texto de ana lucia santana
Transcrição
texto de ana lucia santana
Sobre o livro “Dançarinas do Mundo” por Ana Lucia Santana Dançarinas do Mundo é um livro antes de tudo visual; sua produção artística encanta os olhos, a imaginação e o coração de cada leitor. Em alguns sentidos ele é um livro-objeto, pois suas páginas podem ser desdobradas, dando lugar a outras imagens ou ao próprio texto, no qual estão presentes depoimentos de bailarinas de todos os cantos do Planeta. Quinze dançarinas narram suas experiências pessoais com a dança. Héloïse é a francesinha oculta parcialmente atrás das cortinas de veludo escarlate que se abrem na primeira página e revelam a paixão da jovem pelo balé clássico. Ela estuda na Escola de Dança da Ópera de Paris, e ao compartilhar com o leitor seu sonho de ser a primeira bailarina do Corpo de Baile, aproveita para contar um pouco da história deste estilo coreográfico e de seu balé preferido, Giselle. A segunda personagem é Kate, a representante da dança celta praticada na Irlanda. Originária de Dublin, capital irlandesa, ela descreve com fascinação os passos ágeis e ritmados que retratam o universo das fadas, duendes e espíritos que povoam as florestas e lendas de seu país. Em seguida a autora leva o leitor até o cenário aristocrático de Viena, no qual a valsa dá liberdade de movimento a mulheres como Ingrid, que gira ao som de Shostakovich em um elegante salão palaciano, no qual ela flutua sob lustres de cristal que competem com o brilho prateado das estrelas e inebriam nosso olhar. Ava é a polonesa encantadora que dança da mazurka a polca, passando pela czarda, protagonista desta história, e pela dança brîul romena. Seu figurino, entretecido em azul e branco, combina com o tom azulado da página, o qual reproduz as cortinas abertas de um palco que remete à imagem de um paraíso celestial. Logo depois somos convidados a bailar em Moscou, na Rússia, ao lado de Katja, que testemunha sua paixão pelo balé tradicional russo. Este estilo narra as histórias de sangue e neve do povo deste país, e evoca as presenças de personagens como Ivan o Terrível, Catarina, a Grande e de revoluções que mudaram o rumo da História. O próximo destino é o Japão; aí se apresenta Akiko, que preserva a alma japonesa ancestral na tradição do Kabuki. Seu rosto, semelhante a uma máscara, e o corpo suave e delicado, guardião da perfeita feminilidade, reproduzem um antigo ritual que mescla música, teatro e dança. Na exótica página que se segue encontramos Aram, a indiana que, através da dança conhecida como bharatanatyam, ingressa em uma atmosfera sagrada e reverencia seus deuses. Ela aproveita para destacar a crescente importância da dança nos filmes de Bollywood, embora neste contexto as coreografias sejam consideradas profanas. O espaço seguinte, reservado à dança oriental, é um dos mais deslumbrantes do livro, ilustrado em roxo e dourado, simulando um véu repleto de estrelas que se abre e revela a presença de Yasmine, a sedutora egípcia que cultiva a dança do ventre. Este gênero destaca a sensualidade feminina e prenuncia o cenário do clássico As Mil e Uma Noites. Zaina é a senegalesa que herda a coreografia de seus ancestrais aborígenes e contribui para sua preservação e disseminação. A música que impulsiona seus movimentos renova os íntimos laços que ligam a Humanidade ao Universo e ao Divino. A dança e a música celebram constantemente a alegria de viver. O tango não poderia deixar de estar presente nestas páginas mágicas, e esta é com certeza uma das mais belas e exuberantes, com tons escarlates mesclados a outras cores vivas, que reproduzem perfeitamente a paisagem dos bares e das ruas de Buenos Aires, por onde deslizam dançarinas como Clara. Seus passos evocam a dolorosa história de seu povo. Isabel é a cubana que interioriza em seu corpo, como todo bom conterrâneo, o ritmo da salsa, resultado de elementos europeus e africanos. O mambo e a rumba complementam esta dança e apimentam os jogos de amor e sedução. A taitiana Maeva, ao dançar o tamuré, considerado obsceno pelos colonos que dominaram a ilha no século XIX, destaca sua sensualidade natural. Nos movimentos frenéticos que invadem seu corpo ao som de instrumentos percussivos, ela se funde de tal forma ao ritmo que chega a perder momentaneamente a própria identidade. Os Estados Unidos são representados por Jessica, a nova-iorquina que sublima no Hip Hop seculares sentimentos de ódio e ira, lançando nos passos acrobáticos a violência que habita em sua alma; e por Cynthia, de Chicago, que ao som contagiante do rock, realiza outras acrobacias nos braças de seu parceiro. A trajetória pelo universo da dança tem seu pouso final em Sevilha, na Andaluzia, nos passos inigualáveis do flamenco, fruto de três culturas fundamentais: a muçulmana, repleta de elegância e sabedoria; a judia, enérgica e delicada; e a cigana, pulsante e popular. Aos acordes da guitarra, Esperanza se entrega à vibração do estilo coreográfico que evoca a história da Espanha. Esta obra incomparável foi criada não somente para a apreciação da mente humana, mas, acima de tudo, para ser saboreada por cada um dos nossos sentidos. Desta forma, ela pode ser percorrida de múltiplas formas, conforme o gosto do leitor. E suas páginas podem ser – aliás, devem ser – visitadas com deleite e prazer quantas vezes se desejar.