexto de políticas de apoio no âmbito econômico, social e cultural; 2. mobilizar recursos financeiros, públicos, privados e voluntários, reconhecendo que o tempo, a energia e o financiamento dirigidos à educação básica constituem o mais profundo investimento que se possa fazer na população e no futuro de um país; 3. fortalecer a solidariedade internacional, promovendo relações econômicas justas e equitativas para corrigir as disparidades econômicas entre nações, priorizando o apoio aos países menos desenvolvidos e de menores ingressos e eliminando os conflitos e contendas a fim de garantir um clima de paz. Porém, nem tudo foi resolvido e esclarecido no Fórum e logo começaram a aparecer os primeiros contrapontos: Um primeiro problema refere-se à expressão “para todos” que sugeria uma universalização da educação básica, que no Brasil compreendia desde a educação infantil até o ensino médio, que a conferência não pretendia. Em segundo lugar, alguns autores compreenderam o conceito “necessidades básicas de aprendizagem” (NEBA) em sua função ideológica de indicar a natureza do ensino a ser ministrado. Isto é, para estratos sociais diferentes, ensinos diferentes, uma vez que as necessidades básicas de um e outro não poderiam ser as mesmas. (SHIROMA; MORAES; EVANGELISTA, 2004, p. 61). Nos anos seguintes, as recomendações de Jomtien começaram a aparecer na política educacional brasileira, entretanto, à medida que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB 9394/96) era debatida, o governo conseguiu por meio de medidas provisórias implantar o seu projeto educacional, amarrados aos compromissos firmados no Fórum e aos grandes interesses internacionais, sobretudo porque tramitava em paralelo, por exemplo à LDB, outras leis, em um processo silencioso e desconhecido da sociedade. Recorremos as contribuições de Torres (1995) e a Shiroma, Moraes e Evangelista (2004) para esclarecer os principais temas e interesses tratados na Conferência em 1990: 1. Expansão da assistência e das atividades de desenvolvimento da primeira infância, inclusive as intervenções da família e da comunidade, especialmente para as crianças pobres, desassistidas e impedidas; 2. Acesso universal a educação básica até o ano 2000; 3. Melhoria dos resultados da aprendizagem; 4. Redução da taxa de analfabetismo dos adultos à metade do total de 1990 até o ano 2000 e modificação da desigualdade entre índices de alfabetização de 46 homens e mulheres; 5. Ampliação dos serviços de educação básica e de formação para outras competências necessárias a jovens e adultos, avaliando-se os programas em razão da modificação da conduta e do impacto na saúde, no emprego e na produtividade; 6. Aumento, por indivíduos e famílias, dos conhecimentos, capacidades e valores necessários para viver melhor e para conseguir em desenvolvimento racional e sustentável por meio dos canais da educação – incluídos os meios de informação modernos, outras formas de comunicação tradicionais e modernas, e a ação social – avaliando-se a eficácia dessas intervenções pela modificação da conduta. Sendo assim, a Conferência de Jomtien aparece como um divisor de águas no cenário das políticas educacionais brasileiras atuais. Em, aproximadamente, 20 anos, assistimos pelo menos a sete grandes momentos na elaboração do aparato legal no contexto político educacional brasileiro. São eles: o Plano Decenal de Educação para Todos (1993), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB/1996), o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF/1996), o Plano Nacional de Educação (PNE/2001), o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE/2007), o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB/2006) e o Piso Salarial Profissional Nacional (PSPN/2008). De forma sucinta, apresentamos o que mais se evidencia nesse conjunto de medidas que o governo adotou para tentar cumprir os compromissos firmados na Tailândia em 1990. A atual LDB (Lei nº 9.394/1996) foi sancionada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC) e pelo ministro da educação Paulo Renato Souza, em 20 de dezembro de 1996. Baseada no princípio do direito universal à educação para todos a LDB de 1996 trouxe diversas mudanças em relação às leis anteriores, como a inclusão da educação infantil (creches e pré-escolas) como primeira etapa da educação básica. O texto aprovado é resultado de um longo embate, que durou cerca de oito anos (1988 a 1996) anos, entre duas propostas distintas. A primeira conhecida como Projeto Jorge Hage foi o resultado de uma série de debates abertos com a sociedade, organizados pelo Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública, 47 sendo apresentado na Câmara dos Deputados. A segunda proposta foi elaborada pelos senadores Darcy Ribeiro, Marco Maciel e Maurício Correa em articulação com o poder executivo através do Ministério da Educação (MEC), apresentada no Senado Federal A principal divergência se constituía no papel do Estado em relação à educação. Enquanto a proposta dos setores organizados da sociedade civil apresentava uma grande preocupação com mecanismos de controle social do sistema de ensino, a proposta dos citados parlamentares previa uma estrutura de poder mais centrada nas mãos do governo. Apesar de conter alguns elementos levantados pelo primeiro grupo, o texto final da LDB se aproxima mais das ideias levantadas pelo segundo grupo, particularmente no capítulo da educação superior, facilitando, como nunca, em um projeto de lei a privatização desse nível de educação, fato que ficou comprovado com a expansão desse nível de ensino no final dos anos 1990 e no início de 2000 e que contou com forte apoio do governo FHC nos últimos anos de sua tramitação. O Plano Decenal de Educação para Todos foi um documento elaborado em 1993 pelo Ministério da Educação (MEC) destinado a cumprir, no período de uma década (1993 a 2003), as resoluções da Conferência Mundial de Educação Para Todos, realizada em Jomtien. Esse documento é considerado "um conjunto de diretrizes políticas voltado para a recuperação da escola fundamental no país". Em seu conjunto, o Plano Decenal marca a aceitação formal, pelo governo federal brasileiro, das teses e estratégias que estavam sendo formuladas nos foros internacionais. Segundo o Plano, "os compromissos que o governo brasileiro assume, de garantir a satisfação das necessidades básicas de educação de seu povo, expressam-se no Plano Decenal de Educação para Todos, cujo objetivo mais amplo é assegurar, até o ano 2003, a crianças, jovens e adultos, conteúdos mínimos de aprendizagem que atendam a necessidades elementares da vida contemporânea" (PLANO DECENAL DE EDUCAÇÃO PARA TODOS, 1993). O Plano expressa sete objetivos gerais de desenvolvimento da educação básica: 1. Satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem das crianças, jovens e adultos, provendo-lhes as competências fundamentais requeridas para a participação na vida econômica, social, política e cultural do país, especialmente as necessidades do mundo do trabalho; 48 2. Universalizar, com equidade, as oportunidades de alcançar e manter níveis apropriados de aprendizagem e desenvolvimento; 3. Ampliar os meios e o alcance da educação básica; 4. Favorecer um ambiente adequado à aprendizagem; 5. Fortalecer os espaços institucionais de acordos, parcerias e compromisso; 6. Incrementar os recursos financeiros para manutenção e para investimentos na qualidade da educação básica, conferindo maior eficiência e equidade em sua distribuição e aplicação; 7. Estabelecer canais mais amplos e qualificados de cooperação e intercâmbio educacional e cultural de caráter bilateral, multilateral e internacional. Os resultados obtidos, em consequência de Jomtien reformularam a educação brasileira e essa reformulação nos trouxe um número maior de iniciativas que condizem ao desenvolvimento de ações que mercantilizaram a educação. Foram criadas as possibilidades de um novo rumo, estabelecido por uma unidade de pensamento derivada dos organismos internacionais. Com isso, a “reforma” do Estado passa a se caracterizar como um processo de “desresponsabilização” do mesmo para com as políticas públicas como um todo e de educação em particular. A Conferência de Jomtien também desenvolveu ações de aproximação da Organização Mundial do Comércio (OMC) e do Banco Mundial (BM) com as políticas educacionais. Neste contexto, a “cascata” de decisões, planos e leis que surgiram do encontro, resultaram em brechas que reconfiguraram o novo dimensionamento das políticas de educação pelo governo federal brasileiro à época. A proximidade deste com os processos de privatização resultaram numa afronta às políticas sociais em nosso país, especialmente na educação superior, tornando-a um “bem de mercado”, subtraindo sua finalidade de bem social e imprimindo e ampliando o seu caráter mercadológico. Nessa perspectiva, vale destacar que: Desde o primeiro momento do governo Fernando Henrique Cardoso (19951998) têm sido implementadas uma série de políticas e um conjunto de medidas “cotidianas” que já configuram a existência de uma reestruturação da educação superior no Brasil que inclui, especialmente, um “novo” padrão de modernização e de gerenciamento para o campo universitário, inclusos no novo paradigma de produção capitalista e na reforma da administração pública do Estado. (CATANI; OLIVEIRA, 2000, p. 63). 49 Neste processo, torna-se perceptível o caráter demarcado pela busca da equidade e coesão social, porém, contraditoriamente, o resultado das leis elaboradas e aprovadas no Brasil sob sua inspiração, promoveu, no caso da educação superior, uma exacerbação do elitismo com o rumo privatista que assumiu esse nível de ensino. 50 4 A EDUCAÇÃO E A UNIVERSIDADE NO ATUAL CONTEXTO NEOLIBERAL As universidades enfrentam atualmente, no Brasil e no mundo, um cenário onde ideologias, centralizações de poder e interesses econômicos induzem a população a ter uma visão distorcida de sua concepção como um todo. Discutir o conceito de universidade passa também por discutir o conceito ideológico neoliberal aportado e difundido no mundo, bem como, as influências resultantes dessa corrente de pensamento nos rumos que a universidade vem tomando atualmente. Discutir o conceito de universidade significa discutir as políticas públicas desenvolvidas no cenário nacional e relacionando-as com as decisões e ao papel que desempenham no cenário social. Do ponto de vista do jogo de interesses políticos, a concepção de universidade vem-se formando em geral, a mercê da dominação de alguns grupos sobre outros. Nessa relação contraditória de poderes as finalidades para com as demandas da sociedade podem ser ou não atendidas. Neste sentido, podemos interpretar que também as políticas públicas passam a integrar, conforme Augusto (2005), parte das mudanças realizadas com o propósito de atender à racionalização e modernização dos serviços do Estado. São mudanças na forma de gestão pública que implicam em redução de custos na área de pessoal. Na área educacional, são também implementadas reformas, em que a descentralização administrativa e financeira é característica. A participação dos sujeitos no processo educacional torna-se um pressuposto necessário na gestão da educação, mas a definição das políticas públicas e seu controle continuam centralizados. Segundo Dale (2004), o padrão de regulação educacional permanece sob o controle do Estado, embora novas e cada vez mais visíveis formas de desresponsabilização estão a configurar-se. Com isso, o autor considera que os debates sobre as políticas educativas vão além dos conteúdos curriculares desejáveis para a educação. Os quadros regulatórios que seguem os padrões dos organismos internacionais, determinam as funções a serem desempenhadas, definem o provimento de recursos, e o funcionamento dos sistemas educativos nacionais. Os quadros são em maior ou menor medida, moldados e delimitados por forças supranacionais, assim como, por forças político-econômicas nacionais, definidas pelo neocolonialismo conservador de forças influentes na sociedade. 51 Sendo assim, podemos dizer que essas mudanças acabam ampliando restrições ao atendimento da educação pública como política social, gerando limitações na melhoria da prestação de serviços educacionais, direito de todos e dever do Estado. Concordamos com Höffling (2001) quando afirma que o Estado não pode ser reduzido à burocracia pública, aos organismos estatais que conceberiam e implementariam as políticas. As políticas públicas são compreendidas como as de responsabilidade do Estado quanto à implementação e manutenção a partir de um processo de tomada de decisões que envolvem órgãos públicos, diferentes organismos e agentes da sociedade a elas relacionados. Nesse sentido, políticas públicas não podem ser reduzidas a políticas estatais. Assumem "feições" diferentes em diferentes sociedades e diferentes concepções de Estado. É impossível pensar Estado fora de um projeto político e de uma teoria social para a sociedade como um todo. Dessa forma, tratamos aqui políticas públicas sociais, sobretudo a educacional, como formas de interferência do Estado, visando à manutenção das relações sociais de determinada formação social. Assim, nosso estudo sobre políticas públicas educacionais se insere em um contexto do Estado capitalista, com características mais amplas, complexas e contraditórias no campo das relações econômicas. Uma das marcas da sociedade brasileira é que o Estado nacional pode estar perdendo a capacidade de controlar os capitais. Não ter o contraponto do trabalho é uma força que fica sem controle da sociedade. O capitalismo sem nenhum tipo de controle vai influenciando a sociedade e isto é possível que já venha acontecendo com o padrão de desenvolvimento contemporâneo. Inserido nesta discussão, o mercado desta forma, busca o conhecimento e, assim, uma constante aproximação com o mundo acadêmico, utilizando-se da estratégia de que este conhecimento resulta em saldos lucrativos necessários ao desenvolvimento dinâmico do mesmo. No entanto, não são exclusivamente as relações de trabalho que mudam em função do capital. O próprio capital, para que continue se fortalecendo, exige mudanças de qualidade em sua escala com o intuito de aumentar sua abrangência e sua força em todo o mundo. Por isso, o capitalismo se apresenta cada vez mais concentrado e móvel, tentando encontrar diversas formas de expansão. 52 No campo econômico, o caráter predatório da concorrência e a crescente mobilidade dos capitais comprometeram a capacidade da sociedade nacional preservar o controle sobre os centros internos de decisão e reproduzir os mecanismos de solidariedade orgânica entre as classes sociais. No plano político, a acirrada disputa pelo monopólio das novas tecnologias e pelo controle dos mercados mundiais acirraram perigosamente as rivalidades entre os Estados nacionais, provocando uma encarniçada concorrência pela atração de investimentos produtivos e pela criação de empregos industriais. (SAMPAIO JÚNIOR, 2007, p. 145). Sendo assim o capital se torna cada vez mais concentrado e móvel, fazendo com que os países desenvolvidos, ou de centro, se preparem para esse confronto. A ideia é minimizar os desejos desse capital sobre sua sociedade, assumindo uma mudança na qualidade e na escala do espaço econômico nacional. Com isso procuram atrair e manter algum controle sobre este capital, na esperança de encontrar soluções para que ele seja mais estável com o seu espaço econômico nacional. Se é móvel, ele se torna instável e passa a ser muito poderoso em relação à sociedade nacional. Por isso é necessário criar condições para que mesmo móvel esse capital fique em seu país. Dessa forma gera-se uma política que instaura uma competição desenfreada entre os estados nacionais. Assim, Sampaio Júnior (2007) destaca que se as economias capitalistas mais desenvolvidas possuem alguma possibilidade de atenuar os problemas destrutivos causados pela globalização, que elas mesmas impulsionam ao reforçarem os planos necessários a sua hegemonia e que tal possibilidade não se manifesta nas regiões periféricas, ao contrário, acentua os efeitos negativos resultantes desta política. (FALETTO, 2009). Os países subdesenvolvidos ou da periferia, não conseguem de forma alguma exercer controle e muito menos manter relações duradouras sobre esse capital porque não conseguem desenvolver sua infraestrutura econômica, não implementam uma política de formação de profissionais de acordo com as demandas da sociedade não ampliam seu estado econômico nacional, não exercendo sua soberania. Contraditando a crença de que a adesão ao receituário neoliberal permitiria à América Latina aumentar a competitividade de sua economia e aproximála do Primeiro Mundo, o balanço de quase duas décadas de ajuste às determinações da comunidade internacional mostra uma realidade desoladora, marcada pela ampliação do atraso econômico e acelerada deterioração das condições de vida da população. Nesse contexto, não deve causar surpresa o avanço descontrolado da barbárie, ainda que de maneira desigual, em todos os recantos do continente. (SAMPAIO JÚNIOR, 2007, p. 149). 53 Mas, qual a influência da globalização na concepção de Estado e, em especial do Estado nacional? O desenvolvimento e a aceitação da globalização por parte da “massa”, oculta e mascara determinadas realidades de exclusão, intensificando a consolidação e a aceitação mundial deste fenômeno como a única porta de entrada após o fim da bipolaridade mundial representada ao final do século passado por Estados Unidos e o neoliberalismo e a União Soviética e o socialismo. Faz-se parecer que a única saída do mundo seria o neoliberalismo, influenciado pelo do acúmulo de capital na linha da universalidade econômica. A globalização traz consigo um confronto social e uma nova forma de exclusão da sociedade, fortalecida pela hegemonia e pelos processos contrahegemônicos. Tal exclusão é talvez ainda mais “perversa”, pois dá aos participantes a falsa compreensão de que não estão envolvidos neste ciclo vicioso de sistema que se aproxima muito ao feudalismo. Assim, a opressão, a servidão e as desigualdades são marcadas, segundo Frigotto (2010), pela ilusão de uma sociedade livre e igualitária. Algumas análises destacam a preocupação de diversos intelectuais com o processo denominado globalização e a visão do modelo neoliberal como a saída única para o mundo. O sistema global apresenta vários riscos. São diversas armadilhas que estão vitimando milhares de pessoas em todo mundo, manifestando-se através de crescente exclusão social, que vem assolando, tanto países ricos, como os chamados países de periferia. Em nome da dita ordem, várias crianças estão morrendo de subnutrição, já são milhares de desempregados e inúmeras pessoas que vivem marginalizadas. (SILVA, 1997, p. 271). Martin e Schumann também alertam sobre o contexto da exclusão, o qual, encoberto por uma ressignificação da globalização pela mídia, gera um processo que pode eclodir em alguns anos, devido à privação de pessoas frente aos empregos e à nova forma de separação social: “Somente teóricos ingênuos ou políticos míopes podem julgar que se possa, como atualmente na Europa, privar ano após ano milhões de pessoas do seu emprego e do seguro social, sem ter que pagar o devido preço político algum dia”. (MARTIN; SCHUMANN, 1998, p. 20). É aqui, na fronteira da dimensão cultural com a dimensão do Estado que há uma reprodução dessa relação colonialista neoconservadora no âmbito de 54 políticas educacionais reforçando uma tendência geral na organização da política educacional. Nesse contexto, qual é a política educacional para os países subdesenvolvidos ou em fase de desenvolvimento? É a estabelecida por organismos internacionais? Isso não quer dizer que os organismos internacionais consigam diretamente impor as suas políticas, pois eles vêm em desencontro com as forças de resistências, classes operárias, classes políticas, etc., mas, contraditoriamente, influenciam toda uma rede de concepções na sociedade. Concordamos com Mészáros (2008), quando salienta que não pode haver uma solução efetiva para a auto-alienação do trabalho, sem que se promova, conscienciosamente, a universalização conjunta do trabalho e da educação, ou seja, para que possamos assumir mudanças No contexto educacional, devemos, acima de tudo, estabelecer uma formação sólida e consciente aos indivíduos, lutando pela conquista do reconhecimento social, baseado no conhecimento crítico e multidisciplinar, tornando-o independente de uma visão mercantilista e pragmática que o cerca. 4.1 O PROCESSO DE PRIVATIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL: MERCANTILIZAÇÃO E RESSIGNIFICAÇÃO Frente aos demais países, e apesar do seu crescimento econômico, o Brasil continua ocupando uma posição desfavorável, seja em relação as políticas sociais ou, em particular à educação. Cada vez mais percebemos que a aproximação dos níveis de vida entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento está diretamente ligada a perda da formação do estado nacional, ficando comprometida inclusive a identidade cultural historicamente construída. Seja no nível das forças produtivas, no nível das relações de produção, no nível da organização do território, no nível da organização de um Estado ou no nível da organização da cultura. Todos os pilares da nossa sociedade estão sendo abalados na sua soberania. Este quadro apresentou-se inicialmente no governo do Presidente Fernando Collor de Melo (1990 – 1992) e delineou-se no de Fernando Henrique Cardoso, (1994 - 2002), após a reforma institucional que buscou introduzir na esfera 55 social, por intermédio de um pacto social pragmático, a racionalidade capitalista e privatista, que se expressa na redução do público e na expansão do privado. Tal pragmatismo perdurou na administração Luiz Inácio Lula da Silva (2002 – 2010) com uma tendência, principalmente, dos dois primeiros elementos das forças produtivas centrais. A educação, assim, se destaca não como, defendida por Paulo Freire, na constituição da autonomia, mas encontra-se subordinada à economia, enquanto mediadora das políticas de ciência e tecnologia de um modelo econômico neoliberal que consequentemente expressa-se pelo consumo. (SILVA JUNIOR, 2007). Assim, a educação brasileira é também enfocada no contexto do neoliberalismo, tendendo a distanciar-se da responsabilidade do atendimento pelo Estado, transferindo para a sociedade civil mais essa função. Deste modo o que seria direito social, passa a ter um caráter de mercado econômico. A expressão maior da mudança do panorama das IES brasileiras foi arquitetada por um conjunto de medidas legais nos anos 1990, entre as quais a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB)36, que, segundo Mancebo (2010), no capítulo “Educação Superior”, artigos 43 a 57, aponta para a diferenciação e flexibilização da oferta de ensino, definindo sua organização em: Universidades, Centros Universitários e Faculdades Integradas, Faculdades, Institutos ou Escolas Superiores37. O resultado desse processo de diversificação no Brasil pode ser visualizado através da Sinopse do Ensino Superior do Ministério da Educação (MEC) de 2009, conforme o Gráfico 1. 36 Brasil (1988); Brasil (1996b). A organização da educação superior, conforme decreto Decreto 5.773 de 09/05/06, modificou o artigo 44 da Lei nº 9.394, de 20/12/96, ao destacar no credenciamento a reorganização das IES em: Faculdades, Centros Universitários e Universidades. 37 56 Gráfico 1 – Distribuição por tipos de IES 1 Fonte: Brasil (2009). O Gráfico 1 mostra a expansão do número de Faculdades que representam 84,96% do total de IES no Brasil. Neste sentido, um percentual elevado de estudantes desse nível de ensino está inserido num modelo de IES que, em geral, não atende ao princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, sobre a qual se sustenta a produção do conhecimento. Também não atende ao princípio da igualdade de direitos que permite a criação desmedida de IES privadas, o que concorre para a desresponsabilização do investimento público, elitizando cada vez mais o acesso à universidade, caracterizada pela pouca inclusão de brasileiros e brasileiras. (SANTOS, 2010). Entendemos que há um grave problema no Brasil que não se constitui apenas na exclusão dos jovens no direito ao acesso ao ensino superior e a permanência nele, mas agrava-se porque as vagas nesse nível de ensino ainda são limitadas, sobretudo as de acesso à universidade, como apresentado na Tabela 1. 57 Tabela 1 – Evolução do número de IES por organização acadêmica – Brasil – 2005-2009. Ano Total Universidades % Centros % Faculdades % Universitários Institutos % Federais e CEFET’s 2005 2.165 176 8,1 114 5,3 1.842 85,1 33 1,5 2006 2.270 178 7,8 119 5,2 1.940 85,5 33 1,5 2007 2.281 183 8,0 120 5,3 1.945 85,3 33 1,4 2008 2.252 183 8,1 124 5,5 1.911 84,9 34 1,5 2009 2.314 186 8,0 127 5,5 1.966 85,0 35 1,5 Fonte: Brasil (2009). As mudanças que ocorreram na composição das IES no Brasil, agravada nos anos 1990, levaram os estudantes ao distanciamento da pesquisa e extensão. Tal crescimento praticamente estagnou a partir de 2005, mas, do ponto de vista da formação, o desajuste já estava concebido. Tão preocupante quanto esta composição das IES é o reduzido número de estudantes entre 18 e 24 anos, que no Brasil somam 5.954.021, que cursavam esse nível de ensino em 2009. (BRASIL, 2009). É evidente a discrepância do número de estudantes nos diferentes tipos de IES. Para termos um exemplo, basta observar que o percentual de universidades se manteve em torno de 8% entre 2005 e 2009. Por outro lado, o percentual de faculdades, apesar se manter em torno de 85% do total de IES, já contava, desde 2005, com um número enorme em relação ao número de universidades, ou seja, havia dez vezes mais faculdades do que universidades. Gráfico 2 – Comparação da IES por dependência administrativa Fonte: Brasil (2009). 58 O processo de expansão privada pode ser visualizado no Gráfico 2. O número de IES privadas é de 2.069, o que corresponde a 89,40%, e o número de IES públicas é de 245 (94 Federais, 84 Estaduais e 67 Municipais), o que corresponde a 10,60%. Tal processo de expansão expressa uma concepção de IES voltada predominantemente para o mercado de trabalho (ensino). A formação dos docentes que atuam nos Centros Universitários, Faculdades e Faculdades Integradas está concentrada nos cursos de Especialização (38%) e Mestrado (41%), enquanto que, a Universidade apresenta uma concepção mais voltada para a pesquisa, exigindo que pelo menos 1/3 do corpo docente tenha formação em nível de doutorado. Numa análise mais apurada, percebemos, ainda, que o perfil dos docentes das classes de IES citadas caracteriza-se por professores de tempo integral nas públicas, e professores horistas nas privadas. Observamos que, em ambas, a maioria dos docentes é do gênero masculino e a maioria dos discentes concentra-se no gênero feminino (BRASIL, 2009). 59 5 CONCEPÇÕES DE EDUCAÇÃO E UNIVERSIDADE O sentido que se busca para a universidade como um todo, traz à tona a discussão do sentido da educação que, destacada por Teixeira (1977, p. 12) que: Quando na Convenção Francesa se formulou o ideal de uma educação escolar para todos os cidadãos, não se pensava tanto em universalizar a escola existente, mas em uma nova concepção de sociedade em que privilégios de classe, de dinheiro e de herança não existissem, e o indivíduo pudesse buscar pela escola, a sua posição na vida social. Assim, observamos que a educação, seja ela na concepção de educação superior ou não, tem por objetivo a formação do homem comum na direção de uma transformação intelectual que vise sua colaboração para o bem-estar da sociedade a qual este pertence. Portanto, qual seria o conceito de formação universitária no Brasil? Estaríamos realmente formando indivíduos condizentes a esta concepção, ou estaríamos retornando aos conceitos do Brasil colônia ao formar indivíduos aptos ao trabalho solicitado pela côrte38? Este novo embate sobre a universidade no contexto do neoliberalismo traz a uma nova concepção de universidade e de sua função na sociedade. Neste sentido a concepção da universidade nos remete a uma contestação da identidade política neoconservadora imperante, a qual induz a uma corrente de pensamento estritamente direcionada a lucratividade e ao sentido de resultados práticos e imediatos. Assim, conforme destacado em alguns pontos desta dissertação, a concepção de universidade que aqui se defende, acima de tudo, defende também uma alternativa ao pensamento único e ideológico neoliberal. A educação segundo os organismos internacionais (Banco Mundial) O Banco Mundial é fundado em 1944, após o término da Segunda Guerra Mundial, na conferência de Bretton Woods, sendo hoje composto por um grupo de instituições financeiras, tendo como principal representante, o Banco Internacional 38 O novo conceito de côrte poderia ser hoje trazido pelas grandes corporações, pelos detentores do capital ou ainda pelos organismos internacionais que constantemente “ditam” o sentido da educação, da formação dos indivíduos e do objetivo de sua formação universitária. 60 para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), o qual abrange: a Associação Internacional do Desenvolvimento (IDA), a Cooperação Financeira Internacional (IFC), o Centro Internacional para Resolução de Disputas sobre Investimentos (ICSID), a Agência de Garantia de Investimentos Multilaterais (MIGA) e o Fundo Mundial para o Meio Ambiente (GEF). O processo de tomada de decisões é feito na base de cálculo “um dólar, um voto”, ou seja, para cada dólar aplicado, os seus 190 países constituintes têm um voto representado. Assim, o poder de decisão está diretamente ligado a contribuição orçamentária. O Banco Mundial teve sua composição baseada na ideia de reconstruir as economias devastadas pela guerra, além de tornar-se credor para empresas privadas. Tal atividade foi o foco de suas políticas somente até meados de 1950, quando em contrapartida ao crescimento das tensões causadas pela Guerra Fria, passou a criar e a apoiar programas de assistência econômica e de empréstimos a países de Terceiro Mundo, reforçando assim a incorporação destes ao bloco ocidental não comunista. Com isso, segundo Haddad39 (2008), 70% dos programas de empréstimo realizados pelo Banco, entre 1950 e 1970 visavam políticas de industrialização destes países e a tese central deste programa era que a pobreza desapareceria em função deste processo desenvolvimentista. Com a constatação de que, após o término deste período de duas décadas, a pobreza não só persistiu, mas aumentou, especialmente no que diz respeito aos países desenvolvidos e subdesenvolvidos. Dessa forma, o Banco resolveu ampliar o pacote de medidas, passando assim a investir não só na industrialização, mas também na agricultura e nos setores sociais. Verifica-se a partir deste momento, nos discursos implementados entre as décadas de 1970 e 1980, um forte apelo a políticas de combate da pobreza. A década de 1980 caracteriza-se por uma nova reformulação das ações não só do Banco Mundial, mas também de outras Instituições de Fundo Monetário (IFM). Neste período, com o extremo endividamento dos países subdesenvolvidos, com destaque aos países latino-americanos, o Banco concentra suas ações em um 39 O autor Sérgio Haddad destaca a participação de Camila Crosso, Vera Masagão, Carolina Gil, Carmen Cacciacarro e Marina Gonzalez nos processos de coordenação, edição, revisão e colaboração, para a composição do texto apresentado com o título: “A concepção do Banco Mundial sobre desenvolvimento e Educação”, pag. 17-28, inseridos no livro de Haddad, com título disponível nas referências bibliográficas. 61 papel de interlocutor na renegociação das dívidas, bem como no processo de abertura das economias e na adequação destes países para a retomada de novos financiamentos. Tal reestruturação das economias endividadas teve como consequência algumas condicionalidades recomendadas pelo Banco, negociando propostas e projetos específicos, sendo que, algumas delas, poderiam inclusive mudar legislações vigentes nos Estados em questão. Assim, a partir da metade da década de 1990, novas reformas são implementadas, envolvendo especialmente o aprofundamento das políticas de abertura comercial, a desregulamentação e a privatização iniciadas nos anos 1980. No caso brasileiro, verificamos aqui, entre outras reformas, a flexibilização do mercado de trabalho e as alterações de cunho trabalhista e previdenciário, bem como as novas políticas de reforma do ensino superior. Finalmente, em 16 de março de 2005, o então presidente americano Geroge W. Bush indica a sucessão de James Wolfesohn pelo conservador Paul Wolfowitz, para a presidência do Banco Mundial, causando o repúdio de diversos setores e entidades40, e acreditamos que, a partir deste momento o Banco possa passar a ser, ainda mais, um braço da economia e do autoritarismo hegemônico americano no mundo, ainda que atualmente possam haver questionamentos sobre o tema. Outro ponto com relação ao Banco Mundial relaciona-se as políticas de integração com o FMI, dando aos países a obrigatoriedade de serem previamente filiados a esta. Contudo, nos últimos anos, a aproximação de ambos com a OMC é o fato que causa maior estranheza, já que os dois organismos que deveriam combater a pobreza, como no princípio da argumentação para a sua criação são hoje enfáticos na importância dos esforços de liberalização comercial, tendo como consequência a possibilidade de controle de investimentos em áreas, como por exemplo, a da educação. O Banco Mundial acentua a discussão na dimensão do ensino superior 41, através das demandas apresentadas a outros níveis de ensino, quando afirma que os recursos destinados a este, deveriam ser entregues para a melhoria da 40 Tal repúdio pode ser acessado e lido em diversas entrevistas na época, entre elas a da Rede Brasil, disponível em <www.rbrasil.org.br>, em 17 de março de 2005 41 Em 1998 o Banco Mundial criou um novo organismo, a Edinvest, destinado especificamente a promover a educação privada a todos os níveis. 62 educação. Algumas proposições são apresentadas por meio de argumentos que apontam para uma série de novas orientações como: Fomentar a maior diferenciação das instituições, incluindo o desenvolvimento de instituições privadas; proporcionar incentivos para que instituições diversifiquem as fontes de financiamento, por exemplo, a participação dos estudantes nos gastos e a estreita vinculação entre o financiamento fiscal e os resultados; redefinir a função do governo no ensino superior; adotar políticas que destinadas a outorgar prioridade aos objetivos da qualidade e da equidade. (BANCO MUNDIAL apud SGUISSARDI, 2009, p. 62). Assim, percebe-se as implícitas e explícitas conduções de um novo contexto universitário, a partir do qual, a composição de novos significados e a aceitação e absorção dos mesmos pela sociedade vêm até mesmo propor a “tal” diversificação, direcionando o ensino superior a uma centralidade não mais localizada na universidade. Este processo de acentuação nas discussões para a priorização da educação básica, induz a pensar que tem por objetivo “entregar” a educação superior brasileira às oligarquias já dispostas a investir no setor, perdendo assim a autonomia que deveria ser característica desta instituição. Concordamos com Dourado quando afirma que: Ao defender o princípio da priorização da educação básica, cujo foco é a educação escolar, busca-se construir mecanismos ideológicos, sobretudo em países como o Brasil que sequer garantiu a democratização do acesso à educação básica e a permanência nesse nível de ensino. Ao priorizar a educação básica escolar, restrita à aprendizagem das habilidades cognitivas básicas, as propostas do Banco Mundial indicam que o discurso da centralidade do conhecimento, a despeito de enunciado, configura-se como um artifício de retórica e adesão às premissas do neoliberalismo, reduzindo o processo de formação a uma visão de racionalidade instrumental, tutelada, restrita e funcional ante o conhecimento universal historicamente produzido. Em contrapartida, essas políticas acarretam a secundarização de projetos de educação não-formal, o redirecionamento da educação profissional e o processo crescente de privatização da educação, especialmente da educação superior. (DOURADO, 2002. p. 239-240) Esta nova visão da racionalidade instrumental, do pragmatismo na formação pode destruir toda a história de lutas sociais construídas no bojo da universidade brasileira, bem como, proporcionar ao mercado o direcionamento das pesquisas a serem conduzidas pelas instituições. Ora, se a universidade passa a ter financiadores com seu processo de privatização, estariam eles dispostos a patrocinar pesquisas voltadas a direitos trabalhistas que podem ferir seus preceitos 63 de lucratividade? Estariam eles dispostos a patrocinar pesquisas que fossem contrárias a sua ideologia? 5.1 A EDUCAÇÃO NO ÂMBITO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR NECESSÁRIA [...] nenhuma outra instituição parece tão natural como esta e evolui, como as coisas naturais, por leis próprias ou sem lei nenhuma. Deixar-se levar e, deste modo, se transforma, sem saber bem como se transforma, sem saber bem como se está transformando. [...] Acompanhar esta transformação desde 1852 até, depois de 1930 e, com a Segunda Guerra Mundial, até os dias de hoje, corresponde a assistir a história de uma instituição que, entre mil resistências, rompe com o isolamento e se vai, aos poucos, misturando com a vida presente até se fazer, talvez, instituição completamente nova pela sua complexidade, pela sua variedade, pelo seu pluralismo, e, por que não dizer, pela sua extrema confusão e divisionismo. (TEIXEIRA, 1988, p. 74-75) A universidade é (ou deveria ser) um espaço social destinado a aprendizagem e a formação de um pensamento crítico voltado a conduzir soluções que possam contribuir na racionalização do saber e na utilização do conhecimento construído em prol de toda a sociedade. Bollmann e Carvalho (2009) destacam que “a universidade é uma instituição social e, portanto sua legitimidade se sustenta no princípio da autonomia e na indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”. Assim, destaca-se a análise de Magalhães (2004) e Newman (1973) que a universidade deve ter um caráter de fornecimento de educação como formação crítica, bem como, não deve se basear na fragmentação de uma concepção de trabalho, de governo ou de ideologia dominante. Já para Anísio Teixeira (1988), a universidade é muito mais do que um meio de difusão de conhecimento e de conservação da experiência humana, já que os livros podem realizar estes papéis. Também não é uma forma de preparar práticos ou profissionais de ofício, já que escolas mais singelas poderiam fazê-lo. Então, universidade seria a atmosfera resultante do mundo acadêmico, o empirismo. O conhecimento chamado pelo autor de conhecimento “vivo” é o maior bem que se pode obter, e este somente se daria através da vivência e do acúmulo de experiências resultantes desta vivência. Marrero e Mallada (2009, p. 175) expressam também o sentido do “conhecimento vivo” de Anísio Teixeira ao afirmar que “una de las mayores satisfacciones que pueden obtenerse en el campo académico, es el poder establecer diálogos 64 interesantes y fecundos con otros colegas que están dedicados a las teóricas y prácticas”. Para Ristoff (1999, p. 69) “no seu sentido mais amplo e institucional, as ações de uma Universidade são o ensino, a pesquisa e a extensão – constitucionalmente a serem desenvolvidos de forma indissociável”. Entendemos nessa mesma direção a afirmação destacada por Gentili (2008) que as universidades democráticas devem ser espaços de produção e difusão dos conhecimentos socialmente necessários à compreensão e à transformação do mundo em que vivemos. Silva Júnior (2005) destaca a preocupação quando ao tratar de parte do texto da LDB, destaca o estímulo para que sejam buscadas novas formas de financiamento da educação superior. Milton Santos (2008, p. 20) reflete sobre as características desse novo processo de formação universitária quando coloca que “[...] no mundo de hoje, aumenta o número de letrados e diminui o número de intelectuais”. Sendo a universidade parte integrante da formação pessoal e tendo importante papel na formação profissional do estudante, discute-se também a sua própria identidade, onde se faz necessário estabelecer parâmetros os quais possam dar sustentabilidade e caracterizar diferentes níveis de formação, proporcionados pelos diferentes âmbitos e pelas diferentes qualificações obtidas pelo mesmo. Considerando os aspectos relacionados à educação, é necessário estabelecer e diferenciar as modalidades e os papéis das instituições de ensino, seja ela, conforme Decreto n°. 2.306, de 19 de agosto de 1997, quanto a sua organização, classificadas em: universidades; centros universitários; faculdades integradas; faculdades; institutos superiores; ou escolas superiores (BRASIL, 1997, art. 8°), além, dos institutos tecnológicos e demais formadores para uma área que não exige ensino superior no desempenho de seu ofício. Lamarra (2007, p. 18) também questiona a diversificação das IES ao afirmar que “para atender la demanda creciente y con el predominio de las concepciones de mercado, se fueran creando diversos tipos de instituciones de educación superior (IES) universitarias y no universitarias [...] sin criterios a niveles de calidad y pertinencia institucional”. Com o intuito de posicionarmos a concepção de universidade defendida por este autor, recorremos a Chauí quando afirma que: 65 A universidade é uma instituição social e como tal exprime de maneira determinada a estrutura e o modo de funcionamento da sociedade como um todo. Tanto é assim que vemos no interior da instituição universitária a presença de opiniões, atitudes e projetos conflitantes que exprimem divisões e contradições da sociedade. Essa relação interna ou expressiva entre universidade e sociedade é o que explica, aliás, o fato de que, desde seu surgimento, a universidade pública sempre foi uma instituição social, isto é, uma ação social, uma prática social fundada no reconhecimento público de sua legitimidade e de suas atribuições, num princípio de diferenciação, que lhe confere autonomia perante outras instituições sociais, e estruturada por ordenamentos, regras, normas e valores de reconhecimento e legitimidade internos a ela (CHAUÍ, 2003, p.1). Ainda, para reforçar o posicionamento do autor deste estudo, utilizamos também a concepção proposta pelo Sindicato Nacional dos Docentes de Instituições de Ensino Superior (ANDES-SN), quando que: A universidade, como importante patrimônio social, caracteriza-se pela sua necessária dimensão de universalidade na produção e transmissão da experiência cultural e científica da sociedade. Ela é, essencialmente, um elemento constitutivo de qualquer processo estratégico e de construção de uma identidade social, além de uma instituição social de interesse público, independente do regime jurídico a que se encontra submetida. (CADERNOS ANDES, 2003) Para Leher (2010), as universidades brasileiras e latinoamericanas foram alteradas em todas as suas dimensões, desde a docência à investigação, do financiamento à carreira. Dessa forma, “[...] a universidade ressignificada termina por assumir seu papel na exacerbação do pensamento único, do senso comum, da massificação [...]” transformando-a em “[...] um espaço de lógica competitiva e individualista”. (BOLLMANN; CARVALHO, 2009, p. 27). 66 6 A COMUNICAÇÃO E SEU PAPEL NO SENTIDO DA CONSTRUÇÃO DO SER HUMANO A palavra transcende a identidade humana e dá a possibilidade de transmitirmos informações, conhecimentos, experiências e quaisquer perspectivas que nos seja interessante transmitir aos demais. Esta “transmissão” se dá especialmente no período conhecido como Iluminismo42, quando o homem passa a desenvolver possibilidades individuais e foca suas perspectivas de crescimento no próprio homem. Assim as teorias articuladas à linguagem expressam o sentido de que o mundo é a totalidade dos fatos e a linguagem como a totalidade de proposições que representam os mesmos fatos43. Outras teorizam no sentido de que a linguagem não reflete a realidade, mas atua como instrumento realizador de trabalhos para com esta realidade. Contudo, segundo Patrício (1998) o marco da ciência moderna da linguagem é inaugurada por Ferdinand de Saussare, com a obra Curso de Linguística Geral, trazendo teses sobre a conexão entre a realidade humana e a linguagem verbal. Neste contexto, a língua é o que garante ao ser humano o domínio completo de suas noções de interação com os demais, com o meio, com seu passado e com suas atribuições futuras. A burocracia é também consequência deste ato de comunicação, formando um corpo burocrático na própria linguagem, o qual, somente através de estudos referentes ao domínio de determinado vocabulário é que nichos da sociedade poderiam comunicar-se. Destaca-se aqui, por exemplo, na chegada de Mussolini ao poder, a forte tendência da criação de diferentes modos de dizer, haja vista que este era um fecundo criador de palavras, muitas vezes forçando seu uso e disseminação através dos meios de comunicação de massa. 42 O estudo da linguagem ganhou espaço entre os iluministas, especialmente referenciado por John Locke, cientista e filósofo britânico que marcou o início do Iluminismo em 1690, através de sua obra Essay Concerning Human Understanding, que dedicava um de seus quatro capítulos à palavra. 43 Teoria esta especialmente reforçada pelo austríaco Wittgenstein, que compreende em sua história, dois momentos filosóficos distintos, sendo o primeiro, conforme citado acima, influência para toda a filosofia lingüística ocidental. Mais tarde, com a publicação póstuma de 1953, percebe-se uma mudança de direção em suas posições, voltando-o muito mais no sentido de que a linguagem não deve ser concebida como um espelho que reflete a realidade, mas como um instrumento para realizar diversos tipos de trabalho que irão compor a realidade. 67 Percebemos hoje no mundo a frequente marginalização dos filhos de trabalhadores mais simples através da linguagem utilizada pelos mesmos, mostrando o poder exercido pela mesma, como instrumento de “seleção” dentro de uma sociedade. Assim a palavra, escrita ou não, nos conduz a sensações e conceitos pré- determinados, levados a exacerbação de uma alienação linguística em diversos modos de pensar. Neste sentido, a linguagem se desenvolve e nos torna participantes de um complexo fenômeno de compreensões que envolvem os mais determinados contextos, experiências e aspectos culturais, resultando em compreensões, difusões ou possíveis representações alienadas, ressignificadas ou influenciadas por razões externas. Com este estabelecido, de palavras e imagens que conceituam nossas características humanas, a mídia também tem papel fundamental, seja na formação de pensamentos, na informação dos cidadãos, na distribuição de produtos, na alienação, no criação do senso comum e nos mais numerosos formatos que esta também assume em sua concepção. 6.1 MÍDIA E OUTROS PODERES De acordo com o Oxford English Dictionary, foi somente em 1920 que as pessoas começaram a utilizar o termo “mídia”, mas somente em 1950 foi que passaram a utilizá-la no sentido de uma “revolução da comunicação”. Há de se convir aqui que o interesse sobre os meios de comunicação oral ou escrito vem desde a Grécia ou da Roma antigas, sendo valorizada como forma de expressão intelectual, bem como, segundo Briggs e Burke (2006) os conceitos de “opinião pública” aparecem no final do século XVIII, resultando no sentido de “massa”, no século XIX, na época em que os jornais ajudavam a formar uma consciência nacional. Encravados na chamada “sociedade do conhecimento44”, a sociedade em 44 Conceber a sociedade atual como “sociedade do conhecimento” pode ser uma ressignificação da própria “sociedade do capital” e formada a partir de uma ideologia imposta e designada para servir a interesses da agenda pós-moderna. Reinteramos nossa compreensão da responsabilidade em utilizarmos tal termo, contudo, percebemos que este pode ser desmistificado com outras atribuições 68 si integra um complexo desenvolvimento de um sistema de informações em velocidade nunca antes visto. Há indícios de uma constituição antropológica45 quanto ao conceito de mídia46 e nos deparamos com um aumento cada vez maior da possibilidade de, através dela “tocarmos” o outro lado do mundo em segundos. O desenvolvimento das mídias possui dois lados controversos e de análise abstrusa. A mídia pode favorecer o esclarecimento da população em diversas questões, possibilitando compreender o mundo e as sociedades nele inseridas. Contudo, a mídia tem também sua face manipuladora, que pode estabelecer conteúdos tendenciosos e dar uma ressignificação a diversos conceitos e processos, promovendo o senso comum que massifica e deixando de exercer o seu papel com isenção ideológica, a que convenhamos é difícil, haja vista os financiadores da imprensa escrita, falada e televisionada. Daí, em um complexo “jogo” comunicativo, a mídia tem papel fundamental na difusão da informação, mas quando empregada de forma tendenciosa pode resultar na construção de “verdades” que visam favorecer grupos específicos. A manipulação, por meio da mídia em favor do capital transforma o livre arbítrio, ao qual todos tem direito, em um meticuloso estado de conduta direcionada, tornando expectadores de um mundo coordenado, gerido e manipulado de forma a passar, a crença em verdades impostas a toda sociedade. É nesta perspectiva que se entende a mídia brasileira: cada vez mais centralizada, de propriedade particular, atuando de forma compatível a interesses de seus proprietários ou de chancelas de parceiros detentores do poder e do capital. A ideia de mercado não só se estabelece na atualidade educacional, como também, passa a ser adotada pela população por meio da manipulação de informações a ela (população) imposta. Ao longo dos últimos anos, a busca de fontes e as reações negativas também se fortalecem como mecanismos de influência da elite. A centralização da mídia e a redução de recursos dedicados ao jornalismo como a incontestável articulação e ampliação da tenologia para o desenvolvimento das comunicações. 45 Segundo Marshall McLuhan não só a constituição física estabelece os princípios do homem, mas sim, "todos os artefatos humanos - línguas, leis, idéias, hipóteses, ferramentas, vestuário, computadores - são extensões de nosso corpo físico”. (MCLUHAN, 2005, p. 335). 46 A palavra mídia, segundo o dicionário de comunicação (RABAÇA; BARBOSA, 1998) é uma adaptação do termo inglês “media”, que por sua vez, constitui-se como o plural do termo latim “medium”, ou seja, “meio”. 69 têm tornado a mídia mais dependente do que nunca dos definidores primários que ao mesmo tempo fazem notícia e subsidiam a mídia oferecendo matérias acessíveis e baratas. Eles, hoje têm maior influência sobre a mídia; e as empresas de relações públicas que trabalham para esses e outros interesses poderosos também a avolumam como fonte de mídia. (HERMAN; CHOMSKY, 2003, p. 18). Tal centralização de mídia é resultado de centralização do poder, e, em primeira impressão, parece que o Brasil padece também de uma sedenta característica de dominação da massa. A centralização da informação quer gerar a centralização do conhecimento ou o direcionamento dos conteúdos a serem transmitidos, afastando cada vez mais os “miseráveis” das possibilidades que esta lhes representa, e induzindo à população que a necessidade de privatização da educação tem um efeito positivo em seu desenvolvimento, mascarando que, com a necessidade do pagamento de mensalidades, uma grande parcela da população está, na verdade, distanciando-se ainda mais de sua possibilidade de ingressar no ensino superior. No Brasil, devido à consequência de sua cultura autoritária, a informação relevante não chega ao cidadão, muito embora, concordado por Anjos (2006), o discurso da administração pública seja bastante diferente. O que observamos no desenvolvimento do país é um confronto direto à democracia, proporcionando que oligarquias regionais47, como as presentes em praticamente todos os Estados brasileiros, possam optar pela manipulação de informações e pela ressignificação de conceitos. Sendo a democracia uma condução da sociedade por seus direitos e interesses comuns, como podemos permitir um controle tão eficiente da mídia e uma tentativa constante de exercer este controle também na educação? Seria mesmo o melhor para todos que a educação superior privada se estabeleça como a única chance para a maioria da população brasileira na faixa de idade compreendida entre os 19 e 24 anos? E, em sendo assim, as instituições de ensino superior (IES), como faculdades particulares e privadas 47 Das conhecidas mídias detentoras de poder, temos exemplos significativos no Brasil, como: o grupo RBS (Rede Brasil Sul) na região Sul (Família Sirotsky), a Rede Globo na região Sudeste (Família Marinho), o Grupo Câmara na região Centro - Oeste (Família Câmara), o Grupo Verdes Mares no Nordeste e Rio de Janeiro (Família Jereissati), o Grupo Zahran no Mato Grosso e Mato Grosso do Sul (Família Zahran), o Grupo da TV do Amazonas na região Norte (Familia Daou), o Grupo Manchete no Sudeste, Centro - Oeste e Nordeste (Família Bloch), o Grupo da Rede Bandeirantes no Sudeste, Sul, Nordeste e Distrito Federal (Família Saad), o Grupo SBT (Sistema Brasileiro de Televisão) no Pará, Distrito Federal, Rio Grande do Sul e Sudeste (Família Abravanel), além de casos como do Maranhão e de Alagoas, onde as afiliadas da Rede Globo estão nas mãos de famílias de ex-Presidentes da República (CHAUÍ, 2006). 70 cobrem mensalidades de seus alunos e que nunca cheguem a se tornar universidades devido à baixa rentabilidade que os departamentos de pesquisa lhes possam atribuir? A necessidade atual seria a criação de mais vagas em instituições universitárias públicas como universidades federais, estaduais e municipais. Do total de matrículas na graduação presencial para o ano de 2008, 74,9% dos alunos ocupavam as mesmas em IES privadas, mostrando a disparidade na distribuição de vagas em comparação às públicas, sendo destas, 2,8% municipais, 9,7% estaduais e 12,7% federais (BRASIL, 2008)48. O Estado não consegue garantir a população o exercício dos direitos mínimos de acesso à educação, particularmente à educação superior, assegurados na Constituição Federal. E sendo a mídia tão poderosa que mesmo em democracias como a americana, a francesa ou a inglesa, consegue manipular a opinião pública, de que forma podemos reconciliar a consciência da sociedade e identificar os passos manipuladores neste contexto? Porque a educação vem se tornando um produto comercial em claro desencontro com o interesse público e com o marketing produzido em conceitos ressignificados como o de “educação para todos49” ou nos moldes recentes “todos pela educação”? Essa corrida para o acúmulo de capital, proveniente do modelo econômico atual, aplicados a esfera de mídia presente, enfraquecem a “esfera pública” e consequentemente sobrepõe o capital as decisões da coletividade, prevalecendo, salvo exceções, a ordem da privatização do público. A utilização da mídia neste processo de ressignificação desenha novas verdades, substituindo a presença do Estado por uma cultura de consumo despolitizada50. Numa contextualização por Herman e Chomsky (2002, p.19), a mídia é desenvolvida pelo entretenimento, o qual “[...] é o equivalente contemporâneo dos jogos de circo romanos, pois desvia a atenção do público das questões políticas e ainda gera uma apatia política útil para a preservação do status quo.” Ainda de acordo com Herman e Chomsky (2002), a ocupação do público com discussões apáticas e de pouca relevância, mascara ações tomadas nos 48 Alguns dados encontrados neste estudo são citados com fontes de 2008 em função do Governo Federal ter extraído os dados do site do INEP, impossibilitando consultas atualizadas. 49 Entendemos o “todo” do termo “educação para todos” não só no acesso à educação fundamental, mas no sentido em todo o processo de formação, chegando até a educação superior. 50 Termo utilizado por Edward S. Herman e Noam Chomsky no livro “A Manipulação do Público: política e poder econômico no uso da mídia”, em 2003. 71 bastidores e dispõe à população uma oferta de possibilidades, um menu de opções, uma “cesta de negócios”, que induzem à escolhas. Sublinhamos, ainda, que aos cidadãos carece a oportunidade de decisão sobre o que ler ou assistir. Das pessoas que leem, em grande parte, acabam lendo o que lhes é oferecido. Sendo a mídia patrocinada pelo setor privado, e, o setor público, não raras vezes se submetendo aos padrões culturais da oferta privada, do ramo dos negócios, dos produtos, entre outros, veicula a ideologia do consumo, necessária ao mercado, e, em geral, terminam lendo o que os detentores do capital desejam. Com isso, a ressignificação pode ordenar os fatos de tal maneira que estes possam ser associados a uma nova imagem da realidade, definindo a convicção de um outro contexto. O enquadramento de palavras enganosas51, suscitando este processo possibilita novas definições a determinados termos e busca associações do imaginário das pessoas, diferente das que deveriam ser empregadas. Tal ressignificação pode afrontar aos interesses públicos, destruir a livre consciência e influenciar de forma danosa a constatação dos fatos, reenquadrando a opinião popular, distanciando-a da realidade, criando um conjunto de necessidades não definidas pelas pessoas, mas “impostas” por um sistema de indução, na maioria das vezes não perceptível. A formação do contexto é bastante discutível quando percebemos que os “formadores de opinião” (escritores de jornais, revistas, apresentadores de televisão) estão transmitindo a informação de uma maneira já direcionada. Não temos a oportunidade de ler ou ouvir a informação e analisá-la livremente. Muitas vezes, restam somente os sentimentos e emoções despendidos ao processo de entendimento. Para Bourdieu: O próprio processo de constituição de padrões comuns é inseparável da conversão desses padrões comuns em capital monopolizado por aqueles que possuem o monopólio da luta pelo monopólio do universal. Todo esse processo – constituição de um campo, autonomização do campo em relação a outras necessidade; constituição de uma necessidade específica em relação à necessidade econômica e doméstica.” [...] a gênese do Estado é, em suma, inseparável da constituição do 51 Segundo a definição de Andreas Freund, citado no livro “A manipulação das palavras”, de Philippe Breton (1999), “as palavras enganosas não passam de informação deturpada veiculada por vocabulários de conteúdo tendencioso. Uma vez inseridas na linguagem corrente com sua carga de sentido demagógico, servirão como munição de pequeno calibre na batalha permanente que se trava para conquistar os espíritos”, ou seja, a opinião popular. 72 monopólio do universal, e o exemplo por excelência desse processo é a cultura (BOURDIEU, 2011, p.16). Assim, entendendo que a universalização da cultura do senso comum passa pela mídia, questionamos se a mídia está interferindo na formação da opinião sobre a concepção de universidade? Qual seria a concepção de Universidade difundida pela mídia? 6.2 O LADO CONTROVERSO DAS PALAVRAS: OS “PROTÓTIPOS”, “REPRESENTAÇÕES” E “RESSIGNIFICAÇÕES” Conceber a figura humana é tão complexa quanto as relações traçadas pelo mesmo. Definir o ser humano foi tarefa assumida por Diógenes de Apolônia, ainda no período pré-socrático, ao afirmar a superioridade deste em relação aos outros animais, a aptidão na contemplação dos astros e a linguagem. Contudo, definir o ser humano em uma sociedade de classes é ainda mais complexo. Ele é, hoje, “denominado” ou “agrupado” em concepções como: por onde trabalha, o quanto ganha, ou seja, pelo status ao qual pertence (ou lhe é atribuído) ou que alcança nesta sociedade. É, portanto, o resultado daquilo que exerce como profissão, como resultado econômico, e, através de determinadas nomenclaturas, encravado em um ciclo de relações que lhe é imposta. Tais condições são conferidas por uma concepção de homem, como a apresentada por Diógenes, que o diferencia como seres humanos, diferentes de outros seres, portanto o homem passa a ser diferente do próprio homem pelo intermédio do capital. Esta concepção influencia nas relações de trabalho e concebe uma forma contraditória às ideias de liberdade tão exploradas pelos defensores das políticas neoliberais. Pois de que liberdade falamos se estamos “amarrados” e influenciados a classe social a que pertencemos? Que inclusão é esta que exclui cada vez mais os trabalhadores, deixando-os à margem de uma sociedade cada vez mais consumista? O homem conduz o mundo a um sentido exploratório e, “o capitalismo tornou-se um espetáculo global para poucos”. (GRUPO KRISIS, 2000). A principal virtude deste sistema é, portanto, a naturalização da 73 exploração. O convencimento constante e a alienação que conforta o ser humano e lhe conduz a criação de protótipos ou de modelos ressignificados, constitui uma nova visão e afasta a população dos temas centrais de toda a sociedade, embora, segundo Anjos (2006), o discurso da administração pública seja bastante diferente. Dessa forma, podemos aqui chamar a atenção para os movimentos ou práticas linguísticas que induzem a população a reproduzir conceitos através da utilização de ideias pré formuladas que tem o intuito de aproximar as concepções populares a um “perigoso jogo” de novas interpretações. Destacamos, através do texto de Moraes (2003, p. 158)52 que alguns termos foram “construídos, ressignificados, modificados ou substituídos por outros mais convenientes”. A autora destaca ainda alguns exemplos como “[...] igualdade cedeu lugar a equidade”, “[...] o conceito de classe social foi substituído pelo de status socioeconômico” dentre outros. Assim, até mesmo a concepção de sociedade civil, usada inicialmente para designar a nova economia do século XVIII, passou por Hegel na concepção de dissolução, miséria, de anarquia, chega a Marx como sendo a própria sociedade burguesa, dilacerada pelo capital, assume hoje uma conotação positiva. (BOBBIO, 1982). Sabemos também, que através de estudos cognitivos as pessoas entendem o mundo constituído através de exemplos, sejam eles dos objetos próprios como “pedra”, “bola”, “livro” ou “martelo”, como também o tem quando se trata do abstrato como “romantismo”, “amor” ou “viagem”. (FELDMAN, 2006; LAKOFF, 2002). Assim, não entendem as verdadeiras concepções, mas sim as representações criadas a partir delas, os exemplos concebidos, ou os que são concebidos e “entregues” para que possam ser reproduzidos. Portanto, a partir do subconsciente, formam-se novos contextos, constantemente induzidos à criação de conceitos manipulados pela “mão invisível” do capital. (FISCHMAN; SALES, 2010). Nessa perspectiva, o próprio capitalismo passa por uma ressignificação. O que compreendia a Maquiavel, é maquiavélico. Contudo, o neoliberalismo que o pode exacerbar não o é. A globalização é “benéfica”, havendo até quem proponha uma “sociedade do conhecimento” desvinculada de interesses capitalistas ou uma “globalização solidária”. Para alguns, “aproxima os povos”, “leva empregos a diversos países”, “aumenta a produção”. Estamos nos referindo a mesma 52 Parágrafo com grifos dos autores em itálico com o intuito de facilitar a compreensão dos termos utilizados. A obra original de Maria Célia Marcondes de Moraes possui os mesmos entre aspas. 74 globalização que contribui para a precarização do trabalho, exclui sociedades e culturas inteiras e entregam ao capital, nações esfaceladas por crises que o próprio capital criou? (CECEÑA; SADER, 2002; MÉSZÁROS, 2003; SANTOS, 2010). Assim, a alienação popular cria uma ressignificação que privatização da educação superior é também benéfica, à competitividade e a regulação pelo mercado, discutindo constantemente o posicionamento da universidade na dualidade entre servir a economia ou servir a sociedade. Em tais circunstâncias, a sociedade civil53 compactua muitas vezes com o conformismo, o pragmatismo e a tolerância, haja vista que não distingue a realidade das representações, ou, como destacado por Chauí (2006), a realidade do espetáculo. A espetacularização criada no decorrer deste último século vem reformulando conceitos em torno de diversas atividades, como da produção do conhecimento e da diversificação da oferta acadêmica. Diversas formas de prover a informação são geradas, e, muitas vezes, somente através de uma complexa análise do discurso pode-se entender o resultado buscado por estes meios para induzir a compreensão de quem os ouve, assiste ou lê. Neste contexto, o Brasil vem, com o passar dos anos, reconfigurando a já fragilizada formação profissional e comprometendo a qualidade do ensino através da disseminação de cursos voltados, por exemplo, para a Educação a Distância (EaD) ou na aceleração da formação destes profissionais para sua entrada imediata no mercado54, tornando-se assim, parte de um ciclo produtivo e de consumo que induz e é induzido ao pragmatismo, à aceleração do processo de formação e a inserção prematura dos estudantes ao mercado, dando-os na maioria das vezes, possibilidades somente para o alcance do conhecimento técnico fragmentado. A sociedade com isso fica à mercê de uma representação, sendo estimulada a compreender que, para o “bem da Nação”, o “milagre da educação” deve encurtar etapas e colocar rapidamente estes profissionais no mercado para que possam suprir as vagas defasadas em diversas áreas, especialmente nas ligadas a tecnologia. Entretanto, o modelo afeta também outras áreas do conhecimento, como nas que concebem a formação de professores. 53 Palavra utilizada em itálico para sugerir o conceito atual de sociedade civil, fundada em premissas distintas das sugeridas por Marx e Hegel neste trabalho. 54 A EaD ou a formação acelerada proposta entre outros fatores, bem como os mestrados profissionais são discussões pertinentes aos novos dilemas na formação acadêmica, contudo, pela centralidade do trabalho estabelecer outra relevância, não debateremos os temas citados com a profundidade necessária. 75 Assim, o professor é constantemente denominado o “[...] recurso humano imprescindível a ser (con)formado às demandas da contemporaneidade”. (SHIROMA; MORAES, EVANGELISTA, 2004, p. 85). O professor assume aqui seu papel de “profissional”, apto a responder aos desafios da sociedade contemporânea e conduzi-la ao “caminho da profissionalização”, pressionado e submetido ao caminho único da “universidade de mercado” (organização social), na concepção de Marilena Chauí (2001). Dessa forma, compreendeu-se o professor como elo principal entre a educação e o mercado. A este foi estabelecida a importância de preparar os jovens para este processo e gradativamente, educação e trabalho passaram a estabelecer uma aproximação. A educação parece, portanto, ser prioridade para o Estado. Ora, mas se realmente o é, por que os investimentos atingem níveis orçamentários tão reduzidos? Atravessamos um período decisivo para, segundo Augusto (2005), definirmos a ambiguidade não só na universidade, mas também presente hoje no trabalho docente, entre a profissionalização e a proletarialização, especialmente em função da precarização, resultante de políticas tão contraditórias quanto sua atual concepção. Estabelecemos aqui o posicionamento em Marx ao compreendermos o trabalho em sua concepção, não por representações ou derivações alienadas, mas como qualidade inerente a atividade vital, que forma, transforma e educa, tornando o indivíduo um ser concebido em uma práxis social. Assim, mesmo na concepção capitalista (alienada) o trabalho tem sua participação na formação social, ainda que em uma significância depreciativa, devido ao sentido exploratório do mesmo. Marx assim concebe, aprimorando a visão hegeliana, o trabalho como um criador não só das riquezas objetivas, mas como criador do próprio homem. Contudo, percebemos que não há desvinculação do trabalho formador para com o trabalho (alienado) provedor de degradação física e moral. As concepções se fundem e o professor muitas vezes concebe a sua formação através de representações oriundas desta alienação. A práxis é então concebida, como fundamento do ser social, e, portanto, objetivada numa compreensão onde todos os movimentos sociais são também educativos e deveriam ser compreendidos no processo de formação do professor. Assim, conceber o trabalho em Marx, numa sociedade “encravada” no 76 neoliberalismo é tão complexo quanto conceber as verdadeiras relações entre a educação superior e a universidade e sua função como formadoras de uma consciência crítica. Identificar os protótipos ou ressignificações instaurados neste processo pode ser uma difícil tarefa, muitas vezes passando de forma contundente aos olhares despercebidos de uma sociedade anestesiada pela espetacularização da vida. Nesse âmbito, a universidade passou também a ser ressignificada, e induzida a protótipos estabelecidos pela mídia. Destacamos em Evans e Green (2006 apud FISCHMANN; SALES, 2010, p. 04) que: Por exemplo, a Universidade de Oxford é um exemplo relevante de universidade, em parte devido a sua história (ela recebeu autorização real no século XIII), em parte devido ao respeito pelo qual seu ensino e bolsas de estudo têm tradicionalmente sido concedidos e, em parte, devido à natureza das faculdades que compõem a universidade, em termos de estrutura da instituição e de sua arquitetura. Embora de várias maneiras atípicas em termos de instituições britânicas de ensino superior e de outras instituições internacionais, as pessoas, especialmente no Reino Unido, sempre consideram Oxford um ponto de comparação para outras universidades. Efeitos de tipicalidade ocorrem quando Oxford serve para estabelecer um meio de avaliar e julgar outra universidade. Em outras palavras, exemplos salientes, como protótipos em geral, fornecem pontos de referência cognitivos que podem influenciar as decisões que tomamos, por exemplo, se decidimos entrar para uma certa universidade com base na sua semelhança com um exemplo saliente como Oxford. Assim, indagamos nesse caso: seria Oxford a universidade da representação ideal do conhecimento? Por que Oxford é considerada um modelo? Existe um modelo de universidade? Como a sociedade cria seus modelos? O que interfere na criação de modelos? 77 7 CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS Este estudo utiliza uma abordagem exploratória de cunho qualitativo, tendo no materialismo histórico e dialético seus fundamentos. Para realização da pesquisa qualitativa, fundamental na obtenção de informações para melhor compreensão da realidade atual, recorremos a diferentes fontes de análise. Percebemos, portanto, que dada a complexidade do tema “concepção de universidade”, houve a necessidade de utilização de mais de um procedimento de pesquisa para ampliar o entendimento do fenômeno estudado. Assim, optamos por três tipos de procedimentos para o conhecimento do objeto da pesquisa: pesquisa bibliográfica em autores contemporâneos, análise documental, entre eles a análise de conteúdos midiáticos (jornal e revista) e entrevistas (depoimentos). A escolha pela interlocução entre os autores consultados, entre os documentos analisados e a coleta de dados empíricos por meio de entrevistas se deu por percebermos a necessidade do confronto e complementação entre estes para a interpretação da realidade e consequente compreensão da concepção e função da universidade. Para Demo (1993, p. 128), a pesquisa é vista como um “diálogo crítico e criativo com a realidade, culminando com a elaboração própria e na capacidade de intervenção”. Como salientado por Ruiz (1996, p. 48) “Pesquisa científica é a realização concreta de uma investigação planejada, desenvolvida e redigida de acordo com as normas da metodologia consagradas pela ciência”. A abordagem qualitativa não tem o objetivo de trabalhar com grandes amostragens, mas com fatos e suas pertinências, a fim de aprofundar as análises relativas a interpretação. Privilegiam-se os instrumentos de coleta que incidem na narrativa oral (depoimentos dos estudantes). Para Iamamotto (1999, p. 22-23) os pressupostos que fundamentam o uso das pesquisas qualitativas são: a singularidade do sujeito, onde cada pessoa é única, pois partindo dessa premissa, permite-se que o mesmo se revele nos aprofundamentos teóricos sugeridos. O segundo pressuposto contempla o reconhecimento da importância social do sujeito, onde conhecer a experiência social do mesmo, pode contribuir na compreensão do objeto de estudo. O terceiro pressuposto concebe que “conhecer o modo de vida do sujeito, pressupõe sua experiência social”. 78 Optamos por uma metodologia sustentada no pensamento dialético pois, ela se configura, segundo Kosik (1976, p. 41), como “[...] o processo de concretização que procede do todo para as partes e das partes para o todo, dos fenômenos para a essência e da essência para os fenômenos, da totalidade para as contradições e das contradições para a totalidade”. Nesse sentido, partimos do pressuposto que a verdadeira teoria acompanha a práxis e, sendo assim, constrói-se de um movimento de observação, interpretação e transformação da totalidade social (KOSIK, 1976). A dialética se caracteriza por não apresentar um pensamento puro, mas “conectado” com a realidade em que está inserido, neste movimento recíproco de realidade e pensamento, para uma elucidação mútua. Neste sentido, essência e aparência são inseridos em um mesmo contexto ontológico, mas, percebidos em sua separação real. Se, portanto, os fatos devem ser aprendidos com precisão, convém, em primeiro lugar compreender clara e exatamente a diferença entre a sua existência real e seu núcleo interior, entre as representações que deles formamos e seus conceitos. Essa distinção é a primeira condição de um estudo verdadeiramente científico. (LUKÁCS, 1960, p. 25). Assim, a dialética apresenta o caráter concreto do objeto, apresenta o real como totalidade e os movimentos contraditórios deste real. Com isso, como sugerido por Marx e Engels (1977), o processo de produção do conhecimento seria a conjunção de uma teoria da reprodução intelectual do real mediante um sujeito ativo, cuja atividade encontra-se regida pelo objeto. Podemos, portanto, dizer que conhecer é também reproduzir uma realidade posta, independentemente do sujeito. O método dialético se expressa pela contradição, pelo ir e vir. Da tese à antítese e tendo a síntese como seu resultado, ainda que seja um resultado em constante movimento, ou o processo do constante devir. A própria síntese recria-se como uma nova tese e o movimento contínuo, essencialmente contraditória e em permanente transformação, resulta na dialética. Com isso, na análise de Saviani pode-se afirmar que: Com efeito, a lógica dialética não é outra coisa senão o processo de construção do concreto de pensamento (ela é uma lógica concreta) ao passo que a lógica formal é o processo de construção da forma de pensamento (ela é, assim, uma lógica abstrata). Por aí, pode-se compreender o que significa dizer que a lógica dialética supera por inclusão/incorporação a lógica formal (incorporação, isto quer dizer que a 79 lógica formal já não é tal e sim parte integrante da lógica dialética). Com efeito, o acesso ao concreto não se dá sem a mediação do abstrato (mediação da análise como escrevi em outro lugar ou “detour” de que fala Kosik). Assim, aquilo que é chamado lógica formal ganha um significado novo e deixa de ser a lógica para se converter num momento da lógica dialética. A construção do pensamento se daria pois da seguinte forma: parte-se do empírico, passa-se pelo abstrato e chega-se ao concreto. (Saviani, 2007, p.11) A dialética, portanto, não é só pensamento: é pensamento e realidade a um só tempo. Assim, a lógica dialética é uma possibilidade de compreensão da realidade como essencialmente contraditória e em permanente transformação (KONDER, 1981). Para Gil (1987, p. 32), alguns dos princípios comuns da dialética são: - Princípio da unidade e luta dos contrários. Os fenômenos apresentam aspectos contraditórios, que são organizadamente unidos e constituem a indissolúvel unidade dos opostos. - Princípio de transformação das mudanças quantitativas em qualitativas. Quantidade e qualidade são características inerentes a todos os objetos e fenômenos, e inter-relacionados. No processo de desenvolvimento as mudanças quantitativas graduais geram mudanças qualitativas. - Princípio da negação da negação. O desenvolvimento processa-se em espiral, isto é, suas fases repetem-se, mas em nível superior. Assim, a dialética caracteriza-se por ser contraditória a todo conhecimento rígido, pois tudo é visto em constante mudança. Neste sentido, tudo parte de um princípio e desenvolve-se, desagrega-se e transforma-se. Assim, concordamos com Demo (2007, p. 88) quando considera “[...] a dialética a metodologia mais conveniente para a realidade social”. Já o materialismo designa um conjunto de concepções ou teorias que, ao rejeitar a existência de um princípio espiritual liga toda a realidade à matéria e a suas modificações. O materialismo surge da luta das ciências com as formas de conhecimento anteriores, muitas destas, ligadas a composições e ideologias desconectadas da realidade. É, segundo Ianni (1982), com esta preocupação que Marx deu o caráter material (os homens se organizam na sociedade para a produção e a reprodução da vida) e o caráter histórico (como eles vêm se organizando através de sua história). Assim, o materialismo histórico dialético compreende a educação em seu movimento contraditório de humanização e alienação, sendo portanto que a educação tem sentido contraditório de produção e reprodução, transformação e alienação. No sentido histórico, Demo (2007, p. 90) afirma que: 80 Toda formação histórica está sempre em transição, o que supõe visão intrinsecamente dinâmica da realidade social, no sentido da produtividade histórica. Se, de um lado, as transformações históricas se dão de maneira estruturada, porque não são o caos, nem pura veleidade humana, nem intromissão dos deuses, do outro, aportam formações inovadoras, nas quais predomina o novo sobre o velho. O que acontece na história é historicamente condicionado e por isso não se produz o totalmente novo que não tivesse condicionamento histórico, pois já seria um ato de criação, do nada, introduzindo na história, condições não históricas. Nesta perspectiva, para Saviani (1994, p. 24), “[...] o trabalho educativo é o ato de produzir, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens”. Entendemos portanto, o materialismo histórico dialético como processo formador e facilitador da compreensão do objeto de estudo, haja vista que, em conformidade com Engels, “o método é a alma da teoria”. 7.1 CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO E PROCEDIMENTOS DE PESQUISA Para a compreensão do objeto desta investigação, no que se refere aos seus procedimentos, recorremos a Severino (2007), entre outros autores, em suas formulação sobre este assunto. Assim, as pesquisas bibliográficas, segundo Severino (2007, p. 122): [...] são aquelas que se realizam a partir do registro disponível, decorrente de pesquisas anteriores, em documentos impressos, como livros, artigos, teses, etc. Utiliza-se de dados ou de categorias teóricas já trabalhadas por outros pesquisadores e devidamente registrados. Os textos tornam fontes dos temas a serem pesquisados. O pesquisador trabalha a partir das contribuições dos autores dos estudos analíticos constantes dos textos. Sobre a pesquisa documental este autor (p. 122-123) destaca que: Tem-se como fonte documentos no sentido amplo, ou seja, não só de documentos impressos, mas sobretudo de outros tipos de documentos, tais como jornais, fotos, filmes, gravações, documentos legais. Nestes casos, os conteúdos dos textos ainda não tiveram nenhum tratamento analítico, são ainda matéria-prima, a partir da qual o pesquisador vai desenvolver sua investigação e análise. 81 Já quanto a entrevista Severino (2007, p. 124) a define como uma “[...] técnica de coleta de informações sobre um determinado assunto, diretamente solicitadas aos sujeitos pesquisados. Trata-se, portanto, de uma interação entre pesquisador e pesquisado”. Triviños (1987, p. 123) contempla um ponto de vista bastante próximo ao afirmar que, durante a pesquisa, existe também uma relação que não implica na ausência do cientista, [...] mas isso não significa que o pesquisador assuma uma postura neutra; ao contrário, ele é sujeito participante da pesquisa, diretamente implicado na relação pesquisador-pesquisado. [...] O investigador, sem dúvida, ao iniciar qualquer tipo de busca, parte premunido de certas ideias gerais, elaboradas conscientemente ou não. É impossível que um cientista, um buscador ou fazedor de verdades, inicie seu trabalho despojado de princípios, de ideias gerais básicas. Ainda para Severino (2007, p. 124), “a entrevista é muito utilizada nas pesquisas da área das Ciências Humanas. O pesquisador visa assim aprender o que os sujeitos pensam, sabem, representam, fazem e argumentam”. A entrevista pode ser definida, segundo Moreira (2004, p. 54), como uma conversa entre duas ou mais pessoas, com um propósito específico em mente; “O pesquisador quer obter informações que o respondente supostamente tem”. Na entrevista semiestruturada o pesquisador/entrevistador faz alguns questionamentos em uma ordem pré-determinada, mas dentro de cada questão, é relativamente grande a liberdade do entrevistado. Também é possível que outras questões sejam levantadas, dependendo de suas respostas, ou seja, podem existir questões suplementares sempre que algo interessante, e não previsto na lista original de questões, aparecerem. (MOREIRA, 2004, p. 55). Optamos, neste estudo, pela entrevista semiestruturada, face aos objetivos desta dissertação, e que no presente estudo, assumiu a forma de depoimentos, proporcionando ao pesquisador uma composição dialética do objeto estudado com um maior nível de aprofundamento das questões formuladas, ainda que salvaguardadas as devidas composições de cunho quantitativo que não puderam ser representadas neste trabalho. 82 7.2 COLETA E ANÁLISE DE DADOS A busca por elementos que pudessem contribuir para a compreensão da problemática desta pesquisa, necessitou da apropriação de outros meios de consulta para elucidar a amplitude do objeto em foco. Nesse sentido, trabalhamos em duas perspectivas de análise de documentos (jornais e revistas) e depoimentos, como referido anteriormente. Inicialmente, apresentamos as contribuições, do ponto de vista de clarear nosso entendimento sobre os efeitos da mídia na concepção de universidade identificado nas diferentes inserções desse meio de comunicação social. A intervenção da mídia no “controle” social já não é novidade, nem mesmo aos desprovidos de qualquer formação acadêmica ou de qualquer consciência crítica. Podemos dizer que a condução ou indução gerada pela mídia é hoje senso tão comum quanto o que esta quer criar em seus debates. Resta-nos perguntar: por que ela consegue ser tão eficaz? Como podemos perceber os meandros engendrados nas afirmações controvérsias e tendenciosas que são veiculadas diariamente? Essas e outras questões, pelos limites que apresenta este estudo, talvez não possamos respondê-las. Contudo, apresentamos a seguir, algumas conclusões obtidas que podem contribuir neste sentido e se referem a trechos de notícias em jornais e revistas sobre o tema da “Educação Superior”, e nele o tema “Universidade”. Para realizar a seleção do material analisado (notícias selecionados) procedemos a busca a partir de alguns critérios pré definidos sustentados nas categorias, também utilizadas nas tomadas de depoimentos, como segue: Concepção de Universidade; Comparativo de concepção antes e durante o ingresso na universidade; A percepção da universidade na sociedade; A universidade nos meios de comunicação; Função da Universidade; A dualidade da Universidade (Instituição Social; Organização Social). 83 A escolha dos jornais e revistas a serem utilizados foi definida pelo número de circulação, sendo a Folha de São Paulo o jornal mais vendido do país de 2002 a 200955, segundo a Associação Nacional de Jornais (ANJ). Elegemos também o Diário Catarinense56 por se tratar do jornal mais lido no Estado de Santa Catarina, ainda segundo a ANJ. A escolha da Revista Veja57 como fonte de dados deu-se também por ser a terceira maior revista de vendagem semanal do mundo e a maior fora dos Estados Unidos, segundo a Associação Nacional de Editores e Revistas (ANER). Os artigos foram coletados aleatoriamente58, buscando informações que pudessem ter relevância quanto ao tema estudado. A busca por artigos foi realizada entre outubro de 2010 e janeiro de 2012, contemplando meses alternados para que não houvesse qualquer indução ou concentração (direcionamento) de notícias ou assuntos em determinadas épocas, bem como para evitar modismos momentâneos ou centralização de temas. Na discussão da relevância de alguns fatos, percebemos um possível direcionamento da informação, o que aprofundamos na sequencia deste estudo: Texto 01: MEC divulga avaliação das instituições de ensino superior; (Título de reportagem em 31/08/2009. Folha On line). O Ministério da Educação divulgou nesta segunda-feira o desempenho das instituições de ensino superior avaliadas no IGC (Índice Geral de Cursos da Instituição). Foram avaliadas 2.000 universidades, sendo que apenas 21 obtiveram nota máxima. A maioria, 884, obteve nota 3 no IGC --a escala vai de 1 a 5-, o que representa satisfatório. Das 206 instituições públicas, 151 tiveram notas iguais ou superiores a 3, informou o MEC. O indicador, que foi divulgado pela primeira vez no ano passado, atribui notas às faculdades e universidades levando 55 Destacamos que no ano de 2010 o jornal Folha de São Paulo foi ultrapassado em vendas pelo Jornal Super Notícia de Minas Gerais. Contudo, pelo número de anos que estave na frente, bem como pela sua relevante participação e abrangência em todo o Brasil, optou-se pela utilização dessa fonte. Lembramos que os dados referentes a 2011 ainda não estavam disponíveis no momento de finalização desta dissertação. 56 Somente para apontar a relevância dete meio no cenário brasileiro, o Diário Catarinense é o 26° jornal de maior vendagem no Brasil, tendo uma tiragem de 41.962 exemplares no ano de 2010. 57 Segundo a Associação Nacional de Editores e Revistas (ANER) a Revista Veja tem uma tiragem semanal de 1,2 milhões de exemplares, bem como uma circulação líquida de mais de 1 milhão, sendo a revista mais lida do Brasil e alternando-se entre a terceira e a quinta mais lida do mundo. 58 A aletoriedade da escolha dos artigos deu-se somente a partir da pré classificação dos mesmos nos temas abordados. Neste sentido, após a “triagem” inicial, não foram considerados outros fatores senão a simples ordem em que os mesmos foram encontrados. 84 em consideração a qualidade dos cursos de graduação e pósgraduação. A nota da prova é um dos fatores que compõem o CPC (Conceito Preliminar de Curso), utilizado para o cálculo do IGC. O CPC também leva em conta as chamadas "variáveis de insumo", que consideram corpo docente, a infraestrutura e o programa pedagógico. Texto 02: Nove instituições de ensino superior podem ser descredenciadas pelo MEC. (Título de reportagem em 31/08/2009 – Folha Online) Nove instituições de ensino superior que em 2007 obtiveram nota 2 no IGC (Índice Geral de Cursos da Instituição) estão na "malha fina" do MEC (Ministério da Educação). As comissões de avaliação que visitam as universidades após o baixo desempenho do IGC confirmaram as más condições de oferta do ensino. Só 1% das universidades obtém conceito máximo de qualidade. No índice divulgado nesta segunda-feira, essas instituições também obtiveram o conceito 2, considerado insatisfatório. Uma delas já foi descredenciada. O IGC atribui notas às faculdades e universidades que são divididas em faixas de 1 a 5, levando em consideração a nota dos alunos no Enade (Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes) e outros fatores como o corpo docente e a infraestrutura. Após essa etapa, uma equipe faz uma avaliação in loco para confirmar ou não a nota do IGC. No grupo das nove instituições, a Faculdade Cidade de João Pinheiro (MG) já foi descredenciada. Segundo a secretária de Ensino Superior do MEC, Maria Paula Bucci, havia "tantas irregularidades" na oferta do ensino que não foi possível firmar um termo de saneamento que pudesse resolver a situação. As outras instituições entraram com recurso na CTAA (Comissão Técnica de Acompanhamento e Avaliação) do MEC para revisão da nota obtida após a avaliação presencial. A notícia transcrita mostra uma condição satisfatória da educação superior no Brasil, especialmente no trecho que destacamos. Contudo, ao aprofundarmos nossa leitura e análise do texto, percebemos, na mesma publicação, em um ponto menos destacado uma questão que parece contraditória no que se 85 refere a qualidade das instituições de ensino superior (IES) brasileiras. Também induz nossa análise a outras questões, por exemplo: seria esse mecanismo de avaliação tão propalado pela mídia e definido pelo MEC, suficiente para expressar com tanta convicção a qualidade das IES brasileiras? Que critérios definem essa avaliação que exclui elementos da avaliação institucional interna das universidades, por exemplo? Do ponto de vista quantitativo, resultados inferiores a 1%, representados pelas IES com índice máximo, poderiam ser considerados satisfatórios, como os citados no primeiro texto? Texto 03: Meta de 30% dos jovens no ensino superior não será cumprida, diz MEC (Título de reportagem em 27/11/2009 – Folha On Line) Apesar do crescimento nas matrículas do ensino superior apontado pelo censo divulgado nesta sexta pelo MEC (Ministério da Educação), o Brasil não vai cumprir a meta de incluir 30% da população entre 18 e 24 anos na universidade. Essa era uma das determinações estabelecidas pelo PNE (Plano Nacional de Educação) para 2011. Hoje essa taxa está próxima a 14%. "Até 2011 não vamos atingir essa meta. O crescimento dessas taxas são difíceis. Durante duas décadas (70 e 80) ela ficou estagnada em 8%", destacou o presidente do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), Reynaldo Fernandes. Segundo dados do censo de 2008, o Brasil tem 5 milhões de alunos matriculados em cursos superiores no Brasil, a maioria em instituições privadas. O número de ingressantes também aumentou, apesar de ter apresentado uma leve queda em relação ao aumento registrado em anos anteriores. Para a secretária de Ensino Superior do MEC, Maria Paula Bucci, se for considerada a taxa bruta que representa o número de universitários em relação ao total da população o número já chegou a 25%. "As taxas tem melhorado muito, mas não chegaremos aos 30% se considerarmos a taxa líquida na população de 18 a 24 anos. A taxa bruta é mais expressiva do ponto de vista do que acontece no país porque existe uma defasagem grande em todo o fluxo escolar", defende Maria Paula. Para a secretária, os números indicam que o Brasil precisa "continuar expandindo a educação superior" e que é incorreto relacionar o crescimento da oferta de vagas e instituições com queda de qualidade. O atual PNE termina a sua vigência em 2010. No ano que vem será preciso traçar as bases do novo 86 plano com revisão de metas e diretrizes. O Plano Nacional de Educação (PNE) que ainda vigora em 2012, apesar de ser Lei Federal com vigência 2001/2011 (Lei nº 10.172 de 09 de janeiro de 2001) expressa nas suas metas para a educação superior, a inclusão até 2011 de 30% da população brasileira na faixa de 18 a 24 anos, fato este noticiado amplamente pela mídia como apontado no texto jornalístico em análise. Quando observamos alguns dados referentes às metas propostas pelo governo percebemos a intenção não manifestada em confundir a opinião pública em indicar aos formadores de opinião parâmetros contraditórios, pela inclusão da taxa bruta, aumentando acentuadamente o percentual e o aproximando da meta dos 30% como referência de análise do percentual o que se configura como uma forma de “maquiar” os números de um processo que continua extremamente lento, tanto do ponto de vista do acesso, quanto da permanência em relação a mencionada faixa etária. Com isso, essa prática não só confunde, mas aliena, distorce a realidade, pois reforça a representação/ alienação social sobre o tema. Já no que diz respeito a chamada “avaliação” das IES, cada vez mais percebemos uma forte tendência mercantilista de exacerbar os rankings, os chamados “índices de qualidade” como prerrogativa de um processo de formação. Percebemos a continuidade da tendência lançada pelos organismos internacionais, desde a aproximação do Banco Mundial e do FMI com a OMC. Ressaltamos a presença cada vez mais marcante das chamadas “orientações-chave” na condução de determinantes e por que não dizer, dos “destinos” da educação. Texto 04: Prazo para instituições de ensino superior participarem do censo de 2011 termina em 16 de abril (Título de reportagem em 02/02/2012 – Folha Online) Alunos e instituições de ensino superior têm até 16 de abril para responder ao Censo da Educação Superior (ano referência 2011). O Ministério da Educação (MEC) espera a participação de mais de 2,3 mil instituições e de cerca de 6 mil alunos de cursos de bacharelado, licenciatura, tecnológicos e formação específica. O Censo reúne informações sobre as instituições de ensino superior: cursos, vagas oferecidas, inscrições, matrículas, alunos que ingressam e os que se formam, além de 87 informações sobre o corpo docente. Os dados contribuem no cálculo de indicadores de qualidade, como o Índice Geral de Cursos (IGC). Texto 05: Só o direito da UFSC ganha o selo da OAB. (Título de Reportagem 26/11/2011 - Diário Catarinense) Dos 59 cursos de Direito de Santa Catarina reconhecidos pelo Ministério da Educação, apensa o da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) recebeu o selo da OAB 2011. No Brasil, de 1.210 graduações existentes, 90 ganharam o reconhecimento, o que representa 7,4%, conforme divulgado na última quarta-feira. Percebemos que cada vez mais o processo de formação se constrói num sentido competitivo e onde muitas IES passam a ser medidas por sua eficiência, criando-se pontuações, rankings, e colocando as universidades como empresas em concorrência de mercado pelos melhores alunos. O sentido de concorrência é, portanto, transferido também para o contexto da educação e, a pressão do “mundo econômico” parece ter encontrado na educação a sua nova “menina dos olhos”, haja vista a possibilidade de lucro em tornar a educação um serviço dependente de um mercado de consumo. Texto 06: Kroton compra Unopar por R$1,3 bi (Título de Reportagem 16/12/2011 – Revista Veja) Com a compra, a Kroton Educacional fortalece sua posição em ensino a distância no país A Kroton Educacional anunciou nesta sexta-feira a compra da Universidade Norte do Paraná (Unopar) por 1,3 bilhão de reais, impulsionando sua posição em ensino à distância no país. Segundo a Kroton, a Unopar foi fundada em 1972 e é a maior instituição de ensino a distância do país, com cerca de 162 mil alunos, 146 mil deles em cursos de graduação não presenciais. O valor da aquisição será pago em duas etapas. Na primeira, serão 650 milhões de reais à vista, 260 milhões de reais até 14 de março de 2012 e 130 milhões de reais em 12 meses após o fechamento. Na segunda etapa, quando haverá a incorporação de 20% do capital social da Unopar remanescentes, a Kroton pagará com 13.877.460 de suas units. "Com a aquisição da Unopar, a Kroton se consolida como uma das principais organizações educacionais do mundo, com mais 88 de 264 mil alunos no ensino superior e 45 campi distribuídos por todas as regiões do Brasil", afirmou a Kroton em comunicado ao mercado. Notamos inicialmente que o fato de um artigo que envolve universidade estar na coluna de economia, por si só, já denota algumas mudanças no aspecto da concepção e da função da universidade. A revista apresenta diversos dados referentes a compra e aos números que remontam bilhões. Ora, se a Kroton Educacional59 tem toda esta quantia para comprar outra universidade, não estaria ela economizando em termos de desenvolvimento dos estudantes que já a frequentam? Tal lucro não seria exacerbado em uma universidade que não concentra centros de pesquisas de destaque? Como uma instituição de ensino superior pode lucrar tanto e ao mesmo tempo não estar reconhecida como um centro de excelência? Talvez boa parte dos estudantes desta instituição tenham uma clara noção desta “mágica” lucrativa60. Nesse sentido, decidimos também efetivar um cruzamento de informações neste processo de compreensão da concepção de universidade, e, portanto, fez-se aqui necessário dialogar com os estudantes e buscar compreender no contexto destes, os meandros que contemplam a formação da opinião em relação a universidade. Assim, o método escolhido foi a coleta de depoimentos, como será explanada nos próximos parágrafos. Quanto aos depoimentos, o universo que contempla este estudo é composto por um grupo de estudantes de diferentes nacionalidades. A busca pela multiculturalidade fez-se necessária no intuito de buscar articulações e perspectivas distintas, especialmente para que se pudesse perceber o comportamento dos entrevistados com base em diferentes regiões do mundo, “explorados” por diferentes contextos midiáticos. A coleta de dados deste estudo foi realizada entre 10 de maio e 14 de novembro de 2011. As entrevistas foram realizadas em horários diurnos e noturnos, sendo, sendo 6 entrevistas no período matutino, 04 no período vespertino e 10 no 59 A Kroton Educacional é uma das maiores organizações educacionais privadas do Brasil e do mundo, com ações listadas na Bolsa de Valores de São Paulo, (BM&FBovespa), ponto do qual parte a pergunta: estariam os acionistas realmente preocupados com o conteúdo da educação prestada pela instituição ou com o lucro que as ações podem representar a eles? 60 Destacamos aqui uma palestra do Prof. Dr. Valdemar Sguissardi em 2011, no Campus da Unisul Tubarão onde o mesmo apresentava relatos de alunos que chamavam a atenção para a diminuição de investimentos na biblioteca de sua instituição entre outros aspectos, sendo estes os possíveis meios de acumulação de capital. 89 período noturno. A concentração de aplicação de entrevistas no período noturno se deve, especialmente nas pesquisas aplicadas no Brasil, devido ao alto índice de estudantes matriculados na educação superior neste período. Os depoimentos foram coletados seguindo uma mesma orientação, ou seja, a apresentação deste pesquisador e uma breve explicação a respeito do estudo. No que se refere, todos os depoimentos foram tomados em 2011, e identificamos os sujeitos como estudantes de universidades de diferentes países, conforme apresentado a seguir. O tempo médio para os depoimentos foi de 26 minutos. Buscamos deixar o depoente à vontade em suas contribuições aos questionamentos, reorganizando as questões e condução do tema, resguardando a autenticidade das respostas, para evitar induções nos depoimentos, procurando garantir, assim, a coerência no procedimento utilizado. Roteiro básico das questões adotado para a tomada dos depoimentos: Concepção de Universidade; Comparativo de concepção antes e durante o ingresso na universidade; A percepção da universidade na sociedade; A universidade nos meios de comunicação; Função da Universidade; A dualidade da Universidade (Instituição Social; Organização Social). O processo da seleção dos depoentes seguiu alguns critérios, sendo o critério mais utilizado, a participação do autor desta dissertação em eventos nacionais e internacionais. A seleção dos entrevistados se deu aleatoriamente, abordando os sujeitos em seus campi e aplicando os procedimentos neste mesmo local. Neste âmbito temos o seguinte quadro de universidades, através de seus estudantes de graduação, contemplam os participantes desta investigação: Brasil: Universidade Federal de Santa Catarina, Campus de Florianópolis; Universidade do Sul de Santa Catarina, Campus de Tubarão; Universidade do Vale do Itajaí, Campus de Balneário Camboriú. 90 Bolívia: Universidad Loyola, em La Paz. Paraguai: Universidad Autónoma de Asunción; Universidad Católica de Asunción Estados Unidos: Kennesaw State University, em Kennesaw (Georgia); Massachusetts Amherst University, em Boston (Massachusetts); Grand Valley State University, em Allendale (Michigan); University of Minnesota, em Minneapolis (Minnesota); Coréia do Sul: Myongji University, em Seul; México: Universidad Nacional Autónoma de México, na Cidade do México Chile: Universidad Viña del Mar Cuba: Universidad de la Habana Neste processo, o número de depoimentos tomados foi de 22, distribuídos da seguinte forma: 91 Quadro 1 – Perfil dos entrevistados. Sujeitos Idade Naturalidade Graduação Universidade E1 22 Boliviana Veterinária Universidad Loyola E2 21 Boliviana Serviço Social Universidad Loyola E3 22 Boliviana Agronomia Universidad Loyola E4 26 Paraguaia Sociologia Universidad Católica E5 29 Paraguaia Cinema Universidad Entrevistados Autónoma E7 21 Americana Linguística Massachusetts Amherst University E8 19 Americana Gerenciamento University of de Construções Minnesota E9 26 Americana Sociologia Kennesaw University E10 21 Americana Ciências da Grand Valley State Computação University E11 22 Coreana Economia Myongji University E12 29 Brasileira Turismo e Univali Hotelaria E13 24 Brasileira Gastronomia Univali E14 21 Brasileira Direito Univali E15 22 Brasileira Administração Unisul E16 22 Brasileira Letras Unisul E17 23 Brasileira Nutrição UFSC E18 22 Brasileira Jornalismo UFSC E19 27 Mexicana Relações UNAM Internacionais E20 20 Mexicana Economia UNAM E21 29 Chilena Jornalismo Universidad Viña del Mar E22 23 Cubana Turismo Universidad de la Habana Fonte: Dados da Pesquisa, 2011. Para a análise das contribuições obtidas nos depoimentos, recorremos a Fischmann e Sales (2010) que dividem as universidade em 3 (três) modelos. Para 92 fins deste estudo, utilizamos 2 (dois) modelos que melhor se adaptavam as necessidades de obtenção dos dados desta pesquisa. O primeiro, chamado de Universidade de Ensino, Pesquisa e Extensão (UEPE) e o segundo, de Universidade de Mercado (UMER) para os quais foram por eles elencadas algumas características. Universidade de Ensino, Pesquisa e Extensão (UEPE) configura-se como um modelo de universidade nas seguintes situações: 1. O ensino e a aprendizagem de grandes verdades universais e atemporais, através de aulas expositivas ministradas pelo docente; 2. A produção de conhecimento pelo seu valor em si, o que inclui o conhecimento das artes e o desenvolvimento de alunos completos e equilibrados, sem se importar com as vantagens econômicas diretas; 3. A melhora da comunidade, com ênfase na formação de líderes comunitários. (FISCHMANN; SALES, 2010, p. 10). Além disso, para fazer parte desta categoria, a universidade deveria ter ao menos uma das características a seguir: 4. Ser financiada pelo estado; 5. Ser uma instituição autônoma com sua própria cultura e processos. A Universidade de Mercado (UMER) configura-se como um modelo de universidade nas seguintes situações: 1. O ensino de certos conhecimentos que permitiriam aos alunos melhorar sua posição econômica (ao invés de estudantes bem formados integralmente); 2. A produção de trabalhadores bem qualificados e de conhecimentos para investigações, pois a educação superior é a chave para a prosperidade econômica de um país e para a concorrência com outros países. Da mesma forma que a categoria anterior, para fazer parte desta, a universidade deveria ter ao menos uma das características abaixo citadas. 3. Ser um negócio com financiamento próprio; 4. Produzir conhecimento e vendê-lo aos estudantes e clientes investigadores; 5. Utilizar critérios objetivos que possam medir os resultados acadêmicos, tanto na admissão de estudantes como para demonstrar a qualidade institucional; 6. Promover a competição, chave para o aperfeiçoamento, tanto entre estudantes, quanto entre instituições. (FISCHMANN; SALES, 2010, p. 10). 93 A metodologia utilizada, por meio de procedimentos de pesquisa, sugeriu nos primeiros apontamentos de análise uma concepção de universidade voltada ao mercado, com 15 dos 22 depoimentos “ressignificando-a” em suas funções na sociedade. Também se servindo de sua representação para nos moldes de uma organização social, como segue: Quadro 2 – Concepção de Universidade UEPE UMER E1 X E2 X E3 X E4 X E5 X E6 X E7 X E8 X E9 X E10 X E11 X E12 X E13 X E14 X E15 X E16 X E17 X E18 X E19 X E20 X E21 X E22 X FONTE: Dados da Pesquisa. A análise dos “modelos” de universidade entendidos pelos estudantes foi feito com base nos depoimentos tomados, sendo que, para elucidar o método de compreensão e análise desenvolvido neste estudo para a tabulação dos resultados, destacamos alguns trechos de relevância para o mesmo. Assim, verificamos, com 94 base no roteiro apresentado, algumas das contribuições e através das percepções apresentadas, conforme segue: Universidad para mi es superarnos cada día más para ser alguien, una persona con valores. Para superarnos cada día más, más y más porque el motivo es y salir de acá como un profesional. El motivo es salir profesional. Es para esto que estoy acá en la universidad. (E1). Percebemos aqui a vinculação entre a universidade e o lugar que ocupa o indivíduo na sociedade. Percebemos isto quando (E1) destaca a “ideia” de que se transformar em “alguém”, passa pela necessidade de estar na universidade. Interpretamos, assim, pelo seu contrário, ou seja, “quem não está na universidade seria ninguém?” A compreensão a respeito da universidade, tanto na concepção quanto em sua função se interpelam e concentram-se também no sentido único de formação profissional, o que chamava Gramsci (1957), a construção do homo faber, como mostra o depoimento: Es un lugar de formación donde te forman para salir en una carrera cualquier parte que quieras (E2). É uma fase muito importante para estabelecer quais os objetivos em relação ao mercado de trabalho (E12). A universidade é o primeiro passo da minha profissionalização. Serve como caminho para que eu consiga aprender as técnicas necessárias e começar a trabalhar. (E13) University is a place where I can gain new knowledge that pertains to my 61 major so I am able to get a leadership position in a company . Universidade é um lugar onde eu posso adquirir conhecimentos que dizem respeito a minha área de atuação, então eu seria capaz de ter uma posição de liderança em uma empresa (E8). An exposure to a wide range within my subject area of study to aid me in choosing a career path. Uma exposição a uma grande variedade dentro da minha área objeto de estudo para me ajudar na escolha de um plano de carreira. (E7) Universidade é uma instituição com vários institutos e faculdades pras pessoas conseguirem um diploma de ensino superior e ter um bom trabalho. (E11) Universidad es donde te puedes preparar para una carrera profesional (E19). 61 Os depoimentos em inglês foram transcritos na língua original e traduzidos pelo autor em seguida. Tal processo foi definido com o intuito de buscar a legitimidade das respostas e evitar quaisquer tipos de conduções ou tendenciamentos nos trechos traduzidos. 95 Já para outros entrevistados, há a percepção da função social da universidade, como: Una institución que tiene como objetivo brindar formación académica, profesional, científica, humana a todas las personas, en diferentes ramas. La misma, debe estar orientada al mejoramiento de la propia sociedad (E4) Preparar os jovens para o mercado de trabalho, e principalmente para formar cidadãos conscientes (E18). A Universidade é um lugar de referência em formação profissional e social. Sua função seria lançar na sociedade jovens com conhecimento e opinião suficiente para ajudar no desenvolvimento dessa sociedade (E14). Para mim, universidade seria a reunião de vários elementos que promovem a formação profissional e pessoal dos indivíduos. A principal função seria construir a formação profissional e pessoal do indivíduo (E16) La universidad es un recinto de ideas y teorías. La función de la universidad es forjar líderes íntegros y comprometidos con sus comunidades y entorno social (E20). Universidad es un centro de estudios, a los que acuden personas que quieren obtener una profesión, donde se comparte con personas de distintas clases socioeconómicas y generalmente de distintas realidades. Un lugar donde a diferencia de la escuela donde es obligatorio asistir, en las universidades uno asiste porque elige voluntariamente cual es la profesión que quiere desarrollar de por vida (E21). La universidad en Cuba es tal vez ... No sé por qué no se es así en Brasil... tan único como nuestra sociedad. Muchas veces escucho que en otros países las personas se forman para conseguir un trabajo mejor. Aquí, la universidad es para adquirir conocimiento (E22). A representação do viés único da formação para uma carreira, volta a ser citado como a compreensão do estudante para com sua formação. Universidad es un centro donde te especializan para una carrera, para salir profesional. (E3). O mesmo estudante ainda completa que: Yo creo que es para formar gente con conocimiento para que puedas ejercer algo que le gusta.(E3) Neste, a desconexão entre a participação do “eu” no processo formativo aponta para uma percepção na qual há apontamentos da colonialização, da serventia, ao dizer “donde te forman”, padece da incapacidade e da impercepção de 96 que o próprio estudante está inserido no processo de formação pelo “conhecimento vivo” citado por Anísio Teixeira. Para Kassick (2009, p. 38) “observa-se, também, que a docência universitária ainda é realizada sob o signo da transmissão do conhecimento”. (grifos do autor). É, conforme Chauí (2001), a chamada “Universidade Operacional”, explicitada nas afirmações seguintes: La Loyola tiene un nivel profesional de muy buenas referencias porque tú sales de la Loyola y tienes buenas… como puedo dicer… perspectivas. Puedo tener un bueno trabajo en el futuro. (E1) En nuestro tiempo, la universidad se convirtió en una entidad lucrativa muy buena para generar esclavos de grandes empresas. (E5) Eu entendo que a universidade deixou de ser aquilo que era no passado. Hoje a gente estuda e não muda de vida. Daí vem a pós e vejo muito gente na mesma. Cada vez a gente tem que estudar mais para melhorar o emprego (E15) O estudante E5 destacou uma visão profunda (talvez até radical) quanto a universidade, colocando-a num modelo de preparadora do cidadão a ser explorado. Já para E1, ainda que sem a devida percepção, a colonialização intrínseca que ainda enfrentam, quando mostra que, para as universidades bolivianas, um diploma obtido no exterior pode ter uma valorização exacerbada no processo. Mucha gente sale de Bolivia. Quieren trabajar en el exterior. Acá no tenemos la valides de títulos que tiene en Bolivia en otros países. Pero los que vienen del exterior para Bolivia son bienvenidos. Algún extranjero, un agrónoma extranjero y un agrónomo Boliviano, el extranjero ocupa la posición. Hay una valorización para os de allá más que los de acá… tienen preferencias.(E1) Tal afirmação vai de encontro à exacerbação do processo colonialista, da discriminação adotada no discurso da interculturalidade e congrue com as afirmações de Yapu (2011, p. 46) quando diz que a identidade conceituada a um povo “Es mucho más que la relación de “yo” y “el otro”, mas si, “un camino tortuoso de construcción social lleno de tensiones, que como tema, remonta hasta los primeros pasos de la modernidad”. (YAPU, 2001, p. 46). Assim, a complexidade das concepções de indivíduo são também marcadas pelos anos de processos discriminatórios, criando conceitos em forma de protótipos tanto de bolivianos para com estrangeiros, quanto no caminho inverso. Concordamos assim com Casanova (2009, p. 157) quando afirma que “somos partidarios de las diferencias, no de las 97 desigualdades”. Este movimento contraditório entre a informação e a representação se dá também nas análises dos questionamentos como “antes de estares aqui, como vias a universidade?” Cuando estaba en el colegio, decían: La universidad es difícil, pero querer es poder. Es muy difícil, me decían. Me decían que los docentes te daban un tema y lo tenía que mirar solo por como estudiar. (E1). Lo que más o menos me imaginaba era que los estudios tenían que ser más fuertes. Pero ahora se parece lo mismo que la escuela. Pensaba que era un lugar muy distinto de mi colegio donde necesitaría estudiar un poco más y tener una carrera y yo tenía que me aplicar más para ser una buena profesional. (E2). Bueno la vía como algo muy grande, un poco más difícil… bueno, mucho más difícil, mucho más fuerte que el colegio. (E3). Antes de entrar en la universidad, pensaba que era la mejor garantía que podría tener para mi formación profesional. Pero durante el período en que estaba adentro me di cuenta que el criterio de formación profesional es muy diferente a lo que uno espera tener. Ahora pienso que no es así y por esta razón creo que voy salir. (E5) Estoy cursando la universidad, y creo que mis expectativas con relación a ella se van debilitando con el correr de los años. Si bien fue un espacio de formación importante, a raíz de algunos profesores más comprometidos con sus alumnos, además de la interacción con otros compañeros interesantes. No deja de ser un espacio extremadamente burocrático, con una visión mercantilista de la educación, y en el cual solo importa asistir a clases para cumplir los programas establecidos, rendir exámenes, etc. por pura formalidad, con bibliografías desactualizadas, y cada vez más contenidos disociados de la propia realidad del país, del mundo, además de profesores/as que siguen siendo autoritarios ante la mínima organización de los estudiantes.(E4) Na mina opinião não mudou muito. Alguns amigos já cursavam e me passaram como seria. Na verdade, no início eu vim muito motivado, mas, minha expectativas foram se perdendo quando comecei a trabalhar e vi que o salário não tinha mudado muito. (E13) Um estudante ainda completa que: En Paraguay, el sistema educativo es uno de los más excluyentes, ya que es ínfimo el porcentaje de personas que pueden acceder hoy en día a la universidad. (E4) Aqui percebemos a representação da Universidade no sentido da intangibilidade e a formação de um senso comum no sentido da impossibilidade, da distância e da complexidade que envolve a educação superior. Destacamos ainda a 98 manutenção de afirmações sempre voltadas exclusivamente à função da universidade no sentido de qualificar profissionalmente, do mercado do trabalho, e consequentemente, sendo “o meio” para chegar ao “desenvolvimento econômico”. Quanto ao posicionamento da compreensão entre universidade de pesquisa (instituição social) e universidade de ensino (organização social) propomos uma análise sobre a compreensão da diferença entre tais termos. Os depoimentos resultaram nas seguintes formulações: No lo se (E1). Facultad es lo que hay en la pública con varias carreras y universidad son las privadas (E2). En la verdad acá se conoce todo como universidad. Pero, para mí la universidad es la pública (E3). Para mim não há diferença alguma (E12). Eu entendo que a universidade precisa de pesquisa, mas, mesmo a operacional ou de ensino pode ter algumas pesquisas, não? (E17) Eu vejo a universidade com autonomia a escolha mais acertada, pois, se ela visa lucro, como podemos ter certeza que se esforçarão para nos dar o melhor? Me parece que deveria ser sempre voltada ao social. (E18) Assim, podemos apontar que os conceitos apresentados nos primeiros questionamentos vão diretamente ao sentido de concepções importadas de outras definições. Através da comparação, percebemos problemas de compreensão dos estudantes no sentido da instituição a que pertencem, sua definição, bem como a função a ser cumprida pela mesma. Existem respostas ambíguas e formulações que não refletem o real, mas sim o desconhecimento. Quando questionados sobre o que alterou a sua percepção sobre antes de estar na universidade e agora, os depoimentos foram: Cambio muchísimo. Ya no es lo que pensaba. Cambio ahora porque estoy haciendo muchas materias que me gustan y puedo hacer también las prácticas que gusto… es distinto del colegio (E2). Mudou porque agora eu estudo algumas disciplinas mais práticas e menos teóricas. Não entendo o motivo de aprendermos tanta teoria, já que não a utilizamos para nada (E13). Percebemos, neste momento do texto, que a compreensão do estudante 99 está voltada ao exposto no sentido do atendimento de seus gostos individuais e pouco no sentido da compreensão mais ampla. Quanto a compreensão da concepção de universidade e de sua imagem veiculada nos meios de comunicação, questionamos aos entrevistados, como, a partir da imagem exposta por estes meios, poderíamos utilizar como “modelo” de universidade que o estudante conhece em seu dia a dia. Destacamos a análise abaixo: Por ejemplo esta universidad se dedica mucho a la publicidad, pero algunas cosas no están ciertas. Nos prometen muchas cosas pero después no lo cumplen. Hay muchas deficiencias. No cumplimos las prácticas como veterinarios. No hay material para las clínicas, las practicas. La manera que te venden la universidad no es la misma que encuentras acá. No hay mucha gente que se lanza a la investigación porque nadie los apoya. Esto es lo malo. Las públicas acá son mucho mejores. Son mucho mejores. Te quedas en las carreras desde la mañana hasta la noche. (E3, grifos do autor). Já para outro estudante, algumas críticas são feitas à propaganda apresentada pela universidade, mas, no Paraguai, segundo outro depoente, as mudanças ocorridas nos últimos anos mostra a universidade hoje num sentido voltado à competição e ao desenvolvimento técnico. Ao perguntarmos “quando foi a última vez que você ouviu falar sobre universidade na mídia” e, sobre como a universidade era apresentada, e ainda, se “esta” universidade que aparece na mídia se identifica com a que encontraram, tivemos as seguintes constatações: Esta mañana, en la radio. No, la universidad de la propaganda es peor de la que encontré. Las universidades se volvieron una entidad comercial donde se profesa una cosa, pero en la práctica es otra.(E5) Hoy, cuando fue al cine, pasaron un comercial sobre una de las tantas universidades privadas de nuestro país, teniendo como mensajes fuertes a la competitividad y el desarrollo. Y la realidad definitivamente no es la misma! La propaganda muestra lo contrario a la realidad, es decir, a lo que uno encuentra finalmente cuando ingresa a una de ellas. Las semejanzas que tienen: Realmente te enseñan acerca de la competitividad en el mercado, ya que toda la enseñanza está en función a ganar dinero, a cualquier precio. Degradación progresiva de la carreras sociales, por sobre las empresariales. […] Y las diferencias son que tener un título universitario no es directamente proporcional a conseguir trabajo. La certificación del plantel docente no existe, por 100 lo cual los profesores son producto del azar, así como pueden asignarte profesores calificados, también pueden sorprenderte con pseudo profesores.(E4) Hoje em dia as universidades aparecem muito na mídia. vejo o tempo todo algo a respeito, mas somente as particulares. Normalmente é com foto de hotel na internet, dificilmente você encontra aquilo que mostra. Na época em que ingressei, a cobertura da mídia era muito menor. Eu sequer conhecia o campus ou o sistema da universidade pra onde estava indo, assim, não houve decepção em relação a nada. Creio que se fosse hoje me decepcionaria com o que vejo na mídia e o que encontro aqui. (E14) A mídia me parece um pouco mentirosa... [...] bem na verdade, na verdade, não acho que é mentiroso, mas manipulado, meio fantasioso. Nem tudo é simples e fácil como na propaganda. O acesso aos serviços e instalações não estão disponíveis como parece. (E16) Es que en Chile las universidades siempre están en las noticias. Aparecen promocionando sus cursos y escuelas en los diarios y canales de televisión, entre diciembre y marzo para que postulen estudiantes. Luego, en las noticias por ejemplo siempre hay profesores de universidad entre los entrevistados de temas como terremotos, económicos, o que requieran algún teórico al respecto. Mi universidad, la Universidad de Viña del Mar, era una universidad pequeña, que exigía puntaje para tener buenos alumnos, y trataba de tener buenos estudiantes siempre. Ahora, es una universidad grande, de las más tecnológicas del país, con muchos más alumnos, pero no elige tan bien a sus estudiantes, para tener más recursos. (E21) Tais depoimentos nos fazem refletir sobre a atual identidade da universidade, que parece estar perdendo sua autonomia e “clientelizando” os estudantes para então transformá-los em força de trabalho a serviço do capital. A concepção e o posicionamento das universidades vem se aproximando do projeto econômico neoconservador, da condição de, como salientado por Mancebo (2010, p. 46), uma “pseudo-educação de nível superior”. Para alguns dos depoentes, a função da universidade é caracterizada em seus relatos: Debe ser una institución orientada al desarrollo social, promoviendo el saber científico y la investigación, formando personas comprometidas con su sociedad, con verdadero pensamiento crítico. (E4) The true function of a university is to make connections with employers and gain knowledge on specific subjects. A verdadeira função da universidade é fazer conexões com empregadores e adquirir conhecimento nos estudos específicos. (E10) A universidade de ensino, pesquisa e extensão (instituição social), está sendo ressignificada e substituída por uma modalidade onde sua composição se caracteriza pela exclusividade do ensino (organização social) em uma direção cada 101 vez mais pragmática e voltada, na ideologia dos estudantes, ao acúmulo do capital e ao desenvolvimento econômico. 102 8 CONSIDERAÇÕES E RECOMENDAÇÕES A sociedade contemporânea é abarcada por um processo de globalização. Tal processo “encanta” a grande parte dos envolvidos e parece ter uma contemplação da felicidade ao saber que o mundo está ao alcance. O contexto da globalização se mostra, para muitos, como um processo irreversível, irremediável. Assim, estamos todos sendo “globalizados”. Esse sentido de pertencimento começa a se esfacelar em boa parte do planeta. Os governos sulamericanos cada vez mais apostam em figuras com passados de esquerda; o Oriente Médio se vê envolvido com uma série de eventos e revoluções, com cenas da mais pura barbárie; a Europa (quem diria) atravessa uma crise sem precedentes e reluta para manter-se como União Europeia e mercado comum, as custas da demolição do Estado de Bem-Estar Social; a Ásia se vangloria de seus países emergentes, resultado da exploração de empresas que fogem dos altos salários conquistados por lutas históricas pelos direitos humanos na França ou na Inglaterra. Espanha, Grécia, Portugal ou Itália? Onde veremos o próximo colapso? A China que reconfigura a composição mundial, tornando-se cada vez mais integrada ao capital globalizado e sobre a qual indagamos: será a próxima hegemonia? Os Estados Unidos ainda contam as perdas de Wall Street com a crise passada em 2009, sabendo que a próxima está por vir. Ou seria uma consequência inefutável da última? Nesse sentido, percebemos que a globalização vem conduzindo milhares de pessoas a condições impostas, no sentido da proletarização, da discriminação e do descarte daqueles que não são participantes da condição econômica necessária para manter a “roda do jogo girando”. Percebemos que o largo período de ajustes estruturais, especialmente nos anos 1990 que continua vigente até a atualidade, fortaleceu a composição da sociedade mundial do capital, favorecendo os modelos mais internacionalizados e marginalizando ainda mais as periferias. A sociedade sofre também da dicotomia, da dualidade, e por que não dizer, dos problemas que ela mesma cria e impulsiona. As representações da realidade induzem a sociedade à felicidade através dos bens de consumo, da particularidade se cria a universalidade, e, estando a particularidade em acordo com os moldes de governação neoliberal, a 103 universalidade também estará. As representações incorporadas pela sociedade não são naturais, mas são o resultados de construções ideológicas conduzidas pela chamada “mão invisível do Capital”, ainda que em muitas vezes esta seja extremamente visível. A história se ressignifica e dessa forma, ressignifica também as compreensões da sociedade para com diversas concepções. Vivemos num mundo confuso e confusamente percebido. Haveria nisto um paradoxo pedindo uma explicação. De um lado é abusivamente mencionado o extraordinário progresso das ciências e das técnicas, das quais um dos frutos são os novos materiais artificiais que autorizam a precisão e a intencionalidade. De outro lado, há, também, referência obrigatória à aceleração contemporânea e todas as vertigens que cria, a começar pela própria velocidade. Todos esses, porém, são dados de um mundo físico fabricado pelo homem, cuja utilização, aliás, permite que o mundo se torne esse mundo confuso e confusamente percebido. (SANTOS, 2010, p. 17). A dificuldade para compreender a sociedade atual se expressa também na dificuldade de compreender a universidade. Como destacado por Saviani (2007, p. 157), “os contextos educacionais não podem ser compreendidos a não ser na medida em que são referidos ao contexto em que se situam”. Nesse processo se instaura também a universidade, complexa, dinâmica, “globalizada(?)”. Compreender a concepção da universidade, sustentada em um modelo humboldtiano da indissociabilidade entre ensino pesquisa e extensão é o que se defende neste estudo, como também toda a luta desenvolvida neste processo de sua formação. Compreendê-la e assumi-la como produto de uma sociedade neoconservadora e capitalista de exacerbado consumo, é retirá-la de sua forma, é criar algo que talvez não possamos sequer chamar de “universidade”. Nesta dicotomia em que a universidade se apresenta nos marcos de um modelo caracterizado pela dualidade de universidade de pesquisa e de universidade de ensino (mercado), passa a buscar aportes no “lucrativo mercado” educacional. Assim, a universidade pode também se mostrar um aporte de possibilidades de exploração, apresentada na centralidade do mundo econômico. Para Chauí (2003, p. 03), esta transformação da universidade de “[...] uma organização difere-se de uma instituição por definir-se por uma prática social determinada de acordo com sua instrumentalidade: está referida ao conjunto de meios (administrativos) particulares para obtenção de um objetivo particular.” Para Sguissardi (2009, p. 50): 104 ser utópido sem ser otimista ingênuo é saber que a democratização do acesso e garantia de não evasão e conclusão do curso superior depende de políticas de inclusão social, de distribuição, depende de políticas de inclusão social, de distribuição de renda, de erradicação da indigência e da pobreza que afetam mais da metade dos brasileiros. ...e completando a idéia do autor, tavez dependa de uma outra sociedade. Assim, compactuamos com Anísio Teixeira ao afirmar que “a ausência da universidade com suas funções faz com que não se possa chegar a existir como povo". O povo, a nação que vive sem a concepção crítica do conhecimento, da universidade e da “existência autônoma, acaba vivendo, tão somente, como um reflexo dos demais” (TEIXEIRA, 1998, p. 34). 105 REFERÊNCIAS AGUIAR, Márcia Ângela. Sistemas Universitários na América Latina e as Orientações Políticas de Agencias Internacionais. In CATANI, Afrânio Mendes (org.). Novas perspectivas nas políticas de educação superior na América Latina no limiar do séc. XXI. Campinas: Autores Associados, 1998. ANER. Associação Nacional de Editores e Revistas. Disponível em: www.aner.org.br. Acesso em 15 out 2011. ANJ. Associação Nacional de Jornais. Disponível em: www.anj.org.br. Acesso em 03 jan 2012. ANJOS, Gilda Maria Azevedo Alves. Sociedade do espetáculo e comunicação governamental. In: COELHO, Claudio Novaes Pinto; CASTRO, Valdir José de (Orgs.). Comunicação e sociedade do espetáculo. São Paulo: Paulus, 2006. AUGUSTO, Maria Helena Oliveira Gonçalves. 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